Clark Using Language PDF
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No 9 , janeiro/março de 2000
Reimpressão
Organizador:
Pedro M. Garcez
COMISSÃO EDITORIAL
Apresentação 5
O uso da linguagem 55
Herbert H. Clark
Tradução de Nelson de Oliveira Azevedo e Pedro M. Garcez
Pedro M. Garcez
Organizador
Michael J. Reddy
Tradução de Ilesca Holsbach, Fabiano B. Gonçalves,
Marcela Migliavacca e Pedro M. Garcez
*
Traduzido, sob permissão da editora, a partir da segunda edição (1993) do artigo
original publicado em A. Ortony, (org.) Metaphor and thought (pp. 164-201), pela
Cambridge University Press. Fica vedada a reprodução.
1
N. de T. Reddy está fazendo referência a Donald Schön, teórico da educação, autor do
artigo que precede a este na obra original (Schön, 1979/1993), tratando de perspectivas
de formulação de problemas (ao invés de solução de problemas).
A METÁFORA DO CONDUTO
2
N. de T. Nos casos em que uma tradução compreensível não reflete uma metáfora
semelhante em português, apresentamos duas frases traduzidas. A primeira evidencia a
metáfora no verbo inglês e a segunda é mais idiomática em português.
(4) Whenever you have a good idea, practice capturing it in the words.
Sempre que você tiver uma boa idéia, acostume-se a captá-la em
palavras.
(5) You have to put each concept into words very carefully.
Você deve colocar cada conceito em palavras com muito cuidado.
(6) Try to pack more thoughts into fewer words.
Tente embalar mais pensamentos em menos palavras.
Tente pôr mais pensamentos em menos palavras.
(7) Insert those ideas elsewhere in the paragraph.
Insira aquelas idéias em outro lugar no parágrafo.
(8) Don’t force your meanings into the wrong words.
Não force os seus significados para dentro das palavras erradas.
Não force as coisas que você quer dizer nas palavras erradas.
(9) Never load a sentence with more thoughts than it can hold.
Nunca carregue uma frase com mais pensamentos do que ela pode
conter.
(14) Can you actually extract coherent ideas from that prose?
Será que dá mesmo para extrair idéias coerentes desse texto?
(15) Let me know if you find any good ideas in the essay.
Me avise se você achar alguma idéia interessante no ensaio.
(16) I don’t get any feelings of anger out of his words.
Eu não tiro qualquer sentimento de raiva das palavras dele.
Porém, fora fazer crer que os leitores e os ouvintes podem “não estar pres-
tando atenção no que há dentro das palavras”, a metáfora do conduto ofe-
rece escassa explicação para a falta de sucesso em se “encontrar” pensamen-
tos suficientes ou os pensamentos corretos “dentro do que alguém diz”. En-
tretanto, caso alguém descubra pensamentos em demasia, temos uma ex-
pressão maravilhosamente absurda que culpa a pessoa por isso.
(20) You’re reading things into the poem.
ma”. Essas palavras, pelo menos nos seus sentidos essenciais, designam o pa-
drão físico exterior das marcas ou sons que realmente passam entre os falan-
tes. Tais energias, ao contrário dos pensamentos em si próprios, são recebidas
fisicamente, e são o que os teóricos da informação teriam chamado de “sinais”.
Se adotarmos esse nome genérico para o segundo grupo e o abreviarmos para
“s”, então as expressões nucleares dos exemplos (4) a (6) seriam:
IR float around
IR flutuando por aí
(30) That concept has been floating around for decades.
Esse conceito vêm flutuando por aí há décadas.
IR find way
IR percorrer o caminho até chegar
(31) Somehow, these hostile feelings found their way to the guettos of Rome.
De alguma forma, esses sentimentos hostis percorreram seu cami-
nho até chegar aos guetos de Roma.
find IR LOC EX
encontrar IR LOC EX
(32) You’ll find better ideas than that in the library.
Você encontrará idéias melhores do que essa na biblioteca.
(33) John found those ideas in the jungles of the Amazon, not in some
classroom.
John encontrou essas idéias nas florestas da Amazônia e não em
uma sala de aula.
(LOC EX significa aqui qualquer expressão locativa que designe um
lugar que não dentro dos seres humanos, ou seja, um locativo externo)
absorb IR
absorver IR
(34) You have to “absorb” Aristotle’s ideas a little at a time.
Você tem que “absorver” as idéias de Aristóteles um pouco de cada vez.
IR to go over someone’s head
IR passar acima da cabeça de alguém (IR passar despercebida)
(35) Her delicate emotions went right over his head.
As delicadas emoções dela passaram acima da cabeça dele.
As delicadas emoções dela passaram despercebidas para ele.
get IR into someone’s head
conseguir (pôr) IR para dentro da cabeça de alguém (pôr na cabeça)
(36) How many different concepts can you get into your head in one evening?
Quantos conceitos diferentes você consegue pôr para dentro da sua
cabeça em uma noite?
que o faz todo de madeira e tem que adaptar um pouco o desenho para que
a cabeça com as duas pontas fique suficientemente forte. Ainda assim, no seu
ambiente em larga medida desprovido de rochas, ele não vê muita utilidade
para o instrumento e fica preocupado que B não tenha entendido o ancinho.
Então, A desenha um segundo conjunto de instruções mais detalhadas para
a trave do ancinho e envia para todos os demais. Enquanto isso, em um
outro setor, a pessoa C, que está particularmente interessada em limpar um
certo pântano, criou, com base nesses vários grupos de informações — a
enxada. Afinal de contas, quando se está lidando com vegetação de pântano
e lodo, precisa-se de algo que corte bem até as raízes. A pessoa D, partindo do
mesmo grupo de instruções, construiu um arpão. A pessoa D tem um pe-
queno lago e pesca bastante.
