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Resenha de "A Nova Razão Do Mundo"

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RESENHA

A subsunção dos direitos humanos à nova razão do mundo
LAVAL, Christian; DARDOT, Pierre. A nova razão do mundo: ensaios sobre a sociedade
neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.


Pedro Pompeo Pistelli Ferreira1
1
Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil. E-mail:
pedro.pistelli.ferreira@gmail.com. ORCID: 0000-0002-2532-8593.


Resenha recebida em 8/01/2019 e aceita em 13/01/2019

This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License.



Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro, Vol. 10, N. 02, 2019, p. 1583-1593.
Pedro Pompeo Pistelli Ferreira
DOI: 10.1590/2179-8966/2019/38171 | ISSN: 2179-8966
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C hristian Laval, professor de sociologia na Universidade Paris Nanterre, e


Pierre Dardot, filósofo e professor na mesma instituição, formulam em A
nova razão do mundo uma proposta de releitura do fenômeno neoliberal, a
fim de reagir à sensação de que o pensamento crítico falhou na tarefa de compreender
o seu inimigo. Ou seja, “a esquerda ainda não entendeu o que é o neoliberalismo, e está
pagando um preço altíssimo por isso” (LAVAL, 2016).
Para tanto, fazem recurso de uma leitura renovada dos postulados teóricos de
Marx (desde 2004 realizam seminários com o objetivo de “reinterrogar o quadro teórico
e a base histórica da crítica social e política que foi o pensamento de Marx” [ANDRADE;
OTA, 2015, p. 275-276]) e das considerações de Foucault (2008) acerca da
governamentalidade neoliberal, nas quais o filósofo francês desloca o centro do estudo
do neoliberalismo para além da análise de políticas e medidas econômicas, de modo a
enfocar seu papel na construção de uma política de sociedade sustentada pela teoria da
concorrência pura e na generalização da forma empresa e do homo oeconomicus a
todas as esferas da existência humana1.
Esse resgate foucaultiano, já realizado por outras autoras, como Brown (2006 e
2015) e Dean (2009), permite pensar de forma inovadora a questão das particularidades
e peculiaridades do neoliberalismo, de modo a evitar a redução desse fenômeno a uma
versão recrudescida do capitalismo clássico 2 , que naturaliza o mercado, resgata o
laissez-faire e se reduz a um intervencionismo negativo (p. 14-15). Portanto, os autores
propõem-se a pensar seu objeto a partir da construção descontínua, processual e
dinâmica da sociedade neoliberal, que engloba aspectos econômicos, sociais e
subjetivos (p. 16), a partir de uma narrativa que entende que “a história é muito mais
complexa, menos linear e, ao mesmo tempo, menos maniqueísta” do que a maioria dos
relatos (p. 246).
Metodologicamente, essas considerações culminaram na necessidade de
realizar uma pujante empreitada de história das ideias (neo)liberais, valendo-se de uma

1
Entre os diversos autores que se inspiraram nessas considerações, a ênfase no tema do homo oeconomicus
foi adotada por Brown (2015, p. 33-35), que, ao defender que a revolução neoliberal implica o
desmantelamento do demos, constata o desaparecimento da cidadania e do homo politicus. Assim, o
homem econômico pode reinar sozinho no neoliberalismo.
2
No caso, os autores explicitamente entram em confronto com as teses de Harvey (2005) e de Duménil e
Lévy (2004), incluindo-as dentro dessas explicações que reduzem a racionalidade neoliberal a política
econômicas e ideologias que significam mais capitalismo, de modo a reduzir a história à repetição sucessiva
de velhos roteiros (p. 21-24).


