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Os Abolicionismos Na Cidade de Goiás

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Os abolicionismos na cidade de Goiás:

pluralidades e singularidades nos anos 1880 1

Thiago F. Sant’Anna
da Universidade Federal de Goiás - Cidade de Goiás – Goiás – Brasil
thiagof.santanna@yahoo.com.br

______________________________________________________________________

Resumo: O presente artigo objetiva dar visibilidade às especificidades e pluralidades dos


abolicionismos na Cidade de Goiás do século XIX por meio das suas experiências. Políticos,
republicanos, liberais, conservadores, maçons, poetas, mulheres e escravos contribuíram para a
construção de experiências no processo abolicionista goiano. Longe de ser uma prática restrita ao
plano dos debates parlamentares, os abolicionismos foram experiências inscritas no social. Vale
destacar a presença da Sociedade Emancipadora Goiana, dos jornais “A Tribuna Livre” e “O
Publicador Goyano”, de mulheres e escravos, que marcaram as atividades abolicionistas na Cidade de
Goiás.

Palavras-chave: História. Abolicionismo. Goiás.

______________________________________________________________________

OS ABOLICIONISMOS: ENTRE OS TEXTOS DA LEI E DA IMPRENSA

Não obstante os traços comuns no processo abolicionista vivenciado pelas


províncias do Brasil, observamos especificidades no alinhamento da Província de Goiás ao
direcionamento definido pelo governo imperial, uma vez que foi o ato adotado pelos grupos
políticos e pelas elites proprietárias goianas que integrou o movimento em prol de uma
abolição lenta e gradual da escravidão. Vale lembrar que nessa sociedade o redirecionamento
da economia para as atividades mineradoras agropecuárias, respondeu por uma diminuição
da população escrava, indo ao encontro da análise de João Fragoso, ao assinalar que na
Província de Goiás “a transição do trabalho escravo para o livre se daria mesmo antes da
abolição do tráfico negreiro internacional”. 2

Integrada à sua política e fazendo uso dos mesmos recursos e táticas para a
conquista e permanência no poder, isto é, política dos pactos, as elites e a sociedade goiana
não estava cerrada às novidades vindas de fora e da Corte, principalmente no campo das
idéias. Com efeito, tal como nas províncias litorâneas, particularmente o Rio de Janeiro,
1 O presente trabalho é resultado de pesquisa oriundo da dissertação de mestrado “Mulheres Goianas em Ação:
práticas abolicionistas, práticas políticas (1870-1888)”, defendida em 2005, sob a orientação da Profa. Dra. Diva
do Couto Gontijo Muniz/UnB/PPGHIS, financiado pela CAPES.
2 FRAGOSO, Economia brasileira no século XIX: mais do que uma plantation escravista-exportadora. In:

LINHARES, Maria Yeda (org.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1990, p. 163.
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idéias circulantes acerca do liberalismo, do republicanismo e do abolicionismo estiveram
presentes nas concepções políticas das elites goianas. Foram divulgadas na Província pelos
viajantes, pelos estudantes, nos livros e na imprensa, e pelos debates nas Câmaras e na
Assembléia Provincial. Jornais, como “A Tribuna Livre”, “O Publicador Goyano” e “Goyaz”,
disseminaram estas idéias políticas e sociais. Teriam tais instrumentos de difusão de
informações, notícias e idéias, papel preponderante no processo abolicionista? Que grupos
sociais estiveram envolvidos com a “causa” abolicionista?

Dentre os grupos que abraçaram a tal “causa” abolicionista, encontravam-se os


Bulhões. Ao serem afastados do poder, em 1885, devido à política de trocas sistemáticas de
ministérios, de forma a contemplar a guinada conservadora do Império, os Bulhões
abraçaram a causa abolicionista, no esforço de manutenção da sua posição política na
província, já que inscritos no projeto da abolição gradual do trabalho escravo.

O programa abolicionista dos Bulhões inscrevia-se no movimento predominante do


país e da própria província, haja vista o engajamento da sociedade goiana na campanha. Com
efeito, a fundação de associações abolicionistas e sua atuação no sentido de contribuir para a
transição lenta e gradual, dentro da “ordem”, a campanha antiescravista pela imprensa e a
organização de associações pró-abolicionismo sinalizaram para o envolvimento da sociedade
nesse debate político travado entre escravistas e abolicionistas.

Tal ampliação do movimento, ou seja, o seu extravasamento no social, estava


consoante às divergentes posições dos políticos, pois, enquanto Joaquim Nabuco defendia
uma solução mais restrita ao Parlamento, distanciando-a das fazendas, dos quilombos, das
ruas e praças da cidade 3; já o deputado Andrade Figueira condenava a intervenção do poder
público no encaminha mento da questão, uma vez que este feria o direito de propriedade,
princípio caro aos interesses dos proprietários de escravos que aquele parlamentar defendia. 4

Percebemos, na documentação pesquisada relativa à Província de Goiás, relativa aos


anos 80 do século XIX, algumas construções que apontavam para uma ampliação dos grupos
que atuavam no movimento abolicionista. São notícias/artigos como os encontrados no
jornal “A Tribuna Livre”, que proclamava, aos 16 de junho de 1881, a necessidade de serem
empregados “todos dos meios” para fazer a escravidão desaparecer. Tal empenho atingia a
vontade da “maioria dos brasileiros” que, além de ligados aos lucros da lavoura, também

3
NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. s.n. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Publifolha, 2000, p. 18.
4MENDONÇA, Joseli Nunes. Cenas da abolição. Escravos e senhores no Parlamento e na Justiça. 1 ed. São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo, 2001, p. 106-107.
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conquistavam a “tranqüilidade” e os “grandes interesses” da sociedade. 5 Tais imagens e


significações conferidas à luta abolicionista revelam a força das representações com seu apelo
às ações, ao engajamento de outros setores da sociedade, com o propósito de produzir efeitos
políticos, isto é, de reconhecimento e legitimidade social à referida luta.

