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AnaisIH VIII PDF

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

Encontro de Pesquisadores Iniciantes das Humanidades – IH! 2019


(8. : 2019, : São Cristóvão, SE)
E56a Anais [recurso eletrônico] : VIII Encontro de Pesquisadores
Iniciantes das Humanidades : 29 a 31 de outubro de 2019, São
Cristóvão, SE. – São Cristóvão, SE : Universidade Federal de
Sergipe, Centro de Educação e Ciências Humanas, Departamento
de História, Programa de Educação Tutorial, 2019.
320 p. : il.

Website: <http://ihpethistoria.ufs.br/>
ISBN: 978-85-7822-205-5

1. Ciência e humanidades. I. Título.

CDU 3(04)

Programa de Educação Tutorial


Departamento de História
Universidade Federal de Sergipe - Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos
Jardim Rosa Elze s/n - São Cristóvão (SE)
CEP 49.100-000

Website: http://ihpethistoria.ufs.br/
http://pethistoria.ufs.br/
Instagram: @pethistoriaufs

ISBN: 978-85-7822-205-5
O VIII Encontro de Pesquisadores Iniciantes das Humanidades da UFS é uma proposta que
possibilita aos acadêmicos no campo das Ciências Humanas a apresentação dos trabalhos de
pesquisa por eles desenvolvidos, estimulando a interdisciplinaridade entre as diferentes áreas.
Este evento é organizado pelo Programa de Educação Tutorial (PET) História da Universidade
Federal de Sergipe, com o apoio do Departamento de História.

O evento busca contribuir para o aperfeiçoamento das pesquisas de graduandos, graduados e


mestrandos na área de Ciências Humanas através do intercâmbio de metodologias e resultados,
estimulando a produção acadêmica e colaborando para a formação de quadros de excelência
em pesquisa. Com abrangência interdepartamental, congrega pesquisadores iniciantes dos
departamentos de História, Letras-Estrangeiras, Letras-Vernáculas, Comunicação Social,
Educação, Geografia, Relações Internacionais, Psicologia, Ciências Sociais, Música,
Museologia, Arqueologia, Direito e Filosofia.

Tendo a sua primeira edição realizada em 2010, o IH! ocorre anualmente, no segundo semestre
letivo, sempre propondo a troca e a difusão de trabalhos de pesquisadores iniciantes, a fim de
contribuir tanto com o aperfeiçoamento dos participantes, por meio do debate e contato com
outros pesquisadores, quanto com a divulgação de seus trabalhos junto aos públicos acadêmico
e não acadêmico.
Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos (DHI/UFS)

Adriane dos Santos (PET/FNDE/MEC)

Brenda Figueroa de Santana (PET/FNDE/MEC)

Everton dos Santos (PET/FNDE/MEC)

Maria Vitória Santos Fontes (PET/FNDE/MEC)

Matheus Santos Garcia de Carvalho (PET/FNDE/MEC)

Mirela Souza Silva (PET/FNDE/MEC)

Rebeca Santos Andrade Leão (PET/FNDE/MEC)


Coordenadores: Everton dos Santos e Matheus Santos Garcia de Carvalho

AS IDEIAS ILUMINISTAS VIGENTES NA REVOLUÇÃO FRANCESA COMO


INFLUÊNCIA AO ATEÍSMO DE MARQUÊS DE SADE
Adriane dos Santos

PRAÇA FAUSTO CARDOSO, ARACAJU-SE: USOS DA MEMÓRIA E DO


PATRIMÔNIO URBANO EM VÍDEO.
Alexandre Firmo dos Santos e João Pedro Costa Silveira

TEORIAS GEOPOLÍTICAS NOS SÉCULOS XIX E XX: A INFLUÊNCIA MACIÇA


DOS ESTUDOS ESTRATÉGICOS NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL.
Anna Julia Alves

O DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE SOFT POWER A PARTIR DOS


QUADRINHOS NO SÉCULO XX
Ellen Gabriela Vitor Toledo da Silva

PALESTINA, A HERÓICA RESISTENCIA DE UM POVO: O JORNALISMO EM


QUADRINHOS DE JOE SACCO COMO UM OLHAR SOB A PERSPECTIVA
SOCIOCULTURAL DOS GRUPOS SOCIAIS EM CONFLITO.
Giovanna Gomes Cardoso de Lima

A REALIDADE SE TRADUZ EM MAGIA: ASPECTOS DAS MENTALIDADES


LATINO-AMERICANAS NAS OBRAS DE GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ (1961-
1994)
Matheus Santos Garcia de Carvalho e Everton dos Santos

TECNOTRILHOS - MINI VAGÃO E LOGOMARCA


Pedro Henrique Ribeiro Fernandes
Coordenadores: Johnatas dos Santos Costa e Matheus Fernandes dos Santos

DOENÇA E RELIGIOSIDADE EM DOIS ROMANCES DE NICO HORTA, DE


CORNÉLIO PENNA
Endriele de Jesus Santos

IDEOLOGIA E FANTASIA NA OBRA DE SLAVOJ ZIZEK


Jeferson Santos da Silva

O RIO NU SOB ANÁLISE: APORTES TEÓRICOS PARA ESTUDAR O JORNAL


PORNOGRÁFICO DO INÍCIO DO SÉCULO XX
Johnatas dos Santos Costa

EDUCAÇÃO E POLIDEZ EM DAVID HUME


Mariana Dias Pinheiro Santos

PARA EXPLORAR A ANGÚSTIA EM KIERKEGAARD E SARTRE:


DESDOBRAMENTOS NA PSICOTERAPIA FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL
Matheus Fernandes dos Santos Pereira e Allan Vasconcelos Lima Rocha

EUDEMONOLOGIA E ÉTICA EM SCHOPENHAUER: É POSSÍVEL UM VIVER


FELIZ?
Priscila Silva Navas

AS RELAÇÕES HUMANOS-AVES NO ESPAÇO RELACIONAL COOTOGÊNICO


Wedson Oliveira de Santana
Coordenação: Maria Vitória Santos Fontes e Laís Alves da Silva Cruz

A PRESENÇA FEMININA NO CANGAÇO E SUA IMPORTÂNCIA E


REPRESENTAÇÃO NESSE MOVIMENTO DO SERTÃO NORDESTINO
Brenda Figueiroa de Santana

REDESCOBRINDO A RAINHA: URRACA I (1081-1126) NA ÚLTIMA DÉCADA DO


SÉCULO XXI
Luísa Vilas Boas dos Santos

O ACONTECIMENTO DISCURSIVO: MULHER NA MÍDIA


Mirla Laiara de Matos Menezes

BIOGRAFIA DE VIRGÍNIA BICUDO: BREVE ANÁLISE ACERCA DAS RELAÇÕES


ÉTNICO-RACIAIS A PARTIR DA PRIMEIRA PSICANALISTA NEGRA DO BRASIL
Maria Vitória Santos Fontes e Laís Alves da Silva Cruz
TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES: CONCEITOS, BASES HISTÓRICAS
E OLHARES A PARTIR DO BRASIL E DA AMÉRICA LATINA
Nicoly Aliete Pereira Santos

ENTRE FUSÕES E CONTRADICÕES, HISTÓRIA E MEMÓRIA: O CASO DA


RAINHA BERENGUELA (1180-1246)
Thaís Monique Costa Moura
Coordenação: Taís Danielle Alcântara de Araújo Silva e Fernanda Carolina Pereira dos Santos

O PROJETO POMBALINO DE IMPOSIÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA E A


QUESTÃO DA DIVERSIDADE LINGUÍSTICA
Isaac Leandro Santos Ismerim e Vitória Nascimento da Cruz

LEVANTAMENTO E ANÁLISE DOS BENS PATRIMONIAIS INVENTARIADOS EM


SERGIPE, 1800-1854
Fernanda Carolina Pereira dos Santos e Isabela Leite Santos

TERRA (COM)PARTILHADA: A TRAJETÓRIA DE UM ENGENHO NO VALE DO


VAZA-BARRIS (SÃO CRISTÓVÃO, 1833-1856)
Lucas Oliveira de Jesus

DICOTOMIAS NA REPRESENTAÇÃO DO MARQUÊS DE POMBAL: UM ESTUDO


ACERCA DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA DA UFS
Nayara Stefanie Mandarino Silva

HISTÓRIA E MEMÓRIA: A CONSTRUÇÃO DAS NARRATIVAS A RESPEITO DA


DITADURA CIVIL MILITAR NO BRASIL
Taís Danielle Alcântara de Araújo Silva e Maria Aline Matos de Oliveira
Coordenadores: Pricila Neves dos Santos e Ana Carolina Souza de Oliveira

A NARRATIVA TRANSMÍDIA EM 13 REASONS WHY: UMA ANÁLISE ATRAVÉS


DOS PARATEXTOS DA SÉRIE
Ana Carolina Souza de Oliveira

A SABEDORIA DE VIDA E O CARÁTER


Laiane de Almeida

“O MAIOR PERIGO DO MUNDO”: A “INDÚSTRIA” DO ANTICOMUNISMO


SIMÃO DIAS- SE (1937-1946).
Pricila Neves dos Santos

CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FIGURA DO MONSTRO NOS FILMES “O LABIRINTO


DO FAUNO” (2006) E “SETE MINUTOS DEPOIS DA MEIA-NOITE” (2016)
Rodrigo Matos da Silva Gonçalves e Mariana de Sousa Loureiro

A MORTE ESPETÁCULO: UMA HISTÓRIA CULTURAL DA MORTE EM SÃO


CRISTÓVÃO-SE (1845-1855)
Willames de Santana Santos
Coordenadores: Emmerly Karoline Nascimento Dantas Leite e Sanmires Santos Souza

PALATALIZAÇÃO DO /S/ NA FALA DE UNIVERSITÁRIOS DA UFS/ITABAIANA


Cósmia Karine Vieira Borges

A MONOTONGAÇÃO DE DITONGOS DECRESCENTES NA FALA DE


ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS
Damiana Karina Vieira Borges

O ANTIPOMBALISMO DAS FAMÍLIAS NOBRES PORTUGUESAS: O CASO DOS


TÁVORAS
Emmerly Karoline Nascimento Dantas Leite e João Gabriel Souza Teles

TECNOTRILHOS - JOGO HISTÓRICO DE TABULEIRO E TRILHOS


AERODINÂMICOS
Julia Beatriz Silva Vicente Chaves

SMART CULTURAL TOUR - PESQUISAS SOBRE APP DO PATRIMÔNIO


MUNDIAL
Luan Felipe Silva dos Santos

ASPECTOS ARGUMENTATIVOS E PERSUASIVOS DEPREENDIDOS DE VÍDEOS


DA YOUTUBER JOUT JOUT.
Rejane Souza Santos e Ednalva Bezerra da Silva Teixeira

SMART CULTURAL TOUR – APP GESTÃO DE TECNOLOGIAS PARA A PRAÇA


SÃO FRANCISCO (SE)
Romero Romulo da Silva Júnior

A PESQUISA-AÇÃO COMO MÉTODO DE PESQUISA DA LINGUÍSTICA – O CASO


DO ISF-UFS
Sanmires Santos Souza
Coordenadores: Jaqueline de Farias dos Santos e Sakay de Brito Santos

ANÁLISE DE CURSOS ONLINE DESTINADOS AO ENSINO DE PORTUGUÊS


COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA/ADICIONAL
Ana Alba Nascimento Palmeira e Milena Barreto Lira

IMPLEMENTAÇÃO DA BNCC NAS ESCOLAS DO MUNICÍPIO DE


MACAMBIRA/SE
Jailma Cabral de Souza

O PIBID NA PRÁTICA DOCENTE: UMA ABORDAGEM TRANSVERSAL


Jaqueline de Farias dos Santos e Jessica Almeida dos Santos

O IMPACTO DAS DIFERENTES FORMAS DE ENSINAR NAS ESCOLAS PÚBLICAS


DIANTE DO CONTEXTO SOCIAL E SUAS DIVERGÊNCIAS NO SÉCULO XXI.
Marcos Henrique de Oliveira Santos

ENSINAR E INTERNACIONALIZAR: CONTRIBUIÇÕES DO PROGRAMA


IDIOMAS SEM FRONTEIRAS
Nayla Raquel Santos Corrêa e Juliana Santana Matos Santos

IDENTIDADE E PERTENCIMENTO NAS FALAS DE ESTUDANTES EGRESSOS DO


COLÉGIO DE APLICAÇÃO
Rafaela Cravo de Melo

FUTEBOL, CLASSE E IDENTIDADE: A FORMAÇÃO DA PRIMEIRA EQUIPE DE


FUTEBOL DA ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA CONFIANÇA (1949-1951).
Sakay de Brito Santos
Coordenadores: Mirela Souza Silva e Barbara Santos Andrade

COTIDIANO RIBEIRINHO E TENSÕES NOS MODOS DE VIDA DO BAIXO SÃO


FRANCISCO
Ana Beatriz Vilar Lessa

A FANTASIA NA PRODUÇÃO DO SINTOMA: UMA RESISTÊNCIA DO


CONTEÚDO, UM DESAFIO PARA MEMÓRIA.
Barbara Santos Andrade

NEGRO FUGIU, CABOCLO PEGOU: UM OLHAR HISTORICO SOBRE O


INDÍGENA ATRAVÉS DA FESTA DO LAMBE-SUJO X CABOCLINHOS
Bernardo Ferraz Pinheiro

GRAMÁTICA NORMATIVA E SEMÂNTICA COGNITIVA: UMA REFLEXÃO NOS


DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA FRENTE AS PRODUÇÕES DE CRÔNICAS
PARA OLIMPÍADA DE LÍNGUA PORTUGUESA – OLP/2019
Daniel da Rocha Silva

ANOMIA, DESENVOLVIMENTO E RACISMO


Gustavo Figueiredo Passos

TENSÕES NOS MODOS DE VIDA DO BAIXO SÃO FRANCISCO E DISPÊNDIO


Luiza Silva Cabral

A ARTE DE FRIDA KAHLO E O ENSINO DE HISTÓRIA.


Mirela Souza Silva
AS IDEIAS ILUMINISTAS VIGENTES NA REVOLUÇÃO FRANCESA COMO
INFLUÊNCIA AO ATEÍSMO DE MARQUÊS DE SADE

Autora: Adriane dos Santos


Graduanda em História pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PET (MEC/FNDE)
adrianadosantos007@gmail.com

Orientador: Prof. Dr. Carlos de Oliveira Malaquias (DHI/UFS)

RESUMO:
O presente trabalho tem por objetivo apresentar como as ideias iluministas vigorantes no
contexto da Revolução Francesa influenciaram Donatien Alphonse – François, o famoso
Marquês de Sade (1740 – 1814), a levar a racionalidade em sua última potência e, dessa forma,
criar um ateísmo que justifica a libertação do indivíduo pela corrupção dos costumes. Em pleno
século XVIII, com o desenvolvimento intelectual presente desde o Renascimento, esse
movimento cultural, difundido principalmente pela burguesia na Europa, é reinterpretada pelo
referido autor, no qual o ateísmo absoluto é a libertação do homem da ignorância e consequente
privação de sua liberdade. A partir desse ponto, se procurará analisar também de quais formas
Sade utilizou a literatura como oportunidade de criar um novo mundo às avessas, negando
antigos valores, como a vida, para melhor afirmar e glorificar o homem em sua liberdade plena.
Não obstante, foram utilizados na construção de tal pesquisa livros de autoria de Donatien e
outros referentes ao contexto da Revolução Francesa.

Palavras – Chave: Iluminismo. Marquês de Sade. Ateísmo. Liberdade.


PRAÇA FAUSTO CARDOSO, ARACAJU-SE: USOS DA MEMÓRIA E DO
PATRIMÔNIO URBANO EM VÍDEO

Autor: Alexandre Firmo dos Santos


Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe
E-mail: alezinho_1998@Outlook.com

Coautor: João Pedro Costa Silveira


Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe
E-mail: joaopwx2@gmail.com

Orientação: Prof.ª Dra. Janaina Cardoso de Mello (DHI/UFS)


RESUMO:
A Praça Fausto Cardoso foi construída em 1857, dois anos depois de Aracaju ter sido
transformada em capital da antiga Província de Sergipe. Antes de receber o atual nome em 1912
– em homenagem ao político sergipano Fausto Cardoso de Aguiar – fora denominado de várias
formas desde ‘Praça do Imperador’ até ‘Praça Tiradentes’. Ainda possuiu a nomenclatura de
‘Praça dos Três Poderes’ e foi chamada ‘a Praça’ antes do nome atual, pois esta Praça abrigou
o Ministério Público Estadual até 1984, a Assembleia Legislativa e o Tribunal de Justiça de
Sergipe. A praça foi cenário de vários eventos políticos desde o assassinato do homenageado
Fausto Cardoso, em 28 de agosto de 1906, os comícios de Jorge Amado (1946) e Augusto
Maynard (1947), o linchamento de Lídio da Paixão na ocasião do suicídio de Getúlio Vargas e
o Movimento Diretas Já. A Praça Fausto Cardoso também abrigou eventos culturais como
carnavais e festas juninas da capital, sendo ainda espaço de desfiles cívicos. Nela se encontra
um conjunto de bens arquitetônicos reconhecidos como patrimônio histórico pelo Conselho
Estadual de Cultura. A pesquisa teve como objetivo o estudo da memória local resultando na
produção de um vídeo postado no YouTube. Os métodos qualitativos usados foram a etnografia
de percurso, coleta e análise de dados das informações nas bases do IBGE, ALESE e Blogs
sobre a história local (ANDRADE) cotejando autores como Pelegrini & Funari (2009), Pierre
Nora (1995), Monica Kornis (1992) e Pesavento (2005).

Palavras-chave: Praça; Vídeo; Patrimônio Cultural.


TEORIAS GEOPOLÍTICAS NOS SÉCULOS XIX e XX: A INFLUÊNCIA DOS
ESTUDOS ESTRATÉGICOS NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Autora: Anna Julia Alves


Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Sergipe
annajalves@gmail.com

Orientador: Prof. Dr. Lucas Miranda Pinheiro (DRI/UFS)

RESUMO:
Friedrich Ratzel, o pai da Geopolítica nasceu na Alemanha do século XIX e criou as teorias
eurocentristas de “povos de cultura” e “povos de natureza”. Geopolítica é uma ciência que
nunca pode ser desassociada do espaço-tempo em que está inserida: na questão de Ratzel,
visava legitimar o expansionismo europeu.A teoria seria depois adaptada por Adolf Hitler que,
em seus ideais acreditava em uma raça mais apta a governar o mundo. Seus ideais, eram um
exagero dos princípios ratzelianos, uma vez que Raztel buscava a legitimidade no colonialismo
europeu, civilizando e explorando os povos naturais. Hiltler elevou tais teorias ao extremismo,
buscando o extermínio de raças que ele julgava inferiores. Apesar de Ratzel ser o pai da
Geopolítica, quem realmente obteve influência maciça nos ideais nazis foi Karl Haushofer: ele
adaptou a teoria do inglês Halford Mackinder; em sua principal obra (1904), Mackinder
defendia que todo Estado forte possuiria um “espaço pivô”, responsável pela manutenção do
poder. Haushofer destacou a visão de tal território compreendido na Eurásia – o território
fundamental do Terceiro Reich; além de acreditar fortemente em um alinhamento possível entre
Rússia e Alemanha, que levaria à unificação final de uma superpotência ariana, líder das
demais. Tais aspirações caíram por terra com a deflagração da Segunda Guerra Mundial, através
da quebra do pacto de não agressão germânico-soviético em 1939 – tornando a Rússia um dos
inimigos às causas nazistas.

Palavras-chaves: Geografia política; Estudos estratégicos; Segunda Guerra Mundial.


O DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE SOFT POWER A PARTIR DOS
QUADRINHOS NO SÉCULO XX

Autora: Ellen Gabriela Vitor Toledo da Silva


Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Sergipe
ellengabriela18@gmail.com

Orientador: Prof. Dr. Lucas Miranda Pinheiro (DRI/UFS)

RESUMO:
O presente trabalho, ainda em fase inicial, apresenta a construção do conceito de “Soft Power”
1
nos quadrinhos no recorte do século XX. A escolha da temática é justificada pelo aumento
exponencial das Histórias em Quadrinhos e dos recursos semióticos no mundo todo de forma
que estes sejam concebidos como uma nova ferramenta de influência nas relações entre os
países e na constituição do prestígio internacional e reflexo das políticas dos mesmos. Entende-
se que este trabalho procura explanar o contexto histórico na qual as ferramentas citadas acimas
tiveram suporte e que tornaram possível a definição do conceito apresentado de forma a delinear
a imagem estadunidense; bem como a asiática com seus mangás. Dessa forma, utilizando-se de
metodologias como a revisão bibliográfica, análise de imagens, de dados e de fontes primárias
e secundárias, pretende-se qualitativamente gerar uma análise sobre o conceito, sua utilização
e suas implicações no meio internacional.

Palavras-chaves: Histórias em Quadrinhos; Mangás; Soft Power.

1
Termo criado e desenvolvido por Joseph Nye em seu livro de 2004, Soft Power: The Means to Success in
World Politics (em português, “Soft Power: os meios para o sucesso na política mundial”.)
PALESTINA, A HERÓICA RESISTENCIA DE UM POVO: O JORNALISMO EM
QUADRINHOS DE JOE SACCO COMO UM OLHAR SOB A PERSPECTIVA
SOCIOCULTURAL DOS GRUPOS SOCIAIS EM CONFLITO.

Autora: Giovanna Gomes Cardoso de Lima


Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Sergipe
gigilima10@hotmail.com

Orientador: Prof. Dr. Lucas Miranda Pinheiro (DRI/UFS)

RESUMO:
A obra de Joe Sacco compreende uma vasta compreensão jornalística dos mais diversos
conflitos internacionais que vãos desde a Guerra na Bósnia Oriental (1992-1995) até os mais
recentes conflitos que envolvem o território palestino e a repressão de seu povo por parte do
exército israelense. A representação do trabalho de campo em formato de quadrinhos é uma
característica única do autor, que usa não só do recurso textual mas também o visual, levando
o leitor a imergir nos conflitos retratados. Palestina, Notas sobre Gaza e Reportagens abordam
de forma clara através de entrevistas feitas pelo autor durante sua pesquisa acerca do conflito
árabe-israelense, expressando a problemática que envolve a partilha do território entre os povos
distintos que lá viviam e logo mais a tomada do território Palestino após a partilha. O presente
trabalho busca analisar a obra, levando em consideração os recursos visuais e textuais
produzidos pelo autor acerca desta temática, buscando os diversos pontos de vista apresentados
pelos entrevistados sob uma ótica sociopolítica e antropológica dos povos em conflito.
Ressaltando então, a importância da obra para análise de tais conflitos que ainda assolam a
comunidade internacional.

Palavras-chave: Conflitos árabe-israelenses; Palestina; Joe Sacco; Cultura.


A REALIDADE SE TRADUZ EM MAGIA: ASPECTOS DAS MENTALIDADES
LATINO-AMERICANAS NAS OBRAS DE GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ (1961-
1994)

Autor: Matheus Santos Garcia de Carvalho


Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PET (FNDE/MEC)
mattheus.sgc@gmail.com

Coautor: Everton dos Santos


Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PET (FNDE/MEC)
everton.his@outlook.com

Orientador: Prof. Dr. Luis Eduardo Pina Lima (DHI/UFS)

RESUMO:
A presente pesquisa tem o objetivo de analisar aspectos das mentalidades latino-americanas
representados nas obras do escritor colombiano, Gabriel García Márquez (1927-2014). A
investigação centra-se no campo da relação literatura e história e tem por objeto a percepção de
padrões de comportamentos socialmente aprendidos que, consciente ou inconscientemente,
atuam como agentes na diversidade histórica das culturas latino-americanas. O autor
supracitado vincula-se ao realismo mágico, que se constituiu em um dos movimentos literários
mais fecundos da América Ibérica, a partir da década de 1960. Para alcançar o objetivo
proposto, obedeceremos à seguinte metodologia: 1. Levantar o referencial teórico vinculado ao
conceito de mentalidade, com destaque para as obras de Le Goff (1994 e 2001); 2. Copilar e
fichar o estado da arte referente ao campo desta pesquisa, tendo como ponto de partida o “A
literatura: o texto e o seu intérprete” de Starobiski (1976); 3. Analisar as fontes que constituem
o escopo deste trabalho, preliminarmente elencando nas seguintes obras: “Ninguém escreve ao
coronel” (1961), “Cem anos de solidão” (1967), “O outono do patriarca” (1975), “Crônica de
uma morte anunciada” (1981) e “De amor e outros demônios” (1994); e 4. Redigir o relatório
de pesquisa em forma de artigo científico. Ao final deste estudo, pretende-se contribuir para a
ampliação de análises que compreendem a literatura como fonte para a história das
mentalidades na América Latina.

Palavras-chave: História, Literatura, Mentalidade, América Latina.


TECNOTRILHOS - MINI VAGÃO E LOGOMARCA

Autor: Pedro Henrique Ribeiro Fernandes


Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PITIVOL/CINTTEC
pedrofe1636@gmail.com

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Janaina Cardoso de Mello (ProfHistória/DHI/UFS)

RESUMO:
O presente trabalho, ainda em fase inicial, visa levar a disseminação dos patrimônios históricos
em Aracaju, tendo como foco a comunidade do Rosa Elze, com o intuito de facilitar e entreter
de forma prazerosa, através de um jogo que simulara as ruas de Aracaju, usando os trilhos de
trem já preexistente para guiar os usuários, como todo trem, ele tem vagões e esse maquinário
que será controlado por meio de um smartphone, levando os jogadores a conhecer os
patrimônios aracajuanos, através de um passeio imersivo pelo jogo de tabuleiro desenvolvido.
Contendo nele sensores que determinaram atividades, com o intuito de passar a história e os
bens materiais e imateriais pertencente dos bairros que a pessoa estiver. Tendo como
sensibilização a notável falta de disseminação da história da cidade de Aracaju, como também
dos seus bairros, e visando levar à tona os patrimônios que cada uma dessas regiões tem, mas
que até algum dos moradores do próprio local desconhece, e facilitar o estudo desses bens não
só pela universidade ou escola, mas como sensibilizar de forma divertida a manutenção e preza
desses locais por toda a comunidade.

Palavras-chaves: Ferrovia; Ensino de História; Patrimônio; Cultura.


DOENÇA E RELIGIOSIDADE EM DOIS ROMANCES DE NICO HORTA, DE
CORNÉLIO PENNA

Autor (a): Endriele de Jesus Santos


Graduanda em Letras – Português pela Universidade Federal de Sergipe
Voluntária PICVOL (UFS/COPES)
endrielesantos@outlook.com

Orientador (a): Prof. Dra. Josalba Fabiana dos Santos (DLEV/UFS)

RESUMO:
Este trabalho tem o objetivo de analisar a relação entre doença e religiosidade em Dois
romances de Nico Horta (1939), livro do escritor católico Cornélio Penna. Antônio, apelidado
de Nico Horta, protagonista da história, convive com uma culpa que o faz viver em um estado
doentio, sofrendo não somente por seus próprios erros, mas por falhas que outros cometeram.
Desse modo, fizemos um percurso pelos principais fatores que contribuem para o
desenvolvimento do mal-estar no rapaz. O sentido de culpa, e termos como pecado, punição e
salvação que a ele se associam, é tomado com base nos princípios cristãos que também podem
ser encontrados em Penna. Utilizamos as várias significações e representações em torno de
doença estabelecidas por Sontag (2007), especialmente as relacionadas à punição que considera
a enfermidade um castigo por conta de um erro cometido pelo doente. Aproveitamos também
os conceitos de Laplantine (2010) focando, especialmente, nas ideias do autor sobre
enfermidade na literatura, a relação entre o estado doentio e a desordem social. Utilizamos as
considerações de Santos (2007) sobre a questão da maternidade em Cornélio Penna como
suporte para tratarmos da relação entre Nico e sua mãe D. Ana. Partimos de Lima (2005) como
apoio para interpretarmos pontos pertinentes do romance, principalmente o que diz respeito aos
conflitos internos de Nico Horta.

Palavras-chave: doença; religiosidade; Dois romances de Nico Horta; Cornélio Penna.


IDEOLOGIA E FANTASIA NA OBRA DE SLAVOJ ZIZEK

Autor: Jeferson Santos da Silva


Graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe
jefersoncarira97@gmail.com

Orientadora: Prof. Dr.ª Elza Francisca Correa Cunha (DPS/UFS)

RESUMO:
Parece-nos suspeito, hoje em dia, falar de crítica da ideologia tanto pelos acontecimentos do
século passado, como a subida ao poder de regimes comunistas, quanto pelos desdobramentos
teóricos que, de certa forma, tornariam o conceito de ideologia inócuo. Outro fator, que também
é uma característica da nossa contemporaneidade, é o chamado cinismo, no qual reconhece-se
os interesses subtendidos no discurso, mas mesmo assim continua a fazê-lo. Partindo desse
ponto de vista, porém com uma visão contrária, o presente trabalho investiga o conceito de
ideologia no sentido de o relacionar com elementos do conceito de fantasia na obra de Slavoj
Zizek, dessa junção focalizando no conceito de fantasia ideológica. Acredita-se que este
conceito possa apresentar uma nova maneira de pensar e retomar o debate acerca da crítica da
ideologia. Essa relação entre ideologia e fantasia será esmiuçada ao longo da apresentação do
trabalho: primeiro são expostas as críticas ao conceito de ideologia, portanto, indo em direção
a sociedade “pós-ideológica”, depois, a partir de um restrito, mas pontual trabalho histórico,
visa localizar essas críticas e ao mesmo tempo suas superações ao longo do desenvolvimento
do sentido de ideologia.

Palavras-chaves: Ideologia, Fantasia, Fantasia ideológica, Zizek.


O RIO NU SOB ANÁLISE: APORTES TEÓRICOS PARA ESTUDAR O JORNAL
PORNOGRÁFICO DO INÍCIO DO SÉCULO XX

Autor: Johnatas dos Santos Costa


Mestrando em História pela Universidade Federal de Sergipe (PROHIS/UFS)
Bolsista CAPES
johnatassantoscosta@yahoo.com.br

Orientador: Prof. Dr. Antônio Lindvaldo Sousa (PROHIS/UFS)

RESUMO:
Conhecido por sua linguagem simples, porém sagaz, suas ilustrações de mulheres seminuas e
um texto humorístico e malicioso, o jornal pornográfico O Rio Nu: periódico semanal caustico
e humorístico circulou na cidade do Rio de Janeiro – e além – entre os anos de 1898 e 1916.
Inserido no contexto da Belle Époque, no qual a imprensa de “gênero alegre” esteve em voga,
o periódico foi pioneiro nesse estilo, alcançou êxitos e conquistou críticos enquanto esteve em
circulação. Tendo como base as discussões realizadas no âmbito das disciplinas do Programa
de Pós-Graduação em História (PROHIS/UFS), o presente artigo tem como objetivo estabelecer
uma interlocução entre o jornal mencionado, a nossa fonte de pesquisa, e alguns conceitos e
ideias debatidos em sala de aula. Esse diálogo possibilita analisarmos o periódico com o
propósito de investigar apropriadamente o nosso objeto de pesquisa que versa sobre as
representações de mulher que O Rio Nu estabeleceu e/ou ratificou durante os seus anos de
publicação.

Palavras-chave: O Rio Nu; imprensa; teoria da história


EDUCAÇÃO E POLIDEZ EM DAVID HUME

Autora: Mariana Dias Pinheiro Santos


Graduanda do curso de Filosofia da UFS
Bolsista CNPq.
marianadps4ntos@gmail.com

Orientador: Prof. Dr. Marcos Fonseca Ribeiro Balieiro (DFL/UFS)

RESUMO:
O filósofo escocês David Hume é comumente lembrado, por aqueles que não estão
familiarizados com sua obra, como o autor que iluminou Immanuel Kant e como uma figura de
grande importância no empirismo. Mas estamos preocupados neste texto é com uma outra parte
dos seus engenhos. Pretendemos ver neste autor algo que era comum em parte de seus
contemporâneos, a saber, preocupações com o cenário em que se incluía com seus compatriotas,
com o rumo que a sociedade estava levando, com a influência das artes na vida dos indivíduos
e com um melhor caminho para a felicidade individual e geral. É neste sentido que a polidez
ganha um espaço importante na obra do escocês. Para Hume, no momento que um indivíduo
tiver sido educado o suficiente para ser polido, tendo cultivado em si o gosto por artes,
filosofias, literaturas e poesias, terá paixões adequadas para cada situação, será capaz de ter
conversas adoráveis sobre os mais diversos e eruditos temas, terá amizades mais duradouras e
agradáveis, não irá deixar que qualquer frivolidade da vida comum o abale, terá o juízo
fortalecido a ponto de não ser abatido pelas paixões mais violentas, e, tendo todas essas
qualidades de caráter, não poderá deixar de ser justo e virtuoso uns para com os outros. Dito
isso, o presente texto pretende elucidar como o que Hume defende como polidez seria capaz de
educar o homem por meio do cultivo das letras, da poesia, da escrita, da arte e da conversação,
elevando-o no âmbito intelectual e no do convívio.

Palavras-chave: Hume; polidez; arte; educação.


PARA EXPLORAR A ANGÚSTIA EM KIERKEGAARD E SARTRE:
DESDOBRAMENTOS NA PSICOTERAPIA FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL

Autor: Matheus Fernandes dos Santos Pereira


Graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe
fernan10.matheus@gmail.com

Coautor: Allan Vasconcelos Lima Rocha


Graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe
allanrocha9@gmail.com

Orientadora: Prof. Dr.ª Elza Francisca Correa Cunha (DPS/UFS)

RESUMO:
A partir do arcabouço de ideias dos pensamentos do existencialismo e da fenomenologia, o
presente trabalho discute e propõe uma compreensão acerca do conceito de angústia, para
Kierkegaard e Sartre, questionando possíveis articulações entre as ideias destes dois
pensadores, para se pensar a psicoterapia fenomenológica-existencial, dentro da Psicologia, ao
lidar com a angústia humana, enquanto elemento que emerge através da liberdade, da culpa e
das possibilidades, ao mesmo tempo que proporciona ao indivíduo novas formas para se pensar
sua existência, através dos significados atribuídos à sua angústia na forma como ela se
estabelece na sua condição experiencial. A principal questão verificada foi a existência de uma
articulação entre esses pensadores no que diz respeito a angústia existencial, para pensar o
sofrimento psíquico humano causado por ela dentro de uma psicoterapia fenomenológico-
existencial - de que forma esses conceitos existenciais surgem e se desenvolvem, e
aproximações para se trabalhar essas questões com o sujeito, enquanto em caráter subjetivo.

Palavras-chave: angústia; Kierkegaard; Sartre; psicoterapia fenomenológica-existencial.


EUDEMONOLOGIA E ÉTICA EM SCHOPENHAUER: É POSSÍVEL UM VIVER
FELIZ?

Autora: Priscila Silva Navas


Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista Voluntária: PIBIC/COPES
prisci2015dir@gmail.com

Orientador: Prof. Dr. Bruno Martins Machado (DPS/UFS)


RESUMO:
O presente estudo é fruto da pesquisa de PIBIC desenvolvida, cujo tema é o caráter e a ética em
Schopenhauer. Visando discutir a ética schopenhaueriana, foi feita a leitura estrutural de “Os
aforismos para sabedoria de vida” e “Sobre o Fundamento da Moral” buscando mapear os
momentos específicos nos quais o autor menciona o caráter e suas motivações – egoístas,
maldosas e compassivas. O filósofo alemão divide sua ética em duas linhas: (i) transcendente;
(ii) imanente. A segunda, alvo de nosso interesse maior, pode ser observada em “Os aforismos”
como uma espécie de eudemonologia, conjunto de ações para um viver feliz. Tal divisão parece
antagônica quando colocada frente ao pessimismo do pensamento de Schopenhauer, entretanto,
ela tem como suporte o estatuto da vontade, o que desfaz a contraposição levando em conta
também o antagonismo. Dessa forma, a vida ética seria uma vida feliz, considerando que a
única felicidade possível é negativa. Sendo assim, Schopenhauer, nos Aforismos, aponta uma
maneira de encontrar a felicidade apesar do imperativo da vontade.

Palavras-chave: ética; caráter; vontade; eudemonologia.


AS RELAÇÕES HUMANOS-AVES NO ESPAÇO RELACIONAL COOTOGÊNICO

Autor: Wedson Oliveira de Santana


Graduando em Letras Português pela universidade federal de Sergipe
Bolsista Pibic (COPES/UFS)
Wedson8888gf@gmail.com

Orientador: Prof. Dr. Humberto Luiz Galupo Vianna (DLI/UFS)

RESUMO:
O Parque dos Falcões em Itabaiana, Sergipe, é um santuário, centro de educação ambiental e
zoo. Além disso é referência mundial no manejo, recuperação e reprodução de aves, mas o que
chama a atenção dos visitantes são as interações entre cuidadores e animais, mesmo no que diz
respeito as espécies mais traumatizadas. São relações coontogênicas que permitem as mudanças
comportamentais das rapinantes, mas não somente, o humano também é afetado por essa
relação. Lá no parque eles convivem e se comunicam através da linguagem corporal e da
vocalização, ou seja, o comportamento é muito importante nessas interações, pois a partir do
movimento temos um meio de comunicação, capaz de ser interpretado e analisado, segundo
relatam os próprios cuidadores e observadores do parque. Ademais, buscamos discutir no
contexto das teorias cognitivas sistêmicas, as interações envolvendo humanos-aves no
estabelecimento de um domínio linguístico, mas sem se preocupar com o campo semântico e
nem com símbolos representados pela fala ou escrita, o que importa aqui são as interações
interespecíficas entres essas duas espécies consideradas diferentes.

Palavras-chaves: Coontogenia; humanos-aves; Sistema social; domínio linguístico.


A PRESENÇA FEMININA NO CANGAÇO E SUA IMPORTÂNCIA E
REPRESENTAÇÃO NESSE MOVIMENTO DO SERTÃO NORDESTINO

Autora: Brenda Figueiroa de Santana


Graduanda em História pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PET (MEC/FNDE)
brenda.figueiroa00@gmail.com

Orientadora: Profª. Drª. Edna Maria Matos Antonio (DHI/UFS)

RESUMO:
O presente trabalho em fase inicial tem como objetivo discutir o Cangaço, caracterizado por
alguns autores como movimento social com práticas associadas também a questões econômicas
e por outros como bandidos e rebeldes, seu principal líder Virgulino Ferreira da Silva conhecido
como Lampião. Ocorrido no sertão nordestino nos anos 1930 que marca a inserção das mulheres
nesse meio, este trabalho busca problematizar o silêncio histórico referente a essa participação
dando invisibilidade a essas mulheres que se inseriram voluntariamente ou involuntariamente.
Além de analisar a imagem dessas cangaceiras, suas representações, objetiva-se investigar os
fatores que levaram a essa inserção, papel desempenhado por elas, vestuário, sexualidade,
possíveis violências sofridas e suas influências dentro do movimento. Dessa forma, através da
pesquisa baseada em fontes como jornais, artigos, livros, documentários, esse trabalho busca
verificar qual foi a importância da mulher no Cangaço e o que mudou após a sua chegada.

Palavras – chave: Cangaço; Representação Feminina; Mulheres na História e Invisibilidade.


REDESCOBRINDO A RAINHA: URRACA I (1081-1127) NA ÚLTIMA DÉCADA DO
SÉCULO XXI

Autora: Luísa Vilas Boas dos Santos


Graduanda em História pela Universidade Federal de Sergipe
PIBICVOL
luisa13santos@outlook.com

Orientador: Prof. Bruno Gonçalves Alvaro (DHI/UFS)

RESUMO:
A historiografia é construída através da ótica contemporânea do historiador. Sendo assim, ela é
rescrita, modificada continuadamente, e politicamente influenciada. Essa disputa de memórias
é presente na historiografia ibérica tal como em qualquer outra escola historiográfica. Desta
forma, os escritos sobre a rainha Urraca I (1081-1127) não poderiam ser diferentes. Urraca I foi
a primeira rainha de Castela e Leão a efetivamente governar. Seu reinado, que perdurou de 1109
a 1126, deixou um legado controverso e a importância de seu governo passou por um processo
de esquecimento a partir das crônicas do século XVIII, o que fez com que a historiografia pouco
trabalhasse sua importância, relegando-a assim a alcunha de “La Temeraria”, assim, os
passados se misturam, e imagem da rainha se desgastou através do tempo. Com intuito analisar
as representações da rainha na última década, o presente trabalho pretende realizar uma análise
e comparação de como a imagem de Urraca vem sendo retratada, tanto no meio acadêmico,
como as mídias televisivas e sociais.

Palavras-chave: Urraca I; historiografia; mídias; história medieval.


O ACONTECIMENTO DISCURSIVO: MULHER NA MÍDIA

Autor: Mirla Laiara de Matos Menezes


Graduanda em letras pela Universidade Federal de Sergipe
PIBICVOL
Mirla13menezes@gmail.com
Orientador: Prof. Dr. Wilton James Bernardo - Santos (DLEV/UFS)

RESUMO:
O presente trabalho busca apresentar os resultados finais do plano de trabalho “Mulher na
mídia” referente ao projeto de pesquisa Acontecimento discursivo: um estudo sobre os
processos de construção, elaborado para o programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica – PIBIC no período 2018 – 2019 na Universidade Federal de Sergipe – UFS. O
projeto analisa de que forma os acontecimentos discursivos se constituem e quais são as
condições de produção destes acontecimentos discursivos. Desse modo, o plano de trabalho
busca focalizar especificamente as formas como as mulheres são representadas, ou seja, como
a imagem da mulher é construída pela imprensa mídia brasileira nos anos de 2018/2019. A
metodologia é feita a partir da problematização das materialidades discursivas como enunciados
circulados socialmente a respeito da temática em questão, mulher na mídia. Dessa forma, foram
analisados os efeitos de sentido publicados nos meios de comunicação. Assim, a aplicação
teórico-metodológica foi norteada pelas concepções clássicas de Análise do Discurso como
acontecimento, formação discursiva, memória discursiva e interdiscurso. Os resultados finais
foram construídos a partir dos acontecimentos discursivos “mulher nas eleições 2018”, “dia
internacional da mulher”, “feminicídio em SE”, entre outros. Um dos resultados, por exemplo,
aponta como a mulher é representada no cenário político do país, demarcando a cristalização
da ausência do protagonismo feminino nas eleições.

Palavras-chave: Mulher; mídia; discurso; ideologia;


BIOGRAFIA DE VIRGÍNIA BICUDO: BREVE ANÁLISE ACERCA DAS
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS A PARTIR DA PRIMEIRA PSICANALISTA
NEGRA DO BRASIL

Autora: Maria Vitória Santos Fontes


Graduanda em História pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PET (MEC/FNDE).
mavsfontes@gmail.com

Coautora: Laís Alves da Silva Cruz


Graduanda em História pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista Residência Pedagógica (CAPES).
lais.ac@outlook.com.br

Orientadora: Prof.ª Ma. Yérsia Souza de Assis (PPGAS/UFSC)

RESUMO:
O presente trabalho visa discutir como a partir da biografia de uma mulher negra escolarizada
é possível criar tópicos de ensino e aprendizagem que remetam à educação para as relações
étnico-raciais. A personagem escolhida se trata de Virginia Leone Bicudo. Primeira psicanalista
negra, filha de pai negro e mãe branca, Virginia ao se inserir na educação formal pôde constituir
uma trajetória educacional extraordinária quando associada aos acessos que a população negra
e seus descendentes do Brasil tinham. Deste modo, Virginia traçou uma jornada profissional
com a possibilidade de estudar as questões raciais a partir desta perspectiva interna, pois, trata-
se de uma mulher negra debatendo demandas “negras” no Brasil do século XX. Diante disso,
acreditamos que, de modo didático, a biografia de Virgínia oportuniza aos estudantes e aos
formadores, mais instrumentos de ensino, já que, salienta-se assim, elementos que ajudam a
entender a história da população negra no Brasil, bem como os desafios e avanços impostos a
esta parcela da sociedade brasileira. A produção textual está pensada em três momentos, no
primeiro momento a história educacional de Virginia será evidenciada, no segundo momento a
sua pesquisa de mestrado “Atitudes Raciais de Pretos e Mulatos em São Paulo” (1945), e no
terceiro os efeitos “Virginia” que podem ser acionados para constituir elementos didáticos que
possibilitem a promoção da educação para as relações étnico-raciais.

Palavras – Chave: Biografia; Mulher Negra; Relações Raciais; História.


TRÁFICO INTERNACIONAL DE MLHERES: CONCEITOS, BASES HISTÓRICAS
E OLHARES A PARTIR DO BRASIL E DA AMÉRICA LATINA

Autora: Nicoly Aliete Pereira Santos


Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Sergipe
nicolyaliete@icloud.com

Orientador: Prof. Dr. Lucas Miranda Pinheiro (DRI/ UFS)

RESUMO:
As informações aqui apresentadas abordarão a questão do tráfico internacional de mulheres
referente à países da América Latina, colocando em pauta primeiramente suas raízes históricas
e os principais conceitos dentro deste contexto. Deste modo, a análise será feita a partir da
conceituação da prática de mercadejar seres humanos, desde onde isso começou a se efetivar
como um costume em sociedades presentes no âmbito histórico à atualidade, configurando o
tráfico de pessoas um crime internacional combatido e com grande ênfase em debates sobre
direitos humanos. Ademais, após o feito desde balanço abrangente sobre o crime, será
especificado para que ocorre o tráfico de mulheres nos países latino-americanos, sendo feito
assim um pequeno mapeamento acerca dos locais que mais acontecem, as situações de
vulnerabilidade que a população feminina possui para serem coagidas por indivíduos que
contribuem para a continuidade da comercialização, e relacionando isso com o conceito de
precariedade de Judith Butler. Assim, apesar de existirem muitos casos ainda não
documentados, nos dias atuais as investigações são mais efetivas. Logo, esta pesquisa tem como
finalidade não somente mostrar os fatos, mas também alertar sobre o perigo que ainda é ser
mulher em âmbito mundial, e principalmente, ser de uma nacionalidade considerada de
“terceiro mundo”, além da desigualdade referente ao gênero ainda existente.

Palavras-chave: tráfico, mulheres, América-latina, humanos, conceitos.


ENTRE FUSÕES E CONTRADICÕES, HISTORIA E MEMÓRIA: O CASO DA
RAINHA BERENGUELA (1180-1246)

Autora: Thaís Monique Costa Moura


Graduanda em História pela Universidade Federal de Sergipe
PIBICVOL
thais_monique30@hotmail.com

Orientador: Prof. Dr. Bruno Gonçalves Alvaro (DHI/UFS)

RESUMO:
Sendo uma das poucas mulheres a terem governado efetivamente em Castela, Berenguela
(1180-1246), permaneceu atuante politicamente até após abdicar seu reinado para Fernando III,
seu filho. Ela se manteve realizando diversas negociações e sendo figura-chave na
administração do reinado e nas escolhas do rei. Mesmo protagonizando uma posição de singular
evidência política, a historiografia mal realizou análises voltadas exclusivamente para suas
participações nas decisões do reino de Castela. Ou seja, quando houve ou há espaço para
Berenguela, continuadas vezes ela surge na sombra de Fernando III.A história de uma mulher
pode ser utilizada de diversas maneiras como forma de estabelecer ou arruinar discursos. Temos
observado, inicialmente, que dentre todos os modos de se relembrar do reinado da rainha e suas
atuações políticas, a alcunha de “rainha-mãe” seria a mais presente em suas reminiscências.
Contudo, quando se busca entender a vida da rainha em eixos não acadêmicos, tal narrativa se
apresenta de forma menos enviesada, mais aberta. Desse modo, essa comunicação terá como
objetivo estabelecer contato com as fusões entre história e memória a respeito da vida de
Berenguela.

Palavras-chave: Berenguela; História; Memória.


O PROJETO POMBALINO DE IMPOSIÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA
E A QUESTÃO DA DIVERSIDADE LINGUÍSTICA

Autor: Isaac Leandro Santos Ismerim


Graduando em Português-Inglês pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista CAPES do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID)
Voluntário do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC)
Voluntário do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Extensão (PIBIX)
ilsismerim@gmail.com

Coautora: Vitória Nascimento da Cruz


Graduanda em Português-Inglês pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista CAPES do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID)
Voluntária do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC)
nascimentoss1@outlook.com
Orientadora: Profa. Dra. Ana Lúcia Simões Borges Fonseca (DLES/UFS)

RESUMO:
À época pombalina, desenvolveu-se uma política educacional direcionada ao monolinguismo,
ou seja, direcionada à língua portuguesa como língua oficial e nacional. Com o Diretório dos
Índios, publicado em 03 de maio de 1757 e, posteriormente, transformado em lei por meio do
Alvará de 17 de agosto de 1758, no período colonial, edifica-se este monolinguismo, posto que
o uso da referida língua no Estado do Grão Pará e Maranhão, em detrimento da língua geral, de
base tupi, então utilizada, passa a ser obrigatório. A partir desta medida, no que concerne à
política linguística então implementada, observaremos uma completa ‘integração’ dos índios à
sociedade portuguesa. Insta ressaltar, no entanto, que além das línguas indígenas, a língua geral,
em detrimento do português, continuava a ser falada por muitos em várias regiões da colônia,
bem como as línguas africanas, que apesar de se apresentarem como empecilhos ao projeto de
unicidade do português, não foram objetos de uma política de extinção. Seguindo essa direção,
tivemos na história do país várias medidas de controle da diversidade linguística e, como é
recente discussão sobre uma política para a diversidade das línguas no Brasil, objetivamos
discutir, com esta proposta, a relevância da política imposta pelo Marquês de Pombal. Como
aporte teórico, utilizamos Maxwell (1996), Franco (2015), Oliveira (2010), Barbosa (2013),
dentre outros.
Palavras-chave: Diversidade Linguística; Política Educacional; Política Linguística;
Pombalismo
LEVANTAMENTO E ANÁLISE DOS BENS PATRIMONIAIS INVENTARIADOS
EM SERGIPE, 1800-1854

Autor: Fernanda Carolina Pereira dos Santos


Graduanda em História pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PIBIC/FAPITEC-SE
nanda.carolina01@gmail.com

Isabela Leite Santos


Graduanda em História pela Universidade Federal de Sergipe
Grupo de Pesquisa Mundo Atlântico e Colonização Portuguesa
Bolsista PIBIC/COPES
isaleite97@gmail.com

Orientador: Prof. Dr. Carlos de Oliveira Malaquias


RESUMO:
A presente pesquisa é um recorte dos relatórios de Iniciação Científica (2018-2019) e se debruça
sobre a composição da riqueza inventariada em Sergipe del Rey, na primeira metade do século
XIX. O objetivo deste trabalho é verificar a importância dos investimentos realizados para a
constituição dos patrimônios inventariados, no período de 1800-1854, observando as
transformações econômicas, sociais e políticas ocorridas no marco temporal. A documentação
compulsada foram os inventários post-mortem, documentos produzidos por ocasião do
falecimento de um indivíduo para formalizar a partilha entre seus herdeiros, que analisados
quantitativamente forneceram um panorama dos itens investidos de acordo com os níveis de
riqueza da sociedade oitocentista sergipana. A pesquisa permitiu visualizar características de
uma economia agropastoril, em que os escravos e bens de raiz foram os investimentos mais
expressivos, seguido do montante de empréstimos realizados e de endividamentos.

Palavras-chaves: Riqueza, Sergipe oitocentista e inventários post-mortem.


TERRA (COM)PARTILHADA: A TRAJETÓRIA DE UM ENGENHO NO VALE DO
VAZA-BARRIS (SÃO CRISTÓVÃO, 1833-1856)

Autor: Lucas Oliveira de Jesus


Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PIBIC (COPES/UFS)
lucas.olivercaldas@hotmail.com

Orientador: Prof. Dr. Carlos de Oliveira Malaquias (DHI/UFS)

RESUMO:
O ser senhor de engenho condicionava capital social, econômico, cultural e simbólico para
aqueles que detinham essa designação. No entanto, o trabalho de uma vida poderia se
despedaçar com a morte do senhor. Caso os filhos não fossem unidos, a partilha dos bens
poderia desestabilizar não só a produção, como a integridade do engenho. Partindo dessa
problemática, buscaremos nesse trabalho analisar a trajetória do Engenho Cahipe, entre 1833 e
1856, a partir da aquisição da propriedade pela família Leão e Castro até a partilha entre os
herdeiros. Utilizando a micro-história como método, reduziremos a escala em um engenho
localizado no vale do Vaza-Barris, num contexto de contestação de São Cristóvão como capital
provincial, devido a ascensão da Cotinguiba como principal região açucareira de Sergipe. Como
fontes históricas foram lidos e confrontados inventários post-mortem, registros paroquiais de
terras, livros de notas de cartório, além de fontes cartográficas e periódicas. Com base nesses
documentos históricos foi possível identificar como a partilha do Engenho Cahipe resultou na
desestruturação do imóvel mediante a desunião dos herdeiros Leão e Castro. Assim, pôde-se
compreender como a dinâmica intrafamiliar poderia alterar a estrutura da propriedade. Por fim,
este trabalho tem a intenção de contribuir para a História Social da Propriedade de Sergipe, em
seu período provincial.

Palavras-chave: História Social da Propriedade; Sergipe Oitocentista; Engenho Cahipe.


DICOTOMIAS NA REPRESENTAÇÃO DO MARQUÊS DE POMBAL: UM ESTUDO
ACERCA DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA DA UFS

Autora: Nayara Stefanie Mandarino Silva


Graduanda em Letras Português-Inglês pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PIAEX (PROEX/UFS) e voluntária PICVOL
nayaramandarino@hotmail.com

Orientadora: Profª. Drª. Elaine Maria Santos (DLES/UFS)

RESUMO:
De 1750 a 1777, Portugal foi governado pelos absolutistas esclarecidos rei D. José I e por
Sebastião José de Carvalho e Melo que, em 1769, recebeu o título de Marquês de Pombal
(SANTOS, 2010). Esse período é conhecido como o pombalismo ou liberalismo português e
ocorreu concomitantemente ao iluminismo português, caracterizado pela sua essência cristã e
católica, além de progressista, humanista, reformista e nacionalista. Esse período histórico foi
marcante devido às mudanças no que concerne à educação e à estruturação do Estado, que
tiveram efeitos nos anos seguintes, tanto em Portugal, quanto em suas colônias, incluindo o
Brasil (CARVALHO, 1978). O Marquês de Pombal era implacável e agiu, muitas vezes, com
violência para atingir seus objetivos. Por isso, ele é uma figura emblemática que divide os
estudos históricos entre os que o admiram e os que o desprezam – filopombalistas e
antipombalistas, respectivamente. Considerando-se a necessidade de renovar os estudos
pombalinos, José Eduardo Franco, Pedro Calafate e Viriato Soromenho-Marques, do CLEPUL
(Portugal) propuseram o levantamento das obras escritas por ou sobre o Marquês de Pombal. O
projeto “O Marquês de Pombal e a Instrução Pública” (PIBIC/UFS) visa, entre outros objetivos,
contribuir com o alcance desse propósito. Alinhado a esses projetos, esse trabalho almeja
levantar dados acerca da produção sobre o pombalismo na UFS e analisar como essa figura é
representada.

Palavras-chave: Marquês de Pombal; pombalismo; UFS.


HISTÓRIA E MEMÓRIA: A CONSTRUÇÃO DAS NARRATIVAS A RESPEITO DA
DITADURA CIVIL MILITAR NO BRASIL

Autora: Taís Danielle Alcântara de Araújo Silva


Mestranda em História pela Universidade Federal de Sergipe
tais.historia-ufs@hotmail.com

Coautora: Maria Aline Matos de Oliveira


Mestranda em História pela Universidade Federal de Sergipe
aline_hist2010@hotmail.com

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Célia Costa Cardoso (DHI/PROHIS/UFS)

RESUMO:
O presente artigo tem o objetivo de apresentar algumas definições e diferenciações a respeito
dos conceitos e dos usos da História e da Memória no campo das ciências humanas. A partir de
um segundo momento, analisar a construção das narrativas históricas e das narrativas
memorialísticas, trazendo a análise para as construções existentes a respeito do regime militar
brasileiro. Um regime que perdurou por vinte e um anos e que nos dias atuais ainda é um assunto
de repercussões, nos campos da cultura, da política e da sociedade, dentre outros. O trabalho é
um estudo de caráter teórico e metodológico, que pretende contribuir para o melhor
entendimento em torno da questão da escrita e da apropriação da História e da Memória do
período da ditadura civil-militar. Pois se tratando tanto da narrativa histórica, comprometida
com o caráter científico, quanto da narrativa memorialística, baseada em parâmetros do presente
dos indivíduos e da sociedade, existem questões a serem observadas e pontuadas.

Palavras-chave: História; Memória; Ditadura.


A NARRATIVA TRANSMÍDIA EM 13 REASONS WHY: UMA ANÁLISE ATRAVÉS
DOS PARATEXTOS DA SÉRIE

Autora: Ana Carolina Souza de Oliveira


Mestranda em Cinema pela Universidade Federal de Sergipe
anacarolina.sdo@gmail.com

Orientadora: Prof.ª. Dr.ª Tatiana Aneas (PPGCINE/UFS)

RESUMO:

A presente pesquisa propõe analisar a narrativa transmídia na série 13 Reasons Why (2017),
produção original Netflix, através dos seus paratextos. A obra norte-americana, adaptada do
livro homônimo (2017) abordou o suicídio na adolescência e desencadeou a atenção sobre a
temática na mídia com perspectivas distintas sobre as escolhas narrativas para tratar do
fenômeno, gerando produtos desenvolvidos para orientar sobre a história tanto pelo canon
(instância da produção institucional) quanto pelo fandom (instância da comunidade de fãs) da
série. Neste recorte, o foco será a abordagem dos paratextos através dos conceitos definidos por
Jason Mittell (2015), cuja ênfase nos estudos aborda a complexidade narrativa na televisão, em
especial narrativas seriadas, e as possibilidades de criação desses conteúdos paratextuais em
um espaço que demanda, cada vez mais, a compreensão tanto do universo diegético quanto não-
diegético das obras audiovisuais. Com essa pesquisa, pretendemos contribuir para os estudos
da narrativa transmídia e sua riqueza de abordagens científicas no campo da comunicação e
áreas afins.

Palavras-chave: Narrativa Transmídia; Paratextos; Ficção Seriada; 13 Reasons Why.


A SABEDORIA DE VIDA E O CARÁTER

Autor: Laiane de Almeida


Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista: PIBIC/COPES
laiannea3@gmail.com

Orientador: Prof. PhD. Bruno Martins Machado (DPS/UFS)

RESUMO

O texto aqui apresentado é o resultado final de uma pesquisa em andamento, cujo objetivo geral
é estudar a ética schopenhauriana a partir da doutrina das “Triebfedern”. Schopenhauer,
considerado um dos primeiros representantes da filosofia da vida, elabora sua teoria ética com
duas faces, uma metafísica e outra prática. Esta última é produzida como uma eudemonologia
eufemística. A partir da noção de sabedoria de vida, ele apresenta conselhos e máximas para
conduzir a vida da maneira mais feliz possível. Para tanto, serve-se do imperativo délfico
"Conhece a ti mesmo" - está em jogo conhecer os limites da própria individualidade por meio
do caráter adquirido. Trata-se de uma metafísica imanente, na qual o homem, olhando para si
mesmo, pensando sobre a vida, vê sua própria natureza e o significado do mundo, podendo
então, por meio do autoconhecimento de sua condição, modificar o percurso pelo qual a vontade
se manifesta. Tal seria a contribuição para o alívio dos sofrimentos do indivíduo face aos
desígnios da vontade e a inalterabilidade do caráter.

Palavras-chave: Schopenhauer; eudemonologia; sabedoria de vida; ética.


“O MAIOR PERIGO DO MUNDO”: A “INDÚSTRIA” DO ANTICOMUNISMO
SIMÃO DIAS- SE (1937-1946).

Autora: Pricila Neves dos Santos


Mestrando em História pela Universidade Federal de Sergipe.
pricilamicaella2010@gmail.com

Orientadora: Prof. Dra. Edna Maria Matos Antonio (PROHIS/UFS).

RESUMO:
O referido artigo tem como propósito analisar as manifestações de caráter político presente no
jornal A Luta munícipio de Annapolis atual Simão Dias- SE (1937-1946), especificadamente
no que se refere à questão da luta anticomunista, propalada pela marcha dos Camisas Verdes
movimento esse que foi criado pela Ação Integralista Brasileira, com o objetivo de criar uma
barreira sólida contra os comunistas. Declaravam-se, ainda, anticomunistas e contrários ao
cosmopolitismo e aos regionalismos. O lema difundido – “Deus, Pátria e Família” – fazia alusão
ao papel da família como base da organização social, indispensável à defesa dos valores e da
moral cristã. Compreendendo a expansão do movimento e sua queda após a promulgação do
Estado Novo. Então, pretende-se aqui entender dois momentos cruciais, o primeiro como
Ditatorial com o golpe de estado por Getúlio Vargas e o segundo como Redemocratização do
Brasil, este último quando as ideias da AIB são retomadas através do Partido de Representação
Popular (PRP) criado por Plínio Salgado e a legalização do Partido Comunista do Brasil (PCB)
tendo como líder Carlos Prestes.

Palavras-chave: Anticomunismo; Integralismo; Imprensa; Política.


CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FIGURA DO MONSTRO NOS FILMES “O
LABIRINTO DO FAUNO” (2006) E “SETE MINUTOS DEPOIS DA MEIA-NOITE”
(2016)

Autor: Rodrigo Matos da Silva Gonçalves


Graduando em Letras – Português e Inglês pela Universidade Federal de Sergipe
matossgrodrigo@gmail.com

Coautor: Mariana de Sousa Loureiro


Graduanda em Letras – Português e Inglês pela Universidade Federal de Sergipe
Marianaloureiro08@hotmail.com

Orientador: Prof. Me. Flávio Passos Santana (DLEV/UFS)

RESUMO:
Neste artigo propomos um estudo da construção social e literária da figura do monstro, com
foco em dois filmes específicos – O Labirinto do Fauno (2006), de Guillermo del Toro, e Sete
Minutos Depois da Meia-Noite (2016), de J. A. Bayona – que trazem criaturas atípicas em
formato de monstros consolidados no imaginário popular, e que, como defendido por Haraway
(2000), carregam consigo um significado maior do que se é visível. Além disso, levando em
consideração as reflexões de Junior (2007), esses monstros estão associados à abordagem de
temas políticos e psicológicos de alta relevância e reflexão para a sociedade, assim como para
a memória coletiva. Desse modo, analisaremos a definição do monstro e os estereótipos que
essas figuras carregam consigo desde o seu surgimento, quando sua representação era
unicamente transgressora e marginal até os dias atuais que mostram tais figuras não mais a
partir de um ponto de vista dual, mas sim de forma descontruída em que a divisão entre bem e
mal já não se mostra tão presente e necessária. Como arcabouço teórico e metodológico nos
respaldaremos em Jeha (2007), Quiroz (1991), Quinteiro (2006) e outros de igual relevância.

Palavras-chave: Monstro; Cinema; Construções sociais.


A MORTE ESPETÁCULO: UMA HISTÓRIA CULTURAL DA MORTE EM SÃO
CRISTÓVÃO/SE (1845-1855)

Autor: Willames de Santana Santos


Graduando em Hisória pela Universidade Federal de Sergipe
Willames1918@gmail.com

Orientador: Prof. Dr. Hippolyte Brice Sogbossi (DCS/UFS)

RESUMO:
A morte sempre se configurou um problema para o homem. Talvez, essa seja a maior distinção
entre homem e animal, a consciência do fim. A partir da incompreensão da morte o homem
criou ao longo dos séculos alegorias para lidar com ela. No Ocidente do século XVIII vigorava
o estilo barroco de morrer. Entretanto, as práticas do morrer estavam por modificar-se. Em
Sergipe, entretanto, os mortos coabitariam com os vivos por mais tempo. Em uma análise dos
Relatórios de Presidente Província, notou-se que a classe política sergipana somente passou a
preocupar-se com os sepultamentos a partir de 1845. Antes, nenhuma menção às inumações
ocupavam os relatórios. Tampouco medidas legislativas para o afastamento. As aspirações
ficariam apenas no papel por dez anos até concretizar-se. O cholera morbus havia chegado à
província, deixou vítimas em todas as partes. As igrejas não comportavam tantos corpos. A
mudança teve que acontecer. Daí em diante, os mortos estariam temporariamente afastados de
dentro das igrejas. Anos depois, retornariam. Tanto pela resistência do povo em abandonar suas
práticas, quanto pela falta de cemitérios. Assim, pretende-se analisar as representações da morte
em São Cristóvão entre o período que inaugura os debates sobre a transição dos enterramentos
das igrejas para cemitérios e, o limiar da decadência da morte espetáculo na província.

Palavras-chave: morte, religiosidade popular, São Cristóvão.


PALATALIZAÇÃO DO /S/ NA FALA DE UNIVERSITÁRIOS DA UFS/ITABAIANA

Autora: Cósmia Karine Vieira Borges


Graduanda em Letras Português pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PIBIC (CNPq/UFS)
karinevieiraborges@hotmail.com

Orientadora: Prof. Ma. Josilene de Jesus Mendonça (PPGL/UFS)

RESUMO:
A realização do /S/ em coda é um fenômeno variável no português brasileiro, podendo ser
realizado de forma palatal [ʃ, ʒ], alveolar [s, z] e glotal [h, ɦ], como também ser apagado [ø] em
posição final de palavra. Objetivamos analisar a palatalização do /S/ na fala de universitários
da UFS/Itabaiana, considerando fatores linguísticos e sociais. A partir dos pressupostos teórico-
metodológicos da Sociolinguística Variacionista (LABOV, 2008), realizamos 54 entrevistas
sociolinguísticas com estudantes do Campus professor Alberto Carvalho, estratificados quanto
ao sexo/gênero, ao deslocamento geográfico e ao período do curso. Os resultados evidenciam
que a realização palatal na fala dos universitários é condicionada pelo contexto linguístico das
oclusivas alveodentais [t, d]. Os resultados também mostram que o traço desvozeado, a posição
medial de palavra, as sílabas tônicas e pretônicas, as palavras das classes gramaticais verbo e
substantivo e o valor não morfêmico da coda favorecem a palatalização do /S/ na comunidade
de prática UFS/Itabaiana.

Palavras-chave: Sociolinguística; Variação; Palatalização do /S/; UFS/Itabaiana.


A MONOTONGAÇÃO DE DITONGOS DECRESCENTES NA FALA DE
ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS

Autora: Damiana Karina Vieira Borges


Graduanda em Letras Português pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PICVOL (UFS)
karina-britney22@hotmail.com
Orientadora: Profa. Ma. Andréia Silva Araujo (PPGL/UFS)

RESUMO:
O fenômeno da monotongação consiste na redução de ditongos - sejam estes decrescentes
(touca – tôca), crescentes (árduo – árdu) ou nasais (passagem – passagi) - a apenas uma vogal.
No presente trabalho, objetivamos analisar quais fatores linguísticos e sociais influenciam na
redução de ditongos decrescentes na fala de universitários. Para tanto, à luz da Sociolinguística
Variacionista (WEINRICH; LABOV; HERZOG, 2006; LABOV, 2008), realizamos 54
entrevistas com estudantes da Universidade Federal de Sergipe, Campus Prof. Carvalho -
Itabaiana/SE. Os fatores controlados para a realização da análise foram: i) linguísticos – classe
de palavra, contexto fonológico precedente, contexto fonológico posterior, extensão da palavra
e tonicidade; e ii) sociais – sexo, deslocamento social e período do curso. Os fatores linguísticos
que mais favoreceram a monotongação foram: classes de palavras - numerais, pronomes, verbos
(o ditongo /ow/) e nos advérbios; contexto fonológico precedente, com exceção dos pontos de
articulação alveolar e alveopalatal; contexto fonológico posterior, exceto os pontos de
articulação alveodental e vogal; extensão da palavra, com a ressalva das polissílabas; e
tonicidade - contexto tônico. No que concerne aos fatores sociais, em termos gerais, estes não
se mostraram condicionantes. Dessa forma, podemos concluir que o fenômeno da
monotongação de ditongos decrescentes na fala de universitários é frequente e, de forma geral,
condicionado por fatores linguísticos.

Palavras-chave: Monotongação; Sociolinguística; Produção linguística.


O ANTIPOMBALISMO DAS FAMÍLIAS NOBRES PORTUGUESAS: O CASO DOS
TÁVORAS

Autora: Émmerly Karoline Nascimento Dantas Leite (PPGED/NEC-UFS)


Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista CAPES
emmerlyk@hotmail.com

Co-autor: João Gabriel Souza Teles


Graduando em Português-Inglês pela Universidade Federal de Sergipe
Voluntário em Projeto de Iniciação Científica
jaoteles563@gmail.com

Orientador: Prof. Dr. Luiz Eduardo Meneses de Oliveira (DLES/UFS)

RESUMO:
O presente artigo visa tratar a respeito da aversão que existia por parte das famílias nobres
portuguesas para com o então primeiro ministro de Portugal, Sebastião José de Carvalho e
Melo, ou como ficou marcado na história, o Marquês de Pombal. Em razão de experiências
anteriores, Pombal utilizou uma política severa e cruel com parcelas da sociedade portuguesa,
em especial com os de “sangue azul”, sendo os Távora a família de nobres mais atingida pelas
arbitrariedades pombalinas. Em relatos trazidos pelo próprio Marquês para justificar suas
sentenças, este afirmou que as tentativas de assassinato que o monarca D. José I outrora sofrera,
em 1758, foram articuladas pelos Távoras em uma tentativa de tomar o poder. Em decorrência
disso, a consequência foram a execução pública em Belém de alguns membros, entre eles,
crianças e prisão de outros. Essa rixa entre Pombal e a nobreza foi alimentada durante todo o
período do seu governo (1750- 1777), chegando ao fim quando a nova rainha, Maria I assume
o trono e afasta Sebastião José de Carvalho e Melo das suas funções, restaurando o poder dos
Távora como família nobre portuguesa. Utilizamos como aporte teórico da presente pesquisa
Oliveira (2010, 2015) com vistas a identificar o antipombalismo presente no período joselino.

Palavras-chaves: antipombalismo, távoras, portugal, d. josé I.


TECNOTRILHOS - JOGO HISTÓRICO DE TABULEIRO E TRILHOS
AERODINÂMICOS

Autor: Julia Beatriz Silva Vicente Chaves


Graduanda em História pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PIBITI/UFS/CINTTEC
juliab.chaves@outlook.com

Orientador: Prof.ª Dra. Janaina Cardoso de Mello (ProfHistória/DHI-UFS)

RESUMO:
O projeto, em fase inicial, objetiva aliar a relevância das ferrovias ao ensino da História
sergipana e do patrimônio cultural urbano (SILVA, 1920; FRANÇA, 1999). Em questão, o
trabalho envolve a necessidade de suprir a carência da educação histórica de Sergipe, de forma
lúdica e criativa (CAINELLI, 2006), promovida a partir da percepção de uma relação intrínseca
da desvalorização da malha ferroviária sergipana e do ensino da história. Através da criação e
do desenvolvimento de um jogo de tabuleiro busca-se efetivar o ensino da história
(CARÍSSIMI, 2017) a partir do conhecimento das ferrovias e da história dos bairros instigando
a aprendizagem efetiva dessa área. A metodologia qualitativa proposta compreende capacitação
tecnológica (Edutech 4.0), elaboração do tabuleiro (design e trilhos), pesquisa de dados em
arquivos e hemerotecas, criação e alimentação do banco de dados com informações interativas
via QR Codes, programação tecnológica (arduíno), aplicação do jogo de tabuleiro em escolas
e, por fim, elaboração de relatório de solicitação de patente. Tendo em vista o processo, o
projeto, sua produção e sua disseminação, pretende-se impulsionar socialmente um interesse
didático pela História.

Palavras-chave: sergipana; malha-ferroviária; tabuleiro; história.


HISTÓRIA & SMART CULTURAL TOUR - PESQUISAS SOBRE APP DO
PATRIMÔNIO MUNDIAL

Autor: Luan Felipe Silva dos Santos


Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PIBIC/CNPq
luan.lfss12@gmail.com

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Janaina Cardoso de Mello (ProfHistória/DHI-UFS)

RESUMO:
O projeto visa os benefícios que os aplicativos turísticos, para smartphone, podem trazer para
os visitantes na divulgação de notícias, pontos turísticos, serviços, cultura e história dos lugares.
A cidade trabalhada neste projeto é São Cristóvão-SE, com grande valor simbólico no estado
(ANDRADE, 2016). Como atrativos: a Praça São Francisco, reconhecida pela UNESCO como
patrimônio mundial em 2010, mas também existem outros pontos, como a Igreja e Convento
de São Francisco, o Museu de Arte Sacra, Museu Histórico de Sergipe, dentre outros
(ABADIA; BARROCO, 2012). Levando-se em consideração a importância dos aplicativos
turísticos, propõem-se metodologicamente as etapas: 1) Pesquisar, classificar e categorizar os
apps turísticos para smartphones direcionados ao Patrimônio Mundial; 2) Entender como os
apps turísticos para smartphones estão capacitando e encorajando os turistas no
compartilhamento de informações sobre os roteiros culturais e seus efeitos sobre o Patrimônio
Mundial e 3) Definir modelos operacionais para Destinos Turísticos Inteligentes (DTI) em
sítios de Patrimônio Mundial brasileiros, em especial, São Cristóvão (DENKER, 1998;
GRETZEL, 2011). Salienta-se as leituras: UNESCO World Heritage Centre. 2012. Operational
Guidelines for the Implementation of the World Heritage Convention; UNESCO, ICCROM,
ICOMOS and IUCN. 2010. Managing Disaster Risks for World Heritage. Paris: UNESCO
World Heritage Centre. (World Heritage Resource Manual).

Palavras-chave: Patrimônio; Aplicativos Turísticos; São Cristóvão.


ASPECTOS ARGUMENTATIVOS E PERSUASIVOS DEPREENDIDOS DE VÍDEOS
DA YOUTUBER JOUT JOUT

Autor (a): Rejane Souza Santos


Graduanda em Letras Universidade Federal de Sergipe
Bolsista Voluntário (PIBIC)
rejsstos@hotmail.ccom

Coautor: Ednalva Bezerra da Silva Teixeira


Graduando em Letra-Português e Francês
Universidade Federal de Sergipe
Bolsista Voluntário (PIBIC)
ednalvabst@hotmalil.com

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Isabel Cristina Michelan de Azevedo (DLEV/UFS)

RESUMO:
Este trabalho faz uma análise de dois vídeos de Julia Tolezano, jornalista, escritora e vlogueira,
por ser considerada uma influenciadora digital, com imenso sucesso entre os jovens desde 2014,
por meio do canal no Youtuber “Jout Jout Prazer” – que aborda diversas temáticas, como, por
exemplo: amor próprio, relacionamento abusivo, entre outros, conseguindo atingir um número
expressivo de seguidores dentro do universo interativo –, a fim de observar como as dimensões
retóricas, interacionais e afetivas da argumentação se fazem presentes na comunicação
compartilhada em espaço digital. Esta pesquisa documental (GIL, 2002) considera o dinamismo
e a interatividade da youtuber como figura de comunhão e presença, segundo a Nova Retórica,
e discute os efeitos provocados pelo uso de alguns recursos argumentativos na interpelação do
auditório. Os resultados preliminares apontam que, de acordo com um viés multidimensional
da argumentação (GRÁCIO, 2013; AZEVEDO e SANTOS, 2018), o discurso modifica
crenças, convicções, pontos de vista e provoca a adesão de um amplo público por meio dos
vídeos produzidos regularmente. Também foi possível observar que o orador explora variados
elementos suprassegmentais e acionais para alcançar seus objetivos comunicacionais. Com esse
estudo espera-se contribuir com o entendimento da articulação entre o perspectivismo e a
argumentação no campo midiático e nos estudos da retórica.

Palavras-chaves: Perspectivismo; Retórica da imagem; Multimodalidade.


