Maquiavel 8° Ano
Maquiavel 8° Ano
Maquiavel 8° Ano
Conhecer sua trajetória como figura pública e intelectual é muito importante para que as
circunstâncias nas quais este pensador pensou e escreveu tal obra sejam compreendidas.
Maquiavel ingressou na carreira diplomática em um período em que Florença vivia uma
República após a destituição dos Médici do poder. Contudo, com a retomada dessa dinastia,
Maquiavel foi exilado, momento em que se dedicou à produção de “O Príncipe”. Esta sua obra
seria, na verdade, uma espécie de manual político para governantes que almejassem não
apenas se manter no poder, mas ampliar suas conquistas. Em suas páginas, o governante
poderia aprender como planejar e meditar sobre seus atos para manter a estabilidade do
Estado, do governo, uma vez que Maquiavel conta sucessos e fracassos de vários reis para
ilustrar seus conselhos e opiniões. Além disso, para autores especializados em sua vida e
obra, Nicolau Maquiavel teria escrito esse livro como uma tentativa de reaproximação do
governo Médici, embora não tenha logrado êxito num primeiro momento.
Dessa forma, considerando esse cenário, Maquiavel produziu sua obra com vistas à
questão da legitimidade e exercício do poder pelo governante, pelo príncipe. A legitimação do
poder seria algo fundamental para a questão da conquista e preservação do Estado, cabendo
ao bom rei (ou bom príncipe) ser dotado de virtú e fortuna, sabendo como bem articulá-las.
Enquanto a virtú dizia respeito às habilidades ou virtudes necessárias ao governante, a fortuna
tratava-se da sorte, do acaso, da condição dada pelas circunstâncias da vida. Para Maquiavel
“...quando um príncipe deixa tudo por conta da sorte, ele se arruína logo que ela muda. Feliz é
o príncipe que ajusta seu modo de proceder aos tempos, e é infeliz aquele cujo proceder não
se ajusta aos tempos.” (MAQUIAVEL, 2002, p. 264). Conforme afirma Francisco Welffort (2001)
sobre Maquiavel, “a atividade política, tal como arquitetara, era uma prática do homem livre de
freios extraterrenos, do homem sujeito da história. Esta prática exigia virtú, o domínio sobre a
fortuna”. (WELFFORT, 2001, p. 21).
Contudo, a forma como a virtú seria colocada em prática em nome do bom governo
deveria passar ao largo dos valores cristãos, da moral social vigente, dada a incompatibilidade
entre esses valores e a política segundo Maquiavel. Para Maquiavel, “não cabe nesta imagem
a ideia da virtude cristã que prega uma bondade angelical alcançada pela libertação das
tentações terrenas, sempre à espera de recompensas no céu. Ao contrário, o poder, a honra e
a glória, típicas tentações mundanas, são bens perseguidos e valorizados. O homem de virtú
pode consegui-los e por eles luta” (WELFFORT, 2006, pg. 22). Assim, essa interpretação
maquiaveliana da esfera política foi que permitiu surgir ideia de que “os fins justificam os
meios”, embora não se possa atribuir literalmente essa frase a Maquiavel. Além disso, fez
surgir no imaginário e no senso comum a ideia de que Maquiavel seria alguém articuloso e sem
escrúpulo, dando origem à expressão “maquiavélico” para designar algo ou alguém dotado de
certa maldade, frio e calculista.
Maquiavel não era imoral (embora seu livro tenha sido proibido pela Igreja), mas
colocava a ação política (construída pela soma da virtú e da fortuna) em primeiro plano, como
uma área de ação autônoma levando a um rompimento com a moral social. A conduta moral e
a ideia de virtude como valor para bem viver na sociedade não poderiam ser limitadores da
prática política. O que se deve pensar é que o objetivo maior da política seria manter a
estabilidade social e do governo a todo custo, uma vez que o contexto europeu era de guerras
e disputas. Nas palavras de Welffort (2001), Maquiavel é incisivo: há vícios que são virtudes,
não devendo temer o príncipe que deseje se manter no poder, nem esconder seus defeitos, se
isso for indispensável para salvar o Estado. “Um príncipe não deve, portanto, importar-se por
ser considerado cruel se isso for necessário para manter os seus súditos unidos e com fé. Com
raras exceções, um príncipe tido como cruel é mais piedoso do que os que por muita clemência
deixam acontecer desordens que podem resultar em assassinatos e rapinagem, porque essas
consequências prejudicam todo um povo, ao passo que as execuções que provêm desse
príncipe ofendem apenas alguns indivíduos” (MAQUIAVEL, 2002, p. 208). Dessa forma, a
soberania do príncipe dependeria de sua prudência e coragem para romper com a conduta
social vigente, a qual seria incapaz de mudar a natureza dos defeitos humanos.
Assim, a originalidade de Maquiavel estaria em grande parte na forma como lidou com essa
questão moral e política, trazendo uma outra visão ao exercício do poder outrora sacralizado
por valores defendidos pela Igreja. Considerado um dos pais da Ciência Política, sua obra, já
no século XVI, tratava de questões que ainda hoje se fazem importantes, a exemplo da
legitimação do poder, principalmente se considerarmos as características do solo arenoso que
é a vida política.
RIBEIRO, Paulo Silvino. "Maquiavel e a autonomia da política"; Brasil Escola. Disponível em:
https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/ciencia-politica-maquiavel.htm. Acesso em 20 de agosto de 2019.