Embora fosse interessante conhecer C e D, os heróis principais da história
são A e B. Voltamos a eles para o clímax da conversa sobre o ancinho, na
qual, para a surpresa de todos, aparece uma comunicação real. A e B, que
tiveram intercâmbios vantajosos no passado e que, portanto, não se impor-
tam em trabalhar com bastante afinco em suas comunicações, estão envolvi-
dos nesse problema do ancinho já há algum tempo. As instruções dos dois
simplesmente não combinam. A pessoa B teve até mesmo que abandonar
sua hipótese original de que A era um homem grande que tinha que lidar
apenas com pedras pequenas. Isso simplesmente não fecha com as instruções
que ele está recebendo. De sua parte, A está ficando tão frustrado que está
pronto para desistir. Senta-se perto do ponto central da roda e, numa espécie
de absorta demonstração de raiva, fricciona dois pedregulhos um contra o
outro. De repente ele pára. Ele segura as duas pedras diante de seus olhos e
parece estar pensando furiosamente. Então ele corre até o ponto central da
roda e começa a rabiscar o mais rápido possível novas informações, agora
usando engenhosos símbolos icônicos para pedra e madeira, que ele espera
que B irá compreender. Em breve, A e B estarão extasiados. Todo tipo de
conjuntos de informações anteriores, não somente sobre o ancinho, mas
também sobre outras coisas, agora fazem sentido perfeitamente. Eles alcan-
çaram um novo patamar de inferência um sobre o outro e sobre o ambiente
de cada um dos dois.
Para fins de comparação, examinemos essa mesma situação mais uma
vez, conforme a metáfora do conduto a veria. Em termos do paradigma da
subjetividade radical para a comunicação humana, o que a metáfora do
conduto faz é permitir a troca de elementos dos ambientes, incluindo as
construções reais em si. Na nossa história, teríamos que imaginar uma ma-
ravilhosa e tecnológica máquina de duplicação localizada no ponto central
da roda. A pessoa A coloca seu ancinho em uma câmara especial, aperta um
botão e, instantânea e precisamente, réplicas do ancinho aparecem em câma-
ras similares para que B, C e D façam uso dele. B, C e D não têm que construir
ou adivinhar nada. Se a pessoa B quisesse se comunicar com C e D sobre o
ancinho de A, não haveria desculpa para que enviasse para tais pessoas algo
diferente de uma réplica exata do ancinho. Ainda há diferenças nos ambien-
tes, mas conhecer esse tipo de coisa passa a ser uma questão trivial. Tudo o
que B jamais enviou para A foi sempre construído principalmente com
pedra, e A está perfeitamente ciente da situação de seu vizinho. Mesmo que
a maravilhosa máquina vacilasse de vez em quando, e os artefatos chegas-
sem danificados, ainda assim, objetos danificados se parecem com objetos
danificados. Um ancinho danificado não se parece com uma enxada. Aquele
que recebeu pode simplesmente enviar o objeto danificado de volta e espe-
rar que a outra pessoa envie outra réplica. Deve estar claro que a tendência
esmagadora do sistema, conforme a metáfora do conduto, será, sempre,
sucesso sem esforço. Ao mesmo tempo, deve ficar semelhantemente óbvio
que, nos termos do paradigma dos construtores de instrumentos, e segundo
o postulado da subjetividade radical, chegamos justamente à conclusão
oposta. A comunicação humana quase sempre perderá seu rumo, a não
ser que muita energia seja despendida.
Essa comparação traz à luz o conflito básico entre a metáfora do condu-
to e o paradigma dos construtores de instrumentos. Ambos os modelos
explicam o fenômeno da comunicação. Porém, eles chegam a conclusões
totalmente diferentes sobre quais são, no fenômeno, os estados de coisas
mais naturais, e quais são os estados menos naturais, ou restritos. Nos
termos da metáfora do conduto, o que requer explicação é falha em comu-
nicar. O sucesso parece ser automático. Porém, se pensarmos nos termos do
paradigma dos construtores de instrumentos, nossa expectativa é precisa-
mente o contrário. Falha parcial de comunicação ou divergências de leitura
de um único texto não são aberrações. São tendências inerentes ao sistema,
que só podem ser neutralizadas por esforços contínuos e grandes quantida-
des de interação verbal. Nessa visão, as coisas serão naturalmente dispersas,
a menos que venhamos a despender energia para reuni-las. Elas não vão ser
reunidas naturalmente, como a metáfora do conduto nos faria crer, com
uma alarmante população de idiotas equivocados a querer espalhá-las.
Conforme têm salientado muitos estudiosos (Kuhn, 1970, Butterfield,
1965), as o que constitui uma revolução científica são mudanças dessa or-
dem em termos da noção de o que alguma coisa faz “naturalmente”, isto é, se
deixada ao seus próprio desígnios. Se a terra permanece em algum ponto
central, então são os movimentos dos corpos celestiais que devem ser
teorizados e preditos. Porém, se o sol estiver no ponto central, então deve-
mos teorizar sobre o movimento da terra. Sob esse aspecto, a situação presente
PATOLOGIA SEMÂNTICA
3
N. de T. Também conhecida como Hipótese do Relativismo Lingüístico, atribuída a
Benjamin Lee Whorf e Edward Sapir, segundo a qual os indivíduos teriam seus padrões
de pensamento e ação ao menos parcialmente determinados pelas estruturas
morfossintático-semânticas das suas línguas.
temente indagado por meus alunos sobre o porquê de estar usando as ex-
pressões sobre as quais estou palestrando. Se falo cuidadosamente, com
atenção constante, posso muito bem evitá-las. Mas o resultado é um inglês
pouco idiomático. Ao invés de entrar na sala de aula perguntando “Você
tirou alguma coisa de interessante do artigo?” (Did you get anything out of
that article?), tenho que dizer “Você foi capaz de construir alguma cosia de
interesse com base no texto solicitado?” (Were you able to construct anything
of interest on the basis of the assigned text?). Eu ousaria dizer que mesmo o
presente artigo, se for examinado, não está livre das expressões da metáfora
do conduto. Terminei a seção precedente com um exemplo da categoria 3 do
arcabouço secundário, (141) no Apêndice, quando escrevi: “Os argumentos
cairão sobre ouvidos moucos” (The arguments will fall on deaf ears). Na
prática, se você tenta evitar todas as expressões óbvias da metáfora do con-
duto no seu uso, você fica praticamente sem palavras quando a comunica-
ção passa a ser o tópico. Você pode dizer para o seu aluno teimoso: “Tente se
comunicar com mais eficiência, Reginald” (Try to communicate more
effectively, Reginald), mas isso não terá o mesmo impacto que “Reginald,
você tem que aprender a colocar os seus pensamentos em palavras” (Reginald,
you’ve got to learn how to put your thoughts into words).