Nesse esforço, é visível o papel desempenhado pela imprensa na formação de uma


opinião favorável à causa abolicionista, pois, como atenta Emília Viotti da Costa, em sua
análise do movimento em São Paulo, “a opinião pública era incitada através da imprensa a
participar do movimento”. 6 As representações que informavam as notícias, as prosas e
discursos veiculados nos jornais constituíam fortes apelos para a ampliação do movimento
abolicionista, ao interpelar a opinião pública quanto à justeza da luta pela emancipação dos
escravos e correspondente adesão à causa. 7
Como dispositivo formador da opinião pública, a imprensa desempenhava sua função
pedagógica, pois, ao produzir e veicular discursos sobre o abolicionismo, formava opinião
pública favorável ao mesmo. Atuou, portanto, no sentido de politizar segmentos da sociedade
até então ignorados, bem como de estabelecer um tipo de abolicionismo a ser buscado,
adaptado aos interesses gerais da sociedade e aos particulares dos proprietários de terras e de
escravos.
Tal como no Rio de Janeiro e São Paulo, como também em várias outras cidades do
país, até mesmo nas de pequeno porte, também nas da Província de Goiás, a imprensa não
deixou de ser atraente veículo de informação e formação de opinião. Um dos principais
jornais abolicionista de Goiás foi “A Tribuna Livre”, fundado em 20 de fevereiro de 1878. 8

Outros periódicos, também simpatizantes às idéias liberais e abolicionistas, foram o “Goyaz”,


fundado por Antônio Félix e José Leopoldo de Bulhões, em 12 de dezembro de 1884, e o “O
Publicador Goyano”, também de tendência liberal e abolicionista. Este era publicado uma vez
por semana em dias indeterminados, composto de quatro páginas, com o objetivo explícito de

5
GOIÂNIA. UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS. INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS
HISTÓRICOS – BRASIL CENTRAL. Periódico “A Tribuna Livre: órgão do Club Liberal de Goyaz”. Goiás:
Typographia Provincial de Goyaz. Caderno único, p. 1-4. 16 de junho de 1881.
6 COSTA, Emília Viotti. Da senzala à Colônia. 4 ed. São Paulo: Editora da Unesp, 1998, p. 464.
7 Em São Paulo, o “Correio Paulistano”, “A Província de São Paulo”, periódicos que representavam interesses

tradicionais, possibilitavam cada vez mais espaço para as idéias da campanha abolicionista. Outros periódicos
abolicionistas foram: “Jornal do Comércio”, “A Onda”, “A Abolição”, “A Liberdade” etc. No Rio de Janeiro, surgiu
na década de 1880, “O Abolicionista” e a “Gazeta da Tarde”, dirigidos por José do Patrocínio, além de outros.
8 Neste, Félix de Bulhões era o redator e tinha como editor José do Patrocínio Marques Tocantins, liberal e

abolicionista, amigo de Rui Barbosa e do abolicionista carioca José do Patrocínio. Teve também como redatores,
no seu segundo ano, o coronel Bernardo Antônio de Faria Albernaz, responsável pela Sociedade Dramática de
Goiás, que organizava festas teatrais abolicionistas no Teatro São Joaquim, bem como o irmão de Félix de
Bulhões, José Leopoldo de Bulhões Jardim, em 1881. Dentre seus objetivos visavam “esclarecer a opinião com
independencia, condemnar ou apontar os erros das “autoridades que transgridem” os seus deveres”. Defendia a
“liberdade”, a “instrução pública” e a “civilização”, temas caros do projeto de construção de um Estado Moderno.
No número 253 de 1884, o jornal “A Tribuna Livre” finalizou suas atividades.
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“servir de órgão a todas as pessoas que tiverem necessidade de recorrer à imprensa, contanto
que se exprimam em linguagem decente”. 9
Em relação à campanha abolicionista, estes jornais adotaram procedimento similar
aos dos grandes centros, ao procurar convencer a sociedade quanto à justeza da luta
abolicionista e envolvê-la na mesma. Assim é que o “O Publicador Goyano”, de 18 de
dezembro de 1886, noticiou sobre a libertação dos escravos no Ceará. Tal assunto foi tema
do artigo “Libertação em Goyaz”, de autoria de Floriano Florambel, que respaldava a
iniciativa cearense para nomear a luta abolicionista de “grande cruzada”. 10 Também foi
veiculado nesse mesmo jornal o aviso sobre o espetáculo e a quermesse do Teatro São
Joaquim, programados para a noite de 24 de maio de 1887, sob organização de mulheres.
Nesse aviso, reiterava-se o convite aos leitores para que concorressem para a “liberdade
d’esses irmãos que ainda gemem nos ferros dos captiveiro”. O convite era construção que
incluía imagem cara aos goianos e goianas, a de Jesus Cristo: “Eia, senhoras e senhores, á
kermesse, um óbolo para a redempção do escravo, em nome de Christo!”. 11 Na interpelação à
sociedade, a imprensa usava e abusava de imagens e representações cristalizadas no
imaginário social, nesse seu apelo para a ação dos indivíduos e dos grupos, em prol da luta
social abolicionista.