SMART CULTURAL TOUR – APP GESTÃO DE TECNOLOGIAS E HISTÓRIA
PARA A PRAÇA SÃO FRANCISCO (SE)

Autor: Romero Romulo da Silva Júnior


Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Bolsista PIBIC/Copes-UFS
romerohist@hotmail.com

Orientadora: Prof. Dra. Janaina Cardoso de Mello (ProfHistória/DHI-UFS)

RESUMO:

O trabalho aborda a preservação da memória histórica e cultural em sítios de patrimônios


culturais - em especial a Praça São Francisco, em São Cristóvão (SE), chancelada pela
UNESCO - através da tecnologia. O advento de ferramentas tecnológicas - como aplicativos -
possibilita a transmissão mais efetiva de conhecimentos entre os tempos, visto que a tecnologia
atualiza a memória histórica no processo de preservação e comunicação com os sujeitos do
presente (RODRIGUES, 2016). Estima-se o desenvolvimento e a disponibilização de um
aplicativo com informações históricas capaz de estimular a população local à salvaguarda, à
gestão compartilhada, despertando o sentimento de identificação, pertencimento com os bens
culturais e também atrair e orientar os visitantes (UNESCO, 2011). Ampliando, assim, a
competitividade turística da região. Objetiva-se ainda a democratização do conhecimento
histórico da região por meio virtual, potencializando o turismo e o resguardo do patrimônio
cultural. A metodologia do App compreende: a) preparação (noção do produto e da captação
de dados para alimentação do software); b) incorporação (demandas dos usuários e arquitetura
do software); c) desenvolvimento (criação do app na plataforma Unity Engine); d) testes
(usabilidade – acesso, funcionamento de plugins, velocidade, quantidade de memória para
download, inteligibilidade, interatividade, identificação e correção de erros); e)
disponibilização (download em lojas virtuais e/ou acesso via QR Codes).

Palavras-chave: história; patrimônio cultural; tecnologia


A PESQUISA-AÇÃO COMO MÉTODO DE PESQUISA DA LINGUÍSTICA – O
CASO DO ISF-UFS

Sanmires Santos Souza


Graduando em Letras- Inglês pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PIAEX (Proex - UFS)
sanmiressouza@gmail.com

Orientadora: Prof. Dr. Elaine Maria Santos (DLES/UFS)

RESUMO:
O presente trabalho tem por objetivo abordar a teoria da pesquisa-ação enquanto método de
pesquisa da linguística no contexto do programa Idiomas sem Fronteiras (IsF), no Núcleo de
Línguas – Inglês da Universidade Federal de Sergipe (UFS). A princípio, apresentaremos um
breve histórico do programa IsF na UFS, destacando o desenvolvimento e contribuições do
programa para a universidade. Em seguida, discorreremos sobre o panorama teórico da
pesquisa-ação como método de construção de conhecimento, especialmente aplicado à área do
ensino de línguas. Logo após, será feita uma breve explanação sobre o pós-método, concepção
teórica defendida pelo teórico Kumaravadivelu (1994), que defende que o professor deve
teorizar sobre a própria prática e praticar a própria teoria. Por fim, faremos um levantamento
dos trabalhos publicados sobre o IsF focados na concepção do pós-método, a partir da
perspectiva da pesquisa-ação, de modo que seja possível identificar os passos dessa
metodologia nos trabalhos analisados. Espera-se, com esse artigo, demonstrar o modo pelo qual
a pesquisa-ação deve ser vista como método de pesquisa legítimo, na conjuntura em que o
programa IsF vem sendo desenvolvido na UFS.

Palavras-chave: Pesquisa-ação; Idiomas sem Fronteiras; Inglês.


ANÁLISE DE CURSOS ONLINE DESTINADOS AO ENSINO DE PORTUGUÊS
COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA/ADICIONAL

Autor: Ana Alba Nascimento Palmeira


Graduanda em Letras Português e Inglês pela Universidade Federal de Sergipe
aninhaalba6789@gmail.com

Coautor: Milena Barreto Lira


Graduanda em Letras Português e Inglês pela Universidade Federal de Sergipe
lira.milena72@gmail.com

Orientadora: Profa. Dra. Isabel Cristina Michelan de Azevedo (DLEV/UFS)

RESUMO:
Este trabalho discute a pesquisa de graduandas de Letras que participam do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, com o objetivo de propiciar a análise
comparativa dos planos de curso de duas escolas de idioma que oferecem o curso de português
para estrangeiros, visando à delimitação de aspectos sociais e culturais. Ao partir dos estudos
de Gottheim (2007), compreende-se a importância da inclusão de focos sociais e culturais
(crenças e memórias) depreendidos dos materiais utilizados durante o processo de ensino-
aprendizagem desse idioma. Ademais, esta comunicação tem por propósito verificar os
conteúdos selecionados para um curso online de PLE/PLA, bem como os possíveis problemas
de compreensão leitora e os relativos ao uso da língua na comunicação, a fim de obter dados
que permitam entender o que está sendo destacado quando se pretende alinhar as práticas
pedagógicas a temáticas sociais/culturais e ainda observar os pontos coincidentes encontrados
em um curso presencial, localizado em Aracaju. Por meio de uma pesquisa documental
(GIL,2002), de caráter qualitativo e viés interpretativista (ERICKSON, 1986), esperamos obter
resultados que indiquem quais pontos relativos à formação social e histórica da população
brasileira estão sendo privilegiados, o que permite identificar o perfil do ensino de PLE/PLA.

Palavras-chave: PLE/PLA; ensino de línguas; interculturalidade.


IMPLEMENTAÇÃO DA BNCC NAS ESCOLAS DO MUNICÍPIO DE
MACAMBIRA/SE

Autora: Jailma Cabral de Souza


Graduanda em Letras Português pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PIBIC (COPES/UFS)
Souza-jailma@hotmail.com

Orientador: Prof. Dr. Paulo Sérgio Marchelli (DEDI/UFS)

RESUMO:
Esta pesquisa propõe analisar, observar e discutir sobre a implementação da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) e o ensino de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental em
escolas do município de Macambira no Estado de Sergipe – São elas, a Escola Municipal
Cecílio Eugênio Alves e o Colégio Estadual Marcolino Cruz Santos. Ademais, discutir no
contexto das teorias educacionais e dos documentos oficiais, que dizem respeito ao objeto
estudado. A BNCC é o documento oficial que rege a educação básica – na Educação Infantil,
no Ensino Fundamental e Ensino médio, buscando diminuir as desigualdades através de um
projeto que possibilitaria uma educação mais igualitária, no que se refere ao ensino. Durante a
pesquisa, fizemos entrevistas em forma de questionários escritos, dos quais podemos observar
que os professores e demais gestores ainda não estão tão habituados com o texto base e que as
dificuldades em o utilizar são enormes, principalmente pelo fato de que os professores não
participaram da produção do documento. Porém, todos os envolvidos estão esforçando-se para
se adequarem à sua implementação e atenderem dentro do prazo estabelecido pelo Ministério
da Educação (MEC) os objetivos a serem atingidos.

Palavras-chave: Educação; BNCC; Ensino; Língua Portuguesa.


O PIBID NA PRÁTICA DOCENTE: UMA ABORDAGEM TRANSVERSAL

Autora: Jaqueline de Farias dos Santos


Graduanda em Letras – Português e Espanhol pela Universidade Federal de Sergipe
kynha.1108jfs@gmail.com
Coautora: Jessica Almeida dos Santos
Graduada em Letras – Espanhol pela Universidade Federal de Sergipe
codinome.almeida@gmail.com
Orientadora: Prof.ª. Dr.ª Joyce Palha Colaça (DLES/UFS)
RESUMO:
Este trabalho tem o objetivo de apresentar a oficina realizada no Programa Institucional de
Iniciação à Docência (PIBID), no Colégio Estadual Professor Arício Fortes. A oficina foi
aplicada no mês de janeiro de 2017, para a turma do 3º ANO B. Para sua produção, utilizamos
documentos norteadores da educação como a Base Nacional Comum Curricular Orientações
Curriculares do Ensino Médio (2006) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (2000), seguindo
fundamentos do patrono da educação, Paulo Freire (1987), de Paraquett (2009) e Baptista
(2014), pensamos no tema “las vestimentas” e incorporamos a transversalidade do problema
social da cultura do estupro. Com a aplicação da oficina, foi possível compreender como esse
tema é presente no cotidiano dos alunos, a partir dos debates e participações dos estudantes
notamos seu conhecimento sobre o tema e as questões referentes ao conteúdo abordado, e como
essa cultura é tão frequente no meio em que eles vivem. Diante disso percebemos como foi
fundamental a aplicação dessa oficina para desenvolver o posicionamento crítico dos alunos,
pois conseguimos deixar claro que a culpa nunca é da vítima e que nenhuma vestimenta
determina e\ou justifica a violência que milhares de mulheres passam todos os dias, apenas por
nascerem mulheres. Por fim, podemos afirmar que o resultado não poderia ter sido melhor, pois
possibilitou um ensino significativo que tem a língua como base, mas não com seu único fim.

Palavras-chave: Língua espanhola; vestimentas; cultura do estupro e educação


problematizadora.
O IMPACTO DAS DIFERENTES FORMAS DE ENSINAR NAS ESCOLAS
PÚBLICAS DIANTE DO CONTEXTO SOCIAL E SUAS DIVERGÊNCIAS NO
SÉCULO XXI.

Autor: Marcos Henrique de Oliveira Santos

Graduando em Letras Espanhol pela Universidade federal de Sergipe.

Rickoliver813@gmail.com.

Orientadora: Profa. Me. Lara Emanuella da Silva Oliveira (DLE/UFS).

RESUMO:
A presente pesquisa versa sobre as diferentes formas de ensinar diante do contexto social nas
escolas públicas brasileiras e consigo descortinar uma abordagem à vista das divergências que
comprometem de forma ativa na atualidade fazendo menções as teorias da área da psicologia.
A pesquisa terá como ponto primordial o estudo das diferentes formas de interelações dos
conteúdos educacionais, partindo para a crítica de teorias que se tornam presentes, mas que não
contribuiu e não contribui ainda de forma completa na compreensão dos conteúdos fazendo
assim, uma correlação com o exterior do discente levando em consideração as transformações
sociais e que tangem essa assimilação factual. Em consequência disso, é questionável a
universalidade da educação e os seus níveis de aperfeiçoamento do senso critico do alunado,
pois segundo Piaget “O principal objetivo da educação é criar pessoas capazes de fazer coisas
novas e não simplesmente repetir o que outras gerações fizeram”. Primordialmente no governo
de José Sarney em 1988, surgiram propostas educacionais que visavam uma amplitude e
melhoria nas formas de ensinar, através da aprovação da Constituição Federal, ativando assim
a redemocratização do Brasil. Entretanto, a prática educacional pouco sofreu alterações até
hoje. Na qual é sustentada por um ensino behaviorista de Skinner, em que o ensino é moldado
de acordo com estímulos e respostas, onde o aluno acaba tornando-se passivo e mecanicista do
ensino.

Palavras-chaves: educação; formas de ensinar; impacto social.


ENSINAR E INTERNACIONALIZAR: CONTRIBUIÇÕES DO PROGRAMA
IDIOMAS SEM FRONTEIRAS

Autora: Nayla Raquel Santos Corrêa


Graduanda em Letras Português-Inglês pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista CNPq
raquelnayla9@gmail.com

Coautora: Juliana Santana Matos Santos


Graduanda em Letras Inglês pela Universidade Federal de Sergipe
Voluntária PIBIC/UFS
julianamatos1999@hotmail.com

Orientadora: Prof. Dra. Elaine Maria Santos (DLES/UFS)

RESUMO:

O programa Inglês sem Fronteiras foi instituído com a portaria nº 1.466 de 19 de dezembro de
2012, com o intuito inicial de auxiliar o Ciência sem Fronteiras na capacitação dos participantes
que pleiteavam uma vaga nos programas de mobilidade acadêmica para países anglófonos.
Assim sendo, as ações iniciais do IsF giravam em torno da aplicação do TOEFL ITP, por ser
este um exame de proficiência aceito nas referidas instituições de ensino. Nos anos seguintes,
o programa passou por algumas reformulações que acresceram nos seus objetivos, a citar a
Portaria nº 30 de 28 de janeiro de 2016. Apenas após essa alteração, passou-se a falar sobre
formação docente como um dos desígnios do IsF. Outrossim, dentre as principais metas do
programa, destaca-se o desenvolvimento de políticas que fortaleçam a internacionalização no
ensino superior. Diante do exposto, o presente artigo tem como objetivo analisar as portarias e
demais documentos relacionados ao IsF, destacando os três principais pilares identificados nos
objetivos das portarias do programa: desenvolvimento linguístico, formação de professores e
internacionalização. Os achados da pesquisa nos permitem perceber que todas as ações do IsF
estão regulamentadas nos documentos, e que as referências à internacionalização, pela
quantidade e relevância, acabam por nortear os trabalhos feitos na área de ensino e de formação
de professores.

Palavras-chaves: Idiomas sem Fronteiras, Internacionalização, Formação de Professores,


Desenvolvimento linguístico.
IDENTIDADE E PERTENCIMENTO NAS FALAS DE ESTUDANTES EGRESSOS
DO COLÉGIO DE APLICAÇÃO

Autor: Rafaela Cravo de Melo


Graduanda em História pela Universidade Federal
Bolsista PIBIC (CNPq/UFS)
rafaelacravomelo@gmail.com

Orientador: Prof. Dr Joaquim Tavares da Conceição


(CODAP/PPGED/PROFHISTÓRIA/UFS)

RESUMO:
Esta pesquisa teve como objetivo o desenvolvimento de atividades investigativas para a
produção, organização e análises preliminares, de um conjunto de relatos orais a respeito do
Colégio de Aplicação através da narrativa de estudantes egressos que fizeram parte da história
do colégio, no período de 1960 a 1995. O material coletado integra o repositório de
documentação audiovisual do Centro de Pesquisa Documentação e Memória do Colégio de
Aplicação da Universidade Federal de Sergipe (Cemdap). Foi utilizada a metodologia da
“história oral instrumental” (MEIHY, 2011) para a coleta de relatos orais de estudantes egressos
do Colégio de Aplicação. As “memórias” foram coletadas através da técnica da entrevista
dirigida com a utilização de um roteiro, confeccionado a partir das evidências históricas
preliminarmente encontradas em documentos escritos ou em relatos orais anteriores. Os
levantamentos ocorreram com estudantes egressos do Colégio de Aplicação no período de
1959, ano da fundação do Ginásio de Aplicação da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe,
até o ano de 1996, quando ocorreu a transferência e funcionamento do colégio para a Cidade
Universitária Prof. José Aloísio de Campos (São Cristóvão-SE). A pesquisa resultou na
produção de 27 gravações de entrevistas, em formato audiovisual, resultando em um material
valioso para a preservação da memória institucional, a ampliação da documentação do Cemdap
e fontes para o desenvolvimento de diferentes investigações.

Palavra-chave: colégio de aplicação; estudantes egressos; fontes orais; memórias.


FUTEBOL, CLASSE E IDENTIDADE: A FORMAÇÃO DA PRIMEIRA EQUIPE DE
FUTEBOL DA ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA CONFIANÇA (1949-1951).

Sakay de Brito Santos


Mestrando em História (PROHIS-UFS)
kasaytribo@hotmail.com

Orientador: Profº Drº Petrônio Domingues (PROHIS-UFS)

RESUMO:
Devemos entender o futebol sergipano como um importante elemento na configuração social e
que, portanto, deve ser objeto de uma análise histórica, sociológica, e, sobretudo
interdisciplinar, que possibilite compreender o seu nível de interferência e seu percentual de
contribuição na alteração do plano das relações sociais em Sergipe. Examinando esse processo
a partir do caso da formação da equipe da A. D. Confiança em 1949, podemos perceber como
o incipiente curso de urbanização e industrialização pode nos revelar que fatores como o seu
início elitista, a disposição clubística, a organização político-administrativa que regulava o
Campeonato Oficial e o surgimento dos times de fábrica resultaram numa massiva
popularização do futebol no seio das camadas populares promovendo o contato direto entre as
mais diversas camadas sociais de maneira aberta e direta representando uma importante
ferramenta de inserção social e signo das diferenças sociais e da luta de classes na configuração
do espaço urbano que se encontrava a partir daí, espacialmente demarcada também pelos seus
clubes de futebol, que condensavam e recriavam as suas conotações ideológicas ligadas aos
bairros e às comunidades ao qual pertenciam, além de trazer ao conhecimento público a
memória de personagens marcantes na ascensão da AD Confiança, o grêmio proletário, como
representante legítimo da identidade do povo marginalizado e da classe trabalhadora dando um
novo sentido à lógica do esporte bretão em nossas canchas.

Palavras-chave: futebol; identidade; industrialização.


COTIDIANO RIBEIRINHO E TENSÕES NOS MODOS DE VIDA DO BAIXO SÃO
FRANCISCO

Autora: Ana Beatriz Vilar Lessa


Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PIBIC (COPES)
biavlessa@hotmail.com

Orientador: Prof. Dr. Marcelo de Almeida Ferreri (DPS/UFS)


RESUMO:
O presente estudo buscou caracterizar o cotidiano dos ribeirinhos do Baixo São Francisco, além
de analisar aspectos das tensões dos modos de vida na região, com base a concepção de
cotidiano de Michel de Certeau. Trata-se de uma pesquisa documental, cujo material utilizado
foi resultado da confecção de um parecer de impacto socioambiental por encomenda do poder
judiciário. Para este estudo foram utilizados partes do laudo e registros dos diários de campo da
equipe pericial. O aporte metodológico tem inspiração no entendimento foucaultiano de
documento monumento. Após a separação dos documentos, formaram-se duas categorias de
análise: moradias e trabalho. Na primeira, partindo do acontecimento da desocupação de casas
do programa Minha Casa Minha Vida, foi observado de quais maneiras os moradores criaram
outras formas de uso do espaço, em especial com a construção de casas de palha. Referente ao
trabalho ficou visível como existe uma ineficácia da aplicação dos programas assistencialistas,
que deveriam auxiliar na produção; como consequência pode-se perceber os ribeirinhos
modificando seus cotidianos e engendrando novos funcionamentos em seus modos de
produção.

Palavras-chave: Baixo São Francisco; Cotidiano; Desenvolvimentismo.


A FANTASIA NA PRODUÇÃO DO SINTOMA: UMA RESISTÊNCIA DO
CONTEÚDO, UM DESAFIO PARA MEMÓRIA.

Autora: Bárbara Santos Andrade


Graduanda em Psicologia pela Universidade Federak de Sergipe
Bolsista COPES (UFS)
Barbara.psicoufs@gmail.com

Orientador: Prof. Dr. Daniel Menezes Coelho (DPS/UFS)

RESUMO:

Os sintomas não possuem ligação apenas com fatos reais, podem ser produtos de fantasias
impregnadas de desejos. Tal formulação realizada por Freud em 1925 era produto de um desafio
que se colocou para Psicanálise durante a construção da sua teoria. Enquanto na clínica da
histeria se considerava que os histéricos sofriam de reminiscências (FREUD, 1905), a questão
das lembranças e dos esquecimentos esbarrava nas produções de fantasias que se mostravam
participando da formação dos sintomas. Tal descoberta complexificava a teoria da memória
proposta por Freud no Projeto para uma Psicologia Científica de 1895. O presente trabalho
investiga o papel da fantasia na formação do sintoma que permite um retorno/distorção de uma
lembrança, ao mesmo tempo em que a se configura como uma proteção a uma experiência
desprozerosa. Tais compreensões conferidas às fantasias contribuem para uma prática clínica
que esteja atenta aos aspectos da subjetividade na produção dos seus sintomas, entendendo-os
como um trabalho de elaboração psíquica.

Palavras-chave: Freud; sintoma; fantasia; memória .


NEGRO FUGIU, CABOCLO PEGOU: UM OLHAR HISTORICO SOBRE O
INDÍGENA ATRAVÉS DA FESTA DO LAMBE-SUJO X CABOCLINHOS

Autor: Bernardo Ferraz Pinheiro


Graduando em História Licenciatura pela Universidade Federal de Alagoas
Bolsista do Núcleo de Museologia do Museu Théo Brandão de Antropologia e
Folclore
Berafp@gmail.com

Orientador: Prof.ª Dra. Janaina Cardoso de Mello (ProfHistória/DHI/UFS)

RESUMO:
O presente trabalho, ainda preliminar, surgiu através da vivencia enquanto brincante da festa
Lambe-sujo X Caboclinhos, evento tradicional no calendário cultural do município de
Laranjeiras no estado de Sergipe, que segundo as fontes remete a segunda metade do século
XIX. Trata-se de uma teatralização onde um grupo de negros fugitivos (lambe-sujos) enfrentam
indígenas (caboclinhos) encarregados de capturá-los, tendo como desfecho a derrota dos negros
e a destruição do mocambo. Mesmo derrotados os lambe-sujo estão presentes em detalhes na
memória coletiva, já os caboclos apenas lembrados como ferramentas dos senhores brancos.
Thompson (1998) aponta que a cultura e seus reflexos estão baseados nas experiencias
humanas, dinâmicas sociais, valores, crenças e costumes; em suma, ressalta que as experiencias
vividas pelos grupos sociais dentro de um processo histórico resultem em reflexos culturais,
associado a este aspecto teórico metodológico, Almeida (2010) defende formas alternativas de
resistência e participação ativa dos indígenas em negociações com agentes do estado. O trabalho
tem objetivo de apresentar o indígena enquanto sujeito histórico e debater o processo de
construção dessa memória coletiva que os silenciou. Sua relevância consiste no olhar
diferenciado sobre esta festa tradicional, utilizando sua popularidade para sensibilizar sobre a
questão indígena.

Palavras-chave: Cultura Popular, História indígena, memoria.


GRAMÁTICA NORMATIVA E SEMÂNTICA COGNITIVA: UMA REFLEXÃO NOS
DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA FRENTE AS PRODUÇÕES DE CRÔNICAS
PARA OLIMPÍADA DE LÍNGUA PORTUGUESA – OLP/2019

Autor: Daniel da Rocha Silva


Aluno especial do Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL), Universidade Federal de
Sergipe. UFS. danieldarochasilva@gmail.com

Orientadora: Ma. Stael Moura da Paixão Ferreira (UFMS/CPAN)

RESUMO
Este trabalho objetiva analisar as inadequações gramaticais frente à semântica textual, tendo
como foco algumas produções de alunos do Ensino Fundamental. Para tal, temos como corpus,
crônicas desenvolvidas para a Olimpíada de Língua Portuguesa (2019) pelos alunos dos oitavos
anos (A, B, C) da Unidade Municipal de Ensino Bráulio Cavalcante, localizada em Pão de
Açúcar – Alagoas. Tal pesquisa se justifica por considerarmos que inadequações gramaticais
em produções de escolas públicas sempre despertaram discussões, outrora, e ainda hoje, são
intermináveis. A metodologia consiste em uma pesquisa qualitativa, de caráter descritivo, haja
vista que discorre argumentativamente acerca do objeto de estudo. Para análise e reflexão deste
trabalho, adotamos como base teórica vários autores envolvidos com teorias de estudos
linguísticos e da crônica, tais como Possenti (1996), Bechara (1967), Ribeiro (2016), Marcuschi
(2008), Antunes (2009), Cândido (1992), entre outros. Por fim, consideramos que a gramática
normativa encontra-se distante dos textos de grande parte dos alunos da escola pública, o que
gera inquietação frente às práticas de leitura desenvolvidas em instituições de ensino público.

Palavras-chave: Semântica Textual; Gramática Normativa; Ensino Público; Práticas de


Leitura.
ANOMIA, DESENVOLVIMENTO E RACISMO

Autor: Gustavo Figueiredo Passos


Graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista COPES (UFS)
gustavo.figueiredo12@outlook.com

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Dalila Xavier de França (DPS/UFS)

RESUMO:
A pesquisa objetivou analisar a anomia social e seu impacto sobre o racismo em crianças e
jovens através de dados obtidos por uma pesquisa empírica realizada com 126 estudantes de
escolas públicas de cidades do estado de Sergipe. Buscou-se também discutir maneiras para
diminuir os impactos cognitivos sobre aqueles que sofrem das consequências destes fenômenos.
Utilizou-se a Escala de racismo sutil de Petegrew e Meertens adaptado para o português por
Lima e Vala (2002) para medição do racismo e a escala de Percepção de Anomia de Teymoori
& colaboradores (2016) para mensurar a anomia. Os resultados indicaram presença de anomia
(p=.000) e de racismo (p= .000) na amostra. Houve também uma relação significativa entre o
racismo e a escolaridade (p= .05), de modo que a medida que a escolaridade aumentava aquele
também crescia. Referente às análises do impacto da anomia sobre racismo, não foi encontrada
relação de significância entre estes (p= .059). Todavia, encontrou-se consequências negativas
semelhantes sofridas por vítimas destes fenômenos, evidenciado a importância de pesquisas
sobre o tema.

Palavras-chave: anomia; desenvolvimento e racismo.


TENSÕES NOS MODOS DE VIDA DO BAIXO SÃO FRANCISCO E DISPÊNDIO

Autora: Luiza Silva Cabral


Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe
luiza.silva.cabral@gmail.com

Orientador: Prof. Dr. Marcelo de Almeida Ferreri (DPS/UFS)

RESUMO:
Por assumir posição considerada estratégica para os colonizadores, no século XVI, e para o
Estado, até hoje, o Rio São Francisco foi, e é, cenário de conflitos, estratégias econômicas e de
exploração, o que acarreta uma série de tensões no cotidiano dos ribeirinhos que merecem um
olhar mais cuidadoso. A presente pesquisa tem como objetivos realizar uma análise de tensões
do desenvolvimentismo nos modos de vida do baixo são Francisco a partir da noção de
dispêndio de Georges Bataille, além de trabalhar em uma caracterização dos modos de vida na
região do baixo São Francisco, e assim, discutir acerca das contribuições da noção de dispêndio
no âmbito da análise social e da psicologia social. Inspirado por Michel Foucault, o método da
análise documental será o utilizado para manusear fotos de placas de obras capturadas ao longo
da perícia socioambiental dos processos 0002809-27.2002.4.05.8500 e 0000420-
35.2003.4.05.8500 da Segunda Vara da Justiça Federal de Sergipe, litigados pelos ribeirinhos
e pescadores da região, contra a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), cujo
acervo documental encontra-se armazenado na sala do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre
Exclusão, Cidadania e Direitos Humanos (GEPEC). Conforme o que foi trabalhado ao longo
da pesquisa, é possível caracterizar, por meio das placas e da noção de dispêndio, de forma que
se distancia da genérica, as tensões do cotidiano no Baixo São Francisco.

Palavras-chave: Baixo São Francisco; Cotidiano; Desenvolvimentismo; Dispêndio.


A ARTE DE FRIDA KAHLO E O ENSINO DE HISTÓRIA

Autora: Mirela Souza Silva


Graduanda em História pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PET (MEC/FNDE).
mirella.souza2093@gmail.com

Orientador: Prof. Dr. Luís Eduardo Pina Lima (DHI/UFS)

RESUMO:

O presente trabalho visa analisar as obras de arte da importante pintora do século XX Frida
Kahlo (1907-1954) e pretende destacar através de suas pinturas, seu posicionamento político,
ideologias e a cultura nativa mexicana, compreendendo de maneira particular a América latina
e sua subjetividade. A documentação analisada é de origem primária e está intimamente ligada
ao campo da História da Arte mexicana, no tocante à sua arte, espera colaborar de modo
considerável para uma melhoria no que diz respeito ao ensino de História. As obras da referida
artista plástica são compreendidas de maneira singular, por meio delas é possível perceber
várias particularidades, se fazendo necessária para o ensino de História da Cultura mexicana. É
pertinente afirmar que o ensino de História da América Latina se dá através da arte de Frida
Kahlo, e que procura adaptar o conteúdo proposto ao campo da educação, relacionando vários
aspectos importantes com a difusão do conhecimento, contribuindo de maneira considerável
para uma metodologia em que a arte explicará a História.

Palavras-chave: Frida Kahlo, cultura mexicana, História da América Latina e ensino de


História.
PRAÇA FAUSTO CARDOSO, ARACAJU-SE: USOS DA MEMÓRIA E DO
PATRIMÔNIO EM VÍDEO

Autor: Alexandre Firmo dos Santos


Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe
E-mail: alezinho_1998@Outlook.com

Coautor: João Pedro Costa Silveira


Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe
E-mail: joaopwx2@gmail.com

Orientação: Prof.ª Dra. Janaina Cardoso de Mello (DHI/UFS)

Introdução

Quão importante é termos conhecimento sobre o patrimônio, ainda mais quando este, um dia,
fora palco de acontecimentos memoráveis. Saber o quanto ele é significativo e que necessita da
atenção não apenas do poder público, mas também dos agentes que mantêm viva a memória
coletiva sob aquele objeto patrimonial, tornando-o pertencente à história de um povo ou até
mesmo de uma nação é, sobretudo, conservar a historicidade dele para outras gerações que estão
por vir.
Tudo isso constitui o uso da memória sobre o patrimônio cultural uma vez que ambas estão
intrinsicamente ligadas como se fossem uma coisa só. Aliás, essa unicidade torna-se perceptível
se e somente se estes agentes – responsáveis pela conservação memorialística – fizerem bom
uso dela. Desse modo, agregará uma valorização do patrimônio que, por conseguinte criará um
sentimento de pertencimento do indivíduo à memória coletiva.
Através da observância destas informações iniciais será abordado neste trabalho o uso da
memória local como fator contribuinte à História de Aracaju e entender como a Praça Fausto
Cardoso, detentora de um riquíssimo compêndio informacional, está alinhavada com o espaço
urbano. Portanto, discorrerei a partir dos informes obtidos, das análises e coletas feitas em uma
etnografia de percurso.

Panorama Histórico: ‘lugar de memória’

Os espaços urbanos por vezes, tornam-se palco de embates políticos ou um excelente cenário
para manifestações culturais que geralmente envolvem um grupo de indivíduos que contribuem,
direta ou indiretamente, na construção da memória coletiva. E essa construção é feita aos
poucos, ou seja, com o passar dos anos diversos acontecimentos podem surgir ali naquele
espaço e ficarem marcados não só fisicamente, mas também no mais íntimo daqueles que os
presenciarem. Porquanto, essas ocorrências muitas vezes são retomadas à consciência como se
fosse uma busca de algo significativo que precisa ser mantido ‘aceso’ ali na memória dessas
pessoas.
De acordo com a declaração de Pierre Nora (1993, p. 9)

“A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em
permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente
de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, suscetível
de longas latências e de repentinas revitalizações. [...] é um fenômeno sempre atual,
um elo vivido no eterno presente; [...] a memória não se acomoda a detalhes que a
confortam; ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes,
particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, censura ou
projeções.”

No entanto, estes grupos surgem como verdadeiros guardiões do que o tempo tenta suprimir
das suas mentes, além de ter que enfrentarem um constante conflito entre lembranças e
esquecimentos em que prevalecerá aquele que for mais nutrido. Sendo assim, a memória pode
estar entrelaçada com o espaço urbano de tal maneira que serão tidos como complementares,
pois quando se lida com um lugar com o qual as pessoas se identificam logo será perceptível a
representatividade que ele terá sobre elas.
Nestes lugares estão incutidas as simbologias e as representações obtidas através de um
processamento para manter viva a história de uma nação que pode ser contada mediante a
reminiscência dos fatos. A propósito, quando se trata de conservar a historicidade não é apenas
vivificar as boas lembranças ou os bons acontecimentos, mas também é lidar com o que pode
ser considerado como algo ruim e a partir daí entender que esta dualidade é constituinte das
ocorrências memoráveis.
E foi pensando nessa linha de raciocínio que o nosso objeto de estudo – a Praça Fausto Cardoso
– seguiu o viés desse dualismo existente em um ‘lugar de memória’, porque ela é um
símbolo da história de Aracaju, isso levando-se em consideração os fatos históricos
transcorridos nesse espaço urbano, pois ali se encontra parte de um passado que marcou a vida
política e cultural dos sergipanos. Portanto, não é atoa que a Praça Fausto Cardoso é um
patrimônio histórico ou ainda, pode ser denominada como um ‘lugar de memória’.
Conforme define Pierre Nora, os lugares de memória

“São lugares, com efeito nos três sentidos da palavra, material, simbólico e funcional,
simultaneamente, somente em graus diversos. Mesmo um lugar de aparência
puramente material, como um depósito de arquivos, só é lugar de memória se a
imaginação o investe de uma aura simbólica.” (1993, p. 21).

No que se refere ao sentido funcional do conceito de lugar de memória, a Praça Fausto Cardoso
fora o cenário de muitos acontecimentos históricos que marcaram época e permanecem
cravados na memória do povo sergipano que faz bom uso dela quando buscam relembrá-los,
pois quando alguém tenta rememorar algo é porque determinado evento foi importante para si,
essa mesma ideia aplica-se de igual modo a um grupo de pessoas, no qual estes se tornam
identificados com esse local. A Praça Fausto Cardoso que muito antes de receber este nome já
tivera outros como, por exemplo, ‘Praça do Imperador’, ela foi fundada em 1857 – dois anos
após o surgimento de Aracaju – possuindo portanto, um teor histórico enorme. Vale salientar
que a Praça foi o local onde colocou-se os primeiros pinos de demarcação para que fosse
construído o centro urbano de Aracaju.
Esse espaço público abrigou o Ministério Público Estadual até 1984, a Assembleia Legislativa
e o Tribunal de Justiça de Sergipe – conferindo-lhe até certo tempo a nomenclatura de ‘Praça
dos Três Poderes’. Hoje, a praça tem o nome de uma das mais ilustres personalidades sergipanas
de que se tem conhecimento: Fausto Cardoso.
A Praça Fausto Cardoso compôs o enredo de inúmeros comícios políticos destaque para os de
Jorge Amado (1946) e Augusto Maynard (1947). Não se pode deixar de lado a fatídica
‘Tragédia de Sergipe’ – ocorrida em 1906 –, e o linchamento de Lídio da Paixão em virtude do
suicídio de Getúlio Vargas, como também fora palco de movimentos reivindicatórios como foi
o Diretas Já. Mas esse patrimônio histórico não viveu apenas de fatos políticos, tem-se também
acontecimentos culturais – carnavais, desfiles cívicos e até pouco tempo atrás cedeu espaço ao
lançamento do Forró Caju. Enfim, um espaço como esse repleto de nuances memorialísticas
não pode ser desconsiderado, porquanto possui um arsenal de informações vastíssimo no qual
precisa se ter a sensibilidade e a destreza com aquilo que compõe a nossa história.

“Verdadeiro Patrimônio Histórico”

A Praça Fausto Cardoso foi reduto de muitos eventos marcantes sejam eles festivos ou de lutas
por direitos, e isso fez com que a mesma garantisse o seu valor cultural e histórico para Aracaju.
Desse modo, ela foi reconhecida pelo Conselho Estadual de Cultura, tonando-se assim um
importantíssimo Patrimônio Histórico que deve ser lembrado e cuidado para que as próximas
gerações possam também identificar-se e usufruírem desse bem material já que a praça é algo
utilizado pelo coletivo, contudo, para Funari e Pelegrini a coletividade vai muito além do seu
sentido trivial, pois segundo eles:

“A coletividade não é uma simples soma de indivíduos, assim como o todo não é uma
mera junção das partes, como afirmou a 2.500 anos, o filósofo grego Platão. [...] As
coletividades são constituídas por grupos diversos, em constante mutação, com
interesses distintos e, não raro, conflitantes. Uma mesma pessoa pode pertencer a
diversos grupos e, no decorrer do tempo, mudar para outros. Passamos, assim, por
grupos de faixa etária: Crianças, adolescentes, adultos, idosos. Passamos ainda de
estudantes a profissionais, e, em seguida, a aposentados. São portanto inúmeras as
coletividades que convivem em constante interação e mudança.” (FUNARI E
PELEGRINI, 2006, p. 9-10).

Dando ênfase sobre os interesses distintos que estes indivíduos possuem vale ressaltar a
dificuldade em cuidar dos bens históricos e culturais, pois com a multiplicidade de opiniões
produzidas gera-se uma disputa entre os mesmos, objetivando o atendimento aos seus anseios
que, por vezes são desejos egoístas nos quais buscam qualquer outra coisa, menos preservar o
patrimônio. No entanto, os patrimônios são “vitimas”, no sentindo de que há ausência de
cuidados, do descaso e do descuido mesmo que instituições como, por exemplo, o IPHAN
(Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) tentem os salvaguardarem nem sempre
é o suficiente. Sendo assim, estas adversidades enfrentadas é resultado da falta de uma educação
patrimonial direcionada à população, visto que as pessoas devem ter consciência de quão
valioso é um patrimônio histórico (LIMA, 2015) – ainda mais se ele for um símbolo de um
povo ou de uma nação – e que possam deter os devidos cuidados ao usá-los, já que os
patrimônios além de sofrerem com as ações antrópicas sofrem também com as degradações no
transcorrer do tempo.
De acordo com Paulo Funari e Sandra Pelegrini,
“Por certo, essas dificuldades implicam ações pontuais, muitas vezes restritas à
promulgação de leis e decretos específicos, (...) todavia, não podemos ignorar que tais
obstáculos, justificados pelos entraves financeiros (...), dissimulam escolhas expressas
em projetos políticos historicamente construídos, nos quais se explicita os bens dignos
de perenidade e àqueles condenados à destruição.” (2006, p.57).

Logo abaixo se encontra uma tabela com os dados mais recentes sobre as avaliações feitas à
Praça Fausto Cardoso por turistas que ao visitar Aracaju passaram por ali, por diversas ocasiões
seja uma viagem familiar, a sós, romântica, a negócios e com os amigos.

Avaliações:
2 votos (3%) 0 (0%)

16 votos (19%) 20 votos (23%)

Excelente
Muito bom
Razoável
50 votos (55%)
Ruim
Horrível

Total de votos= 88 (100%)

87 votos em português e 1
voto em inglês.

Foi pensando nessas problemáticas que a Prefeitura de Aracaju decidiu fazer algumas reformas
na Praça Fausto Cardoso, a última delas fora realizada no ano de 2016, o intuito era bem
evidente: preservar esse marco histórico e arquitetônico da capital sergipana. Por abrigar um
conjunto de bens tombados pelo Patrimônio Histórico essa reforma não poderia ser executada
de qualquer forma, isso porque era necessário atentar-se aos outros componentes que existem
nessa praça – as várias estátuas, o monumento em homenagem a Fausto Cardoso, os coretos,
etc.

Patrimônio e Espaço Urbano

A relação que há entre patrimônio e espaço urbano se dá através do conhecimento das pessoas
que por se identificarem com estes dois elementos criam vínculos afetivos, tornando-se
especiais com o passar do tempo. “Mas também podemos ter sido induzidos, educados e
ensinados a identificar lugares de uma cidade, partilhando das mesmas referências de sentido,
em um processo de vivência do imaginário urbano coletivo” (PESAVENTO, 2008, p. 4), tendo
em vista que o uso do espaço público onde os indivíduos constroem a partir do imaginário
coletivo uma identidade.
Já fora mencionada neste trabalho a informação de que a Praça Fausto Cardoso foi o ponto de
partida para a construção do centro urbano de Aracaju, mas não custa nada retoma-la para
compreendermos quão expressiva ela é para a história de Sergipe. Levando-se em consideração
que a relação entre patrimônio e espaço urbano é obtida mediante o conhecimento, pois quando
somos instruídos para tal estamos contribuindo com a construção desta identificação e também
usando-os não de uma maneira qualquer, mas sim um uso social.
Conforme Sandra Pesavento a centralidade urbana,
“(...) parte de uma referência espacial, ou seja, geográfica e de dimensão física: o
centro é o núcleo original, o ponto de partida nodal e uma aglomeração urbana. O
centro é, pois, o marco zero de uma cidade, o local onde tudo começou, o seu núcleo
de origem. Assim sendo, o centro é um espaço privilegiado no tempo.” (2008, p. 4).

Visto isso, pode-se inferir que os espaços urbanos não são unicamente lugares do transladar
humano, antes eles são parte constituinte da história local. A propósito, o imaginário coletivo
ganha um papel importante no que se refere a vivificação do patrimônio histórico que muitas
vezes se encontra localizado em espaços públicos, portanto os usos sociais dele poderão ser
direcionados às remodelações das estruturas arquitetônicas – porque nem tudo que fora
construído poderá ter uma valoração permanente – , isso ocorre por conta de que, por exemplo,
os padrões são modificados com o passar do tempo sendo este um dos riscos oriundos de uma
utilidade irrefletida.
Segundo Sandra Pesavento,
“(...) os centros urbanos sofrem os desgastes físicos inerentes à passagem do tempo e
ao uso social de tais espaços; sofrem ainda alterações de uso, que modificam, apagam
ou destroem a função original dos mesmos; e, por último, a centralidade pode ser
acometida de uma perda de significado e de memória, sofrendo pelo esquecimento e
pela falta de sentido histórico, que foi perdido através das gerações.” (2008, p. 5).

Considerações Finais

A Praça Fausto Cardoso sim, ela é um lugar de memória porque abriga o cerne da história de
Aracaju e está repleta de significados acumulados ao longo do tempo. Por conseguinte,
estabelece-se um embate entre lembranças e esquecimentos tornando-a em uma ‘batalha’
campal articulada pelos múltiplos interesses envolvidos que de quando em quando confundem-
se. Deste modo, esses interesses podem ser políticos, culturais, sociais, etc; o mais aceito ou
compactuado se sobressairá.
É inexorável a materialização da memória em um espaço físico, conquanto isso se torna
possível quando os grupos estão engajados em tal propósito. Não há como constituir uma
memória coletiva sem que os indivíduos estejam dispersos para com o patrimônio histórico que
o permeia, sendo que dessa forma não existirá vínculo algum. Daí a importância da educação
patrimonial para as pessoas, fazendo com que elas valorizem este bem material e sintam-se
representadas por ele.
É de bom alvitre que todos entendam que o espaço urbano não pode ser tratado com desdém,
ainda mais quando este comporta um objeto patrimonial o qual deve-se redobrar a atenção para
que nenhum impasse ou ação impensada corrobore com o descaso. Cabe aqui, reiterar a ideia
de centralidade que a Praça Fausto Cardoso detém e que dela se iniciou a urbanização de
Aracaju, engrandecendo sua magnífica história.
Portanto, percebe-se a notoriedade da Praça Fausto Cardoso não somente como um espaço
público, mas também enquanto Patrimônio Histórico – um dentre vários símbolos da
sergipanidade – porquanto, merece todo nosso zelo e rememoração dos tempos pretéritos que
tanto nos alegra. E que nesse propósito possamos sempre presentificar o que se encontra na
memória coletiva dos aracajuanos.

Referências Bibliográficas:
FUNARI, P. P.; PELEGRINI, S. C. A. Patrimônio Histórico e Cultural. 2°. ed. Rio de Janeiro,
Editora: Zahar, 2009.

LIMA, Edilio José Soares. Lugares da memória: Potencialidades do Patrimônio material


da cidade de Aracaju (SE) para a educação patrimonial. In: Simpósio Nacional de História,
28, Florianópolis. 2015. Anais eletrônicos... Florianópolis, ANPUH, jul., 2015 28,
Florianópolis, jul., 2015. (Disponível em: <
http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1434416435_ARQUIVO_LUGARESDA
MEMORIA-textoanpuh.pdf >. Acesso em: 15 Set. 2019).

NORA, Pierre. Entre memória e História. A problemática dos lugares, Projeto História. 10.
PUCSP: São Paulo, 1993. In: Les lieux de mémoire. I La République, Paris, Gallimard, 1984,
pp. XVIII-XLII. Tradução autorizada pelo Editor. © Editions Gallimard 1984. (Disponível em:
<https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/viewFile/12101/8763>. Acesso em: 12 Set.
2019).

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História, Memória e Centralidade Urbana. Rev. Mosaico,


v.1, n.1, p. 3-12, jan./jun., 2008. (Disponível em:
<http://www2.fct.unesp.br/docentes/geo/necio_turra/GEOGRAFIA%20SOCIAL%20E%20CULTUR
AL/TEXTOS%20SEMINARIOS%20GSC/Mem%F3ria%20das%20Cidades/hist%F3ria%20e%20me
m%F3ria%20urbanas.pdf >. Acesso em 15 Set. 2019).

(Tripadvisor, Aracaju. Disponível em: <https://www.tripadvisor.com.br/ShowUserReviews-


g303638-d7258251-r317074656-Praca_Fausto_Cardoso-Aracaju_State_of_Sergipe.html>.
Acesso em: 14 Set. 2019. 03h54).

(Praça Fausto Cardoso: Palácio do Governo: Assembleia Legislativa: Aracaju (SE). IBGE,
catálogo. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-
catalogo?view=detalhes&id=441292>. Acesso em: 28 Ago. 2019).

(Praça Fausto Cardoso e suas Histórias. Isto é Sergipe, 9 Jan. 2017. Disponível em:
<http://istoesergipe.blogspot.com/2017/01/praca-fausto-cardoso-e-suas-historias.html>.
Acesso em: 29 Ago. 2019).
(Aracaju recebe `nova` Fausto Cardoso. Redação Portal A8, 20 Mar. 2009 às 17h57.
Disponível em: <https://a8se.com/sergipe/noticia/2009/03/1851-aracaju-recebe-nova-fausto-
cardoso.html>. Acesso em: 15 Set. 2019).

(BOTTO, L. SIMÕES, J. Monumentos de Sergipe praça Fausto Cardoso. Assembleia


Legislativa do Estado de Sergipe, 23 Out. 2018. Disponível em:
<https://al.se.leg.br/monumentos-de-sergipe-praca-fausto-cardoso/>. Acesso em: 28 Ago.
2019).
O DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE SOFT POWER A
PARTIR DOS QUADRINHOS

AUTOR: Ellen Gabriela Vitor Toledo da Silva


Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Sergipe
ellengabriela18@gmail.com
Orientador: Prof. Dr. Lucas Miranda Pinheiro (DRI/UFS)

INTRODUÇÃO
O século XX traz consigo inúmeras mudanças, sendo elas positivas ou negativas.
A pós-modernidade juntamente com a globalização e o capitalismo tem como produto o
desenvolvimento dos meios de comunicação e demarca a quebra de modelo do pensamento do
século XIX. No decorrer do texto iremos encontrar como esses meios de comunicação foram
utilizados por países para construir suas imagens e prestigio internacional, principalmente os
Estados Unidos e Japão, perante a comunidade internacional, através da influência de um poder
brando.

Por meio da análise de quadrinhos criados pelos EUA e animes, pelos japoneses,
perceberemos como eles são um reflexo do contexto e do momento de sua criação e da política
do país. A construção dessa figura advém do uso de personagens fictícios tais quais, os super-
heróis. Estes são aqueles personagens de origem fictícia, encontrados, geralmente, em histórias
em quadrinhos, filmes e desenhos no qual possuem super poderes ou poderes sobre humanos e
cuja finalidade é combater o mal; contudo, diferem dos heróis, aqueles que arriscam a própria
vida. Este gênero textual além de abordar situações cotidianas e ensinar às crianças os bons
valores (como liberdade, fraternidade, bondade, coragem, etc.), aborda importantes termos da
conjuntura das Relações Internacionais.

CONTEXTO DE CRIAÇÃO DOS SUPER-HERÓIS

O sucesso dos super-heróis não é prontamente explicável e está associado à ampliação


norte-americana e sua supremacia. Assim como o cinema, a música, os fast-food e seu idioma,
os quadrinhos estadunidenses penetraram na cultura dos países as quais o país possui relações
culturais, políticas e econômicas, sobretudo os latinos americanos. O que começou como forma
de levantar o ânimo da população e motiva-la, tornou-se uma forma vigorante de poder. Vale
notar o poder de disseminação destes pequenos cadernos, mas coercitivos; os quadrinhos é um
dentre outros elementos de manipulação de poder.
Joseph Nye criou um conceito para lidar com outra probabilidade de poder nas relações
internacionais e ir além do poder coercitivo militar (Hard Power), isto é, serve como sedução
para instituir valores e culturas de um país em outro. Este conceito foi chamado de Soft Power2,
que traduzido do inglês significa poder suave, e se expressa por meio dos atores que não
possuem a legitimidade do uso da força, e é caracterizado por elementos como cultura e mídia.
“O poder duro (tradução de Hard Power) pode repousar em um incentivo (“ a cenoura”) ou em
ameaças (“o chicote”) e o poder brando (tradução para Soft Power) é fazer com que os outros
queiram o que você quer”(NYE,2009). Sendo assim, a relação entre o poder suave e o papel da
cultura dos quadrinhos permite uma análise entre as relações ocorridas internacionalmente.
A sua disseminação se dá pelo acelerado crescimento da comunicação que criou uma
“aldeia global” -conceito criado pelo sociólogo Marshall McLuhan- no qual, indica que as
novas tecnologias tendem a diminuir distâncias e a restringir todo o planeta à mesma conjuntura
que ocorre em uma aldeia: um mundo em que todos estariam de certa forma, interligados. Dessa
forma, nasce uma nova forma de fazer diplomacia; uma diplomacia pública em que ultrapassa
a fronteira estatal e dialoga com os diferentes meios de comunicação e a pluralidade de atores
internacionais. Este conceito de diplomacia pública lida com o crescente papel dos fatores
ideacionais e comportamentais das relações internacionais (FISHER, 1988; KLINEBERG, 1964), de
modo que a teoria Realista Moderna caracteriza o poder de persuasão como ferramenta de
instrumental do poder militar, pois ajuda a dar governabilidade ao plano interno e
respeitabilidade ao país no plano externo (SARFATI, 2005). A faceta pública da diplomacia
passou a ser conscientemente incorporada nas relações internacionais após nos acontecimentos
finais da I Guerra Mundial, principalmente após o discurso dos 14 Pontos que Woodrow Wilson
fez, no início de 1918, condenando abertamente os tratados secretos e a dissimulação na prática
diplomática, que teriam sido uma das causas da I Guerra Mundial (IYAMU, 2004; LAMBINO,
2005). A rogativa por maiores transparências nas relações diplomáticas fez vigorar mais tarde,
em 1980, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.

2
Termo criado e desenvolvido por Joseph Nye em seu livro de 2004, Soft Power: The Means to Success in
World Politics (em português, “Soft Power: os meios para o sucesso na política mundial”.)
O conceito de diplomacia pública que Mark Leonard (2002) elaborou é possivelmente
o mais completo e didático na literatura, pois ele é decomposto em três dimensões: a
transmissão de informação, a distribuição de uma imagem positiva do país e a construção de
relações duradoras de modo a criar um ambiente favorável para a consecução de políticas
exteriores (LIMA, 2017). A segunda dimensão vai ser a mais abordada ao decorrer do artigo.
Esta é caracterizada por criar uma imagem favorável do país frente à ordem internacional, isto
é, a nation branding, intensivamente usada pelos Estados Unidos e o Japão.

HISTÓRIA DOS QUADRINHOS

Os quadrinhos são divididos em eras, onde em cada uma é tratado de forma


imperceptível assuntos das épocas dos mesmos. A primeira compreende do fim dos 1930 até
meados dos 1950. A seguinte vai até meados dos 1970; e a terceira até fim dos 1980. Na era
de ouro, tínhamos histórias mágicas surgidas da necessidade das sociedades terem a válvula de
escape após terem vividos eventos graves como a crise de 1929, e a 2ª Guerra Mundial. A era
de prata é marcada pelas histórias de ficção científica, provenientes dos avanços que a ciência
obteve a partir dessa década, com destaque para a conquista do espaço e energia nuclear. E por
ultimo, temos a era de bronze que trouxe para nós conteúdos mais violentos e registros mais
legitimistas devido a Guerra do Vietnã. De forma mais explicita, temos a criação do Capitão
América como propaganda contra os nazistas, a Mulher Maravilha com os ideais do Movimento
Feminista e a luta por seus direitos, Luke Cage e Pantera Negra representam o Movimento
Negro e os X-men proporcionaram a luta pela discriminação. Isso tudo ocorrendo no lado
Ocidental do mundo; contudo, durante os anos 70 começava ascender um país oriental: Japão.
O período Edo (1600-1867) foi quando o Japão ficou isolado do resto do mundo, com
uma política anti-estrangeiros adotada pelo shogun. Essa politica só teve fim com a Era Meiji
(1868-1912) em que teve uma grande importância para alavancar as produções. Na década de
30, o Japão entra em conflito com a China, e nessa ocasião toda a produção foi voltada à
exposição de filmes e animações de propaganda militar. Essa influência perdurou ate a Segunda
Guerra Mundial no qual, o temos com um poderio militar, e exemplo disso são as ocupações
na China e na Coréia. Mais tarde, espelhando-se nos EUA, com uma “política de boa
vizinhança” e o “Big Stick”, ele transforma esse Hard Power em Soft Power e criam indústrias
de cinema e animação, transformando assim a imagem do Japão e suas relações com os demais
países.
Se antes o Japão se impunha militarmente como potência, agora precisava fazê-lo
economicamente, [...] comprando matéria-prima e exportando máquinas, utensílios
domésticos e, posteriormente, automóveis. Numa fase posterior, os japoneses
implantaram filiais de algumas de suas indústrias, mesma forma que os países
industrializados fazem na América Latina (LUYTEN, 2011).

Assim, para ilustrar e trazer caricaturas da cultura japonesa o mangá surgiu. De 1814
até a contemporaneidade sua função está ligada a cultura local. Já o mangá moderno, tem
influência dos cartuns ocidentais e de quadrinhos clássicos da Disney; e é basicamente uma
criação de Osamu Tezuka, com Shin Takarajima (“A Nova Ilha do Tesouro”), de 1947(GOTO,
2001). Osamu Tezuka ou comumente conhecido “Deus dos Mangás” popularizou os animes
diminuindo os custos de produção dos mesmos e assim criou em 1952 o primeiro anime: Astro
Boy no qual teve magnitudes positivas no cenário oriental:

O surgimento de um mercado voltado para a animação no Japão, logo se tornaria,


atendendo as demandas econômicas também um mercado de exportação que
atendesse às novas formas de Soft Power japonesas. A partir das décadas de 1970 e
1980, a influência do mangá e dos animes nas produções vizinhas do Japão se torna
mais notória. Na China, por exemplo, Astro Boy de Osamu Tezuka, um garoto robô
que salvava a humanidade através do uso da ciência e tecnologia, representava os
valores que o governo chinês tentava emplacar no país. (LUYTEN, 2011)

Pós Segunda Guerra Mundial, no ocidente temos os super-heróis caracterizados por


históricas mágicas e no Japão, temos os animes marcados com heróis da humanidade, devido
os horrores da Segunda Guerra, defensores da paz e temas futurísticos. Um exemplo disso é o
clássico Godzilla (Gojira no Japão) que surgiu de uma explosão nuclear, ratificando assim o
medo das armas nucleares. Ele foi o primeiro filme japonês do gênero kaiju (besta incomum) e
o primeiro filme a trabalhar a ficção científica pelo lado dos temores de uma próxima guerra e,
principalmente, do que os governos estrangeiros poderiam voltar a fazer com o Japão
(SANTIAGO, 2014). Seu cenário estava relacionado com a realidade da época, muitas vezes
estilo feudal, e elementos como samurais, guerreiro símbolo dessa nação, passam a história
vivida e seus costumes.

OCIDENTE
Os precursores dos quadrinhos foram o Mandrake, um mágico ilusionista que atraiu a
atenção da população e Phantom, que influenciou na criação do Batman. Os dois estão
marcados pelas características da Era do Ouro, no qual tinha o objetivo de entreter a população
e servir como válvula de escape devido os acontecimentos já mencionados.
O primeiro super-herói que falaremos será o inaugurador da Era do Ouro, o
Super-Homem. Nesse período o desemprego e a fome que se assolou nos Estados Unidos
fizeram com que a violência crescesse exponencialmente, e é nesse cenário que o Super-
Homem vem para ser o salvador alienígena da humanidade. Ele carrega a bandeira
estadunidense em sua roupa como forma de patriotismo, mas também, carrega em suas ações a
política do Destino Manifesto, filosofia que acredita que o povo dos Estados Unidos foi
escolhido por Deus para comandar o mundo, já que, segundo Joe Shuster “Superman não só
apoia diretamente o exército, a marinha e a aeronáutica como também vai, por conta própria,
para outros países para combater ditadores expansionistas e até espiões de um país fictício”.
Possuindo assim uma característica intervencionista, assim como o seu país adota. Outra
característica para exaltar o poderio estadunidense é o seu corpo físico; forte, alto e malhado.
Assim como ocorrerá mais tarde em Capitão América. Afirmando assim, que suas ações e
valores disseminam as ações e valores americanos. Um ano depois, nesse mesmo panorama
temos outro super-herói, o Batman.
Os anos 30 para os Estados Unidos foi uma época difícil, principalmente por ainda estar
sentindo os efeitos da quebra da bolsa, mas, além disso, tivemos uma situação que deu início
na década passada. Em 1920 tivemos a aprovação da Lei Seca na qual proibia a produção e o
consumo de bebidas alcoólicas, porém, essa medida só fez aumentar ainda mais a violência nas
ruas e a criação das gangues e é exatamente nesse cenário em que o morcego nasce. Ele surge
para aterrorizar os criminosos e essa sua ação podemos relacionar com os princípios do New
Deal, implantados por Franklin Roosevelt, que queria instituir uma política de Welfare State.
Criando um espaço sem criminalidade e com a promoção de proteção aos cidadãos, garantindo
o bem-estar e serviços públicos.
No fim dos anos 30, temos o inicio da Segunda Guerra Mundial e com isso temos um
novo super-herói: Capitão América. Ele foi criado no mesmo ano que o seu país entrou na
guerra - que até então estava neutro - e simboliza sua luta contra o nazismo, é de tal maneira
que em sua primeira capa ele aparece dando um murro no rosto de Hitler. Ele, também,
proporciona o ideal perfeito de cidadão voluntário que está pronto para lutar pelo seu país,
propaganda muito utilizada pelo presidente Sam “I want you for U.S Army.” Seu filme quando
lançado ele trouxe um contexto um pouco mais atual devido ao novo e atual presidente. Nele
temos esse super-herói traindo seu país e se “aliando” a Hidra- sua maior inimiga –isso ocorre
porque os quadrinistas ponderam que as ações do novo presidente estariam traindo seu próprio
país e seus ideais. Concluindo assim, que o quadrinho desse herói consiste em um reflexo do
seu contexto, sendo ele dos anos 90 quanto 2000’s.
É no inicio da década de 40 que temos a criação da Mulher Maravilha, a primeira
personagem mulher das HQs, como um símbolo do feminismo e demonstra a luta pelos direitos
das mulheres. Em um mundo dominado pelo gênero masculino- tanto o real quanto o seu
mundo- a criação desta super-heroina já em si é uma vitória e um simbolismo grande. E não é
de se estranhar que isso ocorreu já que, “era tão forte quantos os homens, tão selvagem quanto
feras e mais perigosa que víbora” (WESCHENFELDER, 2011) Ela reflete as conquistas das
mulheres nesse tempo: direito ao voto, escolarização e conquista do mercado de trabalho,
mesmo que pra preencher a falta de homens devido à guerra.
Como desfecho da 2 Guerra Mundial, temos as bombas atômicas de Hiroshima e
Nagasaki.Este evento marcou o mundo real e as HQs.Os novos heróis são influenciados pela
Guerra Fria, caracterizada pela corrida espacial e o desenvolvimento de novas tecnologias
dentre elas raios gamas.Por isso, essa era vai ser marcada pelo pavor,desconfiança e paranoia
dos heróis. De tal modo, temos a invenção do Hulk- herói que nasceu de experimentos com
raios gamas – e o Quarteto Fantástico, que foram expostos a raios cósmicos durante uma viagem
espacial. No mesmo ano de sua criação, 1961, foi aprovado o vôo de Yuri Gagarin, um
cosmonauta soviético e o primeiro homem a viajar ao espaço. Em 1963, temos um novo ideal
de heróis. Nessa época tivemos a luta pelos direitos civis (conhecido como a terceira dimensão
dos direitos) com Malcom-X e Martin Luther King e seus ideais de tolerância racial. Nasce
assim os heróis dotados de genes mutantes- influência das teorias de Mendel- os X-Mens.
No fim dos anos 50, temos a ruptura da Guerra do Vietnã que ocorreram devido tensões
do Vietnã do Norte, apoiado pela URSS, e o Vietnã do Sul, apoiado pelos EUA. Mas somente
a partir dos anos 60 o envolvimento dos Estados Unidos aumentou, triplicando suas tropas em
60 e depois em 61. E apesar dos prescritos da Convenção de Genebra, nessa guerra os Estados
Unidos se muniu de armas químicas sendo umas das principais, o agente laranja. É nesse
contexto que o milionário Tony Stark vai inspecionar no Vietnã do Norte um armamento
desenvolvido por sua empresa e acaba sendo raptado pelos rebeldes. Ao contrário do filme,
mais contextualizado, ele é sequestrado por radicais islâmicos. Para escapar, ele foi coagido a
construir uma armadura e assim temos o nascimento do Homem de Ferro. Segundo Stan Lee,
o personagem foi criado para ser exatamente o oposto do espírito dos anos 60: um capitalista,
fabricante de armas, herói individualista, cujos inimigos são comunistas. Nessa mesma época
a violência nos quadrinhos aumentou, deixando de lado o “Comic Code” e assim personagens
como Motoqueiro Fantasma, Wolverine e Justiceiro foram criados. Nesse caso podemos
observar a caracterização do Outro pelos estadunidenses que na sua maioria não é real;
aconteceu com os índios e acontece novamente com a parte Oriental do planeta. Esta forma de
denegrir a imagem do Oriental criou o conceito cunhado por Edward Said, conhecido de
orientalismo. Com este conceito, o autor diz que há um Oriente como invenção do Ocidente e
que na maioria das vezes é incivilizados, fonte de radicais religiosos, Estados que promovem
guerra e inimigos.
Outra manifestação de um personagem condizente com o período é Pantera Negra, esse
herói traz consigo o nome de um importante movimento negro que lutava por seus direitos. Este
herói apareceria lutando contra membros da Ku Klux Klan e mercenários racistas. Foi apenas
em 1964 que uma Lei de Direitos Civis foi promulgada nos Estados Unidos, que extinguiu as
leis de segregação racial adotadas por alguns estados da federação.

ORIENTE
Assim como a parte Ocidental utilizaram de meios como os quadrinhos e
posteriormente, os filmes, o Japão não ficou para traz. Seus primeiros animes eram bem curtos,
podendo durar segundos , mas retratava a situação do Japão antes de sua abertura: feudal, pouco
industrializado e onde os samurais eram importantes figuras pois eram contratados para
proteger os imperadores e os senhores feudais.Exemplos disso ocorre em Samurai X (Rurouni
Kenshin)em que é retratado a transição do período de guerra e feudal para o período de
desenvolvimento e abertura devido a necessidade de mercado consumidor, deixando para traz
assim a política de isolacionismo implantada no período passado com os shogunatos e
construindo assim uma nova imagem externa do país, isto é, o Japão passou de consumidor para
exportador de influência cultural.

Durante a Era Meiji, temos o fortalecimento industrial, político, social e cultural. Com
a morte do imperador Meiji, temos o seu sucessor Taishô e é nessa época que a Primeira Guerra
Mundial eclode e nesse cenário que o anime Doomed Megalopolis: The Demonized City se
passa e além desses eventos, ele mostra o estrago do grande terremoto de Kanto em 1923 que
causou enormes estragos para a população e Tokio. No mesmo contexto em que nasce Batman,
no Ocidente, Baccano! surge no Japão. Este anime se passa nos anos 30 e nele encontramos
brigas de gangues envolvendo alquimistas imortais, máfias e gângster. Outro exemplo é o
Norakuro, de Suiho Tagawa. O cachorrinho, muito parecido ao Mickey Mouse e ao gato Félix,
foi abandonado e decide se alistar no exército imperial. Ele foi como um mascote do Japão de
faceta militar, pois sua conduta refutava valores nacionalistas. Nesse momento, o Japão cresceu
consideravelmente no âmbito econômico já que as grandes economias estão em recessão devido
a Primeira Guerra Mundial.
Com o fim da Segunda Guerra, duas bombas atômicas, uma economia não tão estável
assim como sua política, assume o imperador Showa. Nessa era, o Japão mudou sua forma de
resolução de conflitos e assim construíram uma nova faceta para o Japão: pacifico. Ainda, por
sair bem abalado dessa guerra, outra característica importante nos anime e mangas, nos pós-
guerra, foram as histórias de superação e comédia assim como ocorre em Shounen Jump,
Shounen Magazine ou até mesmo Naruto.

Foi na década de 1970 que se lançou um dos principais títulos com o tema guerra.
Gen, Pés Descalços, de Keiji Nakazawa [...] de 1973 até 1974 narrou a história
parcialmente autobiográfica de Gen Nakaoka, um menino de seis anos que vivia em
Hiroshima. Ele e sua família sofrem com a pobreza, a falta de comida e a
discriminação devido à posição política de seu pai. Os dez volumes do mangá
abordam não só os problemas após o final da guerra, mas também a condição daqueles
que haviam recebido diretamente a radiação da bomba “Little Boy” em 6 de
agosto.(MELO;CORDARO, 2016)

Partindo para os anos 70, temos o contexto de desenvolvimento tecnológico e as armas


nucleares. Time Bokan, Patrulha Estelar e Mobile Suit Gundam são animes dessa conjuntura
que traziam viagens intergalácticas, robôs gigantes comandados por humanos como armas de
guerra e viagens no tempo. E é nesse mesmo período que a economia do Japão começa a se
estabilizar e se desenvolver no qual, chamamos de “milagre econômico”. Outro exemplo que
encontramos é o mangá Hadashi no Gen ou Barefoot Gen que conta a história de um menino e
sua família que presenciaram os efeitos da guerra e os desenvolvimentos da guerra. No contexto
de prosperidade deparamos com Akira, em que o desenvolvimento tecnológico é visto de forma
pessimista. Contudo, foi na década seguinte que os animes mais tiveram espaço e
desenvolvimento seja no Japão como fora e isso devido os efeitos da globalização, pois, a ideia
de aldeia global e o de indústria cultural traziam consigo a cultura de massa, que segundo
Horkheimer e Adorno tinha como finalidade principal, o lucro. Por tanto, durante essa época o
Japão investiu em um plano cultural que recebeu o nome de “Cool Japan”. Esse plano cultural
carrega implicitamente o Soft Power japonês já que, foi “forma de direcionar esforços para a
promoção e a criação de novas manifestações culturais, e também como apoio a expressões já
marcadas na história do país” (RODRIGUEZ, 2014) e que no qual, ajuda a fortalecer a sua
identidade cultura como forma de ir contra a homogeneidade cultural decorrente da
globalização.

AMÉRICA LATINA

Outra situação na qual identificamos o uso do Soft Power durante a Segunda Guerra
Mundial, é no Brasil. Em 1940, Walt Disney, durante visita ao Brasil, criou o desenho Carioca
da Gema. Porém, suas ações possuíam segundas e terceiras intenções:

‘Joe Carioca’ foi concebido em uma viagem de Disney e sua equipe à América do Sul
durante a Segunda Guerra Mundial. Com o pretexto de ‘encontrar novos
companheiros para o Pato Donald e o Pateta’, a excursão era, na verdade, movida por
interesses políticos. “Os Estados Unidos pretendiam aumentar suas relações
comerciais no continente e, por tabela, afastar a ameaça de influência alemã nos
governos da região”, contam Filipe Monteiro e Mariana Benjamin em um texto
publicado na Revista de História. .(LUCENA, Felipe, 2016).

Nos primeiros quadrinhos, o Zeca vestia trajes de um tipico malandro do Rio de Janeiro:
chapéu, terninho, gravata borboleta e sapato engraxado, além disso, andava com um guarda-
chuva sempre. O personagem era a extensão da politica da boa vizinhança e os produtores
procuraram selecionar alguns elementos culturais brasileiros para a formação dele como a
cordialidade, simpatia, malandragem, esperteza, indolência, etc. Essa “afetividade” dos EUA
devia-se, também, para restringir a expansão dos ideais da Alemanha na segunda guerra visto
que, Brasil e Alemanha possuíam relações comerciais indispensáveis (caso da exportação de
algodão para a Alemanha). A partir dai, temos a construção de uma ligação entre o Brasil e os
EUA que aos poucos foi cada vez mais acentuada, principalmente durante a ditadura militar. A
conquista americana não parou no Brasil e como continuação da politica da boa vizinhança na
América Latina, o México também foi alvo e como produto dessa transação cria-se, em 1953,o
quadrinho do Ligeirinho (como é comumente chamado no Brasil) ou Speedy Gonzáles e o
Panchito em 1945. Além destes, representando a Argentina temos o Gauchinho Voador;
consolidando assim, sua influência- e dominação- nos solos latino-americanos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todo esse fenômeno é possível em função da Globalização Cultural na qual, é cotada
por ser o processo de intensificação das trocas culturais entre povos de diferentes partes do
mundo e juntamente com a globalização econômica as grandes empresas e corporações
produzem e disseminam hábitos e valores de consumo para atrair mercados ou como os Estados
Unidos que usaram como forma de “criar” laços entre regiões a qual mantinham interesses.
Apoiando-se nas ideias de Joseph Nye, percebe-se como os mecanismos de 'Soft Power'
podem atuar nas relações internacionais. O soft power, ou poder brando, refere-se ao poder de
vínculo por meio da transmissão de 'ideais' e valores de determinadas sociedades sendo os
meios de comunicação um importante ator para esta finalidade. Assim, considera-se que é uma
ferramenta tão importante para os Estados como o Hard Power, ou poder duro. Sendo assim, é
perceptível a capacidade dos quadrinhos e dos animes como forma de poder, de influência e
administração de uma nação sobre outra de forma a impor políticas, ideias e ideais adjacentes
aos seus interesses. Ou também, de forma a transformar a sua imagem e servir de muleta para
um desenvolvimento como ocorreu no Japão.

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Institute of World Politics Press, 2007.
TECNOTRILHOS - MINI VAGÃO E LOGOMARCA

Autor: Pedro Henrique Ribeiro Fernandes


Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PITIVOL/CINTTEC
pedrofe1636@gmail.com

Orientadora: Profa. Dr. Janaina Cardoso de Mello

Introdução
O presente trabalho, ainda em fase inicial, visa levar a disseminação dos patrimônios históricos
em Aracaju, tendo como foco a comunidade do Rosa Elze, com o intuito de facilitar e entreter
de forma prazerosa, através de um jogo que simulara as ruas de Aracaju, usando os trilhos de
trem já preexistente para guiar os usuários, como todo trem, ele tem vagões e esse maquinário
que será controlado por meio de um smartphone, levando os jogadores a conhecer os
patrimônios aracajuanos, através de um passeio imersivo pelo jogo de tabuleiro desenvolvido.
Contendo nele sensores que determinaram atividades, com o intuito de passar a história e os
bens materiais e imateriais pertencente dos bairros que a pessoa estiver.
Tendo como sensibilização a notável falta de disseminação da história da cidade de
Aracaju, como também dos seus bairros, e visando levar à tona os patrimônios que cada uma
dessas regiões tem, mas que até algum dos moradores do próprio local desconhece, e facilitar
o estudo desses bens não só pela universidade ou escola, mas como sensibilizar de forma
divertida a manutenção e preza desses locais por toda a comunidade.
Pretendemos nesse trabalho então fazer uma contextualização da história das ferrovias, que já
está aliado com a questão dos trens, que irá do seu início na Inglaterra até a chegada no Brasil
e em Sergipe, como tentar mostrar como se deu essa necessidade das construções das estradas
de ferro em nosso país, como também em nosso estado, depois pretendo mostra a questão de
patrimônio em uma esfera generalizante, como também sendo mais especifico ao citar o
município de Aracaju, depois irei explicar um pouco como vai funcionar a parte tecnológica de
nosso projeto e como o projeto vai se formar a partir das informações passadas anteriormente.

Contextualização das ferrovias no Brasil e em Sergipe


Para contextualizar a questão em nosso território, e necessário termos uma visão macro
do mundo para depois irmos para a micro com foco o Brasil, com especificação a região de
Aracaju, Sergipe. Pois bem o período é a revolução industrial, meados do século XVIII para o
XIX, país Inglaterra, o berço desse movimento, que se expandiu para todo o globo, o carvão
virou a principal fonte de energia para a época, gerando assim a criação de maquinários
melhores, usando a queima desse material, originando assim as maquinas a vapor, por exemplo:
carro a vapor, as embarcações a vapor e os trens, esse último foi e ainda é um dos principais
meios de transporte do mundo. A primeira estrada de ferro do mundo é oriunda da Inglaterra, e
tem registro que foi no ano de 1825, fazendo com que tivesse uma expansão considerável da
malha ferroviária, que é tanto que no ano de 1850, a Inglaterra tinha mais de 10 mil quilômetros
de estrada de ferro construída nas suas terras.
A grande das estradas de ferro na Inglaterra, fez com que o resto do mundo sentisse
interesse naquela nova tecnologia que estava impulsionando a ilha inglesa, muitos países
aderiram as estradas de ferro, mas deixando claro que a Inglaterra era quem tinha o capital e o
conhecimento técnico para a construção delas, como maior parte dos itens para construção da
estrada, como a locomotiva, os trilhos, maquinários necessários e entre outros, era de fabricação
inglesa, fazendo assim com que muitas das estradas que temos no mundo foi fruto de influência
inglesa, esse é o caso do Brasil, que tinha projeto para a construção de uma estrada de ferro já
em 1835, mas só teve concretização em 1854, por iniciativa de uma brasileiro, que construiu na
região de Petrópolis ligando vários munícios do Rio de Janeiro até o Porto Estrela , que foi
Barão e Visconde de Mauá o entusiasta e teve a concessão imperial para a construção da estrada
de ferro, que quando terminada foi batizada de Estrada de Ferro Mauá e a primeira locomotiva
teve o nome de “Baroneza”,em homenagem a esposa de Mauá, com a expansão da cultura do
café, outras estradas de ferro foi construída em boa parte do Brasil, com enfoque na região
sudeste, para ajudar no escoamento dele.
O principal produto de exportação do Brasil era o café, e a região que mais se produzia
era a região sudeste, tendo São Paulo como principal produtora do café, e por isso muitas das
estradas de ferro foram construídas lá e em outros estados, ligados ao porto de Santos, principal
porto de escoamento dessa matéria-prima. O Nordeste por outro lado teve estradas de ferro,
mas com menos ênfase que a Sudeste, já que a maior produção do Nordeste era o açúcar e o
algodão, eram duas mercadorias desvalorizadas internacionalmente, já que sofriam com a
concorrência do açúcar extraídos das beterrabas na Europa e o algodão dos Estados Unidos,
fazendo assim que tivesse esse baixo investimento.
Ainda no séc. XIX, os meios de locomoção em eram bastante precários, principalmente
em Sergipe, muitas dos transportes eram desbravando estradas irregulares, caminhos entre as
mata, usava carros de boi nessas estradas que mesmo assim era de difícil trafego e em outras
situações usava esses caminhos para ter acesso ao transporte fluvial para chegar a outro ponto
de interesse, o que dificultava bastante o transporte das mercadorias do estado, é tanto que
Itabaiana desde 1864, já era uma grande produtora de algodão e tinha uma grande produção
agrícola, já Simão Dias era uma grande produtora de alimentos, que foram interligadas por
estradas a Aracaju, já que era não só a capital de Sergipe, desde 1855, mas era onde sé localizava
o porto do estado.
A primeira estação de Trem em Sergipe chega em 1910, mas a primeira linha férrea só
chega em 1913, que era um ramal da linha Timbó-Propriá, essa linha em Aracaju interligava as
regiões da av. Coelho e Campos até o Siqueira Campos, linha que existe até hoje, essa primeira
estação ficava localizada no centro entre os mercados Tales Ferraz e Albano Franco, mas em
1976, foi demolida, já que ele tinha sido substituído por uma outra estação maior e mais
moderna, que fica no Siqueira Campos até hoje e a data da substituição foi em 1950. Essa última
estação ficou em funcionamento até 2012-2013, com o transporte de pessoas tendo sido cortado
em 2007.