Contudo, mesmo se você pudesse evitar todos esses óbvios
“metaforismos” do conduto, isso ainda assim não iria livrar você do
arcabouço. Os fios, como já disse, estão por quase toda parte. Para verificar
que eles se estendem muito além de apenas uma lista de expressões, gostaria
de ressuscitar um conceito da semântica pré-transformacional. No livro
Principles of Semantics, Stephen Ullmann (1957, p. 122) faz uso do termo
patologia semântica. Uma patologia semântica nasce “sempre que dois ou
mais sentidos incompatíveis capazes de figurar de forma significativa no
mesmo contexto desenvolvem-se acerca do mesmo nome”. Por algum tem-
po, minha ilustração favorita no inglês era o delicado e difícil problema de se
fazer a distinção entre sympathy (simpatia, empatia, solidariedade, compai-
xão ou condolência) e apology (expressão de arrependimento, pedido de
desculpas). Ou seja, I’m sorry (Sinto muito; mais literalmente, eu estou sen-
tido) tanto pode significar “Eu compreendo, tenho empatia pelo seu sofri-
mento” como pode significar “Eu admito que errei e peço desculpas”. Às
vezes, as pessoas esperam que expressemos arrependimento ou desculpas
quando desejamos ser solidários apenas, caso em que dizer “sinto muito”
vem a ser uma mitigação perfeita ou a abertura de uma briga. Outras vezes,
as pessoas pensam que estamos nos desculpando quando não vêem necessi-
dade para que nos desculpemos e respondem: “Tudo bem, não foi culpa sua.”
Entretanto, à medida que fui estudando a metáfora do conduto, passei a
confiar cada vez menos nesse exemplo. Eu estava sempre me deparando com
termos que eram ambíguos entre o que aqui são chamados de “itens do reper-
tório” e o que chamamos de “sinais”. Eu encontrava uma palavra que, em seu
sentido básico, se referisse a algum agrupamento das marcas ou sons que
trocamos uns com os outros. Contudo, quando eu usava o termo em frases,
percebia que ele poderia ser empregado com referência a segmentos de pensa-
mentos e emoções humanas com a mesma facilidade e freqüência. Considere
a palavra “poema”, por exemplo. De (37) a (39),
(46) The Old Man and the Sea is 112 pages long
O Velho e o Mar tem 112 páginas
(47) The Old Man and the Sea is deeply symbolic
O Velho e o Mar é profundamente simbólico.
isso produz uma forma cujos referentes mais naturais são um grupo de
POEMA1S, isto é, uma série de diferentes textos. Seria realmente antinatural
proferir (48) e dizer que havia vários POEMA2S inteiros. O POEMA2 de
Michael, o POEMA2 de Mary, o POEMA2 de Alex e assim por diante, todos
construídos a partir do mesmo POEMA1, os quais seriam discutidos em um
determinado dia. O que isso quer dizer é que, embora o POEMA1 se pluralize
Pois se, em (49), a palavra “poema” significa POEMA1, então esse sintagma se
aplica para variantes do texto – que não é o que ele quer dizer. Por outro lado,
se “poema” significa POEMA2, então ele ainda está em apuros. Agora parece
que há um POEMA2 apropriado e correto, disponível a todos nós, o qual
nós podemos, entretanto, por razões de gosto, alterar ligeiramente. O
subjetivismo radical, a absoluta impossibilidade de transferência de qual-
quer POEMA2 “correto”, é completamente atrapalhado por (49) e (50). Esse
fato da maior importância, o de que há um único POEMA1, mas necessari-
amente vários POEMAS2, não pode ser expresso com facilidade, consistência
ou de todo naturalmente.
Essa discussão, embora não diga de modo algum tudo o que poderia ser
dito, proporciona uma ilustração inicial daquilo que poderia acontecer a
alguém que realmente tentasse descartar a metáfora do conduto e fosse
pensar séria e coerentemente em termos do paradigma dos construtores de
instrumentos. Essa pessoa enfrentaria sérias dificuldades lingüísticas, para
dizer o mínimo, e precisaria, muito claramente, criar uma nova linguagem à
medida que fosse reestruturando seu pensamento. Porém, é claro, ela iria
provavelmente fazer isso somente se compartilhasse conosco de nossa cons-
ciência presente do poder capcioso da metáfora do conduto. Até onde sei,
nenhum dos pensadores que apresentou teorias alternativas sobre a lingua-
gem e sobre a natureza do significado tinham essa consciência. Assim, a
metáfora do conduto estava a miná-los, sem nenhum conhecimento por
parte deles quanto ao que estava acontecendo. É claro, os problemas causa-
dos por essa confusão na estética e na crítica são inúmeros, e é fácil docu-
mentar minhas asserções pela análise de trabalhos nessa área. Entretanto,
uma documentação mais convincente — na verdade a documentação mais
convincente que alguém poderia desejar — pode ser encontrada no desen-
volvimento histórico da teoria matemática da informação. Pois de todos os
lugares possíveis, seria de se esperar que fosse ali, contando-se com uma
álgebra não-conceitual da informação e com máquinas para se usar como
modelos, que o efeito da metáfora do conduto deveria ser evitado. Contudo,
na verdade, não foi. E a base conceitual da nova matemática, embora não a
própria matemática, foi completamente obscurecida pelas patologias se-
mânticas da metáfora do conduto.