Trata-se experiência construída no contexto de desestabilização nas relações entre o


imperador e os proprietários de escravos, do divórcio entre o “rei” e os “barões” 12, que nem
mesmo a existência do fundo de emancipação, criado em 1871, traduzindo a intenção do
governo em manter o compromisso da indenização aos proprietários, conseguiu retroagir.
Segundo a lei que criou o fundo, esse seria constituído com recursos financeiros oriundos

1º. – Da taxa de escravos.


2º. – Dos impostos geraes sobre transmissão de propriedade de escravos.
3º. – Do producto de suas loterias annuaes, isentas de impostos, e da decima
parte das que forem concedidas d’ora em diante para correrem na capital do
Imperio.
4º. – Das multas impostas em virtude desta lei.
5º. – Das quotas que sejam marcadas no Orçamento geral e nos provinciaes
e municipaes.
6º. – De subscripções, doações e legados com esse destino. § 2º. – As quotas
marcadas nos Orçamentos provinciaes e municipaes, assim como as

9 PINA, Braz de. Goiás: história da imprensa. s.n. Goiânia: Instituto Goiano do Livro, 1971, p. 61.
10 FLORAMBEL, Floriano. Libertação em Goyaz. GOIÂNIA. UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS.
INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS HISTÓRICOS – BRASIL CENTRAL. “O Publicador Goyano:
órgao de interesses do povo”. Goiás: Typographia. Perseverança. Caderno único, p. 1-4. 18 de dezembro de 1886
11 GOIÂNIA. UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS. INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS

HISTÓRICOS – BRASIL CENTRAL. Periódico “O Publicador Goyano: órgao de interesses do povo”. Goiás:
Typographia Perseverança. Caderno único, p. 1-4. 21 de maio de 1887.
12 CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro das sombras: a política

imperial. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003.


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subscripções doações e legados com destino local, serão applicadas à


emancipação nas Provincias, Camaras, Municipios e Freguezias designadas.
13

O “divórcio” ocorreu, apesar dos esforços no sentido de uma aproximação, como a


aprovação do dispositivo legal, criado com vistas a constituir o fundo para viabilizar
acumulação de recursos financeiros para o financiamento das alforrias concedidas,
voluntariamente ou por força da lei. A confiança fora quebrada, principalmente por que a
intervenção do governo nas alforrias dos proprietários de escravos feria o direito legal de
propriedade. Além disso, havia um ceticismo geral entre os proprietários de escravos quanto
à eficiência administrativa e fiscal da burocracia imperial para fazer cumprir tal lei.

Com efeito, como assinala Lilia Moritz Schwarcz, o fundo de emancipação “teve
escassos efeitos, já que as províncias retardavam sempre o andamento dos processos”. 14

Situação igualmente identificada na Província de Goiás por Luís Palacín e Maria Augusta de
Sant’Anna Moraes, para os quais, aquela unidade do Império “recebia anualmente quotas em
dinheiro para serem aplicadas no resgate de escravos, porém sua contribuição não foi muito
grande”. 15 Mesmo com resultados aquém do esperado, não há como negar os esforços da
parte dos interessados em fazer valer as disposições da lei do fundo de emancipação, ao
enviar requerimentos e solicitar providências e agilização nos processos de alforria pelo
referido fundo.

No que concerne à lei n. 2.040, de 28 de setembro de 1871, conhecida como Lei do


Ventre Livre, verifica-se que, por um lado, libertou os/as filhos/as de escravas nascidos/as
depois de sua promulgação, por outro, ameaçou a política escravista praticada pelos
proprietários. Isso porque, além de libertar os filhos e as filhas de mulheres escravas,
autorizava ainda a criação de associações destinadas a receber tais ingênuos, cedidos,
abandonados pelos seus proprietários 16, já que não poderiam contar com aqueles como
futura mão-de-obra cativa. Como bem atenta José Murilo de Carvalho, trata-se de lei que
assinalou uma mudança nos rumos do próprio sistema imperial que

começou a cair em 1871 após a Lei do Ventre Livre. Contrariando a praxe


jurídica brasileira em que o “partus sequitur ventrem”, ou seja, que o filho
da escrava nasça escravo, esta lei foi a primeira clara indicação de divórcio

13 Lei n 2040, de 28 de Setembro de 1871 (Lei do Ventre Livre). Ver: SENADO FEDERAL. A ABOLIÇÃO NO
PARLAMENTO: 65 ANOS DE LUTAS, 1823-1888. 2 vols. Brasília: Subsecretaria de Arquivo, 1988, p. 486.
14 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Retrato em Branco e Negro. Jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no final

do século XIX. São Paulo, Companhia das Letras, 2001, p. 36.


15 PALACIN, Luís & MORAES, Maria Augusta de Sant’Anna. História de Goiás. 6 ed. Goiânia: Editora da

UCG, 2001, p. 80-81.


16 COSTA, Emília Viotti. Da senzala à Colônia. 4 ed. São Paulo: Editora da Unesp, 1998, p. 454.
Élisée, Rev. Geo. UEG – Anápolis, v.2, n.2, p.92-107, jul./dez. 2013 Artigo| 97
entre o rei e os barões, que viram a Lei como loucura dinástica. O divórcio
acentuou-se com a Lei dos Sexagenários e com a abolição final. 17

Nessa mesma direção reflete Sidney Chalhoub, ao assinalar que a lei de 28 de


setembro de 1871 produziu o “reconhecimento legal de uma série de direitos que os escravos
haviam adquirido pelo costume e a aceitação de alguns objetivos das lutas dos negros” 18,

como o pecúlio, a indenização forçada e a liberdade do ventre. Segundo esse autor, a


possibilidade da intervenção do governo nas alforrias dos senhores passa a ser uma realidade,
não obstante ferir o direito de propriedade que dava prerrogativa legal ao proprietário de
dispor, como bem entendesse, das suas posses. 19

No contexto de promulgação da Lei dos Sexagenários, em 1885, a direção do


processo abolicionista que ainda se encontrava sob o controle das elites políticas e
proprietárias e conduzido via parlamento, passou a direcionar outras formas de atuação de
grupos sociais. Tal controle se evidencia, por exemplo, na solicitação encaminhada ao
presidente da Província de Goiás, pelo Ministério dos Negócios da Agricultura, Comércio e
Obras Públicas, aos 17 de agosto de 1881, no qual o governo explicitava o seu objetivo de
obter “informações completas” a respeito do “elemento servil”, para melhor ter o controle
sobre o processo. Daí, também, nesse mesmo ofício, a visível preocupação do governo
imperial em conhecer o quadro geral das práticas de emancipação no país, inclusa a Província
de Goiás.

