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Ulrich’s International Periodicals Directory – Handbook of Latin American Studies (HLAS) –
Sumários Correntes Brasileiros – Google Acadêmico - EBSCO
Correspondência:
Rev. IHGB – Av. Augusto Severo, 8-10º andar – Glória – CEP: 20021-040 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
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Tiragem: 300 exemplares
Impresso no Brasil – Printed in Brazil
Revisora: Talita Rosetti Souza Mendes
Secretária da Revista: Tupiara Machareth
Quadrimestral
ISSN 0101-4366
Ind.: T. 1 (1839) – n. 399 (1998) em ano 159, n. 400. – Ind.: n. 401 (1998) – 449 (2010) em n. 450
(2011)
Ficha catalográfica preparada pela bibliotecária Maura Macedo Corrêa e Castro – CRB7-1142
CONSELHO EDITORIAL
António Manuel Dias Farinha – Universidade de Lisboa – Lisboa – Portugal
José Murilo de Carvalho – Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro-RJ – Brasil
Maria Beatriz Nizza da Silva – Universidade de São Paulo – São Paulo-SP – Brasil
Lucia Maria Bastos Pereira das Neves – Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro-RJ-Brasil
Maria de Lourdes Viana Lyra – Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro-RJ – Brasil
CONSELHO CONSULTIVO
Fernando Camargo – Universidade Federal de Pelotas – Pelotas-RS – Brasil
Junia Ferreira Furtado – Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte-MG – Brasil
Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos – Ministério das Relações Exteriores – Brasília-DF – Brasília
Maria de Fátima Sá e Mello Ferreira – ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa – Lisboa – Portugal
Miridan Britto Falci – Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro-RJ – Brasil
Nestor Goulart Reis Filho – Universidade de São Paulo – São Paulo-SP – Brasil
Renato Pinto Venâncio – Universidade Federal de Ouro Preto – Ouro Preto-MG – Brasil
13
I – ARTIGOS E ENSAIOS
ARTICLES AND ESSAYS
Resumo: Abstract:
Na segunda metade do século XVIII, o Estado In the second half of the eighteenth century, the
do Grão-Pará e Maranhão foi palco de disputas State of Grão-Pará and Maranhão became the
de demarcação fronteiriça com o reino de Es- scene of disputes with the Kingdom of Spain
panha, assim como das políticas indigenistas over border demarcation, as well as over the
pombalinas que, buscando integração, posse, Pombaline indigenous policies aimed not only
exploração, valorização e controle, conferiam at the integration, possession, exploitation,
destaque às populações autóctones, promo- valorization and control of indigenous peoples
vendo políticas de criação e de valorização de but also at enabling indigenous elites to occupy
uma elite indígena materializada em cargos de posts in the military officialdom. This paper
oficialidade militar. O presente trabalho apre- presents an analysis of the instrumentalization of
senta uma análise da instrumentalização, feita the indigenous policies and laws carried out by
por essas elites indígenas, das políticas e das these elites, based on the requests of the Indians,
legislações indigenistas, tendo por fonte os re- on official correspondences exchanged between
querimentos dos indígenas, as correspondências colonial and metropolitan authorities (letters,
oficiais trocadas entre as autoridades coloniais minutes, provisions, instructions, opinions and
e metropolitanas (Ofícios, Minutas, Provisões, consultations of the Overseas Council), as well
Instruções, Pareceres e Consultas do Conselho as on the laws and charters of that period. The
Ultramarino), assim como as leis e os Alvarás 1757 “Directory of Indians” plays a central
desse período. O “Diretório dos Índios” de 1757 role in the analysis. Our research shows how
terá papel central nessa análise. Podemos obser- these indigenous elites were able to manipulate
var, nesta pesquisa, como essas elites indígenas the Pombaline indigenous legislation to their
souberam manusear as legislações indigenistas advantage in order to acquire, consolidate
pombalinas de forma a adquirir, consolidar, ou or increase privileges, and to cope with the
aumentar privilégios, e fazer frente aos desman- violations and disrespect perpetrated by other
dos e aos desrespeitos perpetrados por demais residents or by the colonial authorities, within
moradores ou pelas autoridades coloniais, den- the limits social reality would permit them.
tro do que a realidade social lhes permitia.
Palavras-chave: Indígenas, militares, Diretó- Keywords: Indians; military; directory; State of
rio, Estado do Grão-Pará e Maranhão. Grão-Pará and Maranhão.
Outros conceitos foram cunhados para dar conta das múltiplas re-
alidades desse processo histórico, mas não nos deteremos sobre eles no
momento.
21-52, janeiro-dezembro de 2005, p. 44. Tradução nossa. “Con respecto a los conceptos
de etnogénesis y etnificación solo notaremos que el primero remite a la capacidade de
creación y adaptación de las entidades indígenas y a la emergencia de nuevas formaciones
sociales [...]. El segundo sirve para caracterizar los dispositivos coloniales (de estado y
capitalista) que producen efectos de normalización y espacialización y participan de la
creación de lo étnico a través de la reificación de las prácticas y representaciones de las
sociedades indígenas [...].”
8 – Idem. Colonización, resistencia y etnogénesis en las fronteiras americanas. In: BOC-
CARA, Guilhaume. Colonización, resistencia y mestizaje en las Américas (siglos XVI –
XX): Quito, Ecuador: Ediciones Abya-Yala/ Instituo Francês de Estudios Andinos, 2002,
p. 57
19 – Essa concepção de liberdade conformava-se com uma prática exploratória colonial,
profundamente, influenciada pelo conjunto de ideias ilustradas que primavam pela valo-
rização do trabalho. Ver: FARAGE, Nádia. As muralhas dos sertões: os povos indígenas
no Rio Branco e a colonização. Dissertação (Mestrado em História Social) - Universidade
Estadual de Campinas, São Paulo. 1986, p. 70. FLEXOR, Maria Helena Ochi. A “Civili-
zação” dos Índios e a Formação do Território do Brasil/Aprender a ler, escrever e contar
no Brasil do século XVIII. In: Filologia e lingüística portuguesa. São Paulo: Humanitas,
nº 4, 97-157, 2001, p. 3.
20 – ALMEIDA, Rita Heloísa de. O Diretório dos índios: um projeto de “civilização”
no Brasil do século XVIII. Brasília: UNB, 1997, p. 166. Para ver mais: COELHO, Mauro
Cezar. Do sertão para o mar – Um estudo sobre a experiência portuguesa na América, a
partir da colônia: o caso do Diretório dos Índios (1751 -1798). Tese (Doutorado em His-
tória Social) - Universidade de São Paulo. SP, 2005.
21 – AHU, Pará, Cx. 52 D. 4766. 6 de Abril de 1762: AVISO do [secretário de estado
da Marinha e Ultramar], Francisco Xavier de Mendonça Furtado, para o [conselheiro do
Conselho Ultramarino], Alexandre Metelo de Sousa e Meneses.
das povoações; 4ª (§ 85): contribuir para a civilização dos índios através do exemplo
no trato manual de suas próprias terras e pela busca lícita de “adquirir as conveniências
Temporais”; 5ª (§86): a inobservância de qualquer das condições acarretará na expulsão
das terras, e na perda de todos os direitos adquiridos sobre propriedades, lavouras e plan-
tações. DIRECTÓRIO que se deve observar...: §82, 83, 84, 85, 86. In: NETO, Carlos
de Araújo Moreira. Índios da Amazônia, de Maioria à Minoria (1750-1850). Petrópolis:
Vozes, 1988, p. 200.
26 – Influenciados pelo que Marcell Mauss definiu como “Sistema de Prestações To-
tais”, Antônio Manuel Hespanha desenvolve a ideia de “Economia Moral do Dom”, defi-
nida como uma cadeia infinita de atos beneficiais, ao passo que Fernanda Olival trabalha
com a ideia de “Economia da Mercê”. Ambos, porém, pautados na noção de que a dádiva
Real não significava gratuidade, mas supunha trocas sociais e concessão de favores, ema-
nando da Coroa e sendo operacionalizada pela mesma para manter a ordem e a hierarquia
social, tendo por base o triádico “dar, receber e retribuir”. Cf. MAUSS, Marcell. Ensaio
sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. In: Sociologia e Antropo-
logia. v. II. São Paulo: Edusp, 1923-24, 33; OLIVAL, Fernanda. As Ordens militares e o
Estado Moderno: Honra, Mercê e Venalidade em Portugal (1641 – 1789). Lisboa: Editora
Estar, 2001; HESPANHA, Antônio Manuel. O Antigo Regime (1620-1807). In: História
de Portugal dir. José Mattoso, vol. IV, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993; HESPANHA,
Antônio Manuel. Imbecillitas. As bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades de
Antigo Regime. São Paulo: Coleção Olhares, 2010.
27 – ROCHA, Rafael Ale. Os oficiais índios na Amazônia Pombalina: Sociedade, Hie-
rarquia e Resistência (1751-1798). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade
Federal Fluminense. Niterói, RJ, 2009.
28 – AHU, Pará, CX. 50 D. 4557. 4 de Julho de 1761, fl.1.: OFÍCIO do governador e
capitão general do Estado do Grão Pará e Maranhão, Manuel Bernardo de Melo e Cas-
tro, para o [secretário de estado da Marinha e Ultramar], Francisco Xavier de Mendonça
Furtado.
42 – AHU, Pará, Cx. 42 D. 3841. 9 de Março Ant. 1757, fl.1. REQUERIMENTO do
índio principal da aldeia de Mortigura da nação aruaquizes, Apolinário Rodrigues, para
rei [D. José].
43 – Ibidem.
44 – ROCHA, Rafael Ale. Os oficiais índios na Amazônia Pombalina: Sociedade, Hie-
rarquia e Resistência (1751-1798). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade
Federal Fluminense. Niterói, RJ, 2009, p. 90 e 91.
45 – FARAGE, Nádia. As muralhas dos sertões: os povos indígenas no Rio Branco e
a colonização. Dissertação (Mestrado em História Social) – Universidade Estadual de
Campinas, São Paulo, 1986, p. 328.
50 – AHU, Pará, Cx. 94, D. 7484. 1 de Março de 1785, fl.1. CARTA do mestre de campo
e principal da vila de Oeiras, Manuel Pereira de Faria, para a rainha [D. Maria I].
51 – Ibidem.
52 – Ibidem, fl.1v.
53 – AHU, Pará, Cx. 95, D. 7572. 26 de Julho de 1786, fl.1v.: CARTA do [governador e
capitão general do Estado do Pará e Rio Negro], Martinho de Sousa e Albuquerque, para
a rainha [D. Maria I].
56 – AHU, Pará, Cx. 94, D. 7484. 1 de Março de 1785, fl.1. CARTA do mestre de campo
e principal da vila de Oeiras, Manuel Pereira de Faria, para a rainha [D. Maria I].
57 – AHU, Pará, Cx. 94, D. 7484. 1 de Março de 1785, fl.1. CARTA do mestre de campo
e principal da vila de Oeiras, Manuel Pereira de Faria, para a rainha [D. Maria I].
58 – Ibidem, fl.2.
59 – Ibidem.
60 – Ibidem.
61 – Ibidem, fl.2v.
62 – Passada ordem para informar e ser ouvido, o governador e Capitão General em 11
de agosto de 1785, sendo expedida em 25 de outubro de 1785.
63 – “Despacho” inserido na margem lateral esquerda do requerimento. AHU, Pará, Cx.
94, D. 7484. 1 de Março de 1785, fl.1: CARTA do mestre de campo e principal da vila de
Oeiras, Manuel Pereira de Faria, para a rainha [D. Maria I].
64 – Diretor da vila de Portel.
sendo uma parte deles para distribuir aos habitantes deste Estado para
aplicarem na extração das Drogas do Sertão, na Agricultura, e Pesca-
rias.65
65 – AHU, Pará, Cx. 95, D. 7572. 26 de Julho de 1786, fl.2. CARTA do [governador e
capitão general do Estado do Pará e Rio Negro], Martinho de Sousa e Albuquerque, para
a rainha [D. Maria I].
66 – Ibidem, fl.3.
67 – AHU, Pará, Cx. 95, D. 7572. 26 de Julho de 1786, fl.3v. CARTA do [governador e
capitão general do Estado do Pará e Rio Negro], Martinho de Sousa e Albuquerque, para
a rainha [D. Maria I].
68 – Ibidem, fl.4.
Um caso anterior que não diz respeito somente à elite indígena, mas à
população indígena como um todo, é o requerimento dos Índios da vila de
Borba – direcionado para o Secretário de Estado da Marinha e Ultramar,
Tomé Joaquim da Costa Corte Real –, no qual solicitam uma devassa so-
bre o governo do Diretor da vila, o alferes Luís da Cunha de Eça e Castro.
Recorrem os Principais, e todos os mais moradores Índios desta Vila
de Borba a nova, vexados com o tirano governo do Alferes Luís da
Cunha de Eça e Castro, Diretor, que estando quase a tempo de dez
meses logo foi rendido do Governador da Capitania pela atrocidade do
seu gênio; e tendo ocasião tornou a solicitar o mesmo lugar, voltando
para [esta] mesma Vila, [onde] em vez de desmentir as demonstrações
[ilegível], se tem empenhado de novo na continuação da sua feroci-
dade [...].69
69 – AHU, Pará, Cx. 45, D. 4141. Post. 1759, fl.1. REQUERIMENTO dos Índios da vila
de Borba no Estado do Pará, para o [secretário de estado da Marinha e Ultramar, Tomé
Joaquim da Costa Corte Real].
70 – AHU, Pará, Cx. 45, D. 4141. Post. 1759, fl.1. REQUERIMENTO dos Índios da vila
de Borba no Estado do Pará, para o [secretário de estado da Marinha e Ultramar, Tomé
Joaquim da Costa Corte Real].
41
Resumo: Abstract:
Entre os diversos incêndios ocorridos no Rio de The fire that destroyed the church and the
Janeiro do século XVIII, o desastre da Igreja e Recolhimento do Parto building in August 1789
do Recolhimento do Parto, destruídos pelo fogo is one of the best known fires in eighteenth-
em agosto de 1789, é um dos mais conhecidos. century Rio de Janeiro. Two pairs of paintings
Chegaram, aos nossos dias, dois pares de telas portraying the fire and the reconstruction of
dedicadas ao incêndio e à reconstrução do edifí- the building have survived to our days, and
cio. Além disso, ao longo do século XIX, o fogo throughout the nineteenth century the fire was
no Recolhimento foi objeto de historiadores e not only the subject of historians and chroniclers
de cronistas da cidade e serviu ainda de tema but has also served to inspire a novel. From the
para um folhetim. A partir de uma investigação a perspective of a history of disasters, this article
respeito do caso do Parto, o objetivo deste artigo has a double aim, namely, first, to identify the
– na perspectiva de uma história dos desastres – resources used by the city of Rio de Janeiro in
é não só perceber os recursos usados pelo Rio de colonial times to deal with the dangers of urban
Janeiro colonial para lidar com o perigo do in- fires such as the one dealt with here, and, second,
cêndio urbano, mas também, ao mesmo tempo, to examine how the narratives of this particular
examinar a maneira como, afinal, as narrativas episode were part of a large understanding of
sobre este episódio estiveram inseridas numa disasters, increasingly seen as secular episodes.
longa história da percepção sobre o desastre
que, neste final de século, caminhava, tenden-
cialmente, para uma dessacralização do tema.