O arcabouço da teoria matemática da informação tem muito em co-
mum com o nosso paradigma dos construtores de instrumentos. A infor-
mação é definida como a capacidade de fazer seleções não-aleatórias a partir
de algum conjunto de alternativas. A comunicação, que vem a ser a transfe-
rência dessa capacidade de um lugar para outro, é concebida como ocorren-
do da seguinte maneira. São estabelecidos o conjunto de alternativas e um
código que relaciona essas alternativas com sinais físicos, e então uma cópia
do conjunto e do código são colocadas nos terminais de emissão e recepção
do sistema. Esse ato cria o que é conhecido como um “um contexto compar-
tilhado a priori”, um pré-requisito para alcançar qualquer comunicação que
seja. No terminal que transmite, uma seqüência de alternativas, chamada
mensagem, é escolhida para comunicação ao outro terminal. Contudo, essa
seqüência de alternativas não é enviada. Ao invés disso, as alternativas esco-
lhidas são relacionadas de modo sistemático pelo código a alguma forma de
padrões de energia que podem viajar rapidamente e reter sua forma enquan-
to de fato viajam — isto é, aos sinais.
Todo o propósito do sistema é que as alternativas em si próprias não são
móveis, não podem ser enviadas, ao passo que os padrões de energia, “os
sinais”, sim, são móveis. Se tudo correr bem, quando os sinais chegam ao
terminal de recepção, são usados para duplicar o processo de seleção original
e recriar a mensagem. Isto é, usando as relações de código e a cópia do
conjunto original de alternativas, o terminal de recepção pode fazer as mes-
mas seleções que foram feitas previamente no terminal de transmissão quan-
do a mensagem foi gerada. A quantificação é possível nesse arcabouço so-
mente porque se podem determinar medidas de quanto os sinais recebidos
especificam as escolhas possíveis a partir de alternativas preexistentes.
Em termos do nosso paradigma dos construtores de instrumentos, a
série pré-definida de alternativas da teoria da informação corresponde ao
que chamamos de “repertório”. Os ambientes das pessoas no seu recinto da
figura da roda de carroça, todos, têm muito em comum — de outra maneira
seu sistema de instruções não iria funcionar de modo algum. Os “sinais” da
teoria matemática são exatamente iguais aos nossos “sinais” — os padrões
que podem viajar, que podem ser trocados. No mundo dos recintos, eles são
as folhas de papel enviadas de um lado para o outro. Note, no entanto, que
na teoria da informação, como em nosso paradigma, as alternativas — as
4
N. de T. Como língua materna, presume-se.
5
N. de T. A frase original é: “How precisely do the transmitted symbols convey the
desired meaning?”
IMPLICAÇÕES SOCIAIS
meiro modo, gostaria de voltar “às histórias” contadas em uma das seções
anteriores e adicionar um episódio final.
Sucedeu-se em um determinado ano, que um mago do mal, que era um
perito em hipnose, sobrevoou os recintos dos construtores de instrumentos.
Olhando para baixo, ele viu que, apesar das formidáveis dificuldades, A, B, C
e D estavam indo muito bem com seu sistema de envio de instruções. Eles
estavam plenamente cientes de que comunicar se tratava de um trabalho
árduo. E seus sucessos eram extremamente gratificantes para eles, porque
eles retinham um claro sentimento de espanto e de maravilhamento de que
sequer pudessem fazer o sistema funcionar. Era um milagre diário, que tinha
melhorado imensamente seus respectivos padrões de vida. O mago do mal
estava muito descontente com isso e decidiu fazer para A, B, C e D a pior
coisa que foi capaz de pensar. O que ele fez foi seguinte. Ele os hipnotizou de
uma forma especial, de tal modo que, depois receber um conjunto de
instruções e de lutar para construir alguma coisa com base nas instruções,
eles passaram a esquecer disso imediatamente. No lugar, ele plantou neles
uma falsa memória de que o objeto lhes fora enviado diretamente da outra
pessoa, via um mecanismo maravilhoso na parte central da roda. É claro,
isso não era verdade. Eles próprios ainda tinham que construir os objetos, a
partir de seus próprios materiais — mas o mago deixou-os cegos para isso.
Resultou que a argúcia do mago do mal foi profunda. Pois, muito embo-
ra, objetivamente, o sistema de comunicações do conjunto dos recintos não
tivesse mudado em nada, ele mesmo assim caiu rapidamente em desuso e
decadência. E à medida que se fragmentava, o mesmo ocorreu com o espírito
de harmonia e progresso em comunidade que sempre caracterizara as rela-
ções de A, B, C e D. Por ora, uma vez que passaram a sempre esquecer de que
eram eles próprios que montavam cada objeto por suas próprias forças e de
que assim carregavam grande parte da responsabilidade acerca da forma do
objeto, passou a ser fácil ridicularizar o emissor por qualquer defeito. Eles
também começaram a gastar cada vez menos tempo trabalhando na mon-
tagem das coisas, porque, uma vez que o bloqueio mental fazia efeito, não
havia mais aquele sentimento de recompensa por um trabalho bem feito.
Tão logo eles terminavam uma montagem, a hipnose fazia efeito e, de repen-
te — bem, mesmo eles estando exaustos, ainda assim, era o outro sujeito que
tinha feito todo o trabalho difícil e criativo de montar os objetos. Qualquer
tolo poderia obter um produto acabado da câmara na parte central da roda.
Assim, eles passaram a se desgostar com toda tarefa de montagem que
exigisse trabalho de verdade e por isso começaram a abandoná-las. No en-
tanto, esse não era o pior dos efeitos previstos pelo mago do mal ao lançar
seu feitiço. Pois, de fato, não demorou muito para que cada uma das pessoas
viesse a considerar, particularmente, a idéia de que todos os outros teriam
APÊNDICE
1. O arcabouço Principal
4. give IR away
“Jane gives away all her best ideas.”
5. get IR from someone
“Marsha got those concepts from Rudolf.”
6. IR get through (to someone)
“Your real feelings are finally getting through to me.”
7. IR come through to (someone)
“Apparently, your reasons came through to John quite clearly.”
“What comes through most obviously is anger.”
8. IR come across (to someone)
“Your concepts come across beautifully.”
9. IR make it across (to someone)
“Your thoughts here don’t quite make it across.”