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extensa revisão bibliográfica e análise documental, que inclui desde obras clássicas do
receituário liberal (como as de Locke e Bentham, por exemplo) a programas políticos da
esquerda neoliberal (como os da terceira via britânica).
Assim, na primeira parte (“A refundação intelectual”), a trajetória do livro
começa com a constatação da crise do liberalismo, decorrente da ascensão do
movimento operário e da questão social, e com os primeiros germéns da racionalidade
neoliberal, que os autores encontrarão no neoevolucionismo spenceriano, marcado pela
ultravalorização da competição (entendida como seleção e não mais como
especialização) entre indivíduos como chave ao progresso da humanidade (p. 52-53).
Depois, tal como Foucault (2008), elege-se o Colóquio Walter Lippmann, realizado em
1938, como o evento fundador da proposta neoliberal de sociedade 3. A partir daí,
listam-se as contribuições de várias tradições para assentar as bases dessa forma de
pensar: a noção de que o mercado é algo que deve ser construído, inclusive com
intervenção estatal (Lippmann [p. 71-100]), a necessidade de formular um quadro
jurídico e normativo que permita o florescimento de um espaço para a concorrência,
implicando a modelagem da própria sociedade (ordoliberais alemães [p. 101-132]), a
transformação do ser humano de acordo com a imagem da empresa, como um capital
humano que deve sempre buscar a autovalorização (Von Mises [p. 133-156]) e a
proposta de submeter o Estado às normas de direito privado, de modo a colocar o
liberalismo e os direitos civis do mercado acima de qualquer democracia (Hayek [p. 157-
185]). Apesar de suas particularidades, todos esses pensadores trazem em comum o
ímpeto de generalização dos princípios da concorrência e do livre mercado para todos
os âmbitos da existência humana.
Na segunda parte (“A nova racionalidade”), por sua vez, os autores procuram
analisar como se deu a aplicação concreta de todos esses princípios e reflexões teóricas
nas sociedades do chamado Primeiro Mundo. Passam, primeiro, pelo estudo dos
governos Reagan, nos EUA, e Thatcher, no Reino Unido, que surgem como resposta à
crise do Welfare State e introduzem uma nova política monetarista e de sociedade, que
culmina na construção da comunidade financeira internacional. A partir dessas políticas,

3
Em geral, a bibliografia costuma indicar a gênese do neoliberalismo como conjunto mais articulado de
ideias a partir do congresso de fundação da Sociedade de Mont-Pèlerin (1947). Apesar de terem alguns
participantes em comum (Hayek e Von Mises), o Colóquio Walter Lippmann incluía também a vertente
ordoliberal alemã (Eucken, Röpke e Böhm) e autores que pregavam um intervencionismo estatal para
construir a sociedade neoliberal (Lippmann e Rougier).


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desmonta-se o poder sindical, aumenta-se a taxa de juros, desregulam-se mercados,


privatizam-se os fundos públicos e, a partir de uma retórica de eficácia oriunda do setor
privado, erige-se “a concorrência em regra suprema e universal do governo” (p. 196-
197). Depois, pelo estudo do blairismo e da terceira via inglesa, pode-se perceber que
essa retórica finca profundas marcas na Grã-Bretanha, cuja esquerda socialdemocrata
continua a reproduzir os discursos neoliberais de racionalização e de eficiência do
mercado, a partir de uma noção ortodoxa de gestão, o que nos indica que o
neoliberalismo é mais que uma lógica partidária, mas sim uma técnica de governo que
se vende como neutra, mantendo sua relevância tanto em períodos militantes (como os
de Thatcher e Reagan) quanto supostamente gestionários (Blair e toda a esquerda
neoliberal) (p. 232-242). Depois, são esmiuçadas as origens do neoliberalismo na Europa
Continental, que se deu a partir da influência de outras vertentes teóricas (no caso, o
ordoliberalismo alemão, em detrimento da escola austro-estadunidense). Esse
raciocínio permite demonstrar que a Europa não foi um antro protegido das políticas
neoliberais, mas sim importante elemento na formulação dessa racionalidade (p. 245-
270).
Ainda na segunda parte, passamos a dois capítulos que indicam os efeitos mais
gerais da sociedade neoliberal nas pessoas e nos governos. Para estes, há a aplicação
extensiva da lógica concorrencial e da empresa ao Estado, que passa a ser cobrado por
sua eficiência puramente quantitativa no atendimento ao cidadão, reduzido a
consumidor, tal como demonstram os dicursos de accountability, de governança ou dos
cálculos de custo-benefício em políticas públicas à moda da escola Law & Economics (p.
271-320); para aqueles, a definição de sujeito é radicalmente alterada, de modo a
apagar o elemento do cidadão político, um dos impulsos fundamentais das democracias
liberais, deixando apenas o homem econômico do capitalismo e sua racionalidade
instrumental, de modo a fazer com que o ser humano cada vez mais tenha que se
adequar à figura da empresa (p. 326). Formula-se um novo sujeito unitário: o sujeito
empresarial, ou neoliberal (p. 327), que, emulando a forma de uma empresa em
concorrência no mercado de capitais, busca sempre se valorizar, acrescentar ao seu
valor, incrementar seu capital, seja ele econômico ou social (p. 355-356).
Em suma, os autores chegam à conclusão de que a nova razão do mundo é
global em dois sentidos: por um lado, expande-se para todo o globo terrestre e, por
outro, “longe de limitar-se à esfera econômica, tende à totalização, isto é, a ‘fazer o