Contextualizando o que é Patrimônio

São bens de grande relevância para um bairro, um município, estado, pais ou mundial,
pois nela guarda característica de uma comunidade de antigamente ou contemporânea, existe
vários tipos de patrimônios, que necessariamente é um material, como as manifestações de um
povo, por exemplo danças ou grupos folclóricos, ainda tem aqueles bens que não são oriundos
dos humanos e sim da natureza, essa sua significância não está só na beleza, mais também nos
benefícios que carrega para tudo ao seu redor.
Sabendo dessa importância, que os patrimônios têm para a construção de identidade das
pessoas, é que elas guardam as evidencias ou são as evidencias de toda uma evolução cultural
e histórica no meio em que está inserindo. Pois bem vendo a importância de se proteger todos
esses bens, os governos tombam ou registram as coisas que tenham maior relevância para
aquela administração, por isso tem muitos bens que são de relevância nacional, pois simboliza
algo de grande relevância ao país, como no extremo tem coisas que extrema importância para
uma comunidade bastante pequena, mas é de extrema significância para aquelas pessoas e é a
base para todos eles. Portanto os patrimônios têm de vários tipos, e ao usar relevância, é uma
variável muito ampla e aberta para falhas, mas de suma patrimônio é tudo aquilo que carrega
uma alta carga de significado para um aglomerado de pessoas, o que muda se é legitimado ou
não.

Os Patrimônios de Aracaju e sua importância

É bastante conhecer quais são os patrimônios já protegidos, como também são aqueles
que ainda não conta com essa cobertura, já que estamos falando de unidades que carrega uma
riqueza cultural e histórica pro meio que está inserido, por isso é bastante conhecer quais são
pra que os órgãos vejam a comoção por aquele bem, e ele conte posteriormente com sua
proteção ou esse conhecimento serve para que sejamos fiscalizadores dos órgão de manutenção,
já que eles tem quase que exclusivamente essa função de administrar e manter esses bens.
Em Aracaju contamos com vários tipos de patrimônios, mas curiosamente nenhum de
cunho nacional ou mundial, muito talvez por ser uma cidade jovem, e que não conte com
influencias de que sofreu São Cristóvão ou Laranjeiras, porém ainda é necessário manter os
bens aqui presentes como disseminar sua história pra gerações que passam.
O números que Aracaju possui de patrimônios é bastante grande, mesmo que muitos
sejam só reconhecidos na esfera municipal e no máximo estadual, porém essas esferas tem
trabalhado bastante pra restaurar bastantes patrimônios que estavam em desgaste e como aderir
novas funcionalidades pra esses locais, o que é bastante importante para que a população vá a
esses locais e de novo aprenda com ele e gere um sentimento de empatia de de conservação e
de mantenedora daquele local, para que mais gente conheça, outras gerações tenham a
oportunidade de estudar e acrescentar dentro daquela cultura, sem esquecer que quanto mais
empática a população ao seus bens patrimoniais, mais os órgão podem perceber a importância
de manter esses locais.
Nos últimos anos, importantes trabalhos de restauro foram concluídos e entregues a
população: a Ponte do Imperador; o Palácio Olímpio Campos, que se fez Palácio
Museu; as praças Fausto Cardoso, 10 Olímpio Campos e Almirante Barroso; a Igreja
de São Salvador; o prédio do Antigo Ateneuzinho, hoje Museu da Gente Sergipana; a
antiga Escola Normal, hoje Centro de Tradições e Rua do Turista; prédio do antigo
Tesouro do Estado, atual sede da Câmara de Vereadores; prédio situado à Avenida
Ivo do Prado, hoje sede da OAB/Seccional Sergipe; imóvel localizado na Praça
Camerino, atual sede do IPHAN; prédio do Instituto Histórico e Geográfico de
Sergipe; o Teatro Ateneu e mesmo os painéis e Murais de Jenner Augusto.(Passos,
Nascimento, 2012, p. 09)

O CONTROLADOR
O Arduino como controlador é sem dúvidas uma placa muito eficiente e poderosa. Pode
ser utilizado para fazer qualquer coisa, a imaginação é o limite. É possível utilizá-lo para
controlar, monitorar, automatizar, etc. Por exemplo, existem projetos de monitoramento da
qualidade do ar, medição da temperatura de um líquido, sistemas de irrigação, robôs,
impressoras 3D, dentre vários outros. O circuito interno do Arduino é alimentado com uma
tensão contínua de 5V, isto quando é conectado a uma porta Usb do computador. Esta conexão
fornece a alimentação e também a comunicação de dados. Caso seja necessário é possível
utilizar uma fonte de alimentação externa, que forneça uma saída dentre 7.5V e 12V contínua
com um plug P4, ou pode ser ligada diretamente na placa utilizando os pinos Vin e Gnd.O
ambiente de programação mais indicado é o do software Arduino, que pode ser baixado no
seguinte site: http://www.arduino.cc/en/Main/Software.
Os programas para o Arduino são implementados tendo como referência a linguagem
C++. Preservando sua sintaxe clássica na declaração de variáveis, nos operadores, nos
ponteiros, nos vetores, nas estruturas e em muitas outras características da linguagem. Com
isso, temos as referências da linguagem. Elas podem ser divididas em três partes principais: As
estruturas, os valores (variáveis e constantes) e as funções. As funções são referências
essenciais para o desenvolvimento de um projeto usando o Arduino, principalmente para os
iniciantes no assunto. Essas funções já implementadas e disponíveis em bibliotecas direcionam
e exemplificam as funcionalidades básicas do micro controlador.
O uso de bibliotecas nos proporciona um horizonte de programação mais amplo e
diversos quando comparado a utilização apenas de estruturas, valores e funções. Isso ´e
perceptível quando analisamos os assuntos que são abordados por cada biblioteca em especioso.
Lembrando sempre que, para se fazer uso de uma biblioteca, está já´ deve estar instalada e
disponível na sua máquina.
E para fazer a comunicação do Arduino com o celular, acoplaremos um modulo Arduino
Shields Ethernet para arduino é um acessório que permite conectar o Arduino Uno à internet
rapidamente. Basta acoplar o módulo sobre a placa do Arduino e conectar um cabo de internet
à rede. Este acessório é baseado no chip ethernet wiznet w5100 que fornece uma network (ip).
Uma vez estabelecidas as conexões necessárias, é preciso ainda programar o Arduino de modo
que ele atue com a função desejada de mestre em uma rede. Para isso é utilizada a biblioteca
Ethernet disponível no compilador da ferramenta.

O projeto TecnoTrilhos

Os trilhos que permanecem na cidade até hoje, estão em boas condições e com isso
aproveitaremos de suas condições e de sua localidade, já que boa parte corta boa parte da cidade
e fica próxima aos centros e patrimônios da cidade, e ainda por cima os trilhos são bens
ferroviários, segundo a lei 11.483, devem ser conservadas pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico, o IPHAN, sendo assim usaremos um patrimônio ferroviário para mostrar
Os patrimônios históricos da cidade como também curiosidades sobre os bairros.
Tendo assim um caminho temos que ter algo que vai transitar nesse caminho, e nada
além de um vagão, na verdade um mini vagão para levar os jogares a imersão necessária, esse
vagão vai ser elétrico, movido de forma que possa ser sustentável, com isso sua bateria vai ser
recarregada através de placas solares, e o controle dele será feita pelo o Arduino acoplado com
o modulo ethernet, com um receptor wi-fi, pra que pudesse rodar de forma tranquila e o
smartphone será quem mandará os comandos para o Arduino, fazendo assim que haja o
movimento e direcionando também o jogador.
O jogo que será quem mandara as informações ao micro controlador, será feito a partir
da elaboração de um aplicativo direcionando para os smartphones, fazendo assim que as
informações passadas serão mostradas nesse aplicativo, na qual as imagens, questionários,
curiosidades e etc. que possa ter sobre os patrimônios estará catalogado dentro dessa aplicativo
e vai ser mostrado ao usuário em questão.
A lista de patrimônios que será usado vai ser conforme as linhas vai nos levando, e as
imagens que terá no jogo, serão tiradas pela nossa equipe em visitas de campo, como todas as
informações colocadas referente a determinado bens, será extraído de bibliotecas, arquivos do
judiciário ou trabalhos passados, como também de entrevista de moradores que são afetados
pelo respectivo bem, fazendo assim que não tenha só o conhecimento técnicos, como também
os quesitos mais do cotidiano
A partir da programação o mini vagão vai identificar a região em que esta, a partir de
um mapeamento de localização que vai ser acrescentado em sua programação, assim fazendo
com que o vagão quando chegue em certa localidade programada ele solte as informações no
jogo do usuário, e sua movimentação só continuará caso o ‘player’ responda ou tenha um bom
desempenho que estaremos emitindo no jogo.

Considerações Finais

Os nossos trabalhos ainda estão no início, mas já temos o entendimento que o projeto já
tem forma e robusteza, sua parte teórica ainda falta alguns acabamentos, mas estamos num
caminho muito bom, e o intuito realmente é esse, disseminar todo esse conhecimento que vamos
absorver durante a lapidação desse projeto e liberar para o público, e realmente fazer com que
todos tenham acesso a esse projeto, pois vemos que a cada dia nosso patrimônios tem sido
menos visitados ou até esquecidos pelos órgão de conservação e administração, como nossas
linhas férreas que existem até hoje, não tem se dado um utilidade a elas.
Portanto nosso projeto é muito claro, é ensinar as pessoas da nossa cidade e até além
dela, a conhecer nossa cidade de uma forma mais imersiva, na qual é aberto para todos os
independentemente da posição social, nível acadêmica ou financeira, pois realmente queremos
que as pessoas conheçam sua cidade, mesmo que relativamente jovem, mas com bastante
história para se descobrir.

Referência bibliográfica

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DOENÇA E RELIGIOSIDADE EM DOIS ROMANCES DE NICO HORTA, DE
CORNÉLIO PENNA

Autora: Endriele de Jesus Santos


Graduanda em Letras – Português pela Universidade Federal de Sergipe
Voluntária PICVOL (UFS/COPES)
endrielesantos@outlook.com

Orientadora: Prof. Dra. Josalba Fabiana dos Santos (DLEV/UFS)

Introdução
Cornélio de Oliveira Penna (1896-1958) nasceu em Petrópolis, Rio de Janeiro, mas viveu
quando criança em uma cidade mineira chamada Itabira do Mato Dentro, cursou Direito em
São Paulo e depois mudou-se para o Rio de Janeiro. Experimentou várias profissões antes de
finalmente dedicar-se, a partir de 1930, à literatura. Penna escreveu quatro romances: Fronteira
(1935), Dois romances de Nico Horta (1939), Repouso (1948) e A menina morta (1954).
O segundo livro do autor, Dois romances de Nico Horta, conta a história de Antônio, apelidado
de Nico Horta, que recebe o nome do primeiro e falecido esposo de sua mãe, D. Ana, um homem
violento que espancava sua esposa. O rapaz vivia atormentado pela sensação de ser sempre
desprezado e julgado por todos, inclusive por sua rigorosa mãe que via refletido nele o primeiro
Nico, e dedicava todos os cuidados e atenções para seu outro filho, Pedro, gêmeo do
protagonista.
Toda a narrativa do romance é envolta em uma atmosfera de mistério e há sempre a expectativa
de que algum mal, às vezes descrito em termos de moléstias ou até mesmo mortes, surja.
Laplantine (2010, p. 28) ao refletir sobre a presença de enfermidades em escritos literários
mostra como os escritores podem colocar em evidência significados ocultos da doença,
questionarem acerca de seus sentidos, ignorando os estereótipos e convenções da nossa
sociedade, que a considera uma aberração que deve ser destruída.
Sontag (2007, p. 11) afirma a inclinação de todo ser humano às doenças ao declarar que
nascemos com uma cidadania no “reino dos sãos” e com outra no “reino dos doentes”. Não
importa o quanto evitemos, acabaremos tendo nossa saúde abalada em algum momento de
nossas vidas, e instintivamente buscaremos uma causa para o nosso estado doentio, podendo
encontrar essa resposta na própria medicina, na religião ou em qualquer outro lugar ou ser que
julguemos exercer algum tipo de influência sobre nossas vidas.
A partir disso, analisaremos alguns casos de doença e mal-estar presentes em Dois romances
de Nico Horta, especificamente no protagonista, perpassando por uma visão de pautada em
princípios cristãos: de pecado, culpa, perdão e punição. Ademais, veremos como a relação com
o outro pode exercer um papel relevante para que um estado doentio surja ou seja acentuado.

1. Por que ficamos doentes?

A humanidade sempre vivenciou períodos em que doenças assolaram cidades, povos e


até continentes inteiros. A peste bubônica, por volta dos anos 1300, dizimou milhares de vidas
na Eurásia, a tuberculose era considerada “um traiçoeiro e implacável ladrão de vidas”
(SONTAG, 2007, p. 12) durante o século XIX, e recentemente, em 2013, o continente africano
sofreu com uma epidemia de ebola que ocasionou um grande número de mortes.
Com o passar do tempo, o conhecimento sobre as diversas moléstias que em certas
épocas eram consideradas um terror, bem como suas formas de tratamento, vão evoluindo.
Desse modo, as enfermidades que pareciam ser um passe sem volta para o “mundo dos mortos”
passam a ser vistas como algo que é possível de ser vencido. No entanto, o avanço da medicina
não é suficiente para que a maioria das pessoas sinta que está protegida diante da possibilidade
de contrair uma doença.
De acordo com Laplantine (2010, p. 37), toda sociedade e época possuem causas
principais das doenças: a insalubridade e os casamentos consanguíneos em décadas passadas, e
atualmente, a vida sedentária, o consumo de gorduras, o ritmo da vida urbana, dentre outras. A
tuberculose, por exemplo, era geralmente atribuída à insalubridade e à pobreza, além de ser
costume acreditar que existia um tipo de personalidade propenso a contraí-la: “uma pessoa
passional e, ao mesmo tempo, reprimida” (SONTAG, 2007, p. 38). Hoje é conhecido que a
tuberculose é causada por uma bactéria e possui um tratamento eficaz em grande parte dos
casos.
As explicações religiosas sobre as razões pelas quais o ser humano adoece perpassam
todos os séculos, épocas e sociedades. Apontar a vontade divina, de um ser superior ou de uma
energia que rege todo o universo sempre foi uma forma de buscar sentido para o sofrimento.
Encontrar um refúgio que proporcionaria conforto ou considerar esse ser superior como o alvo
de toda raiva e revolta por conta de um estado doentio que ele, quem sabe, poderia ter evitado
se quisesse, eram e são atitudes daqueles que buscam na religiosidade (ou na fé), compreender
os motivos de estarem vivendo uma realidade tão dolorosa.
A religião proporcionou que a doença, segundo Sontag (2007, p.42), fosse enxergada
como uma forma de castigo, de possessão demoníaca ou, ainda, tomando como base o
pensamento cristão, como fruto do pecado do enfermo. Laplantine (2010, p. 228-229) pontua
que a enfermidade pode ser uma consequência não só da transgressão do doente em particular,
mas de um grupo, do coletivo, que ao desobedecer a uma prescrição religiosa acaba por
infringir, de igual modo, a ordem social. Em qualquer desses casos (individual ou
coletivamente), a culpabilidade com relação ao que é considerado um castigo justo deve ser
experimentada.

2. A religiosidade em Dois romances de Nico Horta e sua relação com a doença

Cornélio Penna era um escritor católico, e embora suas crenças não sejam o foco principal em
Dois romances de Nico Horta, elas podem ser percebidas no fato de muitos de seus personagens
possuírem nomes de santos reconhecidos pelo catolicismo (Ana, Maria, Antônio, Pedro, dentre
outros), irem à missa, confessarem seus pecados, citarem passagens da Bíblia e até se
compararem com figuras conhecidas das narrativas bíblicas. Além disso, Lima (2005, p. 74)
atenta para o fato de os personagens conviverem com uma culpa que os atormenta, de serem
incapazes de estarem inteiros no presente, vivendo sob o jugo de fantasmas que constantemente
os assombram. A culpa, em uma visão cristã, surge quando um mandamento é transgredido, ou
seja, quando o fiel comete um pecado, e ela só cessará quando a falta, em arrependimento, for
confessada.

O rei Davi, no Salmo 38:3, diz: “não há saúde nos meus ossos, por causa do meu pecado” (A
BÍBLIA, 1999). Nessa passagem, a doença que acomete o salmista é diretamente associada ao
pecado que ele cometeu. Nico Horta vive em um estado doentio que advém da culpa, e esta não
tem origem somente em suas próprias falhas. Isso pode ser visto no que o rapaz sentia em
relação ao seu próprio nome:

Mas o menino ficou sendo mesmo Antônio, e parecia não poder viver
sob o peso do nome do primeiro marido de sua mãe. Enquanto seu
irmão surgia para a vida entre gritos e risos, ele murchava a um canto
do leito, esquecido, encolhendo-se, todo enrugado, como se quisesse
fugir, esconder-se de todas as enfermidades que o espreitavam,
afugentadas pelas cores radiantes do irmão. (PENNA, 2000, p. 28)

O fato de ter o nome do primeiro esposo de sua mãe (um nome que obviamente ele não
escolheu), um homem que a fez sofrer e por quem ela tinha uma genuína repulsa, era algo muito
pesado de se carregar. Parecia que tudo de ruim que o primeiro Antônio havia cometido e até
quem ele era, foram transmitidos para o jovem Nico, fazendo com que ele crescesse acuado,
esquecido por aqueles que deveriam protegê-lo, com a sensação de ser sempre espreitado por
algum mal, como se carregasse em si “qualquer mau encantamento” (PENNA, 2000, p. 28). O
presente era doloroso de ser vivido para Nico Horta porque, de acordo com Laplantine (2010,
p. 52), é inquietante pensar que somos a origem da nossa própria doença, que sofremos e somos
julgados por terceiros por conta de quem somos (ou do que pensam que somos) e do que
fazemos.
Há um episódio em particular em que Nico, após ter uma alucinação envolvendo índios que
pareciam acusá-lo de ser um ladrão, vai até a capela por sentir-se um criminoso, questionando-
se sobre o motivo de “recuar tantas vezes diante da felicidade vulgar, da paz oferecida [...] por
que recuara tantas vezes da própria saúde de seu corpo e de seu espírito...” (PENNA], 2000, p.
85). Diante das dúvidas que traziam inquietação, o personagem decide buscar auxílio
sobrenatural, mas isso não o livra de seu mal-estar. Essa cena, de acordo com Santos (2004, p.
46), remete à violência com que os primeiros habitantes do Brasil (nativos) foram tratados com
a chegada de estrangeiros, então a culpa ou remorso que o protagonista experimenta aponta
para as atitudes cruéis com que os exploradores trataram os indígenas. Nico Horta era um
representante do branco invasor, capaz de destruir vidas humanas em nome do progresso e da
fundação de uma “civilização”, por isso o rapaz tinha a sensação de ter cometido um crime.

Os sofrimentos do rapaz continuam quando Rosa, uma de suas pretendentes e filha do tabelião
para quem trabalhava, comete suicídio depois que ele, por imposição de D. Ana, casa-se com
Maria Vitória. A falecida era agora “um simples fantasma” (PENNA, 2000, p. 211), alguém do
passado que contribuía para que mais culpa fosse acrescentada ao martírio constante de Nico.
Assim “um grande clamor se ergueu em sua consciência, uma revolta se agitou em seu coração”
(PENNA, 2000, p. 211). A culpa em relação ao casamento se acentua diante da possibilidade
de Vitória ser irmã de Nico, fato que muito possivelmente era conhecido da mãe do rapaz, e
mesmo podendo impedir o matrimônio, ela não o faz. Ana “parece pretender se vingar do
marido violento no filho que carrega seu nome” (SANTOS, 2007, p. 151).
Diante dos erros que já imaginava levar – a morte de Rosa e ser o motivo para a falta de afeto
de seus pais – Nico Horta, para usar as palavras de Laplantine, “em razão de sua própria
desobediência [pecado], é punido pela doença” (LAPLANTINE, 2010, p. 247), ou melhor, pelo
permanente mal-estar que a culpa causa em sua consciência, em seu coração e em seu corpo
“pálido e magro” (PENNA, 2000, p. 28). Há muitas correntes doutrinárias dentro do
cristianismo que tratam sobre perdão e redenção dos pecados, e uma delas defende que o
pecador, ao se aperceber “em tempo de sua falta, admitindo sua culpa [...], sentindo remorsos e
acabando por se arrepender” (LAPLANTINE, 2010, p. 247) deve encontrar a absolvição por
parte de Deus e a compreensão da sociedade “que continua a reconhecê-lo como um dos seus”
(LAPLANTINE, 2010, p. 247).
No entanto, toda a narrativa de Dois romances de Nico Horta mostra um protagonista que não
consegue alcançar a recompensa por seu arrependimento, que além do perdão, seria a saúde,
algo de que o rapaz havia fugido tantas vezes sem entender o porquê. Nico Horta também não
tinha o apoio das pessoas, o que ele percebia, porque “tinham um movimento de recuo, quando
o viam” (PENNA, 2000, p. 28), “e ficavam atônitos, assustados, olhando-o como se vissem um
fantasma” (PENNA, 2000, p. 38) quando tentava se inserir naquele mundo em que não
conseguia se ajustar.

3. D. Ana e o estado doentio de Nico Horta

“Em Cornélio Penna (1896-1958), as mães são monstruosas” (SANTOS, 2007, p. 147), aquelas
que deveriam cuidar, amar e proteger seus filhos acabam por repeli-los, maltratá-los e, até
mesmo, destruí-los. Essa afirmação pode causar estranhamento para uma sociedade que
enxerga a maternidade como sinônimo de ternura, amor e compreensão, colocando as mulheres
que dela dispõem em um patamar quase divino.

Santos (2007, p. 147) pontua que a relação entre a maternidade e a monstruosidade que surge
nas obras de Penna pode ser explicada pela filiação católica do escritor, que considera a mulher
como responsável pela queda do homem – foi Eva quem ouviu à serpente, comeu o fruto
proibido e ainda o deu a Adão –, sendo associada “à decrepitude e à ruína; por extensão, à
morte” (DELUMEAU, 1996, p. 312 apud SANTOS, 2007, p. 147). Além disso, como “agente
da criação, a mulher expelindo líquidos – menstrual, amniótico e outros – era vista como impura
pelos homens” (DELUMEAU, 1996, p. 311 apud SANTOS, 2007, p. 147).

Em Dois romances de Nico Horta, D. Ana se mostra uma mãe impassível, fria e autoritária com
um de seus filhos (Nico). Ainda na gravidez, a mulher comparava seu filho (no singular, porque
ainda não se sabia que eram gêmeos) a um “monstruoso e pesado cofre de carne” (PENNA,
2000, p. 24), não sendo “a realização de um amor [...] aquilo que tinha dentro de si” (PENNA,
2000, p. 24).
Durante boa parte de sua vida, Ana foi constantemente espancada por seus irmãos, tinha medo
de seu pai, “apesar de ele nunca lhe ter batido” (PENNA, 2000, p. 13) e, ao se casar com seu
primeiro marido (Antônio), continuou a sofrer violência física. A moça parecia que seguiria os
passos de sua mãe, uma mulher que “andava pela casa como uma sombra suspensa, surda e
silenciosa, chorando em explosões súbitas e beijando sofregamente seus algozes [irmãos de
Ana]” (PENNA, 2000, p. 13). Mas, a partir de seu segundo casamento e tendo se tornado mãe,
Ana alimenta o sistema patriarcal do qual “fora vítima” (SANTOS, 2007, p. 150),
transformando-se no algoz de seu próprio filho Nico. A respeito disso, é importante destacar
que,
[...] em Cornélio Penna são as criadoras as mais monstruosas, o que não
quer dizer que suas crias também não o sejam. Essas mulheres
aterrorizam – a seus filhos inclusive. O estranhamento que causam não
permite identificação. Mães e filhos se vêem e não se reconhecem
(SANTOS, 2007, p. 148)

O estranhamento entre Nico Horta e D. Ana, o terror que esta causava em seu filho são bastante
retratados no decorrer do romance. O rapaz se sentia acuado diante do olhar “cheio de intenções
de sua mãe” (PENNA, 2000, p. 28), era hostilizado por carregar o nome do primeiro Antônio
e, em vão, buscava ser aceito por aquela que deveria zelar por seu bem-estar, mas que só
contribuía para o seu estado deplorável, para que ele se sentisse um estranho dentro de seu
próprio lar, “sempre cheio de remorso e culpa – pelos atos do primeiro marido” (SANTOS,
2007, p. 151). Desse modo, a criadora busca “aniquilar a própria criatura” (SANTOS, 2007, p.
151).
Lima (2005, p. 76) aponta para o papel de guarda e vigilância desempenhado pelos olhos em
todos os livros de Cornélio Penna. Em Dois romances de Nico Horta, entretanto, exercem
também outra função: “os olhos são perseguidores não só externos, pois que brilham de dentro,
aumentando a sensação de culpa” (LIMA, 2005, p. 76). Em um dos seus vários momentos de
crise, “Nico viu passar, saindo da penumbra, o rosto de bronze, fechado, sinistro, onde
brilhavam dois olhos vazios...” (PENNA, 2000, p. 80), e esses olhos que brilhavam mesmo
estando vazios podem ser os de sua própria mãe, que de acordo com Lima (2005, p.76) atua
como perseguidora, intensificando a constante angústia do rapaz.

4. A relação entre os gêmeos e a loucura

A relação entre Antônio e Pedro sempre foi envolta em rivalidade e suas diferenças, como já
foi dito anteriormente, eram percebidas desde a infância:
Enquanto seu irmão [Pedro] surgia para a vida entre gritos e risos, ele
[Nico Horta] murchava a um canto do leito, esquecido, encolhendo-se,
todo enrugado, como se quisesse fugir, esconder-se de todas as
enfermidades que o espreitavam, afugentadas pelas cores radiantes do
irmão. (PENNA, 2000, p. 28)

Nico Horta era o oposto do irmão, sua fragilidade e seu desajuste são constantemente enfocados.
A “beleza vitoriosa de Pedro” (PENNA, 2000, p. 28) ganhava toda atenção, inclusive de D.
Ana, que em certo momento da narrativa chega a declarar que já não tem perto dela seu pobre
filho Pedro (PENNA, 2000, p. 196), como se Nico não fosse seu filho também. Toda essa
situação, que surge do jogo entre semelhanças (irmãos gêmeos) e discrepâncias (a fragilidade
de Nico e a força de Pedro; preferência por este e desprezo por aquele), gera no protagonista,
conforme Lima (2005, p. 79), uma sensação de ilegitimidade e a necessidade de odiar o rival,
não suportando nem mesmo sua “presença importuna” e “companhia horrível” (PENNA, 2000,
p. 59).
Os irmãos ficam afastados quando Pedro, acometido pela loucura, é levado para a capital. O
gêmeo sempre descrito como forte e cheio de vida é o que tem sua saúde tomada por uma
doença que o exclui da companhia de sua família e da vida em sociedade. Fazendo um paralelo
entre a tuberculose e a loucura, Sontag (2007, p. 35-36), afirma que a exemplo da primeira, a
última é um tipo de exílio, mas este não se restringe a um sentido literal, podendo ser entendido
como aquela espécie de exílio ocasionado por psicoses (ou até mesmo drogas) que faz o doente
viver fora da realidade.
Embora a loucura tenha mostrado sua face em Pedro, não podemos excluir a possibilidade de
Horta possuir inclinações a desenvolvê-la também. O personagem principal possuía um
desajuste exacerbado em relação à realidade: ele não conseguia estar inteiro no presente como
já foi apontado por Lima (2005, p. 74-75), e isso o fazia sofrer. Em algumas épocas defendia-
se a ideia de que a loucura fazia do doente “alguém demasiado sensível para suportar os horrores
do mundo vulgar e cotidiano” (SONTAG, 2007, p. 36), características nas quais o protagonista
de Dois romances de Nico Horta se enquadra perfeitamente.
Somando-se aos fatores anteriormente expostos, as várias alucinações que teve, como, por
exemplo, com os índios que o chamavam de criminoso e outra com um ser muito alto, de vestes
resplandecentes que tinha seis asas “e parecia manter com Alguém invisível um misterioso e
gigantesco diálogo” 3 (PENNA, 2000, p.188), mostram que a loucura não estava tão longe do
rapaz.
Dentre as semelhanças que os gêmeos compartilhavam o estado doentio certamente está entre
elas. No entanto, até mesmo nisso há distinções. Enquanto Pedro tem sua doença prontamente
diagnosticada, Nico Horta não consegue ser pleno e alcançar certeza nem mesmo em relação a
isso. O rapaz vive na fronteira entre o estar são e o estar doente, e esse dualismo, essa
incapacidade de inteireza o deixam imerso em um estado doentio.
Diante de sua situação, tão longe de ser saudável, o protagonista não consegue encontrar uma
solução, não há quem o salve4 (nem ele pode salvar a si mesmo), quem faça com que as
enfermidades que o cercam desde garoto se afastem. O hóspede obscuro que Nico dizia ter
dentro de si era um “invasor invencível” (PENNA, 2000, p. 212).

5. A questão do duplo e a fomentação do estado doentio

Estar entre a saúde e a doença não é a única fronteira com a qual o protagonista tem que lidar
sendo possível encontrar outras que contribuem para o desenvolvimento de seu estado doentio.
Nico Horta convive com a angústia de ser ele mesmo e o primeiro esposo de sua mãe, de ser ao
mesmo tempo semelhante ao irmão (são gêmeos), mas tão diferente fisicamente e na forma
como é tratado. A personagem principal fica também entre dois amores (Rosa e Maria Vitória)
e transitando entre dois locais (a fazenda e a cidade). O próprio título do livro já aponta para a
dualidade existente na história.
Ao falar sobre um fenômeno denominado Inquietante, Freud (2010, p. 329-331) o relaciona ao
que é angustiante, terrível e causa horror, tornando até mesmo aquilo que é familiar algo
assustador (inquietante). O duplo é considerado pelo autor um dos fatores que causa a
inquietação, sendo associado a princípio ao “surgimento de pessoas que, pela aparência igual,

3
A criatura dessa alucinação se assemelha muito aos anjos (serafins) descritos no livro bíblico de Isaías, no
capítulo 6. Indícios assim apontam, dentre outras coisas, para a influência da religião nesse romance de Cornélio
Penna.
4
Os sentidos de “salvar” podem ser entendidos no sentido cristão de salvação da alma, ser levado ao Paraíso depois
da morte, ou de encontrar alguma solução para um problema (um mal) ainda em vida.
devem ser consideradas idênticas” (FREUD, 2010, p. 350-351) em tudo, inclusive nos
sentimentos, saberes e vivências.
Outra questão inerente ao duplo é “o constante retorno do mesmo, a repetição dos mesmos
traços faciais, caracteres, vicissitudes, atos criminosos, e até de nomes, por várias gerações
sucessivas” (FREUD, 2010, p. 351). Muitas dessas características podem ser atribuídas a Nico
Horta (algumas já foram tratadas anteriormente), embora o rapaz não tenha, por exemplo,
cometido crime algum, os atos repugnantes do primeiro esposo de sua mãe são imputados a ele.
O protagonista também acaba sendo confundido – na cena já mencionada sobre a alucinação
com os índios – conforme Santos (2004, p. 46), com o invasor branco do período de colonização
do Brasil, que em nome do progresso e da fundação de uma “civilização” pratica barbaridades
contra os indígenas que habitavam o país antes de sua chegada. Por essas ações cruéis, Nico
experimenta a sensação de ser um criminoso. Desse modo, a identificação com outras pessoas,
usando as palavras de Freud (2010, p. 351), acaba equivocando o personagem quanto ao seu
próprio Eu, colocando um outro Eu no lugar dele.
Lima (2005, p. 66) diz que a primeira característica que compõe o duplo é a semelhança ou
correspondência (física ou de função) entre dois personagens, sendo que ao menos um destes é
destruído durante o jogo entre equivalência e divergência. No duplo entre o primeiro esposo de
D. Ana e Nico, por exemplo, o rapaz perde sua legitimidade como filho bem como o afeto que,
em tese, deveria encontrar em sua família. O “duplo [...] parte de um conflito psicológico e se
estende pelo âmbito social” (LIMA, 2006, p. 204).
Santos (2004, p. 233), por sua vez, pontua que em Cornélio Penna5 a questão do duplo se torna
especial ao se configurar entre irmãos, pois estes não se integram mesmo sendo de uma mesma
família. São simultaneamente familiares e estranhos, não suportando no irmão “precisamente o
que trazem em si” (SANTOS, 2004, p. 233). Assim, os personagens se deformam e se distorcem
como se estivessem “diante de um espelho ruim” (SANTOS, 2004, p. 233), sendo levados à
ruína como pode ser percebido em Dois romances de Nico Horta.
A bipartição existente entre Maria Vitória e Rosa guarda uma peculiaridade apontada por Lima
(2005, p. 80), que é o fato de Nico, geralmente a vítima do duplo, contribuir – ficando entre
dois amores, tendo que se comprometer com uma das moças por imposição de D. Ana – para
sua ocorrência. No entanto, ao cometer suicídio, “Rosa impede ser parte da dualidade e a
transfere para Nico Horta” (LIMA, 2005, p. 80-81) que acaba, como sempre, sofrendo as

5
Todos os romances de Penna são permeados pela questão do duplo, que ocorre muitas vezes entre irmãos.
consequências ao tomar para si a culpa – como já foi explicitado anteriormente – pela morte da
moça. Após chegar do enterro, o rapaz entra mais uma vez em suas reflexões e perturbações,
tentando entender como acabaria com o “pequeno monstro” (PENNA, 2000, p. 212) que
consumia seu coração, podendo ser esse monstro o remorso por tudo que havia acontecido.
O duplo continua a rodear o protagonista até em seus momentos finais. Durante toda a “vida,
Nico Horta não se sentia semelhante à vida, mas sim próximo da morte, assim como, na véspera
da morte, sente-se semelhante ao corpo desejoso de vida” (LIMA, 2005, p. 81). Quando está
prestes a morrer, o personagem pede para ser aceito por seus familiares e declara que os aceitará
também, além de afirmar que viverá e ficará curado, mas já é tarde demais e seu súbito desejo
ou lampejo de esperança não são suficientes para livrá-lo.

Considerações finais

Muitos romances possuem personagens que são “enriquecidos pela experiência da doença”
(LAPLANTINE, 2010, p. 147), utilizando seu próprio estado (ou até mesmo de terceiros) como
meio para desenvolver suas virtudes, conhecimento interior e da realidade social que os cercam.
No entanto, em Dois romances de Nico Horta, as doenças e os estados doentios só
proporcionam dores (físicas e simbólicas), exílio, ruína e morte. Toda a vida de Nico aponta
para um estado de afastamento do que pode significar cura, saúde e salvação.

Nico Horta vive como se ele devesse sofrer e pagar pelos seus pecados, embora estes não
estejam claros, e na maior parte do tempo nem pertençam ao próprio rapaz, como os erros do
primeiro esposo de sua mãe. O personagem parece viver o que Laplantine (2010, p. 227) chama
de “doença-maldição”, uma forma de vingança gratuita, que ocorre pelo destino, algo que
acontece por determinação divina e não por um pecado cometido pelo doente ou pelo grupo.

No entanto, Nico experimenta a “doença-punição” (LAPLANTINE, 2010, p. 167) como uma


consequência do que ele mesmo provocou ou até mesmo do que seus semelhantes cometeram,
remetendo assim, a noção cristã de pecado original6. Nestes termos, “a doença podia ser um
castigo especialmente adequado e justo” (SONTAG, 2007, p. 42), não havendo para onde fugir
da culpa que é inerente ao ser humano como as enfermidades o são.

6
Do ponto de vista cristão, tendo Adão e Eva, tidos como nossos “primeiros pais”, caído em pecado, toda a
humanidade herdou a corrupção, e por isso todos passaram a ser considerados culpados diante de Deus.
Segundo Lima (2005, p. 81), a última opção possível colocada por Cornélio Penna diante de
todo sofrimento e infortúnio que rodeavam a existência das personagens, principalmente do
protagonista, é a morte. Nos minutos finais de sua vida, Nico Horta diz aceitar aqueles que na
maior parte do tempo viu como estranhos, afirma querer viver, mas não só isso, ele quer associar
o seu viver ao obedecer, como se a obediência não fizesse parte de sua “antiga vida”, que teria
sido cheia de desobediência, ou mais especificamente, de pecado – o que, como vimos, não
parece corresponder aos acontecimentos narrados no romance.

Referências bibliográficas

BÍBLIA SAGRADA. Trad. João Ferreira de Almeida. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil,
1999.

FREUD, Sigmund. O inquietante. In: FREUD, Sigmund. Obras completas. Trad. Paulo César
de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, p. 328-376, 2010.

LAPLANTINE, François. Antropologia da doença. Trad. Valter Lellis Siqueira. 4. ed. São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.

LIMA, Luiz Costa. O romance em Cornélio Penna. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2005.

PENNA, Cornélio. Dois Romances de Nico Horta. Rio de Janeiro: Artium, 2000.

SANTOS, Josalba Fabiana dos. Maternidade monstruosa em Cornélio Penna. Aletria (UFMG),
v. 16, p. 147-157, 2007. Disponível em:
http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/aletria/article/view/1412/1510. Acesso em: 22
nov. 2018.

SANTOS, Josalba Fabiana dos. O espelho, o espectro, o espetáculo. In: SANTOS, Josalba
Fabiana dos. Fronteiras da nação em Cornélio Penna. 2004. Tese (Doutorado em Estudos
Literários) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004.
f. 221-237.

SONTAG, Susan. Doença como metáfora; AIDS e suas metáforas. Trad. Rubens Figueiredo,
Paulo Henriques Brito. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
IDEOLOGIA E FANTASIA NA OBRA DE SLAVOJ ZIZEK

Autor: Jeferson Santos da Silva


Graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe
jefersoncarira97@gmail.com

Orientadora: Prof. Dr.ª Elza Francisca Correa Cunha (DPS/UFS)

Introdução
Em um movimento de contracorrente, o filosofo Slavoj Zizek, para quem a teoria da
ideologia e, principalmente, a crítica da ideologia se faz mais do que nunca necessária, traz uma
nova concepção do fenômeno ideológico a partir da leitura do conceito de fantasia na
psicanálise.
De tal maneira, esta pesquisa gira em torno do seguinte problema de pesquisa: Qual a
relação entre o conceito de ideologia e fantasia na obra de Slavoj Zizek? Para tentarmos situar
como o autor coloca esses conceitos em relação e atualização que o mesmo traz para o debate
da crítica da ideologia.
Parece suspeito, hoje em dia, falar de crítica da ideologia, em pelo menos dois sentidos:
a) prático, uma vez que tal conceito parece trazer consigo todo o peso das fatídicas tentativas
de instalação do comunismo no século passado e b) teórico, uma vez que tal conceito (em uma
primeira impressão) traria um conteúdo representativista que não condiz com o movimento
teórico presente, ou seja, o sujeito que faria uma crítica dessa dimensão pressuporia uma
representação adequada da realidade:

...acaso a crítica da ideologia não implica um lugar privilegiado, como que isento das
perturbações da vida social, que faculta a um sujeito-agente perceber o mecanismo
oculto que regula a visibilidade e a invisibilidade sociais? (ZIZEK, 1996a, p.9)

Também outras razões apontam para o não uso do conceito de ideologia, uma delas é que
tem a sensação de que para identificar uma forma de pensamento como ideológica seria preciso
dispor de uma espécie de acesso à verdade absoluta. Se a ideia de verdade absoluta é contestada
o conceito de ideologia parece desmoronar. Há mais duas razões por que a ideologia não ser
mais conceito da moda, uma que numa era pós-moderna a ideia de que funcionamos pautados
pela falsa consciência é simplista demais, ou seja, as pessoas estariam muito mais cônscias de
seus valores o que torna a questionar a pertinência do conceito de ideologia. Por fim, existe a
tese de que o que mantém o sistema em funcionamento é menos a retórica ou o discurso do que,
digamos, sua lógica sistêmica: a ideia de que o capitalismo tardio funciona por si, de que já não
precisa passar pela consciência para ser validado, de que garante, de algum modo, sua própria
reprodução (BOURDIEU, EAGLETON, 1996).
Talvez outro do motivo que tenham levado a categoria de ideologia a escanteio tenha sido
a abrangência que foi tomando, ao longo do tempo, para explicar os mais diversos âmbitos da
vida social, quer dizer, o conceito se tornou forte demais (ZIZEK, 1996a):
“Ideologia” pode designar qualquer coisa, desde uma atitude contemplativa que
desconhece sua dependência em relação à realidade social, até um conjunto de crenças
voltado para a ação; desde o meio essencial em que os indivíduos vivenciam suas
relações com a estrutura social até as ideias falsas que legitimam um poder político
dominante. Ela parece surgir exatamente quando tentamos evita-la e deixa de aparecer
onde claramente se esperaria que existisse. (p.9).

Dos problemas do conceito de ideologia que foi dito, podemos inferir realmente que
vivemos em um tempo outro, assim, talvez a teoria da ideologia dominante clássica (marxista),
mais difundida, não nos sirva mais para apreender a realidade social presente. A saber, esta
teoria mais clássica postula a ideologia como um discurso que se diz universalmente verdadeiro,
porém em seu núcleo se mostra falsa, servindo a interesses inconfessos que sustentam uma
prática de dominação social. Desta perspectiva, a ideologia dominante é tida como uma falsa
consciência de como as coisas efetivamente funcionam, desligada dos “processos reais”,
bastando conhecer como as coisas efetivamente são para dirimir as ilusões.
Todavia, parece que só conhecer como os processos realmente se dão, não faz mais efeito
de dissolução da ideologia, por exemplo, mesmo que se diga aos quatro ventos que uma
intervenção americana em um país subdesenvolvido seja motivada por interesses econômico,
não pela instauração de uma democracia real, há nisso um cinismo visto que todos sabemos
disso mas agimos do mesmo modo. Visto que não precisa mais de uma ilusão e um espetáculo
para manter as aparências, talvez, por esse prisma, seria justo afirmar a impertinência de uma
teoria da ideologia e mais ainda de uma crítica da ideologia (BARROS, 2014).

Leitura sintomal da ideologia e a era do cinismo


O sintoma é aquilo que se apresenta quando falta-nos palavras, ou seja, algo que foi
recalcado no inconsciente que retorna por outras vias que não a simbólica. Notemos como a
concepção freudiana de sintoma enfatiza a sua dimensão simbólica. Os sintomas possuem um
sentido, ao qual o paciente está alienado e precisa ser interpretado, pelo analista, e ganhar acesso
a consciência, como na passagem a seguir: “Jamais se constroem sintomas a partir de processos
conscientes; tão logo os processos inconscientes pertinentes se tenham tornado conscientes, o
sintoma deve desaparecer” (FREUD, 1916/1917b, p. 287).
O traço do sintoma que mais nos interessa é o fato de que seu mecanismo só se mantém
em funcionamento na medida em que o desconhecemos, quer dizer, para continuar operando, o
sintoma precisa manter um sigilo intrínseco a si mesmo. Porém, uma vez decodificado o sigilo,
tem-se sua total dissolução. Ora, não é isso que acontece com a lógica clássica do
funcionamento da ideologia, a saber, uma proposição universal que se pretende verdadeira, mas
que contêm um núcleo falso que quando descoberto invalida (faz desaparecer) todo o resto
(BARROS, 2015).
Então, aqui, há uma comparação entre o sintoma na psicanálise e o funcionamento
clássico da ideologia (falsa consciência). Derivando assim, uma leitura sintomal da ideologia,
ou seja, mais superficial, que não desvela o mecanismo oculto que a produziu, assim como no
sintoma no qual seu deciframento pelo sujeito representa sua dissolução e perda do mecanismo
inconsciente subjacente.
Para Zizek, o paradigma clássico da ideologia como falsa consciência é o que está em
crise, na qual não consegue apreender a atual realidade social de forma satisfatória, sempre
faltando algum significante que possa dar luz as formações sociais presentes e suas
características. Um desses traços contemporâneos é que estamos vivendo em uma era cínica.
O chamado cinismo, constitutivo de nossa época, surge a partir da inversão feita pelo
filósofo Peter Sloterdijk (2004) da clássica proposição de Marx encontrada n’O Capital: “Eles
não sabem o que fazem, mas mesmo assim o fazem”. De maneira que Sloterdijk (2004) inverte
a máxima para o que seria na contemporaneidade: “eles sabem muito bem o que estão fazendo,
mas mesmo assim o fazem”. No qual reconhece-se tudo (os interesses econômicos, patológicos,
etc.) que se mascara por detrás dos discursos oficiais, mas, mesmo assim continua-se a fazer, a
despeito de qualquer coisa:

a fórmula da ‘razão cínica’ seria ‘eles sabem muito bem o que estão fazendo, mas
mesmo assim o fazem’. A razão cínica já não é ingênua, é o paradoxo de uma ‘falsa
consciência esclarecida’: estamos perfeitamente cônscios da falsidade, da
particularidade por detrás da universalidade ideológica, mas, ainda assim, não
renunciamos a essa universalidade... (ZIZEK, 1992, pp.60).

O cinismo é como que uma resposta da cultura vigente à subversão cínica (kinismo), pois,
sabe-se do interesse particular por trás da máscara ideológica, mas mesmo assim conserva-se a
máscara. “O cinismo não é uma postura de imoralidade direta, mas, antes, a própria moral
colocada a serviço da imoralidade: a ‘sabedoria’ cínica consiste em apreender a probidade como
a mais rematada forma de desonestidade, a moral como a forma suprema da devassidão e a
verdade como forma mais eficaz da mentira.” (ZIZEK, 1992, pp.60).
Um cinismo ideológico que caracteriza-se por uma “falsa consciência esclarecida”, em
que há uma discordância fundamental entre os princípios proclamados e a prática efetiva
(SAFATLE, 2008). Toda a sabedoria do cínico consiste em assegurar essa distância entre os
princípios proclamados e a prática efetiva. Tanto que a coisa mais insuportável para a postura
cínica é ver alguém transgredir a lei abertamente, publicamente, alçar a transgressão à condição
de um princípio ético (ZIZEK, 1992, pp.60).
Em suma podemos dizer que em nossa era o poder aprendeu a rir de si mesmo:
personagens de contos de fadas que não mais se reconhecem e criticam seus próprios papéis,
propagandas que zombam da linguagem publicitária, celebridades e representantes políticos
que auto-ironizam em programas de televisão (SAFATLE, 2008). Segue-se daí, de acordo com
Zizek (1992), a impossibilidade da leitura sintomal da ideologia apreender essa consciência
cínica:
Assim, fica claro que, diante de tal edifício cínico, a ‘leitura sintomal’, o método
crítico-ideológico tradicional, não funciona: não podemos subverter a ‘consciência
cínica’ por meio de uma leitura que tente confrontar o texto ideológico com seu
‘recalcado’, ‘dialetizá-lo’, relacionando seu discurso superficial com um outro
discurso, identificando, através dos pontos em que ‘isso não funciona’, sua função de
classe, sua determinação por um interesse particular. (pp.60-61)

Contudo, Zizek (1992) ver nessa impossibilidade de apreensão da leitura sintomal, uma
chance da ideologia se manifestar na sua forma mais pura. O autor defenderá que a ilusão mais
importante não se encontra no "saber”, mas no “fazer” através da forma-mercadoria. Mesmo
quando sabemos dos significados, agimos como se não soubéssemos, pois as coisas estão
naturalizadas na nossa realidade. Ao lidarmos com dinheiro, embora saibamos que se trata de
um produto do trabalho humano, o encaramos como algo natural que incorpora a riqueza pura
e simplesmente.

Digressão fantasmagórica
Para podermos compreender a leitura que Zizek faz da ideologia, é preciso percorrer o
que, em psicanálise, chama-se o “além” do sintoma. Para tal nos faz mister a distinção entre
sintoma e fantasia, qual Zizek toma de J. A. Miller:
É nesse ponto que adquire todo seu peso a distinção elaborada por J. A. Miller entre
sintoma e a fantasia: a finalidade da ideologia ‘ingênua’ que acarreta a abdicação da
‘leitura sintomal’, crítico-ideológica, só faz destacar a dimensão mais fundamental da
fantasia ideológica – o ‘cínico’, que ‘não acredita nisso’, que sabe muito bem da
inutilidade das proposições ideológicas, desconhece, no entanto, a fantasia que
estrutura a própria ‘realidade’ social (ZIZEK, 1992, pp.61).

Miller diz que é um erro comum atribuir a toda teoria lacaniana o peso do significante,
sem levar em conta o que seria sua descoberta mais importante, a saber, o objeto causa de desejo
(objeto a). Aqui já podemos estabelecer uma diferenciação fundamental entre sintoma e
fantasia. Enquanto o primeiro está ligado ao registro do simbólico, a uma formação do
inconsciente, o segundo implica algo que está para além da simbolização, para além do
mecanismo de interpretação do analista.
Assim, a oposição entre sintoma e fantasia constitui também uma oposição entre
significante e objeto (DEZAN, 2013). No sintoma prevalece a articulação do significante –
embora saiba-se que uma parte do sintoma permanece oculto, não simbolizado – enquanto no
objeto prevalece a fantasia. Outra diferença que podemos tomar entre sintoma e fantasia, é que
o sintoma estaria mais relacionado ao desprazer, o quanto o analisante fala sobre o sintoma, e
a fantasia estaria mais relacionada á produção de prazer e consolo, o analisante não fala dela.
Observemos que esse “além” do sintoma aponta para a fantasia (fundamental) que nos
leva para a teoria do gozo em Lacan. A contribuição de Zizek parece ser justamente captar a
dimensão do gozo para o campo da ideologia.
Um ponto importante a ser elaborado, refere-se a relação entre a fantasia com o desejo do
Outro, com sua falta no campo do significante (representado pelo matema A barrado). A
fantasia constitui, assim, uma resposta ao enigma do desejo do Outro, e por se localizar nessa
falta do significante, a fantasia não poderia ser passível de interpretação, simbolização.
Interessa-nos principalmente, a operação de separação onde se dá a ligação da fantasia
(fundamental) com a falta do desejo do Outro (DEZAN, 2013). Essa operação psíquica de
separação entre o sujeito e o Outro, abre espaço para o objeto a, objeto causa de desejo, resto
que escapa a qualquer significação. Na ausência do Outro (materno), o sujeito pergunta-se o
que quer o Outro (“Che voui?”) e, por conseguinte, pergunta sobre seu próprio desejo (ZIZEK,
2010). Desse modo, o matema da fantasia que conjuga sujeito e objeto a, surge como uma forma
de defesa frente ao desejo do Outro, e, assim, do próprio desejo.
Conforme visto a acima, o sintoma, em Lacan, é situado em termos simbólico como
qualquer outra formação do inconsciente, já que “o inconsciente é estruturado como uma
linguagem”. Já a fantasia para o mesmo, situa-se em três dimensões: a imaginária, a simbólica
e, para nós a mais fundamental, a real.
Antes de prosseguirmos, é bom ter em mente que a realidade na psicanálise é concebida
não como uma positividade plena, preenchida por fatos reais, mas sim que ela se apresenta por
sua simbolização incompleta. A pretensão de um acesso não distorcido da realidade tal como
ela é, apenas eliminaria, ideologicamente, os efeitos de suas falhas que são expressados nessa
distorção (ZIZEK, 1996b). Ou seja, serviria apenas por ocultar/tamponar o real da realidade,
conferindo-a uma completude e harmonia ideológicas. Assim, para exemplificar e já relacionar
isso com o marxismo:

Um exemplo interessante a Zizek recorre é o da ‘luta de classes”. No contrafluxo do


pensamento hegemônico atual das políticas do multiculturalismo, o filósofo mantém
as noções marxianas de classe e luta de classes, embora tome esta como aquilo que
Lacan considerou como real, como expressão do próprio antagonismo inerente ao
social, que o impede de se consolidar ‘como um todo fechado em si mesmo’. No
capitalismo, a ideologia tentaria justamente elidir esse real da luta de classes, ou seja,
elidir o real da realidade, para tapar essa impossibilidade de plenitude social (DEZAN,
2013, p.53).

Dessa maneira, o que seria para Marx em A ideologia alemã, a distorção como reveladora
da ideologia, aqui é justamente essa distorção que revela as partes da realidade que não puderam
ser simbolizadas. Portanto, a distorção revela o real fantasmático que estrutura a realidade
social, sendo assim a distorção reveladora, não encobridora.
Voltando para nosso ponto, Zizek (1996b) vai trabalhar sua noção de ideologia a partir
da relação lacaniana entre sonho e real. Para tal, a ideologia não consistiria em uma ilusão ou
um sonho que construímos para fugir da realidade insuportável, mas seria a própria realidade
como fuga de um núcleo social traumático que escapa a nossa simbolização. A ideologia
consistiria, dessa forma, uma construção de fantasia para servir de esteio a nossa realidade. A
construção da fantasia serviria de auxílio da ideologia para barrar o real, o efeito traumático do
furo na realidade social que desmente uma suposta harmonia social.
Assim, ao elaborar sua crítica na interface entre marxismo e psicanálise lacaniana, o autor
enriquece sua crítica a partir da noção de “real da fantasia”, que serve mais a ele do que a
fantasia puramente imaginária (DEZAN, 2013). Essa noção de real da fantasia quando passa a
constituir a realidade social e a ideologia, passa a funcionar como operador político de crítica
social. Também pensamos que a contribuição de Zizek teria sido, a partir da distinção entre
sintoma e fantasia, trazer para a teoria da ideologia a teoria do gozo e do objeto a. Lembrando
que, em Lacan, a fantasia possui o seu real no objeto a, auxiliando ao desejo.

Fantasia ideológica
Agora assentados nessa diferença entre sintoma e fantasia e no conhecimento do que seria
uma leitura sintomal da ideologia e de como ela não consegue apreender a consciência cínica,
partirmos então para a tese principal do texto:

A ilusão não está do lado do saber, mas já está do lado da própria realidade, daquilo
que as pessoas fazem. O que elas não sabem é que sua própria realidade social, sua
atividade, é guiada por uma ilusão, por uma inversão fetichista. O que desconsideram,
o que desconhecem, não é a realidade, mas a ilusão que estrutura sua realidade, sua
atividade social. Eles sabem muito bem como as coisas realmente são, mas continuam
a agir como se não soubessem. A ilusão, portanto, é dupla: consiste em passar por
cima da ilusão que estrutura nossa relação real e efetiva com a realidade. E essa ilusão
desconsiderada e inconsciente é o que se pode chamar de fantasia ideológica (ŽIŽEK,
1996b, p.316).

De certa forma retomando o mote marxista “Eles não sabem, mas o fazem”, Zizek (1992)
toma pra si essa tese desvendado outro lado, a saber, que a ilusão mais importante se encontra
no fazer, não no saber, através da forma-mercadoria. Quer dizer, mesmo sabendo das coisas
agimos como se não soubéssemos, pois, as coisas estão naturalizadas na nossa realidade.
Zizek opera uma articulação teórica da interpretação dos sonhos de Freud com o conceito
de forma-mercadoria, de maneira que se possa já entender previamente a relação marxismo e
psicanálise. Esta junção consiste no fato de que Freud(1996[1900]) toma o trabalho da
psicanálise, para além de uma simples decodificação do sonho, a análise da forma que o sonho
adquire. Partindo disso, Zizek (1996b) traz a análise da forma do sonho para uma versão da
análise da forma-mercadoria.
Dessa maneira, temos que a forma-mercadoria antecede o pensamento e as coisas creem
por nós, isto é, a crença já está dada externamente e o sujeito não precisa crer já que as coisas
creem por ele. Tem-se um Real que se comporta de forma idealista. Mas, em suma, o que nos
interessa aqui é que Zizek (1996b) relê a máxima marxista “eles não o sabem, mas o fazem”,
fazendo com que o acento recaia no fazer, e não no saber. Assim, no funcionamento cínico do
discurso, os sujeitos “sabem muito bem como as coisas realmente são, mas continuam a agir
como se não soubessem”. Longe de operar fora da ideologia, o discurso cínico opera numa
“dupla ilusão”: esta dupla ilusão “consiste em passar por cima da ilusão que estrutura nossa
relação real e efetiva com a realidade. E essa ilusão desconsiderada e inconsciente é o que se
pode chamar de fantasia ideológica” (p. 316).
Importa-nos também, para uma melhor compreensão, o fato de que fazendo uma “leitura
política” do grafo do desejo de Lacan, o autor indica que na última formulação do grafo o nível
de significação está abaixo do nível do gozo (DEZAN, 2013). Tendo isso em vista, o autor vê
aí a necessidade de formular duas análises do discurso complementares: uma procuraria
desconstruir o texto, evidenciando como um dado campo ideológico é totalizado pela
intervenção de pontos de basta; outra procuraria ir além desse campo e buscaria extrair o núcleo
do gozo, mostrando como, além do campo da significação, mas, ao mesmo tempo, dentro desse
campo, uma ideologia implica um gozo pré-ideológico que a estrutura (ZIZEK, 1996b).
Parece-nos que, nesse ponto, Zizek reelabora o conceito althusseriano de ideologia, que
insiste numa dissimetria entre a “representação” e a “realidade”, ao formular o conceito de
fantasia ideológica, em que o que está em jogo não é o desconhecimento ou a representação
falsa e imaginária da realidade. Assim, “o nível fundamental da ideologia, entretanto, não é de
uma ilusão que mascare o verdadeiro estado de coisas, mas de uma fantasia (inconsciente) que
estrutura nossa própria realidade social” (ZIZEK, 1996b, p. 316). Nesse sentido, a distância
cínica é apenas um dos modos de permanecermos cegos, segundo Zizek (1996b), para o poder
estruturante da fantasia ideológica, pois “mesmo que não levemos as coisas a sério, mesmo que
mantenhamos uma distância irônica, continuaremos a fazê-las” (p. 316). E é aqui que a leitura
do texto como sintoma apresenta seus limites, uma vez que nesse nível, não se trata de
interpretar o sintoma para fazer perecer seu poder de fixação, mas sim de atravessar a fantasia,
isto é, a tela fantasmática que nos abriga do núcleo traumático que estrutura nossa experiência
viva de seres falantes.
Já que a fantasia ideológica viria para suturar o núcleo traumático do real da realidade,
então, que trauma seria esse? Por que o sujeito desconsideraria essa ilusão que estrutura a
realidade? O sujeito desconsideraria a ilusão por ser fruto de um trauma inconsciente, este é o
papel da fantasia, a saber, tapar o buraco de uma lacuna. Para os termos sociais em que estamos
trabalhando, esta lacuna preenchida pela fantasia seria a ausência de sentido da dominação, da
arbitrariedade em que vivemos, justificada pela Lei Social. De modo que o princípio fundador
da lei é “A lei é a lei”, precedendo o sujeito, ela não precisa ser tomada como verdadeira, mas
sim como necessária sendo operada em uma vivência automática pelos indivíduos sem uma
pré-reflexão (ZIZEK, 1996b).
Nesse sentido, vejamos como Zizek (1992) coloca em prática seu conceito na
compreensão do fenômeno do antissemitismo. Conforme vimos, para o autor, o cínico não
estaria fora da ideologia, mas integralmente submetido a ela, já que, apesar de denunciar toda
normatização, no mesmo movimento se entrega a esse Deus obscuro, o qual denuncia e segue
como fiel fanático, na tentativa de elidir a figura da castração. É isso que se procura conceituar
com o conceito de fantasia ideológica, quando, por exemplo, distingue o Judeu como sintoma
e o Judeu como elemento da fantasia. Para Zizek (1992), no nível fundamental do
antissemitismo, o Judeu encarna, como um sintoma, a impossibilidade de existência da
sociedade, uma vez que é associado a uma força que corrói e corrompe o tecido social sadio.
No entanto, essa explicação sintomática não basta para compreender o fascínio exercido pelo
Judeu no antissemitismo: é preciso ver o lugar que este ocupa na “fantasia ideológica”: diante
da impossibilidade da existência da sociedade como um todo orgânico e organizado, o Judeu
funciona como um fetiche que ao mesmo tempo “desmente e encarna a impossibilidade
estrutural da sociedade”, como diz o autor. Para o nazismo, a sociedade não existe porque o
Judeu desagrega o tecido social, e precisa portanto ser eliminado. Assim, o Judeu funciona
como objeto de gozo na medida em que encarna de maneira positiva uma tela protetora contra
o fato de que a razão de não existir a sociedade se deve a um antagonismo estrutural que não
pode ser elidido, ou seja, a Luta de Classes. Como diz Lacan, o que é excluído do simbólico
retorna no real, neste caso, retorna no real como obra do Judeu. É o que Zizek (1992) salienta
quando afirma:

O Judeu é, para o fascismo, o meio de levar em conta, de fazer uma imagem de sua
própria impossibilidade (...) Por isso, não é suficiente designar o projeto totalitário
como impossível, utópico e desejoso de estabelecer uma sociedade totalmente
transparente e homogênea: o problema é que, de certa maneira, a ideologia totalitária
sabe disso, reconhece-o de antemão: na figura do Judeu, ela inclui esse saber em sua
construção. Toda ideologia fascista se estrutura como uma luta contra o elemento que
ocupa o lugar impossibilidade imanente do próprio projeto fascista: o Judeu é apenas
uma encarnação fetichista de uma certa barreira fundamental” (p. 124).

É a isso, esse mecanismo de a ideologia levar em conta antecipadamente sua própria falha,
que Zizek (1996b) chama de Fantasia ideológica. Desse modo, “a imagem ideológica do ‘judeu’
é investida de nosso desejo inconsciente, com o modo como construímos essa imagem para
fugir de um certo impasse de nosso desejo” (p.325).
Além disso, ainda segundo Zizek (1996b), é precisamente neste ponto, em que as
teorizações sobre a ideologia derivadas do marxismo falham em não levar em conta o aspecto
do desejo (ou melhor, dos impasses do desejo) presente em toda ideologia. Aqui, o autor se
apoia no próprio trabalho de Lacan quando este procura extrair as consequências de se pensar
a mais-valia de um ponto de vista psicanalítico, constituindo aquilo que Lacan designou como
“mais-gozar”. Para o autor, a homologia que pode ser lida aqui consiste no fato de que há um
paradoxo que marca o “mais-gozar”: “não se trata de um excedente que simplesmente se ligue
a um gozo ‘normal’, ‘fundamental’, porque o gozo como tal só emerge nesse excedente, é
constitutivamente um ‘excesso’” (p. 327). Para ele, o funcionamento do mais-gozar é
semelhante ao funcionamento do mais-valia, na medida em que ambos os conceitos designam
o ponto de um sistema em que este funciona constituindo seu próprio excesso. Assim, nem na
mais-valia nem no mais-gozar haveria um funcionamento harmônico, “normal”; em ambos os
casos, o caráter excessivo está presente como constitutivo. Como salienta Zizek (1996b), “é
essa, pois, a homologia entre mais-valia – a ‘causa’ que aciona o processo de produção
capitalista – e o mais-gozar, objeto-causa do desejo” (p. 330). Aqui, o Judeu funciona
perfeitamente como elemento ideológico, pois um excesso inerente ao próprio funcionamento
(social, do desejo) é atribuído a uma força maléfica que nos impede de obter um gozo sadio.

Considerações Finais
Ora, distinguir entre uma ideologia espontânea imanente às relações sociais e, por outra
monta, uma ideologia imposta pela organização de um autômato externo (ideologia =
“ideologia da ideologia”), significa dizer que uma ideologia, um conjunto de signos
(simbolização) aglutinados de maneira a “representarem” uma realidade, somente pode se
manter pela oposição a um outro conjunto de ideias localizado geralmente em outra instância
(PARRA, 2009). Surge enquanto decorrência disto que qualquer simbolização acerca de uma
realidade é sempre já uma significação incompleta, jamais poderá dar conta de um objeto em
sua completude – esta seria uma razão não psicanalítica para a incompletude da sociedade.
Partindo desta relação de incompletude existente entre o objeto e sua simbolização, o autor
introduz em sua análise do conceito de ideologia o horizonte psicanalítico através da noção de
espectro. Esta nada mais é do que a aparição repentina das características do Real que não
podem ser significadas. O espectro, que preenche a lacuna do real, mostra aquele algo
irrepresentável que está “recalcado” na própria falta que surge entre o real e sua simbolização.
Desse modo podemos dizer que a leitura política que Zizek faz da teoria lacaniana pode
ser compreendida em dois momentos: a) um primeiro quando reconhece a necessidade se
abrigar sobre uma teoria social as considerações freudianas sobre o fetichismo e a clivagem do
sujeito buscando compreender o cinismo como modo predominante de ordenação das formas
de vida na nossa sociedade; e b) segundo momento quando emerge o conceito de fantasia
ideológica, quando a leitura althusseriana da ideologia é ampliada para poder introduzir a
questão do desejo (os impasses do desejo).
Contudo, o conceito de fantasia ideológica merece algumas ressalvas quanto a sua
operação de formulação e quanto a sua aplicação prática. Primeiro no tocante a sua formulação,
é necessário termos claro que não se pode buscar uma articulação entre o materialismo histórico
e a psicanálise simplesmente agregando formas “sociais” de entender certos conceitos
psicanalíticos, quer dizer, não é apenas colocando o adjetivo “social” depois de um conceito
psicanalítico que ele alcança o social (BALDINI, sem ano). Porém, este ponto parece não
atingir a teoria Zizekiana, já que este opera tanto os conceitos psicanalíticos quanto marxianos
deslocando-os de seus respectivos campos para um outro – vale lembrar que o autor de maior
inspiração de Zizek é Hegel, logo, é deste campo, modo de trabalhar, que ele captura os
conceitos. Ainda na formulação do conceito de fantasia ideológica, parece que Zizek é passível
de crítica, segundo Dezan (2013), no tocante a “inversão” que ele faz do mote marxista “Eles
não sabem o que fazem, mas assim o fazem”. Pois, ele identifica essa máxima com o conceito
de fetichismo da mercadoria, porém, essa inversão é mais apropriada ao Marx de A ideologia
alemã, onde justamente a ideologia é tomada como falsa consciência.
No tocante a aplicação prática, esse conceito de fantasia ideológica não parece fazer a
coisa funcionar demais, portanto, não deveria nos fazer desconfiar de seu potencial
excessivamente explicativo, visto que consegue agregar muito bem Althusser e Lacan? Ora, em
Althusser, trata-se de explicar e compreender o fenômeno pelos quais os sujeitos se reconhecem
no Sujeito e a si mesmos como sujeitos, e é a isto que o autor reserva a nomeação “ideologia”
(BALDINI, sem ano). Estamos, assim, no campo da identificação e em seu valor de amálgama
dos laços sociais. Em Lacan - deixando em aberto que se trata de movimentos sucessivos ou
simultâneos - a questão é o enigma do desejo do outro, que coloca o vivente numa posição de
absoluta dependência de um enigma insondável. Com a fantasia, tal enigma encontra uma
resposta em que o sujeito, como sujeito desejante, pode se constituir. Antes de qualquer
identificação possível, a captura pelo Outro via um objeto causa de desejo. Esta é a distinção
que o próprio Zizek procura estabelecer e é também esta distinção que parece ser elidida com
o conceito proposto pelo autor.
Portanto, apesar das ressalvas a serem feitas à fantasia ideológica, o autor consegue
demonstrar que este novo quadro sócio-econômico, político e cultural não significa a
emergência de uma realidade que aponta para o desaparecimento da ideologia, pois os
mecanismos de coerção econômica e de coação da norma legal sempre mobilizam e
materializam crenças que são implicitamente ideológicas. Assim, por exemplo, o direito à
inviolabilidade da propriedade capitalista implica a crença de que isso é um pressuposto
inquestionável para o pleno funcionamento da sociedade. Ademais, segundo Zizek (1996a), a
forma de consciência reflexiva que se adéqua à chamada sociedade “pós-ideológica” do
capitalismo tardio continua a ser, strictu sensu, um comportamento ideológico, pois implica
uma série de pressupostos ideológicos sobre a relação entre os “valores” e a “vida real”,
necessários à reprodução das relações sociais existentes. Assim, a atitude cínica, que se mostra
indiferente frente às expressões ideológicas mais patéticas, preferindo dar importância apenas
às suas motivações consumistas, utilitaristas e hedonistas, não escapa deste tipo de incidência
ideológica.

Referências Bibliográficas
BALDINI, L. J. S. Sobre o conceito de fantasia ideológica. Cf. "Discurso, cinismo".
BORDIEU, P; EAGLETON, T. (1996) A doxa e a vida cotidiana: uma entrevista. In: ZIZEK,
S. Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
DEZAN, L. C. Fetichismo da mercadoria e inconsciente: Contribuições marxianas e
psicanalíticas para uma teoria da ideologia. 2013. 106 f. Dissertação (Mestrado) – Instituto de
Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
EAGLETON, T. (1996) A ideologia e suas vicissitudes no marxismo ocidental. In: ZIZEK, S.
Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
FREUD, S. (1917[1916-17]). Conferência XXIII: Os caminhos da formação dos sintomas, em
Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, vol. XVI, 1996.
MARX, K; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. Trad. Castro e Costa, L. C. São Paulo: Martins
Fontes, 2002.
MARX, K. O Capital: crítica da economia política: livro I. Tradução de Reginaldo
Santa’Anna – 26ª ed – Rio de Janeiro: Civilizacão Brasileira, 2008.
PARRA, E. B. A Construção Contemporânea da Ideologia Cínica. Unesp, vol. 2, n.1, 2009.
SAFATLE, V. Cinismo e falência da crítica. São Paulo: Boitempo, 2008.
SLOTERDIJK, P. Crítica de la razón cínica. Traducción del alemán de Miguel Angel Veja.
Madrid: Biblioteca de Ensayo Siruela, 2004.
ZIZEK, S; DALY, G. Arriscar o impossível: conversas com Zizek. Tradução Vera Ribeiro.
São Paulo: Martins, 2006.
ZIZEK, Slavoj. Como ler Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2010.
ZIZEK, S. (1996b) Como Marx inventou o sintoma? In: ZIZEK, S. Um mapa da ideologia.
Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
ZIZEK, Slavoj. Eles não sabem o que fazer: o sublime objeto da ideologia. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed, 1992.
ZIZEK, S. (1996a) Introdução: o espectro da ideologia. In: ZIZEK, S. Um mapa da ideologia.
Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
O RIO NU SOB ANÁLISE: APORTES TEÓRICOS PARA ESTUDAR O JORNAL
PORNOGRÁFICO DO INÍCIO DO SÉCULO XX

Autor: Johnatas dos Santos Costa


Mestrando em História pela Universidade Federal de Sergipe (PROHIS/UFS)
Bolsista CAPES
johnatassantoscosta@yahoo.com.br

Orientador: Prof. Dr. Antônio Lindvaldo Sousa (PROHIS/UFS)

INTRODUÇÃO

Pensar o Brasil (e o mundo) nos fins do século XIX e início do XX é trazer à tona
mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais. Em 1888, o Rio de Janeiro vivenciou o
processo de abolição da escravidão, que ocasionou mudanças nas relações de trabalho, e um
ano depois a República foi proclamada. Entre os letrados, teorias como a do cientificismo,
positivismo e darwinismo social ganharam cada vez mais adeptos. As cidades se modernizaram
e, principalmente, o Rio de Janeiro ganhou novos contornos tendo Paris como modelo.
Inúmeras invenções surgiram, a exemplo do automóvel, do telefone, do telégrafo e da lâmpada
elétrica, e foram modificando pouco a pouco as percepções e sensibilidades dos cidadãos. Até
a noção de tempo foi alterada! Machado de Assis, em uma crônica de 1894, questiona-se: “então
que é o tempo? É a brisa fresca e preguiçosa de outros anos, ou este tufão impetuoso que parece
apostar com a eletricidade?” Em suma, ideais de “modernidade” e “civilização” fizeram parte
da mentalidade global desta época, a qual chamamos de Belle Époque.

Em nosso país, a República recém proclamada foi o marco dessa mentalidade. Para a elite
(e setores intermediários) ela representava a liberdade, a ciência, a democracia e o progresso e
significou um rompimento com o atraso, a barbárie, o privilegio e a tirania, adjetivos utilizados
ao se falar sobre o Império do Brasil. A ideia, na época, era de que o novo regime representava
“o embarque no trem da evolução rumo à estação ‘civilização’” (MELLO, 2009: 18). Contudo,
para além das mudanças políticas e econômicas, era preciso pensar socialmente, ou seja, qual a
sociedade ideal para este país que se reformulava? Inúmeras questões emergiram a partir dessa:
Como deveriam se portar os homens e mulheres nesse novo tempo que se iniciava? Qual o
padrão, o modelo civilizatório que deveria ser seguido? E por fim, porém não menos
importante, quais as ferramentas seriam eficazes para que se alcançasse tal objetivo?
Para nós, um dos mais importantes instrumentos auxiliadores nessa empreitada foi a
imprensa, em especial a de cunho pornográfico, na qual se insere a nossa fonte de pesquisa, O
Rio Nu. Tendo como base as discussões realizadas no âmbito das disciplinas do Programa de
Pós-Graduação em História (PROHIS)7 da Universidade Federal de Sergipe, o presente artigo
tem como objetivo estabelecer uma interlocução entre o jornal mencionado e alguns conceitos
e ideias debatidos em sala de aula. Esse diálogo possibilita analisarmos o periódico com o
propósito de investigar apropriadamente o nosso objeto de pesquisa que versa sobre as
representações de mulher que O Rio Nu estabeleceu e/ou ratificou durante os seus anos de
publicação.

O RIO NU, A NOSSA FONTE DE PESQUISA

A partir de 1870, tanto o mercado editorial como a imprensa brasileira desenvolveram-se


expressivamente. Com o surgimento de novas tecnologias de impressão, o custo e o preço
desses impressos barateavam-se cada vez mais e, em consequência, o mercado consumidor se
ampliou, aumentando as vendas e popularizando a leitura. No que concerne à produção de
livros, o uso de papel de menor qualidade, o tamanho econômico das edições e as capas
brochadas tornou o material mais popular e não destinado somente às elites abastadas. Diante
desse novo cenário, os livreiros de publicações pornográficas aproveitaram para disseminar
entre os leitores os chamados “romances para homens”. Esses enredos de conteúdo apimentado
e transgressor eram proibidos às mulheres, pois acreditava-se que elas, por serem frágeis e
delicadas, estavam suscetíveis aos encantos desses romances.

A palavra pornografia, cuja raiz etimológica significa “escrever sobre prostitutas”,


adquiriu no mercado editorial carioca do século XIX um sentido bem mais amplo. Ela
foi emprestada às histórias que davam vez a seqüências intermináveis de fornicações
e cópulas como também a todo enredo que exibisse em seu texto descrições corporais
pouco sutis, namoros proibidos e menções a prazeres que feriam os bons costumes.
Isso significa que, no universo literário, as obras identificadas pela expressão “para
homens” variavam não apenas pelo estilo narrativo de seus autores, mas também pela
quantidade de encontros sexuais descritos. (EL FAR, 2007: 290-291)
No entanto, este gênero não ficou restrito à literatura. Devido ao sucesso desses romances,
a imprensa se apropriou de alguns dos seus elementos para criar um gênero que se caracterizasse
por textos humorísticos e maliciosos com uma linguagem simples e sagaz, associados à

7
As disciplinas abarcadas são “Cultura, Sociedade e Poder”, que foi ministrada pelos professores Thiago Lenine
Tito Tolentino e Edna Maria Matos Antonio; “Teoria e Metodologia da Pesquisa em História”, sob a liderança do
professor Carlos de Oliveira Malaquias; “Gênero e Educação”, disciplina do Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGED/UFS), ministrada pela professora Maria Helena Santana Cruz.
ilustrações de mulheres nuas e seminuas e que pudessem ser vendidos a um público mais amplo
a preços baixos.

Como mencionado, a imprensa nessa época também evoluíra. Além dos elementos
citados de barateamento das impressões e aumento do público consumidor, ela ganhou um
caráter mais empresarial e mudou o padrão editorial das publicações, tornando os seus textos
mais informativos, isentos, verídicos e permeados por fatos reais. Inclui-se também o
desenvolvimento de linhas férreas, que aperfeiçoou os sistemas de transportes e regularizou os
serviços dos Correios, permitindo a entrega regular das assinaturas, a principal forma de
distribuição dos jornais (BARBOSA, 2010).