10. let someone have IR
“Oh come on, let me have some of your great ideas about this.”
11. present someone with IR
“Well, you have presented me with some unfamiliar thoughts and I think
I should let them settle awhile.”
12. send IR (to someone)
“Next time you write, send better ideas.”
13. language transfers IR
“Language transfers meaning.”
22. include IR in s
“I would certainly not include that feeling in your speech.”
23. burden s with IR
“You burden your words with rather terribly complex meaning.”
24. overload s with IR
“Harry does not exactly overload his paragraphs with thought.”
25. stuff IR into s
“You cannot simply stuff ideas into a sentence any old way!”
26. stuff s with IR/full of IR
“You have only a short time, so try to stuff the essay with all your best ideas.”
You can stuff the paper full of earthshaking ideas — that man still won’t
notice.”
27. cram IR into s
“Dickinson crams incredible amounts of meaning into her poems.”
28. cram with IR/full of IR
“He crammed the speech with subversive ideas.”
“Harry crammed the chapter full of spurious arguments.”
29. unload IR in s
“Unload your feelings in words — then your head will be clearer.”
30. force IR into s
“Don’t force your meanings into the wrong words.”
31. get IR into s
“I can’t seem to get these ideas into words.”
32. shove IR into s
“Trying to shove such complicated meanings into simple sentences is
exceedingly difficult.”
33. fit IR into s
“This notion does not seem to fit into any words.”
34. s carry IR
“His words carry little in the way of recognizable meaning.”
35. s convey IR
“The passage conveys a feeling of excitement.”
36. s transfer IR
“Your writing must transfer these ideas to those who need them.”
37. s display IR
“This essay displays thoughts I did not think Marsha capable of.”
38. s bring IR (with it)
“His letter brought the idea to the French pilots.”
39. s contain IR
“In terms of the rest of the poem, your couplet contains the wrong kind
of thoughts.”
2. O arcabouço menor
126. absorb IR
“You have to absorb Plato’s ideas a little at a time.”
127. IR sink in
“Harry just wont’s let certain kinds of thoughts sink in.”
128. take IR in
“You have to learn to take in your friends’ emotions and react sensibly
to them.”
129. internalize IR
“Marsha has obviously not internalized these ideas.”
130. catch IR
“It was a notion I didn’t catch right away.”
131. get IR
“We didn’t get that idea until very late in the semester.”
132. IR come to someone
“Then the thought came to me that you might have already left.”
133. IR come to mind
“Different ideas come to mind in a situation like this.”
134. IR come to someone’s ears
“The thought of doing things differently came to my ears in a very
curious fashion.”
135. soak up IR
“You should see him soak up ideas.”
136. stuff someone/someone’s head with/full of IR
“That have already stuffed his head full of radical ideas.”
137. cram (IR)
“I’m cramming history tonight for tomorrow’s exam.”
“Cramming most of the major ideas of organic in a single night is im-
possible.”
“I’m sorry, but I have to cram this afternoon.”
138. shove IR into someone/someone’s head
“I’ve shoved so many ideas into my head today I’m dizzy.”
139. IR go over someone’s head
“Of course, my ideas went right over his head.”
140. IR go right past someone
“It seems like the argument went right past him.”
141. IR fall on deaf ears
“Her unhappy feelings fell on deaf ears.”
Muitas das expressões abaixo podem ser usadas com adjuntos co-
muns para formar declarações que apóiam a metáfora do conduto. Assim,
somente quando são usadas sem esses adjuntos é que podem ser considera-
das alternativas. Para tornar isso aparente, apresentarei exemplos marcados
por asteriscos que demonstram como a neutralidade dessas expressões pode
33. s symbolize IR
“Words symbolize meanings.”
“Gestures can symbolize various emotions.”
34. s correspond to IR
“The sentence corresponds to my thoughts.”
35. s stand for IR
“Sentences stand for human thoughts.”
?36. s represent IR
“Language represents our thoughts and feelings.”
?37. s mean/have meanings (to someone)
“I hope my words mean something to you.”
Referências
Herbert H. Clark
Tradução de Nelson de Oliveira Azevedo e Pedro M. Garcez
*
Traduzido, sob permissão da editora e do autor, a partir da obra original do autor,
Using Language (pp. 3-25), publicada pela Cambridge University Press em 1996. Fica
vedada a reprodução.
1
Ver em Hymes (1974, pp. 55-56), um uso relacionado dos termos cenário e cena.
CENÁRIOS ESCRITOS
2
Ver a discussão sobre “exclamações de reação” (Goffman, 1978) no capítulo 11.
CENÁRIOS NÃO-BÁSICOS
3
Para evidências, ver Sachs, Bard & Johnson (1981) e Snow, Arlman-Rupp, Hassing,
Jobse, Jorsten & Vorster (1976).
Se os cenários face a face são básicos, as pessoas deveriam ter que apli-
car habilidades ou procedimentos especiais toda vez que esses elemen-
tos estivessem faltando. Quanto mais elementos estiverem faltando,
mais especializadas serão as habilidades e os procedimentos. Isso se
confirma informalmente.
As características de 1 a 4 refletem o imediatismo da conversa face a
face. Nesse cenário, os participantes podem se ver e ouvir um ao outro
e também o que lhes cerca, sem interferências. O telefone elimina a co-
presença e a visibilidade, limitando e alterando em certas maneiras o
uso da linguagem. As conversas através das conexões de vídeo prescin-
dem da co-presença, o que as faz diferentes também. Em palestras e
outros cenários não-pessoais, os falantes têm acesso restrito aos seus
interlocutores destinatários, e vice-versa, mudando a maneira de pro-
ceder de ambas as partes. Nos cenários escritos, que prescindem de
todos os quatro elementos, o uso da linguagem funciona ainda mais
diferentemente.