Palavras-chave: História dos desastres; Incên- Keywords: History of disasters; urban fires;
dios Urbanos; Recolhimento do Parto. Recolhimento do Parto.
mulheres que não tinham feito o voto de freira, mas cujo comportamento
tinha sido considerado impróprio por pais ou por maridos.
A Igreja de Nossa Senhora do Parto, que acabou por dar nome também
ao Recolhimento, havia sido construída no século XVII2. Segundo o his-
toriador Vieira Fazenda, no século seguinte, para edificar o Recolhimento
no terreno vizinho, decidiu-se “alargar a igreja pelo lado direito, que era
ainda terreno próprio” e “deitar a frente do templo abaixo para correr com
o Recolhimento pela frente do corpo da igreja”3, de maneira que as reco-
lhidas pudessem assistir aos atos religiosos sem que precisassem passar
pela rua. O resultado é que era impossível, vendo-se de fora, reconhecer
onde acabava a Igreja e começava o Recolhimento, formando, ambos, um
único e maciço edifício em que a Igreja estava contida. E foi esta grande
edificação, com mais de uma dúzia de janelas em cada um dos pavimen-
tos superiores, que pegou fogo naquela madrugada de 1789.
O Recolhimento
No final da década de 1980, o antropólogo Luiz Mott levantou na
documentação do Arquivo da Torre do Tombo, em Portugal, a história
de uma africana, Rosa Egipcíaca, que chegou ao Brasil como escrava em
1725 e foi viver em Minas, onde trabalhou como prostituta e teve uma
vida atribulada. Por volta de 1750, Rosa começou a ter visões místicas,
largou a prostituição e se tornou beata. Forra, veio para o Rio de Janeiro
e conseguiu fazer contato com o alto clero da cidade, até ser considerada
uma ameaça e ser enviada presa para a Inquisição em Lisboa.
culpas que lhe parecia tinha cometido, as quais lhe perdoava, e que se
estivesse inocente, lhe pedia que também lhe perdoasse em tudo quanto
tinha feito a esse respeito”, o que demonstrava, segundo a argumentação
de Francisca, que até o próprio marido reconhecia não ter certeza de sua
culpa. Ela ainda contava em seu requerimento que tinha uma filha de doze
anos que precisava dos seus cuidados e que, além disso, havia “granjeado
na dita Clausura um princípio de morfeia”19, o que só tinha feito aumentar
o seu sofrimento. Solicitava, assim, sua liberdade; no que afinal foi aten-
dida, como se vê pelo aviso endereçado ao bispo.
19 – Morfeia era um dos nomes da hanseníase. Carta de José Luís Franca ao Secretário
de Estado. Doc. cit.
20 – ARAÚJO, José de Sousa Azevedo Pizarro e [Monsenhor Pizarro]. Op. cit., p. 266.
21 – ALVARENGA, Manoel Ignacio da Silva. Obras poeticas. Rio de Janeiro: Garnier,
1964. Tomo 1, p. 262.
Imagem 1: João Francisco Muzzi. Fatal e rápido incêndio, que reduziu a cinzas em 23 de agosto de 1789 a Igreja,
suas imagens, e todo o antigo Recolhimento de N. S. do Parto, salvando-se unicamente ilesa de entre as chamas
a milagrosa imagem da mesma Senhora [legenda no verso]. Óleo sobre tela. 1,00 X 1,25 m. Acervo dos Museus
Castro Maya/IBRAM/MinC.
Imagem 2: João Francisco Muzzi. Feliz e pronta reedificação da Igreja e todo o antigo Recolhimento de N. S. do
Parto, começada no dia 25 de agosto de 1789 e concluída em 8 de dezembro do mesmo ano [legenda no verso]25.
Óleo sobre tela. 1,00 X 1,25 m. Acervo dos Museus Castro Maya/IBRAM/MinC.
Imagem 3 e 4:
Leandro Joaquim (Atribuição). Fatal e rápido incêndio, que reduziu a cinzas em 23 de agosto de 1789 a Igreja,
suas imagens, e todo o antigo Recolhimento de N. S. do Parto, salvando-se unicamente ilesa de entre as chamas a
milagrosa imagem da mesma Senhora [legenda na moldura]. Óleo sobre tela. 1,60 X 1,96 m.
Feliz e pronta reedificação da Igreja e todo o antigo Recolhimento de N. S. do Parto, começada no dia 25 de
agosto de 1789 e concluída em 8 de dezembro do mesmo ano [legenda na moldura]. Óleo sobre tela. 1,60 X 1,96
m. Acervo do Museu Arquidiocesano de Arte Sacra do Rio de Janeiro. Fonte: FERREZ, Gilberto. As primeiras
telas paisagísticas da cidade. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 17, p. 219-
237, 1969.
25 – FERREZ, Gilberto. Muito leal e heroica cidade de São Sebastião do Rio de Janei-
ro: quatro séculos de expansão e evolução. Paris: Marcel Mouillot, 1965, p. 46.
26 – Ver LEVY, Hanna. A pintura colonial no Rio de Janeiro. Revista do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 06, p. 07-79, 1942, p. 74.
27 – FERREZ, Gilberto. Muito leal e heroica cidade de São Sebastião do Rio de Janei-
ro: quatro séculos de expansão e evolução. Op. cit., p. 46.
28 – Carta relatório de Edson Motta ao Diretor sobre as telas do Parto. Arquivo Central
do IPHAN. Série Personalidades. Cx. 0081. MUZZI, Francisco (Pintor). Pasta 270.12. F
44362-44.363. A carta está publicada quase integralmente em FERREZ, Gilberto. Ico-
nografia do Rio de Janeiro, 1530-1890. Catálogo Analítico. Rio de Janeiro: Casa Jorge
Editorial, 2000, v. 1, p. 101.
Embora os estudiosos acreditem que uma das ovais que restou, co-
nhecida como “Procissão marítima ao Hospital dos Lázaros”, mostre um
festejo religioso (a embarcação principal carrega a bandeira do Divino
Espírito Santo), ainda assim ela tem sido interpretada como parte do mes-
mo espírito de composição de cenas urbanas que informa todo o conjunto,
nesse momento em que a pintura religiosa começa a ceder espaço para a
paisagística31. Para Gilberto Ferrez, o conjunto das ovais foi produzido
entre 1779 e 1790, ou seja, no período que corresponde ao governo do vi-
ce-rei Luís de Vasconcelos, responsável pela criação do Passeio Público,
para onde as pinturas se destinavam: “Parece-nos que o artista quis, ou
melhor, teve ordens para descrever alguns acontecimentos marcantes da
29 – Ver FERREZ, Gilberto. As primeiras telas paisagísticas da cidade. Op. cit.
30 – John Luccock citado por FERREZ, Gilberto. As primeiras telas paisagísticas da
cidade. Op. cit., p. 224.
31 – Ver SÁ, Ivan Coelho de. O hedonismo rococó através da pintura de temática car-
navalesca. Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 7-16, 1º sem. 1994 e SANTOS,
Amandio Miguel dos. Os painéis paisagísticos de Leandro Joaquim na pintura do Rio de
Janeiro Setecentista. Gávea, Rio de Janeiro, v. 11, n. 11, p. 131-151, abril 1994.
32 – FERREZ, Gilberto. As primeiras telas paisagísticas da cidade. Op. cit., p. 232.
33 – Sobre a participação dos militares e o papel dos Arsenais da Guerra e da Marinha
no combate aos incêndios no século XVIII e na primeira metade do século XIX, ver
CASTRO, Adler Homero. Artífices do fogo. Da Cultura, Rio de Janeiro, ano VI, n. 11,
p. 32-41, 2006.
39 – Ver FOLIN, Marco, PRETI, Monica (Org.). Wounded Cities: The Representation of
Urban Disasters in European Art (14th-20th Centuries). Leiden: Brill, [2015].
40 – Incendio di Borgo. Rafael, 1514, afresco. Museus do Vaticano. Ver STOICHITA,
Victor I. "Lochi di foco": la città ardente nella pittura del Cinquecento. Visuelle Topoi,
p. 439-451, 2003.
41 – Partie de l'incendie de la ville de Rennes, vue de la place du Palai. François Huguet
(Huguet le fils), s.d., gravura. Bibliothèque Nationale de France. Reserve FOL-QB-201
(89).
42 – A tela foi feita a partir da ampliação de uma aquarela conservada na Igreja de Saint-
-Aubin. Le Voeu des habitants de la ville de Rennes en 1720. Jean-François Huguet, 1721,
aquarela. Église Saint-Aubin, Rennes, França.
Imagem 6: Vœu fait à N. D. de Bonne Nouvelle par les habitants des Lices, rues St Louis, St Michel, Place Ste
Anne, préservées de l’incendie du 22 déc. jusqu’au 30 [legenda na moldura]. 3 X 4 m. Igreja Saint-Sauveur.
Rennes, França.
43 – CÂMARA, Antônio Pereira da. Sermao na procissam de penitencia que fés de noite
a Reverenda Irmandade dos Clerigos de S. Pedro da cidade do Rio de Janeiro por ocaziao
do Terremoto que houve em Lisboa no primeiro de Novembro de 1755. Oferecido a El
Rei D. Joseph I Nosso Senhor. Prégado á porta da Igreja da Crus ao passar da procissao,
pelo Padre Antonio Pereira da Camara. Em 27 de Fevereiro de 1756. Lisboa: Na Officina
Patriarcal de Francisco Luiz Ameno, 1757.
44 – Em obra recente, o geólogo Alberto Veloso estudou os efeitos do tsunami na costa
do Brasil, no litoral nordestino, ver VELOSO, J. Alberto Vivas. Tremeu a Europa e o
Brasil também. Lisboa: Chiado Editora, 2015.
45 – CARVALHO, Rómulo de. As interpretações dadas, na época, às causas do terramo-
to de 1 de Novembro de 1755. Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, (Classe de
Ciências), tomo XXVIII, 1987, p. 179-205.
46 – Thomas Chase. Carta à sua mãe. Centro de Estudos sobre Kent. Coleção Gordon
Ward U442 e British Library Add. 38510, pastas 7-14 "Narrative of his escape from the
earthquake at Lisbon". Citado em PAICE, Edward. A ira de Deus: a incrível história do
terremoto que devastou Lisboa em 1755. São Paulo: Record, 2010, p 139.
47 – Ofício de Diogo de Mendonça Corte Real [secretário de estado da Marinha e Ul-
tramar] para Gomes Freire de Andrade [governador do Rio de Janeiro e Minas Gerais].
Lisboa, 11 de novembro de 1755. Arquivo Histórico Ultramarino – AHU. Rio de Janeiro,
cx. 58, doc. 43,44, 46.
48 – CÂMARA, Antônio Pereira da. Sermao na procissam de penitencia [...]. Op. cit.
49– CÂMARA, Antônio Pereira da. Idem, Ibidem, p. 5.
Mas por que logo Lisboa, tão pia, tão penitente, foi escolhida para
receber o castigo divino – e com tanta severidade – o pregador se pergun-
ta. E responde: “bem poderá ser que o tenha Deus assim permitido por ser
Corte de um Reino, que é a menina de seus olhos [...]. E sempre Deus teve
por glorioso timbre da sua divina bondade, e por demonstração evidente
do seu amor infinito castigar aos que ama”54. Padre Câmara tomava um
tema comum na época: Deus, em sua eterna sabedoria, castiga aos que
mais ama. Então, segundo a suposição do padre, para levar seus habitan-
tes à salvação, antes que fosse tarde, Deus tinha feito Lisboa tremer, arder
nas chamas do incêndio e submergir nas águas de um tsunami.
Vieira Fazenda conta que Clemência tinha sido escrava de uma fa-
mília abastada e tinha sido vendida para o seu avô, servindo de ama seca
à sua mãe, e “por bons serviços mereceu a carta de liberdade” e foi viver
como governanta na casa de um comendador. A “velha cronista” frequen-
tava a casa do historiador onde entretinha a todos narrando histórias de
outros tempos, entre elas, a do incêndio do Parto.
rua. Teixeira não quis anuir a isso, mas figura ele vestido conveniente-
mente junto ao grupo do vice-rei”59.
É Vieira Fazenda quem nos fornece uma pista importante para co-
nhecer a trajetória que a história do incêndio do Parto teve ao longo do
século XIX. Tratando ainda das lembranças da antiga escrava, ele segue
dizendo o seguinte: “Quando, na presença da velha, lemos o capítulo do
romance Fatalidade de Dous Jovens, em que Teixeira e Sousa descreve o
incêndio – Clemência, tomando uma pitada [de rapé], asseverava ter sido
a culpada D *** [Vieira Fazenda suprimiu o nome], pertencente a família
então muito conhecida”60.
59 – Idem.
60 – Idem.
61 – TEIXEIRA E SOUSA, A. G. As fatalidades de dous jovens: recordações dos tem-
pos coloniaes. Rio de Janeiro: Emp. Typ. de Paulo Brito, 1856.
62 – CÂNDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos.
Belo Horizonte: Itatiaia, 1981, v. 2, p. 126-127.
Macedo leva o leitor para um passeio pela Rua dos Ourives. Lá está
o velho casarão que abrigou o Recolhimento descrito pelo escritor como
uma “terrível ameaça de pedra e cal”, uma espécie de casa de correção
feminina, usada por maridos prepotentes como “arma de disciplina do-
méstica”. Em resumo: “recolhimento inflamável e tão inflamável que até
houve uma noite em que chegou a incendiar-se”63. Nesse ponto, o cronista
passa a narrar o incêndio, contando uma história que, como honestamente
alertou a seus leitores, “provavelmente contém episódios inventados pela
imaginação”64.
63 – MACEDO, Joaquim Manuel de. Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2004, p. 372.
64 – Idem, Ibidem, p. 382.
saltados aos dobres dos sinos e ao rufar dos tambores [...]. Fantasmas de
negro fumo e horríveis línguas de chamas atestavam o grande infortúnio.