As temáticas desses periódicos também foram variadas. Como afirma Marialva Barbosa
(2010, p. 118), “ao lado das edições dos jornais diários, proliferam revistas mundanas,
periódicos críticos e literários, impressos que falam exclusivamente do mundo do trabalho,
entre centenas de publicações”. Dentre essas temáticas, a obscenidade advinda dos “romances
para homens” se popularizou e foi denominada de “imprensa de gênero alegre”. Segundo
Cristina Schettini Pereira (2011), a expressão “gênero alegre” diz respeito a uma preocupação
com uma malícia delicada, dentro de certo limites, mas, ao mesmo tempo, está ligada à
despretensão. Uma das primeiras publicações a assumir esse rótulo foi a revista brasileira Sans
Dessous, que associava a expressão à vida noturna, a introdução de diversões francesas e a
prostituição. Em seu número inaugural a revista publicou a foto de uma prostituta francesa com
a legenda: “a iniciadora do gênero alegre no Brasil – uma justa e respeitosa homenagem de
Sans Dessous”.

O jornal O Rio Nu: periódico semanal caustico humorístico foi o principal representante
deste gênero, tendo sido publicado bissemanalmente de 1898 à 1916. Além dele, outros
periódicos populares, de duração mais efêmera, também possuíram esse viés malicioso, a
exemplo do O Coió, O Riso, O Tagarela, O Nu, A banana, O Badalo, O Nabo e o já mencionado
Sans Dessous. A primeira edição do Rio Nu foi publicada no dia 13 de maio de 1898, dez anos
após a abolição da escravidão8, e era redigido, como muitos de sua época, por jovens da boêmia

8
Segundo Natália Peçanha, “a escolha da data da primeira edição desse jornal não foi por acaso. A tentativa de
ratificação de uma imagem de jornal subversivo e aquém as desigualdades sociais fez com que a data da libertação
dos escravos fosse utilizada por esses redatores com um caráter simbólico, ou seja, a “liberdade” moral. Todavia,
esse discurso é muito mais teórico do que prático, visto que de forma paradoxal esse jornal ora rompia com a moral
vigente, ora ratificava hierarquias sociais e, sobretudo, raciais e de gênero.” Ver: PEÇANHA, Natália Batista.
“Regras de civilidade”: tecendo a masculinidade do smart nas páginas d’O Rio Nu (1898-1916). 2013. 162p.
literária carioca. Dentre os nomes, estavam Demétrio Alves, mais conhecido no jornal como
“Dealino”; Alfredo Calainho, sob a identidade de “Brás Cubano”; Alfredo Boucher Filho, que
colaborou como “Arduíno Pimentel” e tantos outros.9 Destaca-se também a presença de Arthur
Azevedo, com o pseudônimo de “Juvenal” e Olavo Bilac, que assinava “D. Louro”. Além
desses, o mais famoso boêmio que passou pelo jornal e o principal redator do periódico, foi o
alagoano José Ângelo Vieira de Brito, que possuiu inúmeros pseudônimos: Bock, J. Brito, Bier,
Mané Gregório e Carlos Eduardo e fez fama em várias outras publicações10.

É pertinente destacar que estes jovens estão inseridos em um contexto de modernismo


brasileiro e no que concerne a este tema nos valemos da discussão de Mônica Pimenta Velloso.
Ela entende que o modernismo trata-se de “um processo e movimento contínuo que vai
desencadear vários outros movimentos no tempo e no espaço. Propomos pensar o modernismo
a partir da perspectiva da simultaneidade, da continuidade e da pluralidade” (VELLOSO, 2008:
353) e afirma que muito antes da Semana de Arte de Moderna de São Paulo, em 1922, já existia
no Brasil um movimento modernista, localizado no Rio de Janeiro e composto por inúmeros
intelectuais. Muitos são conhecidos até hoje, a exemplo de Tobias Barreto, Silvio Romero e
Euclides da Cunha, que compunham a chamada “geração de 1870”, que estava preocupada,
entre outras coisas, em definir uma nacionalidade para o Brasil. Uma das diferenças entre os
movimentos é que o do Rio de Janeiro não sistematizou as suas produções em um só projeto
como a Semana de 1922, ou seja, “o modernismo carioca irá se organizar de forma diferente da
que veremos mais adiante acontecer em São Paulo. Ao contrário dos modernistas paulistas, os
intelectuais cariocas refutam a ideia de um movimento literário organizado” (DEALTRY, 2009
apud CARVALHO, 2015: 57).

Dentro desse movimento modernista havia também a presença dos boêmios – grupo que
agregava a maior parte dos jovens que escrevia O Rio Nu – “que tinha como um dos principais
instrumentos de comunicação a linguagem humorística. Através dos escritos satíricos e
caricaturas, o grupo busca mostrar as mudanças que estavam ocorrendo nos tempos modernos”
(VELLOSO, 2008: 360). Sendo assim, voltamos a uma reflexão feita anteriormente: a imprensa

Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, Rio de Janeiro,
2010, p. 25.
9
Para mais nomes de jornalistas e seus pseudônimos, consultar PEREIRA, Cristiana Schettini. Um gênero alegre:
imprensa e pornografia no Rio de Janeiro (1898-1916). 1997. 208p. Dissertação (Mestrado em História) –
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997, p. 50-51.
10
Dino Preti faz um ótimo apanhado sobre a vida pessoal e a carreira jornalística de J. Brito. Ver: PRETI, Dino.
A linguagem proibida: um estudo sobre a linguagem erótica: baseado no dicionário moderno de Bock, de 1903.
São Paulo: T. A. Queiroz, 1983. p. 23-27.
(em nosso caso a pornográfica) agiu como ferramenta de construção de uma nova sociedade
brasileira, ou seja, além de informar e entreter, os jornais que circularam na incipiente república
imbuíram-se com o papel de civilizar, ordenar e incluir os seus leitores nos novos tempos. E
não somente através das palavras, como também nas variadas ilustrações, que muitas vezes
estampavam capas de variadas publicações. Como bem afirma Izamara Bastos (2008: 3),
“através dos discursos, sejam eles homogêneos ou não, passa-se a construir e a sedimentar
pontos fundamentais e marcantes no desenvolvimento de uma sociedade”.

A expressiva aceitação d’o Rio Nu por parte do público leitor – majoritariamente


masculino – se deu, além do conteúdo humorístico e obsceno, também pelo seu baixo preço,
100 réis, que era o valor de uma passagem de bonde, por exemplo, e pelas facilidades oferecidas
pelo periódico. Havia a possibilidade de fazer assinaturas anuais e semestrais custando 12 mil
e 7 mil réis, respectivamente. Tais facilidades proporcionaram ao jornal uma circulação para
além do Rio de Janeiro, chegando a cidades como Belém, Maceió, Fortaleza, Aracaju e outras.
Vale destacar que a utilização de ilustrações de mulheres nuas e seminuas e/ou de cunho
humorístico também foi um artifício utilizado pelo jornal para fidelizar e conquistar mais
leitores.

No que diz respeito a estrutura, o jornal era disposto, inicialmente, em quatro, e depois,
em oito páginas. Nestas encontravam-se colunas fixas, como por exemplo: “Nas zonas”, em
que apareciam fofocas e escândalos das zonas de prostituição; “Avenida Central”, em que o
personagem “Vagabundo” contava suas histórias criticando altas figuras da política e os
passantes da elegante avenida; o “Theatro d’O Rio Nu”, em que eram publicados monólogos e
cançonetas; “Gambiarras”, que se preocupava em narrar os bastidores do mundo teatral e a
“Biblioteca d’O Rio Nu”, que anunciava diversas publicações baratas para homens. Estas
publicações eram de autoria dos redatores do jornal, que devida a alta aceitação dos leitores,
logo transformaram-se em livros. Uma das publicações mais famosas do periódico foi A
Vingança do Sapateiro escrita por Carlos Eduardo (Bock), o já mencionado redator.

APORTES TEÓRICOS PARA A ANÁLISE DO JORNAL PORNOGRÁFICO

Exposto alguns detalhes sobre a nossa fonte de pesquisa, estabeleceremos a partir de


agora uma interlocução entre a fonte de pesquisa e os conceitos e ideias 11 discutidos nas

11
A fim de uma melhor percepção por parte do leitor, os conceitos debatidos no âmbito das disciplinas estarão em
destaque durante este excerto do texto.
disciplinas do Programa de Pós-Graduação em História (PROHIS/UFS) a partir dos textos
debatidos em sala de aula e até mesmo dos textos que constavam na bibliografia sugerida pelos
professores.

Como fora dito, o jornal era produzido por jovens da boêmia literária carioca e esteve
inserido dentro dum contexto sociocultural, político e econômico complexo que
indubitavelmente influenciou no periódico. Diante disso, é possível afirmar que os perfis de
mulheres expostos no impresso – o nosso objeto de pesquisa – tratam-se de representações.

As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à


universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos
interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento
dos discursos proferidos com a posição de que os utiliza. (CHARTIER, 2002: 17)
Sendo assim, as representações femininas expostas no jornal de “gênero alegre” por mais
que pudessem parecer, não eram espelhos do real e muito menos tratavam-se de discursos
neutros o que implica dizer que elas foram estabelecidas a partir de estratégias e práticas que
estão sempre colocadas em um “campo de concorrências e de competições cujos desafios se
enunciam em termos de poder e de dominação” (CHARTIER, 2002: 17). Elas estavam
apresentadas em textos e/ou imagens que simbolizavam os tipos de mulher existentes na
sociedade do início do século XX e estabeleciam – fosse nas entrelinhas ou não – a perspectiva
de uma “mulher ideal”, haja vista que o periódico destinava-se ao público masculino. Elas
possuíam uma influência capaz de persuadir os seus leitores indicando que o real corresponde
ao que elas dizem e mostram, afinal as representações “têm em vista fazer com que a identidade
do ser não seja outra coisa senão a aparência da representação, isto é, que a coisa não exista a
não ser no signo que a exibe” (CHARTIER, 2002: 21).

Isto posto, podemos pensar sob duas óticas, tendo nossa fonte como base: as
representações destacadas pelo O Rio Nu delineavam ideais inéditos de mulheres – não
podemos nos esquecer que as pessoas que faziam o periódico provavelmente tinham acesso ao
que se dizia/publicava na Europa, a principal inspiração sociocultural do país, e dessa forma
eram influenciados por esses materiais – ou até mesmo puderam ser reafirmações, reiterações
de ideais já presentes na sociedade carioca. Logo, ao passo que o jornal transgredia condutas e
comportamentos, ele acabava por reafirmar posturas sociais.

Ao propor analisar as representações de mulher publicadas pelo O Rio Nu, esta pesquisa
insere-se dentro dos estudos de gênero – que está localizado dentro da segunda onda do
feminismo (1960-70) – e não vislumbra opor ideias de feminilidade e masculinidade, pois
acreditamos que não é possível estudar mulheres, sem mencionar os homens e vice-versa.

Enquanto categoria de análise histórica, gênero indica que as concepções de masculino e


de feminino possuem historicidade, isto é, os significados de “ser homem” e “ser mulher” são
criados, reproduzidos e/ou transformados no decorrer do tempo, logo, não é algo dado e
finalizado no momento do nascimento.

Seu uso rejeita explicitamente explicações biológicas, como aquelas que encontram
um denominador comum, para diversas formas de subordinação feminina, nos fatos
de que as mulheres têm a capacidade para dar à luz e de que os homens têm uma força
muscular superior. (SCOTT, 1995: 75)
Indica também que este conceito está inserido em contextos bem definidos e se
estabelecem através de relações de poder, ou seja, “é mais do que uma identidade aprendida, é
uma categoria imersa nas instituições sociais (o que implica admitir que a justiça, a escola, a
igreja, etc. são ‘generificadas’, ou seja, expressam as relações sociais de gênero)” (LOURO,
1995: 103).

Se a imposição de uma representação perpassa por noções de poder e dominação,


podemos pensar a imprensa – neste caso O Rio Nu – como um espaço de poder, que foge de
lugares comuns, tais como a política e a economia, e firma a sua influência através de elementos
simbólicos. Ela parece neutra e imparcial, porém, tem suas diretrizes, suas aspirações e exerce
influência sobre o público que a consome. A imprensa como poder simbólico é aquela que não
se mostra como um poder, não aparenta ser um meio de coerção, é o poder em que o indivíduo
não sabe ou não percebe que está sendo dominado, afinal ele “só pode ser exercido com a
cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem”
(BOURDIEU, 1989: 7-8).

A nossa pesquisa também pode dialogar com a perspectiva de violência simbólica


(BOURDIEU, 2002), imposta por uma espécie de dominação masculina12, no tocante as
possíveis representações que visavam aviltar as mulheres que fugissem de um pretenso modelo
ideal de feminilidade (dona de casa, honesta, tranquila, desconhecedora de artifícios sexuais,
etc.). Se tal violência mostra-se suave, insensível e invisível a suas próprias vítimas e é
expressada pelas vias da comunicação, a análise de textos e gravuras irá corroborar ou por

12
Por dominação masculina podemos entender uma naturalização de uma pretensa dominação masculina sobre a
feminina, justificando as diferenças sociais. BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2002.
abaixo a possibilidade de uso de tal conceito. Por ora, acreditamos que tal perspectiva irá
agregar aos nossos trabalhos.

É pertinente observar em nossa pesquisa questões relacionadas ao modo de ler daqueles


que consumiam O Rio Nu. A princípio destaco o uso do termo “consumir”. Ele se faz presente,
pois acreditamos que nem todos aqueles que tinham acesso ao periódico o compravam e/ou
sabiam ler, apesar dos bons índices de alfabetização do Rio de Janeiro,13 e mesmo aqueles que
sabiam talvez nem sempre o liam de forma silenciosa, apesar de que nesta época a leitura já se
caracterizava por ser um ato individualizado e silencioso. Sendo assim, é preciso cogitarmos
uma sociabilidade da leitura (CHARTIER, 2002: 124-126), ou seja, muitas leituras poderiam
ser compartilhadas e não somente recolhidas a intimidade. É preciso também nos atermos às
relações entre a textualidade e a oralidade, isto é, o jornal atento a sua popularidade entre
diversos setores sociais não publicava textos de difícil compreensão, ele utilizava fórmulas
linguísticas – a exemplo de gírias, jargões, frases da época – que facilitassem a oralidade
daqueles textos e principalmente o entendimento daquilo que estava no papel. Além de
artimanhas textuais, o jornal fazia uso de gravuras e/ou fotografias afim de uma melhor
compreensão por parte do leitor, intensificar as vendas e, claro, estabelecer as representações
que lhe eram interessantes.

Esses entendimentos partem dos conceitos prática de leitura e protocolo de leitura


desenvolvidas por Roger Chartier (1996). O primeiro corresponde, em síntese, às interpretações
que os leitores fazem diante de um texto. Trata-se daquilo que o leitor infere após ler ou ver o
que consta em um livro, por exemplo. Não se trata de algo natural ou espontâneo, pois questões
envolvendo alfabetização, condições econômicas, posicionamentos políticos, sociais e morais,
entre outros, são elementos que influenciam em nossas leituras e determinam nossas
interpretações. Como afirma Márcia Abreu (2004: 29) ao dissertar sobre a literatura: “[...] a
literariedade não está apenas no texto [...] e sim na maneira como ele é lido. Um ‘mesmo’ texto
ganha sentidos distintos de acordo com aquilo que se imagina que ele seja [...]”. Logo, não

13
Segundo Alessandra El Far: “O índice de analfabetismo no Rio de Janeiro, naquele final de século [o XIX], era
o mais baixo do país. Enquanto 80% dos brasileiros não sabiam ler ne escrever, quase metade da população carioca
aparecia, nos dados oficiais, liberta desse mal. Segundo o censo de 1890, a população da capital federal eram de
522 mil habitantes, um número que praticamente havia dobrado em relação ao recenseamento de 1872 desse meio
milhão de moradores, 57,9% dos homens e 43,8% das mulheres foram registrados como alfabetizados, o que
representava em termos numéricos, cerca de 270 mil pessoas capazes de ler e escrever. [...] Em 1906, havia na
cidade 811 443 almas, cujo montante de possíveis leitores ultrapassava os 400 mil.” In: EL FAR, Alessandra.
Páginas de sensação – literatura popular e pornográfica no Rio de Janeiro (1870-1924). São Paulo: Companhia
das Letras, 2004, p. 12-13.
depende do autor do texto ou do editor da obra determinar a “interpretação correta” de um texto.
Dentro dos limites cabíveis, é algo particular, é algo que somente o leitor tem domínio.

No entanto, o autor e editor fazem por onde guiar o leitor a um entendimento especifico.
A isso chamamos de protocolo de leitura, ou seja, os mecanismos utilizados pelo autor – o
modo de organizar o texto, o emprego de certa linguagem ou a adesão a uma convenção, por
exemplo – e também pelo editor – tipos de papel, tamanho da fonte, a inclusão de imagem, a
exclusão ou modificação de certas passagens do texto, etc. – que vislumbram proporcionar
àqueles que tem acesso ao material, no nosso caso, o jornal, uma determinada compreensão.
Comentando sobre a produção de folhetos, Márcia Abreu destaca a relevância do trabalho de
edição:

[...] na literatura de folhetos, o formato – surgido da necessidade de economizar papel


– condiciona uma série de questões relativas à composição dos poemas. O número de
folhas define quanto o poeta poderá escrever, pois o autor não pode ocupar menos ou
mais páginas e sim um espaço exato. [...] No caso dos folhetos, a coisa é mais
complicada, pois eles são sempre escritos em versos. Assim, a delimitação não se
restringe à quantidade de páginas, mas condiciona a composição de um número
determinado de estrofes. [...] O número de páginas não interfere somente no tamanho
dos poemas, mas determina também o gênero dos escritos. (ABREU, 2004: 62-64)
Chartier também nos traz um exemplo do quão influentes são os protocolos de leitura ao
dissertar sobre o trabalho de criação e edição da coleção de livros franceses Biblioteca Azul:

[...] el estudio de algunos títulos específicos permitió señalar las intervenciones


llevadas a cabo por los "editores" (em los dos sentidos del término) en los textos que
elegían para el repertorio de la literatura de cordel. Estas intervenciones, que son como
la figura inversa de las reescrituras letradas del repertorio tradicional, se situaban em
tres registros (que, además, no estaban necessariamente presentes en cada caso): la
abreviación de los textos, su recorte en múltiples capítulos y párrafos, y la censura de
los pasajes o de las expresiones consideradas blasfemas e inmorales. Esta triple lógica
(textual, formal y cristiana) rigió la adaptación de los textos para su publicación en la
fórmula editorial, inventada por los libreros de Troyes, y para las capacidades que
ellos suponían que tenían los lectores más populares. (CHARTIER, 2005: 176)
No caso d’O Rio Nu depreendemos que as ilustrações nas capas, as colunas dispostas em
páginas específicas, os textos curtos, entre outros elementos, correspondem a protocolos de
leitura pensados pelos editores do periódico a fim de estabelecer horizontes de expectativas em
seus leitores, que nem sempre condiziam com as experiências vividas por eles14.

14
Ao utilizarmos a ideia de horizontes de expectativas consideramos as análises desenvolvidas por Reinhart
Koselleck, que entende tanto o espaço de experiência quanto o horizonte de expectativas como “categorias do
conhecimento capazes de fundamentar a possibilidade de uma história”, ou seja, a história para se constituir como
tal necessita das experiências vividas, mas também das expectativas dos atores sociais que nela atuaram. Dessa
forma, ao analisarmos este jornal devemos verificar que as experiências de propagação de imagens de mulheres
honradas e mulheres “da vida”, por exemplo, estão repletas de expectativas de conscientização de seus leitores.
Para mais detalhes, ver: KOSELLECK, Reinhart. “Espaço de experiência” e “horizonte de expectativa”: duas
Assim como as práticas, os protocolos de leitura não são orgânicos e a relação autor e
editor não é sempre harmoniosa. Chartier nos alerta que os autores não escrevem livros, eles
fazem somente textos. Os livros são manufaturados, organizados e impressos e isso não cabe
ao autor executar. Logo, o texto só existe para o público na forma de um suporte que possibilita
a sua leitura e assim é preciso separar as estratégias de escrita dos autores e as dos editores.
Lembramos que apesar de estarmos mencionando o livro como objeto de análise, podemos
também utilizar tal aparato teórico para o jornal, afinal ambos são materiais impressos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho aqui exposto preocupou-se em estabelecer uma interlocução entre os debates


realizados no âmbito das disciplinas do Programa de Pós-Graduação em História
(PROHIS/UFS) e a nossa pesquisa acadêmica acerca das representações femininas publicadas
no jornal de gênero alegre O Rio Nu. A publicação carioca do início do século XX, circulou por
inúmeras cidades brasileiras difundindo, além de outras coisas, elementos de civilidade através
de perfis ideais de homens e mulheres.

Acreditamos que tal diálogo se deu de forma satisfatória por causa da instigante
bibliografia apresentada pelos professores. Passeamos por noções da cultura, do poder, dos
estudos de gênero e da teoria da história devido a pertinência que estas possuem ao nosso tema
de estudo. Dessa forma, este artigo simboliza o cumprimento de um dos objetivos das
disciplinas dos cursos de pós-graduação: auxiliar o discente na produção de sua pesquisa
acadêmica, fornecendo cabedal teórico-metodológico capaz de incentivar o estudo, a reflexão
e a discussão no campo científico que lhe cabe, além de ser utilizado pelo alunado na elaboração
de sua dissertação ou tese. Isso não quer dizer, é claro, que todo o conteúdo debatido em sala
de aula será reaproveitado por completo nas pesquisas, mas se ao menos uma parcela for útil
ao pesquisador, as disciplinas se mostram de suma importância. Conosco, é notável depois
dessas páginas que as discussões acerca de textos de Roger Chartier, Pierre Bourdieu e Reinhart
Koselleck por exemplo, foram e serão ainda mais profícuas para os nossos estudos.

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EDUCAÇÃO E POLIDEZ EM DAVID HUME

Autora: Mariana Dias Pinheiro Santos


Graduanda do curso de Filosofia da UFS
Bolsista CNPq.
marianadps4ntos@gmail.com

Orientador: Prof. Dr. Marcos Fonseca Ribeiro Balieiro (PPGF/DFL/UFS)

Introdução
O filósofo escocês David Hume é comumente lembrado por aqueles que não estão
familiarizados com sua obra como o autor que iluminou Immanuel Kant, e como uma figura de
grande importância no empirismo. Mas estamos preocupados neste texto é com uma outra parte
dos seus engenhos. Pretendemos ver nesse autor algo que era comum em parte de seus
contemporâneos, a saber, preocupações com o cenário em que se incluía, com o rumo que a
sociedade tomava, com a influência das artes na vida dos indivíduos e com um melhor caminho
para a felicidade individual e geral. É nesse sentido que a polidez ganha um espaço importante
na obra do escocês.
Dito isso, o presente texto pretende elucidar como o que Hume defende como polidez
seria capaz de educar o homem por meio do cultivo das letras, da poesia, da escrita, da arte e
da conversação, elevando-o no âmbito intelectual e no do convívio, e tornando-o, ao lado de
todos os indivíduos, uma companhia eloquente e agradável para os mais diversos tópicos de
conversação e para a convivência. Para evidenciar o que é a polidez e qual deve ser o processo
de educação para obtê-la, exploraremos a maneira como o filósofo lida com a noção de
civilização, cartas selecionadas do escocês que evidenciam como a polidez se dá numa relação,
a crítica que Hume direciona aos que defendiam a autenticidade dos Poemas de Ossian e alguns
ensaios, tais como: “Da Delicadeza de Gosto e de Paixão”, “Da arte de escrever ensaio”,
“Da ascensão e progresso das artes e da ciência”, “Do refinamento nas artes”.

Cavalaria, civilização e barbárie

Há dois termos que caminham juntos e que são de extrema importância para começar a
compreender a polidez para nosso autor; são eles: cavalaria e civilização. O primeiro, nos
esclarece Balieiro, é entendido por Hume como aquilo que engendrou a polidez moderna, um
conjunto de práticas atreladas, “em ampla medida, a certa concepção de identidade nacional
inglesa” (BALIEIRO, 2017, p. 55), que, por volta de 1066, podem ser vistas como um marco
civilizatório nas instituições normandas. O segundo, nos explica Pimenta, para Hume diz
respeito a uma “nação refinada ou polida” e “não só bem administrada como pacífica e bem
resolvida no que se refere aos termos em que se dão as relações entre os homens” (PIMENTA,
2013, p. 128). Podemos com isso entender, em alguma medida, que o primeiro termo exerceu
influência sobre o segundo, afinal, ao que parece, o segundo não seria capaz de existir, nos
termos entendidos por Hume, sem o primeiro. Não seria possível constituir uma civilização sem
que o povo, antes, passe pelo processo civilizatório, por uma educação que lhes possibilitasse
serem pacíficos; essa educação ocorre por meio da polidez que começa a surgir, primeiro, com
certos ideais da tradição de cavalaria.
Isso fica mais evidente quando colocamos em vista a “barbárie”, que pode ser entendida
como uma constituição de: costumes rústicos e belicosos ao lado de paixões brutas e explosivas;
isso seria incompatível com a felicidade. Hume nos promove um importante exemplo que
reflete sua época no ensaio “Da ascensão e progresso das ciências e das artes” para esclarecer
a diferença entre um mundo polido e um mundo bárbaro. “Nações bárbaras”, nos diz o escocês
acerca do poder masculino, “exibem essa superioridade reduzindo suas mulheres à mais abjeta
escravidão; confinando-as, espancando-as, vendendo-as, assassinando-as” (HUME, 2003, p
93). O homem polido, por sua vez, tratará a mulher com deferência e civilidade, sem, nem
mesmo por isso, perder a sua autoridade. Ora, então deve-se perguntar: qual é o processo pelo
qual se pode engendrar a polidez no seio de um indivíduo?
Mas, antes de responder tal questão, parece importante elucidar melhor o que é a
barbárie. Quando colocamos em vista a resenha crítica que Hume direciona aos Poemas de
Ossian, por duvidar de sua autenticidade, os principais argumentos que o escocês levanta dizem
respeito ao modo pelo qual o tradutor James MacPherson pinta os eventos que ocorrem durante
as tramas, que parecem dizer mais respeito ao modelo moderno de tratar e resolver os
embaraços do que ao modo rústico da época em que teriam sido escritos, no século III antes de
cristo. Hume nos diz que, segundo o tradutor, os poemas celtas foram transmitidos oralmente e
fielmente há aproximadamente quinze séculos “através de épocas totalmente ignorantes de
letra, pela nação talvez a mais rude de toda a Europa, a mais carente, a mais turbulenta, a mais
feroz, a mais irrequieta” (HUME apud PIMENTA, 2013, p. 138). Entretanto, nosso autor
ressalta que, nos poemas, é possível ver claras noções de cavalaria, galanteio 15, gentileza e
noções civilizadas de modos de pensar, no lugar de impostura, rude selvageria e sentimento de
grandeza, que parecem muito mais adequadas ao contexto em que foram escritos. Vejamos a
seguinte passagem:
O furioso combate entre Fingal e Swaran dura o dia inteiro. Quando a
escuridão suspende a luta, comem juntos como grandes amigos, e então
retomam a luta com o raiar do dia. Seriam estas maneiras as de noções
bárbaras, ou mesmo de povos com senso comum? Observe-se que toda
essa narrativa é supostamente oferecida por um poeta contemporâneo
aos eventos... Em todas as nações rudes, a força e a coragem são as
virtudes predominantes, e a inferioridade das mulheres, nesse
particular, as torna objetos de desprezo, não de respeito ou deferência.
(HUME apud PIMENTA, 2013, p. 140)

Além disso, há outros pontos que Hume nos diz que são incompatíveis com os povos
rudes: são as maneiras (que não podem ser falsificadas, já que não tem nenhuma outra noção)
e as artes. Estas aparecem nos poemas da maneira mais inusitada e atemporal possível, como,
por exemplo, nas cenas de descrições que, pela grandeza e eloquência, parecem ser tomadas
das Escrituras, e dos barcos, que dizem muito mais respeito aos contemporâneos do escocês.
Para Hume, era inconcebível que os poemas de Ossian fossem realmente autênticos; afinal, os
bárbaros tinham tanta familiaridade com o alfabeto quanto com a eloquência. Esses povos, nos
diz o autor, deveriam estar mais preocupados com a hostilidade interna devido ao governo
imperfeito que tinham, e com o planejamento de uma vingança com alguma tribo vizinha, do
que com o lazer para pensar, o gosto elegante para a poesia, a fina composição, o gosto refinado
e um juízo límpido e sereno.

O engendramento da polidez

Algumas considerações sobre a passagem do registro bárbaro para o polido parecem fazer-se
necessárias antes de pensar a forma pela qual a polidez engendra-se no indivíduo. Sabino (2016)
nos informa que o refinamento ocorreria por meio de um processo histórico, a partir da
sensibilidade cultivada. O homem sempre é atraído para as virtudes sociais em função de sua
constituição benevolente, e isso pode ser observado mesmo nas nações incultas que ainda não

15
Que, como foi dito anteriormente, passa a desenvolver-se na Inglaterra apenas a partir da conquista normanda,
em 1066.
atingiram de forma plena a benevolência e por isso acreditam que a coragem é a maior das
virtudes. Além disso, para que a sociedade se forme, nos diz Hume (2004), é necessário que,
além de vantajosa, ela seja sensível às suas vantagens. Em virtude disso, Sabino (2016) informa
que o meio pelo qual pode-se engendrar a civilidade é através do cultivo e desenvolvimento da
natureza refinada; a educação e a política são característicos instrumentos desse processo. É
necessário, ainda, fazer com que o homem não abandone este hábito, fazendo-os reviver as
experiências artificiais que engendram esse comportamento.
Ainda assim vale a pena investigar um pouco mais o que permitiria a passagem do registro
inculto para o culto. No ensaio “Do refinamento nas artes” Hume nos diz que a educação e o
costume contribuem para o paladar que se obtêm para o prazer e para a ação que compõem a
felicidade humana; e o homem, afirma Sabino (2016), pela sua distinta composição, é obrigado
a desenvolver o que a natureza lhe oferece por meio da indústria e da arte, e não podemos perder
de vista, ainda, que “o grande objetivo de toda indústria humana é alcançar a felicidade”
(HUME apud Sabino, 2016, p. 231). O refinamento, então, parece fazer parte do processo que
o indivíduo encontrará para que suas necessidades sejam satisfeitas e para que sua felicidade
seja alcançada.
O avanço das artes refinadas é atrelado à sociabilidade humana, visto que fornece fundos para
o bom convívio; a solidão que pode-se observar nos bárbaros, segundo Hume (2008), é colocada
de lado em função do gosto pelo bom convívio. Este pode ser visto, por exemplo, na vontade
de transmitir conhecimento, engenho, boa educação e gosto para o trato social e para os
utensílios. O cultivo destas atividades, tal qual um cultivo agrário, como informa Sabino (2016),
é necessário para que o comportamento industrioso e refinado tome o lugar da convivência
selvagem. Deve-se contornar o orgulho e a ambição, que são produtos inconvenientes da
natureza humana e contribuem para o declínio social, através do cultivo da natureza artificial
(Sabino 2016).
A simpatia é um termo de considerável importância na filosofia de Hume, e algumas
considerações sobre ela talvez nos permitam perceber, ao lado dos comentários anteriormente
tecidos, como a polidez engendra-se no âmbito social. Guimarães (2007) e Sabino (2016)
concordam que a simpatia é de fundamental importância para que uma sociedade torne-se
civilizada, pois a partir desse princípio o indivíduo não apenas encontra a felicidade a partir do
refinamento, mas contagia aqueles que estão ao seu redor. “A simpatia estende nosso interesse
para além de nosso círculo imediato”, ela “cria a sociedade ao estabelecer entre seus membros
laços afetivos, padrões de convívio e conduta, e experiências e conceitos compartilhados”
(GUIMARÃES, 2007, p. 204), o que traz uma luz à afirmação de que o “espírito das artes afeta
todas as artes, e a mente humana [...] volta-se para todos os lados e faz aprimoramentos em cada
arte ou ciência” (HUME, 2008, p. 211).
Por fim, antes de retomar a questão que nos propomos responder, é importante ressaltar, mesmo
que de forma breve, o efeito deletério que o refinamento pode ter caso não seja cultivado de
forma adequada e moderada. Para Hume, em “Do refinamento nas artes”, nenhuma
gratificação, seja ela a mais sensual, pode ser considerada viciosa nela mesma. Só poderá ser
considerada desta forma caso consuma todo o ganho de um homem, tomando-lhe a
possibilidade de efetuar atos de dever e generosidade que são cobrados por sua posição
afortunada, o que faz o vício parecer consistir no prejuízo para si mesmo e para a sociedade
pelo excesso (por exemplo) de refinamento. Caso este incorra em exagero e não realce ou
adorne a natureza das coisas apenas é fútil e passageiro. Neste ponto, portanto, nos é suficiente
assumir a posição de Sabino de que “a polidez, assim como a simplicidade, representam um
ganho moral quando nelas prevalece a moderação, não sendo nenhuma delas uma vantagem
social por si mesmas” (SABINO, 2016, p. 236).
Com as considerações tecidas acima que indicam o engendramento da polidez no âmbito
social, acreditamos que nos é lícito retornar, agora, à questão proposta na parte anterior, a saber,
qual é o processo pelo qual se pode engendrar a polidez no seio de um indivíduo. Iremos
respondê-la à luz dos ensaios: “Da delicadeza de gosto e de paixão” e “Da arte de escrever
ensaios”. Aparentemente, para Hume, a polidez começa a surgir quando um grupo troca, aos
poucos, os costumes rústicos e belicosos e as paixões brutas e explosivas, por boas maneiras,
boa conduta, paixões agradáveis, ações adequadas às situações e um gosto fino para letras.
Existem duas perguntas que não podem deixar de serem feitas, a saber, o espírito humano, para
se elevar, deve dedicar-se integralmente à erudição? E, como se faz para ter um juízo fino e um
gosto refinado ao lado de paixões agradáveis? Começaremos a pela segunda, pois ela nos
encaminhará para a primeira.
No ensaio “Da delicadeza de gosto e de paixão”, Hume nos diz que existem duas
formas, em suma, de sentir o mundo, através da delicadeza de gosto e da delicadeza da paixão.
Ambas têm um ponto em comum: ampliam “tanto a esfera de nossa felicidade como a de nossa
miséria, tornando-nos sensíveis tanto a dores quanto a prazeres que escapam do resto dos
homens” (HUME, 2008, p. 14). A delicadeza de paixão, entretanto, está presente naqueles
indivíduos que se alegram e se entristecem diante de qualquer evento que lhes ocorra; pequenos
gestos são capazes de formar uma grande amizade, pequenas discordâncias são capazes de gerar
os maiores ressentimentos. Estão suscetíveis, constantemente, a grandes dores e a grandes
felicidades, qualquer paixão toma-os da forma mais pungente possível por estarem
completamente fora de seu controle. Esse tipo de indivíduo é propenso aos incômodos
"transportes que excedem qualquer limite de prudência e discrição, e a dar maus passos,
frequentemente irreversíveis, na conduta de suas vidas" (HUME, 2008, p. 13).
A delicadeza de gosto, diferentemente da de paixão, afeta o indivíduo de outra forma;
deixa-o sensível e repleto de paixões ternas diante dos versos de um poema, da beleza de uma
pintura ou de uma conversa eloquente e polida; a rudeza, quando apresenta-se nesses mesmo
exemplos, é extremamente nociva a ele. Essa delicadeza, nos diz Hume, deve ser estimulada
em detrimento da outra através do cultivo “daquele gosto mais elevado e fino que nos habilita
a julgar o caráter dos homens, as composições dos gênios e as produções das artes mais nobres”
e, continua o escocês, “ter gosto fino é, em certa medida, o mesmo que ter senso forte” (HUME,
2008, p. 14). Quando o indivíduo refinar o suficiente o seu espírito, será incapaz de se
entristecer ou se alegrar diante de qualquer frivolidade, como aconteceria se cultivasse a
delicadeza de paixão; mas, por outro lado, será completamente habilitado para melhores
amizades, amores e disposições em sua mente. Balieiro não deixa de evidenciar que a filosofia,
para Hume, deve estar acompanhada pela “dedicação à poesia, à eloquência, à música, à
pintura” (BALIEIRO, 2012, p. 44). Ou seja, o refinamento e a polidez não pretendem, de forma
alguma, extinguir as paixões dos indivíduos, mas adaptá-las com vistas a um melhoramento na
sociabilidade (Sabino, 2016).
Isso nos encaminha para a primeira pergunta, a saber, o espírito humano, para se elevar,
deve dedicar-se integralmente à erudição? Sua resposta, então, seria pela afirmativa?
Evidentemente não. No ensaio “Da arte de escrever ensaio”, Hume expõe a divisão que há,
em alguma medida (ainda que leve em conta que o mundo vem assistindo uma união) entre os
homens que estão envolvidos com a atividade da mente, entre o mundo erudito e o mundo
conversador. Os que constituem o primeiro, nos diz o autor, geralmente estão enclausurados
em celas ou colégios e ocupam-se com as atividades mais complicadas para a mente humana,
exigem labor, preparação, solidão e tempo livre. O mundo da conversação, por sua vez, é
ocupado por aqueles indivíduos que têm uma inclinação para “os mais amenos e suaves
exercícios do entendimento, para reflexões óbvias sobre assuntos humanos e obrigações da vida
comum e para observações sobre os defeitos ou perfeições dos objetos particulares que o
cercam” (HUME, 2008 p. 221). O escocês nota que, com essa separação, este mundo pode estar
sujeito apenas aos tópicos de conversas que dizem respeito a fofocas e observações fúteis,
tornando o tempo em que se dedica a passar com os outros uma parte tediosa e pouco proveitosa
da vida.
O mundo erudito, por sua vez, parece ter mais a perder: até a sua saúde compromete-se.
Os homens que se dedicam em demasia aos estudos tendem para: a melancolia, os gostos
artificiais, os métodos lamentosos de estudos, o desenvolvimento de filosofias absurdas e
ininteligíveis. Vale a pena evidenciar que Hume, em uma carta de juventude nunca
encaminhada, descreve sintomas de uma “doença dos letrados”. Na Conclusão do Livro 1 do
“Tratado da Natureza Humana”, o autor usa um tom semelhante ao afirmar que se sente um
“monstro estranho e rude que, por incapaz de se misturar e se unir à sociedade, foi expulso de
todo relacionamento com os outros homens e largado em total abandono e desconsolo” (HUME,
2009, p. 296) comparáveis à um infortúnio na saúde, é, provavelmente, devido ao simples fato
de o estudo excessivo ser por si só perigoso, e:
Essa era, na verdade, uma ideia comum, o que pode ser confirmado em
alguns dos tratados de higiene da época: em alguns deles, vemos a
recomendação de que a dedicação aos estudos não ultrapasse quatro ou
cinco horas por dia, depois das quais o ideal é que empreguemos nosso
tempo em atividades agradáveis que não exijam muito de nossos cérebros
fatigados. (BALIEIRO, 2012, p. 35)

O escocês pretende lidar com a “separação” entre o mundo erudito e o da conversação,


sendo um “representante ou embaixador das letras nos domínios do convívio social” (HUME,
2008, p. 223). Não à toa que, por exemplo, em sua filosofia pretende elucidar tantos exemplos
quanto forem possíveis, para tornar a leitura do vulgo mais acessível; por isso que, como
ressalta Baleiro, para Hume, é imprescindível a observação da vida humana tal como ela se
apresenta. Este aspecto fica mais evidente quando relembramos a analogia da “Investigação
sobre o Entendimento Humano” que nosso autor faz acerca do pintor e do anatomista16;
enquanto que o segundo pode pautar-se apenas em minúcias e complicações; o primeiro precisa
das qualidades do segundo para pintar com as mais belas cores qualquer evento ou ser. O meio
termo entre a erudição e a conversação, no qual aquela é desacorrentada de suas celas, e esta
educada para elevar os tópicos de conversação aos mais diversos e finos gostos, parece nos, não
só saudável, como também desejável para o nosso autor. Os indivíduos estarão habilitados,

16
É importante não perder de vista que a analogia empregada aqui é usada pela terceira vez pelo escocês. Esta
direção é distinta da que podemos ver em uma carta endereçada a Hutcheson (primeira vez em que é utilizada), e
da que podemos encontrar na conclusão do Livro 3 do Tratado da Natureza Humana (segunda vez que é utilizada).
depois de educarem-se, a conversar sobre história, poesia, política e filosofia com as mais ternas
paixões e mais polidos modos, com companhias tão agradáveis quando eles são.
Quando pensamos, ainda, sobre “Da arte de escrever ensaio”, Hume elege as
mulheres, em especial as de bom senso, como soberanas no mundo da conversação, devido aos
seus bons modos e a delicadeza de seus gostos. Nos diz ainda que nenhum escritor polido pode
ter qualquer obra considerada boa sem antes passar pelo crivo dessas juízas. O escocês
apresenta apenas uma ressalva para que elas não se tornem igualmente soberanas no mundo
erudito: a leitura de novelas. Estas ensinam a devoção e a galanteria, que as fazem acreditar
nestes aspectos como os mais elevados possíveis; sujeitam-se também em temas amorosos que
deixam seus juízos afetados e pervertidos. O único modo pelo qual elas poderiam elevar o seu
espírito seria pelo aprimoramento de seu talento natural para letras, tornando-se, dessa forma,
educadas o suficiente para ter os mesmos engenhos que um homem de sua época (Balieiro
2012).

Considerações finais

No momento em que o indivíduo tiver sido educado o suficiente e de forma adequada


através da polidez, tendo cultivado em si o gosto pelas artes, filosofias, literaturas e poesias,
terá paixões adequadas para cada situação que lhes forem apresentadas, será capaz de ter
conversas adoráveis sobre os mais diversos e eruditos temas, ficará cheio de ternura através dos
bons modos e do bom convívio social, terá amizades mais duradouras e agradáveis, não irá
deixar que qualquer frivolidade da vida comum o abale, terá o juízo fortalecido a ponto de não
serem abatidos pelas paixões mais violentas, e, tendo todas essas qualidades de caráter, não
poderá deixar de ser justo com os outros. Essa é, em parte, a melhoria social desejada por Hume
que a polidez promove no âmago do indivíduo.
Por fim, já encaminhando-nos para o final, elucidaremos um exemplo de boa
convivência polida através de alguns eventos que ocorreram na vida de nosso autor: a breve
amizade com Rousseau e a duradoura amizade com D’Alembert. Hume aproxima-se de
Rousseau por acreditar que ele tem um dos gênios e espíritos mais brilhantes da Europa,
chegando a compará-lo a Montesquieu e considerá-lo superior a Sócrates; e em sua primeira
impressão o descreve como gentil, bem humorado e dotado de bom senso. Nota também a
intensidade das paixões, a fantasia efusiva, os raciocínios frouxos, a extravagância e a falta de
rigor que o autor às vezes tem para comprovar seus sistemas em seus escritos, e esses pontos se
deveriam, talvez, a falta de familiaridade do genebrino com a leitura17; mas o nosso autor
minimiza todas as suas ressalvas quanto ao gênio e à escrita de Rousseau, maximizando o gênio
brilhante. Depois que o genebrino anuncia o corte unilateral de sua amizade e publiciza um
inquérito contra Hume, este passa a notá-lo de outra forma, potencializando suas ressalvas. O
escocês acredita que a escrita e a leitura são capazes de apaziguar as paixões mais violentas e
organizar as representações; com Rousseau, o processo seria inverso. Além disso, nosso autor
acredita que atitude do genebrino ultrapassou todos os limites da prudência e da discrição, e por
isso passa a reconsiderar a amizade que tinha. Afinal, como vimos no ensaio “Da delicadeza
de gosto de paixão”, de que valeria uma amizade pautada em paixões fortes e violentas capazes
de atos irreversíveis, se não para trazer sentimentos desagradáveis?
Mas, se de um lado Rousseau tentava denegrir a imagem de Hume em Paris, D’Alembert
posicionou-se como seu defensor, e, ainda, aconselhou o escocês a não tomar posição diante da
atitude do genebrino. Este autor é descrito por Hume como de domínio de talentos superiores,
uma companhia agradável, “de moral irreprimível acima do interesse pessoal e da vã ambição”
com um “caráter virtuoso e filosófico” (Pimenta 2013). A amizade de Hume com D’Alembert
tinha preocupações com a sinceridade e com os sentimentos adequados a cada situação, com
isso não poderia deixar de ser polida. A partir desse exemplo vemos a dissonância entre uma
amizade pautada em paixão18 e outra pautada em polidez19.
Após todas as considerações aqui expostas, esperamos ter evidenciado, em alguma
medida, como a polidez, através do cultivo moderado das letras, da poesia, da escrita, da arte e
da conversação, para Hume, é capaz de educar o homem, elevá-lo intelectual e socialmente,
tornando-o, ao lado de todos os indivíduos, uma companhia eloquente e agradável para todos
os tópicos de conversação e para a convivência. Esperamos, ainda, ter mostrado como o cultivo
de paixões incontroláveis e hábitos embrutecidos é capaz de tornar a convivência social um
labor indesejável.

17
Pimenta nos diz em A imaginação criadora: Hume no século das luzes que Rousseau seria um exemplo de um
homem guiado pela delicadeza de paixão.
18
Rousseau.
19
D’Alambert.
Referências Bibliográficas

BALIEIRO, M. Felicidade e formação moral em David Hume. In Controvérsia, vol. 8, nº 1:


34-45, jan-abr 2012.

____________. Sociabilidade, sentimento e formação: sobre as mulheres em Hume e em


Jane Austen. In Revista Enunciação, vol.2, nº 2, 2º semestre de 2017.

GUIMARÃES, L. Simpatia, moral e conhecimento na filosofia de Hume. In doispontos, vol.


4, n. 2, outubro 2007.

HUME, D. A arte de escrever ensaios e outros ensaios (morais, políticos e literários).


Tradução de Márcio Suzuki e Pedro Paulo Pimenta. São Paulo: Iluminuras, 2008.

___________. Ensaios Políticos. Tradução de Pedro Paulo Pimenta. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.

___________. Tratado da natureza humana: uma tentativa de introduzir o método


experimental de raciocínios nos assuntos morais. Tradução de Débora Danowski. São Paulo:
editora UNESP, 2009.

PIMENTA, P.P. A imaginação crítica, Hume no século das Luzes. Rio de Janeiro: Azougue,
2013.

SABINO, A. Virtudes sociais e o refinamento na filosofia moral de Hume. In: Ensaios sobre
a filosofia de Hume. Florianópolis: Núcleo de Epistemologia e Lógica, 2016.
EUDEMONOLOGIA E ÉTICA EM SCHOPENHAUER: É POSSÍVEL UM VIVER
FELIZ?
Autora: Priscila Silva Navas
Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista Voluntária: PICVOL/COPES
prisci2015dir@gmail.com
Orientador: Prof. Dr. Bruno Martins Machado (DPS/UFS)

Introdução

Schopenhauer é um filósofo conhecido pelo seu pessimismo e, apesar disso, escreve um livro
sobre eudemonologia, qual seja, instruções para uma vida feliz. Seria contraditório por parte de
um autor que considera que a vida é repleta de sofrimentos? No presente estudo, feito através
da leitura estrutural das obras Aforismos para Sabedoria de Vida e Sobre o Fundamento da
Moral, pode-se perceber que o sofrimento da vida é inevitável visto que é impossível saciar os
desígnios da Vontade.
Porém, apesar dessa impossibilidade, o autor traz à tona a questão da ética e da educação do
intelecto como um meio de mudar as atitudes, ainda que o caráter seja imutável. Para tanto, é
necessário o conhecimento de si mesmo e das motivações que impulsionam as ações, que
podem ser compassivas, egoístas ou maldosas e estão presentes, em diferentes medidas, em
cada um. Assim, deixa um caminho possível para a vida, ainda que minimamente, feliz – sendo
esta a única preferível à não existência. (SCHOPENHAUER, 2002)
Dessa forma, Schopenhauer aponta instruções para uma vida feliz, voltada para o intelecto e
para a evitação do sofrimento que, em sua maior parte é causado pela convivência em sociedade,
pois este é o motivo pelo qual precisamos renunciar às vontades. Suas recomendações
permeiam três eixos: do que alguém é, do que alguém tem e, do que alguém representa. O
principal foco deste trabalho é o ponto do que alguém é, e como ser feliz frente ao caráter e
motivações inatos e imutáveis.

Motivações e imutabilidade do caráter


O entendimento do que é a Vontade, tema central da obra O Mundo como Vontade e
Representação, é fundamental para a compreensão dos Aforismos. Para Schopenhauer, a
Vontade é metafísica e irracional, inerente a todos os seres; e o caráter humano, imutável. Nem
o intelecto, nem mesmo a razão humana são capazes de controlá-la, servindo apenas como
“mero instrumento para efetivação dos seus interesses”. (PEDREIRA; SANTANA, 2009, p. 6)
Para Schopenhauer, toda ação ou omissão vai ser sempre motivada pela busca por prazer ou
evitação do sofrimento. Ele aponta três tipos de caráter: o compassivo, egoísta e maldoso. Tais
tipos são definidos pela motivação que é preponderante no indivíduo, sendo assim, alguém que
é motivado principalmente pelo próprio prazer é egoísta; prazer alheio, compassivo e;
sofrimento do outro, maldoso.
O autor se dedica a explicar o caráter compassivo, aquele que se move pelo outro. Vale destacar
que para que uma ação seja considerada de compaixão, o indivíduo que a pratica não pode fazê-
la considerando benefício próprio algum, ainda que não seja nesta vida. Sendo assim, até
mesmo as ações motivadas por ensinamentos religiosos na busca de ser uma pessoa melhor ou
ter direito de ir a um paraíso, não são consideradas compassivas. Ele explicita que um requisito
da compaixão é que o motivo da ação seja imediatamente o outro, como no texto a seguir:
Se, porém, minha ação só deve acontecer por causa de outro, então o seu bem-estar e
o seu mal-estar têm de ser imediatamente o meu motivo, do mesmo modo em que
todas as outras ações o meu motivo é o meu bem-estar e o meu mal-estar.
(SCHOPENHAUER, 2001, p. 128)

Um ato de compaixão demanda sentir o sofrimento do outro. Se eu sinto o sofrimento do outro


e ajo para evitá-lo, não seria esta também uma atitude egoísta, visto que evitaria também o meu
sofrimento? Schopenhauer responde a este possível questionamento da seguinte forma:
Isto exige porém que eu me identifique com ele, quer dizer que aquela diferença total
entre mim e o outro, sobre a qual repousa justamente meu egoísmo, seja suprimida
pelo menos em um certo grau. Já que não posso estar na pele do outro, então só através
do conhecimento que já tenho dele, isto é, da representação dele na minha cabeça é
que posso me identificar com ele. (SCHOPENHAUER, 2001, p. 129)

Em outras palavras, na compaixão, para sentir o sofrimento do outro é preciso que esta diferença
seja quebrada, o que acontece através do reconhecimento do outro como um igual. Se eu sou
Vontade e o outro é Vontade, ele é igual a mim e consequentemente seu sofrimento é meu
também, assim como o prazer. Dessa forma o fundamento do egoísmo, que é a diferença entre
os seres, é quebrado. Para Schopenhauer, “esta compaixão sozinha é a base efetiva de toda
justiça livre e de toda a caridade genuína” (SCHOPENHAUER, 2001, p. 129)
A compaixão, porém, não é o único tipo de ação que acontece motivada pelo outro. Assim como
o compassivo é movido pelo bem-estar ou mal-estar alheio, o maldoso também o é. Vale
destacar que “a significação moral de uma ação só pode estar na sua relação com outro”
(SCHOPENHAUER, 2001. p. 126). Então não basta que uma ação faça mal a outrem para que
seja considerada maldosa, pois também pode ter uma motivação egoísta. A maldade,
“desinteressada como a compaixão, visa como seu fim último a dor alheia. ”
(SCHOPENHAUER, 2001, p. 126)
Schopenhauer questiona se a ética, ao descobrir a motivação moral, poderia transformar um
homem maldoso em compassivo, e a este questionamento responde: “Por certo que não: a
diferença dos caracteres é inata e indelével. A maldade é tão inata ao maldoso como o dente
venenoso ou a glândula venenosa da serpente. Também como ela, ele não pode mudar”.
(SCHOPENHAUER, 2001, p. 181) Levando isto em consideração, é possível que alguém que
é movido por motivos egoístas ou maldosos tenha um comportamento ético?
A imutabilidade do caráter não determina a tomada de decisão. A sociedade, bem como as
experiências do indivíduo têm sua influência sob o caráter adquirido. Este último se refere à
manifestação do caráter nas experiências. Como enfatizado por Debona (2016), a consciência
aprofundada de si viria auxiliar os indivíduos no embate entre o caráter imutável e o adquirido,
diminuindo significativamente o sofrimento.
Em “Sobre o Fundamento da Moral” Schopenhauer afirma que as “três motivações morais dos
homens, o egoísmo, a maldade e a compaixão, estão presentes em cada um, numa relação
incrivelmente diferente. ” (SCHOPENHAUER, 2001, p. 186) Mais a frente ele retoma a
questão da diferença ser inata e originária, e acrescenta que “cada qual só será estimulado
predominantemente pelos motivos para os quais ele tem uma sensibilidade preponderante”.
(SCHOPENHAUER, 2001, p. 187) A partir daí podemos entender que apesar de alguém ser
predominantemente maldoso, por exemplo, também pode ser estimulado por outras motivações,
ainda que em menor grau.
O conhecimento aprofundado de si mesmo auxilia a diminuir o sofrimento na medida em que
o indivíduo aprende a sentir prazer com outras motivações, ainda que não seja a predominante.
Nos Aforismos, livro sobre uma eudemonologia - instruções para uma vida feliz - o autor
ressalta que entre as três divisões fundamentais, daquilo que se é, daquilo que se tem e daquilo
se representa, a mais determinante para a felicidade é o que se é, pois “para o bem-estar do
homem, para todo o modo de sua existência, a coisa principal é, manifestamente, o que se
encontra ou acontece dentro dele mesmo”. (SCHOPENHAUER, 2002, p. 4)
A educação é a chave para uma possível ética em Schopenhauer, apesar de alcançar o intelecto
e não a Vontade. De acordo com Pedreira e Santana, a educação seria um meio de mudar a
forma pela qual a Vontade se manifesta. Além de imutável, a Vontade é insaciável, o que resulta
em insatisfação por parte do indivíduo visto que não existe “um objeto capaz de conter sua fúria
violenta em busca de satisfação”. (PEDREIRA; SANTANA, 2009, p. 7) Mas embora a
Vontade não mude, é possível, através do intelecto, mudar a forma pela qual a satisfaz. Em
síntese,
Sob o domínio do intelecto está a forma/caminho como os interesses da vontade são
realizados, mas isto não muda o alvo para o qual a vontade se inclina. A educação, em
suas diferentes modalidades, funciona apenas como uma inibidora das manifestações
antimorais da vontade, mas com isto não se obtêm uma mudança do caráter inteligível,
que é incorrigível. (PEDREIRA; SANTANA, 2009, p. 9)

Para concluir, na filosofia de Schopenhauer é preciso que o indivíduo tenha conhecimento de


si mesmo e do mundo para que possa ter uma vida minimamente feliz, atenuando os sofrimentos
advindos da vontade. Esta, não pode ser plenamente satisfeita por ser imutável, insaciável e
irracional. E visto que a vida é uma objetivação da Vontade em fenômeno, e a Vontade, e
irracional, a vida por si mesma não se justifica. Como cita Kossler, “a vida é apenas um espelho,
no qual não se vê para que ele reflita, mas para que nele se conheça e se veja o que ele reflete”.
(KOSSLER, 2012, p. 25)

Sabedoria de Vida e conhecimento de si

A obra “Aforismos para Sabedoria de Vida” é caracterizada pela eudemonologia, descrita pelo
próprio autor como “instrução para uma vida feliz”, sendo esta a única preferível à não
existência. Schopenhauer põe em suspenso sua metafísica, a fim de escrever uma filosofia
voltada à prática. Para tanto, ele opta por desconsiderar a determinação metafísica da vontade
como um imperativo à reflexão filosófica, a qual nunca pode ser satisfeita. O autor estabelece
princípios de sabedoria de vida a partir dos quais diferentes práticas podem ser tomadas para a
arte de ser feliz.
Schopenhauer retoma a divisão fundamental dos bens da vida humana feita por Aristóteles: o
que alguém é; o que alguém tem; o que alguém representa. Entre elas, a mais determinante para
a felicidade é o que alguém é, pois “o homem lida imediatamente apenas com suas próprias
representações, seus próprios sentimentos e movimentos da vontade.” (SCHOPENHAUER,
2002, p. 4). Dessa forma, a significação dada a uma situação externa se dá, principalmente pelo
caráter e personalidade.
Portanto, o que a um indivíduo comum pode parecer uma situação trivial, para um escritor
pode ser descrito como um momento fantástico. Por isso, para Schopenhauer, se existe algo
digno de ser invejado é “o dom de concepção que empresta àqueles eventos a significação que
eles possuem em sua descrição. ” (SCHOPENHAUER, 2002, p. 5) Um exemplo dado pelo
autor é o clássico Dom Quixote, escrito por Miguel de Cervantes enquanto este estava preso
em uma incômoda prisão.
Embora o principal para a felicidade seja aquilo que se é e a individualidade determine o grau
de felicidade possível, uma vida feliz é possível ainda que as qualidades inerentes ao indivíduo
não o favoreçam. A vontade, manifesta no corpo, nunca pode ser satisfeita e, sendo assim,
sempre há de querer mais, provocando sofrimento no homem. O sofrimento, para o autor, é
considerado de natureza positiva, enquanto o prazer e a felicidade, de natureza negativa, pois o
prazer se dá através do desejo, então é a cessação de um sofrimento. Em suas palavras,
(...) a dor, o sofrer, de que faz parte toda falta, carência e necessidade e mesmo todo
desejo, é o positivo, aquilo que é sentido imediatamente. Ao contrário, a natureza do
contentamento, do prazer, da felicidade, consiste só no fato de uma carência foi
suprimida, uma dor aquietada. Estas agem, portanto negativamente.
(SCHOPENHAUER, 2001, p. 132-133)

Para o filósofo alemão, apenas o caráter moral permanece imune ao tempo, enquanto os méritos
físicos e intelectuais podem sucumbir. É mais sábio, portanto, preservar a saúde e buscar
desenvolver a capacidade intelectual e a formação espiritual do que buscar a riqueza, porque “o
que a riqueza ainda pode render, além da satisfação das necessidades reais e naturais, é de
influência mínima sobre o nosso verdadeiro bem-estar”, (SCHOPENHAUER, 2002, p. 13)
A formação espiritual, em oposição à riqueza, vem contribuir com a representação que o
indivíduo tem do mundo e, dessa forma, “Um homem espiritualmente rico, na mais absoluta
solidão, consegue se divertir primorosamente com seus próprios pensamentos e fantasias”
(SCHOPENHAUER, 2002, p. 9). Vale destacar que para o filósofo, a convivência em sociedade
é a causa de muitos sofrimentos, e assim sendo, um homem que consegue suportar a solidão se
livra de muitos sofrimentos.
Na filosofia do autor alemão conhecido pelo pessimismo, vida é uma manifestação da Vontade
como fenômeno, e a Vontade provoca sofrimentos no indivíduo. Como então a vida se justifica?
O conceito de vida é para ele um enigma, visto que a vida por si mesma não se justifica. A
solução para isso, já diria Kossler, não pode ser encontrada no campo da experiência.
Schopenhauer recorre à metafísica para explicar o fenômeno da vida e elucidar o enigma da
existência, mas ele se afasta da transcendência dos seus antecessores e traça uma metafísica
imanente, pois é a através dos fenômenos, ou seja, da representação das coisas no mundo que
se pode pensar sobre a essência. (KOSSLER, 2012)
Retomando a citação de Kossler, “a vida é apenas um espelho, no qual não se vê para que ele
reflita, mas para que nele se conheça e se veja o que ele reflete”. (SCHOPENHAUER apud
KOSSLER, 2012, p. 25) A metáfora do espelho representa a relação entre vida e Vontade, sendo
a Vontade aquilo que é refletido através da vida, e a vida existe para que a Vontade se conheça.
Dessa forma, “a experiência da miséria e da nulidade da vida deve produzir um sentido”.
(KOSSLER, 2012, p. 20)

O conhecimento de si mesmo e do mundo, apontado na filosofia schopenhauriana como chave


para uma eudemonologia negativa, é então o conhecimento da Vontade, e a vida faz sentido na
medida em que damos significação a ela através das nossas experiências. A formação do
espírito mencionada por Schopenhauer - que muito tem a contribuir com o bem-estar do homem
- diz respeito não somente à religião, mas à arte, à ética. Sendo assim, o conceito de felicidade
para o autor está relacionado à ética, ou seja, uma vida ética é uma vida feliz. Por fim, “Se
retirarmos da vida os poucos momentos da religião, da arte de do amor puro, o que resta senão
uma série de pensamentos triviais? ” (SCHOPENHAUER apud KOSSLER, 2012, p. 21)

Considerações Finais

Schopenhauer, apesar de ser conhecido pelo pessimismo em relação à vida e convivência em


sociedade, não é de maneira nenhuma contraditório em suas afirmações. O filósofo, em sua
teoria, deixa claro que uma vida feliz, é, impreterivelmente, uma vida ética, caracterizada pela
evitação do sofrimento, tanto próprio quanto do outro.

O caminho para a ética é o conhecimento de si e das próprias motivações para conseguir ter
controle das próprias ações e evitar o sofrimento do outro. Dessa maneira, ainda que a
motivação preponderante seja a maldosa, é possível renunciar a estas e se satisfazer, ainda que
em menor medida, com prazeres de outra natureza. Mesmo que com um caráter imutável e
inato, ainda que o indivíduo tenha características que não o favorecem, está ao seu alcance uma
felicidade que não faça mal à outrem. Alguém com motivação maldosa preponderante, por
exemplo, pode renunciar a estas e ir em busca de outros tipos de prazeres.
A educação do intelecto é então, na filosofia de Arthur Schopenhauer, um ponto chave para
uma vida ética e feliz. É por meio da observação própria e enriquecimento do intelecto que um
sujeito pode mudar a forma de representar o mundo, ou seja, significar as experiências. Dessa
forma, é possível estar bem em solidão, o que por si só já seria um muito de evitar muitos
sofrimentos, pois como já mencionado anteriormente, a convivência em sociedade é fonte de
muitos deles.

Referências bibliográficas

SCHOPENHAUER, Arthur. Aforismos para sabedoria de vida. Tradução: Jair Barboza. 1.


ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

SCHOPENHAUER, Arthur. Sobre o fundamento da moral. Tradução: Maria Lucia Melo


Ferreira Cacciola. 2º edição. São Paulo: Martins fontes, 2001.

KOSSLER, Matthias. A vida é apenas um espelho. Tradução: Fabrício Coelho, c@–


Florianópolis, v. 11, n. 2, p. 17 – 30, julho de 2012.
DEBONA, Vilmar. Caráter adquirido, sociabilidade e a moral do “como se” (Als-Ob) em
Schopenhauer. Revista Trágica: estudos da filosofia da imanência, nº1, pp.84-102 1º
quadrimestre de 2016.

SANTANA, Kleverton; PEDREIRA, André. A educação do intelecto em Schopenhauer.


Saberes, Natal-RN, v.1, n2 maio 2009.
TERRA (COM)PARTILHADA: A TRAJETÓRIA DE UM ENGENHO NO VALE DO
VAZA-BARRIS (SÃO CRISTÓVÃO, 1833-1856)

Autor: Lucas Oliveira de Jesus


Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PIBIC (COPES/UFS)
lucas.olivercaldas@hotmail.com
Orientador: Prof. Dr. Carlos de Oliveira Malaquias (DHI/UFS)

Introdução

O território de Sergipe foi pontilhado, desde o século XVIII, por pequenas propriedades
açucareiras. Mesmo não tendo a imponência dos engenhos do Recôncavo Baiano, os senhores
de engenho sergipanos se enobreciam com seus sobrenomes pomposos e nobiliárquicos.
Todavia, esses engenhos de pequeno porte estavam enquadrados numa rede de estratégias de
perpetuação do poder, através de métodos de transmissão. Contudo, a historiografia tradicional
sergipana não se preocupou em escrever como essas estratégias, aliadas à norma jurídica, foram
utilizadas na província. Devido à essa problemática, este trabalho tem o objetivo de caracterizar
as formas de transmissão de bens, a partir da redução de escala num engenho do chamado
“decadente” Vaza-Barris.

A escolha do recorte temporal foi determinada pelo ano em que a família Leão e Castro
adquiriu o Engenho Cahipe, através da compra, até o ano em que os herdeiros registraram suas
partes do engenho nos registros paroquiais de terras de São Cristóvão, em 1856. A partir de
uma análise investigativa, este artigo demonstrará como o Engenho Cahipe e seus senhores são
uma amostra de uma sociedade vinculada ao prestígio do açúcar, incluídas numa série de
precauções econômicas e socias. Mesmo sendo uma família senhorial do Vaza-Barris, os Leão
e Castro tiveram uma realidade de acontecimentos bem diferentes das demais. Ao se analisar
um caso, este artigo possibilita não só explicações sobre essa família, mas, também, um
panorama dos aspectos socioeconômicos do espaço agrário são-cristovense num período de
contestação de sua potencialidade como capital provincial.
Este artigo tem suas bases no plano de trabalho “Levantamento e análise dos registros
paroquiais de terras de Sergipe em 1856” vinculado ao projeto de Iniciação Científica “Para
além da propriedade privada: a diversidade das formas de uso das terras indivisas em Sergipe
no século XIX”, que teve como objetivo identificar o uso comunal da terra nas freguesias
sergipanas. A partir dessa pesquisa, foram lidos os Livros dos Registros Paroquiais de Terras
de 8 freguesias sergipanas, localizados no Arquivo Público de Sergipe (APES). Além dessa
fonte, também consultamos o banco de dados com todos os inventários de Sergipe, entre 1800
e 1856, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa “Mundo Atlântico e Colonização Portuguesa”
(CNPq/UFS). Relativo as negociações de compra e venda, também foi consultado os Livros de
notas de cartório de São Cristóvão, localizado no Arquivo Geral do Judiciário de Sergipe
(AGJSE). E como complementar, foram analisadas as Ordenações Filipinas, fontes periódicas
e cartográficas.

Trajetória: um método

Para que a trajetória do Engenho Cahipe seja elaborada, foi lido e comparado diversas
fontes primárias de diferentes tipos, mencionadas anteriormente. Visando classificar e revisar
as fontes favoráveis ao estudo da História Social da Agricultura, Márcia Motta e Elione
Guimarães (2007) enquadram os registros paroquiais de terra, produzidos entre 1856 e 1857,
como uma documentação que representa os anseios de quem legislou sobre a Lei de Terras de
1850 e sua regulamentação em 1854. Além dos anseios de quem legislou, também há o daqueles
que decidiram registrar suas terras. Mesmo assim, há de se reconhecer a importância da Lei de
Terras como cadastro rural pioneiro de cunho nacional, podendo ser encontrado em todas as
regiões do Brasil. Como expresso na regulamentação, os párocos de todo o Império, deveriam
convencer seus fregueses a registrar suas terras, indicando o nome do proprietário, a freguesia
onde estava inserida, sua extensão, seus limites e se possui alguma denominação20. Para esse
trabalho, utilizou-se o Livro dos Registros Paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória
da Cidade de São Cristóvão, locado no APES.

Diferente dos registros paroquiais, as fontes cartorárias fornecem uma série de


informações sobre a relação entre os moradores e suas terras. Nas escrituras de compra e venda,
é possível observar como os contratos eram realizados, além de descrições do valor da

20
Colleção das Leis do Império do Brasil, Tomo 17, Parte 2º, Seção 5º, Decreto 1.318 de 30 de Janeiro de 1854.
propriedade, benfeitorias, bens móveis e sua localização (MOTTA & GUIMARÃES, 2007, p.
103). Para esse artigo, foi consultado o Livro de Notas do cartório do 1º ofício de São Cristóvão,
do período de 1826 a 1842, localizados no AGJSE.

Sobre os inventários post-mortem, a leitura dessa fonte proporcionou a elaboração de


um banco de dados distribuído em várias categorias. Sendo elas: a identificação do
inventariante, os herdeiros, bens móveis, rebanho, escravos, bens de raiz, equipamentos e
benfeitorias, produção e dívidas. Sendo o banco de dados abrangendo desde o início do século
XIX, os inventários consultados estão arquivados no Arquivo Geral do Judiciário de Sergipe.
De acordo com Erivaldo Neves (1998, p. 14), os inventários são de suma importância para
entender a lógica de transmissão e divisão de bens entre os herdeiros.
Já os jornais, de acordo com Motta e Guimarães (2007, p. 108), são fontes
importantíssimas para o estudo do cotidiano. A partir dos anúncios, podemos observar quem
eram as pessoas que estavam vendendo seus imóveis, e como estes eram descritos. Nos artigos
de jornais também é possível, a depender do cunho temático da tipografia, outros aspectos sobre
alguns personagens que atuavam no cenário político, econômico e social daquela vila ou
província. Diferente das fontes periódicas, os mapas podem ser enquadrados como
“fotografias” geográficas do momento em que foi produzido. A partir destes, pode-se localizar
estradas, vilas e cidades, além da hidrografia e topografia. Nos mapas da província de Sergipe
também eram localizados os engenhos, o que ajuda a compreender os locais em que a produção
canavieira era mais intensa e quais redes fluviais eram utilizadas pelos senhores de engenho
para o transporte das caixas de açúcar.
Para acompanhar essa quantidade de informações cronológicas, foi mais viável a
escolha da micro-história como método. Tendo seu início com os historiadores italianos Carlo
Ginzburg e Giovanni Levi, a micro-história tem como objetivo analisar a história social sob
uma perspectiva individual (microscópica). Ao observar a trajetória desse indivíduo ou grupo
de indivíduos num contexto de múltiplas possibilidades, pode-se compreender o contexto
temporal, econômico e social em que o objeto está inserido. Explicando a relação entre o
contexto e o indivíduo, Jacques Revel (1998, p. 28) afirma que

“(...) cada ator histórico participa, de maneira próxima ou distante, de


processos – e, portanto, se inscreve em contextos - de dimensões e de
níveis variáveis, do mais local ao mais global. Não existe, portanto,
hiato, menos ainda oposição, entre história local e história global.”
Cahipe: um engenho no Vaza-Barris

Localizado nas imediações do riacho Cahipe e não muito distante do centro urbano de
São Cristóvão, como visto na Figura 01, o Engenho Cahipe possuía uma posição favorável ao
comércio do açúcar graças à sua proximidade com o porto da cidade. O empreendimento de um
engenho requeria ao empreendedor algumas noções sobre o plantio da cana, como qual o tipo
de solo mais adequado, e se havia um manancial de matas que fornecessem madeira para as
fornalhas. Entre os tipos de solo, Bert Barickman (2003) afirma que os melhores solos para o
cultivo da cana eram o massapê, principalmente, e o salão, menos valorizado e mais propício à
cultura do fumo.

Ao analisar os inventários post-mortem de Sergipe, entre 1800 e 1822, Carlos


Malaquias, Ana Pereira e Éden Vieira (2018, p. 26) identificaram o vale do Vaza-Barris como
a microrregião sergipana que mais cultivava a cana de açúcar, em comparação ao vale do
Cotinguiba, ao norte, e o vale do Piautinga, no sul. Em 1808, D. Marcos Antônio de Souza,
pároco da freguesia de Jesus Maria José do Pé do Banco, escreveu sobre a economia de cada
um dos termos de Sergipe, além pontuar melhoramentos necessários para o desenvolvimento
da então capitania. Sobre São Cristóvão, escreveu o vigário que o entorno da cidade, assim
como o fértil solo nas margens do Vaza-Barris, possuía terreno favorável para o plantio de
mandioca, cana e criação de gado (SOUZA, 2005, p. 26).

De acordo com a escritura de compra e venda, o engenho foi edificado pelos vendedores,
Manoel José de Jesus e sua esposa Eduviges Silveria de Santa Rita, em terras próprias, antes
mesmo de 183121, visto que, como observado na Figura 01, o engenho já existia. A
historiografia sergipana é unânime ao definir o desenvolvimento do fabrico de açúcar, como
produto agroexportador, em Sergipe, como atrasado em contraste às outras regiões açucareiras
tradicionais. Somente na segunda metade do século XVIII é que haveria um paulatino
crescimento do número de engenhos, devido à fragmentação das antigas propriedades e com o
contexto de crise do açúcar caribenho que incentivou a formação de novas propriedades
açucareiras. Os engenhos sergipanos, diferente dos encontrados no Recôncavo Baiano e em
Pernambuco, seriam de natureza banguê, ou seja, de menor produção, com pouca mão-de-obra
cativa e de estrutura mais familiar (ALMEIDA, 1993, p. 299 apud AMARAL, 2012, p. 37).

21
AGJSE, Fundo São Cristóvão, 1º Of., Livro de Notas, Cx. 05, Nº 56, Período 1826-1842, Doc. 01, pg. 157v-160v.
Figura 1: Localização do Engenho Cahipe, 1831. Fonte: DESCONHECIDO. Carta topographica da província de Sergipe, 1831.
Disponível em: http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart543217/cart543217.jpg.

Em contraste a esse posicionamento, Vera Lúcia Amaral Ferlini (2010, p. 218) afirma
que o final do século XVIII representou um “renascimento agrícola”, através da potencialização
da produção e diversificação de culturas que permitiram um aumento nas exportações e,
consequentemente, o uso mais intenso da terra, ao se ampliar os campos cultiváveis. Essa
amplificação também foi percebida por Bert Barickman (2003, p. 172) ao analisar a estrutura
da lavoura canavieira no Recôncavo. O autor percebeu que, a partir de 1780, com as reformas
pombalinas, houve uma “recuperação do comércio de açúcar”, que proporcionou novos
investimentos dos senhores de engenhos, através de reformas na propriedade e na compra de
mais escravos. Assim, os fatores que levaram ao aumento no número de engenhos em Sergipe,
foi perceptível em outros locais do Brasil, como o Recôncavo Baiano, por exemplo.

Essa explicação corrobora o porquê o Engenho Cahipe ter sido edificado, além do
porquê de ter sido vendido. De acordo com a escritura de compra e venda, Manoel José de Jesus
estava devendo à várias pessoas em São Cristóvão e na “cidade da Bahia”, Salvador. Entre os
credores, estava a Santa Casa de Misericórdia da Bahia. De acordo com Vanessa Oliveira (2014,
p. 324), ao pesquisar as confrarias leigas de São Cristóvão no século XIX, as Santas Casas
funcionavam como agências de financiamento da empresa açucareira, a partir da concessão de
crédito. É sabido que para equipar um engenho era necessário cabedal suficiente tanto para os
equipamentos, como para a compra de escravos. Mesmo com o financiamento da Santa Casa,
havia a necessidade de se ter um fundo extra caso algum prejuízo aparecesse.

Ainda analisando a escritura de compra e venda, diz o documento que o engenho era
limítrofe às “terras do Major Joaquim José Gomes, o Sítio do Ranxo, com terras de Romão de
São José, e o Sítio Vigia”. Por não ser vizinho a outros engenhos, pode-se deduzir que as terras
confrontantes pertenciam a lavradores de cana que, através de parcerias, utilizavam do
maquinário do Cahipe para o fabrico de açúcar. Mesmo não possuindo o prestígio social de ser
um senhor de engenho, os lavradores de cana poderiam atuar em cargos secundários na
administração ou no serviço militar. Como a lavoura canavieira demandava cabedal, esses
lavradores, em sua maioria brancos, também teriam que arcar com mão de obra e meios de
transporte que levassem as canas para o engenho parceiro. Não era raro, no entanto, que os
lavradores de cana fizessem parte da família dos senhores de engenho, tanto pelo sangue, como
por apadrinhamento (SCHWARTZ, 1988, p. 247-60; BARICKMAN, 2003, p. 199-201).

Leão e Castro: uma família em São Cristóvão

Quando comprou o Engenho Cahipe, em 17 de junho de 1833, Antônio Joaquim de Leão


e Castro era casado com Maria Rosa do Espírito Santo, e pais de 9 filhos, Izac Antônio, Maria
do Carmo, Maria da Puresa, Maria Angélica, Maria Rosa, David Antônio, Mariana, Maria
Violante e Daniel Antônio. Em 1833, Daniel, o mais novo, tinha apenas 2 anos de idade. O fato
de todos os filhos já terem nascido quando o engenho foi adquirido, demonstra que a família
Leão e Castro tinha se constituído antes mesmo de serem senhores de engenho.