As características 5 a 7 refletem o meio. A fala, os gestos e o direcionamento
do olhar são evanescentes, mas a escrita não é, e isso tem efeitos de grande
extensão no decorrer do uso da linguagem. A fala não é normalmente grava-
da, mas quando ela é, como numa secretária eletrônica, os participantes
procedem de forma muito diferente. Em contraste, a escrita é normalmente
retransmitida por meio de um registro impresso, e isso conduz a diferenças
enormes na maneira em que a linguagem é usada. Contando com registros
escritos e nenhuma instantaneidade, os escritores podem revisar o que escre-
vem antes de enviar o material escrito e os leitores podem reler, revisar e citar
o que leram. A maioria dos cenários falados permitem aos participantes
SIGNIFICADO E ENTENDIMENTO
4
N. de T. O termo original é common ground.
aperto de mãos, trocar sorrisos, dançar e até mesmo passar um pelo outro
na rua sem se chocar, tudo isso requer que eles coordenem as suas ações. Eles
não poderão fazer nada disso sem sustentar essas ações sobre a base comum
que há entre os dois. Quando a linguagem é uma parte essencial da atividade
social, como no caso da conversa, da leitura de um romance ou da interpre-
tação de uma peça, há um elemento adicional de coordenação entre o que os
falantes querem dizer e o que os interlocutores destinatários entendem que
eles queiram dizer, entre o significado do falante e o entendimento do interlocutor
destinatário.
Suponha que Alan aponte para uma calçada próxima e diga a Barbara :
“Você viu meu cachorro passar correndo por aqui?”. Ao executar essas ações
— a elocução, o gesto, as expressões faciais, o direcionamento de seu olhar
— Alan quer dizer que é para Barbara responder se viu ou não o cachorro
dele passar na calçada para a qual ele está apontando. Esse tipo especial de
intenção é o que é chamado de significado do falante (ver Capítulo 5). Ao
fazer o que fez, Alan tem a intenção de que Barbara reconheça que ele quer
que ela diga se ela viu ou não viu o cachorro passar correndo pela calçada, e
ela deve perceber isso, em parte ao reconhecer aquela intenção. O notável
sobre as intenções de Alan é que elas envolvem os pensamentos de Barbara
sobre essas mesmas intenções. Para ter sucesso, ele deve fazer com que Barbara
se coordene com relação ao que ele quer dizer e ao que ela entende que ele
esteja querendo dizer. Trata-se de um tipo de ação conjunta.
Duas partes essenciais da ação conjunta dos dois são os sinais de Alan e
a identificação desses sinais por parte de Barbara. Usarei o termo sinal para
qualquer ação pela qual uma pessoa queira dizer algo a uma outra pessoa.
Isto é, significado e entendimento são criados em torno de eventos particula-
res — com qualificações ainda por vir — que são iniciados pelos falantes
para que os destinatários os venham a identificar. Esses eventos são sinais. O
sinal de Alan consiste de sua elocução, seus gestos, suas expressões faciais, o
direcionamento de seu olhar e, talvez, outras ações, e Barbara identifica essa
composição ao entender o que ele quer dizer (ver Capítulo 6).
Os sinais são ações deliberadas. Algumas são desempenhadas como par-
te de línguas convencionais como o inglês, o dakota, o japonês ou a língua
norte-americana de sinais, ASL, mas qualquer ação deliberada pode ser um
sinal nas circunstâncias certas. Ao dependurar uma escada de cordas da sua
janela, Julieta sinalizou a Romeu que era seguro visitá-la. Os árbitros e os
juizes sinalizam faltas e gols com gestos convencionais. Os bons contadores
de histórias sinalizam aspectos das suas descrições com gestos demonstrati-
vos não-convencionais. Todos nós sinalizamos coisas deliberadamente ao
sorrir, levantar as sobrancelhas, fazer caretas empáticas e outros gestos faciais.
Até mesmo sinalizamos certas coisas ao deixarmos deliberadamente de agir
quando uma tal ação é mutuamente esperada, como, por exemplo, no caso
de certas pausas e expressões faciais deliberadamente pasmadas.5 Assim,
alguns aspectos dos sinais são convencionais e outros não são. Alguns dos
aspectos convencionais pertencem aos sistemas de signos tais como o inglês
ou a língua norte-americana de sinais, e outros não. Além disso, alguns
sinais são desempenhados como parte de seqüências intrincadas, como em
conversas e romances, e outros não. Ao dependurar a escada para Romeu,
Julieta criou um sinal isolado para um propósito especial.
Alan e Barbara não vão conseguir coordenar significado e entendimento
sem referência à sua base comum. Quando Alan diz “Você viu o meu cachor-
ro passar correndo por aqui?” Barbara deve consultar os significados das
palavras você, viu, aqui, etc., e a composição deles nas construções de frases
da língua. Esses significados e construções são parte da base comum de
Barbara e Alan, por que ambos são membros da comunidade de falantes
dessa mesma língua. Para reconhecer os referentes de meu, você, aqui, e o
tempo denotado por viu, Barbara tem que tomar conhecimento de outras
partes do sinal de Alan — que ele tem o olhar direcionado para ela agora, que
ele está apontando para uma calçada nas proximidades. Isso por sua vez
requer que ela consulte a base comum entre ambos quanto à situação imedi-
ata — que eles estão face a face, que a calçada está próxima, que Alan está
rastreando aquela área à procura de alguma coisa. Para identificar o referen-
te de meu cachorro, Barbara tem de consultar a base comum entre os dois em
busca de um cachorro individualmente único relacionado a Alan. A base
comum é o alicerce de todas as ações conjuntas e isso faz com que ele se torne
essencial também para a criação do significado do falante e do entendimento
do ouvinte.
OS PARTICIPANTES
5
Um nome mais preciso para o uso da linguagem seria uso de sinais, uma vez que este
não sugere uma preocupação exclusiva com as línguas convencionais. Infelizmente,
um tal termo tende a agradar mais a generais e engenheiros do que ao demais entre nós;
jamais iria pegar.