1.º Qual o preço mínimo, medio e maximo das alforrias em cada um dos
municipios d’essa província depois da Lei de 28 de setembro de 1871,
discriminando: o das alforrias pelo fundo de emancipação; o das alforrias por
actos particulares; o das alforrias de escravos da lavoura; o das alforrias de
escrvos empregados em serviços urbanos.
2.º Qual a importancia total dos peculios com que, em cada municipio, têm
contribuido os escravos para a sua alforria.
3.º Qual a importancia dos dos peculios existentes até o dia 30 de junho
ultimo em cada um dos Municipios com discriminação do pertencente a
escravos da população urbana e do pertencente da população rural, do
deixado em mão dos senhores, do depositado em caixas economicas ou
outros estabelecimentos, e do recolhido as repartições fiscaes.
4.º Que quantias tem consignado o orçamento provincial e o municipal para
a emancipação dos escravos, e que applicação tem sido dada a essas verbas
declarando, si constar, o numero dos escravos libertados por conta da
provincia e dos municipios.
5.º Que sociedades de emancipação existiam nessa província, antes da
promulgação da Lei de 28 de setembro de 1871, quais se organisaram
posteriormente, que numero de escravos tem libertado depois d’aquella data

17 CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro das sombras: a política
imperial. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003, p. 322.
18 CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. 1 ed.

São Paulo, Companhia das Letras, 1990, p. 159.


19 Ibidem, ibidem, p. 131.
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e finalmente qual o systema geral d’essas sociedades e o seo estado de


desenvolvimento. 20
O ofício é significativo também no sentido de revelar as modalidades de práticas
abolicionistas socialmente reconhecidas. Estas compreendiam alforrias realizadas por
intermédio do Fundo de Emancipação; as resultantes dos atos particulares, tanto por
iniciativa de proprietários/as, como de escravos e escravas, graças à formação de um pecúlio,
no meio rural ou urbano; as efetivadas por mediação das sociedades abolicionistas. Isso sem
falar das alforrias resultantes das leis aprovadas em 1871 (Ventre Livre) e 1885
(Sexagenários), como iniciativas governamentais que possibilitaram a ampliação de
alforriados no país.

O rompimento entre o imperador e os proprietários se aprofundou quando, após a Lei


do Ventre Livre, foi aprovada, em 1885, a Lei dos Sexagenários – projeto do parlamentar
Dantas –, com o objetivo de “localizar os escravos, aumentar o fundo de resgate por meio de
taxa que recaía sobre todos os contribuintes, [e] libertar os escravos sexagenários”. 21

Fechava-se o ciclo, no sentido de que a escravidão estava cercada pela vida e pela
morte. Apesar das medidas conciliadoras, como a criação do fundo de emancipação e o
direcionamento lento e gradual da abolição, adotado pelo governo imperial no esforço de
manter o apoio da classe proprietária de terra e de escravos, a Coroa foi “esgotando seu
crédito de legitimidade perante os fazendeiros ao ferir seus interesses e o imperador ficou
sozinho em 1889, em vivo contraste com sua prematura coroação em 1840”. 22

AS SOCIEDADES EMANCIPADORAS

Com efeito, a confiança depositada no governo imperial foi sendo desconstruída por
várias iniciativas inscritas sob amparo legal como a da criação de sociedades abolicionistas.
Estas agremiações, independente das estratégias de luta adotadas, de suas práticas políticas,
tinham como objetivo comum suprimir a escravidão no país. Assim, conforme assinala Emília
Viotti da Costa, as sociedades abolicionistas, criadas a partir de 1870, “empenhavam-se,

20 GOIÂNIA. ARQUIVO HISTÓRICO ESTADUAL DE GOIÁS. Sala de Documentação Avulsa. Caixa-


Arquivo 0304. Pacote do Ministério dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.
21 COSTA, Emília Viotti. Da senzala à Colônia. 4 ed. São Paulo: Editora da Unesp, 1998, p. 483.
22 CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro das sombras: a política

imperial. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003, p. 323.


Élisée, Rev. Geo. UEG – Anápolis, v.2, n.2, p.92-107, jul./dez. 2013 Artigo| 99
através de coletas, quermesses e leilões de prendas, em comprar a liberdade de alguns
escravos”. 23

No que se referem à criação das sociedades de emancipação, estas foram objeto de


regulamentação legal, explicitada no Decreto n. 5.135, de 13 de novembro de 1872. Em seu
artigo 70, capítulo V, definia-se que as sociedades de emancipação “terão privilegio sobre os
serviços dos escravos que libertarem para indenização do preço da compra”. 24 Tal
dispositivo conferia às sociedades abolicionistas, como formas organizadas do movimento
abolicionista, prioridade quanto aos serviços de ex-escravos a título de indenização do preço
de compra de alforria o que revela o amplo reconhecimento governamental para atuarem.
Revela, ainda, que como organização legal, inscrevia-se no projeto governamental de atuação
de uma abolição lenta e gradual, sob controle. Sua legitimidade fundava-se justamente nesse
reconhecimento, porquanto elas integravam o jogo de político das elites proprietárias, ao
salvaguardarem o princípio da indenização dos proprietários e ao se responsabilizarem pela
“proteção” aos “ingênuos”.