A escolha dos nomes dos filhos representa um aspecto interessante da sociedade


oitocentista. Tanto Isaac, David e Daniel foram personagens bíblicos presentes no antigo
testamento e que atuaram cronologicamente distantes. Isaac foi o filho primogênito de Abrão;
David o rei responsável por unificar Israel; e Daniel, o profeta que ficou preso numa cela com
leões. A explicação para essa escolha, diferente dos outros senhores de engenho que escolhiam
nomes de santos, seria o fato de Antônio Joaquim de Leão e Castro possuir capital cultural mais
elevado do que os demais senhores da região. Além de ser doutor, Antônio Joaquim, de acordo
com seu inventário, comercializava escrituras sagradas, tendo, à época de sua morte, um
estoque com 25 obras religiosas, tanto do antigo, como do novo testamento22.

Além de possuir um amplo capital cultural, Antônio Joaquim também possuía um


considerável capital econômico. Como visto na escritura de compra e venda, em 1833, o Doutor
Leão e Castro negociou comprar o Engenho Cahipe, “com os cobres que se axão, casas de
vivenda, pasto, senzallas, e tudo mais a ele pertencente”, pelo valor de 3:200$000 (três contos
e duzentos mil réis). Dessa quantia, teve que pagar mais de dois contos aos credores dos
vendedores, e obrigado a pagar o resto do valor como juros à Santa Casa da Misericórdia. Além
desses pagamentos, o doutor teve que comprar a mão de obra necessária para que seu engenho
fabricasse o açúcar. Em 4 anos, seu engenho já funcionava com 30 escravos, entre homens e
mulheres, crianças e idosos, africanos e crioulos.

Em 1837, D. Maria Rosa, esposa do doutor, falece, deixando seus nove filhos a cuidados
de seu marido. Se levarmos em consideração que o casal teve filhos constantemente com
intervalo de dois anos, especula-se que todos os seus filhos ainda eram de menor idade, tendo
Izac entre 16 e 18 anos23. De acordo com as Ordenações Filipinas, código jurídico português
que teve validade no Brasil até 1917, o indivíduo só adquiria a maioridade a partir dos 21 anos
completos, ou através do casamento. Antes do vigésimo primeiro aniversário ou do casório, o
responsável pelo menor e pelos seus bens, seria um(a) tutor(a) (ALMEIDA, 1870, p. 994-1004).
Como sendo tutor dos bens dos filhos, Antônio Joaquim permaneceu como administrador das
terras do Engenho Cahipe até 16 de janeiro 1840, quando é feita a partilha dos bens deixados
pela finada sua esposa. Nessa data, alguns de seus filhos já haviam alcançado a maioridade,
como Izac e Maria do Carmo.

Quando faleceu em 1846, Antônio Joaquim de Leão e Castro tinha arranjado casamento
para todas as suas filhas. Entre 1840 e 1846, Izac se casou com Umbellina Pinto; Maria do
Carmo se tornou Maria do Carmo de Castro Miranda, ao se casar com José Manoel de Miranda;
Maria da Puresa se casou com Antônio Paulino Nogueira, inventariante do seu sogro; Maria
Angélica contraiu núpcias com Manoel Constâncio do Amor Divino; Maria Rosa, com 21 anos,
já estava casada com Manoel dos Santos Pereira; As irmãs Mariana, com 18 anos, e Maria
Violante, com 17, já tinham se casado com Domingos e Dionizio Pereira Rabello,

22
AGJSE, Fundo São Cristóvão, 2º Of., inventário post mortem de Antônio Joaquim de Leão e Castro, Cx. 13, Nº
171, Doc. 04.
23
AGJSE, Fundo São Cristóvão, 1º Of., inventário post mortem de Maria Rosa do Espirito Santo, Cx.22, Doc. 02.
respectivamente. Não foi localizado nenhum indício se David e Daniel arranjaram esposas.
Numa sociedade caracterizada pela manutenção do prestígio social e econômico, a escolha de
um marido ou esposa para os filhos, representava um momento decisivo na continuidade da
suposta nobreza de um senhor de engenho (SCHWARTZ, 1988, p. 242).

No entanto, ao analisar os cônjuges dos irmãos Leão e Castro, percebe-se que eles não
se casaram com membros da açucarocracia local. Procurando por seus nomes nos jornais,
localizamos que três genros do finado doutor, trabalhavam como funcionários públicos. Em
1852, Manoel Constâncio do Amor Divino se afastou do posto de guarda provincial da
Alfândega, ao pedir uma licença de três meses para tratar da saúde24. Em 1º de outubro de 1853,
o diretor do Lyceu de São Cristóvão nomeou Antônio Paulino Nogueira como porteiro
substituto25. Enquanto que Dionizio Pereira Rabello, esposo de Maria Violante, era um
funcionário público locado na Secretaria da Thesouraria e Rendas Públicas da Povíncia26. De
acordo com Manoela Pedroza (2011), o casamento de filhos(as) de senhores de engenho com
funcionários públicos era tão favorável para o pai que casava suas filhas, por estender sua rede
de influência aos cargos do governo, quanto para o marido que se casava, devida a possibilidade
de ampliar sua renda, graças à plantação de cana.

Partilha: um modo de transmissão

Com a morte do pai, os irmãos Leão e Castro partilharam os bens listados no inventário
do falecido. Além de 3 escravos, tinha deixado o Engenho Cahipe com todas as suas terras e
sítios anexos, como o Vigia e alguns quinhões no Candeal. De acordo com as Ordenações
Filipinas, a partilha deveria acontecer igualmente entre todos os herdeiros que deveriam estar
presentes no momento, sob supervisão do Juiz de Órfãos. Cada qual com seu quinhão de terra
que deveria ser em quantia igualitária com os demais. Com relação aos bens semoventes, como
animais de criar, prataria e até mesmo os cativos, os herdeiros poderiam decidir com quem cada
um dos bens fosse ficar, de forma que não causasse injustiças durante o processo de partilha.
Outra possível solução era vender todos esses bens e repartir igualmente para cada um
(ALMEIDA, 1870, p. 994-1004). Como Daniel ainda era de menor, seus bens partilhados foram
administrados por um tutor, nesse caso, seu irmão mais velho, Izac.

24
Biblioteca Nacional Digital, Hemeroteca Digital, Correio Sergipense, ed. 00085, 1852, p. 02.
25
Biblioteca Nacional Digital, Hemeroteca Digital, Correio Sergipense, ed. 00069, 1853, p. 01.
26
Biblioteca Nacional Digital, Hemeroteca Digital, Correio Sergipense, ed. 00360, 1842, p. 03.
A historiografia preocupada com a dinâmica agrária no Brasil, observa de diferentes
perspectivas o ato da partilha de um inventário. De acordo com Stuart Schwartz (1988, p. 243-
245), o sistema de transmissão de bens predominante na América Portuguesa se baseava na
partibilidade igualitária entre todos os herdeiros. O autor comenta que o engenho ao ser
partilhado poderia gerar uma série de querelas entre herdeiros, refletindo uma sociedade egoísta
e gananciosa. Ao pesquisar sobre o Recôncavo Baiano, Bert Barickman (2003, p. 181-189)
comenta que as propriedades açucareiras daquela região, possuíam grande concentração
territorial, o que favorecia todos os herdeiros com uma boa quantidade e qualidade de solo
disponíveis para cada. Manoela Pedroza (2011, p. 195), estudando os engenhos das freguesias
rurais do Rio de Janeiro, identificou que com a partilha da propriedade, alguns herdeiros
preferiam manter a terra comunal entre os demais, visto que a fragmentação poderia resultar no
empobrecimento de todos. Para a autora, esse uso comunal da terra, chamada de propriedade
indivisa, foi, além de uma prática, uma estratégia dos coerdeiros, a fim de manterem a
coabitação no sítio ou fazenda.

Em 1856, cerca de dez anos após a partilha dos bens deixados pelo Doutor Antônio
Joaquim de Leão e Castro, ocorre em todo o Império do Brasil, o registro paroquial de terras.
Em São Cristóvão, mais de 420 pessoas decidiram declarar suas propriedades, a fim de
iniciarem o processo de titulação do imóvel. Entre essas centenas de pessoas, estavam algum
dos herdeiros Leão e Castro. A partir da declaração da viúva Umbellina de Leão Pinto27,
tivemos conhecimento que em 1856, Izac já tinha falecido. A mesma viúva declarou as terras
no Engenho Cahipe que lhe cabiam pela herança de seus sogros e de seu marido. Durante os
registros de terras, não foi localizado o nome de Maria do Carmo ou de seu marido. A terceira
herdeira, Maria Pureza, registraria, junto com seu esposo, Antônio José Pinheiro Nogueira,
tanto as terras que herdou de sua mãe, como as de seu pai, resultando no valor de 1:111$000
(um conto e cento e onze mil réis)28. Maria Angélica e seu marido, Manoel Constâncio do Amor
Divino, também não registraram seus quinhões. Já Maria Rosa e seu marido, Manoel dos Santos
Pereira, declararam a herança que tiveram de seus pais, sem mencionar a quantia29. David, o
segundo filho do casal Leão e Castro, com aproximados 30 anos de idade, também registrou
suas terras no Cahipe30. Mariana, moradora em Vila Nova, com o seu marido, Domingos Pereira

27
APES, Coleção SS, Vol. 57, Nº 1685, pg. 8v.
28
APES, Coleção SS, Vol. 57, Nº 1685, pg. 21.
29
APES, Coleção SS, Vol. 57, Nº 1685, pg. 77.
30
APES, Coleção SS, Vol. 57, Nº 1685, pg. 54.
Rabello, registraria as terras no engenho no valor de aproximados 910$00031. Já Maria Violante,
casada com Dionísio Pereira Rabello, e moradora em Aracaju, também iria declarar os seus
quinhões avaliados em 1:250$00032. Por fim, Daniel, o caçula dos nove irmãos, com idade de
25 anos, registraria, como seus irmãos mais velhos, suas terras no Engenho Cahipe 33.

Figura 2: Histórico de transmissão do Engenho Cahipe, 1833-1856. Fonte: APES, Coleção SS, Vol. 57, Nº 1685, Livro dos
registros paroquiais de terras da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória; AGJSE, Fundo São Cristóvão, 1º Of., Livro de Notas,
Cx. 05, Nº 56, Período 1826-1842, Doc. 01, pg. 157v-160v.
Além das declarações dos irmãos Leão e Castro, outros moradores da cidade também
registraram as terras que possuíam no Engenho Cahipe. A maioria dessas pessoas, como
demonstrado na Figura 02, obtiveram seus quinhões através da compra. Em 12 de maio de 1841,
um ano e quatro meses depois da partilha do inventário de D. Maria Rosa do Espírito Santo,
Maria do Carmo, a segunda filha, vendeu para Florinda Angélica de Jesus, um quinhão no
Engenho Cahipe, na quantia de 400$000 (quatrocentos mil réis)34. Izac, o irmão mais velho,
vendeu no início da década de 50, um quinhão no valor de 80$000 (oitenta mil réis) para
Joaquim José de Barros Pimentel, e este, quando faleceu, passou por herança à sua esposa, Anna
Hortência do Prado Pimentel35. Antes de morrer, entretanto, Pimentel vendeu uma parte do seu

31
APES, Coleção SS, Vol. 57, Nº 1685, pg. 11 e 48v.
32
APES, Coleção SS, Vol. 57, Nº 1685, pg. 11v, 38, 48 e 48v.
33
APES, Coleção SS, Vol. 57, Nº 1685, pg. 52.
34
AGJSE, Fundo São Cristóvão, 1º Of., Livro de Notas, Cx. 05, Nº 56, Período 1826-1842, Doc. 04, pg. 26v-28.
35
AGJSE, Fundo São Cristóvão, 2º Of., inventário post mortem de Joaquim José de Barros Pimentel, Cx. 19, Nº
177, Doc. 01.
quinhão para o Cônego Ignácio Antônio da Costa Lobo 36. David e Daniel foram os que mais
venderam as terras do engenho para outras pessoas37. Vale lembrar, no entanto, que Daniel só
poderia administrar seus bem quando alcançasse a maioridade, aos 21 anos. Assim, todas as
vendas realizadas por ele, aconteceram entre 1852 e 1856.

A fim de pagar uma dívida deixada pelo doutor Leão e Castro, os herdeiros venderam
600$000 (seiscentos mil réis) em terra para o comerciante Luís José dos Mares38. Ao analisar
as formas de pagamento de dívidas, Vera Lúcia Amaral Ferlini (1988, p. 184) observa que havia
uma prática de quitação de dívidas através da venda de uma parcela da propriedade com valor
correspondente. Essa e outras relações ilustradas na Figura 02, comprovam que os herdeiros
também preocupados em pôr fim nas custas deixadas pelos seus pais, não tinham tanto interesse
em cultivar e trabalhar nas terras herdadas. A venda desses quinhões para outras pessoas da
cidade, em sua maioria, conhecidas pelos herdeiros, fornece uma possibilidade no mercado de
terras da freguesia, a partir da venda por proprietários desinteressados, e a compra por
indivíduos engajados em ter um pedaço de chão (PEDROZA, 2011, p. 182-183).

Considerações finais

Respeitando os limites de interpretação das fontes, foi possível perceber, através da


trajetória, como a partilha de uma propriedade resultou num provável fracionamento. Ao
analisar o caso do Engenho Cahipe, muito da conjuntura social e econômica da sociedade
oitocentista sergipana foi captada. Num período de desenvolvimento da lavoura canavieira, a
necessidade de se possuir terras aptas para o cultivo, mobilizou não só empreendimentos
familiares, como aspirações individuais. Na família Leão e Castro, a desunião entre os herdeiros
fez com que essas duas vertentes se chocassem. Esse choque fomentou a fragmentação do
engenho, e no ingresso de outras pessoas fora do meio familiar, como proprietários de quinhões
indivisos. Na mesma medida, o desinteresse dos coerdeiros auxiliou diversos indivíduos a terem
acesso a terras de boa qualidade, até então desprezadas.

Referências Bibliográficas

36
APES, Coleção SS, Vol. 57, Nº 1685, pg. 4.
37
APES, Coleção SS, Vol. 57, Nº 1685, pg. 12, 40v, 55, 55v, 58v, 74, 76v.
38
APES, Coleção SS, Vol. 57, Nº 1685, pg. 34v.
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Estado da Cultura, 2005.
DICOTOMIAS NA REPRESENTAÇÃO DO MARQUÊS DE POMBAL: UM ESTUDO
ACERCA DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA DA UFS

Autora: Nayara Stefanie Mandarino Silva


Graduanda em Letras Português-Inglês pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PIAEX (PROEX/UFS) e voluntária PICVOL
nayaramandarino@hotmail.com

Orientadora: Profª. Drª. Elaine Maria Santos (DLES/UFS)

Introdução

De 1750 a 1777, Portugal foi governado pelos absolutistas esclarecidos rei D. José I e
por Sebastião José de Carvalho e Melo que, em 1769, recebeu o título de Marquês de Pombal
(SANTOS, 2010). Esse período é conhecido como o pombalismo ou liberalismo português e
ocorreu concomitantemente ao iluminismo português, caracterizado pela sua essência cristã e
católica, além de progressista, humanista, reformista e nacionalista. Esse período histórico foi
marcante devido às mudanças no que concerne à educação e à estruturação do Estado, que
tiveram efeitos nos anos seguintes, tanto em Portugal, quanto em suas colônias, incluindo o
Brasil (CARVALHO, 1978). O Marquês de Pombal era implacável e agiu, muitas vezes, com
violência para atingir seus objetivos. Por isso, ele é uma figura emblemática que divide os
estudos históricos entre os que o admiram e os que o desprezam – filopombalistas e
antipombalistas, respectivamente. Considerando-se a necessidade de renovar os estudos
pombalinos, José Eduardo Franco, Pedro Calafate e Viriato Soromenho-Marques, do CLEPUL
(Portugal) propuseram o levantamento das obras escritas por ou sobre o Marquês de Pombal. O
projeto tem o objetivo de realizar um levantamento de toda a obra escrita do Marquês de Pombal
ou que verse sobre ele, para, então, preparar uma edição criticamente anotada e atualizada,
partindo de uma abordagem interdisciplinar e objetiva, sem que as ações do Marquês sejam
supervalorizadas ou desvalorizadas. Consequentemente, haverá uma renovação dos estudos
pombalinos que deverá contribuir com um conhecimento mais aprofundado da vida e obra de
Sebastião José de Carvalho e Melo.
Alinhado à supracitada iniciativa e ao Núcleo de Estudos de Cultura da UFS (NEC-
UFS), o projeto de pesquisa PIBIC/UFS, O Marquês de Pombal e a Instrução Pública, ao qual
a autora deste artigo está vinculada, visa, entre outros objetivos, contribuir com a investigação
da produção acerca de Pombal. Nesse contexto, esse trabalho almeja levantar dados sobre textos
que tratam do pombalismo, escritos ou publicados no âmbito da Universidade Federal de
Sergipe (UFS) e analisar como essa figura é representada.

Marquês de Pombal: quem foi e principais feitos

Sebastião José de Carvalho e Melo, que fez parte do governo de Portugal entre 1750 e
1777, provinha de família modesta, não sendo, portanto, nobre de sangue. Maxwell (1996)
destaca que o período denominado pombalino foi marcado por paradoxos. Buscou-se ‘libertar’
através da luz do conhecimento, como é proposto pelo Iluminismo, mas, ao mesmo tempo,
houve a promoção do despotismo e o mantimento de relações com a Igreja. O Iluminismo
português, nesse sentido, é semelhante ao italiano.
O primeiro posto de destaque ocupado por Sebastião foi o de embaixador em Londres
(1739-1743), em substituição a Azevedo Coutinho, que voltou a Portugal para assumir a
posição de ministro dos assuntos exteriores e da guerra. Pombal voltou a Viena em 1749 e, a
partir de 1750, passou a ocupar o cargo de ministro devido, principalmente, ao seu casamento
com a condessa de Daun. De acordo com Maxwell (1996), o ministro possuía experiência e
habilidades diplomáticas, considerando o tempo em que passou viajando em nome de Portugal.
Ele é um dos ‘estrangeirados’ da historiografia portuguesa, por ter sido influenciado por outros
modelos europeus.
O poder de Pombal enquanto ministro foi ampliado em 1755, após o terremoto de
Lisboa, por ter ficado à frente da reforma da cidade. Maxwell (1996, p. 27) afirma, com relação
à reconstrução do local, que “o planejamento arquitetônico e urbano de Pombal objetivava
celebrar a independência econômica nacional e um estado moderno bem regulado e utilitário
[...] Destarte, esse planejamento sintetizava o que Pombal esperava alcançar para Portugal”. A
ideia de elevar o Estado português moveu as ações do ministro. Além desse trabalho, um outro
possibilitou que Pombal tivesse mais poder, a investigação acerca da tentativa de regicídio
contra o rei Dom José, em setembro de 1758, devido ao qual, em 6 de junho de 1759, recebeu
o título de Conde de Oeiras. Embora não tenha havido provas, segundo Maxwell (1996, p. 92),
a família Távora foi condenada pelo crime, “como um meio para esmagar tanto a oposição
aristocrática como os jesuítas em Portugal”.
A colônia brasileira, por ser uma fonte de riqueza lusitana, foi uma grande preocupação
do governo pombalino. O local já havia passado por invasões e, por esse motivo, precisava de
proteção. Considerando que não seria viável enviar portugueses para a colônia, o casamento
entre índios e europeus passou a ser permitido. Pombal, “em 6 e 7 de junho de 1755, decretou
a liberdade completa e a integração da população indígena, retirando a tutela religiosa e secular
dos missionários, concedida pela regulamentação missionaria de 1680” (MAXWELL, 1996, p.
60). Com isso, os índios passariam a ser súditos da coroa portuguesa e, como tal, deveriam lutar
pelos interesses dela.
Os jesuítas, até então responsáveis pela educação dos índios, foram substituídos pelos
oratorianos, porém, estes não conseguiram se comparar ao anteriores, no que diz respeito à
influência e ao poder. A Companhia de Jesus foi expulsa e proscrita do império português,
através do alvará real de 3 de setembro de 1759. Antes dele, houve tentativas de negociações,
sem êxito, com os jesuítas, para que eles passassem a ensinar apenas utilizando a língua
portuguesa. Havia uma clara intenção de colocar o português como língua oficial, numa
tentativa de unificação do Império português, como afirma Santos (2010). O entendimento de
nação da época parecia corresponder ao compartilhamento de uma língua comum a todos, o
que não ocorre de forma pacífica, como afirma Renan (2006 [1882]). O autor (2006 [1882]), p.
6) ainda aponta que “a essência de uma nação é que todos os indivíduos tenham muitas coisas
em comum, e também que todos tenham esquecido coisas”. No caso de Portugal, temos a
‘união’ pela religião católica, pela língua portuguesa e pela submissão ao rei, além das fronteiras
geográficas que demarcam o que é ou não parte do Império. Renan (2006 [1882], p. 19)), no
entanto, argumenta que a nação não se resume a nenhum desses itens, ela é “constituída pelo
sentimento dos sacrifícios que fizeram e daqueles que estão dispostos a fazer ainda. Ela supõe
um passado; ela se resume, portanto, no presente por um fato tangível: o consentimento, o
desejo claramente exprimido de continuar a vida comum”.
Apesar de ter ficado conhecido como Marquês de Pombal, Sebastião recebeu esse título
apenas em 1769, aos 71 anos de idade, perto de sua morte, que ocorreu em 1782, cinco anos
após sua queda, com a ascensão de D. Maria I.

Pombal entre representações

Pombal dividiu/divide opiniões, inclusive entre seus contemporâneos, devido a suas


ações, permeadas por paradoxos.
Para alguns, Pombal, que para todos os efeitos governou Portugal entre
1750 e 1777, é uma grande figura do despotismo esclarecido,
comparável a Catarina II da Rússia, a Frederico II da Prússia e a José II
da monarquia austríaca. Para outros, ele não passa de um filosofo
inexperiente e de um tirano maduro. Mesmo antes de Pombal tomar o
poder, seus contemporâneos estavam divididos em suas opiniões sobre
ele (MAXWELL, 1996, p. 1).

Portanto, há diferentes representações da figura de Pombal. O conceito de representação


ganhou força com a história cultural, posterior aos estudos históricos ligados à história
positivista tradicional, que se restringiam ao estudo de documentos escritos (VIEIRA, 2015).
Nesse sentido, Chartier (1990, p. 37) aponta que esse tipo de pesquisa era sustentado pelas
noções de transparência entre a intenção de produtores e seus produtos; a ideia de que uma
criação intelectual é individual; a atribuição de semelhanças entre produções ao intitulado
“espírito do tempo”. O autor destaca, no entanto, que é impossível manter uma relação
transparente entre texto e realidade e que é necessário “reencontrar essas representações antigas,
na sua irredutível especificidade, isto é, sem as envolver em categorias anacrônicas nem as
medir pelos padrões da utensiliarem mental [da época atual]”. Chartier (1990) também chama
atenção para o conceito de visão de mundo, definidas como ideologias compartilhados por
determinados grupos sociais, que os caracterizam, ao mesmo tempo em que os diferenciam de
outros grupos. O autor fala, desse modo, da atribuição de significados, a partir de sistemas
ideológicos situados em um contexto. As produções intelectuais se constituem em
representações e são lidas de maneira singular e diversificada com base em representações
emergentes do sistema ideológico com o qual o leitor tem contato. Logo, “todo o texto é o
produto de uma leitura, uma construção do seu leitor” (CHARTIER, 1990). A história cultural,
em suma, “trata das representações sociais, das práticas culturais e do processo de apropriação,
áreas em que a participação dos sujeitos que as vivenciam é fundamental” (VIEIRA, 2015, p.
376).
Representação é, de acordo com Hall (1997, p. 16), “a produção de sentido através da
linguagem”39. Os significados, fixados e reproduzidos até serem entendidos como naturais, são
possíveis por causa dos sistemas de representação que, por sua vez, são mutáveis, à medida que
convenções sociais e linguísticas também são. O autor explica que há três concepções de

39
As traduções da língua inglesa para a língua portuguesa são responsabilidade da autora. Versão
original: “the production of meaning through language” (HALL, 1997, p. 16).
representação. A primeira delas é a abordagem reflexiva, segundo a qual o significado está no
objeto e a língua reflete ou imita o mundo real. A segunda, abordagem intencional, defende que
é o autor que compartilha seus entendimentos através da língua. Nesse sentido, o sentido seria
único e privado a um individuo cuja produção seria entendida pelo leitor em acordo com as
intenções de quem produziu o texto. A terceira concepção, abordagem construcionista,
reconhece que a língua é social. Os significados não estão fixados nos objetos, tão pouco
transparecem a intenção do autor; eles são construídos a partir dos sistemas de representação.
Hall (1997, p. 19) define representação de maneira ampla como a produção de significados que
estão diretamente relacionadas a convenções sociais de contextos específicos. Nas palavras do
autor:

Central ao processo de significação em uma cultura, então, há dois


‘sistemas de representação’ relacionados. O primeiro permite que
demos sentido ao mundo, através da construção de um conjunto de
correspondências ou uma cadeia de equivalências entre coisas –
pessoas, objetos, eventos, ideias abstratas etc. – e nosso sistema de
conceitos, nossos mapas conceituais. O segundo depende da construção
de um conjunto de correspondências entre nosso mapa conceitual e um
grupo de signos, dispostos e organizados em várias línguas que
simbolizam ou representam esses conceitos. A relação entre ‘coisas’,
conceitos e signos está situada no centro da produção de sentido em
uma língua. O processo que liga esses três elementos é o que chamamos
de ‘representação’.40

Os significados não estão nas ‘coisas’, de acordo com essa perspectiva, são construídos
e, portanto, sempre diferentes. É por esse motivo que pessoas que vivem na mesma época,
fazem parte de cultura e grupos sociais semelhantes constroem sentidos divergentes. Tal
afirmação explica também o motivo de a figura de Pombal e suas atitudes serem compreendidas
de maneiras diversas, caindo, muitas vezes, em uma dicotomia, isto é, na polarização, divisão
em dois: admirar ou desprezar. Como Maxwell (1996) coloca, isso acontece desde o século

40
At the heart of the meaning process in culture, then, are two related ‘systems of representation’. The
first enables us to give meaning to the world by constructing a set of correspondences or a chain of
equivalences between things - people, objects, events, abstract ideas, etc. - and our system of concepts,
our conceptual maps. The second depends on constructing a set of correspondences between our
conceptual map and a set of signs, arranged or organized into various languages which stand for or
represent those concepts. The relation between ‘things’, concepts and signs lies at the heart of the
production of meaning in language. The process which links these three elements together is what we
call ‘representation’ (HALL, 1997, p. 19).
XVIII. A seguir, o levantamento da produção de textos sobre Pombal, no âmbito da UFS, é
exposto e analisado a partir do conceito de representação.

Representações nas pesquisas sobre Pombal

Para que os dados fossem obtidos, foi realizado um levantamento acerca dos textos
produzidos por pessoas vinculadas à UFS no momento da produção e textos que, apesar de
terem sido escritos por pesquisadores não vinculados à UFS, foram publicados no repositório
institucional ou em revistas vinculadas à universidade. Inicialmente, foram feitas pesquisas no
repositório da UFS, com a palavra-chave Marquês de Pombal. Os resultados foram examinados
e colocados em duas planilhas – uma para pessoas vinculadas à instituição de ensino e outra
para não vinculados – cujos itens são: tipo, título, autor, área de estudos, local de publicação,
ano, endereço eletrônico e, no caso da segunda planilha, instituição a qual está vinculado. Foram
encontradas 25 produções de autores não vinculados à UFS e 85 textos de pesquisadores
vinculados à esta instituição.
No que diz respeitos aos autores não vinculados, mas sim a diversas universidades não
apenas brasileiras, foram encontrados, majoritariamente, artigos, conforme gráfico:

Gráfico 1: tipo de produção dos não vinculados a UFS

Fonte: produção da autora, a partir dos dados

Esses textos correspondem aos anos 2008 (1), 2009 (1), 2011 (1), 2015 (1), 2016 (17) e
2017 (3). Enquanto três deles estão no repositório UFS, 31 podem ser encontrados em uma
revista de artigos científicos vinculada à universidade, a Revista de Estudos de Cultura
(REVEC). Além disso, os textos estão ligados a diversas áreas de estudos:
Gráfico 2: áreas de estudos dos autores não vinculados à UFS

Fonte: produção da autora, a partir dos dados

Similarmente, há grande variedade de áreas dos textos produzidos por pessoas


vinculadas à UFS; a maior parte dos trabalhos, no entanto, é da área da educação.

Gráfico 3: áreas de estudos dos vinculados à UFS

Fonte: produção da autora, a partir dos dados

Nos tipos de produção, por sua vez, foram encontradas mais dissertações de mestrado
(53), seguidas por teses de doutorado e artigo (10 de cada), conforme mostra o gráfico 4.

Gráfico 4: tipo de produção dos vinculados a UFS


Fonte: produção da autora, a partir dos dados

Quanto aos anos das publicações, diferente das publicações dos não vinculados à UFS,
em que há uma concentração no ano de 2016, devido a um número temático relacionado a
Pombal na revista REVEC, na UFS, há uma distribuição temporal, com ápice também em 2016.

Gráfico 5: anos de publicação dos vinculados a UFS

Fonte: produção da autora, a partir dos dados

No que diz respeito à análise da representação de Pombal, foram recorrentes as


associações dessa figura à ideia de poder, como é possível observar nos trechos abaixo:

O ministro plenipotenciário Sebastião José de Carvalho e Melo, o


Marquês de Pombal (SILVA, 2008, p. 15).
As reformas pertinentes à religião e ao sistema de ensino, através do
poder de déspota esclarecido de Pombal, potencializaram
estrategicamente grandes mudanças pedagógicas (TELES, 2016, p.
172).
Teve assim Pombal plenos poderes para gerir os negócios e dirigir a
nação lusitana (SOUZA, 2011, p. 36).

Nos trechos acima, Pombal é destacado como possuidor de poder pleno, conforme os
termos marcados. Ele ainda é colocado como déspota esclarecido, o que também ocorre em
outras produções. Falcon (1993, p. 132) afirma, sobre o despotismo esclarecido, que “o Estado
e os governos são entendidos como simples meios de se alcançar os fins propostos, entre os
quais avulta a felicidade ou utilidade para o maior número de pessoas”. A ideia é de um tipo de
governo que, apesar de objetivar o progresso, é centralizado no governo.
Pombal também foi representado como aquele que expulsou os jesuítas, conforme os
trechos reproduzidos abaixo:

O grande mérito do ensino desenvolvido pelos jesuítas deve-se ao seu


caráter sistemático que com a política de Pombal resultou em uma
educação brasileira enfraquecida (ARAÚJO, 2012, p. 22).
Pombal expulsou os jesuítas (SANTOS, 2013, p. 30).
Com a violenta expulsão dos jesuítas do império português, o Marquês
de Pombal [...] determinou que a educação na colônia passasse a ser
transmitida por professores (SANTOS, 2011, p. 94).
Pombal decide perseguir os jesuítas e extinguir a Companhia de Jesus
(MORAES et al, 2016, p. 117).
De fato, no Brasil, ponto nodal para se compreender o desencadear da
hostilidade pombalina antijesuítica, a Companhia de Jesus foi alvo da
nova política imperialista do governo português, que pretendia
consolidar o efetivo domínio dos vastos territórios da enorme região
tropical e subtropical. (OLIVEIRA, FRANCO, 2016, p. 30).

O Marquês, na primeira citação, é entendido como o que enfraqueceu a educação


brasileira, porque finalizou o método de ensino de “grande mérito” dos jesuítas. Também
ressaltam a violência e hostilidade utilizada na expulsão da Companhia de Jesus. Pombal é,
ainda, representado como dizimador da língua geral:

O Marquês de Pombal tratou de dizimar a língua geral (FONTES, 2015,


p. 38).
Pombal não só adequou a comunidade indígena à sociedade Portuguesa,
mas também dizimou a língua que até então era a mais falada na
América Portuguesa (BARBOZA, 2011, p. 69).
A palavra dizimar tem valor semântico semelhante ao do verbo matar. Há uma
conotação de violência no uso desse termo. Pombal também é representado como violento em
outras das obras estudadas, quando é colocado como autoritário, tirânico e censurador.

Chega a ser irônico que Pombal, frequentemente classificado como


tirânico e despótico, aludisse à Companhia da Ordem de Jesus em
termos bastante similares (CHAUVIN, 2016, p. 53).
Com a decadência dos conventos devido à censura de Pombal, as
Bibliotecas Escolares foram abandonadas e seus acervos começaram a
se autodestruir (MENEZES, 2014, p. 34).
As Luzes tinham como pressupostos a origem filosófica, racional,
crítica e contestatória, mas se produziu autoritária e conservadora
pelas mãos de Pombal (MORAES et al, 2016, p. 117).

No entanto, Pombal também é representado de forma positiva, destacando as suas


contribuições para a moderização e o fortalecimento de Portugal. Alguns autores destacaram

Pombal utilizou a língua e a educação [...] como uma forma de unir os


cidadãos construindo uma afiliação nacional portuguesa aos súditos
mais longínquos daquele império (SANTANA, 2013, p. 52).
Basta ver o caso português, nas reformas empreendidas por Pombal em
prol da modernização e centralização política do Estado lusitano
(CARDOSO, 2011, p. 52).
Este buscou modernizar a instrução pública (SANTOS, 2011, p. 94).
Pombal introduziu importantes mudanças no sistema de ensino do reino
e das colônias (NUNES, 2016, p. 22).

Na primeira citação, Pombal é colocado como responsável pela união dos cidadãos do
império lusitano. Há, desse modo, a representação de Pombal como fundador de uma nação
unificada. As outras três citações, por sua vez, ressaltam o caráter modernizador das decisões
de Pombal, que são associadas à ideia de progresso.

Considerações finais

Pombal é uma figura cujas ações são perpassadas por paradoxos. Desde o século XVII,
ele divide opiniões; houve muitos admiradores de suas reformas, mas também muitos que as
menosprezaram. As diversas formas de atribuir significados ao Marquês podem ser explicadas
pela teoria da representação, segundo a qual todos os sentidos são construídos pelos leitores, a
partir de convenções sociais. Por sermos seres individuais e sociais ao mesmo tempo, além
termos nossas identidades inconstantes, lemos o mesmo texto, situação ou atitude de formas
diferentes.
De acordo com os dados levantados, a produção de textos, no âmbito da UFS, que
versam sobre o Marquês de Pombal são predominantemente da área de educação e constituem,
em sua maioria, dissertações de mestrado. Além disso, o ano de 2016 apresenta um número
maior de textos publicados. No que concerne as representações, Pombal é associado à ideia de
uma figura de poder que se mostra violenta, por exemplo, na expulsão dos jesuítas. Ao mesmo
tempo, ele é entendido como unificador de uma nação portuguesa e modernizador da educação.
Vale ressaltar que, apesar de ter recebido o título de Marquês de Pombal somente em 1769, o
termo Pombal foi utilizado em todos os trabalhos encontrados para se referir a Sebastião, o que
mostra sua identidade está fortemente associada a esse título da nobreza.

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HISTÓRIA E MEMÓRIA: A CONSTRUÇÃO DAS NARRATIVAS A RESPEITO DA
DITADURA CIVIL MILITAR NO BRASIL

Autora: Taís Danielle Alcântara de Araújo Silva


Mestranda em História pela Universidade Federal de Sergipe (PROHIS/UFS)
Pós-graduanda em Educação, Política e Sociedade pela Faculdade Jardins (FAC/JARDINS)
tais.historia-ufs@hotmail.com
Coautora: Maria Aline Matos de Oliveira
Mestranda em História pela Universidade Federal de Sergipe (PROHIS/UFS)
Integrante do Grupo de Pesquisa Poder, Cultura e Relações Sociais na História (CNPq/UFS)
aline_hist2010@hotmail.com
Orientadora: Profa. Dra. Célia Costa Cardoso (DHI/PROHIS/UFS)

Introdução

Na História recente do Brasil a todo o momento nos deparamos com algumas questões
confusas que fazem parte da memória brasileira, podemos ver relativismos a respeito do que
ocorreu durante a ditadura civil militar – o extremo autoritarismo, as perseguições, as torturas,
a violência, a repressão. Algumas pessoas acabam fazendo apologia a esse período sombrio da
história, que já foi desmistificado por diversas pesquisas e pesquisadores, que não foi benéfico
e nem pacífico para a sociedade e nem para o país. Fazendo paralelos com o tempo presente,
sobre esse discurso de exaltação ao regime ditatorial que por vezes é disseminado, entendemos
que não se configura como uma história, mas sim como uma memória. Para que possamos
tentar entender essa questão temos que apresentar os conceitos de História e de Memória, assim
como seus usos nas ciências humanas.
A memória aqui exposta não é no sentido de termos biológicos, psicológicos,
capacidade individual de lembrar e pensar sobre o passado, mas sim uma reconstrução do
passado feita no presente, baseada em parâmetros do presente dos indivíduos e da sociedade.
Ela é coletiva e compartilhada, pois está dialogando com a sociedade que também acompanha
essa memória juntamente com os indivíduos. A história é uma análise científica do passado,
que adota determinadas posturas teóricas e metodológicas que servem de ferramentas para o
seu entendimento e necessita de um rigor científico. A memória está ligada a marcadores sociais
do presente a qual se desenvolve e é por isso que algumas pessoas, que tinham determinado
discurso sobre seu passado e seu presente, acabam mudando, eu um dado momento, não porque
estavam errados, mas porque sofreram influências da memória compartilhada do presente,
baseada em eventos e interesses do presente, que acabam mudando a sua memória. A sociedade
influencia na memória das pessoas, a construção memorialística independe da memória
individual. Como exemplo, podemos mostrar alguém que não vivem o período da ditadura
defendendo o regime, isso é um discurso de memória, pois a pessoa não lembra
individualmente.
No caso da história e da memória construídas sobre o período da ditadura civil militar
brasileira devemos atentar para quem está lembrando, quem está realizando aquela narrativa e
quais os seus interesses. A partir daí, devemos procurar dialogar com os marcadores sociais,
que possuem relação com o indivíduo e com a sociedade. Assim se entende a sociedade e
consequentemente a história e a memória. As memórias sobre a ditadura não são passado, é
como um olhar do presente ao passado da forma ao qual se deseja no presente. Isso não quer
dizer que toda memória seja falsa, ou algo errado, nos mostra na realidade que as memórias são
conflitantes e dinâmicas.
Por fim, devemos sempre ter cuidado com os projetos de memória que são
desenvolvidos, as ideologias, revisionismos históricos – que voltam o olhar para o passado
atrelando conceitos e significados específicos, com objetivos também específicos, que em nada
são científicos – que acabam relativizando a nossa história, tentando minimizar ou até negar o
que aconteceu durante o regime militar. Procurar se atentar com as falsificações históricas,
achismos, opiniões vagas, com as deturpações.
Sabemos que no caso das ciências humanas todas essas questões se tornam delicadas,
talvez pelo fato de estarem relacionadas com o que a gente vive e sente diferente de outras
ciências exatas. Devemos desenvolver o senso crítico, utilizar-se dos estudos da história, para
a nossa melhor compreensão sobre o fato, afinal “O historiador não é bombeiro nem juiz. Não
resgata e não condena. Tenta compreender, criticar, apontar contradições, estabelecer conexões
plausíveis a partir de uma argumentação baseada em indícios deixados pelas fontes”.
(NAPOLITANO, 2014: 17).

História versus Memória

O conceito de memória para a história é diferente de conceitos de outras ciências,


embora seja reconhecido que história e memória dialoguem bastante e que diversas vezes uma
seja fonte para outra. Podemos dizer que a História é a análise crítica do passado, um estudo
realizado no presente a partir de fatos do passado. Mais do que uma mera tentativa de
restauração de memórias do passado, ela busca a crítica das suas fontes, como também procura
entender como foram criadas, realizando uma interpretação deste passado. A função da ciência
histórica não é glorificar o passado, mas sim analisa-lo e entende-lo. E em muitos casos ela
acaba deslegitimando uma memória que havia sido construída.
A Memória é um conhecimento do passado guiado a partir de um olhar do presente,
bebe de lembranças individuais, de cada sujeito, como também pode ser influenciada por jogos
de poder e interesses coletivos. Não necessariamente passam pela pesquisa, pela crítica das
fontes, dentre outras coisas. Geralmente a memória acaba glorificando ou até demonizando o
passado ou o evento em que lembramos, pode apresentar também julgamentos morais, a
respeito do que lembra. Essas memórias podem mudar com o passar do tempo, a depender dos
interesses e disputas atuais. A memória está propensa a acabar ocultando alguns componentes
do passado que podem não servir a narrativa que se quer construir. É uma busca de reconstrução
do passado que normalmente serve para atender a interesses do presente, sejam eles
econômicos, sociais, políticos, culturais, resguardando uma identidade e supostos “ataques
externos”.
A memória carrega em si componentes afetivos muito fortes, um acontecimento
rememorado irá se tornar uma forma narrativa. Torna-se a maneira em que o indivíduo constrói
o sentido do próprio passado. Uma memória que se torna um relato comunicável nem sempre
é coerente, ou seja, torna-se um discurso. A história é uma análise do passado que deverá ser
construída sempre com método crítico, com bases teóricas e metodológicas, além de ser
necessária passar pela análise de pares. A memória é o compartilhamento de lembranças e
discursos a respeito do passado. Uma memória compartilhada é uma visão do passado
fundamentado em interesses e visões do mundo do presente, sem muito senso crítico, sem
método.
Existem elementos constituintes da memória, um deles é o evento do passado vivido ou
valorizado por interesses. São acontecimentos vividos pessoalmente, que fazem parte do
passado que queremos que seja único e verdadeiro. Como exemplo, podemos destacar o caso
de alguns militares brasileiros da ditadura. Esses grupos costumam defender memórias que a
história já desconstruiu, através de suas pesquisas científicas e críticas. Eles querem que a sua
memória seja a única e verdadeira, ou seja, a legitimada e o que não se encaixar nesta se tornam
mentiras ou história dos vencedores.
Outro elemento constituinte da memória é o evento vivido por tabela. São eventos em
que os indivíduos não viveram, mas que estão tão ligados àquelas memórias, aqueles discursos,
aqueles eventos – por conta de suas crenças políticas, religiosas, ideológicas, filosóficas,
identitárias – que essas pessoas ou grupos sentem que fizeram parte daquele passado. Como
exemplo, podemos destacar as memórias de traumas coletivos, que afetam a algum grupo em
específico, como os genocídios e os regimes ditatoriais. Devemos destacar também a diferença
entre memória e lembrança, a segunda, é algo que mesmo que você compartilhe com outros
indivíduos é algo individual, é particular, vivido somente por você. Já a memória pode ser algo
que você não viveu necessariamente, mas que se identifica, porque ela é coletiva,
compartilhada, por um grupo ao qual faz parte.
O terceiro elemento é que a memória é constituída por personagens, indivíduos, que
personificam a mesma. Um mesmo evento, ou seja, um mesmo personagem pode estar
associado a diferentes memórias, a depender de cada grupo de indivíduo, está ligada a uma
afinidade coletiva. Por outro lado, muitos associam a memória que foi construída por várias
relações de força e poder. É um compartilhamento de memórias coletivas, e não lembranças
individuais.
O quarto elemento constituinte da memória são os lugares de memória, não somente
físicos – museus, arquivos, monumentos – como também cerimônias, celebrações e
comemorações. Quanto às comemorações estão geralmente ligadas ao estado, tendo função de
celebrar acontecimentos que são identificados como fundadores de uma comunidade nacional.
Buscam uma unidade política, tentam imprimir uma continuidade temporal com o passado, a
partir do presente. Um exemplo são as memórias oficiais, que são tentativas de definir e reforçar
os sentimentos de pertencimento, de coesão nacional, com objetivo de defender fronteiras
simbólicas. Como toda narrativa, esses relatos nacionais são seletivos, para construir
determinada narrativa temos que deixar algo de lado. Para construir uma narrativa convincente
tende-se a deixar o inconveniente de lado. Sabemos que o passado já passou e não poderá ser
mudado, que o futuro encontra-se ainda em aberto, mas, o sentido do passado pode mudar, e
esse sentido é ativo, dinâmico, dado pelos agentes sociais que estão sempre em confronto.
A história é menos vulnerável as pressões do presente, e embora necessidades do
presente acabem ditando parte das pesquisas históricas à conclusão de uma pesquisa histórica,
já consolidada, não muda somente porque determinado grupo social do presente não está
satisfeito com seus resultados. Em contrapartida, a memória está sempre vulnerável a mudanças
culturais e políticas do presente. É um constante olhar do presente em direção ao passado, que
é seletivo e condicionado por disputas de memória. Por isso é mais correto falarmos memórias.
Em toda sociedade há disputas de memórias, que muitas vezes são antagônicas ou até mesmo
contraditórias. Por serem vulneráveis ao presente, de acordo com as mudanças do presente a
memória sobre esse passado também muda, dependendo de quem tem o poder da narrativa
naquele momento, de quem tem mais condições de manter a narrativa.
Segundo Maurice Halbwachs, o seu conceito de memória coletiva, trás a noção de marco
ou quadro social. As nossas memórias individuais estão sempre ligadas, marcadas socialmente,
ou seja, o que lembramos está diretamente conectado a sociedade na qual vivemos e aos marcos
sociais em que estão ao nosso redor. Esses marcos carregam representações da sociedade, das
necessidades, dos valores, da moral, de onde vivemos. Isso significa segundo ele, que só
podemos lembrar de algo quando é possível recuperar a posição dos acontecimentos passados
nos marcos da memória coletiva. Isso implica no social, mesmo nos momentos mais
individuais. Alguns preferem utilizar o termo memória compartilhada, frutos das interações
sociais múltiplas, que acontecem dentro de marcos sociais e relações de poder, ao invés do
termo memória coletiva, que pode passar a impressão que existe acima dos indivíduos,
separados dos sujeitos.
Devemos ter cuidado com o uso dos conceitos, pois a memória não é apenas um
conjunto de dados que recebemos passivamente e de forma totalmente objetiva, como uma mera
informação. Mais importante do que apenas coletar dados da memória é analisar os processos
de construção da memória, isso implica em ver quem são os atores sociais distintos, que fazem
parte da memória, incluindo os marginalizados e os excluídos. É preciso entender as disputas e
negociações a respeito dos sentidos do passado, em espaços diversos para grupos diferentes.
Entre grupos há disputas relativas a identidades, e o núcleo de qualquer identidade individual
ou coletiva está ligado a um sentido de pertencimento ao longo do tempo e do espaço. O ato de
poder lembrar algo do próprio passado é o que sustenta a identidade. Percebemos que existe
uma relação de constituição mútua, pois nem as memórias nem as identidades são objetos
materiais, eles são coisas sobre as quais passamos, e por isso não existem fora da nossa vida
política, das nossas relações sociais, das nossas histórias.
Os períodos de crise sejam elas políticas, sociais, econômicas ou momentos de ameaças
externas – que podem ser imaginárias ou reais – são justamente os períodos em que
reinterpretamos a memória e prestamos mais atenção a nossas próprias identidades. Esses
períodos costumam ser acompanhados de crises de sentimentos de identidade coletiva. E na
memória dão espaço para uma volta a um passado que muitas vezes é completamente irreal,
mítico, imaginário, ou seja, sem respaldo factual. Esses momentos são pratos cheios para
revisionismos, reinterpretações, implicando em rediscutir e redefinir a própria identidade do
grupo. Como exemplo, podemos citar a questão dos refugiados de guerras, que serve de ponto
de partida para rediscutir as próprias identidades, motivo de várias discussões, brigas em
questão de memória e identidade.
Na construção da memória coletiva, tão importante quanto às lembranças são os
esquecimentos e os silêncios. Toda narrativa do passado é uma seleção, a memória é seletiva,
pois imprimi-la em sua totalidade é impossível. Sendo assim, implica na existência de um
esquecimento necessário, orgânico, do que os indivíduos não conseguem reter. Também
implica na existência de outros tipos de esquecimento, com diferentes usos e diferentes
sentidos. O processo de construção da memória implica em escolhas de fatos do passado que
determinado grupo acha que deve ser lembrado – legitimado. Quando essa escolha é feita o
grupo acaba ocultando e esquecendo outros fatos. Sem esse entendimento não conseguimos
compreender com maior clareza a constituição das memórias.
Como pesquisadores, precisamos questionar os processos de esquecimento, pensando
em algumas questões: O que querem esquecer? Por que querem esquecer? Quem tem interesse
nesse esquecimento? Alguém sairá ganhando ou perdendo? Quem? A partir dessas indagações
novas perspectivas se abrem na pesquisa, e conseguimos entender melhor as relações de força,
nas disputas pela memória, entendendo os interesses em jogo. Devemos buscar sempre a
responsabilidade, evitando conspiracionismos, revisionismos, ou seja, utilizando sempre
métodos. Nem todo esquecimento e nem todo silêncio é uma tentativa deliberada de se ocultar
verdades e fatos, e nem sempre com fins políticos ou culturais dentre outros.
Os processos de esquecimento também podem estar ligados a traumas. Alguns estudos,
como o realizado por Michael Pollak, sobre os campos de concentração, demonstram que o
silêncio sobre aquela experiência traumática pode ser na verdade um mecanismo de defesa e
faz parte do processo de lidar com o trauma. Essa construção da memória é um fenômeno
histórico, o historiador tem que identificar os princípios dessa seleção e observar como eles
variam, dependendo do lugar ou grupo envolvido e como essas memórias mudam com o tempo.
A memória tem um poder de construir identidades de grupos ressaltando os elementos pelos
quais os indivíduos se veem em parte de um coletivo, muitas vezes em detrimento de quem não
é visto como parte do grupo, um estrangeiro, uma pessoa de outra crença, ideologia, religião,
adepto de outro regime político dentre outros.
A força dessa memória que aglutina as pessoas é sempre realimentada, reforçada,
especialmente em situações aonde uma reflexão que vem de fora tenta derrubar elementos que
unem o grupo. Essa memória não apresenta necessariamente respaldo de uma pesquisa histórica
perfeita, ainda que seja sempre desejável que isso aconteça. Quando uma pesquisa derruba
mitos de memórias é muito comum que os adeptos dessas afirmem estar sendo perseguidos, ou
dizem que o conteúdo é uma mentira convincente, que esconde uma verdade oculta. A memória
de um ponto de vista afetivo acaba servindo para sacralizar eventos, personagens ou ideologias,
dando suporte para anacronismos e podem até atrapalhar a compreensão do passado. No
entanto, não podemos deixar de admitir que a memória seja uma das muitas fontes históricas.
No plano da memória coletiva o desafio a ser superado refere-se às repetições, aos abusos
políticos, precisa-se tomar um distanciamento e ao mesmo tempo promover o debate e a
reflexão, que tem que ser sobre esse passado e o seu sentido para o presente e para o futuro.

Construções narrativas da História e da Memória

Como podemos perceber as narrativas históricas e as narrativas memorialísticas não são


a mesma coisa, e nenhuma das duas surge pronta, “são frutos de processos sociais de construção
de identidade, que atuam em diferentes níveis de articulação e inserção social” (MACHADO,
2007:52). Assim, percebemos que não podem ser recuperadas simplesmente a partir de
documentos. Muitas vezes por tratarmos de uma história e de uma memória de um mesmo
grupo, acabamos por acreditar que seja uma mesma coisa.
As narrativas históricas são construídas com base na utilização de conceitos e
interpretações, com forte caráter positivista – universal e totalizante – porém temos que buscar
a superação deste tipo de narrativa, para então atingirmos a um estudo de menores grupos e
fatos. Devemos problematiza-la, nos desprender de uma história que nos dê a certeza das
permanências e estabilidades, muitas vezes idealizada. A narrativa histórica nos dias atuais deve
atender aos desafios dos nossos historiadores, pois os processos que se constrói a história são
muito mais complexos e variados.
Não existe uma única narrativa histórica, temos que observar suas multiplicidades.
Podemos construí-la de qualquer ponto que desejamos analisar, podendo se conectar a qualquer
outro ponto de analise. Desta forma percebemos que não existem pontos hierarquizados, mais
importantes ou menos importantes. A história não é feita de um único lado, ou de dois lados,
mas sim de múltiplos lados, e não necessariamente apresenta uma verdade absoluta. O sentido
dessas análises depende do contexto empregado, o modo como enxergamos depende do que
sabemos. A narrativa se constitui a partir de um ponto de vista, parâmetros, quando nos
situamos em relação ao determinado ponto. Compreendemos o passado quando nos situamos
na história.
As narrativas memorialísticas são construídas em um processo clássico de produção de
testemunho, não são memórias totalmente puras, livres de influências de diversos fatores. Este
testemunho pode ser o que se acredita que no outro irá entender, e produzirá uma apropriação
de uma maneira segundo a compreensão de quem o ouve. Uma narrativa diversas vezes oral,
que é transmitida posteriormente em uma narrativa escrita. Devemos compreender a própria
dinâmica da construção desta narrativa, discursos que foram construídos para atender a
determinadas expectativas.
É importante falar que no processo de sua construção de sua narrativa, a memória
legitima, deslegitima e também faz distinção. Enquanto legitimadora surgi com formas
elaboradas do saber histórico, sobretudo na forma de genealogias, já que o poder dominante
tem a necessidade de explicitar sua própria origem. Em sua forma de deslegitimação parti de
uma contra memória não oficial. As narrativas memorialísticas são tudo aquilo que faz parte do
imaginário social e como ela está disposta nos lugares a ela reservados – memorial,
comemorações e festividades. Com isso, precisamos perceber que as duas narrativas surgem de
forma relacional, precisam da interação ligada no tempo e no espaço.

A História e a Memória sobre o período da Ditadura Civil Militar Brasileira

No campo característico da vida política a chamada memória social é capaz de


determinar novas perspectivas para ações do passado, demarcando identidades e espaços que
operam no jogo político do presente. História e memória parecem se confundir ao entrarem em
colisão, ao se pronunciarem sobre um mesmo acontecimento passado. Isso ocorre
principalmente quando esses acontecimentos ou processos históricos e políticos ainda estão em
jogo e quando muitos dos protagonistas e envolvidos dos fatos de ontem ainda estão vivos e
atuantes. Como exemplo podemos falar sobre o período da ditadura civil militar brasileira.
Apesar disso temos que perceber suas diferenças, “não se confundam, posto que memória é
fundamentalmente, uma construção cultural livre, enquanto a história é operação intelectual
enquadrada em convenções científicas, as duas frequentemente se embaralham.” (MENESES,
1992). Conforme Rodrigo Patto Sá Motta expõe:
Não raro, principalmente em seminários, o historiador é interpelado por pessoas que
se sentem mais capazes para falar do passado recente, considerando seu testemunho
superior ao olhar de um pesquisador que “não estava lá”. Se as fronteiras entre
História e Memória são esgarças e tênues, as dificuldades no presente caso são ainda
maiores. O estudo das temporalidades recentes implica repto singular da Memória em
relação à História. É importante explicar os conceitos de Memória e História em uso
aqui, assim como o entendimento sobre as relações entre os dois campos. Memória e
História são formas distintas de representação do passado, sem que se possa
considerar uma superior à outra. (MOTTA, 2013:61)

Os golpes de estado, as guerras, ditaduras, configuram momentos traumáticos da


história e os regimes que surgem como produtos desses eventos precisam da história e da
memória para se justificar. Segundo Marcos Napolitano “O regime militar implantado em 1964
tentou mesclar em seu discurso legitimador os dois elementos”. (NAPOLITANO, 2014: 282).
As disputas pela verdade e seu significado merecem destaque, em um quadro de crescente
interesse público e político. O poder neste período era autoritário, havia difusão ideológica de
que o país vivia em uma democracia garantindo assim a legitimidade da ditadura. Fazendo uma
reflexão percebemos uma herança ideológica, que permanece em nossa sociedade. Entretanto,
hoje não podemos negar que há um consenso em vários aspectos históricos, como por exemplo,
o fato de que não havia risco de um golpe comunista no Brasil.
Quando uma instituição política em nome do que diz ser a defesa da ordem, do bem
comum, acaba passando por cima da legalidade, dos direitos fundamentais, das convenções,
inevitavelmente conceberá um legado problemático. Qualquer sistema repressivo, não deve ser
amparado por discursos oficiais, de defesa da ordem, nem por discursos que tentem apagar ou
falsear as violências cometidas pela repressão. O estudo desses processos colocam em foco as
relações entre história e memória, e a discussão sobre as potencialidades de conhecer e de
representar o passado.
Após tempos conflituosos e violentos, os acontecimentos estão passando por uma ação
reparatória, a reconstrução das instituições democráticas, dos direitos fundamentais dos
cidadãos, da tolerância e das relações sociais. Neste processo é preciso salientar que não se
busca a reconstrução de uma memória ou de uma história homogênea, oficial e única. O
historiador evita apropriações ingênuas dos argumentos presentes nas fontes. Em suma, o seu
olhar é indispensável nos debates que buscam as formas mais adequadas de representação do
passado.
De forma geral, podemos admitir vários atores individuais e coletivos envolvidos na
construção da memória, os mesmos têm efetiva capacidade de legitimar seus argumentos no
debate público. Nas disputas e nos conflitos pela memória e pelos seus usos políticos, podemos
destacar instituições político-ideológicas, mídias jornalísticas – impressa, digital – o campo
artístico, dentre outros meios de produção de conhecimento legitimado em uma sociedade.
Contudo, existem particularidades adquiridas na formação e na experiência de trabalho do
historiador que o capacita a oferecer contribuição peculiar ao estudo.
No caso da ditadura civil militar brasileira uma parte considerável da produção crítica
de intelectuais foi incorporada pelos grupos e partidos políticos de oposição. O sistema
educacional materializado nos currículos escolares de educação básica – públicas ou privadas,
nos materiais didáticos e na cultura política docente, tende a dialogar com a produção
acadêmica, sintetizando as análises propostas por esta. A memória, um tanto fragmentada, sobre
o golpe e o regime militar foi o resultado lógico e simbólico desta divisão, não apenas entre
esquerda e direita, mas dentro de ambas as correntes ideológicas básicas.
Nos dias de hoje nenhum historiador duvida que o regime militar fosse conservador e
de direita, eles tinham sua própria leitura do que deveriam ser as reformas da sociedade
brasileira da época, a visão de uma democracia institucionalizada, com o controle das classes
populares. Porém a memória da época sobre o golpe e sobre o regime foi o resultado do conflito
entre a esquerda e a direita. A construção social da memória sobre a ditadura é um processo que
começou ainda durante a vigência do regime e encontra-se ainda dinâmico e aberto, longe de
estar sedimentado do debate público. Isso implicaria na superação da vilanização dos militares
e a idealização dos opositores do regime.
A historiografia já percebeu que essa polarização simplista corre o risco de alimentar
argumentos conservadores que relativizam os crimes da ditadura. Uma história comprometida
na constituição da democracia será uma história comprometida em fomentar a reflexão e
propiciar a crítica e autocrítica. Até para evitar que a memória crítica que se construiu sobre o
regime, hoje objeto de disputa e revisões, se dilua no relativismo e no negacionismo. Já faz um
tempo que as redes sociais, internet, sites veem se tornando meios de disseminação de
perspectivas e opiniões sobre o passado, estes são campos formatadores das representações
simbólicas. Um problema é que acabam servindo de canais para posicionamentos sobre o
regime militar brasileiro, revisionismos de extrema direita em sua luta contra a memória crítica,
hegemônica e legitimada socialmente sobre o regime militar.
Por fim, a memória do regime militar brasileiro passou por um processo complexo e
contraditório de construção, mesclou elementos simbólicos da esquerda e da expiração parcial,
feita por setores liberais que ajudaram a implantar o regime. Portanto, não foi construída
unicamente pelos vencidos, nem somente pelos vencedores, mas sim por elementos e
identidades políticas entre eles, mesclando elementos das esquerdas e fundamentalmente
liberal-conservadora. Enfim é preciso reconhecer que o Estado brasileiro além da sua história,
tem ao seu modo, uma política de memória para o período do regime militar. É indispensável
apontar que esta política é atravessada por tensões e conflitos dentro das próprias estruturas de
Estado e seus representantes.

Considerações Finais

Partindo da apresentação das definições e diferenciações dos conceitos e usos da


História e da Memória no campo das ciências humanas, mais precisamente na área da própria
história buscou-se através deste trabalho a problematização e o entendimento de ambos. Para
que pudéssemos a partir de então analisar a construção das suas narrativas. Acredita-se que
assim, conseguiremos analisar e entender as narrativas históricas e memorialísticas construídas
a respeito da ditadura civil-militar brasileira. Como também as questões em torno dessa
memória e dessa história construídas, que ainda continuam tão atuais e cheias de repercussões,
em diversos campos como o da cultura, o da política e o da sociedade.
O presente trabalho é um estudo de caráter teórico e metodológico, que pretende
contribuir para o melhor entendimento em torno da questão da escrita e da apropriação da
História e da Memória do período da ditadura civil-militar, atentando para as características
que, simultaneamente, as aproximam e distanciam. Pois, como já abordamos, se tratando tanto
das narrativas históricas, comprometidas com o caráter científico, quanto das narrativas
memorialísticas, baseadas em parâmetros do presente dos indivíduos e da sociedade, existem
questões a serem observadas, pontuadas, revistas, sempre com cuidado e responsabilidade, para
que não façamos leituras equivocadas da história e nem da memória da ditadura civil militar
brasileira. Como Roberto Patto Sá Motta orienta:

A História está sempre em processo de reescrita e deve ser revista constantemente, à


luz de novas descobertas e perspectivas, claro que com critério e método. Além do
mais, o que pode ser objeto de revisão não é propriamente uma historiografia
consolidada sobre os regimes autoritários, já que esta apenas recentemente começou
a pesquisar o tema. As representações dominantes acerca do passado recente –
portanto, o foco principal de qualquer revisão – são os registros da Memória. Novas
abordagens historiográficas devem ser bem vindas: há que pesquisar mais, inquirir
mais, e aproveitar melhor os volumosos acervos documentais disponíveis no Brasil.
(MOTTA, 2013:64).
Fez-se necessária a conceitualização, da História e da Memória para que pudéssemos
adentrar nas suas narrativas e também na questão propriamente dita do regime militar, quanto
aos usos dos dois conceitos, na construção de seus discursos e representações. Essa breve
análise realizada aqui é indispensável para estudantes de história, pesquisadores das ciências
humanas, assim como para interessados na temática de forma geral. Já que o nosso contexto
atual, da nossa história recente demonstra-se altamente estimulante para debates e pesquisas
sobre o passado político recente.

Referências Bibliográficas

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espaço. Revista: MOUSEION, vol. 3, n.5, Jan-Jul/2009.

CANDAU, Joël. Memória e Identidade. São Paulo: Contexto, 2012.

FALCON, Francisco. História e Poder. In: CARDOSO, Ciro; VAINFAS, Ronaldo (orgs).
Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. 2ª ed. São Paulo:
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LE GOFF, Jacques. Memória. In: História e Memória. Tradução: Irene Ferreira, Bernardo
Leitão, Suzana Ferreira Borges. 5 ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2003. pp. 419-476.

MACHADO, Helena Pereira Toledo. A Construção Narrativa da Memória e a Construção


das Narrativas Históricas: panorama e perspectivas. In: Danilo Santos de (org). Memória e
cultura: a importância da memória na formação cultural humana. São Paulo: Edições SESC,
2007. pp. 52-67.

MENESES, Ulpiano T. Bezerra. A história, cativa da memória? Para um mapeamento da


memória no campo das Ciências Sociais. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo,
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MOTTA, Rodrigo Sá. História, memória e as disputas pela representação do passado


recente. In: Patrimônio e Memória. V. 9, p. 56-70, 2013.

NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo: Editora
Contexto, 2014, 365p.
NORA, Pierre. Entre memória e história: A problemática dos lugares. In: Projeto História.
São Paulo, PUC/ SP, n. 10, dezembro de 1993.

POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.
5, n. 10, 1992, p. 200-212.
.“O MAIOR PERIGO DO MUNDO”: A “INDÚSTRIA” DO ANTICOMUNISMO

SIMÃO DIAS- SE (1937-1946).

Autora: Pricila Neves dos Santos


Mestrando em História pela Universidade Federal de Sergipe.
pricilamicaella2010@gmail.com

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Edna Maria Matos Antonio. (PROHIS/UFS).

Introdução

A luta pelo poder no campo político se constrói a partir da intenção, ou melhor, dizendo,
no jogo de interesses pré-estabelecidos por um grupo ou classe, e mais precisamente no
universo das técnicas de ação e de expressão que eles oferecem em um determinando momento.
Então seria a passagem da impressão subjetiva à expressão objetiva, à manifestação pública dos
Camisas Verdes em Simão Dias concretiza o discurso como o ato de instituição (AIB)
representa por isso uma forma de oficialização, de legitimação.
O que eu quero dizer, é que o monopólio de produção anticomunista foi entregue ao um
corpo de profissionais, que quer dizer, a um pequeno número de unidades de produção (O jornal
A Luta). O discurso anticomunista presente nos jornais, em geral, trás o repúdio ao materialismo
comunista e anticristão, porém o seu maior objetivo estava vinculado afins políticos. Por isso,
que essa pesquisa terá como uns dos conceitos primordiais a “Indústria” do Anticomunismo de
Sá Motta. Onde o mesmo se debruça sobre a “industrialização”, que diz a respeito à
manipulação oportunista do medo ao comunismo presente em amplos setores da sociedade,
entre os mais conservadores, notadamente isso poderia render dividendos políticos e eleitorais.
Assim como o habitus religioso, o político tem uma preparação especial. Os produtores
do poder simbólico têm que ter uma aprendizagem necessária para adquirir o corpus dos saberes
específicos produzidos e acumulados pelos seus agentes do presente e do passado, dominando
certa linguagem ou retórica política. Uma relação indispensável nas relações entre estes
profissionais.
Então entenderemos as ações e prática contrárias aos comunistas. A partir de uma
análise estrutural destes “Sistemas simbólicos” como estrutura estruturada tecidas nas relações
de poder que dependem na forma e no conteúdo do poder material e simbólico acumulado pelos
seus agentes (ou pelas instituições).
Sintetiza Bourdieu (1998), é enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de
comunicação e conhecimento que os “sistemas simbólicos” cumprem a sua função política de
instrumentos de imposição ou legitimação da dominação, violência simbólica,
Assim é a partir dos “sistemas simbólicos” que á priori a Ação Integralista Brasileira
(AIB) e posteriormente com o partido (PRP), Partidas de Representação Popular criando por
Plínio Salgado estruturaram seus discursos políticos á favor de uma continuidade do status quo.
E como o mesmo se apropriará da expressão anticomunista para atuar fortemente nas eleições
de 1945 e 1946, em prol das candidaturas de seus correligionários. Nos discursos que pretende
mobilizar a população Simão-diense impondo uma visão de mundo social maniqueísta da
realidade. Bourdieu sintetiza que:

Enquanto crédito e credibilidade só existem na representação e pela representação,


na confiança, na crença e pela crença, na obediência e pela obediência. O poder
simbólico é um poder que aquele que lhe está sujeito dá àquele que o exerce, um
credito com que ele o credita..., ou seja, é um poder que existe porque aquele que
lhe está sujeito crê que ele existe. (Bourdieu, 1998, p.188).
O jogo político-partidário estava ligado a conotações e associações de maus, ateus,
perigo vermelho, anticristã..., etc. Um trabalho preparando por uma gama detentores do poder
simbólico, ou seja, por agentes que controlava as dicotomias da estrutura, a Igreja, jornalistas,
instituições. Estes consegue legitimar os seus discursos e práticas, admita-se como óbvio. “O
maior perigo do mundo” “inimigo dos filhos de Deus” ”ser comunista é ser anticristão”. Essas
representações produziram o que Bourdieu (1998) chama o efeito de real. Elas podem fazer ver
e fazer crer no que faz ver. Esse poder de evocação tem efeitos de mobilização. Assim, além de
produzir efeitos de real, as representações produzem efeitos no real...
Importa ressaltar que esse didatismo em relação ao comunismo se mostra mais intenso
no discurso jornalístico católico que descreve e esclarece minuciosamente o que é e como é o
comunismo, alertando para os “tipos” de comunistas.
O recurso didático mais eficaz para o enquadramento dos fiéis, nos momentos em que a
Igreja deparou com novas realidades, foi com certeza o apelo à imagem do diabo. A recorrência
a essa imagem, tinha a ver com a tradição cultural ocidental cristã de onde os intelectuais
católicos retiravam elementos para enfrentar os inimigos que se contrapunham a Igreja. “No
caso específico do comunismo, este assumia traços diferentes de outros ‘demônios” que a Igreja
já combatera, pois possuía características próprias e atuais, como o ateísmo e o materialismo, o
objetivo de destruir a família, a propriedade privada e a pátria, enfim, de querer liquidar todas
as conquistas da civilização cristã.
A força da ideologia anticomunista se apoia no fato desta jamais ter descurado a
importância da dimensão simbólica na luta contra o comunismo. Em virtude da divisão do
trabalho, alguns tiveram mais bem armados que outros, para conduzir essa luta. Foi como
portador de uma “certa autoridade” que os intelectuais-jornalistas, sobretudo os mais próximos
do campo político, puderam oferecer, no caso do anticomunismo, “serviços simbólicos
indispensáveis.”.
O trabalho de persuasão se dava diariamente através dos jornais, nas missas, onde os
católicos simão-dienses se encontravam todos os domingos, eram palavras muitas das vezes
inocentes, mas com um objetivo, legitimar seu poder simbólico como natural, influenciando a
candidaturas se seus correligionários. Agindo como intermediária da classe dominante. Eis que
se afirmar a violência simbólica.

O Integralismo e sua influência no anticomunismo (Annapolis)

Para que haja a dominação do imaginário coletivo, se faz necessário o controle dos
meios de comunicação, instrumentos de persuasão que auxilia a modelar a opiniões políticas e
comportamentos sociais. Essa relação aparente, entre os representantes e os representados se
caracteriza pela harmonia pré-estabelecida entre esses profissionais da produção do poder
simbólico.
A imprensa ajuda a modelar esse cenário político, a partir do controle das estruturas
dicotômicas, ou melhor, impondo de maneira gradual o que é bom ou ruim, as narrativas
jornalísticas fornecem os símbolos os recursos para naturalizar o poder simbólico como algo
natural inerente a existência humana de indivíduos denominados por Pierre Bourdieu de
fenomenológicos.
Pensando na Ação Integralista Brasileira, o nacionalismo era um dos mais importantes
eixos do pensamento de Plínio Salgado e se baseia em três pontos principais. A
homogeneização da unidade social, tendo em vista a consciência nacionalista e o
anticosmopolitismo. Na visão de Cruz Alves, isso convergia para rejeição dos ideários ao
comunismo e o liberalismo, que para o integralismo negam estes elementos. A reunião de
intelectuais em prol da construção de um nacionalismo, possibilitando ao fundador do
integralismo a começar o trabalho de aglutinação de forças de extrema direita.
Atuando fortemente, tornou-se assim o primeiro partido nacional de massas, conferindo
grande importância aos símbolos e as imagens da bandeira nacional. Com o objetivo de
intensificar a transição do partido para um sistema político, com ideias fascistas.
A expansão do integralismo em Annapolis intensificou com as propagandas vinculadas
ao periódico A Luta, onde trazia em suas manchetes fortes discursos nacionais e contrários ao
Capitalismo e Comunismo no sentido de instaurar um Sistema Fascista no país. Neste sentido,
Alves esboça que, a luta contra o capitalismo internacional se dava juntamente com o
anticomunismo, ou seja, vinculava ambos à questão materialista.
O discurso do movimento integralista proferido pelo integralista Francisco Solano
Limeire, na sede do núcleo da Ação integralista dessa cidade, trás em sua síntese principal a
marcha dos Camisas Verdes. Movimento Integralista. A Luta, ano XII, Annapolis, (Sergipe),
24 de janeiro de 1937 sintetiza:

Assim este astro com os eu clarão admirável, marcha iluminando homens que ainda
se encontram nessa sociedade, conservando em si um pouco de virtude, de sentimento
moral, fé christã. [...] homens que, envergando uma camisa verde sym-polo de um
ideal digno, nobre e christão, ostentando um braço esquerdo o SIGMA, escudo o qual
se esmaga e são calcados os pés todas as maldades humanas.

O símbolo do integralismo era a letra grega “Sigma”, representando a ideia de


somatória, todo, ou seja, um país que não houvesse divergência e contradições; no periódico as
doutrinas da Ação Integralista Brasileira. “A ação Integralista Brasileira surgiu no Brasil como
fonte dos ensinamentos, artilha do civismo, código de disciplina, no momento justo que o povo
brasileiro, sedento de justiça” A doutrina do Sigma: e a realidade brasileira. A Luta, ano
XVIII, Annapolis (Sergipe), 19 de setembro 1937. Segundo Maio (2003) o apelo à mobilização
era tão importante quanto à ideologia defendida por eles e seus seguidores. Organizar, crianças
e jovens, desfiles públicos, palavras de ordem inflamadas, bandeiras, marchas e estandes
revelam uma forma de fazer política distinta dos partidos oligárquicos da República velha.
Engrossemos as colunas do Exercito Verde da Pátria. A luta, ano XIII, Annapolis,
Sergipe, 24 de janeiro de 1937, sua simpatia explicita a uma doutrina totalitária e o seu
combate ao comunismo, esboçava sua conjuntura política da época. A exaltação á força do
Exercito Verde contra os comunistas. “Si não fora o perigo comunista que paira sobre o Brasil,
de certo, A Luta não teria procurado defender a família brasileira ingressando para o
integralismo”.
Embora o comunismo tenha gerado “medo” aos seus opositores políticos; muitas das
vezes esses discursos eram tão somente uma maneira de se manter no poder, essa luta simbólica
pela conservação ou transformação do meio social se concretizava no monopólio da elaboração
e da difusão anticomunista, intensificava-se cada vez mais colaborando para promoção das
ideias integralistas. É nesta ênfase que Sá Motta (2001/2002) expressa seu pensamento. “A
forma mais conhecida e, certamente, mais importante da “indústria” foi à utilização do
anticomunismo para justificar intervenções autoritárias na vida política nacional”. A alegação
era que as instituições liberal-democráticas não forneciam os meios adequados para conjurar os
riscos de medidas extraordinárias.
Logo, percebemos que a prática de macular a imagem de adversários políticos da época,
estaria atribuída ao rótulo de comunista. Sendo esses discursos uma manifestação mais comum
da “industrialização” do anticomunismo. Neste aspecto, Sá Motta salienta que. “Ocorrências
desse tipo foram frequentes notadamente após 1935, em meio à onda anticomunista que se
seguiu ao levante revolucionário”.
As ideias contrárias aos comunistas se fortalecem nas manchetes dos jornais A luta.
Fazermos referência a um artigo de Plínio Salgado A luta, ano XIII, Annapolis (Sergipe) 17 de
janeiro de 1937:
Político sua obra é immensa se pode medir no sentido político, cívico e chistão.
Político porque arregimentou um milhão de camisas verdes e quatro milhões
sympathisante, que formam alas contra o comunismo. Cívico porque cada núcleo
integralista é uma escolha de patriotismo, onde ensina o brasileiro a amar a pátria.

Notavelmente a tática para almejar e criar condições favoráveis à efetivação de


intervenções autoritárias na vida política nacional, implicaria em criar um ambiente de
polarização política, como foi o caso das diversas mobilizações dos Camisas Verdes na cidade
de Annapolis . Para que dessa maneira uma impressão de conflito, grave e decisivo fosse criada
opondo comunistas a anticomunistas, em prol de instaura um novo sistema de relações de poder,
que, no entanto, seria fascista. Como sintetiza Ferreira.