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mundo’ por seu poder de integração de todas as dimensões da existência humana” (p.
16). Logo, o neoliberalismo é uma racionalidade marcada pela generalização da
concorrência (como norma de conduta) e da empresa (como modelo de subjetivação) a
todas as esferas da vida (p. 17). Tal processo ocorre a partir de uma proposição
intelectual que entende, primeiramente, que o mercado é uma realidade construída e,
portanto, dependente de uma intervenção construtivista. Em segundo lugar, intepreta a
essência do mercado como a concorrência e não mais a troca. Como terceiro ponto,
submete o Estado à ordem concorrencial, visto como empresa e inserido dentro do
direito privado. Por fim, essa universalização da competição aterrissa nos indivíduos,
que, responsáveis pelo governo-de-si, tornam-se sujeitos-empresa e “cada indivíduo é
uma empresa que deve se gerir e um capital que deve se fazer frutificar” (p. 377-378).
Conclusivamente, Laval e Dardot discorrem sobre o principal efeito dessa nova
racionalidade na contemporaneidade: a des-democratização, a corrosão dos
fundamentos da democracia liberal e o surgimento de sociedades ademocráticas4 (p.
379-381). Tal processo ocorre por causa da demolição da noção de cidadania e pela
adoção de critérios de avaliação estritamente gerenciais, que descrevem a
administração pública como um processo meramente técnico e a ascensão social como
um mérito puramente individual, nascido do esforço de um “ator autoempreendedor
que faz os mais variados contratos privados com outros atores autoempreendedores”
(p. 378-381).
Feita a exposição do conteúdo do trabalho e do horizonte teórico dos autores,
partimos agora para uma análise crítica da obra e, posteriormente, para uma discussão
acerca das possbilidades de uso de seus postulados no estudo dos direitos humanos em
sua relação com o neoliberalismo.
Quanto ao primeiro ponto, devemos asseverar que, malgrado a existência de
uma profunda coerência interna no decorrer de todo o texto, as opções metodológicas
(análise documental e revisão bibliográfica dos atores neoliberais) e os recortes
adotados pelos autores (foco apenas nos EUA e na Europa) levam a uma descrição da
racionalidade neoliberal que, em muitos momentos, parece deixar de lado a natureza de

4
Os autores, no caso, empregaram o conceito de des-democratização, formulado por Brown (2006).
Recentemente, no entanto, eles têm preferido se referir aos sistemas políticos atuais como pós-
democráticos (LAVAL, 2016).