Segundo o 1º. Capítulo, dos Estatutos da Sociedade Emancipadora Goyana, é possível


conhecer seus objetivos, critérios de filiação de sócios, tempo de funcionalidade, enfim,
dispositivos regulamentares quanto ao seu funcionamento que, de modo geral, estavam
presentes nas sociedades emancipadoras do país:

Art 1º. A Sociedade Emancipadora Goyana, fundada e com sua sede na


capital de Goyaz, tem por fim:
1º. Promover a manumissão de captivos;
2º. Prover a educação de ingênuos filhos de mulher escrava.
Art 2º. O numero de socios è illimitado. Para ser-se admittido parte á
sociedade se não requerem outras condições além da aceitação por parte da
Directoria ou da Assembléa Geral.
Art 3º. São considerados fundadores todos os que pertencerem á sociedade
até a sua installação, que terá lugar na sessão em que ficarem approvados os
presentes estatutos.
Art 4º. Os sócios residentes em lugares diversos da sede social denominar-
se-hão socios filiaes.
Art. 5º. Serão remidos os que pagarem de uma vez as mensalidades
correspondentes á metade do tempo da duração total da sociedade, fixada no
art. 7º.
Art. 6º. Conferir-se-há o titulo de benemeritos aos que, além de cumprirem
os deveres e encargos sociaes, que por via de regra lhes caibão:
1º. Fizerem donativos importantes á sociedade;
2º. Manumittirem escravos sem compensações ou condições em
vantagem propria.

23COSTA, Emília Viotti. Da senzala à Colônia. 4 ed. São Paulo: Editora da Unesp, 1998, p. 462.
24 Decreto n. 5.135, de 13 de novembro de de 1872. Ver: SENADO FEDERAL. A ABOLIÇÃO NO
PARLAMENTO: 65 ANOS DE LUTAS, 1823-1888. 2 vols. Brasília: Subsecretaria de Arquivo, 1988, p. 538-
539.
100| Os abolicionismos na cidade de Goiás:... SANT’ANNA, T. F

3º. Tomarem a seo cargo a criação e educação de ingênuos, filhos de


escravas, não o sendo porem das suas proprias;
§1º. O titulo de benemerito só pode ser conferido pela Assembléa
Geral.
§ 2º. É desde já proclamado socio benemerito o Exm. Sr. Dr.
Aristides de Souza Spinola, como iniciador da sociedade.
Art 7º. A Sociedade Emancipadora Goyana durará por espaço de dez annos,
a partir da data da sessão inaugural.
Ainda no caso de desapparecer o estado servil durante esse tempo,
continuará a subsistir a sociedade para os fins do art. 1 § 2º. 25

Como podemos perceber, a Sociedade Emancipadora Goyana se definia como uma


associação abolicionista com objetivos de alforriar escravos e prover a educação dos ingênuos
para a vida em liberdade e, por certo, como trabalhador livre. Vale ressaltar que o
estabelecimento destes objetivos estava vinculado à expectativa anunciada de que a
escravidão acabaria em menos de 10 anos, haja vista a determinação do tempo de duração da
dita associação, no artigo 7º.

Não era, por certo, a posição de alguns deputados que, no propósito de impulsionar o
processo de abolição e conferir legitimidade à associação quando deram sua contribuição
financeira à Emancipadora. Foi o caso de Aseredo, Constancio da Maya, Francisco Antonio
de Asevedo, Fleury de Amorim e André Rios que, em 7 de junho de 1879, fizeram doações à
sociedade e ainda “propuseram na Assembléa Provincial, que dos subsidios dos deputados
actuaes se fisesse uma deducção de 5 por % em favor da caixa da Sociedade Emancipadora”. 26
Tais contribuições apontam para o reconhecimento social da associação, justamente em razão
do seu alinhamento à política abolicionista do Império. Afinal, o objetivo dessas associações
consistia, sobretudo, em angariar recursos financeiros para o Fundo de Emancipação, de
modo a poder indenizar os proprietários para que a extinção do trabalho escravo se efetivasse
dentro da ordem, mesmo que desrespeitando o direito legal de propriedade.

A fundação do “Centro Libertador de Goiás”, por Félix de Bulhões, inscrevia-se


dentre as estratégias para ampliar o envolvimento da sociedade goiana na causa
abolicionista, ao incentivar alforrias de escravos e a arrecadação de recursos financeiros.
Assim, conforme requerimento direcionado à Tesouraria Provincial, em fevereiro de 1887,
consta-se que José Vicente da Silva Filho, amanuense da Inspetoria da Instrução Pública,

25 GOIÂNIA. ARQUIVO HISTÓRICO ESTADUAL DE GOIÁS. Sala de Documentação Manuscrita. Caixa-


Arquivo 02. 1879-1963. Coleção de Leis da Província de Goiás. Estatutos da Sociedade Emancipadora Goyanna.
Goyaz: Typographia Provincial. 1879, p. 92-99.
26 GOIÂNIA. UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS. INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS

HISTÓRICOS – BRASIL CENTRAL. Periódico “A Tribuna Livre: órgão do Club Liberal de Goyaz”. Goiás:
Typographia Provincial de Goyaz. Caderno único, p. 1-4. 7 de junho de 1879.
Élisée, Rev. Geo. UEG – Anápolis, v.2, n.2, p.92-107, jul./dez. 2013 Artigo| 101
desejando “concorrer” para a “generoza crusada da emancipação dos escravos”, consignou 3%
mensais dos seus vencimentos “para serem pagos directamente pela Thesouraria Provincial á
Commissão executiva do Centro Abolicionista Goyano” 27. Observa-se o recurso do apelo a
imagens caras ao imaginário da época, como a “crusada da emancipação” que remete à
“cruzada cristã”, reiterando o sentido humanitário da campanha abolicionista. Tal
construção, ao recorrer à solidariedade cristã, ampliava a oportunidade de adesões, como um
movimento amplo, geral e irrestrito, sem coloração partidária. Aumentava, enfim, suas
possibilidades quanto às doações particulares. Com efeito, a atuação abolicionista das
sociedades foi vitoriosa para o que se propôs, pois, ao associar a luta social às imagens caras à
tradição cristã, ampliou adesões à causa.

MAÇONS E MILITARES ABOLICIONISTAS

Dentre outros grupos, entidades e instituições que apoiavam a causa abolicionista


encontrava-se a maçonaria. Por meio da sociedade “Azylo da Razão”, fundada em 1835,
foram organizadas “comissões libertárias, promovendo o levantamento de números de
escravos, de rua em rua”. 28 Compunham esta associação, não apenas intelectuais como Félix
de Bulhões, mas também fazendeiros, comerciantes, profissionais liberais, monarquistas,
conservadores, liberais e republicanos. Martiniano José da Silva lembrou que a loja maçônica
Azillo da Razão, sediada na capital da província, “ofereceu cobertura ao movimento e o
subvencionou”. 29 Libertou escravos, completou pecúlios e fez parte da Confederação
Abolicionista Félix de Bulhões, fundada após a morte deste. A entidade maçônica, apesar de
sua posição abolicionista, admitia proprietários de escravos e não proibia os seus membros de
terem cativos, o que revelava ser um dos espaços da política abolicionista. Ao contar em seus
quadros com segmentos dos setores urbanos, como profissionais liberais, não deixou, porém,
de estar atrelada aos proprietários de terra e de escravos, ao ter atuado por uma abolição
lenta e gradual do regime de trabalho escravo.

Além da maçonaria, também a Igreja Católica envolveu-se, através de alguns de seus


membros, na campanha abolicionista. Assim, conforme notícia veiculada no “O Publicador
Goyano”, consta que em Rio Claro, aos 18 de julho de 1887, o padre João Baptista Leite

27
GOIÂNIA. ARQUIVO HISTÓRICO ESTADUAL DE GOIÁS. Sala de Documentação Avulsa. Caixa-
Arquivo 0371. Ano de 1887. Pacote de Requerimentos Diversos.
28 SILVA, Martiniano José. Quilombos do Brasil Central: Violência e Resistência Escrava. 1ª. edição. Goiânia:

Kelps, 2003, p. 96.


29 Ibidem, ibidem, p. 173.
102| Os abolicionismos na cidade de Goiás:... SANT’ANNA, T. F

alforriou a “sua única escrava de nome Rita”, sem ônus algum. 30 Seu ato dá visibilidade à
atuação de um membro do clero em defesa do abolicionismo, haja vista o apelo aos
sentimentos cristãos presentes nos discursos da campanha. Invariavelmente, o tema da
liberdade era ressaltado e associado à religião e à história, como direito que deveriam
“cultivar a frondosa arvore da liberdade que foi regada com o sangue de tantos martyres,
como afirma o (sic) história de todos os povos”, sendo, assim, “companheira da religião” já
que “ambas nasceram do alto da Cruz”. 31 Em outros artigos publicados no mesmo jornal, um
“catholico abolicionista” assinalava que a Igreja atuava na condução do processo pelo fim da
escravidão, “sem todavia derramar sangue, sem commeter injustiças sem mentir e sem fazer
bonito á custa alheia”, ou seja, “não pela revolução, mas pela prudência e pela caridade”. 32

Não há como negar que a consonância entre a atuação da igreja e a política abolicionista
imperial reforçava a legitimação social da luta abolicionista, que resultava na ampliação do
envolvimento da sociedade.

Também os militares fundaram na capital da província a “Sociedade Abolicionista


Militar”, em 1 de março de 1887, e a “Sociedade Abolicionista dos Cadetes e Inferiores”, da
Guarnição de Goiás, que foi instalada no salão do Liceu, em 6 de março de 1887. Em
fragmento da seção editorial do jornal “O Publicador Goyano”, aqueles defendiam que na
“santa crusada, porem, não é com as armas na mão, que nós os representantes da força
publica, vamos combatter em prol de um direito prostergado, de infelizes irmãos, victimas de
uma clamorosa injustiça”. 33 Segundo o artigo, a “lepra” da escravidão deveria ser
exterminada completamente, pois se travava de um “fantasma inimigo do progresso e da
sivilização (sic)”.