Em 1936, mais de meio milhão de brasileiros havia ingressado nas fileiras da AIB.
Esse crescimento do movimento se refletiu nas urnas, com a eleição de dezenas de
vereadores, além de prefeitos, deputados estaduais e federais em todo o país. O
Integralismo, segundo seus ideólogos, era um movimento de caráter cultural e
objetivava revolucionar a mentalidade dos brasileiros. (2006. p. 55).
Portanto, entendemos que os meios de comunicação em específico o periódico A luta se
tornou um importante difusor da propaganda da Ação Integralista Brasileira no munícipio de
Annapolis. É necessário esclarecer que este jornal como órgão de imprensa integralista;
obedecendo rigidamente a determinados parâmetros de uniformização e padronização das
ideias dos movimentos posto nas suas manchetes.
Além disso, acompanhando a tendência da grande imprensa nacional pós “intentona”
comunista. Os produtores tornou o discurso anticomunista ainda mais virulento e
sensacionalista. Essas representações anticomunistas não eram novas na imprensa Sergipana,
pois já se fazia presente desde o advento da Revolução Russa de 1917. Neste sentido Ferreira
afirma:

A “intentona comunista” de 1935 concretizou a possibilidade de uma revolução


comunista no Brasil, mobilizando os setores conservadores da sociedade brasileira
no intuito de combater sem tréguas o comunismo. O imaginário se configurou
enquanto espaço de embate simbólico entre comunistas e anticomunistas,
construindo um maniqueísmo político-ideológico. Essas forças políticas lançaram
mão da estratégia de identificação do outro com o mal utilizando os pares
antitéticos, Tudo isso é projetado no objeto externo, no outro, ou seja, no
comunista e/ou burguês capitalista, no latifundiário, no operário, no liberal, no
ateu, no judeu, no miscigenado, no pobre, no matrimônio ilícito, na vida mundana.
(1997. p. 67-68.).

Os Integralistas projeta o mal, identificam-se nele todas as ameaças de decomposição,


do esfacelamento social e defendem-se instituições que garantam a identidade e confirmem a
segurança contra a decomposição: a pátria, a propriedade, a família, a autoridade, a civilização,
o cristianismo, a moral, em prol de manter seus interesses frente à classe dominante do país.
Ainda nas suas manchetes do periódico. Engrossemos as colunas do Exercito Verde
da Pátria. A luta, ano XIII, Annapolis, Sergipe, 24 de janeiro de 1937, o poder de coerção
contra os comunistas, onde o seguinte trecho aborda que: “A polícia vem verificar que todas as
sedes, dessa tal “União “existem materiais de propaganda comunistas, armas munições e
explosivos”. “Foi descoberto a plano de perturbação em todo paiz”. Logo, ficam os seguintes
questionamentos. Será que de fato existia munição escondida dessa localidade? Ou era
estratégia para obter dividendos políticos em prol da candidatura de Plínio Salgado para
presidência?
O homem político tem o comprometimento com o jornalista, este mesmo detentor de
um poder sobre os instrumentos de grande difusão que lhe dá um poder sobre toda espécie de
capital simbólico (o poder de fazer ou desfazer reputações), como é o caso de desfazer as
reputações dos integrantes do Partido Comunista do Brasil, ou até mesmo aqueles que não
tinham nenhum vinculo com os mesmos em proveito de obter uma grande quantidade de votos.
Muitas dessas especulações na imprensa eram sensacionalistas e partidárias. Na acepção
de Sá Motta (2001/2002), a exploração vantajosa do medo ao “perigo vermelho” também se
manifestou nas estratégias adotadas por algumas instituições, que tiraram proveito da postura
de combatentes anticomunistas. Um dos exemplos mais candentes é a Ação Integralista, que
procurou explorar o máximo sua condição de adversária dos marxistas.
Diante disso, notamos que desde o início de suas atividades, a AIB se caracterizou por
enfatizar a propaganda anticomunista. Ainda no pensamento do autor já citado, o mesmo
ressalta, porém, após os eventos de 1935 a utilização do tema se tornou mais intensa. Tratava
de aproveitar o estado de espírito dos setores da sociedade aterrorizados pela “Intentona”,
colocando a AIB no papel de campeã na luta contra os comunistas.
Isto é visível nas manchetes do periódico, quando os integralistas enfatiza a marcha
gloriosa dos Camisas Verdes da Pátria no sentido de exaltar suas ideias por todo o Brasil, se
apropriando do discurso anticomunista para se manter no ápice dos holofordes da imprensa, e
no âmbito da política. Mesmo nos momentos em que o interesse da maioria da imprensa em
relação ao assunto diminuía, os jornais integralistas continuaram a dedicam-lhe largos espaços;
culminando para ascensão da Ação Integralista ao poder. . “O Exército contra o comunismo”.
A luta, Annapolis (Sergipe), 19 de setembro de 1937, ano XVIII. “O general Newton Cavalcanti
denunciando a infiltração comunista como um perigo iminente, em face do qual o Exército deve
desde já tomar posição de combater”.
No mais a candidatura de Plínio Salgado intensificou a luta contra os comunistas, no
decorrer do ano de 1937, a campanha aumentou, em decorrência da disputa pela sucessão
presencial. “A AIB tentou a todo custo manter-se em evidência, fosse para concorrer ás eleições
com Plínio Salgado, fosse para participar com vantagem nas confabulações golpistas em
andamento”.
A instauração do Estado Novo, ao contrário do que inicialmente os integralistas
esperavam, representou o fim da AIB, pois perdeu o sentido de ser enquanto movimento
político, uma vez que o Estado Novo adotou vários pontos da sua doutrina. E ainda, as
expectativas dos integralistas de uma participação política mais efetiva no poder foram frustrada
por Vargas. Neste aspecto, Ferreira (2006), não demorou muito para que o apoio ao novo regime
se convertesse em insatisfação e revolta. Em maio de 1938, integralistas realizaram ataques ao
palácio da Guanabara e edifícios da Marinha. E ainda invadiram estações de rádio na capital
federal. Essa tentativa de golpe fracassou, resultando na prisão dos envolvidos e abertura de
processos contra os mesmos. Apesar da fuzilaria durante o ataque ao Guanabara, Vargas e sua
família escaparam ilesos.
Entendemos que o comportamento editorial do jornal A Luta nesta primeira fase, foi
marcada pela adoção de um discurso profundamente conservador e anticomunista, pode ser
entendida em parte pela conjuntura econômica, política e social existente em Sergipe,
especificadamente na cidade de Annapolis; mais precisamente, em relação aos movimentos
grevistas e a crescente influencia do Partido Comunista Brasileiro junto ao operariado local
entre os anos de 1933 a 1935.
Diante disso, as representações anticomunistas tem-se uma importância expressiva no
campo político, denominar os seus opositores como comunistas, é esvaziar o capital simbólico
do qual o exercício do poder depende. Transfigurar a imagem dos mesmos é minar os
fundamentos desse poder, até porque destruir ou ameaçar destruir um recurso vital no qual os
políticos dependem, a sua reputação, o bom nome, o respeito da maioria da população. Então,
ameaçar ou destruir sua reputação é diminuir seu poder de persuasão, ou seja, sua credibilidade
e confiança por parte dos eleitores.
No tópico seguinte entenderemos como o contexto de dita redemocratização do Brasil
proporcionou aos partidos autonomia política; os mesmos ressurgiram com uma nova
roupagem. Teremos o PRP, criando por Plínio Salgado com base nas ideias da Ação Integralista
e o PCB liderado por Carlos Prestes com ideias comunistas.

A atuação dos partidos no período da dita “redemocratização” do Brasil

Para Luiz Carlos Preste e para os demais comunistas, á Conferencia da Mantiqueira de


(1943), é um marco no processo de redemocratização do país, no momento que a Assembleia
Constituinte é eleita pelo povo, viesse a elaborar a Constituição Democrática. O ano 1945 marco
da trajetória política da luta comunista no Brasil, em particular no município de Simão Dias,
até porque muitos dos militantes que foram presos durante o golpe de Estado de Vargas, foram
libertados nesse período. Neste aspecto esse contexto será marcado pela participação do PCB
na Assembleia constituinte, ou seja, pela primeira vez no Brasil o partido ganha legalidade no
parlamento.
E, além disso, teremos o Partido de Representação Popular (PRP) foi criado por Plínio
Salgado em setembro de 1945, logo após sua volta do exílio, com o intuito de retomar os valores
e ideais integralistas, que foi interrompida nos acontecimentos de (1937- 1938), com o intuito
de dá continuidade as ideias da Ação integralista Brasileira e derrotar os ditos “Vermelhos” no
pleito eleitoral e obter espaço para influenciar as decisões políticas no período democrático.
Nesse contexto de dita redemocratização, os partidos lutam pela redistribuição do poder sobres
os poderes públicos, pelo monopólio de uso legítimo dos recursos políticos objetivados. Este
campo político de concorrência pelo domínio de impor uma representação do mundo social
capaz de obter a adesão de um grande número de cidadãos, pelo voto e suas quotizações.
Quando os integralistas intervieram na política brasileira através do Partido de
Representação Popular – manteve em funcionamento um serviço de espionagem voltado ao
acompanhamento e denúncia das atividades dos comunistas, socialistas e de quaisquer
movimentos, partidos ou lideranças que se colocassem contra o integralismo ou contra a ordem
vigente, a todos eles qualificando como “comunistas”. Logo, isso nos mostra que mesmo após
o fechamento da AIB, Plínio Salgado continuou se aproveitando da bandeira do anticomunismo
em prol dos seus interesses políticos. Com o novo partido o PRP, se elegeu para o parlamento.
Sá Motta ainda reforça essa questão de que muitas instituições e grupos se apropriaram do
discurso anticomunista para obter dividendos políticos e econômicos frente ao Estado.

Os grupos ligados ao aparato repressivo do Estado foram responsáveis pela criação de


uma modalidade específica de indústria do anticomunismo. Em algumas ocasiões,
policiais, militares ligados ás atividades de repressão fabricaram “provas” de
recrudescimento das atividades comunistas. (2010.p. 79).

A principal disseminadora das ideais anticomunistas, almejando valorizar o seu papel


no interior do Estado e aumentando sua popularidade eleitoral nas disputas internas. No entanto,
percebemos que o PRP, não tem a mesma força política no pleito eleitoral de 1945. Caliu
salienta o fracasso do partido de Plínio Salgado nas eleições:

O resultado da eleição de 1945, na qual PSD e UDN elegeram juntos 82% dos
deputados federais – bem mais do que em qualquer eleição posterior – se deve em
grande parte ao fato de que eram os únicos partidos que contavam com uma ampla
estrutura organizacional, abarcando todos os estados e a grande maioria dos
municípios. Para o PRP, constituído poucos dias antes das eleições, a defasagem
organizacional em 1945 era dramática, sendo esse um dos principais fatores
explicativos do péssimo resultado eleitoral alcançado pelo partido naquela eleição,
quando elegeu apenas um deputado federal e obteve pouco mais de 130.000 votos em
todo o país, o que corresponde a 2,3% dos votos, seu pior percentual em âmbito
nacional em eleições parlamentares durante toda sua trajetória. Após as eleições de
1945, o partido definiu como objetivo central a ampliação de sua rede de diretórios
estaduais e municipais, em um processo de interiorização de sua estrutura
organizativa. (2010, p.3).

Notamos que as ideias integralistas perderam força ao logo do período ditatorial imposto
por Vargas. Entretanto, o Partido Comunista teve o seu tempo de “gloria”, pós Segunda Guerra
Mundial. Com a realização da “Conferência da Mantiqueira”, acontece à reorganização do
partido, depois da repressão de 1935, Basbawm (1976) sintetiza esse momento da seguinte
maneira, enfatiza que, é essa política que vai levar o partido a desencorajar movimentos
reivindicatórios de trabalhadores, com o argumento de ser esse um momento de necessidade de
“apertar de cintos”, ou seja, o mesmo ainda aborda que, é importante destacar, entretanto, a
realização de uma vigorosa campanha de anistia, vitoriosa após o fim da guerra em 1945,
levando a libertação de Preste e diversos outros dirigentes, bem como concessão de status de
legalidade ao PCB.
O “medo” aos comunistas se intensifica, é tido como grande ameaça à política
conservadora, ou seja, o período de militância é experimentado, a partir de 1945, com suas
ideologias eminentes através da política de formação de comitês populares e a representação na
bancada parlamentar. Deixa de ser algo que poderia ser tolerado pelas classes dominantes e
passa potencialmente ameaçador ao Status quo. De fato, o Partido Comunista Brasileiro,
começa a penetrar entre as classes trabalhadoras, e até mesmo por organizações no centralismo
democrático, e sua articulação com outros partidos comunistas fora do Brasil.
Pacheco (1984) sintetiza, a linha política do PCB refletia-se no MUT através de uma
posição ambígua em relação ao sindicalismo oficial, reivindicando uma maior autonomia para
as entidades classistas, mas sem questionar a estrutura sindical vigente. [.,.] enfatizavam o
desejo de manter a vinculação dos sindicatos com o Ministério do Trabalho, preservando sua
aliança com o governo.
O crescimento do comunismo se generalizava em ofensiva as classes reacionárias, essa
última se defende de forma violenta perseguindo os comunistas, além de fechar diversos
sindicatos. É isso que nos afirma Maranhão (1979), em 1947 o TSE cancela o registro do PCB
e o Ministério do Trabalho decreta a intervenção em 14 sindicatos, bem como o fechamento da
CTB e das Uniões Sindicais dos municípios e estados em que existiam. Ao fim de 1947, um
total de 143 sindicatos teriam sofrido intervenção do governo. Momento esse que, em outubro
do mesmo ano o Brasil romper com as relações com a União Soviética. Para Bourdieu (1998),
no campo político_ esse campo de lutas a respeito de um campo de lutas de representação
legítima dessas lutas_, depois no próprio seio do empreendimento político, partido, sindicato,
associações, em síntese, só funcionária como um só homem se sacrificar os interesses de uma
parte, quando não da totalidade dos seus mandantes.

Considerações Finais

Enfim, conclui-se que Ação Integralista Brasileira teve seu ápice na política brasileira,
mas perdeu força após a instauração do Estado Novo instituído pelo golpe de Vargas. Quando
ressurgiu com uma nova roupagem através do Partido de Representação Popular, o seu
resultado foi péssimo no pleito eleitoral comparado aos demais partidos. O mesmo para se
mantiver atuante continuou se apropriando da “indústria” do anticomunismo, mesmo quando o
comunismo não está tão eminente. Ao contrário do PRP, o PCB ganha autonomia no parlamento
e influência na camada da classe trabalhadora, isso intensificado o “medo” da classe dominante
do país; onde vários setores da sociedade (imprensa, Igreja Católica, Partidos de extrema direita,
e etc.) se prontificam a combater as ideias comunistas. Até porque á denúncia do
anticomunismo é uma arma nas mãos de quem dominam as estruturas, ou seja, o capital
simbólico, econômico e social.

Referências Bibliográficas

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em História pela Universidade Federal da Bahia (UFB).

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FERREIRA, Laís Mônica Reis. O integralismo na imprensa da Bahia: o caso de O Imparcial.


Este artigo é derivado do primeiro capítulo da dissertação de mestrado defendida em fevereiro
de 2006 no Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal da Bahia-
UFBA, intitulada Educação e Assistência Social: as estratégias de inserção da Ação Integralista
Brasileira nas camadas populares da Bahia em O Imparcial (1933-1937). Revista de História
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político no Brasil dos anos 30. UFRJ, RJ. UFMG, MG. 1997.

GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história; tradução: Federico


Carotti. – São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

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Neves (orgs). O Brasil Republicano, vol. 2- do início da década de 1930 ao apogeu do estado
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PACHECO, Eliezer. O Partido Comunista Brasileiro (1922-1964). São Paulo: Alfa-Omega,


1984.

SÁ MOTTA, Rodrigo Patto. A “indústria” do Anticomunismo. Anos 90, Porto Alegre,


n.15,2001/2002.
PALATALIZAÇÃO DO /S/ NA FALA DE UNIVERSITÁRIOS DA UFS/ITABAIANA

Autora: Cósmia Karine Vieira Borges


Graduanda em Letras Português pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PIBIC (CNPq/UFS)
karinevieiraborges@hotmail.com

Orientadora: Prof.ª Ma. Josilene de Jesus Mendonça (PPGL/UFS)

Introdução

A sociedade passa por constantes mudanças, sejam políticas e sociais, sejam culturais e
econômicas. Há um contínuo processo de transformação. Com a língua, como parte constitutiva
da sociedade, não poderia ser diferente. A língua é um sistema heterogêneo e dinâmico, sujeito
à variação e a mudanças (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006). A heterogeneidade e
dinamicidade da língua é resultado das transformações linguísticas e sociais que ocorrem na
sociedade, por isso a relação entre língua e sociedade é imprescindível para compreender os
processos de mudança que ocorrem na língua. As pessoas que fazem parte de uma mesma
comunidade, embora compartilhem normas linguísticas e sociais, não se comunicam da mesma
maneira, isto é, a comunidade é constituída de variedades linguísticas distintas. A variabilidade
no uso da língua está relacionada a diversos fatores sociais, como a origem regional, a classe
social, as ocupações, a escolaridade, dentre outras características sociais do falante (ALKMIM,
2001).
A realização do /S/ em posição de coda, isto é, em posição final de sílabas com padrão
CVC, no português brasileiro é um fenômeno variável. As variantes são: as palatais vozeada e
desvozeada ([ʒ] e [ʃ]); as alveolares vozeada e desvozeada ([z] e [s]), a glotal vozeada e
desvozeada ([ɦ] e [h]) e o cancelamento ([∅]). Este fenômeno varia de acordo com a região,
com o nível de escolaridade e com a faixa etária do falante, entre outros fatores de ordem
linguística e social. Em termos de frequência de uso, as variantes palatais e alveolares são as
mais produtivas (BRESCANCINI,1996; MACEDO, 2004; HAUPT; BERRI, 2009;
MONTEIRO, 2009; MORAIS; LIMA, 2009; LUCCHESI, 2009; BASSI, 2010;
SMAICLOVÁ, 2010; MARTINS, 2011; LIMA, 2013; BARROS; RANGEL; MATTOS, 2014;
MAIA, 2015).
Neste artigo, analisamos a palatalização do /S/ na fala de estudantes da Universidade
Federal de Sergipe, Campus Itabaiana, a fim de identificar fatores linguísticos e sociais que
condicionam o uso da variante palatal. Para desenvolvimento da pesquisa, utilizamos 54
entrevistas sociolinguísticas, coletadas de acordo com os procedimentos metodológicos
descritos na seção seguinte.

Procedimentos metodológicos

Com o objetivo de analisar a palatalização do /S/ em coda, considerando fatores


linguísticos e sociais, e a partir do suporte teórico-metodológico da Sociolinguística
Variacionista (LABOV, 2008), constituímos uma amostra com 54 entrevistas
sociolinguísticas41. A gravação das entrevistas foi realizada na Universidade Federal de
Sergipe, Campus professor Alberto Carvalho. A amostra foi estratificada considerando o
sexo/gênero, o período de curso (início, meio e fim) e o deslocamento dos estudantes.
A noção de deslocamento está relacionada à influência que o ambiente acadêmico
exerce na mobilidade dos estudantes. Na constituição da amostra foram considerados três
grupos: i) deslocamento I, designando os informantes que residem em Itabaiana; ii)
deslocamento II, referindo-se aos informantes que moram em outra cidade, com deslocamento
diário para a universidade; e o iii) deslocamento III, com informantes que passaram a residir
em Itabaiana por conta da Universidade.
Para realizarmos a análise da produção linguística dos estudantes em relação às
realizações do /S/, selecionamos 60 dados de /S/ na posição de coda em cada entrevista,
totalizando 3.240 ocorrências. A identificação das realizações do /S/ foi feita por meio do
método de oitiva, codificando as ocorrências de acordo com as variantes: alveolar desvozeada
e vozeada [s, z], palatal desvozeada e vozeada [ʃ, ʒ], glotal [h, ɦ], ou o cancelamento [∅].
A fim de verificar quais fatores e/ou contextos influenciam na realização do /S/,
selecionamos as variáveis linguísticas: contexto seguinte, considerando o modo de articulação,
o ponto de articulação e o vozeamento; classe gramatical da palavra; valor gramatical do /S/ em

41
A gravação das entrevistas fez parte da execução do plano de trabalho de Iniciação Científica Percepção e
produção linguística na comunidade de prática campus Itabaiana/UFS: efeitos do curso, vinculado ao projeto
Banco de dados Falares Sergipanos - Etapa 2: Percepção e atitudes linguísticas (fase 2). A constituição da
amostra foi realizada em parceria com as doutorandas Andréia Silva Araújo e Josilene de Jesus Mendonça e com
a bolsista PIBIC Damiana Karina Vieira Borges.
coda; e a tonicidade da sílaba. As variáveis sociais consideradas foram sexo, deslocamento e
período de curso.
Apresentamos, na seção seguinte, os resultados relativos à ocorrência da palatalização
do /S/ em coda, considerando os fatores linguísticos e sociais que contribuíram para a realização
do fenômeno.

Resultados e discussão

Conforme apresentamos na seção anterior, a análise da variação na realização do /S/ em


coda foi feita em 54 entrevistas sociolinguísticas, nas quais foram selecionados 60 dados,
totalizando 3.240 ocorrências. O gráfico 1 apresenta a proporção percentual de cada tipo de
realização do /S/ na amostra analisada.
Gráfico 1: Proporção das realizações do /S/ em coda

Os resultados mostram que o tipo de realização mais frequente na fala dos estudantes
da UFS/Itabaiana é a alveolar, com 73% (2.380 ocorrências). Houve 710 ocorrências da
realização palatal, o que equivale a 22%. As realizações menos frequentes foram as variantes
glotal e cancelamento, com os percentuais de 2% e 3%, respectivamente. Esses resultados são
semelhantes aos encontrados nos estudos de Morais e Lima (2009), Lucchesi (2009), Lima
(2013), Barros, Rangel e Mattos (2014) e Maia (2015), em que também houve a ocorrência
mais frequente da realização alveolar.
Neste artigo damos ênfase à análise das realizações alveolar e palatal. A realização
glotal e o apagamento do /S/ em coda ocorrem em contextos bem específicos na fala dos
estudantes do interior sergipano. A realização glotal apresenta valor social atrelado a áreas
rurais (deslocamento II). O apagamento do /S/ em coda ocorre categoricamente em posição
final de palavra, com valor gramatical de morfema de número (BORGES, MENDONÇA, no
prelo). No gráfico 2, apresentamos a proporção de realização palatal em função do vozeamento.
Gráfico 2: Proporção da realização palatal em função do vozeamento

Os resultados mostram que o traço desvozeado favoreceu a ocorrência da variante


palatal, com percentual de 27% (623 ocorrências). Com traço vozeado houve 87 ocorrências da
realização palatal (11%). Resultados semelhantes foram encontrados nos estudos de
Brescancini (1996), Macedo (2004), Monteiro (2009) e Smaiclová (2010). Na tabela 1, são
apresentados os percentuais das variantes alveolar e palatal em função do modo do contexto
seguinte.

Tabela 1: Realização do /S/ em coda em função do modo do contexto seguinte


Modo do Contexto Seguinte Alveolar Freq. (%) Palatal Freq. (%)
Fricativo 193 99% 2 1%
Oclusivo 693 49,5% 707 50,5%

Os resultados apresentados na tabela 2 mostram que a variante palatal é mais frequente


com contexto seguinte oclusivo, com frequência de 50,5% (707 ocorrências). As duas
ocorrências da realização palatal diante de consoante fricativa correspondem aos exemplos
“mai[ʃ]chance” (Raf-m) e “ela[ʒ]juntas” (Nat-f), em que a coda é seguida de consoante
fricativa. Nesses exemplos ocorre o processo fonológico chamado de aglutinação, em que
ocorre apenas uma realização para a coda e a consoante seguinte, possibilitando a junção das
palavras. Além das ocorrências da realização alveolar diante dos contextos fricativo e oclusivo,
essa variante também ocorreu com contexto seguinte lateral (23 ocorrências), por exemplo, nas
ocorrências “no[Z] livros” (Thi-m) e de[Z]locar (Mar-m), nasal (216 dados), como em
“me[Z]mo” (Mid-f) e “mai[Z] nada” (Ray-f), e tepe (10 ocorrências), nas ocorrências “no[Z]
resta” (Hia-m) e “mai[Z] ruim” (Mar-m). Nos contextos em que a coda é seguida por vogal (por
exemplo, “a[Z]opiniões” (Ray-f) e “mai[Z]oferta” (Raf-m)) ou por pausa (por exemplo,
“lugares” (Ray-f) e “simples” (Dav-m)), a realização alveolar foi categórica. Na tabela 2,
apresentamos as realizações alveolar e palatal, considerando o ponto de articulação do contexto
seguinte.
Tabela 2: Realização do /S/ em coda em função do ponto do contexto seguinte
Ponto do Contexto Seguinte Alveolar Palatal

(Ocorrências) (Ocorrências)

Alveodental 225 707

Alveolar 10 0

Alveopalatal 0 2

Bilabial 409 0

Glotal 7 0

Labiodental 118 0

Pausa 931 0

Velar 366 0

Vogal 315 0

Os resultados mostram que a variante palatal é predominante com contexto seguinte


alveodental, relativo às consoantes [t, d]. Apesar de a variante alveolar também ocorrer no
contexto alveodental, houve maior ocorrência da realização palatalizada nesse contexto. A
realização alveolar desvozeada obteve maior ocorrência no contexto de pausa, isto é, na posição
final de palavra, sem a presença de um segmento seguinte, com 931 ocorrências. No contexto
de vogal, também não houve variação, com a ocorrência somente da alveolar vozeada. Nesse
contexto ocorre o processo chamado de ressilabificação, ou seja, “nesse contexto não mais
teríamos um /S/ de coda silábica e sim um /Z/ ocupando a posição de onset da sílaba posterior”
(MACEDO, 2004, p. 35). O fenômeno ocorre em exemplos como “ele[Z]acham” (Ray-f),
“ma[Z]eles” (Mid-f) e “mais[Z]alunos” (Thi-m).
Os resultados apresentados nas tabelas 1 e 2 mostram que os universitários fazem a
realização palatal predominantemente nos contextos em que o /S/ em coda é seguido por
consoantes oclusivas alveodentais. Dessa maneira, excluímos da análise os outros pontos de
articulação que não favoreceram a variante palatal, apresentando as próximas análises apenas
com as ocorrências de /S/ com contexto seguinte oclusivo alveodental. Além disso, também
não consideramos as duas ocorrências de palatal seguida de consoante fricativa, “mai[ʃ]chance”
(Raf-m) e “ela[ʒ]juntas” (Nat-f). No gráfico 3, apresentamos a frequência das realizações
alveolar e palatal em função do ponto de articulação do contexto seguinte, o alveodental,
considerando apenas o modo oclusivo.
Gráfico 3: Realização do /S/ em coda em função do contexto oclusivo alveodental

Na fala dos estudantes da UFS/Itabaiana houve maior ocorrência da variante palatal no


contexto oclusivo alveodental, com o percentual de 93,4% (707 ocorrências), como nos
exemplos “o[ʃ] trabalhos” (Ray-f), hi[ʃ]tória (Mid-f), com realização palatal desvozeada, e, as
exemplificações “de[ʒ]de (Ann-f) e muitas[ʒ] disciplinas” (Den-m), com realização palatal
vozeada. No contexto oclusivo alveodental, houve apenas 50 ocorrências da variante alveolar
(6,6%), como nos exemplos “trê[S] coisa[S] pra” (Tar-m) e “ciência[Z] biológicas”,
correspondentes às realizações alveolar desvozeada e vozeada, respectivamente. No gráfico 4,
expomos a frequência da realização palatal em função do vozeamento do contexto seguinte.
Gráfico 4: Realização palatal em função do vozeamento do contexto seguinte

A palatalização do /S/ em coda foi mais recorrente quando o vozeamento do contexto


seguinte era desvozeado, com 621 ocorrências, equivalente ao percentual de 88% de realização
da palatal desvozeada. Houve 86 ocorrências da realização palatal vozeada (12%). Nas
ocorrências “mas que[ʃ]tões sociais” (Ana-f), “admini[ʃ]tração” (Eve-m), “ba[ʃ]tante” (Vil-f),
“muito[ʒ] deles” (Cla-f), “de[ʒ]de” (Ana-f) e “depoi[ʒ] da” (Vil-f) ocorre a palatalização do /S/
no contexto das oclusivas alveodentais [t, d], respectivamente. Em relação a variante alveolar,
com o contexto seguinte oclusivo alveodental, obtivemos 50 ocorrências, sendo 21 ocorrências
da realização alveolar desvozeada, com o percentual de 42%, e 29 ocorrências da alveolar
vozeada, equivalente ao percentual de 58%. Na tabela 3, apresentamos os resultados referentes
à palatalização em função da classe gramatical.
Tabela 3: Realização do /S/ em coda em função da classe gramatical
Realização/ Alveolar Freq. Palatal Freq.
Classe Gramatical (Ocorrências) (%) (Ocorrências) (%)

Adjetivo 2 4% 20 2,82%

Advérbio 9 18% 55 7,77%

Artigo 5 10% 12 1,69%

Conjunção 2 4% 13 1,83%

Numeral - - 2 0,28%

Preposição 3 6% 11 1,60%

Pronome - - 29 4,10%

Substantivo 17 34% 279 39,46%

Verbo 12 24% 286 40,45%

TOTAL 50 100% 707 100%

As duas classes gramaticais que mais favoreceram a ocorrência da palatalização foram


a dos verbos, com 286 ocorrências, equivalente ao percentual de 40,45%, como nos exemplos
“admini[ʃ]trar” (Mar-f), “ga[ʃ]tava” (Mar-f) e “vamo[ʒ] dizer” (Pau-f), e a dos substantivos,
com 279 dados, correspondendo ao percentual de 39,46%, como nas ocorrências “e[ʃ]tímulo”
(Pau-f), “combu[ʃ]tível” (Eri-m), “li[ʃ]ta” (Ana-f). Embora com percentual baixo, os advérbios
também favoreceram a realização palatal, principalmente nos advérbios “ba[ʃ]tante” (Ani-f),
“depoi[ʒ] de” (Vit-f) e “de[ʒ]de” (Nat-f). No estudo de Brescancini (1996), houve o
favorecimento da variante palatal em verbos (85%) e substantivos (84%), corroborando com
nossos resultados. No gráfico 5, apresentamos a realização palatal em função do valor
gramatical da palavra, ou seja, se a palatalização ocorre quando o /S/ em coda tem valor ou não
de morfema de número.
Gráfico 5: Realização palatal em função do valor gramatical

A palatalização ocorreu predominantemente quando o /S/ em coda não apresenta valor


morfêmico, ou seja, quando o /S/ não é um morfema de número, com percentual de 89% (628
ocorrências), como nos exemplos “de[ʒ]de” (Eve-m), “dese[ʃ]timular” (Sue-f), “e[ʃ]tudante”
(Gis-f) e “que[ʃ]tão” (Dav-m). As 79 ocorrências de realização palatal (11%) em contexto
morfêmico se deve ao fato de o /S/ em coda na posição final ser seguido de palavras iniciadas
com as oclusivas [t, d], possibilitando a realização palatal nesse contexto, como verificamos
nas ocorrências “ele[ʃ] também” (Lea-m), “o[ʒ] dois” (Tam-f). No gráfico 6, apresentamos os
resultados relacionados à variável linguística posição da sílaba.
Gráfico 6: Realização palatal em função da posição da sílaba

Na posição medial houve maior ocorrência da realização palatal, com 582 ocorrências
(82%), como pode ser observado nos exemplos “go[ʃ]tar” (Ann-f), “apo[ʃ]tila” (Thi-m),
“de[ʒ]de” (Ann-f). Resultado semelhante foi encontrado nos estudos de Brescancini (1996) e
de Lucchesi (2009), com o percentual de 85% e 80%, respectivamente, para a realização palatal
em posição medial. A palatalização também ocorreu na posição final seguida de palavra
iniciada com consoante, nesse caso, as oclusivas alveodentais [t, d], com percentual de 18%
(125 ocorrências), como nos exemplos “a[ʃ] tecnologias” (Mar-m) e “as pessoa[ʒ] diziam”
(Cyn-f). Este resultado é semelhante aos de Brescancini (1996), Lucchesi (2009) e Monteiro
(2009). No gráfico 7, apresentamos as proporções de realização da palatalização levando-se em
conta a tonicidade da sílaba.
Gráfico 7: Realização palatal em função da tonicidade da sílaba

A palatalização foi mais frequente diante das sílabas pretônicas, com 476 dados,
correspondendo a 67% das ocorrências, como nos exemplos “hi[ʃ]tória” (Mid-f), “su[ʃ]tento”
(Éve-m), “si[ʃ]temas” (Ric-m). Resultados semelhantes foram encontrados nos estudos de
Brescancini (1996), Lucchesi (2009) e Monteiro (2009), com o percentual de 90%, 80% e
97,2%, respectivamente, para a realização palatal em sílabas pretônicas. Houve também o
favorecimento da palatal em sílabas tônicas, com o percentual de 15,5%, como as ocorrências
“de[ʒ]de” (Gis-f), “ga[ʃ]to” (Den-m) e “exi[ʃ]te” (Sue-f). As sílabas tônicas também
favoreceram a realização palatal nos estudos de Brescancini (1996), Macedo (2004) e Lucchesi
(2009), com 75%, 75% e 60%, respectivamente. A realização palatal também ocorreu diante de
pretônicas do grupo, com o percentual de 11%, correspondendo as ocorrências “ele[ʃ] têm”
(Dav-m), “nova[ʃ] técnicas” (Ali-f) e “vamo[ʒ] dizer” (Jeo-m).
Apresentamos a seguir as análises relacionadas às variáveis sociais, o sexo (feminino e
masculino), o deslocamento (I, II, III) e o período de curso (início, meio e fim). O gráfico 8
apresenta a proporção da realização palatal em função do sexo dos informantes.
Gráfico 8: Realização palatal em função da variável sexo
Embora com diferença percentual baixa, a palatalização foi mais frequente na fala dos
homens, com o percentual de 52% (366 ocorrências). Resultado semelhante foi apresentado no
estudo de Bassi (2010), em que a variável sexo não se mostrou significativa para o fenômeno.
Devido à forte influência do contexto linguístico para a realização palatal, conforme
apresentado nas tabelas 1 e 2 e nos gráficos 4, 6 e 7, o comportamento linguístico de homens e
mulheres é semelhante em relação à realização palatal do /S/ em coda. Na tabela 5,
apresentamos os resultados de ocorrência da palatalização, considerando o deslocamento dos
estudantes da UFS/Itabaiana.
Tabela 4: Realização do /S/ em coda em função da variável deslocamento

Realização/ Alveolar Freq. Palatal Freq.


(%) (%)
Deslocamento (Ocorrências) (Ocorrências)

I 31 62% 240 33,9%

II 8 16% 230 32,5%

III 11 22% 237 33,5%

TOTAL 50 100% 707 100%

A ocorrência da realização palatal, considerando os três tipos de deslocamento, se deu


de forma homogênea . Entre o deslocamento I e o deslocamento II, encontramos uma diferença
mínima de 1,4% das ocorrências, enquanto entre o deslocamento II e o deslocamento III,
notamos uma diferença de 1,0%, e entre o deslocamento I e o deslocamento III, 0,4%. Em
relação a realização alveolar, das 50 ocorrências, 31 dados foram identificados no deslocamento
I, com o percentual de 62%. No gráfico 9, apresentamos a ocorrência da palatalização do /S/
considerando o período dos estudantes.
Gráfico 9: Realização palatal em função da variável período

Os resultados apresentados no gráfico 9 mostram que os informantes que estão nos


períodos finais do curso realizaram mais a palatalização do /S/ em coda, atingindo um
percentual de quase 36%. Os estudantes dos períodos iniciais do curso também realizaram a
forma palatalizada, com aproximadamente 34%. Nos períodos do meio do curso, percebemos
uma diminuição na realização da palatalização. Os resultados mostram que o período de meio
de curso apresenta uma interferência no comportamento linguístico dos informantes. Porém,
como a análise refere-se apenas aos dados de /S/ em contexto oclusivo alveodental, isto é, em
contexto linguístico que favorece a palatalização, os resultados em função do período do curso
carecem de uma análise mais aprofundada com uma quantidade de dados mais robusta.

Considerações finais

Neste artigo, fizemos a análise da palatalização do /S/ em coda na fala de estudantes da


UFS, Campus Professor Alberto Carvalho, considerando fatores linguísticos e sociais. Os
resultados mostram que a realização palatal apresenta condicionamentos linguísticos, sendo
favorecida pelo contexto seguinte das consoantes oclusivas alveodentais [t, d]. Em relação ao
traço de vozeamento do segmento seguinte, o traço desvozeado favorece a ocorrência da
palatalização, principalmente no contexto da oclusiva desvozeada [t]. Em relação à classe
gramatical da palavra em que a coda ocorre, a palatalização ocorreu com mais frequência em
substantivos e verbos. A respeito da variável valor gramatical, a realização palatal foi mais
frequente no contexto não morfêmico. A posição medial da sílaba e as sílabas pretônicas e
tônicas propiciaram a maior ocorrência da palatalização.
Tratando-se das variáveis sociais, a variável sexo não se mostrou significativa para a
variação na realização do /S/ em coda, pois ambos sexos apresentaram percentuais de
palatalização semelhantes. A realização palatal ocorreu de maneira homogênea considerando
os três tipos de deslocamento. Esse resultado pode estar atrelado ao fato de que a integração e
a interação de muitas pessoas em um mesmo ambiente, no caso, a Universidade, faz com que
os falantes compartilhem as mesmas regras e o mesmo comportamento linguísticos, como o
fato de os universitários palatalizarem diante das consoantes oclusivas [t, d]. A respeito da
variável período de curso, os estudantes dos períodos finais palatalizaram mais, o que pode estar
atrelado ao fato de que, quanto maior é o nível de estudo, maior a tendência à realização palatal.
Isso pode significar que a variante palatal, diante das oclusivas alveodentais [t, d], é considerada
de prestígio para a comunidade UFS/Itabaiana.

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A MONOTONGAÇÃO DE DITONGOS DECRESCENTES NA FALA DE
ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS

Autora: Damiana Karina Vieira Borges


Graduanda em Letras Português pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PICVOL (UFS)
karina-britney22@hotmail.com

Orientadora: Profa. Ma. Andréia Silva Araujo (PPGL/UFS)

INTRODUÇÃO

Em decorrência do caráter variável e heterogêneo da língua (LABOV, 2008), podemos


encontrar no Português Brasileiro vários fenômenos linguísticos em variação, a exemplo temos
o fenômeno linguístico da monotongação. A monotongação é um processo bastante antigo na
língua que perpassa do latim clássico ao vulgar (BORTONI-RICARDO, 2005; JESUS et. al.,
2010). Esse processo consiste na redução da semivogal do ditongo, ou seja, quando o ditongo
é reduzido a uma vogal simples. Os tipos de ditongos que são suscetíveis a esse processo de
redução são os decrescentes (p[ow]co ~ p[o]co), crescentes (políc[ja] ~ políç[a]) e nasais
(ont[ẽj] ~ ont[i]). No presente estudo, focamos apenas na monotongação dos ditongos
decrescentes.
Estudos linguísticos apontam que o processo de monotongação nos ditongos
decrescentes é bastante recorrente, sobretudo, na redução do ditongo decrescente /ow/, pois,
cada vez mais, pode-se observar a implementação da forma monotongada do referido ditongo
no falar dos brasileiros (cf. LOPES (2002), PEREIRA (2004), AMARAL (2005) etc.). Vale
ressaltar que os resultados dessas pesquisas têm evidenciado que a redução do ditongo /ow/ já
se mostra praticamente categórica nas comunidades já analisadas e que essa redução independe
de fatores linguísticos e sociais.
Com o intuito de expandir os estudos nesse âmbito, objetivamos, no presente trabalho,
investigar quais fatores linguísticos e sociais condicionam o fenômeno da monotongação de
ditongos decrescentes. Para tanto, seguindo os pressupostos da Sociolinguística Variacionista
(WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006; LABOV, 2008), utilizamos, como corpus para a
análise, 54 entrevistas sociolinguísticas realizadas com estudantes da Universidade Federal de
Sergipe, Campus Prof. Alberto Carvalho, Itabaiana/SE.
Apresentamos, na seção a seguir, os procedimentos teórico-metodológicos utilizados
em nossa pesquisa; na seção subsequente, discutimos os resultados obtidos sobre a
monotongação em ditongo decrescente, e, por último, expomos nossas considerações finais.

PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Ao desenvolvermos o nosso estudo, tivemos como suporte teórico-metodológico a


Sociolinguística Variacionista (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006; LABOV, 2008), a
qual se interessa pelo estudo da língua com foco na variação e/ou mudança linguística. Através
deste aporte teórico-metodológico, é possível estudarmos a estrutura linguística e social de uma
determinada sociedade. Para isso ser possível, é necessário o contato com as situações reais de
uso da língua, isto é, com a língua falada no cotidiano pelas pessoas. Afinal, são nas situações
reais de uso da língua, no contexto social, que podemos encontrar os fenômenos linguísticos
variáveis, e um deles é o fenômeno da monotongação.
O fenômeno da monotongação pode ser entendido como um processo que resulta no
apagamento da semivogal do ditongo, ou seja, quando ocorre a redução do ditongo a uma vogal
simples, como, por exemplo, quando o ditongo presente na palavra “c[aj]xa” reduz-se a
“c[a]xa” na fala oral. Esse processo pode ocorrer tanto em ditongos decrescentes (r[ow]pa ~
r[o]pa) quanto em ditongos crescentes (sér[je] ~ sér[i]) e nasais (viag[ẽj] – viag[i]). No presente
trabalho, focalizamos apenas os ditongos decrescentes, e é sobre eles que tratamos a seguir.
Câmara Jr. (2007) alega que os ditongos verdadeiros no português são os ditongos
decrescentes, os quais ele enumera em 11 tipos (aj, aw, éj, êj, éw, iw, ój, ôj, ôw, uj, ów). O autor
ainda afirma que nos ditongos decrescentes, a semivogal presente no ditongo é de natureza
vocálica e ocupa junto com a vogal silábica o núcleo da sílaba e não comuta com consoante,
mas o ditongo inteiro comuta com a vogal simples (leu, lê). E, ao considerar o padrão dos
ditongos como VV, o autor afirma que os glides não são elementos do inventário fonológico do
português.
Já Bisol (1989 apud COLLISCHONN, 2014) analisa os ditongos decrescentes como
ditongos leves ou falsos ditongos, porque eles ora se manifestam, ora não, como nos contextos
de “p[ej]xe ~ p[e]xe”, “[ow]ro ~ [o]ro”. Isso ocorre porque, na estrutura subjacente, estão
ligados apenas a um elemento V e o glide acaba se formando em nível mais próximo da
superfície (CARVALHO, 2007). Ao contrário dos ditongos decrescentes, como os presentes
em “p[aw]ta”, “r[ej]tor”, a autora os classifica como ditongos verdadeiros, pois estão ligados
na estrutura subjacente por dois elementos V, e acabam formando ditongos que tendem a ser
preservados, isto é, não sofrem variação.
No entanto, para Silva (2003), os ditongos decrescentes podem ser definidos como
aqueles que são compostos por uma sequência de vogal + glide (“g[aj]ta” e “s[aw]dade”), em
que “a proeminência acentual ocorre na primeira vogal” (SILVA, 2003, p. 75). Além disso, os
ditongos orais podem ser reduzidos como os presentes em “c[aj]xa”, “p[ej]xe” e “c[ow]ro” e
que a redução pode “se dá em substantivos, adjetivos e formas verbais” (SILVA, 2003, p. 98).
É a partir dessa perspectiva que o presente trabalho foi desenvolvido.
Para investigarmos o fenômeno da monotongação, a nossa coleta de dados42 foi
realizada na comunidade de prática Campus Prof. Alberto Carvalho, localizada em
Itabaiana/SE43. A nossa amostra é composta por 54 entrevistas de estudantes, os quais foram
estratificados segundo o descolamento social, período de curso e sexo44, como podemos
observar na Tabela 1 abaixo:
Tabela 1: Estratificação da amostra

Fonte: Elaborado pelas autoras

A variável deslocamento social é entendida aqui como a saída que o estudante faz de
sua comunidade para outra a fim de desenvolver suas atividades diárias, como, por exemplo, ir
à universidade, a qual fica em uma comunidade diferente da que ele reside. Controlamos três
tipos de deslocamento social, a saber:
• Deslocamento I – relacionado aos estudantes que moram em Itabaiana/SE;
• Descolamento II – destina-se aqueles estudantes que se deslocam (vão e vem)
de suas cidades para Itabaiana/SE para à universidade; e

42
As entrevistas com os estudantes foram mediadas com a utilização de um roteiro de entrevista contendo
perguntas variadas, como, por exemplo, nome, idade, onde mora, qual curso faz, o que motivou a escolha do curso
etc.; questões pautadas em aspectos sociais, como educação, segurança, meio ambiente, transporte público etc.
43
Essa amostra foi constituída em 2018 por Andréia Silva Araujo, Josilene de Jesus Mendonça, Damiana Karina
Vieira Borges e Cósmia Karine Vieira Borges.
44
No mesmo período que coletamos essa amostra, foi constituída uma outra com estudantes da Universidade
Federal de Sergipe do Campus de São Cristóvão/SE por outros pesquisadores do Grupo de Estudos em Linguagem,
Interação e Sociedade – Gelins.
• Deslocamento III – refere-se aos estudantes que passaram a morar em
Itabaiana/SE por conta da universidade.
No último tipo de deslocamento social, geralmente, fazem parte aqueles estudantes
que moram em uma cidade mais distante e, por conta disso, passam a morar na cidade em que
está localizada a universidade. Além disso, podemos notar que os estudantes, ao se deslocarem
do lugar em que residem para o local em que estudam (a universidade), acabam
estabelecendo/criando vínculos nesse novo ambiente, como também passam a desempenhar
novos papéis sociais em situações também novas (BORTONI-RICARDO, 2011). Ademais, os
estudantes, ao se deslocarem da localidade em que vive, podem ampliar “suas redes referenciais
e experienciais e, em última instância, pode conduzir a mudança em seu comportamento
linguístico” (BORTONI-RICARDO, 2011, p. 135).
A variável sexo foi dividida em feminino e masculino. Já a variável social período de
curso foi subdividida em três níveis, são eles: início (até o 2º período); meio (4º, 5º e 6º período)
e final (a partir do 7º período) do curso. Para a realização do presente estudo, além das variáveis
sociais, também controlamos variáveis linguísticas no intuito de sabermos quais fatores
estruturais podem favorecer (ou não) a monotongação dos ditongos decrescentes, a saber: classe
da palavra; contexto fonológico anterior e seguinte; extensão da palavra; e tonicidade. Os dados
coletados foram tabulados e rodados no programa estatístico RStudio.
Na seção seguinte, apresentamos os resultados obtidos, a partir do controle dessas
variáveis linguísticas e sociais, com a análise do fenômeno da monotongação em ditongos
decrescentes.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Esta seção é destinada a descrição e discussão dos resultados obtidos a respeito da


monotongação em ditongo decrescente. Inicialmente, apresentamos o percentual de
monotongação dos ditongos em nosso corpus; em seguida expomos os nossos resultados
relacionados às variáveis linguísticas e sociais.

PERCENTUAL DE MONOTONGAÇÃO NO CORPUS

Controlamos, em nossa pesquisa, os ditongos decrescentes de acordo com o tipo (/aj/,


/ej/ e /ow/), com o intuito de verificar qual desses ditongos decrescentes seriam mais reduzidos
pelos estudantes. A nossa hipótese era que ocorreria um maior número de monotongação no
ditongo decrescente /ow/, por acreditarmos, e como mostraram os estudos, que a redução neste
tipo de ditongo é mais recorrente. Confiramos os dados na Tabela 2 a seguir:

Tabela 2: Percentual de monotongação em ditongo decrescente no corpus

Fonte: Elaborado pelas autoras

Dentre os três tipos de ditongos decrescentes aqui estudados, o ditongo /ow/ foi mais
reduzido entre os estudantes, com um percentual de 91% dos dados monotongados (Tabela 2).
Em seguida, temos os ditongos /ej/ e /aj/ com 42% e 27% das monotongações, respectivamente.
Notemos que os ditongos /ej/ e /aj/ mostram serem menos passíveis de redução do que o ditongo
/ow/. Uma explicação para isso é que há ainda condicionamentos, em sua maioria linguísticos,
que impedem/inibem a redução desses ditongos. Diferentemente do ditongo /ow/ que é
monotongado praticamente em todos os ambientes e, cada vez mais, a forma monotongada está
presente na nossa fala cotidiana. Diante dos resultados, vemos que nossa hipótese, referente ao
ditongo /ow/, foi confirmada.

VARIÁVEIS LINGUÍSTICAS

Conforme ressaltamos, as variáveis linguísticas controladas e nosso estudo foram:


classe da palavra, contexto fonológico anterior e seguinte, extensão da palavra e tonicidade.
Controlamos a variável classe da palavra para averiguar se os ditongos decrescentes podem ser
reduzidos em qualquer classe. No Gráfico 1, verificamos que os contextos que mais
favoreceram à monotongação dos ditongos foram os numerais, com 93,5% dos dados
monotongados. Em seguida, temos os fatores pronome e verbo, com percentuais acima de 80%
das reduções.
Gráfico 1: Influência do fator classe da palavra na monotongação de ditongo decrescente

Os fatores com altos indíces estatísticos se devem, em sua maioria, à redução dos
ditongos /ej/ e /ow/. A título exemplificação, temos os seguintes contextos: nos numerais, como
em terceiro, primeiro; nos pronomes, como em outro(s) e nos verbos no infinitivo, como em
ouvir e nos verbos da 3ª pessoa do singular, do pretérito perfeito do indicativo, que se referem
ao ditongo /ow/, como em estou, ficou, cortou etc., que são reduzidos.
É importante ressaltar que nesses resultados, depois de uma primeira rodada, constam
as ocorrências de verbos de 3ª pessoa do singular, do pretérito perfeito do indicativo, referentes
ao ditongo /ej/, já que neste caso eles não se monotongam, por conta da carga morfológica que
a desinência carrega. Da mesma forma fizemos para o ditongo /aj/, retiramos os verbos
conjungados como vai, saia etc.
Antes de expormos os resultados obtidos a partir do fator contexto fonológico
precedente e seguinte, temos que ressaltar que estamos considerando apenas o ponto de
articulação. Tal decisão é decorrente do fato de as pesquisas apontarema influência destes
fatores na redução dos ditongos decrescentes. Acreditamos que, em nossos dados, praticamente
todos os segmentos precedentes e seguintes aos ditongos decrescentes podem favorecer à
redução. Confiramos os resultados nos gráficos a seguir:
Gráfico 2: Influência do fator cont. fonol. precedente na monotongação de ditongo decrescente

No Gráfico 2, observamos que os ditongos decrescentes quando estão antecedidos de


segmentos alveolar (38%) e alveopalatal (7%) monotongam menos. Ao contrário dos
segmentos palatal (100%) e glotal (100%) que faroreceram a monotongação dos ditongos
decrescentes. Nos trabalhos consultados, vimos que os ditongo decrescentes podem ser
reduzidos quando a vogal que acompanha a semivogal é a vogal /o/ ou /e/ (RIBEIRO, 1990;
CARVALHO, 2007), assim como pelos segmentos alveolar e velar (LOPES, 2002), fato que
também foi constatado na presente pesquisa.
Os resultados evidenciaram que, praticamente em todos os contextos seguintes ao
ditongo houve o favorecimento da monotogação dos ditongos decrescentes (Gráfico 3),
principlmente nos contextos de segmentos alveolar (97,7%), bilabial (95,3%) e ausência de
segmento (94%). Portanto, não há influência na redução dos ditongos apenas os seguimentos
vogal (37%) e alveodental (48,5%).

Gráfico 3: Influência do fator cont. fonol. posterior na monotongação de ditongo decrescente


Os nossos resultados são semelhantes aos obtidos por Ribeiro (1990) Lopes (2002)
Carvalho (2007) Bassi e Mozer (2014) e Freitas (2017), em que os segmentos posteriores
alveopalatais, tepe alveolar, velares, bilabiais, labiodentais favoreceram a monotongação dos
ditongos decrescentes, ou melhor, o suprimento dos glides /w/ e /j/ presentes nos ditongos.
Com base nos estudos desenvolvidos, a nossa hipótese é que quanto menor for a
palavra maior é a possibidade de monotongação. Através do Gráfico 4, constatamos que o fator
polissílabo não favoreceu a monotongação dos ditongos decrescentes /aj/, /ej/ e /ow/, porque
apenas 44% dos dados foram monotongados. Em contrapartida, os indíces mais altos de redução
estão nos fatores monossílabo (96, 3%) e monossílabo não canônico (100%), como quando
“estou” reduz a “tou” na fala oral.
Percebamos que o alto indíce de monotongação no fator monossílabo deve-se somente
ao ditongo decrescente /ow/, já que em nossa amostra excluímos os monossílabos de /aj/ e /ej/,
como em “vai” e “sei”, em que o ditongo não é reduzido. Observemos também que o percentual
de monotongação foi categórico nos dados de monossílabo não canônico. Salientamos que
apenas nosso trabalho controlou essa diferença entre os fatores monossílabo e monossílabo não
canônico.

Gráfico 4: Influência do fator extensão da palavra na monotongação de ditongo decrescente

Além disso, o nosso resultado a respeito do fator extensão da palavra coaduna com os
resultados obtidos por Freitas (2017) e Araújo et. al. (2019), mostrando que quanto menor o
número de sílabas mais chances de ocorrer a monotongação. No estudo de Bassi e Mozer
(2014), a maior frequência de monotongação foi nos dissílabos, com percentual de 65%. Dessa
forma, a nossa hipótese para os ditongos decrescentes foi confirmada, já que os maiores índices
de monotongação foram nos contextos dissílabo, monossílabo e monossílabo não canônico.
A nossa hipótese para a variável tonicidade era que os ditongos decrescentes se
reduziriam mais em contexto tônico (ficou) do que em pretônico (dourar) e postônico
(vivência), como alcançado por Carvalho (2007). Os nossos resultados evidenciaram que os
ditongos decrescentes estão mais propensos à redução quando eles ocupam o contexto tônico
da palavra, com 70, 2% de reduções, como revelam os dados no Gráfico 5:

Gráfico 5: Influência do fator tonicidade na monotongação de ditongos decrescentes

Já em contexto postônico apenas 50% dos ditongos decrescentes foram reduzidos,


vemos que este fator não se mostrou condicionante nem inibidor do processo de apagamento
da semivogal dos ditongos. Ao contrário do contexto pretônico que se mostrou desfavorecedor
da monotongação, apresentando apenas 43,8% de dados reduzidos. Assim, vemos que a nossa
hipótese levantada para os ditongos decrescentes foi confirmada.
Os nossos resultados corroboram com os resultados obtidos por Carvalho (2007);
Cristofolini (2011) e Freitas (2017), em que o fator tônico foi tido como favorecedor da
monotongação, com percentuais acima de 70% de redução em cada um deles. Entretanto, nosso
resultado diverge do resultado obtido por Rosa (2017), pois o fator pretônico foi mais relevante
no estudo dessa autora, com 76% dos dados monotongados.

VARIÁVEIS SOCIAIS

As variáveis sociais controladas foram: sexo, deslocamento e período de curso. Para a


variável sexo, tínhamos como hipótese que as mulheres monotongariam menos os ditongos
decrescentes do que os homens, como evidencia o estudo de Carvalho (2007). No entanto, os
resultados no Gráfico 6, evidenciam-nos que 63,1% das mulheres utilizaram à forma
monotongada enquanto, com um percentual um pouco maior, 68,3% dos homens utilizaram à
forma reduzida dos ditongos.
Gráfico 6: Percentual de monotongação de ditongo decrescente segundo o fator sexo

Notemos que a diferença percentual de ambos os sexos não é muito alta, entretanto,
ainda sim vemos que os homens monotongaram mais que as mulheres. Mas cabe ressaltar que
as mulheres não se mostraram inibidoras do processo de monotongação, apenas demonstraram
monotongar menos que os homens. Dessa forma, a nossa hipótese foi refutada já que a diferença
percentual de monotongação entre homens e mulheres não foi significativa. Os nossos
resultados são divergentes dos obtidos por Carvalho (2007), que constatou que as mulheres
monotongaram mais, com 72% de monotongações.
Em relação à variável deslocamento social, tínhamos como hipótese que os estudantes
do deslocamento II monotongariam mais os ditongos decrescentes do que os estudantes do
deslocamento I e III, por acreditarmos que os estudantes que vão para Itabaiana e voltam para
suas cidades acabam construindo/mantendo maior contato com as pessoas que estão ao seu
redor, na sua cidade de origem. Diante disso, observemos os resultados no Gráfico 7 a seguir:

Gráfico 7: Influência do fator deslocamento na monotongação de ditongo decrescente

Os dados relevam-nos que a aplicação da regra de monotongação foi favorecida nos


três tipos de deslocamento social controlados, sobretudo, no deslocamento III, com 66, 3% das
reduções. O percentual de apagamento dos ditongos decrescentes nos deslocamentos I e II são
aproximados, com 65, 3% e 65, 4%, respectivamente. Diante disso, a nossa hipótese foi
refutada, visto que nos três tipos de deslocamentes houve predomínio da monotongação e a
diferença de redução entre os três contextos são mínimas.
Nossa hipótese para a variável período de curso era que os estudantes que estão na
fase inicial do curso monotongariam mais os ditongos decrescentes do que aqueles que estão
no meio ou no final do curso. Isso porque, ao longo da graduação, o estudante acaba tendo um
contato maior com a língua escrita padrão.

Gráfico 8: Influência do período do curso na monotongação de ditongo decrescente

Assim, através do Gráfico 8, vemos que a monotongação foi aplicada tanto pelos
estudantes de início de curso quanto pelos estudantes do meio e final de curso, com percentuais
acima de 60% de apagamento da semivogal dos ditongos. Observemos que os ditongos foram
mais reduzidos entre os estudantes de final de curso, embora o percentual de monotongação nos
três contextos sejam aproximados.
Diante dos resultados, a nossa hipótese não foi confirmada, pois esperávamos que os
estudantes do início do curso aplicassem mais a regra de redução nos ditongos decrescentes. Os
resultados que alcançamos não são condizentes com os de Lopes (2002), Carvalho (2007),
Freitas (2017) e Rosa (2014), uma vez que, nos estudos destas autoras, os indivíduos com menos
escolaridade monotongaram mais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em nosso corpus, de modo geral, constatamos que, dentre os ditongos decrescentes, o


ditongo /ow/ foi o mais reduzido pelos estudantes. Em relação às variáveis linguísticas,
observamos que, quando os ditongos decrescentes são seguidos de fatores vogal e alveodental,
estes elementos não favorecem a regra de redução da semivogal dos ditongos. Do mesmo modo
quando os fatores que precedem os ditongos são alveopalatal e alveolar, pois acabam inibindo
o processo de monotongação. Além disso, constatamos que, no que diz respeito a classe de
palavra, apenas os fatores interjeição, substantivo e adjetivo inibiram o processo de
monotongação dos ditongos, e que quando o ditongo está em contexto tônico, o processo de
monotongação é aplicado mais facilmente. No que diz respeito às variáveis sociais, constatamos
que elas não exerceram tanta influência, afinal vimos que, em todos os fatores sociais, a
aplicação da monotongação foi superior à de não monotongação. Esses resultados evidenciam
que o fenômeno da monotongação é recorrente, mesmo em uma amostra com informantes de
nível superior, e que é condicionado, principalmente, por fatores linguísticos.

REFERÊNCIAS

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TECNOTRILHOS - JOGO HISTÓRICO DE TABULEIRO E TRILHOS
AERODINÂMICOS

Autor: Julia Beatriz Silva Vicente Chaves


Graduanda em História pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PIBITI/UFS/CINTTEC
juliab.chaves@outlook.com

Orientador: Prof.ª Dra. Janaina Cardoso de Mello (ProfHistória/DHI-UFS)

Introdução

A partir da revolução industrial, as máquinas a vapor ganharam notoriedade no espaço


europeu, no entanto, apesar de temporariamente apresentarem destaque no cenário brasileiro,
com o tempo, as ferrovias entraram em desuso, resultando no abandono das linhas férreas. De
modo similar, a educação, no Brasil, é um fator que, por muitas vezes, é desconsiderada e
desprezada, assim, é possível analisar o ensino da História de Sergipe, em foco a dos Bairros
de Aracaju e do Patrimônio Cultural da região, como decadente por não existir um método de
aprendizagem que gere interesse, logo, coloca-se em risco a existência da cultura e da sabedoria
sobre esse espaço.

Nesse contexto, o Jogo de Tabuleiro que será desenvolvido unirá as duas situações, o
descaso com a malha ferroviária e com a história sergipana para promover um ensino lúdico e
atrativo nas escolas, porém, anteriormente, é necessário apresentar o decorrer desses processos
de modo que exista assimilação de como o descaso foi promovido pela sociedade de maneira
quase imperceptível, já que, hoje em dia, dificilmente existe uma preocupação demasiada com
esses polos em Sergipe e, até mesmo, no Brasil.

Portanto, o proposto nesse trabalho envolve a explicitação da elaboração do projeto


TecnoTrilhos, um Jogo de Tabuleiro Histórico, que cerca e produz a necessidade de evidenciar
e de expor a História dos Bairros de Aracaju e do Patrimônio Cultural para perpetuar a cultura
e a história como meio de referência para jovens e para crianças, produzindo um meio social
apto sobre o que precede sua vivência.
Da Revolução Industrial à Revolução Rodoviária

A Revolução Industrial foi responsável por modificar todo o cenário conhecido até o
século XVIII, a partir disso, criações inovadoras começaram a, de fato, revolucionar a produção,
a comunicação e a locomoção. Desse modo, uma das inovações de maior destaque na época,
assim como de importância social e econômica, foi a invenção da máquina a vapor, isto é, um
aparelho que transformaria a energia térmica em energia mecânica. Logo, com o passar do
tempo, diante do aprimoramento das técnicas, as malhas ferroviárias faziam parte do âmbito
social para o transporte de mercadorias e de pessoas, com mais facilidade e mais rapidez,
consequentemente, é possível afirmar que o surgimento da Máquina a Vapor foi crucial para o
conhecimento sobre as Ferrovias.

Durante muito tempo, as ferrovias, em todo o mundo, foram importantes, pois era a
forma mais eficaz de transporte, visto que a locomoção poderia ser feita em larga escala e em
um tempo reduzido. Por sua vez, no século XIX, o Irineu Evangelista de Sousa (1813-1889),
mais conhecido como Barão de Mauá, que era banqueiro e diplomata, mas também um homem
que se dedicava ao meio industrial, trouxe ao Brasil as ferrovias, a partir de um investimento
particular, em consequência, foi o responsável por construir cerca de 10 mil quilômetros de
malha ferroviária no país. Nesse sentido, no mesmo século, a ferrovia sergipana foi projetada,
porém concluída apenas no século seguinte pela Ferrovia do Leste Brasileiro de uma
Companhia Belga (WYNNE, 1970).

No entanto, a malha ferroviária foi rapidamente desvalorizada devido ao ciclo da


borracha e ao incentivo estadunidense para a criação de rodovias, apesar disso, as ferrovias
continuaram ativas, apesar de não existir a mesma visibilidade, até recentemente. Nesse sentido,
ainda hoje, existem estações e trilhos abandonados pelos bairros de Aracaju, consequentemente,
existindo uma decadência, assim como marginalização desses espaços que são carregados de
história. De todo o modo, a decadência das ferrovias em Sergipe decorre do desinteresse que
envolve o meio de transporte ferroviário, após o ciclo da borracha e a criação das rodovias, o
principal meio de transporte de mercadorias concentra-se no uso de caminhões, sendo assim, é
notório compreender que a mudança dos artifícios de transporte é, possivelmente, inviável.
Contudo, é possível existir uma apropriação desse símbolo extremamente importante para a
formação urbana e, até mesmo, cultural sergipana para a melhor compreensão sobre a História
de Sergipe, visto que existe uma dificuldade considerável relacionada ao ensino e à
compreensão sobre a história do povo sergipano, tal qual à deslegitimação do espaço ferroviário
do estado.

O Ensino no Brasil

O processo de ensino no Brasil foi iniciado no período colonial, a partir da chegada dos
jesuítas, apesar de não ter uma ampla similaridade para com a base de ensino e de aprendizagem
que vigora atualmente, não se pode negar que inicialmente a educação era baseada na conversão
de nativos à religião católica, pois assim seriam civilizados. Com o passar do tempo, diante da
chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil, elevando o território ao título de Reino Unido
de Portugal e Algarves, são criadas instituições de ensino superior, ou seja, as universidades,
por sua vez, a questão que envolve a educação foi um dos grandes pontos de preocupação do
D. Pedro II, enquanto a Educação Básica fica a cargo dos padres.

De todo o modo, o Império Brasileiro começou o processo de marcha pela educação,


porém não voltada para a massa populacional (o movimento que propõe o ensino às massas foi
a Ditadura Militar, entretanto não correspondeu as supostas expectativas), ou seja, a Educação
era extremamente elitista, por exemplo, existia o Instituto das Aulas Régias que eram aulas
específicas para Elite da Sociedade, logo, é possível verificar uma similaridade com a Educação
Jesuítica, isto é, existia uma necessidade de manter um padrão de pessoas que atendam às
necessidades do Imperador, consequentemente, não existia uma preocupação para a formação
de cidadãos com pensamento crítico, mas baseada na situação prática de oferta e de demanda.

Com a chegada da República, em 1889, existe um início de formação da educação básica


de fato com a utilização do ensino seriado e dos grupos escolares, porém, em fase inicial, não
houve demasiada preocupação em expandir o ensino público, na realidade, o interesse estava
voltado para espalhar a educação base com o ímpeto de elitização, nesse sentido, havia um
grande investimento sobre a educação, porém direcionado à elite social. Em contrapartida,
ainda dentro dos primeiros anos da República, houve o surgimento do Escolanovismo, um
movimento pedagógico que visa combater a pedagogia cientificista, isto é, rompendo com os
padrões de ensino técnico, que apresentava um ensino regular e metódico para todas as pessoas,
no entanto, não foi um movimento que vigorou por muito tempo

Já no Período da Era Vargas, com a Revolução de 30, ocorreu um processo de


modernização capitalista e conservação política da sociedade brasileira. Assim sendo, houve
uma presença no Escolanovismo maior nas universidades, além de uma reforma do ensino
secundário e superior. Porventura, as modificações ocorreram para universalizar a educação
para que os trabalhadores possuíssem o mínimo de conhecimento para serem competentes no
meio industrial, ademais, para conformar uma identidade nacional pautada na união e no
patriotismo. Nesse contexto, o período varguista procede uma encarnação de uma aplicação do
ensino técnico para o proletariado brasileiro, para o trabalho manual em fábricas e em
indústrias, mas a elite social perpetua-se em universidades que confirmam seu poderio na
sociedade. Logo, não existe, de fato, uma ampliação de direitos voltados as minorias sociais,
na realidade, existem uma mudança aparente no cenário, ou seja, o Vargas conduzia uma
manipulação do âmbito social para manter o povo ameno sobre o que acontecia sobre o meio.

No Regime Militar, existia um problema crônico, o qual houve uma distribuição de


Educação para todos, no entanto, os investimentos daquele momento eram exatamente iguais
do período inicial, ou seja, não havia qualidade no ensino naquele momento, gerando falta de
escolas e de professores. Por sua vez, coincide com o fator da censura, já que o sujeito não
possui possibilidade de divergir com o sistema vigorante no meio. Além disso, foi fato no Brasil
até a década de 1990 a obrigatoriedade da educação “moral e cívica” embargado de doutrinação,
como pauta de ensino de heróis pátrios, de hino nacional e outros componentes.

Desse modo, é possível compreender Sergipe dentro de todo esse processo de ensino
brasileiro, de todo modo, a Educação em Sergipe sobre a própria história é falha, na realidade,
quase inexistente. Por sua vez, ao estudar essa temática existe um grande empecilho,
promovendo uma sociedade que desconhece suas origens e sua realidade, não sendo difícil
encontrar pessoas que não apresentam compreensão sobre a história que cerca os seus bairros
e sua cidade. Portanto, o projeto de educação brasileira promove a desventura da classe
trabalhadora, pois, apesar do tempo, ainda é uma educação elitista, visada para uma preparação
técnica, assim como uma forma de doutrinação cultural, social e política. A partir disso,
compreende-se um cenário caótico que reverbera diante das desigualdades sociais inerentes no
território brasileiro, o ensino no Brasil sempre foi desvalorizado, logo, é cabível constatar que
o ensino brasileiro é falho.

Junção entre o Ensino da História e as Ferrovias


Com base no que já foi exposto, é perceptível que vigora, hoje em dia, um cenário de
descaso com a malha ferroviária sergipana, assim como uma dificuldade quanto ao ensino da
História de Sergipe nas instituições de ensino. Desse modo, a deficiência em relação à
aprendizagem dessa área do conhecimento pelo próprio povo sergipano revela uma situação
que evidencia uma problemática que expõe ao risco a cultura sergipana. Nesse contexto, torna-
se urgente a necessidade de encontrar meios que verifiquem a capacitação do ensino da História
de Sergipe.

Assim, ao analisar o âmbito social da atualidade, é perceptível um cenário que


compreende a necessidade de uma atratividade, como característica principal e crucial para
vigorar na sociedade. Porventura, o Ensino da História de Sergipe poderá ser desenvolvido de
forma mais eficaz, isto é, providenciando maior interesse, através da apropriação de
movimentos lúdicos. Por sua vez, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio promovem
essa ideia, tal qual:
“Os jogos e brincadeiras são elementos muito valiosos no processo de apropriação do
conhecimento. Permitem o desenvolvimento de competências no âmbito da
comunicação, das relações interpessoais, da liderança e do trabalho em equipe,
utilizando a relação entre cooperação e competição em um contexto formativo.”
(BRASIL, 2006)

Com base nisso, torna-se plausível o desenvolvimento de um jogo que envolva as


necessidades e que, consequentemente, atribua os meios que cercam a humanidade hoje em dia.
Ou seja, a construção e a aplicação da ideia do TecnoTrilhos envolve, basicamente, todos os
alicerces que demandam deficiência, mas também que poderá ser produzido através do que o
espaço permite. Com isso, o projeto do TecnoTrilhos consiste na criação de um Jogo de
Tabuleiro, assim como, nesse processo existirá a união da malha ferroviária de Aracaju, do
ensino da História dos Bairros e Patrimônio Cultural de Aracaju e de princípios básicos da
robótica.

Em vista disso, a interligação entre esses meios ao gerar o produto, ou seja, o Jogo de
Tabuleiro, possivelmente, providenciará e permitirá um ensino extremamente lúdico e
divertido, mas também, acima de tudo, informativo. Nesse contexto, será possível atrair a
atenção daqueles que jogam sobre o assunto abordado, em consequência, o Jogo possibilitará o
aprendizado sobre essa história, permitindo com que a cultura desses bairros permaneça viva.
Metodologia

De certo modo, é importante atentar para o processo de desenvolvimento do projeto que


envolve etapas de fundamental importância para o transcorrer da criação do Jogo de Tabuleiro.
Em vista do que foi evidenciado, urge a necessidade de capacitação tecnológica, pois é de
notoriedade que um dos fatores primordiais para a elaboração do projeto envolve a criação de
uma malha ferroviária dentro do jogo, consequentemente, existindo a necessidade do uso de
técnicas de robótica para o funcionamento correto da locomotiva e dos sensores, pois é
imprescindível o estabelecimento correto desse setor para que o ensino da História dos Bairros
e do Patrimônio Cultural de Aracaju ocorra com eficácia.

Além disso, é necessário a elaboração do tabuleiro de modo geral, acarretando o design


e os trilhos atrelada à processo de pesquisa de dados em arquivos e em hemerotecas, para
designação das informações de forma verídica e autêntica. Ademais, seguindo o trâmite
processual, será imprescindível a criação, assim como a alimentação do banco de dados com as
informações adquiridas e transmitidas para a produção de QR Codes. Dentro desse aspecto, a
programação tecnológica será aplicada e interiorizada dentro do Jogo, possibilitando a
finalização do processo de desenvolvimento do Jogo de Tabuleiro. Logo após, o Jogo de
Tabuleiro estará pronto para a aplicação em escolas, sendo assim, um teste funcional será
realizado, para caso exista necessidade de reajustes sobre o esquema de transmissão das
informações, de todo o modo, com o sucesso iminente do projeto, existirá a elaboração de
relatório de solicitação de patente.

Conclusão

Portanto, é plausível a constatação que a produção do Jogo de Tabuleiro irá promover


um ensino qualificado que, por muito tempo, foi desvalorizado no território sergipano. Assim,
a criação e o desenvolvimento do Jogo de Tabuleiro, com base em uma realidade que sustenta
a necessidade de explicitação compreensível da História dos Bairros e do Patrimônio Cultural
de Aracaju, apresentará a exposição dos principais pontos da malha ferroviária da capital do
estado de Sergipe, utilizando elementos básicos da robótica, a fim de constituir a locomotiva e
os sensores que passarão a efetivar a história a ser ensinada.
Por isso, existirá uma delimitação sobre o ensino e o aprendizado que irá perpassar
antecipadamente pelo processo de desenvolvimento por etapas desse projeto, tal qual a criação
e o levantamento de dados, assim como, produzir o desenho industrial inovador para o Jogo de
Tabuleiro, além dos trilhos e da locomotiva. Por fim, a produção de uma logo que reverbere a
identidade visual do jogo, possivelmente, estimulando a sua jogabilidade e a sua capacidade de
aprendizagem inerente.
Em síntese, foi possível compreender o processo de desenvoltura tanto ferroviário,
quanto educacional em Sergipe, possibilitando o entendimento sobre a falha e a desvalorização
atual sobre esses dois aspectos. Desse modo, o projeto tende a expor a necessidade de um ensino
cada vez mais eficaz, buscando a modificação simbólica sobre o modelo de aprendizado arcaico
que está imposto a sociedade e, consequentemente, aos jovens que estão em formação. Por fim,
a ludicidade inerente aos jogos, será capaz de utilizar dos aspectos Escolanovismo que foi
desprezado pelas instituições de ensino, porém bastante eficiente.

Referências

WYNNE, José Pires. História de Sergipe (1875-1930). Rio de Janeiro: Pongetti, 1970.

SOUZA, V.A. Ferrovias Brasil com uso de Arduino. Cerne-Tec, 2018.

ALMEIDA, Anne Emilie Souza de. A história da educação em Sergipe: os estudos sobre os
grupos escolares. Associação Nacional de História, 2014. Disponível em:
http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/37/1407205995_ARQUIVO_artigosobreosgru
posescolaresdesergipe.pdf. Acesso em: 17 de set. de 2019.

NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. Revista Brasileira de História da


Educação, 2001. Disponível em:
http://www.portal.fae.ufmg.br/pensareducacao/downloads/resenhas/edusociedade.pdf. Acesso
em: 17 de set. de 2019.