Uma fogueira colossal iluminava a cidade”65. Ana Campista havia ateado
fogo ao edifício, não sem antes forjar provas incriminando Matilde. Ana
planejava fugir com o amante, o marido da pobre Matilde. No último
momento, no entanto, seus planos foram interrompidos pela interferência
violenta de seu pai. Mas era tarde demais, o incêndio já consumia todo o
cruel Recolhimento.
68 – NAVA, Pedro. Capítulos da história da medicina no Brasil. Cotia, São Paulo: Ate-
liê Editorial, 2003, p. 155.
69 – Ostensor Brasileiro, n. 39, 1845, p. 306-308.
Imagem 7: Incêndio da Igreja e Recolhimento de N. S. do Parto. Litografia. Heaton & Rensburg. In: Ostensor
Brasileiro, n. 39, 1845, p. 306-308.
Conclusão
Secularizado, o incêndio urbano podia, afinal, ganhar conotações de
desastre relacionado, exclusivamente, ao acaso, à maldade, à vingança
ou ao crime, ou simplesmente ao descuido dos homens. E podia até virar
enredo de folhetim. Enquanto isso, as formas de combater e, sobretudo,
de prevenir os incêndios passavam a ser um tema ligado à cidade e aos
tantos outros desafios que a vida urbana impunha aos homens.
Resumo: Abstract:
O trabalho objetiva apresentar o conturbado The paper aims to present the troubled political
cenário político maranhense a partir do emba- scenario in Maranhão resulting from the
te entre duas narrativas que se contrapunham clash between two opposing narratives in the
na província: uma mais próxima dos interesses province: a narrative closer to the interests of
do governo de Pedro José da Costa Barros, en- the government of Pedro José da Costa Barros,
tendido como aliado dos “portugueses”, e outra considered as an ally of the “Portuguese”, and
da oposição a este governo, portanto favorável a second one opposed it, favoring, therefore, the
à defesa dos “brasileiros”. Assim, diante da defense of the “Brazilians”. Thus, in view of the
descoberta de planos revolucionários alegados discovery of revolutionary plans alleged by the
pelo governo, põe-se em debate a possibilidade government, the possibility of more concrete
de ações mais concretas, ainda que em oposição actions is discussed, albeit they were beyond the
aos ditames legais. Por trás de todo esse confli- legal dictates. Writings about the conflict come
to, para além da imprensa maranhense, entram into play in the press in Maranhão and Rio de
em cena escritos publicados no Rio de Janeiro. Janeiro. A series of pamphlets from the court
Da Corte, uma série de panfletos e alguns dos and some newspapers from Rio de Janeiro also
jornais fluminenses também participam do de- participate in the political debate in Maranhão.
bate político no Maranhão.
Palavras-chave: Maranhão; Constituição; Ci- Keywords: Maranhão; constitution; citizenship;
dadania; Imprensa. press.
abertura de uma devassa para apurar os reais objetivos dos que estavam
por trás daquele movimento. A ideia era descobrir “se o plano formado se
limitava a destruição de indivíduos ou de classes, para saciar vinganças,
ou se envolvia mudança do Sistema jurado e adotado neste Império”11.
da Independência, de modo que não havia razões para crer que, nos tem-
pos de “convulsões políticas”, os males pudessem tocar distintamente aos
cidadãos a partir dos seus locais de nascimento. Assim, tanto os nascidos
no Brasil quanto os que nasceram na Europa estavam à mercê das des-
graças que resultavam de situações em que o “povo em agitação perd[ia]
o uso da razão”. Todavia, ao passo em que afirmava que aquele episódio
lhe “devorava o coração”, o autor da correspondência descartou a fala do
Censor, quando este afirmara ser aquele atentado o “mais atroz, o mais
bárbaro e cruento da história”25.
25 – Ibid.
29 – Carta de Costa Barros a D. Pedro, em 3 de junho de 1826, narra os últimos aconte-
cimentos... Arquivo Nacional, Série Interior, IJJ9-534.
30 – Ofício de Costa Barros a D. Pedro, em 3 de junho de 1826, solicita imediata res-
posta do Imperador para os problemas da província. Arquivo Nacional, Série Interior,
IJJ9-534.
31 – Correspondência de Costa Barros a D. Pedro I, em 27 de maio, narra os esforços
feitos por ele para garantir a paz na província do Maranhão. Arquivo Nacional, Série
Interior, IJJ9-131-A.
34 – Ofício de Pedro José da Costa Barros ao Ministro e Secretário de Estado dos Negó-
cios do Império, em 30 de junho de 1826, informando que foi posto em custódia, a bordo
dos Brigues de Guerra Cacique e Leopoldina, os que foram apontados pela devassa que
ele mandara fazer. Arquivo Nacional, Série Interior, IJJ9-131.
35 – Ofício de Costa Barros ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Impé-
rio, em 19 de julho de 1826, fala informa que Devassa fora concluída, e envia uma lista
com o nome dos pronunciados. Arquivo Nacional, Série Interior, IJJ9-131.
36 – Para informações mais detalhadas sobre a figura do Barateiro, ver: COSTA, Ariad-
ne Ketini Costa. Fidalguia Contratada: O itinerário social de José Gonçalves da Silva no
Maranhão, 1777-1821, Revista Cantareira, nº 15, jul.-dez./2011–UFF.
37 – VELLOSO, Domingos Cadáville. Bruciana, época horrível no Maranhão. Rio de
Janeiro: Tipografia Nacional, 1825.
38 – GALVES, Marcelo Cheche. O Maranhão e a transição constitucional no mundo
luso-brasileiro – 1821-1825. In: RIBEIRO, Gladys Sabina; FERREIRA, Tânia Maria Ta-
vares Bessone (orgs). Linguagens e práticas da cidadania no século XIX. São Paulo:
Alameda, 2010.
39 – Espectador..., nº 94, 28/08/1826, p. 2.
47 – Este jornal circulou entre 29 de dezembro de 1827 e 5 de março de 1829, com a
publicação do nº 51. O início das suas atividades foi anunciado pelo Amigo do Homem,
com destaque para a anuência do vice-presidente da província Romualdo Franco de Sá,
em meados de dezembro de 1827. Embora anunciado para sair sempre aos sábados, os
números da Minerva, composto quase sempre de oito páginas, saía, habitualmente, às
quintas-feiras. No acervo da Biblioteca Nacional, encontram-se preservados apenas al-
guns números referentes ao ano de 1828 – a partir do nº 28, de 31 de agosto de 1828 - e
todos os sete números publicados em 1829.
48 – O primeiro número desse jornal foi publicado em 15 de janeiro de 1828, com um
total de 56 páginas. A partir dali, começou a sair duas vezes por mês, com um intervalo de
aproximadamente 20 dias entre as publicações, com um número de páginas que variava
entre 27 e 45. Tal qual anunciado ainda no primeiro número, por seu redator, João Crispim
– que, a princípio, manteve-se anônimo -, o jornal dividia-se em duas partes: a primeira
tratava de questões práticas do cotidiano político-administrativo da província e a segunda,
chamada de Bandurra Afinada, se dedicava a teorizar sobre diversos temas políticos. O
jornal encerrou suas atividades em 31 de dezembro de 1828, com a publicação do nº 23.
91
Resumo: Abstract:
A história das “invasões holandesas” no Brasil, The history of the “Dutch invasions” in
ocorrida entre 1630 e 1654, é um capítulo da his- Brazil between 1630 and 1654 is a chapter
tória colonial reiteradamente contado nos livros of colonial history commonly told in history
didáticos de História. No entanto, questionar é textbooks. However, questioning is necessary to
necessário para perceber a constituição de um understand the constitution of a paradigmatic
modelo historiográfico paradigmático acerca da historiographic model about the history of the
Dutch presence in the northern captaincies.
história da presença holandesa nas capitanias do The most widely used interpretation of the
Norte. A interpretação do episódio mais utiliza- episode in textbooks goes back to Varnhagen
da pelos livros didáticos reproduz aquela que foi in the nineteenth century. Our research was
proposta por Varnhagen no século XIX. A pes- based on the critical analysis of the thematic
quisa partiu da análise crítica da abordagem da approach in the main works of the historian,
temática nas principais obras do historiador, a namely: General History of Brazil (1854-1857)
saber: História Geral do Brasil (1854-1857) e and History of the Struggles with the Dutch in
em História das Lutas com os Holandeses no Brazil (1871). We further identified the primary
Brasil (1871), bem como da identificação das sources that underpin his work, namely the
fontes primordiais que embasaram seu trabalho, chronicles of war. Our analysis showed that,
ou seja, as crônicas da guerra. Tais procedimen- as an expression of the nationalism under
tos demonstraram que, como expressão do na- construction at that time, Varnhagen told history
cionalismo em construção, em sua época, Var- from the Portuguese perspective, highlighting
nhagen contou a história pelo lado português, the Lusitanian sources and defending the
resistance and insurrection of Pernambuco. The
destacando as fontes lusitanas e defendendo a historian even used the term “enemies” in many
resistência e a insurreição pernambucana. O his- passages to refer to the Dutch who fought for the
toriador chegou a usar o termo “inimigos” em possession of and permanence in the territory.
muitas passagens em referência aos holandeses However, the Nassovian period translated into
que lutavam pela posse e pela permanência no an inflection of the version constructed by the
território. Contudo, o período nassoviano tra- historian, since his narrative had to reproduce
duziu-se em uma inflexão da versão construída the economic prosperity and the political
pelo historiador, uma vez que sua narrativa teve stability acknowledged in the sources. We
de reproduzir a prosperidade econômica e a es- conclude by contextualizing the approach of
tabilidade política admitidas nas fontes. Assim, “Dutch invasion” within the framework of the
o artigo contextualiza a abordagem de “invasão nineteenth-century national historiography,
holandesa”, dentro do quadro da historiografia concerned with the writing of the history of our
nacional oitocentista, preocupada com a escrita homeland.
da História da Pátria.
Palavras-chave: Francisco Adolfo de Varnha- Keywords: Francisco Adolfo de Varnhagen;
gen; Invasão holandesa; Historiografia brasilei- Dutch invasion; Brazilian historiography;
ra; Resistência portuguesa; Brasil holandês. Portuguese resistance; Dutch Brazil.
1 – Professora Adjunta Substituta do Departamento de História da Universidade Federal Flu-
minense (UFF) e Doutora em História pela UFF. E-mail: regininhacribeiro@gmail.com.
1. Introdução
Grande parte da produção oitocentista acerca da História do Brasil
nasceu no seio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, criado em
1838. A partir das pesquisas realizadas por seus membros, as primeiras
linhas no sentido de uma história nacional foram escritas. Paradigma na
tradição historiográfica inaugurada pela instituição, que funcionava como
uma academia letrada aos moldes parisienses, foi a interpretação de Fran-
cisco Adolfo de Varnhagen, militar, engenheiro por formação, mas com-
pletamente devotado aos estudos históricos.
isto é, uma ideia de seu estado, não podemos dizer de civilização, mas
de barbárie e de atraso.6
6 – VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil. vol. 2. Op. cit. p. 30.
7 – Idem.
8 – Ibidem. p. 24.
Fora mesmo muito exaltada essa defesa do território, por parte dos
portugueses, na escrita de Varnhagen. Comandadas por Matias de Albu-
querque, um senhor de engenho que se encontrava “acidentalmente” em
Madri quando as informações sobre o plano de invasão do Brasil colonial
chegaram, as forças de resistência foram organizadas de maneira “vigo-
rosa”, para o historiador.
15 – VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil. vol. 2. Op. cit. p.
224-225.
16 – Ibidem. p. 225.
17 – Ibidem. p. 227.
18 – Ibidem. p. 241.
19 – Ibidem. p. 234-235.
Se, como seis anos antes, em vez de socorros, manda a corte ao Brasil
uma poderosa armada de restauração, os intrusos houveram agora sido
expulsos, e não teriam dominado ainda por vinte e três anos, e sido
causa de tantas perdas para o estado e de tantas calamidades para os
particulares.20
20 – Ibidem. p. 237.
21 – A chamada União Ibérica ou União Dinástica, iniciada em 1580, graças à crise
sucessória deixada com o desaparecimento do rei D. Sebastião na Batalha de Alcácer
Quibir no norte da África, implicou a anexação, de fato, do reino português e de suas
colônias, pela Espanha Habsburgo, por um período de sessenta anos. Alegando direito de
hereditariedade, o próprio Filipe II, rei da Espanha e bisneto de D. Manuel II, o Venturoso,
apoderou-se do trono e do império colonial português. Então, Portugal passou a integrar
uma das principais monarquias compósitas da época moderna, a Monarquia Plural dos
Habsburgos Hispânicos, tendo sido governado por Felipe II, Felipe III e Felipe IV, até
que D. João IV, da casa dos Bragança, restaurou a autonomia política portuguesa em 1º de
dezembro de 1640. Para mais informações, ver: BOUZA ÁLVAREZ, Fernando. Portugal
no Tempo dos Filipes. Política, cultura e representações (1580 – 1668). Lisboa: Cosmos,
2000; ELLIOT, John. Una Europa de Monarquías Compuestas. In: España en Europa.
Estudios de Historia Comparada. Universidad De Valência, 2002.
22 – Companhia de comércio, criada em 1621, pela República das Províncias Unidas
dos Países Baixos. Tratava-se de uma empresa composta por cinco câmaras regionais,
nas quais sobressaíam os capitais holandeses e flamengos, dirigida por um Conselho de
Dezenove Senhores. Sobre a história da formação dos Países Baixos, ver: ISRAEL, Jo-
25 – VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil. vol. 2. Op. cit. p.
254.
26 – Ibidem. p. 265.
27 – Ibidem. p. 263.
28 – BLUTEAU, Raphael. Op. cit. p. 237.
29 – SILVA, Antônio de Moraes. Op. cit. p. 794.
30 – BLUTEAU, Raphael. Op. cit.
Desse modo, mesmo a guerra tendo perdurado por mais cinco anos
ainda, Varnhagen considerava que, a partir de Guararapes, a luta já estava
ganha. Por isso, o historiador enfatizou o final da insurreição pernambu-
cana e, sobretudo, a capitulação dos holandeses. Nesse capítulo, as ba-
talhas deram lugar às tratativas que encerraram o período de dominação
45 – Ibidem. p. 299.
46 – Ibidem. p. 312.
Dessa forma, uma das primeiras decisões tomadas por Nassau, se-
gundo Coelho, foi combater esses focos de resistência, forçando as tropas
54 – RAMINELLI, Ronald. “Frei Manoel Calado.” In: VAINFAS, Ronaldo. Dicionário
do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 248-9.
55 – CALADO, Frei Manoel. Op. cit. p. 115.
56 – Ibidem. p. 116.
57 – Idem.
sim, a crônica de Calado é recheada das decisões, das tratativas, dos ban-
quetes e dos relacionamentos do Príncipe Nassau do dia em que aportou
até a data de sua partida do Brasil, aspectos não muito ressaltados pelo
autor de História da Guerra Brasílica.