Emília Viotti da Costa, em sua reflexão sobre a produção historiográfica da década de


1920, relativa à passagem da Monarquia para a República, assinalou que o traço comum
dessa produção foi o de identificar os militares como um “novo grupo social que se opunha
aos interesses das elites agrárias”. 34 Seu apoio ao movimento republicano ocorreu “em

30 GOIÂNIA. UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS. INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS


HISTÓRICOS – BRASIL CENTRAL. Periódico “O Publicador Goyano: órgao de interesses do povo”. Goiás:
Typographia Perseverança. Caderno único, p. 1-4. 20 de agosto de 1887.
31 GOIÂNIA. UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS. INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS

HISTÓRICOS – BRASIL CENTRAL. Periódico “O Publicador Goyano: órgao de interesses do povo”. Goiás:
Typographia Perseverança. Caderno único, p. 1-4. 16 de julho de 1887.
32 GOIÂNIA. UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS. INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS

HISTÓRICOS – BRASIL CENTRAL. Periódico “O Publicador Goyano: órgao de interesses do povo”. Goiás:
Typographia Perseverança. Caderno único, p. 1-4. 21 de maio de 1887.
33 GOIÂNIA. UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS. INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS

HISTÓRICOS – BRASIL CENTRAL. Periódico “O Publicador Goyano: órgao de interesses do povo”. Goiás:
Typographia Perseverança. Caderno único, p. 1-4. 12 de março de 1887.
34 COSTA, Emília Viotti. Da Monarquia à República. 7 ed. São Paulo: Editora da Unesp, 1999, p. 419.
Élisée, Rev. Geo. UEG – Anápolis, v.2, n.2, p.92-107, jul./dez. 2013 Artigo| 103
virtude do descontentamento crescente dos militares em relação ao tratamento que lhes
dispensava o governo”, que teria sido acirrado após a Guerra do Paraguai. 35 Entende-se,
assim, também o seu apoio à causa abolicionista e a recusa do Exército em perseguir escravos
que fugiam. Assim, a fundação de uma sociedade abolicionista militar “pelos officiaes da
guarnição da capital” 36, em Goiás, em homenagem ao término da Guerra do Paraguai, era
uma forma de explicitar seu engajamento na Campanha.

A SOCIEDADE PREPARATORIANA E OS ESTUDANTES

Várias outras sociedades foram criadas, na década de 1880, como a “Sociedade


Dramática”, da qual falaremos mais tarde, a “Associação Servos de Cristo”, na Praça
Municipal; o Centro Abolicionista Goiano, na Rua das Flores; a Sociedade Comercial, na rua
Direita; a dos Frades Dominicanos, no Largo do Rosário, e a “mais significativa por seu
sentido popular” 37, a “Sociedade Abolicionista João Clap”. Enfim, a existência de várias
associações abolicionistas é sinal visível do envolvimento da sociedade goiana na luta pela
emancipação dos cativos, bem como do sucesso dos esforços apelativos da propaganda
abolicionista feito pela imprensa. Observa-se, assim, que grande parte da sociedade apoiava a
causa abolicionista, embora muitos dos associados às sociedades, contraditoriamente, ainda
mantivesse escravos/as em suas fazendas, fábricas e residências, ou empregassem
trabalhadores livres e os tratavam como se escravos fossem.

Convém destacar a presença da Sociedade Preparatoriana que envolveu estudantes.


Na data de sua fundação, aos 28 de setembro de 1887, houve uma sessão em um dos salões do
Liceu. Havia, ali, retratos do ministro Rio Branco, de José Bonifácio e do desembargador
Félix de Bulhões, tal como noticiou o jornal “Goyaz”, em 14 de outubro do mesmo ano. 38

Alguns “cavalheiros” e algumas “excelentíssimas senhoras” foram convidados a participar da


sessão e saudados pelo público que assistia à mesma. Dentre os convidados, encontravam-se
representantes das diversas sociedades abolicionistas goianas, além de representantes da
imprensa local. Dentre estes, encontravam-se Bernardo Antonio de Faria Albernaz,
representante do “Goyaz”, e José do Patrocínio Marques Tocantins, redator do “O

35 Ibidem, ibidem, p. 447.


36 GOIÂNIA. UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS. INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS
HISTÓRICOS – BRASIL CENTRAL. Periódico “O Publicador Goyano: órgao de interesses do povo”. Goiás:
Typographia Perseverança. Caderno único, p. 1-4. 16 de abril de 1887.
37 SILVA, Martiniano José. Quilombos do Brasil Central: Violência e Resistência Escrava. 1ª. edição. Goiânia:

Kelps, 2003, p. 173-174.


38 GOIÂNIA. UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS. INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS

HISTÓRICOS – BRASIL CENTRAL. Periódico “Goyaz: orgam democrático”. Goiás: Typographia Provincial de
Goyaz. Caderno único, p. 1-4. 14 de outubro de 1887.
104| Os abolicionismos na cidade de Goiás:... SANT’ANNA, T. F

Publicador Goyano”. Tal ato inaugural teve seus efeitos. Um deles foi a demissão de João
Bonifácio Gomes da Siqueira do cargo de Inspetor Geral da Instrução Pública. Segundo
Nancy Ribeiro de Araújo e Silva, este “viu-se forçado a demitir-se, em razão de ter permitido
que a Sociedade Abolicionista Preparatoriana realizasse uma sessão magna numa das salas
do Liceu”. 39 Seu gesto foi acusado de “subversivo”, o que o colocava como indigno da
confiança do Presidente da Província, posição desconfortável que o levou a demitir-se, antes
de ser demitido. De acordo com a autora, Bonifácio afirmou não ser abolicionista, mas
compreendia não poder “impedir os alunos de promoverem manifestações a favor do
abolicionismo, desde que se pautassem dentro de justos limites”. 40

Como resposta ao ato demissionário, estudantes e abolicionistas organizaram uma


passeata pela cidade em frente ao Palácio Conde dos Arcos, saudando o diretor demitido e
Joaquim Nabuco. 41 A demissão do Inspetor e o ato de protesto evidenciam que apesar dos
esforços da propaganda abolicionista e do alinhamento de alguns deputados, o presidente da
província daquele período não apoiava a campanha42, ao explicitar seu desencontro com a
política abolicionista do governo imperial, embora nomeado por este. As ofensivas do
governo provincial não conseguiam diminuir a atuação da Sociedade Preparatoriana.