CLIOCAST: Breve História da Educação (Parte 01). [Locução de]: Bruno Rosa; Monica
Tortorette; Gustavo Nalva. [S.I]: Spotify, 7 de ago. de 2019. Podcast. Disponível em:
https://open.spotify.com/episode/3HmLeGQig4TimuCSouqRmo. Acesso em: 18 de set. de
2019.
ASPECTOS ARGUMENTATIVOS E PERSUASIVOS DEPREENDIDOS DE VÍDEOS
DA YOUTUBER JOUT JOUT

Autor (a): Rejane Souza Santos


Graduanda em Letras Universidade Federal de Sergipe
Bolsista Voluntário (PICVOL)
rejsstos@hotmail.ccom

Coautor: Ednalva Bezerra da Silva Teixeira


Graduanda em Letra-Português e Francês
Universidade Federal de Sergipe
Bolsista Voluntário (PICVOL)
ednalvabst@hotmalil.com

Orientador (a): Isabel Cristina Michelan de Azevedo (DLEV/UFS)

Introdução

Ao longo dos séculos, a argumentação vem sendo estudada desde a Antiguidade grega,
período em que estava associada a diferentes campos de conhecimento. No final do século XIX,
no entanto, a retórica passou por uma inversão de valores, pois os discursos começaram a ficar
vazios, sem vínculo verossímil e com apreciação negativa. Dessa forma, a Retórica, passou a
ser inerente a todo discurso que “incialmente foi pensada como componente dos sistemas
lógico, retórico e dialético, conjunto disciplinar cuja desconstrução foi completada no fim do
século XIX” (PLANTIN, 2008, p. 8).
Atualmente, os estudos sobre argumentação passaram a ser realizados em diversos
campos, como, por exemplo, no âmbito escolar, informalmente, quando um estudante questiona
um professor e tenta persuadi-lo para aumentar sua nota ou quando tem a oportunidade de
participar formalmente de um debate acerca de algum problema de interesse coletivo. Assim,
notamos que a argumentação está presente em casa, nas relações cotidianas, institucionais,
como na política, sempre quando há abertura para dúvidas e conflitos.
Consideramos, então, argumentar um processo discursivo que pode ser representado
como uma espécie de “antifonia”, isto é, o discurso é construído e pode ser desconstruído por
um discurso contrário, mas, esse discurso não se encontra subordinado à noção de verdade
proposicional, e sim aos enunciados que são aceitos e que interpelam o auditório, conforme se
encontra formulado pela a Nova Retórica. Diante da complexidade desse processo e da
abrangência das temáticas que podem ser colocadas em discussão, a argumentação acabou
sendo investigada por diversas áreas do conhecimento, como direito, sociologia, filosofia, entre
outras, e tem interessado pessoas vinculadas à academia, às empresas, às escolas da educação
básica etc.
Neste trabalho, analisaremos, à luz das dimensões da argumentação, conforme Grácio
(2013), Azevedo e Santos (2018), dois vídeos do YouTube que são destinados a diversos
públicos e que fazem sucesso nos dias atuais (É OBVIO QUE VOCÊ TÁ ANSIOSO, 2017 e
EEEEEEEE ERRINHOS, 2018) da Youtuber Jout Jout, para compreender como um recurso de
comunicação aberto ao público em geral materializa aspectos da argumentação na vida.
Também iremos nos guiar pelas reflexões de Azevedo e Santos (2018) e Plantin (2008) que nos
permitem reconhecer algumas características das dimensões interacionais, retóricas e afetivas,
presentes na composição de vídeos de youtubers, que se destacam nessa plataforma, além de
discutirmos como de fato os vídeos podem persuadir seus seguidores, fazendo-os mudar de
ideias, crenças e opiniões a partir das interações em um ambiente digital.

1. Fundamentação teórica

1.1. Interatividade

O espaço virtual nos últimos anos tem demonstrado um aumento crescente de brasileiros
adeptos ao mundo interativo das conexões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), cerca de 64,7% da população estão conectados. Atualmente, tornou-se um
dispositivo em constante eclosão, o que tem modificado o cotidiano do corpo social, sua
evolução tecnológica tem contribuído para o avanço do indivíduo culturalmente, gerando uma
série de transformações que levaram a sociedade à sua configuração atual.
Observando como as mídias contribuem de forma facilitadora para os internautas
discutirem diferentes questões, notamos que muitas vezes são usadas para difundir temáticas
inovadoras. Levando em conta esses novos caminhos, o ato de registrar imagens e cenas
ganham abordagens eloquentes e registram a argumentação persuasiva, evocando o uso de
dinâmicas discursivas e dialógicas. Assim, neste trabalho, resolvemos seguir as indicações de
Grácio (2013, p. 38, destaques do autor):
[...] secundarizei a análise dos fenômenos argumentativos enquanto
produtos de linguagem analisáveis por si mesmo e coloquei no centro
das situações argumentativas a dinâmica interativa em que os
argumentos e as argumentações devem não só ser percebidas em tensão
com outras argumentações e argumentos como também enquanto
moldados pela situação específica em que ocorrem.

Analisar a “dinâmica interativa” da argumentação é importante porque desde a época


dos antigos gregos até o século XIX acreditou-se no mundo ocidental que pessoas consideradas
com um alto poder aquisitivo poderiam se especializar na retórica, isto é, a arte do bem falar.
Apesar de a retórica não ser uma prática limitada aos intelectos habilidosos que declaram dar
continuidade à eloquência como ofício, pode ser reconhecida dentro de uma tradição intelectual
que ofertou técnicas convencionais estabelecidas, visando à consolidação de práticas de
expressividades inferidas no campo comunicativo.
Nos dias atuais, observamos que os clássicos livros sobre retórica têm sido retomados
como meios educativos na interdisciplinaridade do ensino-aprendizagem da argumentação, por
isso enfatizaremos a necessidade de conhecer bem essas fontes, pois, ao analisá-las, iremos
identificar paralelos alinhados à realidade comunicativa, na articulação entre a argumentação e
a retórica na contemporaneidade. Dessa forma, permanece relevante a leitura de autores da
antiga tradição retórica por permitir compreender melhor que se passa na contemporaneidade.

1.2. Uma abordagem teórica da argumentação

A retórica vem se propagando nos moldes teóricos e práticos há muitos séculos e ainda
desperta a atenção das pessoas interessadas em teorias comunicativas. Nos últimos tempos, a
palavra retórica vem aparecendo com mais frequência, na medida em que, indivíduos
conectados no mundo virtual começam a fazer comparações de discursos, com elementos
simbólicos expressivos da participação na vida comum. Segundo Grácio (2013), a questão de
fundo é o da decisão teórica implicada na forma de conceber a articulação entre os planos
lógicos, argumentativos e retóricos.
Para esse autor, o discurso é sempre dialógico ao passo que está manifestado com grande
exatidão nas formas retóricas, apesar de ser considerado como conduta formal, podemos
avançar no caminho oposto para apresentar como a veracidade do mundo extrínseco coopera
com a significação dos processos comunicativos. De acordo com Azevedo e Santos (2018, p.
66):
[...] uma ação de linguagem que remete a uma oposição discursiva –
gerando interdependência entre os sujeitos em função da polarização
das posições enunciativas – [...] possibilita uma expressão discursiva
que representa um acontecimento particular, marcado historicamente e
pelas relações de poder estabelecidas socialmente.

Com base nessa noção de linguagem argumentativa, observamos que os conteúdos e


valores argumentativos estão ligados às discordâncias, que são produtivas na retórica do
cotidiano. Assim, “acredita-se que a proporção de confronto, de jogo entre discursos e contra
discurso, que aponta a simetria intrínseca entre argumentação e estratégia, não obscurece nem
dissocia da retórica” (GRÁCIO, 2013, p. 28). Pelo contrário, a argumentação torna-se a
disciplina crítica de leitura e interação entre as perspectivas inerentes à discursividade, na qual
a divergência permite aos argumentadores tematizar pontos específicos ligados a um assunto
em questão, em alinhamento com Grácio (2013, p. 47).

2. Metodologia

A fim de realizar um estudo exploratório que favoreça o aperfeiçoamento entre o


pesquisador com o objeto a ser pesquisado, optou-se por realizar uma pesquisa bibliográfica e
documental que tem “[...] como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta
de intuições” (GIL, 2002, p. 1). Assim, este estudo busca trazer questões sobre o tema a ser
trabalhado, oferecendo às investigadoras os meios para identificar os aspectos que serão
executados durante a pesquisa.
A partir dessa concepção, neste trabalho, buscamos observar um objeto de estudo, o
canal do YouTube “Jout Jout Prazer”, com o objetivo de averiguar como o meio audiovisual é
capaz de persuadir seus seguidores fazendo-os mudar de opiniões. Também foram realizados
levantamentos bibliográficos que colaboraram com as análises para que pudessem contribuir
com a discussão da problemática proposta pelo canal.
Para compreender de maneira eficaz o assunto a ser analisado, esta pesquisa se baseia
em uma abordagem qualitativa. “A análise qualitativa depende de muitos fatores, tais como a
natureza dos dados coletados, a extensão da amostra, os instrumentos de pesquisa e os
pressupostos teóricos que nortearam a investigação” (GIL, 2002, p. 133).
Dessa forma, a partir da pesquisa documental pretende-se compor uma análise dos
mais diversos materiais e formatos, e, é por meio dela que poderemos identificar, checar e
analisar o material escolhido para pesquisa, visto que
[...] na pesquisa documental, as fontes são muito mais diversificadas e
dispersas. Há, de um lado, os documentos "de primeira mão", que não
receberam nenhum tratamento analítico. Nesta categoria estão os
documentos conservados em arquivos de órgãos públicos e instituições
privadas, tais como associações científicas, igrejas, sindicatos, partidos
políticos etc. Incluem-se aqui inúmeros outros documentos como cartas
pessoais, diários, fotografias, gravações, memorandos, regulamentos,
ofícios, boletins etc (GIL, 2002, p. 46).

Como os vídeos coletados são documentos “de primeira mão”, aprofundar as


características da pesquisa documental foi essencial para a escolha dos dados, pois por meio
dela foi possível checar os recursos oferecidos constituir a análise.
Em relação à seleção dos vídeos, no primeiro momento, partimos dos canais
encontrados no YouTube. A coleta dos vídeos foi realizada entre os dias 29 a 31 de agosto de
2019. Em seguida, foi feito a seleção dos vídeos baseados no critério de inclusão e exclusão
de temáticas que abordassem aspectos atuais direcionados aos aspectos afetivos. Optamos por
este critério, pois permite observar as relações entre os aspectos individuais e retóricos. Após
o levantamento e escolha dos vídeos, partimos para a sistematização e categorização,
conforme o objetivo da pesquisa em curso, buscando conhecer os aspectos argumentativos e
persuasivos envolvidos nos discursos em circulação no ambiente digital.

3. Análises
Com base nos aspectos selecionados para esta pesquisa, foi identificada a importância
em analisar as transformações sociais que os recursos digitais podem provocar no auditório
(público-alvo do canal do YouTube). De modo que serão considerados como suportes que
contribuem para as relações sociais no âmbito informativo, educacional e afetivo. Um dos
critérios atribuídos para esta análise foi a escolha de um vlogueiro que tivesse um número
significativo de seguidores e visualizações expressivas. Outro ponto levado em conta foi se as
temáticas abordam a diversidade e a inclusão, em função das características próprias do meio
digital.

Análise 1: É óbvio que você tá ansioso


O YouTube possibilita aos internautas acesso a diversas temáticas por meio de
visualizações e compartilhamento de vídeos que favorecem a interação social. O vídeo “É óbvio
que você tá ansioso”, a ser analisado, foi publicado em 09 de maio de 2017, com duração de 7
minutos e 1 segundo. A partir desse material será possível observar os aspectos argumentativos
e persuasivos construídos pela Youtuber “Jout Jout” ao argumentar em torno de conteúdos
escolhidos especificamente para um sujeito alvo que se identifica com o canal e a temática.
Figura 1 – Ansiedade em pauta

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=vLI_Dn258ug&t=323s

Na primeira parte do vídeo, a oradora apresenta os argumentos que fundam a


estrutura da realidade do ansioso, utilizando ilustrações de atitudes que uma pessoa ansiosa
costuma ter diante de mundo cheio de cobranças e comparações. Ela constrói analogias que
aproximam seu raciocínio de situações de sua própria realidade, que podem ser identificada
pelo auditório. Jout Jout recorta para seu auditório diversas situações ligadas às experiências
vividas por ela e por uma boa parte da sociedade, como “ter um namorado”, “fazer uma
faculdade”, “ter emprego”, “ganhar bem”, “ajudar o próximo” entre outros. Essas informações
são passadas verbalmente e de forma gestual e expressiva de maneira a intermediar o assunto
em discussão, isto é, a oradora destaca quais serão suas ações no discurso, tentando estabelecer
de imediato um contato com o seu auditório empregando a figura de comparação
intencionalmente para reforçar seu objetivo. Ela, portanto, direciona o auditório para as
informações que importam em seu discurso com intuito de persuadir seus seguidores ao aceitar
sua fala.

Figura 2– Realidade em comum


Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=vLI_Dn258ug&t=323s

Na segunda parte, a oradora faz referência de um amigo ao indicar um “ser ansioso”,


como uma forma de ilustração para reforçar sua ideia, dentro da área em que constrói seu
discurso, ou seja, em relação às expectativas que nos cercam o tempo todo. A oradora utiliza,
nesta parte do vídeo, a seguinte expressão “Se você tá ansioso, trata isso, no nível
pesadão...Vamos falar com um psicólogo”, este argumento usado por Jout Jout, faz remissão a
um discurso científico para compor um argumento de autoridade em favor da tese que ela
pretende defender diante de seu auditório, além de apontar o caminho que se deve seguir, caso
as “expectativas” não estejam controladas quando não se quer gerar mais ansiedades.

Figura 3 – Padrões

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=vLI_Dn258ug&t=323s

Na terceira parte do vídeo, a oradora aponta situações em relação à insatisfação dos


padrões de beleza “a vida inteira você recebeu estímulos de todo os lugares para você ficar
insatisfeita com o seu corpo”. A partir desse questionamento, Jout Jout destaca fatos que
justificam a não aceitação do corpo, mostrando que isso ocorre de forma intencional, o que leva
o auditório a entender as causas para que o padrão do corpo ideal prevaleça: “Olha os clipes da
Britney Spears e Jhenifer Lopes, a barriga delas era a que eu queria”. Dessa forma, ela determina
o efeito e a apreciação dos fatos, referente aos padrões de beleza, ainda existentes na sociedade,
tentando relacionar uma situação particular com a persistência de padrões na sociedade.

Figura 4– Expectativas

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=vLI_Dn258ug&t=323s

Nos minutos finais do vídeo, a oradora propõe aos seus seguidores um argumento
pragmático, levando em consideração o que é favorável ou desfavorável em relação à tese
proposta por ela. Assim, sugere para o auditório diminuir as expectativas e aceitar que é possível
viver melhor, juízo apresentado para que todos possam alcançar seus interlocutores.
Portanto, a partir dessa análise, percebe-se que por meio da socialização é possível
persuadir o auditório frente a uma tese apresentada, defendida e discutida durante todo o vídeo.

Análise 2: EEEEEEEE ERRINHOS!

A análise do vídeo “EEEEEEEE ERRINHOS!”, do canal Jout Jout Prazer, foi publicado
em dez de julho de 2018, com duração de 7 minutos e 10 segundo. Por meio dele, pretende-se
analisar como a influenciadora utiliza aspectos argumentativos e persuasivos, para produzir um
discurso que possa atingir a adesão do auditório, apoiando-se na proximidade e confiança
constituída para seu público.
A oradora produz argumentos apropriados para influenciar seu auditório com
espontaneidade. A busca por expressões adequadas para alcançar seu público tem estilo
coloquial, por isso a youtuber intercala as palavras com gestos e repetições, relacionando-as
com frases metafóricas. Ao longo do vídeo, Jout Jout demonstra autonomia em relação aos
assuntos que envolvem os sentimentos humanos, buscando conectar-se com o auditório e
procura se apropriar de temas variados e, com isso, atinge seu objetivo especifico por meio da
articulação entre estratégias argumentativas.

Figura 5 – O poder persuasivo

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=uzObcIfqHqo

Logo na primeira fala: “esse é um vídeo que vai passar por muitas etapas, então se
concentra!”, Jout Jout utiliza seu poder de influenciadora para dar ênfase ao discurso proferido,
com imagens, gestos, entonação que se associam ao léxico, visando a alcançar o objetivo
pretendido com seu discurso e, assim, ser aceita pelo auditório. A youtuber, então, chama a
atenção dos seus seguidores que são atraídos por suas temáticas e pelo modo como compõe sua
argumentação.
Figura 6 – Seus dilemas como ilustrações

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=uzObcIfqHqo

Nessa parte do vídeo, a oradora reúne as seguintes expressões: “Nossa relação


esquisita com o erro”, “e aí, por causa disso, nós temos Post-it”... “Nós temos a minha carreira
no YouTube, que só aconteceu porque tudo deu errado no que eu tinha planejado”. Com isso,
a oradora, com intenção de persuadir seu auditório, incorpora em sua fala alguns
acontecimentos da vida comum e estabelece relações com uma situação particular vivida por
ela em comparação com outra situação particular, com intuito de comover seu auditório,
visando a obter sucesso, ou seja, ter a aceitação do público frente a temática proposta por ela.
Assim, compreendemos como a argumentação pode fundamentar a estrutura do real.

Figura 7 – Segurança nas atitudes


Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=uzObcIfqHqo

Em seguida, a youtuber utiliza a seguinte expressão “O erro pode fechar portas, mas
pode também abrir outras, então fique atento para essas novas portas”. Com isso, ela se apropria
de um processo argumentativo baseado na verossimilhança dos possíveis acontecimentos, isto
é, ao trazer abordagens sobre a importância de traçar planejamentos em relação aos padrões
sociais, Jout Jout destaca que há imposições externas, mas também existem metas pessoais que
podem ser alcançadas.

Figura 8 - Aceitação

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=uzObcIfqHqo

Nos minutos finais do vídeo, a youtuber conclui: “a vida é um aprendizado, então


aprenda com os erros”. Nessa parte do vídeo, a oradora dá ênfase aos recursos persuasivos
voltados à afetividade. Nesse contexto discursivo, ela se adapta a uma abordagem retórica,
fundada no raciocínio comparativo, tendo como características marcantes expressões corporais
e a escolha do repertório lexical adequado para intensificar sua influência e obter o
convencimento no plano discursivo, o que ultrapassa o cenário conceitual da argumentação,
pautado pelo raciocínio lógico, visando à ênfase dos mecanismos sociais comuns.

Considerações finais

Ao longo deste estudo, percebemos que, na sociedade contemporânea, o


desenvolvimento e as articulações da retórica com a comunicação audiovisual e a crescente
adesão aos influencers no âmbito digital geram uma série de transformações na comunidade
que frequenta os espaços disponíveis na internet, gerando o poder de persuadir as pessoas por
meio de publicações organizadas com base em propósitos comunicativos específicos.
Assim, observou-se como a youtuber faz uso da retórica argumentativa, articulando,
manipulando o raciocínio e a afetividade com a persuasão, à proporção que conseguiu refinar
o olhar para esquematizar as estratégias linguístico-discursivas. Ao analisar as relações de
sentido que vão sendo construídas e os possíveis efeitos de aceitação com seus seguidores,
pudemos perceber que, por meio de réplicas, a oradora norteia sua percepção.
Portanto, esta pesquisa contribui para o entendimento das estratégias identificadas nas
abordagens utilizadas nos discursos argumentativos, oriundos de paradigmas cognitivos, pois o
contexto retórico é um contexto de esclarecimento e crítica, e, é necessário encontrar uma razão
para justificar a escolha dos termos usado nas linguagens, assinalando a não neutralização da
posição do orador, e, por conseguinte, articulação dos argumentos nos meios audiovisuais.

Referências

AZEVEDO, Isabel; SANTOS, Emilly Silva. Desenvolver a competência argumentativa na


escola: um desafio para o professor de língua portuguesa. ed. Coimbra, 2018. p. 63-80.
GIL, Antonio C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
GOMES, Helton Simoes. Brasil tem 116 milhões de pessoas conectadas à internet, diz IBGE.
Disponível em:<https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/brasil-tem-116-milhoes-
de-pessoas-conectadas-a-internet-diz-ibge.ghtml>. Acesso em: 16 set. 2019.
Grácio, Rui Alexandre. Perspetivismo e argumentação. São Paulo: abril, 2013.
PLANTIN, Christian. A argumentação: História, teorias, perspectivas. Trad. Marcos
Marcionilo. São Paulo: Parábola editorial, 2008.
PERELMAN, C.; OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da Argumentação: a Nova retórica. São
Paulo: Martins Fontes, 2014.
ROQUE, Georges. Prolegômenos à análise da argumentação visual. Disponível em:<
http://periodicos.uesc.br/index.php/eidea/article/view/1327>. Acesso em: 05 set. 2019.
YOUTUBE. É obvio que você tá ansioso. Disponível em:< https://bit.ly/33SMOT7>. Acesso
em: 16 set. 2019.
YOUTUBE. EEEEEEEE ERRINHOS! Disponível em:< https://bit.ly/2VZPjjq>. Acesso em:
16 set. 2019.
A PESQUISA-AÇÃO COMO MÉTODO DE PESQUISA DA LINGUÍSTICA – O
CASO DO ISF-UFS

Autora: Sanmires Santos Souza


Graduando em Letras- Inglês pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista PIAEX (Proex - UFS)
sanmiressouza@gmail.com

Orientadora: Prof. Dr. Elaine Maria Santos (DLES/UFS)

Introdução:

O programa Idiomas sem Fronteiras (IsF) na Universidade Federal de Sergipe tem sido
um espaço em que ensino, extensão e pesquisa se encontram. A preocupação com a qualidade
e o alcance das aulas é um das diretrizes que permeiam o programa. Desse modo, muito tem se
pensado e questionado acerca da formação dos professores-bolsistas que participam do
programa, do trabalho teórico que fornece suporte para a ação dos professores-bolsistas, de
como o material usado em sala de aula tem sido recebido pelos alunos do programa e como
melhorar as práticas pedagógicas para tornar o ensino mais significativo. Nesse contexto,
percebeu-se que a teoria da pesquisa-ação é uma das maneiras pela qual se tem observado as
questões acima levantadas. Neste trabalho, propomos-nos a verificar o quanto a teoria da
pesquisa-ação está presente nas práticas pedagógicas e de pesquisa no Programa, analisando de
maneira quantitativa os trabalhos de pesquisa produzidos por aqueles que fazem parte do
programa.

O programa Idiomas sem Fronteiras

Em 2012, o Ministério da Educação (MEC), em parceria com a Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), através da Portaria Normativa
1.466/2012 MEC/SESu, instituiu o Programa Inglês sem Fronteiras para dar suporte ao
Programa Ciência sem Fronteiras (CsF)45. Uma vez que os estudantes universitários que

45
O Programa Ciências sem Fronteiras instituído em 13 de dezembro de 2011 através do Decreto n° 7642 “com
o objetivo de propiciar a formação e capacitação de pessoas com elevada qualificação em universidades,
participariam do CsF foram selecionados, percebeu-se que a língua poderia ser uma barreira
para o desenvolvimento das atividades nas universidades estrangeiras em que a língua nativa
era o inglês, assim o Inglês sem Fronteiras surgiu para capacitar linguisticamente os alunos
selecionados para o CsF.
Em 2014, o Inglês sem Fronteiras foi ampliado pela portaria n° 973/2012 MEC/SESu,
passou a incluir outros idiomas e a chamar-se Idiomas sem Fronteiras (IsF). Consequentemente,
os estudantes, desde então, têm a possibilidade de estudar outras línguas estrangeiras, além do
inglês.
Em 2016, o programa IsF foi mais uma vez reconfigurado. Com a Portaria Normativa
nº30/2016 MEC/SESu o programa ampliou os objetivos para tratar de questões relacionadas
com a política linguística do país e a formação inicial dos professores-bolsistas. Dessa forma,
pode-se afirmar que o IsF tem a finalidade de

propiciar a formação inicial e continuada e a capacitação em idiomas de estudantes,


professores e corpo técnico-administrativo das Instituições de Educação Superior –
IES Públicas e Privadas e da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e
Tecnológica – RFEPCT, de professores de idiomas da rede pública de Educação
Básica, bem como a formação e a capacitação de estrangeiros em língua portuguesa,
contribuindo para o desenvolvimento de uma política linguística para o país. (Portaria
Normativa nº30/2016)

Outra questão que ganhou destaque com a reformulação de 2016 foi o processo de
internacionalização das IES, que já tinha sido implementada a com portaria de 2014, uma vez
que no Art. 2° - III fica evidente que o IsF visa “contribuir para o processo de
internacionalização dos institutos de educação superior e centros de pesquisa” (BRASIL, 2014,
s/p). Nesse processo, o IsF cresceu, ampliou, deixou de ser um complemento do CsF e adquiriu
independência e objetivos próprios.
Além dos cursos presenciais, os alunos têm acesso a um curso de inglês on-line, o
MyEnglishOnline, em que, por intermédio de uma plataforma digital, eles podem desenvolver
atividades que compreendem as quatro habilidades linguísticas – Reading, Speaking, Writing
and Listening – com atividades pensadas de acordo com nível de cada um. Os alunos também
podem fazer o teste de proficiência em Língua Inglesa TOEFL – ITP, cujo resultado pode ser

instituições de educação profissional e tecnológica, e centros de pesquisa estrangeiros de excelência, além de


atrair para o Brasil jovens talentos e pesquisadores estrangeiros de elevada qualificação, em áreas de
conhecimento definidas como prioritárias” (Brasil, 2011). O programa foi encerrado em 2016.
usado para comprovar o conhecimento de inglês para programas de pós-graduação e de
mobilidade acadêmica.
Ainda é possível desenvolver ações com os English Teaching Assistants (ETAs),
intercambistas dos Estados Unidos que vão para as IES contribuir com as atividades
linguísticas. O programa ETAs é resultado de uma parceria entre a programa de intercâmbios
norte-americano Fullbright e o MEC.
Na Universidade Federal de Sergipe (UFS), o programa IsF iniciou em 2014. A
princípio o IsF – UFS trabalhava apenas com a língua inglesa. Hoje oferece cursos presenciais
de Inglês, Espanhol, Francês e Português como Língua Estrangeira (PLE) e já conta com 276
cursos oferecidos46.
Para escopo deste trabalho, focaremos a nossa atenção no processo de formação inicial
dos professores-bolsistas do Isf – UFS do núcleo de Língua Inglesa, que atualmente conta com
uma equipe de um coordenador geral, um coordenador pedagógico e seis professores bolsistas.

A pesquisa-ação e a metodologia do IsF - UFS

No núcleo de Inglês do IsF – UFS, a formação inicial dos professores-bolsistas é um


dos pilares das atividades desenvolvidas. Isso se dá, principalmente, de duas maneiras, através
de estudos teóricos que contribuem para o enriquecimento do conhecimento do professor-
bolsista e a tomada de decisões metodológicas, e a partir da preparação e análise das aulas
ministradas nos cursos presenciais.
No que se refere à metodologia adotada, a corrente do Pós-Método, defendida por
Kumaravadivelu(1994, 2013) é a que se destaca. Segundo essa corrente, não existe metodologia
definitiva para o ensino de língua estrangeira, assim:

Tendo testemunhado como os métodos passam por ciclos intermináveis de vida, morte
e renascimento, agora parecemos ter atingido um estado de consciência intensificada
- uma consciência de que, enquanto estivermos presos na teia do método,
continuaremos a nos enredar numa busca incessante por uma solução indisponível,
uma consciência de que tal busca nos leva a reciclar e re-embalar continuamente as
mesmas velhas ideias e uma consciência de que nada menos do que quebrar o ciclo
pode salvar a situação47 (KUMARAVADIVELU, 1994, p. 32).

46
Dados fornecidos pela coordenação do programa IsF – UFS e que engloba cursos oferecidos até agosto de
2019.
47
Having witnessed how methods go through endless cycles of life, death, and rebirth, we now seem to have
reached a state of heightened awareness - an awareness that as long as we are caught up in web of method, we
will continue to get entangled in an unending search for an unavailable solution, an awareness that such a search
No contexto do Pós-Método, o professor é livre para fazer a escolha de qual ou quais
métodos e técnicas utilizar em sala de aula. Para isso, ele deve considerar o contexto em que
cada aula será ministrada, o perfil dos alunos que compõem a turma e os objetivos que se deseja
alcançar em cada aula. O professor, então, precisa conhecer os diferentes métodos e técnicas de
ensino para que possa escolher aqueles que melhor se adequam aos mais variados contextos de
sala de aula, permitindo que o processo de ensino-aprendizagem se dê atendendo às
especificidades de cada grupo, promovendo um ambiente de ensino comunicativo e
possibilitando o aprendizado da gramática de forma indutiva (KUMARAVADIVELU, 2003).
A teoria do Pós-Método inclui nas atividades docentes um momento de reflexão sobre
a própria prática docente, em que o professor deve ser capaz de teorizar sobre suas práticas e
de praticar as suas teorias (KUMARAVADIVELU, 1994). Os professores são convidados a
analisar o trabalho que vem desempenhando, verificar aquilo que foi eficiente e o que precisa
ser melhorado e reestruturar a sua ação pedagógica para suprir as falhas percebidas.
Nesse sentido, o Pós-Método se alinha com a teoria da pesquisa-ação, que traz uma
proposta semelhante no que se refere à auto análise da prática docente, mas ressaltando a
proposta da pesquisa.
Entendemos que a “Pesquisa-ação é um termo para um conjunto de abordagens de
pesquisa que, ao mesmo tempo investigam sistematicamente uma dada situação social e
promovem mudança democrática e participação colaborativa48” (BURNS, 2015, p. 187). O
objetivo da pesquisa-ação, então, é entender o funcionamento de determinados contextos
sociais para que se possa promover mudanças significativas e que venham a contribuir para o
aprimoramento desse contexto, uma vez que o agente desse estudo está intrinsecamente
relacionado com o contexto alvo.
No ambiente da sala de aula, Menezes (2019) aponta que “A pesquisa-ação em
linguística aplicada é feita por um professor pesquisador ou por um pesquisador em colaboração
com um ou mais professores, visando compreender e melhorar um ambiente escolar”
(MENEZES, 2019, p. 73). A pesquisa-ação pode ser aplicada para tentar solucionar problemas
identificados em sala de aula; melhorar a prática docente ou ainda analisar a eficiência de

drives us to continually recycle and repackage the same old ideas and an awareness that nothing short of breaking
the cycle can salvage the situation (Texto original. Tradução minha)
48
AR (Action Research) is the superordinate term for a set of approaches to research which, at the same time,
systematically investigate a given social situation and promote democratic change and collaborative participation.
(Texto original. Tradução minha.)
determinadas abordagens. É realizada através de um processo cíclico de – PLANEJAMENTO
– AÇÃO – OBSERVAÇÃO – REFLEXÃO, como descrito na imagem a seguir:

Figura 1: Ciclo da Pesquisa-ação - BURNS, 2010. IN: MENEZES, 2019, p. 77

A pesquisa-ação então é um processo contínuo de análise, pesquisa e ação que busca


entender e melhorar a sala de aula e que proporciona desenvolvimento para o professor e
melhoria das atividades desenvolvidas em sala de aula. Como apontado

A pesquisa-ação pode ser uma busca que vale à pena para os educadores por várias
razões. O principal deles é simplesmente o desejo de saber mais. Afinal, bons
professores são eles mesmos alunos e frequentemente buscam maneiras de expandir
seus conhecimentos existentes (FERRANCE, 2000, p. 13).49

A pesquisa-ação no IsF – UFS

Como uma das diretrizes que guia a ação dos membros do núcleo de Inglês do IsF –
UFS é oferecer cursos significativos e que venham a fazer diferença na formação dos alunos,
no que se refere à vida acadêmica e a internacionalização, e levando em consideração a base

49
Action research can be a worthwhile pursuit for educators for a number of reasons. Foremost among these is
simply the desire to know more. Good teachers are, after all, themselves students, and often look for ways to
expand upon their existing knowledge. (Texto original. Tradução minha.)
metodológica adotada, que permite a formação de professores crítico-reflexivos, é de se esperar
que técnicas de pesquisa como a da pesquisa-ação estejam presentes no cotidiano dos
participantes do programa.
Tentando verificar esta hipótese, voltamos- nos para os trabalhos de pesquisa realizados
pela equipe do IsF – , para verificar a quantidade de trabalhos desenvolvidos sobre o prisma da
pesquisa-ação.
No primeiro momento desta análise, fizemos o levantamento das produções realizadas
pelos membros do núcleo de Inglês do IsF – UFS. Esse levantamento resultou em um número
de 41 trabalhos identificados, envolvendo produções de professores-bolsistas e coordenadores
do Programa. Entre eles, artigos publicados em livros, revistas ou anais de eventos; projetos de
iniciação científica (PIBIC) e apresentações/comunicações em eventos.
A seguir, dispomos o número de trabalhos produzidos ao longo dos anos de existência.

Ano Número de publicações


2013 1
2014 3
2015 8
2106 6
2017 6
2018 7
2019 10
Tabela 1: Publicações por ano do programa IsF
Fonte: Arquivo do IsF-UFS

Podemos observar que, com exceção de 2015, que registra um maior número de
publicações, os trabalhos foram ficando mais numerosos ao longo dos anos.
Na segunda etapa da análise, identificamos os trabalhos, dentre os 41 encontrados
previamente, que são produzidos a partir da teoria da pesquisa-ação. Analisamos, então, os
títulos dos trabalhos produzidos, buscando encontrar indícios que mostrassem que eles seguiam
essa metodologia de pesquisa. Ainda que nenhum trabalho explicitamente trouxesse a palavra
“pesquisa-ação” no título, foram filtrados aqueles que abordavam as temáticas presentes em
uma análise feita a partir desse método. As seguintes ideias-chaves foram usadas como filtro:
análise de aulas – estudo de caso – sala de aula – material didático – exemplo de aula.
A análise resultou em um total de 16 trabalhos de pesquisa em que questões de sala de
aula são consideradas e analisadas. Essas pesquisas estão dispostas na lista a seguir:
1. GOMES, Rodrigo Belfort. Programa Inglês sem Fronteiras na Ufs: primeiros resultados.
In: 16ª Semana de Pesquisa da Universidade Tiradentes, 2014, Aracaju. Anais da 16ª
Semana de Pesquisa da Universidade Tiradentes, Aracaju, 2014.
2. MANZ JUNIOR, Jacques Rudolf; OLIVEIRA FILHO, Sérgio Murilo Fontes. O ISF e
atividades de leitura: trabalhando com projetos. In: VI Encontro de Pós-Graduação
em Letras, 2015, São Cristóvão. ENPOLE - VI Encontro de Pós-Graduação em Letras,
2015. p. 112-113 (Apresentação de Trabalho/Comunicação).
3. OLIVEIRA FILHO, Sérgio Murilo Fontes; MANZ JUNIOR, Jacques Rudolf.
NucLi/UFS: análises e propostas. VI Encontro de Pós-Graduação em Letras, 2015,
São Cristóvão. ENPOLE - VI Encontro de Pós-Graduação em Letras, 2015.
(Apresentação de Trabalho/Comunicação).
4. SANTOS, Elaine Maria; GOMES, Rodrigo Belfort. Trabalhando a identidade nas aulas
do Idiomas sem Fronteiras - Inglês. In: XI Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada,
2015, Campo Grande. Anais do XI Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada,
2015. p. 1686-1695.
5. SANTOS, Luana Inês Alves; PAIXÃO, Elisson Rodrigues. A Motivação e o
Aprendizado da Língua Inglesa no Contexto do Programa Inglês sem Fronteiras. In: III
Seminário Formação de Professores e Ensino de Língua Inglesa, 2015, São
Cristóvão. Resumos das Comunicações, 2015. p. 43-43.
6. OLIVEIRA, Hellen Luciana; BEZERRA, Flávio Soares. Games and the Affective
Factor in the Language Acquisition Process: the ISF UFS Case. V Jornada Nacional
de Professores de Línguas e IV Encontro Internuclis ISF, Universidade Federal da
Paraíba, João Pessoa 2016. (Apresentação de Trabalho/Comunicação).
7. OLIVEIRA FILHO, Sérgio Murilo Fontes de; SANTOS, Luana Inês Alves. O Programa
Inglês sem Fronteiras na UFS: Ensino Comunicativo e Letramento Crítico. In: X
Colóquio Internacional 'Educação e Contemporaneidade', 2016, São Cristóvão.
Anais Online - Eixo 11. Educação, Sociedade e Práticas Educativas, 2016.
8. SANTOS, Luana Inês Alves; OLIVEIRA FILHO, Sérgio Murilo Fontes de.
Compreensão e Produção Oral através de TED Talks no Programa Inglês sem Fronteiras
UFS: uma Análise do Letramento Crítico na Sala de Aula. In: X Colóquio
Internacional 'Educação e Contemporaneidade', 2016, São Cristóvão. Anais Online
- Eixo 11. Educação, Sociedade e Práticas Educativas, 2016.
9. SANTOS, Luana Inês Alves; OLIVEIRA FILHO, Sérgio Murilo Fontes de. TED Talks
and the English Teaching in the Languages without Borders at UFS. 2016. V Jornada
Nacional de Professores de Línguas e IV Encontro Internuclis ISF, Universidade
Federal da Paraíba, João Pessoa (Apresentação de Trabalho/Comunicação).
10. SANTOS, Elaine Maria; GOMES, Rodrigo Belfort. Gamification e o Inglês sem
Fronteiras na UFS: preparação de materiais em foco. In AILA – 18th World Congress
of Applied Linguistics, Rio de Janeiro, 2017. (Apresentação de trabalho)
11. SANTOS, Elaine Maria; GOMES, Rodrigo Belfort. Let the games begin: Gamification
in the English Language Classroom. In EFOPLI: Espaços para a Formação do
Professor de Língua Inglesa, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2017.
(Oficina)
12. SANTOS, Iane Silva; OLIVEIRA JÚNIOR, Franklin; OLIVEIRA, Hellen Luciana.
Class Preparation as a tool to avoid dropouts: EWB-UFS. In: I InterNucLi/NE,
Universidade Federal de Pernambuco, 2017 (Apresentação de Trabalho/Seminário).
13. SOUZA, Sanmires Santos. Pesquisa e coleta de dados do Programa Inglês sem
Fronteiras da UFS: O Ensino de inglês no Programa Inglês sem Fronteiras: análise
metodológica. Projeto de Iniciação Científica PIBIX, UFS, 2017.
14. SANTOS, Iane Silva. Inglês Sem Fronteiras na UFS: analisando a motivação e o
absenteísmo nos cursos presenciais. In: IV Seminário de Formação de Professores e
Ensino de Língua Inglesa, 2018, São Cristóvão, SE. Anais eletrônicos [...]. São
Cristóvão, SE: LINC/UFS, 2018. p. 356-368.
15. SANTOS, Elaine Maria; GOMES, Rodrigo Belfort. “Best Practices” no Inglês sem
Fronteiras UFS: um caso de sucesso. In: Encontro Regional de NucLi (Nordeste) do
Programa Idiomas sem Fronteiras, 2019. (Conferência).
16. SILVA, Nayara Stefanie Mandarino. Working with videos in the English language
class: from the EWB to public schools. Encontro Paraibano de Professores de Inglês,
2019 (Oficina).

Podemos perceber como a produção desses trabalhos foi distribuída ao longo dos anos
de acordo com a tabela abaixo:

Ano Número de publicações


2013 0
2014 1
2015 4
2106 4
2017 4
2018 1
2019 2
Tabela 2: Publicações do IsF-UFS usando pesquisa-ação por ano.
Fonte: Arquivos do IsF-UFS

Podemos observar que houve um número maior de trabalhos realizados entre os anos de
2015 e 2017, embora a produção usando a teoria da pesquisa-ação esteja presente em todos os
anos, exceto em 2013, o que se justifica pelo fato de os cursos presenciais programa IsF só
terem sido implementados no ano seguinte.
Tentando ainda traçar o perfil dos pesquisadores que realizaram esses trabalhos,
chegamos ao gráfico abaixo:

Gráfico 1: Perfil dos Pesquisadores do Núcleo do Isf-UFS


Fonte: Arquivos do Isf-UFS

Este gráfico nos permite dizer que a preocupação com a análise das aulas e a pesquisa
sobre elas não é apenas dos professores-bolsistas que estão diariamente em sala de aula, mas
também, dos coordenadores do programa que participam da preparação desses professores e
analisam o funcionamento do Programa sob a perspectiva da coordenação, que é responsável
pela formação de professores.
Propomo-nos ainda a analisar um último ponto, a temática em foco nos trabalhos
desenvolvidos e chegamos ao resultado exposto abaixo:
Gráfico 2: Temas abordados pelas pesquisas desenvolvidas pelos membros do do Isf-UFS
Fonte: Arquivos IsF-UFS

Esse segundo gráfico nos mostra que a sala de aula é o foco que mais se destaca nas
pesquisas, embora os outros temas contribuam com um número significativo de produções
desenvolvidas.

Considerações Finais

A partir na nossa análise pudemos constatar que o método da pesquisa-ação está


presente na produção acadêmica realizada pelo núcleo de Inglês do IsF –UFS, uma vez que um
número significativo de trabalhos é produzido anualmente de acordo com essa metodologia de
pesquisa.
Esse resultado está em consonância com os objetivos do Programa e o modo pelo qual
coordenadores e professores desenvolvem seus trabalhos. De acordo com a Portaria Normativa
nº 30, de 28 de janeiro de 2016(BRASIL, 2016), o IsF se constitui em um Programa de
Formação Docente, dedicado ao ensino de línguas estrangeiras, com foco na vivência
acadêmica e na internacionalização. Assim sendo, é esperado que o Programa, que investe na
pesquisa científica sobre as ações desenvolvidas, dedique um espaço da sua pesquisa para
análise dos processos educacionais e formativos desenvolvidos, de modo que observações,
reflexoẽs e ações possam ser colocadas em prática, conforme destacado na Figura 1.
A pesquisa-ação é método muito utilizado porque permite que os agentes envolvidos
nas atividades possam desenvolver as próprias análises, o que faz com que ele seja método de
estudo/análise que enriquece as práticas pedagógicas dos participantes do programa,
compactuando com a abordagem metodológica adotada pelo programa que busca formar
professores crítico-reflexivos e conscientes da própria prática pedagógica.
Destacamos, também, que essa análise nos permite destacar a importância em se
conhecer a produção acadêmica de um programa como o IsF, com o intuito de identificar as
maiores preocupações quando a pesquisa-ação é empregada, o que auxilia não somente o
referido Programa, como outros de natureza similar.
Podemos dizer que essa preocupação que os envolvidos no programa têm com a
qualidade do trabalho oferecido é refletida no número de alunos das UFS que procuram
participar das ações desenvolvidas pelo programa, como citado por Souza (2019) em pesquisas
anteriores, como afirmado por Souza (2019), em pesquisas anteriores.
Para uma pesquisa futura pretendemos selecionar três dos trabalhos anteriormente
citados e desenvolver uma análise de como o método da pesquisa-ação foi realizado e os
resultados alcançados em sala de aula.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Decreto N. 7642, de 13 de dezembro de 2011. Institui o Programa Ciências sem


Fronteiras.

_____. Portaria N. 1466, de 18 de dezembro de 2012. Institui o Programa Inglês sem


Fronteiras.

_____. Portaria N. 973, de 14 de novembro de 2014. Institui o Programa Idiomas sem


Fronteiras.

_____. Portaria N. 30, de 28 de janeiro de 2016. Institui o Programa Idiomas sem


Fronteiras.

BURNS, Anne. Action Research. In: PALTRIDGE, Brian; PHAKITI, Aek. Research
methods in applied linguistics: a practical resource. London: Bloomsbury Academic, an
imprint of Bloomsbury Publishing Plc, 2015

FERRANCE, Eileen. Action Research: LAB Education Alliance: Brown University, 2000
KUMARAVADIVELU, B. The Postmethod Condition: (E)merging Strategies for
Second/Foreign Language Teaching. TESOL Quartely, V.28; N. 1, 1994

_____. Beyond Methods: Macrostrategies for Language Teaching. New Haven and
London: Yale University Press, 2003

MENEZES, Vera Lucia. Manual de pesquisa em estudos linguísticos: Parábola, 2019

SOUZA, Sanmires Santos. O desenvolvimento do Programa Idiomas sem Fronteiras: um


estudo sobre o ISF-UFS. In: Encontro Regional de NucLi (Nordeste) do Programa
Idiomas sem Fronteiras, 2019. (Apresentação de Trabalho/Comunicação).
O IMPACTO DAS DIFERENTES FORMAS DE ENSINAR NAS ESCOLAS
PÚBLICAS DIANTE DO CONTEXTO SOCIAL E SUAS DIVERGÊNCIAS NO
SÉCULO XXI.

Autor: Marcos Henrique de Oliveira Santos


Graduando em Letras Espanhol pela Universidade federal de Sergipe.
Rickoliver813@gmail.com.

Orientadora: Profa. Me. Lara Emanuella da Silva Oliveira (DLE/UFS).

Introdução

Em principio, a aprendizagem pode ser definida como uma modificação sistemática do


comportamento, por efeito da prática ou experiência. Levando isso em consideração, é
inquestionável que o impacto das diferentes formas de ensinar nas escolas públicas tem grande
influência em como a evolução educacional será realizada e impactada na vida do aluno. Em
contrapartida, a eficiência da aprendizagem está condicionada a existência de problemas, por
isso o desempenho, isto é, as mudanças observáveis, ocorridas no comportamento do individuo
que possibilita a formação de hipóteses, na qual contribui para o condicionamento. No que se
refere à evolução da educação brasileira, pode-se dizer que aconteceu de forma tardia e com
poucos pontos idôneo em que alguns governantes se prestaram a trabalhar nisso como, por
exemplo, no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Quando se trata de divergências na educação, podemos fazer menções à evasão escolar,


qualificação dos docentes, estrutura escolar apropriada e adequada para atender as diversas
formas de alunos, grade curricular consistente e cabível com o reflexo social da comunidade
presente. Esses fatores mencionados são cruciais quando trata de uma evolução educacional e
diminuição do analfabetismo, por exemplo, mas a falta de politicas públicas é o maior reflexo
para essas dificuldades na elaboração de formas de intervenção com o público. Segundo
Mariella Righini, “os professores têm, sem dúvida, uma influencia direta sobre os alunos, a
partir de sua personalidade, sua atitude, da relação que mantêm com os alunos: seu modo de
interpretar as normas da instituição. Esta ação pode, aliás, exercer-se sem que o professor
perceba”, fazendo uma analogia com a fala mencionada, não só deve-se levar em consideração
o mundo interior da instituição, mas sim o exterior e a bagagem que cada um tem e que de
forma direta ou indireta refletirá na forma do alunado e do professor.

O presente artigo tem por objetivo, além de apresentar alguns dos conceitos sobre as
dificuldades da educação brasileira no século XXI, delimitar algumas teorias usadas na
instrução dos alunados na rede pública.

Reflexos da educação pública

A educação brasileira tem sido alvo de constantes mudanças desde a redemocratização do


país. Com isso, mais pessoas tem tido acesso à educação básica e suas progressões, mas nem
todos continuam os estudos por consequências do meio externo, segundo o Jornal O Globo, no
ano de 2017 mais de um terço (37%) dos jovens de 17 anos matriculados na escola estavam
cursando uma série não adequada para a sua idade. Criança quê nasce em famílias menos
estruturadas financeiramente e socialmente tendem a ter deficiência cognitiva e física para
compreender certos assuntos, no qual notará que existe um vaco ao se deparar com o ambiente
escolar, que precisa ser visualizado pelo professor -a fim de elaborar uma abordagem lúdica-
para que aquele aluno possa ter um progredimento melhor e possa se equiparar com seus
colegas. Mas, infelizmente, isso não ocorre com frequência, pois nas escolas públicas do país,
a quantidade em uma sala de aula às vezes passa de 25 alunos para que sejam conduzidas por
um único professor, sendo que ele acaba não tendo como analisar de forma sólida cada perfil
dos seus alunos e acabar caindo no conceito da magistrocentrismo, tornando os alunos meros
passivos do conhecimento e repercussores do que ouviu sem ter autonomia no seu processo de
aprendizagem.

No governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), foi editado a Lei de Diretrizes e


Bases da Educação (LDB), a fim de tornar a educação brasileira mais plural e diversificada
dando autonomia ao corpo docente das escolas em trabalharem com foco na pratica social e do
trabalho. Só que, isso acabou colocando em prática a teoria do behaviorismo de Skinner, no
qual os alunos irão se dotar de uma gama de conteúdos, sem poder questionar o porquê e ao
menos por em prática o que foi passado na sala de aula, pois os assuntos não usavam exemplos
próximos da vida dos alunos. Logo, notou-se que esse ensino tradicional no qual os professores
seguiam um padrão pré-estabelecido, não era eficaz e que os alunos com o tempo esqueciam
tudo que foi aprendido, - mas até hoje essa forma de ensino prevalece nas escolas brasileiras-,
um exemplo disso é a prova avaliativa os alunos devem fazer em que precisam armazenar o que
estar sendo passado em sala de aula para poder pôr em um teste que avaliará seu conhecimento.

As relações sociais numa sociedade de classe são desiguais, uma vez que a sociedade não é
homogênea, os interesses dos grupos sociais que a compõe não convergem para o mesmo fim,
e devido à estratificação social, são por vezes conflitantes. Isso reflete na vida da população de
uma comunidade no qual têm problemas sociais, econômicos e familiares que implica na sua
evolução educacional, porque tem que cuidar dos seus parentes enquanto seus pais estão
trabalhando, no qual estão expostos ao tráfico de drogas e o alcoolismo, além disso, precisam
pegar mais de um ônibus para chegar até a escola sendo nesta também, aonde ele fará as suas
refeições; situação diferente de um aluno que vive em uma população de classe média ou alta,
no qual a sua única ocupação é estudar em que tudo ao seu redor contribui para que ele se
torne um ser aclamado pela sociedade. Segundo José Serra “Num país dividido entre poucos
ricos e muitos pobres, a forma de promover justiça social não pode ser apenas o
assistencialismo”, ou seja, não basta apenas incluir esses alunos na rede de ensino, mas sim
elaborar meios para que essa permanência venha ser resultante e consigo diminuir a evasão
escolar.

Assim, afirma Hannoun:

A reflexão e a ação educacionais pressupõem o rela real fundamento de afirmação


referente, por um lado do homem como humanidade e como pessoa, e, por outro, ao
processo de ensino-aprendizagem. No plano fundamental, o conceito de educação só
é aceitável se a humanidade for possível obreira da felicidade e se a imagem do
homem por forma-se for moral e socialmente positiva, enfim, se a pessoa humana for
perfectível e capaz de liberdade. No plano instrumental, no âmbito escolar, vimos que
o processo ensino-aprendizagem pressupõe sua própria eficiência e o valor positivo
de suas finalidades, estruturas, conteúdos e métodos (1998, p. 43).

As diferentes formas de ensinar e suas divergências nas escolas públicas


Ensinar e aprender hoje em dia requer uma flexibilidade para processos de desenvolvimentos
e pesquisas com participações do professor e do aluno de forma ativa na construção do saber,
mas nem sempre foi assim como já citado no texto acima.

Existem diversas teorias que contribui para que a aprendizagem seja trabalhada na sala de
aula, farei menção de duas delas.

1- Behaviorismo: é uma corrente da psicologia criada por Skinner que define o


comportamento humano como resultado “das influencias dos estímulos do meio”,
sendo assim, o comportamento pode ser moldado de acordo com estímulos e
respostas.
Essa teoria da aprendizagem não é totalmente eficaz, pois limita o aluno a simplesmente
receber um estimulo e emitir uma resposta, sendo apenas um meio para a difusão do conteúdo.
Por exemplo, um aluno que precisa passar na disciplina de matemática, ele terá o estimulo que
será os conteúdos para estudar, no qual a resposta deverá ser a aprovação. Essa teoria ela não
está interessada como o aluno assimilou o assunto ou se ele tem algum problema cognitivo, a
única coisa que a teoria espera é a resposta mediante o estimulo exposto naquele aluno. A
educação brasileira sempre usou e ainda usa essa teoria de passar o conteúdo e o aluno ter que
tentar aprender para que possa ser avaliado de acordo com o que ele conseguiu aprender ou
decorar, não levando em consideração a qualidade nem as dificuldades encontradas por cada
aluno para entender por completo tal assunto. Por consequência disso, muitos alunos quando se
deparam com o mundo universitário acabam se contrariando e sentindo-se leigos por não terem
tido uma educação eficaz que se preocupasse com o aprendizado do aluno e não apenas em
passar o conteúdo e o aluno ser passivo disso.

Como coloca Becker (2001, p.18):

O professor acredita no mito da transferência do conhecimento: o que ele sabe, não


importa o nível de abstração ou de formalização, pode ser transferido ou transmitido
para o aluno. Tudo que o aluno tem a fazer é submeter-se à fala do professor.

Diante do exposto, nota-se que a aprendizagem envolve o uso e o desenvolvimento de todos


os poderes, capacidades, potencialidade do conjunto escolar. A aprendizagem só se faz através
de atividade do aprendiz exercendo sua autonomia no seu processo educacional. Portanto, a
aprendizagem resulta da busca do restabelecimento de um equilíbrio vital, rompido pela nova
situação estimuladora que o alunado quis ultrapassar.

2- Equilíbração majorante: foi criado por Piaget, ele defende que quando estamos em
situação de desequilíbrio; para voltar ao estado de equilíbrio temos alguns métodos
como, por exemplo, ignorar o conflito e tentar compreendê-lo. Essa teoria se divide
em dois: assimilação que é a entrada dos conteúdos, coisas novas, novos estímulos e a
acomodação que é o que está aprendendo de novo com aquilo que já tem acomodado e
nessa troca de informação cognitiva, haverá um equilíbrio.

Essa teoria ela faz menção com o repertório que o alunado carrega tanto cultural como
familiar agregado ao seu ritmo de assimilação, tento assim uma analise mais lúdica dos
problemas que poderão estar encadeados no processo de aprendizagem de cada aluno, seja ele
por algum problema familiar como uma tentativa de estupro ou violência doméstica ou
cultural como, por exemplo, a situação onde o aluno vive. Rutter (1975) apud Dockrell;
McShane (2000), coloca que há uma gama de variáveis associadas ao ambiente familiar que
contribuem para as dificuldades de aprendizagem. Essa teoria não é totalmente efetiva, pois às
vezes é cobrado do discente algo que está fora do seu repertório e seu conhecimento. Essa
teoria só se faz factual quando o professor está devidamente qualificado para saber abordar os
assuntos novos fazendo ligamento com o que já foi passado ou que estar presente no cotidiano
do aluno, dessa forma a evolução educacional seria produtiva e gradativa.

Como coloca Becker (2003, p.23):·.

“Procurei pensar as condições que julgo necessário para que a vida retorne à escola, para
que a escola torne-se um lugar significativo para o aluno. Lembrando sempre que a
criança e o adolescente não deixam de fazer coisas por serem difíceis, mas por não terem
sentido. E o professor tornar-se-á um bom educador, apreciado pelos alunos, na medida
em que deixar de fazer coisas que para ele mesmo não têm sentido”.

Segundo Vasconcellos:

O professor deve se assumir como sujeito de transformação no sentido mais radical


(novos sentidos, novas perspectivas e dimensões para a existência nova forma de
organizar as relações entre os homens), e se comprometer também com a alteração das
condições de seu trabalho, tanto do ponto de vista objetivo (salário, carreira,
instalações, equipamentos, número de alunos por sala, etc,), quanto subjetivo (proposta
de trabalho, projeto educativo, relação pedagógica, compromisso social, vontade
política, abertura para a mudança, disposição democrática, etc,) (2003, p.77).

Diante dessa fala, pode-se concluir que o ambiente escolar e as formas como serão
ministradas as aulas tem ligação com a formação do professor e as diretrizes da instituição,
contribuindo assim para uma educação de qualidade ou apenas uma educação irregular. A
relação professor-aluno tem sido uma das preocupações do contexto histórico e escolar, pois
não há como acontecer na escola uma educação adequada às necessidades dos alunos sem
contar com o comportamento ativo do professor no processo educativo.

Às vezes as aulas são ministradas sem um embasamento sobre os repertórios socioculturais que
a localização disponibiliza juntamente com o do docente, fazendo assim com que o os assuntos
sejam distantes da realidade e acaba acarretando na compreensão do conteúdo.

Considerações finais

Diante do exposto, é compreensível que a educação brasileira tem tido evoluções, mas que
ainda há muito a ser feito e reparado. Desde a sua redemocratização algumas medidas foram
citadas para que a educação fosse universal e igualitária para todos, mas vermos que a educação
não estar apenas relacionada como o conteúdo é transmitido na sala de aula sem levar em
considerações vários fatores que interferem na concepção do conteúdo quando se trata de locais
sociais e situações econômicas diferentes.

Virmos que o behaviorismo não é o método mais eficaz para se trabalhar na educação
pública brasileira, pois não estar centrada na bagagem cultural que os diferentes tipos de alunos
possuem, focando assim apenas na concepção do conteúdo. Em constaste, a teoria da
equilíbração majorante, no qual a adaptação e o equilíbrio trabalham juntos para que a
aprendizagem não seja inata e nem apuração direta da experiência, contribuiu para que os
alunados consigam se adaptar as novas exigências e tenha uma boa amoldagem mantendo o
equilíbrio com o meio social e o escolar. Mas é notório que, não basta apenas tornar teorias
factuais em escolas públicas sem que haja uma qualificação do corpo de gestão das escolas e
consigo uma adaptação para que os alunos sintam-se acolhidos e que consiga construir sua
carreira mediante a sua evolução.

Em síntese, há muitos degraus para serem ascendidos em relação à educação brasileira e as


suas formas de ensinar nas escolas públicas em que o fator cultural e econômico deve ser levado
em considerações, pois são fatores determinantes na construção educativa de cada aluno. No
tocante a isso, tem-se um estudo sobre teorias em que a disciplina de Psicologia da
Aprendizagem apresenta, mostrando assim a sua qualidade quando trabalhada de forma correta
e correlacionada com o perfil da turma e da comunidade presente.

Referências bibliográficas

BECKER, Fernando. A origem do conhecimento e a aprendizagem escolar. Porto Alegre:


Artmed, 2003.

BECKER, Fernando. Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre: Artmed,


2001.

DOCKRELL, J; MCSHANE, J. Compreensão das dificuldades de aprendizagem: um


enfoque cognitivo de referência. In;_______. Crianças com dificuldade de aprendizagem:
uma abordagem cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2000. Cap. 1, p.11-32.

FERREIRA, Paula. Cerca de 30% dos jovens de 15 a 17 anos estão atrasados ou fora da
escola. Rio de janeiro: Jornal O Globo, 2019. Disponivel em:
https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/cerca-de-30-dos-jovens-de-15-17-anos-estao-
atrasados-ou-fora-da-escola-23747771. Acessado em 18 de setembro de 2019.

HANNOUN, Hubert. Educação: certezas e apostas. São Paulo: UNESP, 1998.

PIAGET, Jean, (1973b): Biologia e Conhecimento. Petrópolis. Editoras Vozes.

SKINNER, B. F. Sobre o behaviorismo. 10. Ed. São Paulo: Cultrix, 2006.

VASCONCELOS, Celso dos Santos. Para onde vai o professor? Resgate do professor
como sujeito de transformação. 10ª Ed. São Paulo: Libertad, 2003.
IDENTIDADE E PERTENCIMENTO NAS FALAS DE ESTUDANTES EGRESSOS
DO COLÉGIO DE APLICAÇÃO

Autor: Rafaela Cravo de Melo


Graduanda em História pela Universidade Federal
Bolsista CNPq
rafaelacravomelo@gmail.com

Orientador: Prof. Dr Joaquim Tavares da Conceição


(CODAP/PPGED/PROFHISTÓRIA/UFS)

Introdução
Este artigo apresenta discussões e resultados do desenvolvimento do plano de trabalho
intitulado “Acontecimentos, personagens e lugares do colégio de Aplicação nas falas de
estudantes egressos”, que é parte integrante do projeto de pesquisa ‘Percepções da realidade’.
Memórias de estudantes egressos do Colégio de Aplicação (1960-1995). A pesquisa teve como
objetivo o desenvolvimento de atividades investigativas para produção, organização e análises
preliminares, de um conjunto de relatos orais a respeito do Colégio de Aplicação através da
narrativa de estudantes egressos, com o intuito de compor o “banco de histórias” do Centro de
Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de
Sergipe (CEMDAP).
A utilização do termo “banco de histórias” é empregado no sentido de banco de
memórias ou “conjunto de gravações que se orientam segundo relatos de grupos atentos à
própria presença em contextos sociais ou institucionais [...] como campanha ou testemunho”
(MEIHY e RIBEIRO, 2011). O Cemdap surgiu a partir de atividades desenvolvidas em projetos
de pesquisa que tiveram como objetivo a produção de um amplo acervo de documentos
produzidos nos anos de existência do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe.
Com a finalidade de preservar a memória e a história da instituição, o trabalho busca
apresentar os questionamentos e as respostas obtidas através das 27 entrevistas realizadas com
os estudantes egressos do Colégio de Aplicação. Permitindo assim - através da abordagem de
temáticas relacionadas a forma de ingresso dos estudantes, os aspectos culturais existentes na
instituição, o perfil socioeconômico, a relação entre professor e estudante, entre outras
temáticas - uma compreensão, ainda que incompleta, dos diversos perfis estudantis que fizeram
parte da construção do colégio nas décadas de 1960 a 1980.

Trajetória do Colégio de Aplicação


A origem do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe está relacionada
com a existência da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe, fundada no ano de 1950, com
o objetivo de formar professores para atuarem no ensino secundário e normal. Em 30 de junho
de 1959, por procuração de Dom José Vicente Távora, bispo da Diocese de Aracaju e presidente
da Sociedade Sergipana de Cultura – sociedade pertencente à Arquidiocese de Aracaju –, o
monsenhor Luciano José Cabral Duarte fundou o Ginásio de Aplicação, com a finalidade de
que o estabelecimento servisse como escola-laboratório para práticas didáticas e pedagógicas,
especialmente por meio de estágios desenvolvidos pelos graduandos da faculdade (CEMDAP,
1916; NUNES, 2012).
Em 7 de julho de 1959, após o processo de verificação prévia, o Ginásio de Aplicação
foi autorizado a funcionar pela Diretoria do Ensino Secundário do Ministério da Educação e
Cultura – Inspetoria Seccional de Aracaju. O estabelecimento iniciou suas atividades com 30
alunos matriculados na 1ª série do primeiro ciclo do ensino secundário (curso ginasial), sob a
direção da professora Rosália Bispo dos Santos (CEMDAP, 1916; NUNES, 2012). Em 30 de
dezembro de 1965, o Ginásio de Aplicação passou a ser denominado de Colégio de Aplicação
em decorrência da autorização para oferecer o curso colegial – segundo ciclo do antigo ensino
secundário (BRASIL, 1942).
Com a criação da Universidade Federal de Sergipe (UFS), a Faculdade de Filosofia e o
Colégio de Aplicação, que dela era parte integrante, foram incorporados à Fundação
Universidade Federal de Sergipe (BRASIL, 1967). Inserido na estrutura da Universidade, o
Colégio de Aplicação (Codap) passou a ser um órgão suplementar, ligado diretamente à reitoria.
Além de permanecer exercendo as funções de ensino e de campo para a execução de estágios
curriculares, o colégio também passou a desenvolver atividades de pesquisa e extensão.
Desde a sua fundação em 1959, o Colégio de Aplicação funcionou na cidade de Aracaju,
instalado no prédio da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe, juntamente com cursos
superiores oferecidos pela faculdade. No ano de 1981, o colégio passou a funcionar na Cidade
Universitária Prof. José Aloísio de Campos, instalado em salas do pavimento superior do prédio
denominado de Didática III e, a partir do ano de 1995, foi instalado em prédio originalmente
construído para o seu funcionamento.
Enquanto pertenceu à Sociedade Sergipana de Cultura e esteve vinculado à Faculdade
Católica de Filosofia de Sergipe, o estabelecimento cobrava mensalidade de seus alunos. De
1960, quando recebeu a primeira turma, até a década de 1970, o ingresso de alunos na série
inicial ocorria por meio de sistema seletivo com aplicação de provas de conhecimentos
matemáticos e de língua portuguesa.
As mudanças ao longo dos anos da instituição não focaram apenas na nomenclatura, ou
em seu espaço ocupado, a forma de ingresso dos estudantes também sofreu alterações. Nos
primeiros anos, para ingressar no Ginásio, os alunos tinham que passar por uma prova de
seleção. Logo depois de alguns anos, aproximadamente em 1965, o Colégio adotou o sistema
de sorteio público de vagas. Todavia, logo após ser instalado no campus universitário, além do
sorteio público, existiu também as vagas disponibilizadas para servidores públicos, tanto para
a parte administrativa quanto para os filhos dos docentes. Nos anos subsequentes as formas de
ingresso acabaram se alterando entre prova de seleção e sorteio público. Por outro lado, desde
2009 a forma oficial de ingressar no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe
é através de sorteio público disponibilizado para a comunidade interessada.

O Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio de Aplicação (Cemdap)


O Cemdap surgiu a partir de atividades desenvolvidas em projetos de pesquisa que
tiveram como objetivo a produção de um acervo de documentos produzidos nos anos de
existência do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe. Como resultados
desses projetos, o Cemdap foi instalado em sala específica do prédio escolar, onde a
documentação coletada encontra-se acondicionada em pacotilhas, guardadas em armários, além
de contar com uma coleção de objetos da cultura material (CONCEIÇÃO & NOGUEIRA,
2018).

Identificação e construção da amostra de potenciais narradores/colaboradores


Por meio de investigação documental e através de informações anteriormente
produzidas pelo projeto Composição do ‘Banco de História’ do Colégio de Aplicação.
Combater Silêncios e Esquecimentos, foi possível produzir informações a respeito de possíveis
colaboradores/narradores; além de informações para produzir os roteiros básicos para as
entrevistas. Desta forma, com o desenvolvimento de pesquisa exploratória foi possível
identificar estudantes egressos do Colégio de Aplicação, potenciais entrevistados.
Foram produzidas 27 gravações de entrevistas, em formato audiovisual, de estudantes
egressos correspondente ao período de 1960 a 1980, resultando em um material valioso para a
preservação da memória institucional, a ampliação da documentação do Cemdap e o
desenvolvimento de diferentes investigações.

Quadro 1: Informações dos estudantes egressos entrevistados


Data /
Nº Nome realização da Período Formação superior
entrevista
FRANCISCO IGOR
1 DE OLIVEIRA 18.07.2018 1984-1987 Educação Física e Mestrado em
MANGUEIRA Educação
PAULO ROBERTO
2 DANTAS BRANDÃO 19.07.2018 1967-1973 Economia e Direito
Academia da Força Aérea; Pós-
3 RUBENS RIBEIRO 31.07.2018 1966-1972 Graduação em Defesa Nacional e
CARDOSO FILHO Estratégia na Argentina
SERGIO DUARTE
4 LEITE 31.07.2018 1966-1971 Engenharia Civil
SAULO COELHO Comunicação com habilidade em
5 NUNES 01.08.2018 1985-1988 Jornalismo
JOSÉ RICARDO
6 MENEZES OLIVEIRA 08.08.2018 1981-1985 Engenharia de Produção
ALEXANDRE BELÉM
7 CARVALHO TELES 09.08.2018 1981-1988 Ciências Contábeis
LIJANE DAYSE DE
8 OLIVEIRA SOUZA 09.08.2018 1981-1985 Educação Física
CARLA EUGENIA
9 CALDAS BARROS 14.08.2018 1970-1975 Bacharel em Direito
10 OLAVO PINTO LIMA 14.08.2018 1981-1987 Bacharel em Direito
MARTHA SUZANA Administração e Doutorado em
11 CABRAL NUNES 15.08.2018 1982-1988 Ciências da Informação
ANA MARIA NUMES Licenciatura em Língua
12 ESPINHEIRO 22.08.2018 1968-1972 estrangeiras
ROSA MARIA VIANA
13 DE BRAGANÇA 22.08.2018 1966-1972 Odontologia
GARCEZ
SUZANA DE
14 MENEZES FARO 22.08.2018 1966-1972 Letras
PRUDENTE
ROSEMARY
15 MESQUITA 05.09.2018 1982-1987 Direito
LUDUVICE
LÍDIA MARIA
16 LISBOA DE 05.09.2018 1962-1968 Medicina
MENEZES
JOSÉ ADAILTON
17 BARROSO DA SILVA 06.09.2018 1979-1984 Licenciatura
ARNALDO DANTAS
18 BARRETO NETO 12.09.2018 1966-1971 Médico Veterinário
MARIA CECÍLIA
19 MENDONÇA DE 12.05.2018 1981-1985 Enfermagem
ARAÚJO ALVES
CÉSAR HENRIQUES
20 MATOS E SILVA 13.09.2018 1978-1984 Arquitetura e Urbanismo
21 JOÃO BOSCO SILVA
ROCHA 13.09.2018 1981-1986 Engenharia de Pesca
22 CARLOS WAGNER
SANTOS 19.09.2018 1980-1987 Engenheiro de minas
23 ANA VALERIA
MENDONÇA 20.09.2018 1981-1987 Pedagogia
PATRÍCIA ANDREA
24 CÁRCERES DE 20.09.2018 1981-1983 Direito
SILVA
PAULO DE SOUZA
25 RABELLO 26.09.2018 1978-1984 Matemática
ROSENILZA MELO
26 FREITAS 27.09.2018 1978-1984 Bacharel em Direito
GIOVANA
27 MONTEIRO MELO 27.09.2018 1981-1984 Enfermagem
OLIVEIRA
Fonte: Quadro elaborado pela autora.

Formas de ingresso e procedência de estudantes egressos


Nos relatos de memória dos estudantes egressos transparece diferentes formas de
ingresso aplicadas no Colégio de Aplicação no período de 1960 a 1995, como também é
diversificada a procedência escolar anterior dos estudantes. Assim, no material coletado nota-
se a existência de um número de estudantes que vieram do Educandário Brasília e do Colégio
Salvador na primeira e na segunda geração da instituição, 1960 a 1968. Um relato que chama
atenção sobre a forma de ingresso é de MENEZES (2018) que afirma “[...] era quase como se
as vagas do Ginásio de Aplicação estivessem todas destinadas a um colégio que existia, que era
o Colégio Brasília, então a grande maioria dos alunos que ingressaria no Ginásio de Aplicação
seria do Colégio Brasília”. Outros relatos dão conta de estudantes procedentes do Colégio
Salvador, isso na década de 1960 e no período em que o estabelecimento era uma instituição
privada.
Devido as alterações nas formas de ingresso no Colégio de Aplicação é possível
perceber que nos anos subsequentes esse padrão de estudantes ingressantes de um mesmo
colégio começa a sofrer algumas modificações, existindo assim alunos que vieram de
instituições públicas e privadas, da capital e do interior de Sergipe e até mesmo de outros
estados.
Os estudantes da primeira geração relatam que a primeira forma de ingresso no Ginásio
era através do exame de admissão e que existia uma concorrência muito grande (BRANDÃO,
2018). Nesse exame de admissão os estudantes eram submetidos a uma prova escrita e oral
(LEITE, 2018). Na década de 1980 o Colégio de Aplicação era visto como uma escola modelo,
então existia uma grande demanda e concorrência para ingressar no colégio (SOUZA, 2018).
Assim, uma lembrança marcante na memória de estudantes egressos era a dificuldade e a
concorrência dos exames de seleção do estabelecimento: “Era o primeiro vestibular da nossa
vida com 10/11 anos, e isso para ingressar em um colégio” (TELES, 2018).
Na terceira geração do Colégio de Aplicação é possível perceber que uma das formas
de ingresso que o colégio adotou é o sorteio público de vagas, forma que é adotada atualmente.
Esse sistema buscava dar oportunidade para todos que se interessassem em estudar no Colégio
de Aplicação.
Por serem adolescentes, alguns estudantes não conseguiam compreender como
funcionava a forma de ingresso na instituição, segundo o relato de SILVA² (2018)

Como na época meu pai era professor da universidade eu acho que tinha vaga, não sei
muito bem como funcionou/funcionava, eu sei que eu não fiz prova pra entrar né, no
Aplicação eu entrei no meio do ano, então eu já entrei com o ano em andamento, eu
não entrei em março, no começo do ano com minha turma, então eu entrei no começo
do ano sem ter feito prova, eu entrei direto digamos assim né. Meu pai era professor
da universidade e eu entrei em agosto, no meio do ano.

Alguns dos estudantes entrevistados demonstraram dificuldade em explicar e/ou


recordar o processo de ingresso que se submeteram para estudar no Colégio de Aplicação: “[...]
meu pai conseguiu a vaga para mim já que ele era funcionário, eu não lembro se tinha algum
critério de ser filho de funcionário [...]” (OLIVEIRA², 2018).
Assim, de 1960, quando recebeu a primeira turma, até a década de 1970, o ingresso de
alunos na série inicial ocorria por meio de sistema seletivo com aplicação de provas de
conhecimento. Na década de 1970, o ingresso passou a ser por meio de sorteio público de vagas.
No ano de 1983, o estabelecimento voltou a adotar o teste de seleção classificatório com provas
de conhecimento, obedecendo o seguinte: 60% das vagas para filhos de funcionários da UFS,
30% para alunos egressos de escolas públicas e 10% para alunos egressos de escolas
particulares.
No final da década de 1980, foi extinto os percentuais de dependentes de funcionários e
de escolas públicas ou particulares, permanecendo o teste de seleção classificatório com provas
de conhecimento para admissão na antiga 5ª série do 1º grau. Atualmente, o Colégio de
Aplicação oferece do 6º ao 9º do Ensino Fundamental e o Ensino Médio e o ingresso ocorre por
sorteio público de vagas.
Perfil socioeconômico dos estudantes
Outro aspecto que sofreu variações durante o período de investigação (1960-1995) foi
o perfil socioeconômico dos estudantes do Colégio. É possível perceber nas memórias de
estudantes, nos períodos em que a forma de ingresso era realizada por meio de seleção por
exames, a predominância de estudantes oriundos de escolas privadas e de famílias de estratos
médios da população, ou até de famílias ricas, como ocorreu na maior parte da década de 1960,
quando o colégio pertencia a Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe e cobrava mensalidade.
Nas décadas de 1970 e 1980 já se evidencia nas memórias dos estudantes os relatos que
dão conta de uma maior diversidade de grupos sociais. Esse aspecto é recordado como
enriquecedor, pois promovia uma maior troca de experiências e vivências.

Espaço físico
Uma das transformações que ocorreram ao longo dos anos do Colégio de Aplicação
pode ser observada na mudança do espaço físico ocupado pela instituição. Desde a sua fundação
em 1959 o Colégio de Aplicação funcionou na cidade de Aracaju, instalado no prédio da
Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe juntamente com cursos superiores oferecidos pela
faculdade. No ano de 1981, o colégio passou a funcionar na Cidade Universitária Prof. José
Aloísio de Campos, instalado em salas do pavimento superior do prédio denominado de
Didática III e, a partir do ano de 1995, foi instalado em prédio originalmente construído para o
seu funcionamento (prédio atual).
Enquanto o estabelecimento estava localizado na Rua Campos, em Aracaju, no mesmo
prédio era ocupado pela Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe (FCFS) “[...] era um espaço
pequeno, com 30 alunos, o ginásio dividia o ambiente com a FAFI, pela manhã e pela noite
funcionava a faculdade e a tarde funcionava o Ginásio de Aplicação” (BRANDÃO, 2018).
Quando da mudança das escolas primárias, por ser um espaço diferente do qual já
estavam acostumados, alguns estudantes relataram que chegaram a se assustar como o prédio
da Faculdade de Filosofia, onde estava instalado o Ginásio de Aplicação: “[...] saí de um prédio
muito pequeno para outro que era enorme, era algo assustador, por isso a minha primeira
memória é da entrada do IPES e as enormes quantidades de sala (SILVA¹, 2018).
Durante a entrevista o estudante Silva¹ chega a comparar os prédios em que ele estudou,
entre eles, o Educandário; o Ginásio localizado na Rua Campos e o prédio da didática III da
UFS, segundo SILVA¹

A gente tinha espaços como a biblioteca que a gente não tinha no educandário por
exemplo; [...] e a coisa mais estranha pra mim naquele momento era uma escola de
portões abertos, uma escola que não tinha muros pra prender, [...] a gente vivia
fechado no educandário, cheio de cadeado, cheio de portão, e aqui a gente... desde o
IPES a porta é aberta, não existia uma fechadura, não existia um portão, não existia
um vigia na porta pra lhe se segurar [...] o prédio universitário já era algo muito mais
impactante, me senti quase um universitário.

Pelo fato do Colégio ser em outro município, durante as entrevistas muitos alunos
destacaram que começaram a se desenvolver e a conhecer melhor a cidade em que moravam,
já que passaram a ir para a escola de ônibus (OLIVEIRA¹, 2018). Além das instalações no
pavimento superior da didática III, os estudantes também faziam uso de outros espaços da
universidade, como a biblioteca, o restaurante universitário, as quadras e piscinas
disponibilizada pelo departamento de Educação Física: “Nós estudávamos a tarde e pela manhã
a gente tinha educação física, passávamos por todos os esportes, como vôlei, handebol, natação”
(OLIVEIRA², 2018).
Apesar de não ter um espaço próprio do colégio, pois até 1995 o Colégio dividia com
os cursos de graduação a didática III, existia um “sentimento de posse” entre os estudantes; de
achar que a didática era totalmente do Colégio de Aplicação. Desta forma, quando estudantes
da graduação “[...] quando ocupavam a didática nós achávamos que eles estavam invadindo o
nosso espaço” (ROCHA, 2018).