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classe e a violência inerentes ao projeto dessa racionalidade5. Em especial, deixa-se de


lado os efeitos devastadores de suas medidas nos países periféricos. Quase nada é
mencionado acerca das profundas espoliações causadas pelo neoliberalismo nas nações
dependentes, apesar dos autores entrarem em diálogo direto com teóricos que
defendem expressamente o caráter violento e expropriador desses processos, como
Harvey 6 e Duménil e Lévy 7 . Ao mesmo tempo, cumpre indicar que a leitura do
neoliberalismo como um projeto de classe violento exige também o apontamento de
seus erros, inconsistências e contradições8, algo que é deixado de lado pelos autores,
cuja crítica fundamenta-se muito mais em princípios éticos do que nos efeitos reais
deixados pela racionalidade neoliberal. Ou seja, é necessário lembrar que a tecnocracia
neoliberal, nos ditos países de terceiro mundo, causa mais do que o arrefecimento do
imaginário democrático: causa o aumento da desigualdade a níveis bárbaros, a
perpetuação do desemprego e da miséria, o desmantelamento de serviços públicos
essenciais à sobrevivência de milhões e a transferência de mais-valor da periferia para o
centro. Em suma, aprofunda a condição de dependência e a superexploração da força
de trabalho (CARCANHOLO, 2008, p. 262-263).
Por certo, não se tratam de falhas ou incongruências internas, mas
principalmente de insuficiências de uma obra específica para dar conta de questões
externas ao texto. Portanto, acreditamos que, para entender, por exemplo, o contexto
brasileiro atual, precisamos fazer uso de outros elementos teóricos em conjunto com as
contribuições de Laval e Dardot. Explicitamente, julgamos ainda muito relevantes as

5
Especificamente, os autores chegam a reconhecer a imbricação do neoliberalismo em muitos momentos
com a violência, mas defendem que nem sempre os caminhos tomados são ligados a uma “terapia de
choque” (em referência ao trabalho clássico de KLEIN, 2008) (p. 20). Se, de fato, nem toda implantação
neoliberal exige golpes de Estado, não nos parece, no entanto, que prescindam de elementos
desorganizadores, crises e de momentos de espoliação da maioria da população.
6
Harvey vincula a virada neoliberal a um projeto de “restauração ou reconstrução do poder das elites
econômicas” (HARVEY, 2005, p. 19) e defende que um dos seus principais mecanismos de instalação
consiste na acumulação por espoliação: uma forma contemporânea e relevante atualmente do que Marx
chamou de acumulação primitiva do capital, mas que, em Harvey, não é vista como algo externo ao
capitalismo como sistema fechado e que adota formas de coerção e de consenso (HARVEY, 2003, p. 143-
145). Para uma apresentação e avaliação crítica dos conceitos de Harvey, Cf. FONTES, 2017.
7
Duménil e Lévy (2004, p. 1-2, 210-211) conceituam o neoliberalismo como um conjunto de transformações
no capitalismo que causou uma restauração das características violentas da acumulação capitalista e dos
lucros e poder de classe de um setor capitalista específico: a burguesia financeira. Assim, “o neoliberalismo
é fruto de uma volta por cima bem-sucedida de um segmento das classes dominantes”, formando uma nova
hegemonia das finanças. Para um comentário recente sobre esse processo de restauração de forças da
classe capitalista e seus efeitos no direito, Cf. GONÇALVES, 2014, p. 311-312.
8
Essa mesma crítica é empregada por Dean (2016) ao comentar o livro de Brown (2015) e julgamos que
também se aplica à obra de Laval e Dardot.


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teorias que explicitam o caráter de classe e expropriatório do neoliberalismo e também