58 – FREIRE, Francisco de Brito. Nova Lusitânia, História da Guerra Brasílica (ma-
nuscrito de 1675). São Paulo: Beca Produções Culturais, 2001, p. 241.
59 – Ibidem. p. 245.
68 – VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História das lutas com os holandeses no Bra-
sil. Op. cit. p. 25.
69 – Ibidem. p. 73.
70 – Ibidem. p. 26.
71 – Ibidem. p. 96.
mas também pelo exemplo que dera, “prestando serviços na guerra contra
a sua Pátria”72, abrindo caminho para a deserção de outros súditos.
73 – VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História das lutas com os holandeses no Bra-
sil. Op. cit. p. 248.
121
Resumo: Abstract:
O objetivo central desse artigo consiste em The main focus of the paper is to discuss the
tratar da importância da música para Manuel importance of music for Manuel Araújo Porto
Araújo Porto Alegre (1806-1879) – artista e Alegre (1806-1879), an artist and intellectual
intelectual que teve uma relevância particular who had a particular relevance within the first
dentro da primeira geração romântica no Brasil. romantic generation in Brazil. The paper is
O texto está divido em cinco partes. A introdu- divided into five parts. In the introduction, we
ção fundamenta as análises no campo da história analyze the topic from an intellectual history
intelectual, incluindo o conceito de colonialida- perspective and from the concept of coloniality
de, tendo como referências Carlos Altamirano, as theorized by Carlos Altamirano, Jorge Myers,
Jorge Myers, Ângela de Castro Gomes, Patrícia Ângela de Castro Gomes, Patrícia Hansen and
Hansen e Nelson Maldonado-Torres. A segunda Nelson Maldonado-Torres. In the second part,
parte busca compreender a posição particular we seek to understand Porto Alegre’s particular
ocupada por Porto Alegre entre os “homens de position among the men of letters during the
letras” do Brasil Império – diante dos seus in- Brazilian Empire, in view of his specific interest
teresses específicos para afirmar a importância in both affirming the importance of fine arts in
das belas-artes no desenvolvimento da socie- the development of the Brazilian society and
dade brasileira e na construção da identidade in constructing a national identity. In the third
nacional. A terceira parte contém análises so- part, we analyze his main ideas about music
bre as suas principais ideias sobre a música, em in philosophical and historical terms. In the
termos filosóficos e históricos. A quarta parte, fourth part, we highlight the great relevance
que destaca a grande relevância que a música that music had among his institutional projects.
teve entre seus projetos institucionais, enfatiza a To mention are his support for the renovation
reforma da Academia Imperial de Belas-Artes, of the Imperial Academy of Fine Arts, and the
o apoio para a manutenção do Conservatório maintenance of the Conservatory, apart from his
e o envolvimento direto na criação da “Ópera direct involvement in the creation of a “national
Nacional”. E, finalmente, há as considerações opera”. We conclude reaffirming that music
gerais, que não apenas reafirmam a importância played a major role in Porto Alegre´s life, and
que a música teve para Porto Alegre, mas, es- drawing attention to his importance for the
pecialmente, chamam a atenção da importância institutional development of this art in Rio de
desse sujeito no desenvolvimento institucional Janeiro in the nineteenth century.
dessa arte no Rio de Janeiro do século XIX.
Palavras-chave: história da música no Bra- Keywords: History of music in Brazil; history
sil; história dos intelectuais do Brasil Império; of the intellectuals in the Brazilian Empire;
colonialidade; conservatório de música, ópera coloniality; music conservatory, national opera.
nacional.
1. Introdução
O estabelecimento do Estado imperial no Brasil, a partir de 1822,
acompanhou um processo de organização institucional que foi impulsio-
nado pelas suas novas demandas como país recém-independente. Isso
abrangeu tanto a necessidade de manter e de reajustar os expedientes po-
líticos e administrativos do Estado, quanto, em particular, os desafios e os
paradoxos que envolveram as operações realizadas para forjar a identida-
de do país e os interesses em afirmar o seu espaço próprio junto às nações
civilizadas. Foi a partir desse período que o Rio de Janeiro, mantido como
capital do Brasil, consolidou então a sua imagem como um polo político e
cultural privilegiado, diante da concentração do aparato burocrático cen-
tral do Império e de algumas das mais importantes instituições científicas,
educacionais e artísticas do país, acumulando ainda as oportunidades de
emprego que, potencialmente, giravam em torno dessas esferas. Essa po-
sição central fez convergir para a cidade um grande fluxo de pessoas de
diferentes províncias, a partir do qual destacou-se um grupo específico
que era fortemente motivado pelo interesse em participar da política ou
exercer alguma função pública na capital do Império.
12 – FUBINI, Enrico. O mundo antigo. In: FUBINI, E. Estética da música. Lisboa: Edi-
ções 70, 2008, p. 69-84.
13 – GOEHR, Lydia. The historical approach. In: GOEHR, L. The Imaginary Museum
of Musical Works: an essay in the philosophical of music. New York: Oxford University
Press, 2007, p. 89-286.
14 – FUBINI, op. cit., p. 70.
15 – PORTO ALEGRE, 1836, p. 169.
e uma outra que seria apenas objeto dos sentidos e que, por sua superficia-
lidade e seu suposto caráter desvirtuante, deveria ser sempre rechaçada.
Com base nos pensamentos de Platão, “as músicas boas” seriam aquelas
consagradas pelo poder da tradição. Em contrapartida, as “músicas más”
teriam a mera função imediata de servir exclusivamente ao deleite e ao
passatempo. Reconhecendo, nessa dicotomia, uma atitude conservadora,
para Fubini:
[...] seria um contrassenso, do ponto de vista platônico, fazer altera-
ções e inovações numa arte, aliás, numa ciência, cujos princípios são
estáveis e eternos como o mundo. Conservar a tradição significa, por
conseguinte, conservar o valor de verdade de lei da música.18
18 – Ibid., p. 76-77.
19 – KÜHL, Paulo M. A música e suas história na obra de Porto Alegre. In: KOVENSKY,
JULIA & SQUEFF, LETICIA (orgs.). Araújo Porto Alegre: singular & plural. São Paulo:
IMS, 2014, p.163-175.
20 – PORTO ALEGRE, 1836, p. 163-164.
21 – PEREIRA, Avelino Romero Simões. Uma “empresa útil, elevada e patriótica”: os
intelectuais e o movimento pela Ópera Nacional no Rio de Janeiro oitocentista. In: SAR-
MIENTO, Érica; CARVALHO, Marieta Pinheiro de; FLIER, Patrícia (Orgs.). Movimen-
tos, trânsitos e memórias: temas e abordagens. Niterói: ASOEC, 2016, p. 86-97.
22 – Ibid., p. 173.
27 – Ibid., p. 164-165.
28 – Ibid., p. 165
29 – Ibid., p. 168.
30 – Ibid., p. 173.
31 – Ibid., p. 174.
32 – Ibid., p. 175.
33 – Ibid., p. 179.
34 – Ibid., p. 175.
35 – Ibid., p. 180.
tantes dos diversos lugares de uma mesma nação. Assim, após argumen-
tar que “a Música na Bahia é o [voluptuoso] lundum; a Música mineira,
a [grave] modinha” e que Santa Catarina e Pernambuco “apresentam ho-
mens cabais em gênio musical” (pela aprendizagem de seus fundamentos
teóricos); por fim, o autor reafirma a centralidade que o Rio de Janeiro,
como capital do Império, deveria exercer na definição das referências so-
cioculturais para todo o restante do país. Isso, certamente, desconsiderava
a presença massiva da modinha na cidade e do “violão capadócio” que,
geralmente, servia como base para o seu acompanhamento; bem como
das danças e das músicas afro-brasileiras, com seus lundus, seus batuques
e umbigadas, com suas marimbas, agogôs e tambores, notadamente, pre-
sentes na capital e que seriam também determinantes para constituição da
própria música urbana brasileira36.
36 – ABREU, Martha. O Império do Divino: festas religiosas e cultura popular no Rio
de Janeiro, 1830-1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Fapesp, 1999.
37 – PORTO ALEGRE, 1836, p. 181.
38 – Ibid., p. 183.
39 – PORTO ALEGRE, M. A. Apontamentos sobre os meios práticos de desenvolver o
gosto e a necessidade das Bellas Artes no Rio de Janeiro, feitos pela ordem de S.M.I D.
Pedro II, Imperador do Brasil, 1853. IHGB, coleção: Araújo Porto Alegre, lata: 43, pasta:
13, p. 1.
sentam de maneira muito diferente no caso da arte dos sons, pois, como
conclui o autor, ainda em 1836: “Entre nós ama-se em delírio a Música,
mas despreza-se de alguma maneira os músicos”40.
42 – Ibid., p. 49.
43 – Ibid., p. 48.
44 – PORTO ALEGRE, 1836, p. 183.
Janeiro45 – instituição a qual Araújo Porto Alegre, por sua vez, teve um
papel decisivo para garantir a sua longevidade e tentar afirmar, mais uma
vez, a importância da música para a sociedade no Brasil, assumindo como
escopo fomentar o Teatro lírico e, especialmente, a Ópera nacional.
45 – GARCIA, Gilberto Vieira. Francisco Manuel: “sociedade musical”, política e edu-
cação. In: GARCIA, G. V.. Música: o estudo, o ensino, a docência, entre formuladores
e mestres – Rio de Janeiro (1838-1899). (Tese de Doutorado). Rio de Janeiro: Programa
de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGE/UFRJ),
2018, p. 95-127.
46 – SOUZA, Cristina Martins de. As noites do Ginástico: teatro e tensões culturais na
Corte (1832-1868). Campinas/São Paulo: Editora da Unicamp, Cecult, 2002, p.140-150.
47 – GLABER, Louise. Conservatório Dramático. Novembro 2016. Disponível em:
http://mapa.an.gov.br/index.php/menu-de-categorias-2/304-conservatorio-dramatico.
Acesso em: 11/03/2019.
5. Considerações gerais
Manuel Araújo Porto Alegre teve uma trajetória e uma atuação des-
tacada junto ao grupo de intelectuais identificado como a primeira gera-
ção do Romantismo no Brasil – também conhecida, em termos gerais,
51 – PEREIRA, Avelino Romero Simões. Uma “empresa útil, elevada e patriótica”, op.
cit., 2016.
149
Resumo: Abstract:
Ao embarcar, provavelmente à surdina, em um In 1866, upon boarding a ship (probably
navio no porto da cidade do Rio de Janeiro com stealthily) in the port of Rio de Janeiro bound
destino aos Estados Unidos no ano de 1866, o for the United States of America, hardly did
jovem José Carlos Rodrigues (1844-1923) não the young José Carlos Rodrigues (1844-1923)
fazia ideia do que lhe aguardava naquele país know what awaited him in a country emerging
que acabara de sair do conflito mais sangrento from the bloodiest conflict in its history. This
de sua história. Ali, acompanhando um Estado citizen from the Province of Cantagalo in the
em reconstrução, que deixava para trás uma State of Rio de Janeiro was about to not only
sociedade, predominantemente, agrária e via enter a new period in his life in a country
surgir uma América industrial e empresarial, that was being rebuilt and leaving behind a
sob a influência de banqueiros, de gestores de predominantly agricultural society, but also to
negócios e de industriais, este fluminense, da witness the rise of an industrial and corporate
província de Cantagalo, também iniciaria uma America under the influence of bankers,
nova fase de sua trajetória. A carreira de bacha-
businessmen and industry executives. In
rel em Ciências Jurídicas e Sociais cederia es-
paço a outras ocupações, principalmente, a de addition to having a bachelor´s degree in legal
jornalista. Pois bem, é essa face de José Carlos and social sciences, he also devoted himself to
– a atividade na imprensa quando da estada no other activities, and mainly to journalism. The
território estadunidense – que este artigo foca- article will focus on his work with the press
lizará, tendo como ponto central a produção de during his stay on American soil. Particular
um periódico, cujo teor muito incidiu sobre uma emphasis will be placed on the production of
reflexão acerca das reformas institucionais bra- a journal whose content largely consisted of
sileiras. Nele, há ponderações que estiveram es- a reflection on Brazilian institutional reforms,
tritamente conectadas à sua própria experiência apart from considerations closely related to his
de residir na América do Norte e de vivenciar in experience of residing in North America, where
loco as transformações que este país atravessa- he witnessed first-hand the transformations the
va durante a segunda metade do século XIX. E, country was going through during the second
neste sentido, torna-se essencial analisar o seu half of the nineteenth century. For that matter, it
círculo de relações pessoais e profissionais, tan- is also essential to analyze his circle of private
to no Brasil, como nos Estados Unidos, uma vez and professional relationships both in Brazil
que o estreitamento de tais redes de sociabilida- and in the United States of America, since
de foi preponderante para que lhe fosse possível being part of a wide network of sociability was
conceber a criação de uma folha ilustrada em paramount to enable him to found the journal O
Nova York, O Novo Mundo (1870-1879). Novo Mundo (1870-1879) in New York.
Palavras-chave: José Carlos Rodrigues; O Keywords: José Carlos Rodrigues; O Novo
Novo Mundo; Imprensa; Política; Biografia. Mundo; press; politcs; biography.
O recomeço
Ao embarcar, provavelmente à surdina, em um navio no porto da ci-
dade do Rio de Janeiro, com destino aos Estados Unidos, no ano de 1866,
o jovem José Carlos Rodrigues (1844-1923) não fazia ideia do que lhe
aguardava naquele país que acabara de sair do conflito mais sangrento de
sua história. Ali, acompanhando um Estado em reconstrução, que deixava
para trás uma sociedade, predominantemente, agrária e via surgir uma
América industrial e empresarial, sob a influência de banqueiros, gesto-
res de negócios e industriais, este fluminense, da província de Cantagalo,
também iniciaria uma nova fase de sua trajetória. A carreira de bacharel
em Ciências Jurídicas e Sociais cederia espaço a outras ocupações, prin-
cipalmente, a de jornalista.
como então teria sido o início de sua trajetória naquele país que acabava
de sair de uma violenta guerra civil, que resultara, aproximadamente, na
morte de 618 mil indivíduos4?
E, neste sentido, vale destacar que José Carlos Rodrigues tinha uma
característica bem interessante, que fora fundamental para se estabelecer
no território norte-americano e se inserir no círculo letrado deste Estado,
bem como, do país natal: a de interpor-se em inúmeras relações como um
intermediário, tanto para questões profissionais como para favores mais
7 – Cf. RODRIGUES, José Carlos. “Alocução do Dr. José Carlos Rodrigues”. In: Des-
pedidas do Dr. José Carlos Rodrigues da direção do Jornal do Commercio do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Commercio, 1915, p. 39. BN, coleção
Christopher Oldham, localização: 32,04,002 nº 003.