Alan deve prestar muita atenção a essas distinções ao dizer o que diz. Por
um lado, ele deve fazer distinção entre os participantes a quem a palavra está
sendo dirigida e os participantes secundários. Quando pergunta a Barbara
sobre seu cachorro, e Connie está na conversa, ele deve assegurar-se de que
Barbara é quem deve responder a sua pergunta, e não Connie. Ainda assim,
ele deve certificar-se de que Connie entende o que ele está perguntando a
Barbara (ver Capítulo 3). Ele também deve levar em conta os ouvintes por
acaso, mas, já que esses ouvintes não têm direitos ou responsabilidades na
conversa em curso, ele pode tratá-los como lhe convier, podendo, por exem-
plo, tentar esconder de Damon o que está perguntando a Barbara ao dizer:
“Por acaso você viu você-sabe-o-que passar por aqui?” Nem sempre é fácil
lidar ao mesmo tempo com participantes e ouvintes por acaso (Clark &
Carlson, 1982a; Clark & Schaffer, 1987a, 1992; Schober & Clark, 1989).
Assim, os participantes secundários e os intrometidos ajudam a moldar
a maneira como os falantes e seus interlocutores destinatários agem um em
relação ao outro, também representando maneiras diferentes de ouvir e de
entender. Como interlocutora destinatária, Barbara pode contar com a in-
tenção de Alan de estar construindo a elocução que ele está produzindo de tal
modo que ela entenda a elocução. No entanto, como um intrometido, Damon
já não pode contar com isso. Como resultado, ambos enfrentam de manei-
ras diferentes, e mediante processos diferentes, a tarefa de interpretar o que
Alan está dizendo. Esses outros papéis devem nos ajudar a ver com mais
precisão o que propriamente vêm a ser os papéis de falante e de interlocutor
destinatário, e eles vão ajudar mesmo.
Quando Ken diz “A minha irmã me contou uma história a noite passa-
da”, ele está fazendo uma asserção para Roger e para Al no mundo da con-
versa em si. Mas quando ele diz “Era uma vez três garotas e elas recém
tinham casado?”, ele está fazendo uma asserção que é verdade somente no
mundo hipotético da piada. Ele não acredita propriamente que havia três
garotas de fato que recém haviam se casado. Ele fala naquele momento
como se Roger, Ken e ele próprio fizessem parte do mundo hipotético da
piada e como se ele estivesse contando para os outros dois sobre três garotas
de verdade.
O que temos aqui são duas camadas de ação. A camada 1 é a camada
primária de qualquer conversa, em que os participantes falam e são invoca-
dos naquele local e naquele momento, como sendo eles mesmos. A camada
2 é construída sobre a camada 1 e, neste nosso exemplo, representa um
mundo hipotético. Cada camada é especificada pelo seu domínio ou mundo
— por quais pessoas ou quais coisas estão dentro dele. Quando Ken diz “A
minha irmã me contou uma história a noite passada”, as suas ações aconte-
cem inteiramente na camada 1, o domínio de fato da conversa que eles estão
tendo. Mas quando ele diz “Era uma vez três garotas e elas recém tinham
casado?”, ele está, ao mesmo tempo, fazendo uma asserção na camada 2, no
domínio hipotético da piada, e contando parte de uma piada na camada 1, o
domínio de fato:
Diríamos que Roger e Al teriam entendido mal o que Ken quis dizer se
pensassem que a irmã fosse hipotética e as três garotas fossem de verdade. O
uso da linguagem requer que os participantes primários reconheçam, mes-
mo que vagamente, todas as camadas presentes a cada momento.
As camadas são como palcos de teatro construídos um sobre o outro.
Na minha mente, elas se apresentam assim:
AÇÕES DA LINGUAGEM
AÇÕES CONJUNTAS
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Por ação, ato e atividade, quero sempre dizer fazer coisas intencionalmente. Para duas
visões de intenção e ação, ver Bratman (1987, 1990) e Cohen & Levesque (1990).
Os processos de uma pessoa podem ser muito diferentes nas ações indi-
viduais e nas ações conjuntas, mesmo quando aparentam ser idênticas. Su-
ponha que eu toque a minha parte do dueto de Mozart em um teclado
eletrônico duas vezes — solo em uma das vezes e na outra em dueto com
Michael. Se você for escutar a minha participação com fones de ouvido, você
poderá não perceber nenhuma diferença, mas, ainda assim, o que eu fiz foi
muito diferente. Na apresentação solo, executei cada ação sozinho. No due-
to, coordenei cada ação com Michael e, como qualquer pessoa que tenha
tocado em duetos sabe, isso não é pouca coisa. Há diferenças análogas entre
um remador e dois remadores na canoa, entre um e quatro a empurrar um
carro, entre um ou muitos bailarinos, entre um ou dois lenhadores e entre
um ou dez pilotos de carro de corridas. Todos esses casos ilustram o mesmo
ponto: desempenhar uma ação individual não é o mesmo que desempenhar
a ação aparentemente idêntica como parte de uma ação conjunta.
Devemos, portanto, fazer a distinção entre dois tipos de ações individuais.
Ao tocar o solo de piano, estou executando uma ação autônoma. Quando
Michael e eu tocamos o dueto de piano, também desempenhamos ações indi-
viduais, mas como parte do dueto. Essas ações são o que chamo de ações
partícipes: atos individuais desempenhados apenas como parte de ações con-
juntas. Assim, essas ações, como executar duetos de piano, são constituídas a
partir de ações partícipes. Ou então, dito de outro modo, são necessárias ações
partícipes para se criar ações conjuntas. São dois lados da mesma moeda:
FALAR E OUVIR
Falar e ouvir são ações que têm sido tradicionalmente vistas como
autônomas, como executar um solo de piano. Uma pessoa, digamos Alan,
seleciona e produz uma frase na fala ou no papel e outra pessoa, digamos
Barbara, recebe e interpreta a frase. Usar a linguagem é, então, como trans-
mitir mensagens de telégrafo. Alan tem uma idéia, codifica-a em código
Morse, em japonês ou em inglês, e a transmite para Barbara . Ela recebe e
decodifica a mensagem e identifica a idéia que Alan queria que ela recebesse.7
Sustentarei que falar e ouvir não são independentes uma da outra. Ao con-
trário, são ações partícipes, como as partes de um dueto, e o uso da lingua-
gem que elas criam é uma ação conjunta, como o próprio dueto.