as linhas teóricas que procuram pensar a situação dos países dependentes. Nesse caso,
parece-nos que um dos diálogos principais a ser realizado deve ser com a teoria
marxista da dependência 9 , que expõe cristalinamente como a troca desigual entre
centro e periferia culmina na superexploração da classe trabalhadora e das maiorias
periféricas, cujo mais-valor é transferido aos grandes centros do capitalismo mundial
(MARINI, 2008, p. 121-124 e CARCANHOLO, 2008, p. 254-255). Inclusive, o próprio
resgate teórico de noções como as de espoliação (HARVEY, 2003) e de expropriação
(FONTES, 2017) parecem muito relevantes para pensar como os ajustes neoliberais
implicam a espoliação de direitos sociais e trabalhistas (BRAGA, 2017, p. 247-248).
Tratam-se de elementos que, no fim das contas, são secundarizados na análise do livro.
No entanto, as contribuições dos autores franceses também são aplicáveis a
outros aspectos da discussão dos efeitos no neoliberalismo atualmente. Se, por um lado,
são incapazes de focalizar a condição da dependência; por outro, explicitam com muita
propriedade o caráter pervasivo e criador da racionalidade neoliberal. Em outras
palavras, não estamos diante de um processo meramente destruidor de direitos e de
espaços estatais; ele também é produtor de “certos tipos de relações sociais, certas
maneiras de viver, certas subjetividades” (p. 16). Portanto, trata-se mais de um processo
de reestruturação do Estado e dos direitos à dinâmica da concorrência e da eficiência do
que sua mera supressão.
Essa leitura, ao nosso ver, parece ser muito fecunda para pensar as reformas e
reestruturações neoliberais para além da mera constatação da violação de direitos
humanos. Ora, enquanto racionalidade, o neoliberalismo, mais que destruição, causa
uma reformulação dos elementos básicos dos direitos sociais, políticos e civis.
Justamente por causa disso que a maior parte dos discursos de imposição de medidas
de austeridade pode, por exemplo, fazer uso da retórica dos direitos humanos. Assim, o
neoliberalismo globalizado pode efetuar uma dupla redução: tudo que existe torna-se
valor de troca e toda atividade humana é transmutada na mera aplicação de uma
racionalidade particularista-capitalista (HERRERA FLORES, 2005, p. 123). Gostaríamos de
destacar, justamente, a correlação entre as reflexões de Laval e Dardot e Herrera Flores:

9
Para uma exposição da Teoria marxista da dependência e suas contribuições para o estudo do direito, Cf.
PAZELLO, 2016.


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ambas expressam a constante expansão da lógica neoliberal para todas as outras


esferas sociais. Esse cenário não poderia ser diferente com os direitos humanos.
Para ilustrar esse processo, podemos citar um discurso de Michel Temer diante
de um público majoritariamente empresarial, no qual os direitos são evocados para
defender a aprovação da PEC do Teto de Gastos, uma radical medida de austeridade
que congela o orçamento público por 20 anos:
Porque esta Proposta de Emenda Constitucional responde à lógica básica
que venho reiterando: sem o controle dos gastos, não há a confiança que se
traduza em investimentos e consumo. Sem o controle dos gastos, seriam
insustentáveis as políticas de habitação, saúde e educação. Essa proposta
não visa a diminuir o volume de recursos para essas políticas, ao contrário,
visa a garantir esses recursos. Essa proposta é essencial, meus amigos, para
proteger os direitos dos grupos mais vulneráveis de nossa sociedade. À
primeira vista pode parecer que é uma coisa só, digamos assim, uma PEC
elitizada, e não é. Se você controlar os gastos públicos, você acaba tendo
repercussões muito favoráveis em todos os senhores (sic) (TEMER, 2016,
destaques nossos).

Nessa afirmação, os direitos sociais e culturais são reivindicados e não são
abandonados na argumentação, mas ficam completamente subsumidos aos direitos
civis dos grandes investidores, em busca das melhores condições para multiplicar os
seus ganhos. Aqui, formula-se uma linha de raciocínio fundada na tecnocracia da
economia ortodoxa: as reformas estruturais neoliberais apresentam-se como pré-
condição para aumentar a confiança da economia e melhorar o ambiente de negócios,
os quais, por sua vez, trarão investimentos e a volta do crescimento aos países em
recessão. Esse crescimento, no fim das contas, promete a diminuição do desemprego e
o aumento da arrecadação de impostos, o que, enfim, criaria a possibilidade de alguns
direitos sociais para a maior parte da população. Ou seja, tudo deve ser feito para se
adaptar à competitividade e confiança dos mercados: trata-se de uma “corrida suicida
para ver quem será o campeão da austeridade”, que vê a gestão da economia e da
sociedade como empresas que tentam vender suas ações, instaurando a competição
mundial entre nações (p. 29). Eis aí a lógica subjacente de uma concepção neoliberal dos
direitos, que acabam, enfim, subsumidos à nova razão do mundo.
Esses elementos, por fim, dão apenas um exemplo entre vários possíveis da
atualidade e relevância da presente obra para pensar a relação entre direitos humanos e