Os movimentos em torno do objetivo de emancipação dos escravos na Província de


Goiás, não obstante seus traços comuns, apresentaram especificidades derivadas não apenas
das diferentes estratégias de lutas utilizadas, das diversas propostas de encaminhamento da
questão, da heterogeneidade social de seus integrantes, mas também das singularidades
históricas de cada uma das províncias do Brasil Imperial, envolvidas com a campanha.

Observa-se, assim, uma ampliação do movimento abolicionista, nos anos de 1880,


porque a campanha extravasou o debate parlamentar e envolveu diferentes setores da
sociedade. Além do parlamento, a campanha desenrolou-se ainda na imprensa, nos clubes e
teatros, principalmente nas capitais das províncias. Assumiu um caráter popular, tornou-se
um movimento das ruas, que se transformou em palco das lutas sociais abolicionistas,
“ampliando e democratizando o que até então, se passara dentro do limitado espaço das

39 SILVA, Nancy Ribeiro de Araújo. Tradição e Renovação Educacional em Goiás. s.n. Goiânia: Oriente, 1975,
p. 70.
40 Ibidem, ibidem, p. 70.
41 MORAES, Maria Augusta Sant’Anna. História de uma oligarquia: os Bulhões. Goiânia, Oriente, 1974, p. 85.
42 Joaquim Carvalho Ferreira em uma reunião de narrativas sobre os presidentes de Goiás, do período imperial

ao fim do Estado Novo, afirmou que “jamais um presidente sofreu tantas e tamanhas hostilidades, como as que
experimentou o presidente Luiz Silveira Alves Lima” (13/08/1886 – 20/10/1887) devido ao fato de os
partidos, liberal e conservador, estarem envolvidos em lutas partidárias e envolvendo as autoridades. Ver:
FERREIRA, Joaquim Carvalho. Presidentes e Governadores de Goiás. edição póstuma. Goiânia: Editora da UFG,
1980. (Coleção Documentos Goianos), p. 59.
Élisée, Rev. Geo. UEG – Anápolis, v.2, n.2, p.92-107, jul./dez. 2013 Artigo| 105
Câmaras”. 43 A partir deste período, sobretudo na década de 1880, o movimento abolicionista
alargou-se e passou a incorporar em suas fileiras, outros grupos sociais, outras categorias
raciais e de gênero, envolvendo homens e mulheres, livres, proprietários ou não, bem como
escravos e libertos.

Não resta dúvida de que a imprensa, bem como outras experiências como as das
associações abolicionistas, politizavam a questão do trabalho escravo, ao articular com as
questões sociais do seu tempo. Com tal propósito, difundia as idéias antiescravistas no intuito
de convencer a sociedade quanto à pertinência das mesmas e, assim, imprimir os rumos do
processo segundo o sistema de idéias, de valores, imagens, normas e significações que
deveria presidir a formação da nação brasileira.

Dessa forma, a força instauradora das representações sociais dos abolicionismos se


revelou pela sua capacidade de mobilização da sociedade em torno da causa emancipatória
dos escravos, bem como de produção de reconhecimento e legitimidade social da luta. É uma
luta que se torna pública, visível, legitimada, embora não tenha excluído outras formas de
lutas abolicionistas mais clandestinas, às margens dessa legitimidade e, sobretudo, da
legalidade, como foi a dos quilombos.

Como as representações dessas múltiplas configurações e a construção do social se


deram mediante uma relação histórica de forças, pode-se dizer que dentre as disputas dos
diferentes grupos do social em torno de projetos diferenciados da abolição da escravidão, o
resultado obtido expressou uma composição entre os interesses envolvidos. Isso porque, em
alguns aspectos, prevaleceram os interesses da elite proprietária, haja vista o gradual
encaminhamento da questão. Todavia, o envolvimento da sociedade acabou por ferir aqueles
interesses com a promulgação da extinção da escravidão pelo ato da princesa Izabel,
incondicional e sem indenização.

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ABOLITIONIST IN GOIAS: PLURALITY AND SINGULARITY IN THE YEARS OF 1880

Abstract: This article aims to give visibility to the specific and pluradidades of
abolitionism in the city of Goiás in the nineteenth century through their
experiences. Politicians, republicans, liberals, conservatives, freemasons, poets,
women and slaves helped to build experience in abolitionist Goiás. Far from being a
practice restricted to the parliamentary debates, the abolitionism were involved in
social experiences. It is worth noting the presence of emancipatory Goiana Society,

43 CARVALHO, José Murilo de. Com o coração nos lábios. In: PATROCÍNIO, José do. Campanha
Abolicionista: coletânea de artigos. Edição comemorativa do tricentenário de Zumbi dos Palmares. Rio de
Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Departamento Nacional do Livro, 1996, p. 11.
106| Os abolicionismos na cidade de Goiás:... SANT’ANNA, T. F

the newspaper “A Tribuna Livre” and “O Publicador Goyano”, of women and slaves,
which marked the abolitionism activities in the City of Goiás.

Keywords: History. Abolicionism. Goias.

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REFERÊNCIAS

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Élisée, Rev. Geo. UEG – Anápolis, v.2, n.2, p.92-107, jul./dez. 2013 Artigo| 107
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SOBRE O AUTOR

THIAGO F. SANT’ANNA - É Doutor em História pela Universidade de Brasília,


com Pós-Doutorado em Arte e Cultura Visual pela Universidade Federal de Goiás.
É professor do curso de graduação em Serviço Social da UFG/Campus Cidade de
Goiás.

Recebido para avaliação em 01 de Outubro de 2013

Aceito para publicação em 13 de Novembro de 2013

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