8 – Cf. Jornal do Commercio, 23/03/1869.
O Novo Mundo
Lançada por José Carlos em outubro de 1870 e dirigida aos leito-
res brasileiros, O Novo Mundo foi uma revista divulgada mensalmente a
partir dessa data e, em suas colunas, encontra-se uma grande variedade
de assuntos, como: história, ciência, política, religião, comércio, literatu-
ra, invenções, economia, entre outros temas que abordavam, de alguma
forma, o crescimento socioeconômico estadunidense10. Este era um dos
principais objetivos de Rodrigues com essa publicação, direcionar o olhar
de seus leitores para o Novo Mundo: a América. Assim, nas páginas dessa
folha, o jornalista delinearia as bases que, para ele, seriam a chave para
a entrada do Brasil nos moldes do progresso, como se demarcou no pró-
prio subtítulo da revista: “periódico ilustrado do progresso da idade”; e
pela ilustração, na qual, por meio de um globo terrestre, focalizando os
continentes das Américas do Norte e do Sul, traça-se uma linha que uniria
Estados Unidos e seu país natal.
10 – Torna-se necessário ressaltar que José Carlos Rodrigues, além de proprietário, era o
redator d’O Novo Mundo e quem escrevia grande parte dos artigos e das notas divulgados
no periódico. As colaborações diversas de vários escritores, provavelmente, se inicia-
ram depois da publicação dos primeiros números e se tornaram mais constantes a partir
de 1875. Porém, a maioria desses colaboradores não assinava os seus textos, cujo teor,
normalmente, se assemelhava às ideias do redator ou pelo menos era bem visto por ele,
uma vez que, quando algum escrito destoava dos pensamentos de Rodrigues, o mesmo
fazia questão de frisar a discordância em relação ao artigo em uma nota ao final do texto.
Por isso, em linhas gerais, a análise que se deu aqui, neste texto, sobre o referido jornal
encaminhou-se em demonstrar os conceitos, as opiniões, os propósitos do jornalista a par-
tir daqueles escritos que foram bastante recorrentes e que elucidavam, de alguma forma,
as proposições de José Carlos. Obviamente, quando o texto veio acompanhado da autoria,
isso foi assinalado.
Mas por que editar em Nova York uma revista que se destinava a
um público tão distante, residente a muitos quilômetros da cidade norte-
-americana? É certo que havia um notório entusiasmo de Rodrigues com
11 – O exemplar é de 24 de janeiro de 1873 e o retrato exposto foi do pernambucano
Joaquim Saldanha Marinho (1816-1895).
12 – Cf. GAULD, Charles Anderson. Op. cit., p. 429 e 430.
13 – Cf. BOEHRER, George C. A. “José Carlos Rodrigues and O Novo Mundo, 1870-
1879”. Journal of Inter-American Studies, 9 (1): 127-144, jan., 1967, p. 131. A partir do
volume VI, número 70, de julho de 1876, as datas na revista começaram a aparecer apenas
com o mês e o ano. Provavelmente, como o próprio Boehrer apontou, as publicações en-
tão começaram a sair no início de cada mês.
14 – Cf. ASCIUTTI, Mônica M. Rinaldi. Um lugar para o periódico O Novo Mundo
(Nova York, 1870-1879). Dissertação (Mestrado em Letras Clássicas e Vernáculas). São
Paulo: Universidade de São Paulo, 2010, p. 20. Ainda de acordo com a autora, muitas das
ilustrações usadas por Rodrigues provinham do periódico americano Harper’s Weekly,
sendo que os redatores desta folha as adquiriam do londrino Graphics.
15 – Hanson K. Corning importava borracha da região da Amazônia.
16 – Em relação à Illustration, possivelmente, José Carlos se remeteu ao semanário fran-
cês L’Illustration, publicado entre 1843 e 1944; já a Harper’s Weekly foi um periódico
político americano, que circulou entre os anos de 1857 e 1916, tendo dado uma extensa
cobertura aos episódios da Guerra Civil americana, cujas ilustrações foram um destaque
à parte.
17 – Foi o próprio José Carlos que usou a palavra “atônito”. Cf. RODRIGUES, José
Carlos. Op. cit., p. 40.
Neves, um negociante conterrâneo dos editores. Cf. MARTINS, Ana Luiza... Ibidem, p.
42 e 64; SODRÉ, Nelson W. Ibidem, p. 210 e 211; e ASCIUTTI, Mônica M. Rinaldi. Op.
cit., p. 25, 32 e 58, especialmente estas duas últimas páginas, uma vez que a autora esta-
belece as convergências entre O Novo Mundo e a Niterói.
23 – Sobre o termo manifesto, ver SIRINELLI, Jean-François. Intellectuels et passions
françaises. Manifestes et pétitions au XXe siècle. Paris: Gallimard, 1990, pp. 29-51.
24 – RODRIGUES, José Carlos. O Novo Mundo, 24/10/1870, p. 2.
Tais palavras sintetizam muito das ideias, das notícias, dos artigos
que o leitor encontrou nas páginas d’O Novo Mundo: o funcionamento
das instituições republicanas dos Estados Unidos da América e o cresci-
mento socioeconômico desta nação. Em contrapartida, deparava-se com
uma análise político-social do Brasil, com enfoque em algumas de suas
fissuras, como a escravidão e o ensino público limitado. Por fim, a fé;
a religião como elemento basilar para que houvesse o progresso social.
Obviamente, José Carlos tratou de outros variados temas contemporâneos
em sua folha; por exemplo, nos primeiros números, houve extensa cober-
tura da guerra franco-prussiana, identificando detalhes do combate e das
estratégias de batalha25. Todavia, como o próprio Rodrigues acentuou na
citação precedente, havia certo direcionamento nas páginas daquela re-
vista ilustrada, um foco, uma orientação. No caso, pôr em discussão e ofe-
26 – Cf. GAMA, Luiz. Carta de... a José Carlos Rodrigues, datada de 26 de novembro de
1870. Correspondência passiva de José Carlos Rodrigues. Op. cit., p. 270-272.
27 – Sobre repertório intelectual, ver ALONSO, Angela. Ideias em movimento: a gera-
ção 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 39 e 40.
28 – Cf. Idem. Ibidem, pp. 69 e 73. De acordo com Alonso, uma das poucas inovações
do Partido Liberal foi a defesa da emancipação da escravatura que, no entanto, deveria ser
feita de forma bastante gradual e, em uma escala de urgência, ainda permanecia secun-
dária. Ver também CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política
imperial. Teatro de sombras: a política imperial. 7ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasi-
leira, 2012, p. 219-225.
29 – Para o conceito de “geração 1870”, ver VENTURA, Roberto. Estilo tropical: histó-
ria cultural e polêmicas literárias no Brasil, 1870-1914. São Paulo: Companhia das Letras,
1991, p. 10. Já sobre geração, ver MARÍAS, Julián. “A vida histórica”. In: Introdução à
filosofia. Tradução de Diva Ribeiro de Toledo Piza. 2ª ed. Duas Cidades: São Paulo, 1966,
p. 332-336; GASSET, José Ortega y. “La idea de las generaciones”. El tema de nuestro
tiempo. 2ª ed. Buenos Aires: Espasa-Calpe, 1939, p. 9-16; e SIRINELLI, Jean-François.
“A geração”. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes (coord.). Usos e
abusos da história oral. 8ª ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2006, p. 135-137.
Por sinal, Rodrigues deixaria esta sua posição bastante clara ao tratar
da questão religiosa, da década de 1870, na qual um bispo de Olinda, e
outro, do Pará, seguindo orientações do Vaticano, perseguiram e pugna-
ram padres que participavam de atividades maçônicas. Tal atitude acabou
ocasionando um conflito diplomático entre a Igreja e o Império, que se
posicionou favorável aos padres punidos36. Além de expor essa sua opi-
nião em seus textos n’O Novo Mundo, o jornalista fluminense também
dava destaque àqueles escritores que comungavam de conceito semelhan-
te, como foi o caso de uma nota elogiosa para os artigos de Joaquim
datores d’O Movimento, alegando que o fazia não para se defender, pois
nunca se preocupou em saber se era protestante ou não, e que pouco lhe
importava o que chamou de “meras denominações”. Contudo, as palavras
usadas como resposta aos redatores d’O Movimento deixam claro que
aquele julgamento o havia incomodado muito. Seu argumento principal,
então, foi novamente reafirmar que o progresso de uma nação dependia
do conhecimento pleno de Deus e, por meio do culto livre da religião, é
que se conseguiria elevar e educar a moral e a consciência de um povo:
Procurando servir, como procura, os melhores interesses do Brasil, o
Novo Mundo tem insistido muito desde o princípio sobre a necessida-
de de se espalhar no povo uma ideia correta das ideias de Deus, a res-
peito dos fins do homem e da sociedade. Todo o progresso das nações
depende do grau de perfeição deste conhecimento, e o nosso destino é
sermos servos livres e amantes da sua vontade [...].42
Por outro lado, um tema que esteve bastante presente n’O Novo
Mundo e foi muito explorado e defendido por seu redator-chefe não se
tornou alvo de reflexão pelos republicanos históricos: a abolição da escra-
vatura. E aí se tem a primeira percepção de que as ideias de José Carlos
não convergiam somente para aquele grupo. As afinidades de Rodrigues
ressoariam também com o pensamento de liberais do porte de Joaquim
Nabuco (1849-1910) e André Rebouças (1838-1898). Isto é, enxergavam
que a emancipação dos escravos era um dos pontos-chave para que as
reformas institucionais se iniciassem53. É importante lembrar que tal po-
sição não, necessariamente, levou a um embate direto com o regime mo-
nárquico, com o qual Nabuco e Rebouças, diga-se de passagem, tinham
boas relações, inclusive frequentando os corredores do Palácio Imperial54.
51 – Cf. MENDONÇA, Carlos Süssekind de. Op. cit., p. 110; Outros autores a citar a
participação de Salvador de Mendonça n’O Novo Mundo foram ALONSO, Angela. Op.
cit., p. 111; e MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. Op. cit., p. 163.
52 – Cf. O Novo Mundo, 23/10/1875, p. 6; e “O Sr. Dr. Mendonça”, junho de 1879, p.
130.
53 – Cf. NEVES, Lúcia M. Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. “A
morte da escravidão”. In: O Império do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p.
371-376.
54 – No caso de André Rebouças, ver CARVALHO, José Murilo de. A construção da or-
dem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política imperial. Op. cit., p. 349; ver
também ALONSO, Angela. Op. cit., p. 118 e o texto “Apropriação de ideias no Segundo
Reinado”. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (org.). O Brasil Imperial. Volume 3:
1870-1889. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 90 e 91.
Pouco mais de três meses após essa epístola de José da Silva Costa a
Rodrigues, o código abolicionista do Ventre Livre entrou em vigor, pas-
sando a considerar livres todos os filhos de mulher escrava nascidos a
Mais tarde, em 1873, André faria outra turnê, agora, um breve passeio
pela América do Norte, país, diga-se de passagem, que lhe despertou bas-
tante interesse, e onde muito provavelmente travou amizade com o pro-
prietário d’O Novo Mundo64. Além do mais, Rodrigues parecia acompa-
nhar a trajetória de André Rebouças: “[...] como se vê logo da ‘Introdução’,
o autor destes artigos é o empresário da Companhia das Águas do Rio de
Janeiro, o Sr. Dr. André Rebouças, que inquestionavelmente marcha na
vanguarda da engenharia brasileira [...]”65. Especificamente em relação ao
gela Alonso, havia uma organização honorífica e outra ativista, sendo esta composta por
Joaquim Nabuco, presidente; Adolfo de Barros e Marcolino de Moura, vice-presidentes;
André Rebouças, tesoureiro; Américo dos Santos e José Carlos de Carvalho, secretários.
A autora destacou ainda que Santos era o editor da Revista de Engenharia da Politécnica
da Corte, e Carvalho, do periódico anglo-brasileiro O Novo Mundo. Cf. ALONSO, An-
gela. Ideias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil-Império. Op. cit., p. 118.
Todavia, a pesquisadora parece ter cometido um engano ao associar o nome deste certo
José Carlos de Carvalho ao do jornalista José Carlos Rodrigues, uma vez também que
não foram encontradas fontes que pudessem confirmar a afirmação de Alonso, isto é, que
demonstrassem a atuação de Rodrigues nessa sociedade ou se haveria outro editor da
revista ilustrada, além deste, chamado José Carlos de Carvalho. Ao consultar o jornal O
Abolicionista, Rio de Janeiro, 1º de novembro de 1880, verificou-se que apenas existiu
menção ao nome de Carvalho como secretário da SBCE, sem qualquer alusão de vínculo
deste indivíduo com O Novo Mundo.
63 – Cf. ALONSO, Angela. Ibidem, p. 115-118.
64 – Cf. ASCIUTTI, Mônica Maria Rinaldi. Op. cit., p. 36.
65 – Cf. “Capitais particulares e garantia oficial de juros”. O Novo Mundo, 23/02/1874,
p. 90.
66 – Como exemplo, ver os seguintes textos n’O Novo Mundo, de abril de 1877: “Café”,
“Algodão” e “Açúcar”, p. 75, 78 e 79, respectivamente.
67 – Cf. “Ao público”. Ibidem, julho de 1877, p. 146. Ver também o número de agosto
de 1877, p. 191, em que se divulgou o lançamento da Revista Industrial. O Novo Mun-
do foi utilizado como fonte para se ter o mínimo de conhecimento do que foi a Revista
Industrial, haja vista que não foram encontrados exemplares deste órgão em nenhuma
hemeroteca dos arquivos visitados.
Por certo, José Carlos já havia percebido, por meio dos anunciantes
d’O Novo Mundo, que valeria a pena investir em outra folha ilustrada
direcionada para determinados setores da economia. No magazine, des-
taca-se o número expressivo de propagandas concernentes às máquinas
agrícolas e industriais, às vias férreas, à venda de gado bovino e lanígero,
melhoramentos para a lavoura, além de implementos na área de obras pú-
blicas, entre outros muitos produtos e serviços anunciados que estavam,
direta ou indiretamente, relacionados aos textos publicados e que, poste-
riormente, passariam a ocupar também as páginas da Revista Industrial68.
68 – Marcus Vinicius de Freitas apresenta esta hipótese para o jornal Aurora Brasilei-
ra, mas tal pode ser muito bem apropriada para os anúncios n’O Novo Mundo. Conferir
a seguinte obra deste autor, Contradições da modernidade: o jornal Aurora Brasileira
(1873-1875). Op. cit., p. 47 e 48.