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neoliberalismo na realidade brasileira10. No fim das contas, a racionalidade neoliberal


não necessariamente abre mão do uso da retórica dos direitos humanos: realiza-se a
cooptação dessa linguagem para se adequar às noções neoliberais de sociedade
nacional regida pela concorrência generalizada entre indivíduos-empresa e de
comunidade internacional organizada a partir da competição entre Estados-empresa.


Referências Bibliográficas:

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entrevista com Pierre Dardot e Christian Laval. Tempo Social: Revista de sociologia da
USP, São Paulo, v. 27, n. 1, p. 275-315, jun. 2015. Disponível em: <goo.gl/VTtnDS>.
Acesso em 04 nov. 2018.

BRAGA, Ruy. A rebeldia do precariado: trabalho e neoliberalismo no Sul global. São
Paulo: Boitempo, 2017.

BROWN, Wendy. American nightmare: neoliberalism, neoconservatism and de-
democratization. Political Theory, [s. l.], v. 34, n. 6, p. 690-714, dez. 2006.

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CARCANHOLO, Marcelo Dias. Dialética do desenvolvimento periférico: dependência,
superexploração da força de trabalho e política econômica. Revista de Economia
Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 247-272, maio/ago. 2008.

DEAN, Jodi. Democracy and other neoliberal fantasies: communicative capitalism and
left politics. Londres: Duke University Press, 2009.

10
Para uma outra bibliografia em que as reflexões de Laval e Dardot auxiliaram a pensar a dinâmica dos
direitos humanos na sociedade neoliberal, Cf. DELUCHEY, 2016, p. 210-211 e ss.


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______. [Resenha de] Wendy Brown. Undoing the Demos: Neoliberalism’s Stealth
Revolution. The Critical Inquiry Review, Chicago, v. 42, n. 4, p. 979-982, jun. 2016.

DELUCHEY, Jean François Y. Os Direitos Humanos entre Polícia e Política. Revista Direito
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DUMÉNIL, Gerard; LÉVY, Dominique. Capital resurgent: roots of the neoliberal
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FONTES, Virgínia. David Harvey: Dispossession or Expropriation? Does capital have an
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KLEIN, Naomi. The shock doctrine: the rise of disaster capitalism. Nova York:
Metropolitan Books, 2008.



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PAZELLO, Ricardo Prestes. Contribuições metodológicas da teoria marxista da
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TEMER, Michel. Discurso do Presidente da República, Michel Temer, durante a abertura
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Disponível em: <goo.gl/hsPWk3>. Acesso em: 04 out. 2018.


Sobre o autor

Pedro Pompeo Pistelli Ferreira
Mestrando em Direitos Humanos e Cidadania pela Universidade de Brasília (UnB).
Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ex-participante
dos projetos de extensão Direito e Cidadania, Serviço de Assessoria Jurídica
Universitária Popular (SAJUP-PR) e Movimento de Assessoria Jurídica Universitária
Popular Isabel da Silva (MAJUP Isabel da Silva). Associado ao Instituto de Pesquisa,
Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS). Realiza pesquisas nas áreas de Filosofia do
Direito, Teoria do Direito e Sociologia do Direito, com foco no estudo das Teorias
Críticas do Direito e Direitos Humanos. E-mail: pedro.pistelli.ferreira@gmail.com

O autor é o único responsável pela redação da resenha.



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