Falar e ouvir são, elas próprias, compostas de ações em diversos níveis.
Conforme observou Erving Goffman (1981a, p. 226), a noção de falante no
senso comum engloba de fato três agentes.8 O vocalizador é “a caixa sonora
da qual emanam elocuções”. (O papel correspondente nos cenários escritos
poderia ser chamado de escrevente.) O formulador é “o agente que une, com-
põe ou escreve as linhas que são pronunciadas”. E o responsável é “a parte
cuja posição, postura e crença as palavras atestam”. O responsável é o agente
7
No modelo de mensagem subentende-se que a produção de Alan e a recepção de
Barbara possam ser estudadas isoladamente. Subentende-se também que mensagens
são séries encadeadas de símbolos codificadas em um dado sistemas de símbolos
(digamos o japonês ou o inglês), de modo que as mensagens podem ser estudadas
isoladamente dos processos pelos quais elas são produzidas e recebidas. Se é verdade
que falar e ouvir são ações partícipes, as duas implicações anteriores não mais proce-
dem.
8
Para evitar confusão, substituí os termos animador e autor usados por Goffman pelos
termos vocalizador e formulador.
Falar Ouvir
1 A vocaliza sons para B B atende às vocalizações de A
2 A formula elocuções para B B identifica as elocuções de A
3 A quer dizer algo a B B entende o sentido de A
Mas o pareamento é ainda mais forte. Cada nível consiste de duas ações
partícipes — uma na ação de falar e a outra na de ouvir — que juntas criam
uma ação conjunta. A ação conjunta global na verdade decompõe-se em
diversos níveis de ações conjuntas. Esse é o tópico que exploro nos Capítulos
5, 7, 8 e 9.
Uma dessas ações conjuntas é privilegiada, trata-se do nível 3: o significa-
do do falante e o entendimento do interlocutor destinatário. Esse nível é
privilegiado, creio, pois define o uso da linguagem. É o critério definitivo que
usamos para decidir se algo é ou não é uma instância de uso da linguagem. O
uso da linguagem, eu suponho, é o que John Stuart Mill chamou de tipo
natural9 . Trata-se de uma categoria básica da natureza, assim como as célu-
las, os mamíferos, a visão e a aprendizagem, algo que sustenta o estudo
científico propriamente dito. E o que faz com que se trate de um tipo natural
vem a ser a ação conjunta que cria o significado de um falante e o entendi-
mento de um interlocutor destinatário.
PRODUTOS EMERGENTES
9
Ver, por exemplo, Quine (1970) e Putnam (1970).
Uma criança de seis anos diz para você: “Diz mil”, e você diz “mil”. “Diz
janelas”, e você diz “janelas”. “Diz mil janelas”, e você diz “mil janelas”. Então
ela lhe pede para repetir várias vezes bem rápido “mil janelas”, e, quando você
faz isso, ela responde “ah, eu não”. Ao produzir “mil janelas” rapidamente,
você não previu que iria soar como “mija nelas”. Trata-se de um produto
emergente da sua ação.
Susan compõe um dueto misterioso para Michael e eu tocarmos em dois
pianos. Nossas partes são tão inteligentemente elaboradas de tal modo que
nenhum de nós pode prever como o dueto vai soar. No dia em que tocamos
juntos, descobrimos que estamos tocando “Greensleeves”. Em outra oca-
sião, nós dois estamos com outros amigos e anunciamos que vamos tocar
“Greensleeves” e cada um faz a sua parte. Na primeira apresentação, essa
peça foi um produto emergente de nossas ações conjuntas, mas na segunda
ela é um produto previsto ou até pretendido.
Quando indivíduos agem em proximidade uns dos outros, o produto
emergente das suas ações pode até ir contra os seus desejos, um ponto levan-
tado por Thomas Schelling (1978). Indivíduos entram em um auditório um
por um. O primeiro a chegar senta-se no terço da frente — não muito à
frente, mas também não ao fundo. O segundo e os seguintes a chegar, por
educação, escolhem sentar-se atrás da pessoa mais adiantada. À medida que
o auditório vai enchendo, o padrão que emerge apresenta todas as pessoas
sentadas nos dois terços do fundo do auditório. Cada indivíduo talvez pre-
ferisse que a platéia estivesse nos dois terços frontais, mas não podem fazer
nada para mudar o padrão que emergiu.
Todas as ações têm produtos previstos, e isso vale para as ações conjun-
tas também. Quando Michael e eu tocamos nossas partes no dueto de Mozart,
havíamos tencionado fazê-lo. Foi previsto. Ao tocarmos o dueto de Susan
pela primeira vez, pretendíamos tocar “um dueto”, mas não pretendíamos
“tocar ‘Greensleeves’”. Foi simplesmente o que emergiu. No uso da lingua-
gem, é importante não confundir produtos previstos com produtos emer-
gentes. Muitas das regularidades que se presumem como previstas ou pre-
tendidas não são nada disso; elas apenas emergiram.
SEIS PROPOSIÇÕES
Referênicas
(Orgs.), Language, belief, and metaphysics (pp. 50-63). Albany: State Uni-
versity of New York Press.
QUINE, W. V. (1970). Natural kinds. In N. Rescher (Org.), Essays in honor of
Carl G. Hempel: A tribute on the occasion of his sixty-fifth birthday, pp. 5-
23. Dordrecht: Reidel.
SACHS, J., BARD, B., & JOHNSON, M. L. (1981). Language learning with
restricted input: Case studies of two hearing children of deaf parents.
Applied Psycholinguistics, 2(1), 33-54.
SCHELLING, T. C. (1960). The strategy of conflict. Cambridge, MA: Harvard
University Press.
SCHOBER, M. F., & CLARK, H. H. (1989). Understanding by addressees
and overhearers. Cognitive Psychology, 21, 211-232.
SNOW, C. E., ARLMAN-RUPP, A. HASSING, Y., JOBSE, J., JOOSTEN, J.,
& VORSTEr, J. (1976). Mothers’ speech in three social classes. Journal
of Psycholinguistic Research, 5, 1-20.