69 – A tabela de preços dos anúncios era estruturada da seguinte forma – nos primeiros
anos de existência do periódico: quatro colunas, 220$; três colunas, 200$; duas colunas,
150$; uma coluna, 80$; meia coluna, 40$; ¼ de coluna, 22$; 1/8 de coluna, 10$; e 1/16
de coluna, 6$. Os anúncios repetidos sofriam abatimento no valor, no caso, três meses –
10%; por seis meses – 20%; e por um ano – 30%. A título de curiosidade, Cândido Men-
des de Almeida e Rodrigues chegaram a ter um pequeno desentendimento por causa da
publicação dos anúncios das obras do político n’O Novo Mundo. Cf. ALMEIDA, Cândido
Mendes de. Cartas de... a José Carlos Rodrigues, datadas de 23 de novembro de 1874 e 22
de janeiro de 1875. Correspondência passiva de José Carlos Rodrigues. Op. cit., p. 144 e
145. George Boehrer também ressaltou que as propagandas do setor industrial n’O Novo
Mundo, principalmente, das chamadas indústrias de base, aumentaram consideravelmente
a partir de 1872, sendo mais da metade dos anúncios e com destaque, haja vista que ocu-
pavam uma dimensão maior nas páginas. Cf. BOEHRER, George C. A. Op. cit., p. 137.
Por fim, ainda há um último assunto que merece ser analisado, pois
tanto quanto as questões que foram tratadas nas linhas precedentes, ele
se sobressaiu nas páginas d’O Novo Mundo como um elemento-chave
para promover as reformas institucionais que a sociedade brasileira ca-
recia. Aliás, o tema converge para outros assuntos já defendidos por José
Carlos. No caso, de forma concisa e objetiva, pode-se afirmar que, para
Rodrigues, não poderia haver crescimento socioeconômico pleno e signi-
ficativo em um país escravocrata, com uma massa de analfabetos e amor-
daçado a uma religião oficial do Estado72.
70 – Ver a relação dos títulos das matérias publicadas na Revista Industrial nos seguintes
exemplares d’O Novo Mundo: outubro de 1877, p. 240; novembro de 1877, p. 260; janeiro
de 1878, p. 23; fevereiro de 1878, p. 47; março de 1878, p. 71; abril de 1878, p. 95; maio
de 1878, p. 119; julho de 1878, p. 167; agosto de 1878, p. 191. A partir de 1879, os sumá-
rios eram publicados nas primeiras páginas do periódico, sendo concernentes aos meses
de janeiro a novembro de 1879.
71 – Cf. ASCIUTTI, Mônica M. Rinaldi. Op. cit., p. 37.
72 – Por exemplo, ver “Escravidão e educação popular”. O Novo Mundo, 23/12/1870,
p. 34.
73 – “A universidade brasileira”. Ibidem, 24/10/1870, p. 3.
78 – Como exemplo, ver os seguintes números d’O Novo Mundo: “A Universidade de
Cornell”, 24/06/1871, p. 140 e 141; “Brasileiros em Cornell”, 23/10/1872, p. 2; e “A fa-
culdade médica da Universidade da Pensilvânia”, 23/01/1875, p. 116.
79 – Cf. MARINHO, Joaquim Saldanha. Carta de... a José Carlos Rodrigues, datada de
25 de julho de 1874. Correspondência passiva de José Carlos Rodrigues. Op. cit., p. 224
e 225.
assaz provo a consideração que lhe voto. Se este meu pedido encontrar
acolhimento favorável terá V. Sª. as bênçãos de uma família inteira.
Meu pouco préstimo fica à disposição de V. Sª. e os sentimentos de
estima e consideração com que sou
Seu patrº. atº. e venerador
Jesuíno Marcondes de Oliveira Sá80.
80 – SÁ, Jesuíno Marcondes de Oliveira. Carta de... a José Carlos Rodrigues, datada de
19 de junho de 1877. Ibidem, p. 279 e 280.
81 – Cf. CASTRO, Tomaz de Aquino e. “Impressões de uma viagem do Rio de Janeiro
a Ithaca”. Aurora Brasileira, Ithaca, 20/05/1874, p. 61 e 62; e FREITAS, Marcus Vinicius
de. Op. cit., p. 23, 31-35.
82 – Cf. HARTT, Charles Frederick. Carta de... a José Carlos Rodrigues, datada de 18 de
junho de 1871. Correspondência passiva de José Carlos Rodrigues. Op. cit., p. 137 e 138.
83 – CASTRO, Tomaz de Aquino e. Op. cit., p. 62.
Por sinal, a ligação entre esses jovens acadêmicos e José Carlos ain-
da se tornou mais estreita com a fundação por aqueles estudantes de um
periódico, que seguia a linha editorial d’O Novo Mundo: tratava-se da
Aurora Brasileira. Aproximações que se deram não apenas por meio da
semelhança dos temas e dos assuntos tratados em ambas as folhas, mas,
principalmente, por um de seus objetivos: atender a um público leitor na
terra natal, ser o elo de informações e conhecimento, de impressões entre
a América do Norte e o Brasil84. Assim, a Aurora Brasileira – periódico
literário e noticioso – foi fundada em outubro de 1873 por um grupo
de universitários pertencentes ao Clube Brasileiro de Cornell, que con-
gregava não somente os patrícios como também discentes americanos e
docentes ligados ao Brasil, como o geólogo Charles Frederick Hartt. Já
em seu primeiro número, os redatores deixaram claro o propósito daquele
órgão: “[...] facultar a todos os brasileiros que desejarem vir estudar nes-
ta Universidade os esclarecimentos precisos; enviar mensalmente para o
Brasil notícias de seus filhos [...], publicar o fruto de suas honras de lucu-
brações e pugnar pela sua união e bem-estar [...]”85. Era também comum
que esses periódicos citassem um ao outro, seja através dos anúncios ou
de artigos destinados a sempre fazer algum comentário elogioso sobre a
confecção das folhas e seus redatores86. Além disso, n’O Novo Mundo,
por exemplo, publicavam-se informações sobre os acadêmicos, como no-
tícias dos mais recentes formandos em Cornell, em setembro de 1876: os
engenheiros civis paulistas, Francisco de Assis Vieira Bueno Júnior, da
cidade de Santos; e Carlos Paes de Barros, de Sorocaba87.
88 – Cf. ALONSO, Angela. Ideias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil-
-Império. Op. cit., p. 149-155; e FREITAS, Marcus Vinicius de. Op. cit., p. 19 e 75.
89 – Foram 108 números publicados, sendo que, exceto pelos anos de 1870, com três nú-
meros, e 1876, com nove números, os demais anos – 1871, 1872, 1873, 1874, 1875, 1877,
1878 e 1879 – tiveram doze números lançados. Com essa revista, José Carlos alcançou a
183
Resumo: Abstract:
Este ensaio é sobre a gênese da diplomacia bra- This paper presents an overview of the genesis
sileira, das tradições, dos princípios, dos valores and development of Brazilian diplomacy,
e dos personagens que marcaram sua evolução, including its traditions, principles, and values,
bem como do papel de Portugal nesse processo as illustrated by a few historical figures that
histórico. Seu propósito é motivar o interesse no marked its evolution, as well as the role played
aprofundamento de pesquisas sobre a presença by Portugal in that process. Our purpose is to
de Portugal na formação do pensamento diplo- stimulate further research into the presence of
mático brasileiro. O estudo do tema ajudará a Portugal in the formation of Brazilian diplomatic
avaliar a contribuição daquele país, de seus thought. Further research will aid in assessing
governos, de instituições e de políticas na defi- how Portuguese governments, institutions and
nição de princípios e de valores. Espera-se que policies on principles and values contributed
novos elementos de análise surjam desse exercí- to shaping Brazilian diplomacy. The author
cio de reflexão histórica para avaliar o grau de is confident that new topics of analysis will
influência de Portugal na diplomacia do Brasil- emerge from this historical reflection, and bring
-Império e suas repercussões contemporâneas about a more thorough evaluation of Portugal’s
na República. A palestra do autor, no Instituto influence on the diplomacy in Brazil during the
Universitário de Lisboa (ISCTE), serviu de base imperial and republican periods. The paper is
à elaboração do presente ensaio, no qual seis based on a lecture given by the author at the
personagens foram escolhidos em razão do seu University Institute of Lisbon (ISCTE). The six
concurso como diplomatas ou estadistas para personalities discussed both in the lecture and
ilustrar essa construção histórica e axiológica: in this paper are: Alexandre de Gusmão, José
Alexandre de Gusmão, José Bonifácio, Duarte Bonifácio, Duarte da Ponte Ribeiro, Francisco
da Ponte Ribeiro, Varnhagen, José Maria da Sil- Adolfo de Varnhagen, José Maria da Silva
va Paranhos Júnior e Rui Barbosa. Paranhos Júnior, and Rui Barbosa. They were
chosen for their work as diplomats or statesmen
to illustrate the historical ties between Portugal
and the Brazilian diplomacy and the values
upon which these ties were based.
Palavras-chave: Brasil; Portugal; Princípios; Keywords: Brazil; Portugal; Principles; Values;
Valores; Diplomacia. Diplomacy
Introdução
Este ensaio trata da gênese do pensamento diplomático brasileiro,
das tradições, dos princípios, dos valores e dos personagens que marca-
ram sua evolução, bem como do papel de Portugal nesse processo histó-
rico.
Foi nesse contexto que surgiu a ideia de realizar este trabalho com
o propósito de motivar o interesse de entidades de pesquisa portugue-
sas para a troca de impressões sobre a presença de Portugal na formação
7 – SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma Biografia.
São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
Alexandre de Gusmão
Uma vez que o próprio Brasil é o resultado mais eloquente da di-
plomacia portuguesa, o conceito da diplomacia brasileira, seu reconheci-
mento internacional, além do fato de Rio Branco, diplomata de carreira,
ser um herói nacional, ressaltam a importância desse estudo. Este tem
a ver com o patrimônio imaterial, memória, características, tradições e
valores de uma das instituições mais respeitadas na evolução histórica do
país. Para dar início a essa reflexão, recorde-se que o busto do brasileiro
e também português Alexandre de Gusmão encontra-se tanto no Palácio
das Necessidades, em Lisboa, como na Sala dos Tratados do Palácio
Itamaraty, em Brasília.
2012, v. I, p. 81. O Barão do Rio Branco foi um dos que comentaram, elogiosamente, em
relação ao Tratado: “O estudo do Tratado de 1750 deixa a mais viva e grata impressão
da boa-fé, lealdade e grandeza de vistas que inspiraram esse ajuste amigável de antigas e
mesquinhas querelas, consultando-se unicamente os princípios superiores da razão e da
justiça e as conveniências da paz e da civilização da América”. Ibid., p. 76.
9 – CORTESÃO, Jaime. Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madri. Brasília: FUNAG,
2006.
10 – WOLFE, Tom. The Kingdom of Speech. London: Jonathan Cape, 2016.
14 – ARAÚJO, João Hermes Pereira de. O Legado Colonial e a Monarquia. In: SILVA,
Raul Mendes; BRIGAGÃO, Clovis (orgs.). História das Relações Internacionais do Bra-
sil. Rio de Janeiro: CEBRI, 2002.
17 – Ibid., p. 166.
18 – Ibid., p. 166.
o país, mas contribuiu com suas ideias e com suas ações para preservar
a coesão territorial e para promover a integração nacional. Participou no
processo que levaria a um Brasil territorialmente coeso e integrado. Sua
obra e sua atuação pública influíram também no conceito da nacionalida-
de e na formação da identidade brasileira. Sua experiência como militar,
pesquisador, diplomata, historiador e publicista deram-lhe as condições
intelectuais e profissionais para, em meados do século XIX, identificar
desafios e convertê-los em soluções a partir de perspectivas inovadoras e
voltadas para o futuro.
20 – MOSSÉ, Benjamin. Dom Pedro II, Imperador do Brasil: o Imperador visto pelo
barão do Rio Branco. Brasília: FUNAG, 2015.
O Brasil tem hoje dez países lindeiros, mas tem acordos de fronteira
com onze, pois a fronteira que o Equador pretendia, no passado, acabou
não sendo estabelecida com a vitória peruana em disputa resolvida pelo
Tratado do Rio de Janeiro, de 1942, e em posteriores ajustes. Caberia re-
cordar o quadro geral dessas negociações: com o Paraguai e a Venezuela,
os limites foram estabelecidos no Império: pelo Tratado de 1859, com o
segundo; e pelo de 1872, depois da Guerra do Paraguai, com o primei-
ro. As fronteiras com a Argentina (1895), a Guiana Francesa (1900) e
a Guiana (então Guiana Inglesa, 1904) foram objeto de arbitramentos.
Os dois primeiros representaram vitórias integrais conseguidas por Rio
Branco, como negociador; com a Guiana, vitória parcial (a maior parte
do território contestado não foi atribuída ao Brasil), sendo a posição bra-
sileira defendida por Joaquim Nabuco, com base em estudos elaborados
pelo Barão.
Rui Barbosa
Outro grande personagem da história do Brasil é Rui Barbosa (1849-
1923), um dos mais brilhantes intelectuais brasileiros. Faz parte também
dos vultos escolhidos como representantes do pensamento diplomático
brasileiro. Jurista, político, diplomata, desempenhou importante papel
como chefe da delegação brasileira na II Conferência de Paz da Haia em
1907, sobretudo no processo de regaste do conceito da igualdade sobera-
na dos estados.
Por que destacá-lo na conclusão deste trabalho, já que não é tão ób-
via sua ligação com Portugal? A decisão de incluí-lo tem a ver com dois
fatores. Em primeiro lugar, trata-se de um dos maiores tribunos brasilei-
ros, ou seja, um dos grandes promotores da língua portuguesa. Respeitado
no Brasil e no exterior, sobretudo na América Latina, contribuiu para a
difusão do português na região. Mas foi, sobretudo, um dos defensores e
articuladores de princípios e de valores que distinguem a comunidade ju-
rídica brasileira e o próprio pensamento nacional sobre temas de relevân-
cia histórica. Seus argumentos em favor do abolicionismo, dos direitos e
das garantias individuais e da igualdade dos estados no plano do direito
internacional público reúnem nele e no Barão do Rio Branco as condições
e os atributos que conferem legitimidade e prestígio à diplomacia brasi-
leira. Enriquecem suas tradições, suas práticas e os fundamentos morais
que caracterizam o Brasil no cenário internacional.
22 – Trinta e oito anos após a Segunda Conferência de Paz da Haia, a Carta das Nações
Unidas, em seu artigo 2.1, consagrou a igualdade jurídica dos Estados, pela qual tanto
lutaram Rui Barbosa e a chancelaria brasileira, contra posições das potências da época.
Segundo o referido artigo, “a Organização é baseada no princípio da igualdade de todos os
seus Membros”. Ver: BRASIL. Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1945. Promulga
a Carta das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decre-
to/1930-1949/D19841.htm>. Acesso em: 31 out. 2016.
23 – LAFER, Celso. A Identidade Internacional do Brasil e a Política Externa Brasilei-
ra: Passado, Presente e Futuro. São Paulo: Perspectiva, 2001. Ver, também, as mensagens
telegráficas trocadas entre o Barão do Rio Branco, então chanceler, e Rui Barbosa, chefe
da delegação brasileira na referida conferência em: CENTRO DE HISTÓRIA E DOCU-
MENTAÇÃO DIPLOMÁTICA. II Conferência da Paz, Haia, 1907: a correspondência
telegráfica entre o Barão do Rio Branco e Rui Barbosa. Brasília: FUNAG, 2014.
Conclusão
A título de conclusão, creio que a estabilidade do ordenamento inter-
nacional dependerá de sua legitimidade e de outros atributos que reflitam
um sentido de equilíbrio e de coerência entre os valores universais defen-
didos internamente e sua projeção no mundo.
213
Resumo: Abstract:
O presente artigo procura mostrar a continuida- This article aims to demonstrate that Rui
de entre a atuação de Rui Barbosa na Conferên- Barbosa’s role at the Hague Peace Conference
cia de Paz da Haia de 1907 e a Conferência na of 1907 and his speech at the Law School
Faculdade de Direito de Buenos Aires de 1916. of Buenos Aires in 1916 build a continuum.
Nessas duas ocasiões, ele defendeu as mesmas In both occasions, he defended the same
ideias, os princípios do primado do Direito so- ideas, including the principles and primacy
bre a força e da igualdade jurídica das nações of the rule of law over force and the juridical
e, sobretudo, enfrentou a mesma oposição: uma equality of nations, having to face, first and
doutrina. Este texto busca, a partir de uma histo- foremost, the same opposition, namely a
riografia contextualista, recriar as teorias, as di- doctrine. From the standpoint of a contextualist
ferentes compreensões de Direito Internacional, historiography, we recreate the theories and
que sustentavam os discursos dessa época. Além different understandings of international
disso, empregou-se, neste trabalho, método de law that underpin the discourses of the time.
abordagem indutivo e fontes bibliográficas pri- Moreover, we employ an inductive method of
márias e secundárias. approach, along with primary and secondary
bibliographical sources.
Palavras-chave: Rui Barbosa; igualdade ju- Keywords: Rui Barbosa; juridical equality of
rídica dos Estados; primazia do Direito sobre States; rule of law over force; the Hague Peace
a força; Conferência de Paz da Haia de 1907; Conference of 1907; speech at the Law School
Conferência na Faculdade de Direito de Buenos of Buenos Aires in 1916.
Aires de 1916.
Introdução
No início do século XX, o Brasil notabilizou-se no cenário internacio-
nal pela defesa intransigente de dois princípios de Direito Internacional:
5 – SCOBBIE, Ian. Some common heresies about international law: sundry theoretical
perspectives. In: EVANS, Malcolm. International Law. New York: Oxford University
Press, 2003. Cap. 2, p. 59-67.
opostas. Para Rui, era natural que todos os países, por menor que fos-
sem, pudessem participar na construção de qualquer questão de Direito
Internacional. Para a corrente positivista majoritária da época, a partici-
pação indiscriminada de pequenos Estados imbuiria o direito de valores
morais incondizentes com a vida internacional, perdendo seu caráter ins-
trumental e tornando-o inaplicável.
tempo. E na Conferência, de boca em boca, se dizia que não era possível suportar esse
Dr. Barbosa.” OCTÁVIO, Rodrigo. Minhas Memórias dos Outros. Nova Série. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, p. 213-214.
26 – Assim, descreve Baptista Pereira: “Ruy pediu a palavra e leu um discurso de meia
hora sobre presas marítimas. De Martens ouviu-o de má vontade, a mão esquerda ao
rosto, de lado, quase de costas. A sala, com raras exceções, afinava por esse diapasão;
diálogos travavam-se por toda a parte. Era, dado o ambiente diplomático, uma verdadeira
manifestação de desagrado. Ruy terminou numa atmosfera glacial.” PEREIRA, Baptista.
Figuras do Império e outros ensaios. São Paulo: Companhia Ed Nacional, 1934, p. 261.
Disponível em: http://www.brasiliana.com.br/obras/figuras-do-imperio-e-outros-ensaios/
pagina/3/texto. Acesso em: 26 nov. 2018.
27 – SOCTT, James Brown. The Proceedings of the Hague Peace Conferences. Vol.
III. Nova Iorque: Oxford University Press, 1921, p. 808 Disponível em: https://archive.
org/stream/proceedingshagu01lawgoog#page/ n896/mode/2up Acesso em: 26 nov. 2018.
dos de paz que elaboram lentamente esse grande corpo do Direito das
Nações.
[...] Aí está por que me encontro obrigado a concluir, por fim de con-
tas, senhores, que, cortarmos o contato com a política de forma total,
seria ditar-nos o impossível e seria impedir o próprio uso da palavra.28
sitar de uma corte mundial. Mesmo quando esses Estados tinham algum
conflito, suas repercussões não eram tão alarmantes. A participação de
cada país condiria com sua importância no âmbito internacional, o que
respeitava a concepção positivista desse princípio. Nos primeiros doze
anos de funcionamento da corte, por exemplo, por apenas quatro anos, a
Corte contaria com juízes indicados pelo Brasil35.
35 – Para conferir a tabela de rotatividade, ver: SCOTT, James Brown. The Proceedings
of the Hague Peace Conferences. Vol. II. Nova Iorque: Oxford University Press, 1921,
p. 609-613.
the path of our labors. But neither can I relinquish the performance of
my duty.36
Nessa divisão clara entre duas teorias, Rui tenta convencer os demais
delegados da importância da moral para o Direito Internacional. Ele argu-
menta que retirar o princípio da igualdade entre os Estados da esfera do
Direito Internacional equivaleria a minar a última barreira que preserva a
paz na sociedade internacional. Sem esse princípio, as relações jurídicas
seriam baseadas em uma distinção valorativa entre Estados, que ocorre,
na prática, com base em sua capacidade econômica e militar. Por enquan-
to, Estados com um poderio econômico e militar e Estados menores ainda
estão submetidos, igualmente, ao Direito Internacional. Criar uma corte
mundial com grandes potências podendo indicar juízes permanentes sig-
nifica conceder uma supremacia também no Direito para esses países. O
tribunal que deveria ser capaz de reestabelecer a balança entre os mais
fortes e os mais fracos será a própria fonte de desequilíbrio. O Direito será
mais um instrumento dos que já possuem influência e poder. Mesmo para
os países com juízes permanentes, a situação é perigosa. Uma vez colo-
cada em dúvida a igualdade entre as nações, esse precedente poderia ser
utilizado outras vezes em desfavor dos, agora, beneficiados. Estabelecer
a paz, criando uma situação de servidão é colocar o poder a frente do
direito. O Direito deve ser, justamente, um instrumento de proteção do
mais fraco, que é, constantemente, colocado em situações de injustiça por
entidades mais fortes37.
36 – SCOTT, James Brown. The Proceedings of the Hague Peace Conferences. Vol. II.
Nova Iorque: Oxford University Press, 1921, p. 628.
37 – “Fortunately, this question is not to be brought up on this ground, for we differ
from the project precisely with regard to its principle. The project invites us to discuss
ranks, to justify places. We do not accept the ranks. We do not dispute places. Brazil as a
sovereign State and in that respect the equal of any other sovereign State, no matter what
its importance be, aspires only a place, in the arbitration court, equal to that of the greatest
or of the humblest State in the world. We believe in the sincerity of the noble words of
Mr. Root in his memorable address of July 31, 1906, before the Pan American Congress
at Rio de Janeiro. In that address he stated: We deem the independence and equal rights of
the smallest and weakest member of the family of nations as entitled to as much respect
as those of the greatest empire.” SCOTT, James Brown. The Proceedings of the Hague
Peace Conferences. Vol. II. Nova Iorque: Oxford University Press, 1921, p. 646. Dis-
ponível em: https://archive.org/stream/ proceedingsofhag02inteuoft#page/n5/mode/2up.
Acesso em: 26 nov. 2018.
38 – CARDIM, Carlos Henrique. A Raiz das Coisas. Rui Barbosa: o Brasil no mundo.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 131.
39 – SCOTT, James Brown. The Proceedings of the Hague Peace Conferences. Vol. II.
Nova Iorque: Oxford University Press, 1921, p. 622-623.
40 – ARAÚJO, Brenda Maria Ramos. O Direito Internacional segundo Rui Barbosa.
The great argument, Mr. President, and the only argument in fact that
has until now been made against the Brazilian proposition is that in
the system of this proposition the great nations, the States with great
areas and populations, great in wealth and advanced in culture, would
place themselves into the possible position of being judged before a
court in which their representatives would have the same vote as those
of the small States of the world.
To make palpable the offense against the rights of the great nations n
this imaginary equalization, we take one of the States with the least
territorial area, with the least number of inhabitants, least in wealth;
a designation is given to it, a name given to it and the question is
asked if it is not inconceivable that, in the organization of international
justice, their arbitrators might exercise the judicial function upon the
same plan as the rest, to condemn countries like France, Great Britain,
Germany or the United States.
The argument, if it were true, might become a double-edged weapon
against our antagonists, by making impossible the creation through
which the authors of the American project dream of realizing
perfection of international arbitration. For if the great States do not
trust the impartiality of the small, the small on their part might set
forth reasons for their not trusting the impartiality of the great.41
43 – STEAD, William; BARBOSA, Rui. O Brasil em Haya. Belém: Livraria Bitten-
court, 1912, p. 178-180.
44 – “Nenhum dos Estados partes poderá alterar, por meio de guerra, as presentes fron-
teiras de seu território às custas de qualquer um dos outros Estados partes até que a ar-
bitragem tenha sido proposta pelo Estado que reivindica a alteração e recusada, ou se o
outro Estado desobedecer ao laudo arbitral. Se qualquer um dos Estados desobedecer
essa obrigação, a mudança territorial realizada pelo uso da força não será juridicamente
válida.” Tradução livre do original em inglês. SCOTT, James Brown. The Proceedings
of the Hague Peace Conferences. Vol. II. Nova Iorque: Oxford University Press, 1921,
p. 285. Disponível em: https://archive.org/stream/ proceedingsofhag02inteuoft#page/n5/
mode/2up. Acesso em: 26 nov. 2018.
45 – BARBOSA, Rui. Obras Completas de Rui Barbosa. vol. XXXIV (1907), Tomo
II. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1966, p. 383, 389, 393 e 394. Esta
passagem foi traduzida do original francês por ARAÚJO, Brenda Maria Ramos. O Direito
Internacional segundo Rui Barbosa. Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado em Direito,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), 2018, p. 104-105.
46 – BARBOSA, Rui. A Conferência de Haia: dois autógrafos do Arquivo da Casa de
Rui Barbosa. Prefácio João Neves da Fontoura. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa,
1952, p.10.
47 – Sérgio Pachá (PACHÁ, Sérgio. Introdução. In: BARBOSA, Rui. Os Conceitos Mo-
dernos do Direito Internacional. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1983,
objetivo político de Rui Barbosa é tão claro, que Graça Aranha, na edição
francesa publicada em Paris, no ano seguinte, pela Félix Alcan, intitulou a
conferência de “Le devoir des neutres”48. Esta edição francesa não chega
nem mesmo a tratar o texto integral da conferência, mas apenas a parte
considerada “mais importante e jurídica” sobre a neutralidade.
Rui evoca a Haia, porque esse lugar foi o palco de sua primeira gran-
de vitória contra um inimigo terrível e insidioso: um pensamento, o posi-
tivismo do século XIX. Na conferência, de 1916, Rui, novamente, cons-
tata o papel subserviente do Direito Internacional às relações de poder.
p. 1) explica que, nos arquivos da Fundação Casa de Rui Barbosa, encontraram-se duas
versões desta conferência: uma maior, em castelhano, e outra, em português, menor e sem
título, que provavelmente foi uma versão preliminar da outra. Neste trabalho, a versão
mais completa foi utilizada.
48 – ARANHA, Graça. Le devoir de neutres. Paris: Félix Alcan, 1917.
49 – BARBOSA, Rui. Obras Completas de Rui Barbosa. Vol. XLVI (1919), Tomo I.
Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura. Fundação Casa de Rui Barbosa, 1956,
p. 174.
Em 1916, Rui constata que sua desavença era, antes de tudo, teórica.
Segundo Rui Barbosa, a Grande Guerra não resultava de um mero desa-
juste material, mas moral, ou mais profundamente, um desajuste espiritu-
al das nacionalidades. Para ele, a guerra começa a ser preparada no “meio
moral”, isto é, “no ar que as consciências respiram”, ou seja, nos livros e
nas universidades50.
Antes que saísse das fábricas de armamentos, dos quartéis e dos es-
tados-maiores, tinha esta guerra acumulado os fluidos, que viriam a
animá-la, nos livros, nas escolas, nas academias, nos laboratórios do
pensamento humano. Para entrar em luta com a civilização, a força
compreendera que era preciso constituir-se em filosofia adequada,
corrompendo as inteligências, antes de subjugar as vontades.51
Essas palavras não poderiam causar mais horror para um jurista que
defendeu as melhores tradições do Direito Internacional. A guerra – ge-
ralmente vista por pacifistas como a falência do Direito e da Moral –
torna-se algo positivo, bom, o evento que testa a bravura de um povo e
o consagra e o santifica como um Estado forte e pujante. Desse modo, a
tradição milenar jusnaturalista da doutrina da guerra justa perde significa-
do. Já que a guerra cria novas realidades históricas, ela se transforma na
fonte de todos os valores. Assim, ela é que produz todo o Direito e toda a
Moral; portanto, toda guerra é justa.
ciencia y la arte gozan de un pudor tan acendrado que ante la más leve intención impura
se evaporan” (ORTEGA Y GASSET, José. O Gênio da Guerra e a Guerra Alemã. In:
ORTEGA Y GASSET, José. El Espectador. Madrid: Biblioteca Edaf, 1998, p. 155 e 157).
57 – SCHELER, Max. Der Genius des Krieges und der Deutsche Krieg. Leipzig: Verlag
der Weissen Bücher, 1915, p. 25.
58 – SCHELER, Max. Der Genius des Krieges und der Deutsche Krieg. Leipzig: Verlag
der Weissen Bücher, 1915, p. 121.
59 – ORTEGA Y GASSET, José. O Gênio da Guerra e a Guerra Alemã. In: ORTEGA Y
GASSET, José. El Espectador. Madrid: Biblioteca Edaf, 1998, p. 167.
Não tem, para reger-se, senão sua vontade e soberania.”60. Rui condena
essa divisão da moral, demonstrando sua concepção de direto ligada aos
elementos morais que os positivistas desejavam eliminar.
cia deveria estar acima de qualquer questão. Não deveria, entretanto, ser
uma mera ferramenta desprovida de ideias superiores:
Não me acolhi entre as filosofias que fazem da ciência a grande ne-
gação. Percorri as filosofias; mas nenhuma me saciou: não encontrei
repouso em nenhuma. Pus a ciência acima de todas as coisas; mas
não afirmei jamais que a ciência não possa abranger as coisas divi-
nas. Nunca encarei a ciência como a sistematização do antagonismo
com o espírito. Esse incognoscível, que não cabe nos laboratórios, não
acreditei jamais que se distancie da ciência por incompatibilidades in-
vencíveis, unicamente porque esta não sabe os meios de verifica-lo.65
Conclusão
Na Conferência da Haia, Rui Barbosa encontrou o seu mais perigoso
antagonista, muito maior do que qualquer inimigo político que havia en-
contrado, maior do que qualquer detrator que tenha conseguido lhe tirar
a vaga de redator do Código Civil, maior do que qualquer outro opositor
247
II – COMUNICAÇÕES
NOTIFICATIONS
Resumo: Abstract:
A ocupação dos sertões da Capitania do Rio de The occupation of the hinterland in the Captaincy
Janeiro se deu de diferentes formas e ritmos ao of Rio de Janeiro occurred in different forms
longo da colonização, um processo continuado and rhythms during the colonization period,
mesmo após a independência. A colonização resulting in a continued process even after
foi essencialmente litoral até finais do século independence. Colonization took place mainly
XVII, quando a descoberta do ouro expandiu along the coast until the end of the seventeenth
suas fronteiras em direção às minas, e o sertão century, when the discovery of gold expanded
fluminense manteve-se até então fundamental- its borders towards the mines, turning the Rio
mente como rota de passagem. A expansão ter- de Janeiro hinterland basically into a passage
ritorial esteve atrelada ao desenvolvimento de route. Territorial expansion was linked to the
uma política indigenista, em uma realidade de development of an indigenous policy focused
diálogo entre duas questões: a dos índios e a das on two major issues, namely Indians and land.
terras. Tomando, por exemplo, o Aldeamento de Taking as example the Indian village of Valença,
Valença, reconhecemos que essa política tinha o we recognize that the policy´s objective was to
objetivo de apaziguar áreas, garantir o controle appease areas, guarantee the control over the
sobre a mão de obra e possibilitar a conquista do workforce and enable colonizing agents to
território por agentes colonizadores. Pensar tais conquer lands. Reflecting upon such projects
projetos possibilita compreender os movimen- makes it possible to understand the movements
tos nas fronteiras e o empenho na apropriação at the borders and the engagement in land
das terras. grabbing.
Palavras-chave: Propriedades; Fronteira; Alde- Keywords: Properties; Frontier; Indian
amentos Indígenas. Villages.
Com essas palavras, na década de 1950, José Loni Iório, autor reco-
nhecido pelos trabalhos que recuperam a história do Vale do Paraíba, des-
crevia o movimento dos colonos em direção ao alto da serra. Em busca de
novos horizontes, deixavam para trás a Guanabara e adentravam os ser-
tões fluminenses, vencendo as dificuldades da natureza fechada em prol
da construção de uma nova fronteira. Trata-se de um movimento que se
deu sobre diferentes formas e ritmos ao longo dos séculos da colonização.
O processo, essencialmente litorâneo até finais do século XVII, quando
a descoberta do ouro levou as fronteiras da colonização a expandirem-se
em direção aos sertões mineiros, dava margem a uma nova realidade: a
ocupação tardia dos sertões fluminenses3.
White propõe uma história que, para além das conquistas territoriais
e humanas, bem como da assimilação, seja também um estudo acerca da
persistência cultural. Foge do senso comum de como se encontraram os
europeus e os grupos indígenas, completos desconhecidos uns aos outros
que, nos momentos seguintes, construíram juntos um Novo Mundo. Se-
gundo White, o Novo Mundo estava sendo construído, alimentado por
fragmentos advindos de múltiplos lados8. O mundo que existia antes da
chegada dos europeus já não existia mais, o Novo Mundo constituía-se
a partir de um processo no qual se verificam de perto conflitos, alianças
e negociações. O autor supera a dicotomia que observa apenas vítimas e
exploradores, em busca de uma análise que contempla a violência, o con-
fronto, a conquista da posse das terras, bem como as interações específi-
cas. Analisa cuidadosamente os grupos nativos e os europeus fornecendo
subsídios para a compreensão das relações entre os grupos que se encon-
traram em toda a América. A obra de White nos ajuda a pensar a fronteira
a partir das relações sociais envolvidas, caracterizada por um conjunto
de relacionamentos entre indivíduos e entre indivíduos e o espaço, que
vassalos: colonização e relações de poder no Norte do Brasil na segunda metade do século
XVIII. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portu-
gueses, 2000; SAMPAIO, Patrícia. Espelhos Partidos: etnia, legislação e desigualdades
na colônia. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2011.
7 – WHITE, Richard. The Middle Ground: Indians, Empires, and Great Lakes Region,
1650-1815. Cambridge, Inglaterra: Cambridge University Press, 1991.
8 – WHITE, Richard. Op. Cit., 1991. Mais especialmente o capítulo 1.
12 – Obra publicada em 11 volumes, entre os anos de 1798–1806, contava com artigos
inéditos e muitas traduções de textos originalmente franceses e ingleses. Um rico material
que pretendia o incremento técnico das lavouras já existentes, à medida que defendia a
diversificação da produção colonial, já ressaltando o estímulo à implementação da cafei-
cultura em larga escala no Brasil. A própria tradução de memórias inglesas e francesas
procurava realçar a capacidade dos pequenos proprietários em se adaptarem facilmente à
produção algodoeira.
13 – CRUZ, José Rodrigues da. “Carta de José Rodrigues da Cruz em resposta a D. Ro-
drigo de Souza Coutinho, de 1o out. 1799”. R.IHGB n.17, p. 503, 1854.
14 – Referimo-nos aqui à relação de mediação tal como proposta por: LEVI, Giovanni.
A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Ja-
neiro: Civilização Brasileira, 2000.
Em conclusão
A fronteira que encontramos na capitania fluminense não era român-
tica nem pacífica. Era cotidiana, gestada a cada dia, em cada ação, pois a
disputa territorial não foi uma ação única, mas um processo diário, per-
meado por políticas que mudavam de rumo em função das ações que
disputavam a posse das terras. É uma fronteira onde uma ampla gama
de atores sociais se encontra e compete, colaborando ou negociando na
luta para defender ou para estender seus interesses específicos acerca do
controle sobre a terra.
Salientamos, por fim, que esse é apenas mais um olhar sobre a his-
tória da ocupação da capitania do Rio de Janeiro; não é o primeiro, tam-
pouco se pretende o último. Apresentou uma interpretação que se volta
ao mundo rural, aos conflitos e à conquista de terras, em um processo que
continuou nos anos seguintes e foi decisivo para transformar terras antes
entendidas como incultas, “ameaçadas” pela presença de grupos indíge-
nas, em um importante polo produtor de café, grande riqueza do império
brasileiro. O trabalho dialoga com os estudos sobre a história rural no
Brasil, tendo como foco os conflitos e as negociações, tão antigos quanto
atuais. Para tanto, propõe um olhar histórico sobre toda a conjuntura que
consagrou, construiu, fundou e acabou com o aldeamento. É uma história
que pode ser contada ao longo de algumas décadas, mas expressa um pe-
ríodo delicado da história do Brasil, abrindo uma janela para compreen-
der um processo maior de ocupação de terras. Trata-se, portanto, de mais
uma questão que se insere no quadro da amnésia social que recai sobre
conflitos no mundo rural.
259
Resumo: Abstract:
Antes do Brasil declarar o seu apoio às nações Before Brazil declared its support to the Al-
aliadas da França, já havia cidadãos brasileiros lied nations of France, Brazilian citizens were
participando nos combates. Um deles, Luciano already participating in the combats. One of
de Mello Vieira, matriculou-se no Regimento da them, Luciano de Mello Vieira, had enrolled in
Legião Estrangeira. Ele se formou como piloto the Foreign Legion Regiment. As a graduate pi-
e teve várias atuações no céu da França. Na vol- lot, he participated several times in operations
ta de uma missão, sofreu um acidente mortal, in the skies of France. Returning from a mission,
na cidade de Chantilly, onde foi enterrado. Essa he was fatally injured in the city of Chantilly,
participação no primeiro conflito mundial é o re- where he was buried. His participation in the
sultado de vários fatores emocionais (fascinação first world conflict is the result of several emo-
pela França, pela aviação e pelo contemporâneo tional factors (fascination with France, aviation
Alberto Santos-Dumont), econômicos e diplo- and Alberto Santos-Dumont, his contemporary),
máticos (o avião dele é inglês, mas fabricado na as well as economic and diplomatic factors (his
França, consecutivo ao acordo de 1904, a cha- airplane was English but made in France, fol-
mada Entente cordiale ). Até agora, ele pode ser lowing the 1904 agreement, the so-called En-
considerado como sendo o primeiro Brasileiro a tente Cordiale). Until today, he is considered to
morrer durante este conflito. be the first Brazilian to die during the conflict.
Palavras-chave: Aviador; Brasileiro; Primeira Keywords: Aviator; Brazilian; First World War;
Guerra Mundial; Herói. Hero.
NB: Considero este texto como uma nota de pesquisa (até mesmo
uma notícia biográfica), porque o corpus histórico solicitado é extrema-
mente reduzido e, consequentemente, eu vejo dificuldades para achar
mais arquivos sobre esse assunto.
2 – Este neologismo foi concebido por Maurice Agulhon In vol. III, Histoire de la
France Urbaine, la ville de l’âge industriel. Paris : Ed.Le Seuil, 1983. A heroisação ” é
um processo de reconhecimento de um sacrifício que suscita uma acção coletiva oficial
materializada pela edificação de um “monumento aos mortos pela nação ” ou a entrada
prestigiosa no Panthéon.
3 – CORBIN, Alain. Le monde retrouvé de Louis-François Pinagot, sur les traces d’un
inconnu, 1798-1876. Paris: Flammarion, 1998.
4 – Gás mortal produzido pelos Alemães e usada em setembro de 1917 perto da cidade
belga de Ypres que deu origem ao gás “ypérite” ou “mostarda” em razão do cheiro da
nuvem mortífera.
diversas. É por isso que tanto vilarejos como grandes cidades se compro-
meteram a homenagear os soldados mortos no seu território8.
O percurso militar
No arquivo do Exército francês que está guardado no Castelo de
Vincennes, o dossiê do tenente Luciano revela que este assinou seu con-
trato com a Legião Estrangeira, no escritório de Paris, no dia 30 de maio
de 1917 e recebeu a matricula nº : RT 191-929. Ele se formou em um
regimento de infantaria em Juvisy, subúrbio localizado nos arredores de
Paris. Depois, ele foi transferido para o Centro Militar de Pau (Pirineus),
no sul da França, para seguir uma formação de “aluno-piloto” do dia 30
de setembro até o dia 16 de dezembro de 1917. Esse lugar afastado da
zona de combates oferece uma topografia adequada e ventos regulares
para voar. Até Alberto Santos-Dumont e Wilbur Wright chegaram a fre-
quentar o lugar e o aprovaram como uma área perfeita para uma iniciação
à aeronáutica. No fim desse período, Luciano foi nomeado tenente.
sil não tinha ainda declarado seu apoio à França. Então, ele poderia ser
declarado “franc tireur”23 e ser fuzilado por espionagem. A negação pelo
inimigo, de sua dedicação moral e patriótica em defender sua segunda
pátria, seria como recusar sua existência como soldado da liberdade. Esse
motivo foi expresso por muitos estrangeiros alistados no regimento da
Legião, inclusive os próprios filhos do Giuseppe Garibaldi24.
A Posteridade de um desconhecido
No século XX, o estatuto de herói conheceu um surgimento espe-
tacular por conta do aumento das formas de mediatização. Mas, neste
século, acelerou-se a queda da admiração do herói e dos grandes homens
cuja imagem foi construída pela guerra. É por isso que “um Churchill”
e “um de Gaulle” foram elevados a esse estatuto histórico positivo. Ao
mesmo tempo, o crescimento da compaixão pelas vítimas de guerra ou de
fenômenos naturais (terremotos…) focaliza, hoje, a atenção da opinião
pública sobre os personagens mais simples e o heroísmo de tipo militar
diminui. A glória do “Poilu de 14”25 ganhou uma importância sobre aque-
la dos marechais Foch e Joffre e o general americano Pershing.
273
IV – RESENHAS
REVIEW ESSAYS
283
NORMAS EDITORIAIS
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integralmente ou em parte, tanto impressa ou eletronicamente, ou já submetidas a outras revistas. Os
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idioma do texto original, e caso este não esteja em português ou inglês, acrescentar resumo na língua
original, não podendo ultrapassar 250 (duzentos e cinquenta) palavras, seguidas das palavras-chave,
mínimo 3 (três) e máximo de 6 (seis), representativas do conteúdo do trabalho, também em português e
inglês, e no idioma original, quando for o caso.
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arquivística equivalente de onde foram copiados, acompanhados de uma introdução explicativa.
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notificando ao autor a sua aprovação ou a negativa para a publicação. Não serão devolvidos originais.
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in Portuguese or English, it will be necessary to add the abstract in the original language as well. The
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das mais longevas publicações especializadas do mundo ocidental. Destina-se a divulgar a produção
do corpo social do Instituto, bem como contribuições de historiadores, geógrafos, antropólogos,
sociólogos, arquitetos, etnólogos, arqueólogos, museólogos e documentalistas de um modo geral.
Possui periodicidade quadrimestral, sendo o último número de cada ano reservado ao registro da vida
acadêmica do IHGB e demais atividades institucionais. A coleção completa da Revista encontra-se
disponível para consulta on line, no endereço: http://www.ihgb.org.br/rihgb.php
A abreviatura de seu título é R. IHGB, que deve ser usada em bibliografias, notas de rodapé e em
referências e legendas bibliográficas.
Fontes de indexação
• Historical Abstract: American, History and Life
• Ulrich's International Periodicals Directory
• Handbook of Latin American Studies (HLAS)
• Sumários Correntes Brasileiros
• Classificação dos veículos utilizados pelos programas de pós-graduação para a divulgação da
produção intelectual de seus docentes e alunos/Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível
Superior - QUALIS/Capes - conceito B1.
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