Relação com os universitários e relação com os professores


O Colégio de Aplicação servia como um laboratório para alguns cursos da universidade,
por isso a relação com os estudantes da graduação é bastante enfatizada. A relação de um
colégio com uma faculdade/universidade acabava instigando os estudantes a se sentirem
“universitários”, segundo SILVA¹ (2018)

No Aplicação a ideia era que você já estava com o pé na universidade porque você já
era um pré-universitário, [...] vivíamos toda a efervescência cultural/política da
universidade, [...] se lá no IPES eu já estranhava os portões abertos, no campus
universitário eu estranhava a liberdade de estar na didática 3 misturado [...] a mudança
para o campus universitário possibilitou um ganho acho que assim, pode-se dizer um
aprendizado enquanto cultura, enquanto intelectual enquanto espaço de vivência
mesmo, de condição de vida acho que isso aqui deu pra gente.

Era um orgulho estudar em uma escola que fazia parte de uma universidade, era um
orgulho ter relações com estudantes universitários SILVA² (2018). A maioria dos estudantes
relatam a convivência com os estudantes universitários que ocorria de forma inevitável e natural
devido ao ambiente em que estava localizado o Colégio de Aplicação. O sentimento de
pertencimento por estudar em uma instituição “tão diferenciada” é marcante nos relatos dos
estudantes.
Sobre a relação com os professores, os estudantes relatam os mais diversos assuntos,
enquanto uns destacam os professores mais “carrasco” outros relatam sobre os aprendizados
políticos. Grande parte dos entrevistados comentam sobre o professor de matemática,
Laranjeiras, como uma pessoa marcante, tanto por ser rígido em sala de aula, como por ser um
grande mestre da matemática. “Ele nos chamava de assassinos da matemática aqueles alunos
que fazia muita besteira” (TELES, 2018).
Na instituição tinha ensino de desenho geométrico, poucos colégios do período tinham
esse tipo de matéria, isso expunha o quanto o ensino no colégio não buscava preparar o
estudante apenas para o vestibular e sim ensinar além desse evento. Existia também as aulas de
Educação Artística, com a professora Neuma, e por ser uma disciplina diferenciada acabou
marcando diversos alunos. Os professores, segundo os relatos de memória dos estudantes,
procuravam sempre o ensino “didático e dinâmico nas disciplinas”, afim de plantar a semente
da criatividade nos estudantes.

Aspectos da cultura escolar


A cultura escolar do Colégio de Aplicação também é marcante nos relatos de memórias
dos estudantes. No decorrer da trajetória do colégio, a cultura escolar foi marcada por diversas
práticas, como por exemplo: jornadas esportivas e culturais, jogos escolares, atividades cívicas,
excursões, passeios, demonstração de experimentos, estágios, encontro de formação de
professores, entre outras atividades.
A Jornada Esportiva e Escolar do Colégio de Aplicação (JECCA) também foi um
movimento que recebeu destaque entre os relatos dos estudantes. Segundo FREITAS (2018),
esse evento foi criando com a fundação do Grêmio Estudantil Gilberto Amado e buscava
selecionar os melhores atletas para disputar os Jogos da Primavera do estado. O JECCA é
movimento interno do Colégio de Aplicação que envolve as diversas disciplinas do colégio,
afim de destacar e incentivar as interações entre as turmas nas mais diversas atividades
estudantis.

Considerações Finais
Um dos principais objetivos da pesquisa é preservar a memória institucional,
possibilitando que o material coletado sirva como fonte para pesquisas futuras. O intuito é que
o trabalho desenvolvido possa estimular e, sobretudo, acrescentar nas pesquisas relacionadas a
memória de diversos agentes que contribuíram, não somente para a construção de um colégio,
como também para a construção da história da educação sergipana.
Com isso, as análises preliminares realizadas com o material coletado, como
demonstrado no decorrer do trabalho, observou os aspectos culturais do colégio a partir da visão
do estudante, notando-se assim a grande importância da instituição na vida dos 27 estudantes
entrevistados, influenciando não somente na formação profissional, como também nas
características, e atitudes, sócias particulares de cada estudante que fizeram parte do
desenvolvimento educacional do colégio de Aplicação.
Por fim, com a construção de um “banco de histórias” a pesquisa visa contribuir para a
produção de fontes audiovisuais, para a cultura da preservação institucional e para a valorização
da memória, afim de reconhecer e/ou aprimorar cada vez mais a importância da cultura
identitária para a construção, e o desenvolvimento, de uma instituição educacional.

Fontes e referências
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Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei4244-9-
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BRANDÃO, Paulo Roberto Dantas. “Percepções da realidade”. Memórias de estudantes


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______; NOGUEIRA, Maria Magna Menezes Correia Preservação e organização documental:


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ROCHA, João Bosco Silva. “Percepções da realidade”. Memórias de estudantes egressos do


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SILVA², José Adailton Barroso da. “Percepções da realidade”. Memórias de estudantes


egressos do Colégio de Aplicação (1960-1995). Entrevista concedida ao projeto em 06 de
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SOUZA, Lijane Dayse de Oliveira. “Percepções da realidade”. Memórias de estudantes


egressos do Colégio de Aplicação (1960-1995). Entrevista concedida ao projeto em 09 de
agosto de 2018.

TELES, Alexandre Belém Carvalho. “Percepções da realidade”. Memórias de estudantes


egressos do Colégio de Aplicação (1960-1995). Entrevista concedida ao projeto em 09 de
agosto de 2018.
FUTEBOL, CLASSE E IDENTIDADE: A FORMAÇÃO DA PRIMEIRA
EQUIPE DE FUTEBOL DA ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA CONFIANÇA (1949-1951).

Sakay de Brito Santos


Mestrando em História (PROHIS-UFS)
Email: kasaytribo@hotmail.com

Orientador: Profº Drº Petrônio Domingues (PROHIS-UFS)

O ser humano é tipicamente um ser de vida social. Para que possamos compreender os
grupos humanos, pequenos ou grandes, como configurações que os seres humanos formam
entre si, torna-se mais viável ajustar de maneira mais evidente os conceitos aos dados
observáveis do que permitir a habitual polarização entre o indivíduo e a sociedade. É aceitável
dizer-se que as estruturas sociais são estruturas formadas por seres humanos e que isso também
indica que o estudo das humanidades enquanto acumulação de indivíduos inicialmente isolados
não necessariamente representa uma tentativa para conhecer e avaliar a qualidade das
sociedades, mas sim para antes determinar as suas estruturas ou as configurações formadas por
sujeitos que estão em constante integração e movimento de maneira dinâmica e com as devidas
contradições decorrentes do convívio em sociedade.

Os grupamentos humanos produzem a partir de sua composição diversificada vários


elementos de caráter coletivo e desenvolvem padrões sociais que refletem a cultura baseada na
experiência histórica e na transmissão do conhecimento através das gerações. De acordo com
Hall (2006) a formação cultural nacional contribuiu para criar padrões de alfabetização
universais, generalizou uma língua como o meio dominante de toda a comunicação em toda a
nação, criou uma cultura homogênea e manteve instituições culturais nacionais como, por
exemplo, um sistema educacional nacional que torna evidente que as culturas nacionais são
compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e representações. Uma
cultura nacional é acima de tudo um discurso e um modo de construir sentidos que influencia
e organiza tanto as nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos. As culturas
nacionais, ao produzir sentidos sobre a “nação”, sentidos com os quais podemos nos identificar,
constroem identidades.
De acordo com Marx (2002) a centralização e o fortalecimento da figura do Estado como
entidade reguladora responsável pelo desenvolvimento de todo o conjunto social pode ser
corretamente considerada como o principal fator a desencadear toda uma mudança na
configuração da disputa de controle das instituições industriais, financeiras, educativas e
religiosas por parte das elites de vários países europeus, acompanhado também de outros
fenômenos sociais e expressões que designam aspectos específicos, como industrialização,
crescimento econômico, alteração demográfica, urbanização e modernização política, que de
fato, caracterizam uma transformação de longo prazo da estrutura social total. É possível
identificar como sendo um dos principais elementos deste processo, conforme Elias (1992), a
elaboração e o refinamento das condutas e dos padrões sociais, de como se sucede a divisão do
trabalho, pela dimensão e pela estrutura das suas cadeias de relações entre os indivíduos e pelo
equilíbrio entre as pressões nomeadamente de caráter social.

O processo de industrialização ocorrido na Inglaterra a partir do séc. XVIII acarretou


drásticas mudanças no cotidiano da sociedade que podem ser verificadas com o aumento da
urbanização e do contingente demográfico das cidades, o que gerou uma alta regulamentação
do tempo exigida pela vida numa comunidade relativamente diferenciada, pois numa
comunidade industrial que compreende muitos milhares, ou mesmo milhões de pessoas
tornava-se cada vez mais necessário um controle das mais diversas atividades das pessoas, tanto
no que se refere ao trabalho como também em suas práticas fora desse ambiente, as atividades
de não-lazer. O desporto era uma das soluções para este problema.

Segundo Elias (1992) em todas as configurações sociais e nos mais diversos tipos de
sociedade ocorreram manifestações de caráter coletivo que não estavam relacionadas com as
atividades laborais, cujo propósito consistia aprioristicamente em satisfazer a necessidade de
liberar as tensões criadas no ambiente cotidiano a partir atividades que exploravam o esforço
físico numa disputa de caráter mimético50. Vale destacar que o termo desporto refere-se a uma
atividade de grupo organizada, centrada num confronto entre, pelo menos, duas partes e que
exige um certo tipo de esforço físico o que determina que a desportivização dos passatempos
de lazer aconteceu paralelamente ao processo de industrialização que ocorreu na Inglaterra a
partir do final do séc. XVIII e principalmente a partir da segunda metade do séc. XIX.

50
Conforme ELIAS (1992) são as atividades de tempo livre que possuem caráter de lazer, quer se tome parte
nelas como ator ou espectador.
Na linha do desenvolvimento do desporto é possível identificar duas das principais
razões para justificar e compreender como as atividades de caráter desportivo atingiram um
nível considerável de maturidade tanto na sua estrutura e organização, como também na sua
propagação como elemento intrínseco do novo estilo de vida urbano-industrial. A formação de
clubes, levada a efeito por pessoas das elites interessadas em participar como espectadoras ou
executantes numa ou noutra das suas variedades, representou um papel crucial no
desenvolvimento do desporto. Na fase anterior ao desporto, divertimentos como a caça e uma
diversidade de jogos de bola eram regulamentados de acordo com as tradições locais que
variavam com frequência, de uma localidade para outra. Quando se tornou um hábito organizar
confrontos de jogos ultrapassando o nível local devido ao deslocamento das equipes de críquete
de um local para o outro, tornou-se necessário garantir a uniformidade do jogo. Outro fator
importante no desenvolvimento significativo no que se refere à modernização desses jogos
aconteceu na segunda metade do séc. XIX com a incorporação das atividades desportivas no
programa educacional das escolas públicas britânicas, permitindo não só que tais práticas
fossem incorporadas no cotidiano social dos ingleses, mas que também representaria um forte
elemento cultural, partilhando do mesmo prestígio e alcance que as técnicas e equipamentos
industriais conseguiram mundo afora.
Do mesmo modo e em grande medida por esta razão, outros tipos de confrontos físicos com
as características de desportos foram exportados da Inglaterra e adotados por outros países,
entre eles as corridas a cavalo, o tênis, a corrida e outros gêneros de provas atléticas. A
transição dos passatempos a desportos, a «desportivização», se é que posso utilizar esta
expressão como abreviatura de transformação dos passatempos em desportos, ocorrida na
sociedade inglesa, e a exportação de alguns em escala quase global, é outro exemplo de
avanço de civilização. (ELIAS, 1992. p. 42-43).

Inicialmente, o tipo aristocrático dos passatempos que dominou a prática do desporto na


Inglaterra na primeira metade do século XIX propagou-se para outros países e foi adotado pelas
correspondentes elites sociais antes de os tipos mais populares, como o futebol, se
desenvolverem com tais características. Paralelamente ao crescimento industrial dos demais
países, a Inglaterra passou a servir de modelo representativo da modernidade à medida que
exportava suas técnicas, seus profissionais e seu maquinário para nações como o Brasil, que
iniciaram posteriormente o seu processo industrial.
A análise do desenvolvimento do futebol como uma atividade social integrante de uma
configuração mais vasta que é composta pelos membros da sociedade como um todo e que por
sua vez caracteriza-se como um fenômeno social por direito próprio, pode oferecer uma
excelente contribuição para se compreender em quais termos as interligações de planos e de
ações dos sujeitos sociais envolvidos, refletem-se nas relações de identidade, cultura e política.
Aliás, não se encontram socialmente separados e desinseridos sem relação com a estrutura mais
ampla de interdependências sociais, mas intimamente entrelaçados, muitas vezes de forma
complexa, com a estrutura da sociedade em geral e com a maneira como esse tecido é
entrelaçado no âmbito da sua estrutura.
O objetivo dessa pesquisa é entender o futebol sergipano como um importante elemento
na configuração social e que, portanto, deve ser objeto de uma análise sociológica que
possibilite compreender a partir de seu próprio desenvolvimento qual o seu nível de
interferência e seu percentual de contribuição na alteração do plano das relações sociais em
Sergipe. Examinando a trajetória histórica do processo social do futebol na capital Aracaju no
decurso da década de 50 do século passado podemos perceber através do esporte que o seu
incipiente curso de urbanização e industrialização pode revelar que fatores como o seu início
elitista (quando trazido pelos militares que destacavam na Capital Federal ou nas malas dos
jovens de famílias ricas que retornavam de seus estudos em São Paulo e principalmente no Rio
de Janeiro), a disposição clubística, a organização político-administrativa que regulava o
Campeonato Oficial Amador e o surgimento dos times de fábrica resultaram numa massiva
popularização do futebol no seio das camadas populares promovendo um canal de comunicação
e o contato direto entre as mais diversas camadas sociais de maneira aberta e direta, além de
representar uma importante ferramenta de inserção social e mesmo que ainda para poucos,
tornando real uma chance obter melhores oportunidades na vida.
Diferentemente das demais atividades desportivas praticadas de maneira exclusiva nos
clubes de elite como as corridas à cavalo ou o remo, o futebol foi favorecido pela simplicidade
nas regras e a maneira fácil de se praticar caindo imediatamente no gosto popular como sugere
Aquino (2002), já que poderia ser praticado por qualquer um e em qualquer dia do ano nos
inúmeros terrenos baldios, arrabaldes, aterros e apicuns que eram tão comuns em todas as
regiões da cidade. Esse fator foi determinante para que o futebol se tornasse o signo das
diferenças sociais e da luta de classes na configuração do espaço urbano da capital que se
encontrava a partir daí, espacialmente demarcada também pelos seus clubes de futebol, que
condensavam e recriavam as suas conotações ideológicas ligadas aos bairros e às comunidades
ao qual pertenciam. Este fenômeno foi responsável pelo surgimento de dezenas, centenas de
times. Havia time dos gráficos, dos farmacêuticos, de veteranos, de jornalistas, de bancários,
de comerciantes... times de bairros, de ruas, de regiões. O campo de futebol e a dinâmica do
jogo assumiram assim numa menor escala o papel de representar as contradições e as faces que
constituíam o cenário social entre aqueles que cultivavam a sua prática aristocrática e os que
redimensionavam os seus sentidos a partir da prática cotidiana. De acordo com Silva (2006)
jogadores que eram membros de uma elite atenta às últimas novidades europeias passaram a
conviver – contra a vontade – com outros jogadores que saíam de cortiços, de quartéis, de casas
de secos e molhados ou de fábricas.
Esta pesquisa foi evidenciada a partir de uma rigorosa pesquisa nas fontes disponíveis
para se compreender em quais parâmetros se deu o crescimento do fenômeno futebolístico em
Sergipe. Diante de uma inexistente documentação oficial em decorrência de um grande
incêndio que ocorreu no antigo prédio da FSD na década de 6051, o caminho foi percorrer toda
a produção periódica da época52, de uma Imprensa que ainda vivia sua transição para uma
‘profissionalização’ e seguir a perspectiva de Thompsom (1992) de utilizar um método que
inegavelmente tem os seus limites, mas que apresenta vantagens muito grandes do ponto de
vista da abrangência pois a história oral permite uma escrita mais democrática, ligada à “história
vista de baixo”. Dá voz aos que, nos documentos tradicionais, não seriam considerados. Foram
incontáveis encontros extremamente proveitosos e vários depoimentos de ex-jogadores, ex-
dirigentes, árbitros da época e jornalistas que puderam construir e reconstruir o cenário do
esporte-rei53 em terras sergipanas além de trazer ao conhecimento público a memória de vários
personagens marcantes e determinantes na ascensão da AD Confiança, o grêmio proletário,
como representante legítimo da identidade do povo marginalizado e da classe trabalhadora,
dando um novo sentido à logica do esporte bretão em nossas canchas.
Resguardadas as devidas ressalvas quanto às suas particularidades e dimensões, é
notável constatar que ao se traçar um perfil histórico comparativo entre a trajetória do futebol
no eixo Rio-São Paulo e o desenho que se formou na capital sergipana e que era o polo de
irradiação de cultura e modernidade para o interior do Estado, podemos observar claramente o
alto de grau de semelhança e congruência nos dois processos. Poderia até afirmar que são
análogos. Como podemos observar em Caldas (1990), a chegada a partir de 1895 em São Paulo
com Charles Miller, em 1904 no Rio com Oscar Cox, o elitismo e a tradição dos grandes clubes,
a proletarização do jogador, a imensa aceitação popular, o incontável número de times de bairro,
o surgimento da Imprensa especializada, a ligação ubíqua com o comércio, os conflitos entre
as camadas sociais e a aliança com a política na construção de uma identidade comum são

51
1966.
52
Correio de Aracaju; Diário de Sergipe; O Nordeste; O Tempo e Sergipe Jornal.
53
Denominação dada ao futebol devido sua grande popularidade.
fatores de interseção que devem ser levados em consideração. Rememorar o desenvolvimento
do futebol sergipano é recontar o próprio processo de incorporação desse esporte em nível
nacional.
Em 1949 a cidade de Aracaju não possuía grandes dimensões. Seu espaço geográfico
expressava um padrão urbano/selvagem onde o crescente processo de urbanização promovido
pela PMA54 ainda indenizava vários proprietários na desapropriação de sítios e terrenos para a
abertura e prolongamento de algumas de suas principais artérias, como a rua de Laranjeiras, rua
São Cristóvão e av. Rio de janeiro55. Sinal de que a expansão da área urbana começara a pôr
em contato os diversos aglomerados urbanos que cresciam ano após ano, para além do
Quadrado de Pirro. Símbolo de vanguarda urbanística para alguns, tinha na verdade a função
de mensurar a desigualdade social sobre o terreno pantanoso e alagadiço da novel capital
costeira, generosamente banhada pelos rios Sergipe e Tramandaí e pelos inúmeros pequenos
braços fluviais que ‘retalhavam’ toda a cidade. Tais aspectos podem ser mais bem
compreendidos a partir de uma análise mais acurada da ocupação demográfica de Aracaju
período histórico em questão.
Os serviços públicos essenciais providos pela prefeitura eram extremamente defasados.
A parcela geográfica urbanizada correspondia a uma margem de 25% dos limites da cidade de
acordo com Machado (1989). Ao norte a partir da antiga praça do Obelisco56 que era reduto
principalmente das camadas médias urbanas, funcionários públicos de baixo escalão, além de
pequenos e médios comerciantes; seguindo pela av. Rio Branco, o centro da cidade, situavam-
se as Instituições Governamentais, os prédios Públicos, o Colégio Estadual e os tradicionais
estabelecimentos particulares de ensino57, o grande comércio e era composta principalmente de
profissionais liberais, proprietários de casas comerciais, cirurgiões-dentistas e médicos de
várias especialidades. A zona sul limitada pela Curva do carvão58 e pelo Carro Quebrado59 era
formada essencialmente pela elite política e econômica da capital representada pelos grandes
empresários, industriais, personalidades políticas e jurídicas. Em direção ao oeste, o alcance de
ruas com calçamento atingia até a rua Simão Dias. A área em volta desse perímetro era ocupada
pelos ¾ restantes dos aproximadamente 75.000 habitantes que viviam em Aracaju como

54
Prefeitura Municipal de Aracaju.
55
Diário de Sergipe, 27/02/1951.
56
Atualmente Mercado Antônio Franco. (N. A.).
57
Colégio Jackson de Figueiredo e Tobias Barreto. (N. A.).
58
Bairro 13 de Julho, atualmente “Curva do Iate Clube”. (N. A.).
59
Bairro São José. (N. A.).
encontramos em Diniz (1963). Grandes bairros como o Monte Castelo60, Aribé61, Matadouro62,
Joaquim Távora63, Industrial e Santo Antônio sofriam diariamente com a ausência de uma rede
de esgoto que impedisse os constantes alagamentos que sempre ocorriam em dias de chuva, não
existia calçamento nas ruas e por conta disso, era impraticável o acesso de veículos, não
permitindo uma coleta de lixo regular; o SLFA64 não era capaz de garantir o fornecimento de
energia tornando frequentes os blackouts e as noites de completa escuridão, provocando a
queima vários aparelhos domésticos. A rede de abastecimento de água não cobria além do
perímetro urbano e os moradores desses bairros dependiam de lavanderias públicas e fontes
particulares, com seus donos cobrando caro pelo precioso líquido; o sistema de transporte
público não possuía horário certo e consistia em seis linhas de bonde que ligavam o centro a
alguns pontos desses bairros mais algumas marinetes da ETU65 do Sr. José Martins que tentava
manter a frota diante de tantos carros que quebravam em virtude da condição das vias; o
Gragerú e a Praia Formosa66 eram vilas de pescadores sem a mínima infraestrutura, pouco
habitadas e em processo de loteamento.
A capital vivia basicamente de sua atividade industrial ainda em pequena escala e de
seu modesto centro comercial, em virtude de não possuir abertura suficiente na saída do rio
Sergipe para comportar a chegada de navios comerciais de maior porte, o que encarecia o preço
dos produtos básicos de abastecimento da cidade, tornando muito alto o custo de vida para o
aracajuano de baixa renda67. Com somente uma pequena parcela da PEA preenchendo o
limitado mercado de trabalho, restava à grande população suburbana que não possuía
qualificação profissional ou sequer uma formação educacional, viver do subemprego ou de
atividades pouco remuneradas.
O esporte como atividade social foi capaz de pôr num mesmo plano os setores mais
diversos da sociedade aracajuana. O campo de futebol passou a abrigar a coexistência muitas
vezes conflituosa, entre classes tão díspares, expressando através da composição dos clubes e

60
Bairro Getúlio Vargas e Cirurgia. (N. A.).
61
Bairro Siqueira Campos. (N. A.).
62
Bairro Santos Dumont. (N. A.).
63
Bairro 18 do Forte. (N. A.).
64
Serviço de Luz e Força de Aracaju. (N. A.).
65
Empresa de Transporte Urbano.
66
Bairro 13 de Julho. (N. A.).
67
Sergipe Jornal, 11/01/1949.
da organização do seu Campeonato Oficial a nova configuração social que se formava em torno
do association68.
Devido a seu processo de ocupação em andamento havia na cidade, segundo Loureiro
(1983), uma imensa quantidade de terrenos e apicuns que eram adaptados para a prática do
futebol. Esse fato foi responsável pelo aparecimento de uma grande quantidade de times pelos
bairros, dando origem à rivalidade fortalecida entre as comunidades na disputa da Liga
Suburbana que era organizada de maneira autônoma pelos representantes das principais equipes
em jogos que atraíam o grande público e movimentavam os domingos na periferia. O subúrbio
sempre foi celeiro de inúmeros craques e possuía boas equipes, times tradicionais que muitas
vezes forneciam bons jogadores para os grandes clubes da cidade.
A Liga Suburbana era formada por clubes como o Aspirante Palestra, Tobias Barreto,
Santa Cruz, Ginásio, Aracaju, Corinthians, Onze Perigos, Nordeste, Independente, Madureira,
Vitória e Atlético, times que não tinham condições de ingressar ou manter-se na disputa do
Campeonato Oficial por conta dos parâmetros estatutários da FSD69 que dificultavam
sobremaneira a possibilidade dessas equipes participarem do seleto grupo.
O Certame agregava times com distintas dimensões e realidades. O Cotinguiba e o
Sergipe respectivamente os clubes mais antigos e tradicionais do Estado, ambos do bairro da
Fundição70 e originalmente fundados para a prática do remo, comportavam a elite econômica e
política e contavam com um razoável número de associados que frequentavam os jogos e os
bailes dançantes conduzidos pelas orquestras do Maestro Pinduca e João Soares. Eram os dois
maiores clubes e, portanto tinham um grande poder de influência na FSD. Num segundo nível
estavam as equipes que batalhavam para manter seus times e que contavam sempre com uma
figura muito comum da época: “o abnegado”. Dirigentes e acima de tudo, torcedores, que não
mediam esforços para dar a vida pelos seus times. O Vasco EC de Cacetão 71, Pirricha72 e o Sr.
Moura Filho, era composto por jovens de classe média, empregados do comércio e profissionais
liberais; o Paulistano FC dos irmãos Raimundo e Deocleciano Ramos, era mantido por
pequenos e médios comerciantes que cooperavam para sustentar a ampla sede da rua São
Cristóvão e ofereciam emprego para seu plantel; o Olímpico FC possuía um dos elencos mais
fortes entre recrutas e oficiais do Exército. Sua sede era no 28º BC e tinha como principal

68
Denominação Oficial do futebol na Inglaterra. (N. A.).
69
Federação Sergipana de Desportos. (N. A.).
70
Região atualmente entre o Centro da cidade e o bairro 13 de Julho. (N. A.).
71
João Álvares Pereira. (N. A.).
72
Manoel Felizardo do nascimento. (N. A.).
responsável o Cap. Djenal Tavares de Queiroz, personagem de destaque na política e no esporte
sergipano; as equipes mais modestas eram o Palestra FC de João Smith, que era bancado por
amigos e alguns pequenos comerciantes e o Atlântico FC, formado por jovens garotos de classe
média alta, liderados pelo Sr. José Tomaz Gomes. O diferencial da temporada de 1949 estaria
por conta da mais nova equipe a se filiar na FSD e registrar o seu time para disputar competições
oficiais, a Associação Desportiva Confiança.
A firma Sabino Ribeiro & Cia, a fábrica Confiança contava com 780 operários, era a
segunda73 indústria têxtil de Aracaju e foi fundada em 1907 no apicum situado no extremo norte
da cidade, o futuro bairro Industrial. Desde 1936 por iniciativa de Epaminondas Vital e o jovem
Joaquim Sabino Ribeiro Chaves sustentava equipes de voleibol, pingue-pongue e basquetebol
formadas por operários como parte de um programa de lazer entre os funcionários além de
participar de campeonatos nas modalidades.
A ideia de montar uma equipe de futebol surgiu após boas atuações que a AD Confiança
desempenhou num torneio entre as fábricas Confiança, Passagem (Neopólis), Santa Cruz
(Estância) e Bomfim (Estância) que acontecia anualmente nas comemorações do dia do trabalho
no campo Adolfo Rolemberg. A popularidade do futebol e o exemplo do Bangu-RJ motivaram
os amigos Djenal e Joaquim Ribeiro a tomar as devidas providências para inscrever a AD
Confiança na FSD e para reunir um bom elenco de jogadores que representassem de forma
digna o nome da fábrica. Mal imaginavam eles a magnitude e a repercussão que esse gesto
representara. Foi escolhido o uniforme com camisa branca de mangas e colarinho azul, short e
meião azul e o brasão foi gentilmente desenhado numa mesa do refeitório do quartel pelo atleta
propriaense do Olímpico e assessor do Cap. Djenal, João Gomes, fazendo a lápis um círculo
com um copo e inserindo (inspirado no Olímpico) as três letras que mudariam os rumos do
futebol a partir daquele janeiro de 1949: ADC.
Coube a Djenal recrutar os melhores elementos dos times de bairro da capital e do
interior para integrar o verdadeiro selecionado que se formava no bairro Industrial. A
oportunidade de emprego na fábrica seria o fator decisivo para atletas de todo o Estado
desejarem participarem da equipe que já despontava como a mais nova força do nosso futebol.
O comando técnico ficaria por conta do enfermeiro e ex-zagueiro de CSS74 e Vasco, o
laranjeirense Enoque Alves do Nascimento.

73
A primeira foi a fábrica Sergipe Industrial, de propriedade de Thalez Ferraz. (N. A.).
74
Clube Sportivo Sergipe.
Assim foi formado o primeiro time do Confiança: Pedro Babú [Palestra], Sílvio
[Riachuelo], Bidú [Olímpico], Mergulho [Independente], Dão [Riachuelo], Sandoval de Barros
[Olímpico], Tião [Riachuelo], João de Belaniza [Ipiranga], Paulo Lumumba [Riachuelo], Jaime
de Souza Lima [Vasco] e Pedrinho [Madureira]. A primeira partida oficial disputada foi em
06/03/194975 pelo Torneio Adolfo Rolemberg com vitória sobre a equipe do Atlântico pelo
placar de 5 x 1. O primeiro gol da história da equipe foi marcado pelo atacante de Maruim, o
‘Infernal’ João de Belaniza e contou com um público estimado em 2.500 pessoas com renda de
Cr$ 3.500,00 no campo suburbano do Tobias Barreto.
Esse era tradicionalmente o primeiro torneio da temporada, sempre disputado no campo
homônimo, cuja propriedade era dividida entre CSS e Cotinguiba. As péssimas condições da
estrutura e o desabamento de um lado inteiro das arquibancadas fizeram com que a FSD
transferisse o torneio76 Adolfo Rolemberg para o campo suburbano do Tobias Barreto no bairro
Monte Castelo que logo recebeu a alcunha de “tenda de circo” por conta do cercamento feito
com tecidos da Fábrica Confiança juntamente com o esforço de João Smith e Djenal Tavares.
A negativa da federação em bancar a reforma do campo particular e levar o campeonato para
um bairro suburbano fez com o presidente João Oliveira Sobrinho pressionado pelos seus
dirigentes e associados, não permitisse a participação do Cotinguiba77 nem no Torneio e nem
no Certame, levando consigo o CS Sergipe e o Vasco, que dependia do campo do Adolfo e da
quadra do Cotinguiba para treinar suas equipes de basquete e futebol. O sucesso de público e
renda da competição a qual o Olímpico foi campeão atraiu posteriormente o CS Sergipe e o
Vasco, ficando o clube da Fundição isolado e não competindo nessa temporada. O problema
gerado entre os clubes foi preponderante para a construção do Estádio de Aracaju que seria
inaugurado em 195078.
O grande interesse despertado na população gerou um aumento considerável no
destaque dado ao futebol nas páginas dos jornais, praticamente dobrando suas vendagens. Esse
fator foi decisivo na fundação da ASCDS79, lideradas pelos jornalistas José Thomaz Gomes da

75
Sergipe Jornal, 10/03/1949.
76
Sergipe Jornal, 20/01/1949.
77
Diário de Sergipe, 18/07/1949.
78
15/01/1950. (N. A.).
79
Associação Sergipana de Cronistas Desportivos.
Silva, José Eugênio e José Martins Penalvo. O Torneio Initium80 fora organizado com toda a
renda revertida para a entidade que fortalecia a ligação do futebol com o cotidiano do futebol.
O Certame desse ano foi realizado em sistema de turno e returno com um jogo no campo
Tobias Barreto e outro no Adolfo. Sagrou-se campeã a boa equipe do Palestra que viria a vencer
também a decisão do Campeonato Absoluto contra o Passagem, sendo que a ADC foi a
vencedora do campeonato mas em virtude da Lei do Estágio perdera todos os pontos
conquistados. O técnico Enoque preferiu adquirir conjunto a ter que abrir mão de seus melhores
jogadores.
Na temporada de 1950 a renda dos jogos do Confiança era em média cinco vezes maior
que o valor obtido nos jogos entre as demais equipes. Ser torcedor do Confiança representava
ser da classe trabalhadora, da população pobre. Foram contratados novos jogadores e
novamente a campanha foi vitoriosa, culminado no vice-campeonato da cidade, vencido pelo
Paulistano81.
O ano de 1951 foi particularmente especial para as camadas marginalizadas e o povo
em geral. Com resultados positivos e boas atuações em todas as partidas amistosas disputadas
na pré-temporada, a ADC despontava como favorita ao título e as previsões não pareciam estar
erradas. O confiança venceu com primazia o Torneio Início em 25/03/195182 e partia
juntamente com a sua enorme torcida para a conquista do Certame.
Logo no seu primeiro jogo o Confiança arrasou o Atlético EC pelo impressionante
placar de 18 x 083 e foi vencendo jogo após jogo com uma admirável média de público em seus
jogos, arrebanhando torcedores em todos os cantos da cidade e despertando o sentimento
comum de que naquele ano um time formado por sapateiros, tecelões, pintores e eletricistas,
fosse capaz de desbancar os grandes clubes tradicionais de Aracaju.
Chega a última rodada com o Confiança e Olímpico empatados na ponta da tabela
restando apenas o duro confronto com a forte equipe do Vasco e que foi decidido em favor do
grêmio proletário com o gol salvador do atacante Dunga aos 29 min. do segundo tempo, fazendo
explodir os mais de 4.000 torcedores apaixonados no grito uníssono de campeão que ecoou
noite adentro pelas ruas do bairro Industrial84.

80
Segundo Silva (2006) o Torneio Initium foi criado em 1916 por um grupo de jornalistas que tinha Mário Pollo à
frente da organização. O objetivo era fazer uma prévia do que seria o campeonato principal e com renda
revertida para o auxílio do patronato de menores.
81
Jornal O Nordeste, 08/11/1950.
82
Correio de Aracaju, 27/03/1951.
83
Diário de Sergipe, 23/04/1951.
84
Diário de Sergipe, 29/10/1951.
Restava agora para coroar a temporada e agraciar a torcida a final do Campeonato
Absoluto que seria decidida contra o atual campeão Passagem. Após empate em 2 x 2 na
primeira partida no Estádio de Aracaju o time ficou concentrado durante uma semana no Sítio
da família Ribeiro Chaves no município de Salgado, treinando fortemente para a partida
decisiva.
Numa partida eletrizante que quebrou os recordes de público e renda em todo o
campeonato, a ADC carregou em seu escudo toda a força que vinha de seu torcedor que tanto
apoiou durante o Certame e venceu de maneira brilhante pelo placar de 7 x 185 com quatro gols
do atacante Pedrinho. Dizem que a festa durou três dias e que as ruas do bairro Industrial foram
tomadas pelo maior baile a céu aberto que Aracaju já vira. Foi do tamanho da sede de vitória
de um povo sofrido que a AD Confiança saciou com seu time vencedor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CALDAS, W. O pontapé inicial: memória do futebol brasileiro. São Paulo: Ibrasa, 1990.
DINIZ, José Alexandre Felizola. Aracaju: síntese de sua Geografia Urbana. Dissertação para
concurso de professor de Geografia do Colégio Atheneu Sergipense, UFS: 1963.
LOUREIRO, Kátia Afonso S. A trajetória Urbana de Aracaju: em tempo de interferir.
Aracaju, Instituto de Economia e Pesquisa – INEP, 1983.
ELIAS, Nobert.; DUNNING, Eric. A busca da excitação no lazer. Lisboa: Difel, 1992.
______. O Processo Civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1990. v. 1.
FILHO, Mario. O negro no futebol brasileiro. Rio de Janeiro: Maud, 2010. 5ª ed.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da
Silva, Guacira Lopes Louro. 11ª Ed. Rio de janeiro: DP&A, 2006.
MACHADO, Ewerton Vieira. Aracaju: Paisagens e fetiches. Abordagens acerca do processo
de seu crescimento urbano recente. Dissertação de Mestrado.
UFSC: 1989.
SANTOS, A. R. Metodologia científica: a construção do conhecimento. Rio de Janeiro:
DP&A, 2000.

85
Diário de Sergipe, 04/12/1951.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da.; SANTOS, Ricardo Pinto dos. Memória Social dos
Esportes: futebol e política: a construção de uma identidade nacional. Rio de Janeiro:
Mauad Editora, FAPERJ, 2006.
THOMPSON, Paul. A Voz do Passado: história oral. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992.
- Entrevistas:
ALVES, Américo: depoimento [dez. 2013]: Entrevistador: Sakay de Brito. Aracaju: UFS, 2013.
DIAS, Ariston: depoimento [jan.- abril. 2013]: Entrevistador: Sakay de Brito. Aracaju: UFS,
2013.
SANTOS, João Gomes dos: depoimento [out. 2012 – jan. 2013]: Entrevistador: Sakay de Brito.
Aracaju: UFS, 2013.
SANTOS, José Eugênio: depoimento [set. 2012 – dez. 2012]: Entrevistador: Sakay de Brito.
Aracaju: UFS, 2013.
SANTOS, Pedro dos: depoimento: [set. 2012 – dez. 2012.]: Entrevistador: Sakay de Brito.
Aracaju: UFS, 2013.
SOUZA, Delmar Teles de: depoimento [out. – dez. 2012]: Entrevistador: Sakay de Brito.
Aracaju: UFS, 2013.
ASPECTOS DO COTIDIANO RIBEIRINHO A PARTIR DOS MODOS DE VIDA NO
BAIXO SÃO FRANCISCO

Autor: Ana Beatriz Vilar Lessa


Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista Pibic (COPES/UFS)
biavlessa@hotmail.com

Orientador: Marcelo de Almeida Ferreri

Apresentação
Esta pesquisa é desdobramento de um estudo anterior, que iniciou a tentativa de abordar
tensões produzidas historicamente por transformações socioculturais em diversos povoamentos
do território do Baixo São Francisco sergipano, espaços especificamente selecionados em
função da análise dos registros documentais de uma perícia socioambiental feita na região. A
confecção do laudo pericial veio por demanda judiciária, em razão de um processo movido por
ex-moradores contra a Companhia Hidrelétrica do São Francisco, sob a alegação de
modificações na região com a instalação da Usina Hidrelétrica As referidas transformações
socioculturais que incidem sobre a região sergipana seriam provenientes de amplos processos
de desenvolvimento econômico e social que redundam em modificações na vida daquele lugar.
A aposta da pesquisa é que a análise dos modos de vida dos povoamentos da região estudada,
com base no entendimento da vida cotidiana operado por Michel de Certeau, permite acesso a
elementos importantes da vida comum do lugar e seus respectivos conflitos para o
conhecimento efetivo da vida no contemporâneo.
Para a elaboração do laudo pericial, foi produzido um extenso acervo documental, desde
fundamentações teóricas para inquirir as partes do processo a fotos e diários de campo. Os
registros, em seu conjunto, apresentam as idas e vindas de uma região programada para
cumprimento da missão desenvolvimentista historicamente incumbida. Impressões de
organização, ajuste e preparo no trato das transformações sócio-culturais da região,
especialmente das que provêm da intervenção do desenvolvimento regional, emergem como
elemento analítico privilegiado para caracterizar a relação entre Estado, corporações e modo de
vida local.

O Baixo São Francisco como objeto de pesquisa

O rio São Francisco já foi alvo de várias políticas desenvolvimentistas. Assim, em


meados do século passado houve a instalação de complexos hidroelétricos (hoje são quatro) em
seu curso e programas de desenvolvimento do poder público – com marcos na criação da
Companhia Hidrelétrica do São Franscisco (CHESF) em 1945 e da Companhia de
Desenvolvimento do São Francisco (CODEVASF) em 1974. O rio-mar já foi designado rio da
unidade nacional, pela diversidade cultural que habita suas proximidades, e rio da integração
nacional, pela “incumbência” de desenvolvimento agroeconômico, energético e social a que foi
submetido.

Através de dados sociodemográficos, a maior parte produzidos pelo Instituto Brasileiro


de Geografia e Estatística (IBGE), o território do Baixo São Francisco apresenta o menor IDH
do estado de Sergipe, abriga apenas pequena parte da população, tem Produto Interno Bruto
(PIB) bastante pequeno. A região como um todo abriga sete comunidades quilombolas e pelo
menos treze assentamentos de reforma agrária, que demandam políticas públicas diferenciadas.
O programa governamental chamado Territórios da Cidadania do anterior Ministério do
Desenvolvimento Agrário, hoje Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que tinha
como objetivos promover o desenvolvimento econômico e universalizar programas básicos de
cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável informava
investimentos de 98,7 (noventa e oito, vírgula sete) milhões de reais em ações que tratam de
apoio à produção agrária, à cidadania e infraestrutura no período de 2009 a 2015 (PORTAL
TERRITÓRIOS DA CIDADANIA, 2014).
O Baixo São Francisco recebeu uma atenção especial para pesquisa com uma perícia
socioambiental realizada na região. Advinda de uma encomenda do Judiciário, um dos
professores integrantes Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Exclusão, Cidadania e Direitos
Humanos (GEPEC) foi nomeado como perito dos processos 0002809-27.2002.4.05.8500 e
0000420-35.2003.4.05.8500 da Segunda Vara de Justiça Federal de Sergipe. A razão que
motivou estes processos judiciários é argumentada pelo fato de que a instalação e o
funcionamento da Usina Hidrelétrica de Xingó haveriam produzido bb grandes danos
socioambientais na vida dos moradores do povoado Cabeço, no município de Brejo Grande/SE,
seja pela inundação completa do povoado, seja pela restrição das condições de pesca na região,
em uma lide iniciada em 2002. Para a confecção do laudo pericial demandado, a perícia
socioambiental, em parte equipe dessa pesquisa, realizou, dentre outras ações, um estudo que
totalizou 45 (quarenta e cinco) viagens a campo, passando por 25 (vinte e cinco) localidades da
região, realizadas entre junho de 2012 e dezembro de 2014. Essas visitas tiveram como função
a produção de registros que descrevessem o cotidiano da vida local.
A partir dos registros realizados nessas idas a campo e do histórico da região, pode-se
constatar novas configurações no universo do trabalho. De acordo com Mendonça Filho e
Carvalho (2016), há dois modos diferentes de produção coexistindo e atravessando as relações
no Baixo São Francisco desde o século XVII até a atualidade. O primeiro modo é o de
subsistência e segundo o verbete 16 (“modos de produção”), de Mendonça Filho e Carvalho
(2016), constitui-se produção para uso próprio e dos que estão próximos; já o segundo, é o
comercial, que atende aos anseios do mercado. Contudo, tais formas de produção e suas
dinâmicas sociais vêm passando por diversas transformações com a intensificação do
desenvolvimentismo, em especial com a implantação da Usina Hidrelétrica Xingó. A partir do
crescimento do projeto de desenvolvimento nacional nas comunidades que circundam o “Velho
Chico”, o Baixo São Francisco tem vivido um gradual desarranjo dos modos de subsistência,
com uma “perda de sustentabilidade por tornar as pessoas dependentes do fluxo (em geral
limitado e instável) de dinheiro” (MENDONÇA FILHO & CARVALHO). Assim, assiste-se a
uma mudança das sociabilidades dos ribeirinhos em decorrência das modificações nos modos
de produção.
Uma das alterações nas formas de trabalho que vem se processando no Baixo São
Francisco diz respeito à modernização da produção agrícola. Nesse sentido, Sousa (2011)
aponta uma territorialização do capitalismo no meio rural, com o incremento de tecnologias
modernas com fins de aumento de produtividade. Para a autora, reside nesse processo uma das
contradições do capitalismo, pois este sistema não aceita o “ser camponês” e ao levar a
modernização para o campo tenta alçar o campesinato ao status de agricultura familiar; todavia,
ela aponta que ao adquirir maquinário moderno, o pequeno produtor se endivida e acaba
correndo o risco de perder sua terra. Dessa forma, Sousa ressalta que no Baixo São Francisco a
modernização da agricultura revela outro lado do desenvolvimentismo na medida em que as
famílias camponesas ficam “na luta acirrada pela manutenção da vida” e a miséria é
estabelecida, enquanto o capital se beneficia com grandes rendimentos, atendendo ao mercado.
Apesar das alterações acima indicadas, Shimada (2011) ressalta que em Sergipe, a
economia açucareira ainda tem grande destaque. Segundo a autora, a cana-de-açúcar está
incorporada na ordenação do agronegócio, se adequando às imposições do mercado, com o
aumento da produção do açúcar e de álcool etílico para agrocombustível. Uma das
consequências da produção e exportação da cana é a uma crescente concentração de terras entre
os grandes empresários, além da exploração do trabalhador de corte de cana, submetido a
condições precarizadas de trabalho (Shimada, 2011).

O cotidiano certeauniano e as táticas da massa

Michel de Certeau vincula sua caracterização de cotidiano às ideias de “estratégia” e


“tática”. A primeira Certeau elabora como o “cálculo (ou manipulação) das relações de forças
que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa,
um exército, uma cidade, uma instituição científica) pode ser isolado” (LEITE, 2010). Já a
segunda se refere à “arte do fraco” e se liga à astúcia, que “opera golpe por golpe”. Em vista
disso, a teoria de Certeau tem uma particularidade de grande relevância, como nos mostra
Leite ao apontar que “a noção de cotidiano como práticas, em Certeau, portanto, permite que
se analise formas distintas de apropriação do espaço, a formação de lugares e o rompimento
de fronteiras que demarcam socioespacialmente a vida urbana” (LEITE, 2010, p.747).
Todavia, para realizar uma completa análise de conceito pela ótica certeauiana, deve-se
vincular o par de conceitos “estratégia” e “tática” ao de “espaço” e “lugar”. Leite aponta que
no espaço há margem para fissuras e criação de novas práticas, posto que nele não existam
posições definidas. Já no lugar, há uma demarcação permanente, “mediante práticas sociais e
usos semelhantes” (LEITE, 2010).
Assim, Certeau (1994) avisa que tem como intuito principal trazer à tona as
“combinatórias de operações” que constituem (junto a outros fatores) uma “cultura” e descobrir
os moldes de conduta pertinentes aos usuários. Para estes últimos, Certeau faz a ressalva de que
eles são denominados consumidores; sendo, na verdade, dominados, porém, ainda assim, não
podem ser caracterizados como “passivos ou dóceis”. Ou seja, para o autor, há um modo de
ação, da ordem do “consumo”, relativo às “maneiras de empregar os produtos impostos por
uma ordem dominante”, que se põe de maneira “silenciosa e quase invisível” e subverte as leis
impostas aos dominados (CERTEAU, 1994, p.39). Este novo tipo de uso é apontado pelo autor
como difuso e pouco visível porque diz respeito a uma massa marginal (que, entretanto, não é
homogênea), não reconhecida como produtora de cultura, mas que consome e paga.
Para Certeau, as táticas (que se dão a partir de oportunidades emergidas em breves
momentos), dispositivos que formam uma “rede de antidisciplina”, reapropriam o espaço com
as novas maneiras de fazer. A tática, que “só tem por lugar o do outro” (CERTEAU, 1994,
p.45), com seu rearranjo oculto no jogo de poder politiza as experiências cotidianas. Com esta
noção emergem novos modos de conceber as ações dos ribeirinhos frente às medidas do
desenvolvimentismo na região. Tal compreensão ajuda a compor, então, o escopo do que
aparece como tensões nos modos de vida local. Assim, não há um tratamento genérico do que
é abordado; o olhar se volta para a dinâmica que a análise das táticas proporciona.

Metodologia

O presente estudo teve como importante referencial teórico-metodológico para a seleção


e tratamento do material colhido para discussão, a Arqueologia do Saber (2008). A partir da
noção de crítica do documento, Foucault (2008) aponta para uma mudança de abordagem por
parte da história. O documento passou, assim, a ser entendido como um monumento e a questão
norteadora se tornou estabelecer séries. Como consequência, o pesquisador não faz mais
distinção entre notáveis e acontecimentos pequenos, “mas sim tipos de acontecimentos de nível
inteiramente diferente” (FOUCAULT, 2008, p.8). A concepção de documento monumento
serviu de inspiração para o modo de lidar com o material do acervo documental da pesquisa.
Para o desenvolvimento desta pesquisa, houve contato com todos os documentos
produzidos pelos pesquisadores do Grupo de Estudo e Pesquisa em Exclusão, Cidadania e
Direitos Humanos, envolvidos no acervo encontrado digitalmente nos computadores ou
impressos na sala do GEPEC, constando áudios de diálogos com ribeirinhos, fotografias do
povoado Cabeço, laudo pericial, autos do processo contra a Companhia Hidrelétrica do São
Francisco e 55 diários de campo. Este último tipo de registro, feito após cada viagem pelos
alunos que foram a campo, foi amplamente utilizado no presente estudo.
O laudo pericial é composto por 6 partes. As considerações iniciais apresentam o laudo
e o intuito primordial da equipe socioambiental, formular parecer acerca dos reflexos da
construção da Usina Hidrelétrica no Baixo São Francisco. A metodologia do laudo expõe o
delineamento do estudo realizado, de inspiração etnográfica e etnometodológica. O glossário
reúne 30 verbetes, que explicam constructos e conceitos utilizados na confecção do laudo. Para
as indagações às partes do processo foram feitos os quesitos (respectivamente respondidos pelos
peritos), e se utilizou na pesquisa os de número 10, 29, 31, 32 e 35, com maior aproveitamento
do 10 (que interpela sobre as mudanças da UHE no sustento familiar, relações socioeconômicas
dos ribeirinhos e viabilidade econômica da exploração da terra inundável). Os anexos do laudo
agregam fotos, notas do perito, notas da perita, croqui do antigo Cabeço, composição da equipe
pericial e índice de Gini (2010)86 dos municípios do Baixo São Francisco. Por fim, estão as
referências bibliográficas, que revelam a base teórico-metodológica do laudo.
Do acervo documental disponível, optou-se por trabalhar com os diários de campo,
disponíveis em um só arquivo Portable Document Format (PDF) e organizados com uma
estrutura padrão que identificava o dia de ida campo, estagiário e local. Após a leitura de todos
os registros, foram selecionados incialmente 4 registros referentes a 3 dias (09/05/2013,
15/05/2013 e 21/05/2013) para a análise a primeira categoria escolhida – “moradias”. Em
seguida, passaram a ser utilizados para a segunda categoria de discussão – trabalho – 2 registros
de 1 ida a campo (17/01/2014).

Discussão

A ótica certeauniana de leitura do cotidiano considera a contraposição estratégia e tática


como peças essenciais de toda uma “cultura” em que usuários subvertem determinados moldes
no ‘espaço’ – próprio para a formação de novos procedimentos. Diante da concepção de que “o
cotidiano se inventa com mil maneiras de caça não autorizada” (CERTEAU, 1994, p.38) foram
abordados dois aspectos fundamentais da vida ribeirinha para análise: Moradias e trabalho.

Sobre as habitações e o desenvolvimentismo


Por ser uma importante característica de como as relações se dão e dos impactos no
cotidiano tanto coletivo quanto individual, as moradias foram consideradas uma categoria de
análise das transformações dos modos de vida no Baixo São Francisco. Isto porque, a partir de
certos registros de idas a campo durante a produção do laudo, foi possível observar uma
mudança de sociabilidades em detrimento das transformações nos modos de viver com as novas
construções habitacionais no povoado Saramém.
Pode-se notar este rearranjo social acompanhado do arquitetônico caracterizando-se
brevemente as moradias do povoado Cabeço. Como apontado pelo quesito 10 da parte autora
do laudo pericial (MENDONÇA FILHO & CARVALHO), para se construir uma casa na região
era necessário apenas obter autorização de um conselho de moradores. Dessa forma, percebe-
se que havia maior independência para a construção das moradias que se dispunham, ainda de
acordo com o laudo, na rua principal indo do porto à igreja e em ruas transversais que se
expandiam até as vias da praia e resto do povoado. O quesito do laudo se refere, ainda, à

86
Coeficiente que serve para medir o nível de concentração de renda em um grupo – país, unidade federativa
ou municípios.
mudança de posicionamento das casas, que antes ficavam viradas para o rio e depois passaram
a ter suas portas para a rua, apontando as modificações nas maneiras de vivenciar e habitar os
entornos do rio. Entre o Cabeço e o Saramém a própria arquitetura das casas mostra o caráter
das transformações; antes o morador poderia decidir com maior poderio próprio o modo de
construção de sua residência, da quantidade de cômodos ao posicionamento das portas e janelas.
Por conseguinte, Mendonça Filho e Carvalho (2016) apontam para a perda de “da
liberdade de construção” que os moradores experienciaram ao se mudarem para o povoado
Saramém, visto que as novas casas foram construídas seguindo padrões alheios aos dos
moradores no antigo Cabeço. Nesse sentido, o quesito 10 do referido laudo pericial evoca
pesquisa de Albuquerque sobre os lotes habitacionais construídos no Povoado Saramém. No
primeiro, em 1999, a prefeitura construiu 80 casas, que serviram a desabrigados do Cabeço e
moradores da antiga comunidade Porto Saramém; já nesse momento foi possível perceber, de
acordo com o estudo, que as residências entregues já compunham um conjunto habitacional,
sem mais a estrutura de uma vila de pescadores. Em seguida, por pressão da comunidade, foram
entregues mais 16 casas e assim como as primeiras, consideradas pelos próprios moradores
como deficientes em infraestrutura. Essas duas primeiras remessas de unidades habitacionais
foram informalmente denominadas “Casas do Cabeço” e depois vieram as “Casas de Maria do
Carmo”, por causa da senadora sergipana. Posteriormente, em 2008, vieram as “Casas da
Norcon” para os moradores do povoado Resina e, por fim, as “Casas da Caixa”, feitas em 2010
através do programa Minha Casa Minha Vida.
Conforme o laudo pericial, as casas construídas não possuíam infraestrutura básica para
abrigar as famílias, além de apresentarem disposições espaciais e arquitetônicas bastante
diferentes das moradias encontradas no Cabeço. Consoante a isto, destaca-se passagem das
notas do perito em conversa com uma moradora em Mendonça Filho e Carvalho (2016):

Eu passei um sufoco nessa casa, com 05 crianças pequenas e dois adultos com um
quarto só, o banheiro fora da casa, e sem dinheiro para fazer mais nada. Todas as casas
eram um modelo só, que casa feia! Ninguém queria vir. Os oitenta reclamaram muito
porque lá botava o pé para fora da estava na praia. No Cabeço só era sair de casa e já
estava pescando.

Tendo em vista as tensões instauradas com a passagem dos moradores do Cabeço para
o Saramém e os impactos das novas casas nos modos de vida, optou-se por analisar aspectos
do cotidiano ribeirinho a partir da categoria “moradia” e indicar possíveis interseções com a
teoria certeauniana. Por isso, foram separados 4 registros dos diários de campo referentes a 3
dias, que se concatenam ao tema tratado, em especial, registro relativo à desocupação das
moradias do “Minha Casa Minha Vida”.
A primeira vez que a equipe pericial tomou conhecimento da desocupação em
andamento foi dia 09 de maio de 2013, pois chegaram na cidade de Brejo Grande e logo
souberam que no dia anterior a polícia do Choque havia estado lá para retirar os moradores de
30 casas. Em ida a campo do dia 15 de maio, as estagiárias descobriram que as casas,
construídas com o Minha Casa Minha Vida, estavam prontas há cinco anos e foram ocupadas
há cerca de quatro e meio por famílias cadastradas ou não no programa, por causa da
morosidade em terminar as moradias e entrega-las.
Finalmente no dia 21 de maio de 2013 as estudantes estiveram presentes durante a
desocupação no Saramém, quando apareceu a equipe formada por oficial de justiça, psicóloga,
assistentes sociais, auxiliar administrativa da prefeitura, pintor para enumerar as casas,
policiais, fotógrafo e um homem para arrombar portas e janelas. Deste episódio, faz-se
necessário destacar a construção das “casas de palha” por alguns moradores expulsos pela
desapropriação. Concernente a isto, encontra-se no diário de campo (Diário de campo –
Povoado Saramém, 21/05/2013):

Algumas famílias saíram das casas e alugaram outras no mesmo povoado, outras
foram para casas de parentes e ainda umas famílias que não tinham para onde ir
fizeram casas de palha para se instalarem, essas casas de palha foram construídas na
beira do rio e outras quatro famílias construíram as casas no terreno próximo às casas,
território da prefeitura.

A partir dos diários de campo foi possível notar como o episódio da desocupação no
povoado Saramém afetou a dinâmica local e, assim, podem-se tecer indicativos de relações
entre a teoria certeauniana e as moradias no Saramém. Na medida em que as habitações foram
projetadas seguindo padrões arquitetônicos de programas institucionais, as formas planejadas
de existência para as novas moradias se aproximam da estratégia pensada por Certeau (1994).
Há, pois, uma presença mais explícita das forças exercidas por um sujeito de poder, neste caso,
o domínio estatal para as construções; bem como a ação do “braço forte” da polícia durante o
processo de desocupação. Em contrapartida, veem-se indícios da “arte do fraco” das táticas
operadas por uma massa marginal com o movimento dos ribeirinhos que foram expulsos das
casas ocupadas e sem perspectiva de outro lugar para morar, aproveitaram o momento e
ergueram as “casas de palha” para si. São sinais da rede de antidisciplina, que para Certeau
reconstitui o espaço e fomenta uma politização do cotidiano.

Sobre o trabalho e o progresso

A implementação de políticas desenvolvimentistas e de políticas assistencialistas no


Baixo São Francisco gerou impactos de ordens tanto econômicas quanto sociais e culturais. À
vista disso, tratar dos modos de produção que coexistem na região apresenta-se de vital
importância para a discussão das transformações nos modos de vida e tensões percebidas no
Povoado Saramém e proximidades. Segundo o verbete 8 (“efeito arrendamento”) do laudo
(MENDONÇA FILHO & CARVALHO, 2016), com as transformações nos modos de vida e
de sustento, houve também o chamado “efeito arrendamento”, que se apresenta em um
panorama de desarticulação dos tipos tradicionais de existência. Para os autores, há no Baixo
São Francisco uma distinção entre a dinâmica anterior, ligada aos ciclos econômicos
previamente existentes, como arroz e cana de açúcar e a atual situação que a instalação da Usina
Hidrelétrica assinala enquanto marco histórico relevante. Relativa à primeira conjuntura nota-
se a formação de exércitos de reservas prontos a serem acionados para o trabalho; já no segundo
contexto, existe uma relação de reparação econômica – através dos programas assistencialistas
– pelas mudanças advindas com o novo aparato técnico e político de produção de energia. Pode-
se verificar nitidamente essa perspectiva de Mendonça Filho e Carvalho (verbete 8, 2016), com
a indicação de que:

Associado à implantação de benefícios, como o Seguro Defeso e o programa Bolsa


Família, tal como vem ocorrendo nos últimos vinte anos na região, produz-se para os
ribeirinhos do Baixo São Francisco um efeito de “compensação financeira” e não de
parcela por participação na produção (pagamento pela força de trabalho) como era o
caso dos ciclos precedentes.

Por causa das mudanças percebidas no espaço social do trabalho, este foi selecionado
como categoria de análise de variações nas sociabilidades, a fim de operar aproximações entre
o cotidiano e aspectos dos modos de produção. Conforme aponta Mendonça Filho e Carvalho
(2016) no verbete 22 (“políticas de desenvolvimento econômico”), a lógica da economia
moderna preza pelo maior grau de produtividade e investimentos estratégicos a fim de
possibilitar aos indivíduos o acúmulo de riquezas. Contudo, apesar do projeto
desenvolvimentista para o Baixo São Francisco, os autores apontam que as políticas de
progresso para a região insistem em instaurar uma “funcionalidade sistêmica”. Ou seja, o
fomento (de iniciativa pública ou privada) aos serviços de educação, saúde e segurança pública
e demais aspectos das atribuições públicas não têm atendido satisfatoriamente aos modos de
vida dos ribeirinhos.
Ainda que Mendonça Filho e Carvalho (2016) assinalem uma ineficiência das ações de
desenvolvimento econômico em abranger necessidades básicas dos moradores da região, os
ribeirinhos têm por vezes papéis ativos nas práticas de produção capitalista. Isso porque se pode
encontrar no universo do trabalho no Baixo São Francisco elementos do cotidiano certeauniano
e da contraposição entre estratégias e táticas. Em registros dos diários de campo dos estagiários
que foram a campo com a equipe pericial, no dia 17 de janeiro de 2014, aparece um episódio
em que esta relação de forças entre uma parte de poder e a um sujeito hipossuficiente. Na visita
de duas estagiárias a Bonsucesso, assentamento do Movimento dos Sem Terra no município de
Poço Redondo, em determinada conversa com uma moradora, há indicativos da “arte do fraco”,
a tática que aparece na teoria de Certeau (1994). Para se analisar o relato batizado
informalmente “episódio das bombas”, foram separados dois registros dos diários de campo e
em um deles (Diário de campo – Assentamento Bonsucesso, 17/01/2014) a aluna conta que:

Existem algumas plantações, dona Zélia planta apenas nas épocas de chuva. Isso
porque as plantações são irrigadas e a água vem diretamente do rio São Francisco, a
associação compartilha uma bomba pra todos os agricultores, a dona Zélia diz que não
usa mais a bomba e prefere esperar a chuva vir pois a conta de energia que eles
dividem é cara demais, e alguns pagam muito enquanto outros ficam devendo.
Segundo esta é mais prejuízo.

As bombas a que se referiu Dona Zélia foram resultado de anos de políticas de


planejamento econômico para as adjacências do rio São Francisco. Segundo Araújo (2005), os
governos militares intensificaram o processo de investimento na região ao longo do Velho
Chico a partir da ideologia “Brasil Grande”, tendo eles criado em 1967 o Grupo Executivo Para
a Irrigação e Desenvolvimento. Concomitante ao GEIDA foi formada a Superintendência do
Vale do São Francisco, a qual posteriormente deu lugar à Companhia de Desenvolvimento do
Vale do São Francisco. Tanto a repartição quanto a empresa citadas implementaram programas
de irrigação nas margens do rio, a exemplo do Programa Nacional de Irrigação. Araújo (2005)
salienta, ainda, que as ações governamentais na região se articulavam às demandas econômicas
do centro-sul, ignorando as relações de produção já existentes no Baixo São Francisco.
Constata-se, à vista dessas interferências desenvolvimentistas, que os dispositivos capitalistas
não aceitam o modo de ser do camponês e o transfiguram em pequeno produtor (SOUSA,
2011).
Além disso, a partir do relato sobre o trabalho de Dona Zélia (que não dispunha de
recursos suficientes para usufruir da tecnologia levada pelo Estado) percebe-se a ineficácia dos
programas assistencialistas em atender às demandas dos ribeirinhos, que criam maneiras de
fazer para lidar com as adversidades. Assim, as táticas possibilitam aos moradores do Baixo
São Francisco a sobrevivência e continuidade da produção econômica após as transformações
que a instauração da UHE na região causou. Através dos artifícios que os ribeirinhos inventam
instaura-se não somente um novo modo de funcionamento, como um cenário de resistência às
estratégias arbitrárias. Portanto, as táticas dos ribeirinhos possibilitam a manutenção da vida
frente às violências acarretadas com políticas desenvolvimentistas que ignoram os cotidianos
já compostos antes.

Conclusões

Observadas as tensões nos modos de vida no Baixo São Francisco sergipano, veem-se
novas formas de subjetivações às margens do rio, moldadas pelas noções de valor e progresso
à medida que as políticas governamentais desconsideram a multiplicidade dos sujeitos
antecedentes, em detrimento do desenvolvimento econômico. Analisados os dados
selecionados para tratar do cotidiano ribeirinho, percebeu-se que as políticas de
desenvolvimento para a região levam a um assujeitamento; processo de universalização e
naturalização de determinados padrões existenciais, em que o tipo de “existência social é fixado
a partir de critérios estéticos e éticos preestabelecidos” (verbete 5, “assujeitamento”,
MENDONÇA FILHO & CARVALHO, 2016). Como consequência, os ribeirinhos assumem
diferentes papéis sociais daqueles desempenhados anteriormente. Deve-se, ainda, considerar a
perda de liberdade por que passaram os moradores do Baixo São Francisco, como apontado
pelo verbete 18 (“norma e autonomia”) em Mendonça Filho e Carvalho (2016), pois os
ribeirinhos tiveram suas capacidades normativas diminuídas, lidando cada vez mais com
normas instituídas por agentes externos àquelas comunidades.
Em suma, este estudo possibilitou apurar a compreensão da importância que se tem em
renitir diante de políticas que levam a processos heteronômicos. Com o ato de resistir ao
progresso e à acumulação capitalística, por meio de táticas, persistem também formas de
existência que dizem de vastas construções sócio-históricas.

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LEITE, Rogério. A Inversão do Cotidiano: Práticas Sociais e Rupturas na Vida Urbana


Contemporânea. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v.53, n. 3, p. 737-756, 2010.

MENDONÇA FILHO, Manoel. C. C. & CARVALHO, Clarisse. A. Laudo de Perícia


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SHIMADA, Shiziele O. A relação capital-trabalho no corte da cana e as novas formas de


travestimento do trabalho escravo-precarizado. In: CONCEIÇÃO, A. L. (Org). Trabalho e
trabalhadores: as novas configurações espaciais da reestruturação produtiva no espaço
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SOUSA, Raimunda A. D. Trabalho e trabalhadores no campo: desvendando a realidade no Vale


do São Francisco. In: CONCEIÇÃO, A. L. (Org). Trabalho e trabalhadores: as novas
configurações espaciais da reestruturação produtiva no espaço rural. São Cristóvão/SE:
Editora UFS, 2011.
A FANTASIA NA PRODUÇÃO DO SINTOMA: UMA RESISTÊNCIA DO
CONTEÚDO, UM DESAFIO PARA A MEMÓRIA.

Autora: Bárbara Santos Andrade


Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe
Bolsista COPES (UFS)
Barbara.psicoufs@gmail.com

Orientador: Prof. Dr. Daniel Menezes Coelho (DPS/UFS)

Introdução

A teoria freudiana definiu conceitos que foram reformulados ao longo do seu desenvolvimento
de acordo com os achados. Ocorria então, uma complexificação acerca dos temas devido a
incorporação de novos aspectos. Um destes conceitos é o de sintoma, que considera aspectos
da sexualidade, do trauma, da angústia, da pulsão de morte e da fantasia (BASAN; COELHO,
2019). Esta última, exerce influência na formação dos sintomas e seu papel fica evidente quando
consideramos o processo de rememorações, de modo que problematiza o entendimento acerca
da memória e das suas manifestações no psiquismo.

Desde a criação da Psicanálise há, por parte de Freud, uma tentativa de elaborar uma teoria da
memória (FERRARINI; MAGALHÃES, 2014). O que mostra que este tema se faz importante
na elaboração de sua teoria psicanalítica, bem como no entendimento na formulação da
subjetividade humana.

O presente trabalho investiga o papel da fantasia na formação dos sintomas que permite um
retorno/distorção de uma lembrança, ao mesmo tempo em que se configura como uma proteção
a uma experiência desprazerosa. Tais compreensões conferidas às fantasias contribuem para
uma prática clínica que esteja atenta aos aspectos da subjetividade na produção dos seus
sintomas, entendendo-os como um trabalho de elaboração psíquica.

Uma teoria da memória para a Psicanálise


Em 1896, quando Freud escreve o “Projeto para uma Psicologia Científica”, apresenta um
modelo para a memória. Na proposta de uma memória neuronal, o austríaco vai propor três
sistemas distintos: phi (ϕ), psi (Ψ) e ômega (ω). Os neurônios psi seriam a sede da memória,
pois eram os únicos capazes de guardar informações. Isto seria possível porque um traço
mnêmico é produzido devido à passagem de uma quantidade de energia que precisava escoar,
possibilitando a formação de uma memória. Os traços passariam a ser indicadores dos caminhos
para o escoamento da energia e estes caminhos passam a ser repetidos (ANTONELLO;
HERZOG, 2012).

Apesar da demarcação biológica deste raciocínio, o que se ressalta é uma trama neuronal que
passa a mostrar-se além de um princípio mecânico de funcionamento, evidenciando um caráter
não intelectual da memória (FERRARINI; MAGALHÃES, 2014). O que queremos destacar, é
que Freud leva em conta, os aspectos de certas quantidades de energia que mais tarde serão
pensados a partir de uma lógica de prazer/desprazer que serão de extrema importância para a
construção do conceito de repressão no início da teoria psicanalítica.

Na “Carta 52”, Freud complexifica ainda mais a dinâmica. Ele apresenta a memória como
seletiva e que promove (re) organizações de traços mnêmicos, pensando assim, sobre o que se
inscreve neste aparelho. Em suma, o entendimento é de que 1) os neurônios recebem as
percepções (sem reter traço mnêmico), 2) os signos de percepção do sistema psi realizam a
primeira transcrição, 3) na inconsciência acontece a segunda transcrição e na 4) PCS ocorre a
terceira transcrição, agora ligada às representações-palavra. Tal modelo também vai entender a
memória como estratificação e transcrição, fazendo-a ser entendida como parte integrante de
um modelo topológico oferecendo a possibilidade de acesso a posteriori. Tal raciocínio permite
pensar nos traços mnêmicos e mais tarde, no retorno do recalcado, que serão conceitos valiosos
para o entendimento das fantasias. Pois, o traço será ativado pela lembrança (ANTONELLO;
HERZOG, 2012). Essa complexificação se torna valiosa pelo caráter das transcrições e
retranscrições.

O que nos é importante aqui, é a demarcação de que o aparelho psíquico é de memória e de


linguagem. Fazendo parte de uma cadeia de representações-palavra, o traço mnêmico pode
sofrer retranscrições e ligações (FERRARINI; MAGALHÃES, 2014). Estas últimas, permitem
uma articulação entre os traços mnêmicos e o retorno do recalcado, pois tais traços podem advir
à consciência sem despertar o desprazer que anteriormente despertaria (ANTONELLO;
HERZOG, 2012).
A memória aparece como o que é capaz de registro, conservação e transformação. As
retranscrições as fazem sofrer alterações, consideração que leva Freud a questionar se o que é
recordado pode não coincidir com o que de fato ocorreu. Podendo ser, então, produtos de
fantasias.

Um dos caminhos para entender o funcionamento da memória seria trabalhar com os


esquecimentos, e assim se constituem como um ponto de interesse para Freud que chega às
lembranças encobridoras. Estas não representavam um esquecimento, propriamente dito, mas
a omissão de um evento retido. Seu mecanismo permitia que se observasse que esse
esquecimento passava por uma resistência, deslocamento e recalque, até que a lembrança fosse
substituída por uma fantasia.

Deste modo, a conceituação da memória em Freud evidencia seus aspectos e funcionalidades


inconscientes. Na reconstrução da memória, para lidar com a questão do recalque, Freud chega
à fantasia, que participa da formação dos sintomas (CHNAIDERMAN, 2003). A fantasia, não
estando a parte da produção mnêmica, vai produzir uma repetição de um conteúdo, que pode
ser encontrado em sintomas, como se ocorressem de forma inédita (FERRARINI;
MAGALHÃES, 2014). Assim, podemos afirmar que o mundo interno não aparece como um
reflexo do que é vivido no factual. Assim, de acordo com Ferrarini e Magalhães (p. 114, 2014),
“As lembranças evidenciam o aspecto lacunar da memória”, não devem ser entendidas como
um conteúdo que emerge, mas como (re) construídas.

A fantasia enquanto realidade

A discussão sobre as fantasias esteve presente na obra de Freud desde os seus primeiros escritos
e vai se delineando aos poucos. Aparece no “Projeto” de 1895 no caso Emma, embora o termo
não apareça na obra.

Emma era uma jovem que se queixava de uma compulsão de não poder estar em uma loja
desacompanhada. Recorda 2 lembranças: 1) aos 12 anos havia estado em um estabelecimento
em que teria visto dois vendedores rindo, e concluiu que riam da sua roupa. Porém Freud
considerava que essa formulação não dava conta de explicar o que estava ocorrendo com a
moça e pede que para que fale mais sobre suas lembranças; 2) a segunda lembrança - agora aos
8 anos de idade - se refere a uma lembrança de uma ocasião em que a jovem, numa confeitaria,
havia sofrido um abuso sexual por parte do proprietário que lhe agarra pelas genitais enquanto
sorria. Segundo Freud, o riso dos vendedores reavivava a lembrança original e despertava a
descarga de uma energia sexual que até então estava sem representação, sem ligação. Assim,
no caso Emma, o traumático se dá a posteriori e Freud assim demonstra como produto de várias
retranscrições.

Observa-se que nessa época, a fantasia já aparece alterando os fatos (ou as memórias) para
proteger o psiquismo de lembranças de uma experiência traumática. Segundo Santiago e Da
Silva (2017) o mecanismo utilizado por Emma se aproxima do que Freud indicará por fantasias,
entendendo-as como estruturas protetoras e de sublimação e embelezamento dos fatos que
servem de auto absolvição. Assim, parte de lembranças são substituídas por fantasias, e estas
participarão da formação dos sintomas. De forma que era inevitável que Freud se lançasse cada
vez mais na investigação das fantasias. Na “Carta 69” (1897) destinada a Fliess, a necessidade
de considerar a fantasia se torna evidente ao Freud afirmar que não havia indicação de realidade
no ICS.

Em “Lembranças encobridoras” (1899) a noção aparece como atuante na formação de cenas


encobridoras. as fantasias mostravam possuir em conteúdo grosseiramente sexual que por conta
da supressão, precisou se contentar em transformar-se alusivamente e de forma fantasiosa numa
cena infantil, pela inocência que ela poderia oferecer. Com a cena inocente, o caminho para a
consciência seria possível e desde que haja um traço mnêmico, os desejos recalcados podem
ser então realizados. A fantasia então aparece como algo ficcional e como uma defesa que
distorce as lembranças e cenas originas.

A importância desta obra, ao se procurar o caminho que levou Freud à noção de sintoma, reside
no fato de que aqui se discute o deslizamento desses desejos para uma cena infantil de modo a
transformá-los alusivamente e também gerar lembranças da infância que podem não ter
ocorrido na realidade. Coisa que já intrigava Freud quando ele escreve sua carta à Fliess. Se a
lembrança encobridora foi entendida como ocultadora de experiências e desejos, logicamente a
fantasia teria uma ligação estreita com esses instintos desejantes, e com a definição do que seria
lembrado/esquecido.

Nos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905), Freud afirma que os sintomas eram
uma atividade sexual do sujeito, e mais tarde, Freud passa tinha mais fatores para levar em
conta na busca de entender a produção de sintoma. Com as considerações sobre realidade e
fantasia e busca pelo prazer, alguns fatores passam a ser repensados, como por exemplo: a teoria
da libido, as questões da neurose apontadas na carta a Fliess, etc. Deste modo, a fantasia - que
trazia esse caráter de busca pelo prazer - mostrou possuir uma relação com a realidade. Uma
realidade psíquica.

Assim, a fantasia não poderia ser um fator ignorado na consideração das formações dos
sintomas. Quando Freud tentava construir uma visão sobre o desenvolvimento da psicanálise,
na última parte do texto “Cinco lições de psicanálise” (1910) podemos ver a presença da
discussão acerca das fantasias que passa a considerá-la na formação de patologias, pois a sua
contribuição era inegável. O psicanalista afirma neste texto, que as pessoas adoecem quando
não encontram satisfação na realidade, de modo que quando ela se tornava insuportável, o
indivíduo se retirava para o mundo da fantasia (Freud, 1910, p.210). É quando o indivíduo não
acha satisfação das suas necessidades libidinais na realidade, que a fuga se dá pela regressão a
fases anteriores da vida sexual em que uma satisfação pode ser encontrada. Deste modo, ficava
claro que o sujeito se refugiava na produção dos sintomas para o encontro de uma satisfação
substitutiva para o que anteriormente foi negada. O sintoma aparece como a realização
substituta de um desejo através da produção de fantasia, enquanto a realidade não pudesse
oferecer tal satisfação.

O prazer e a realidade

No texto “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico” (1911) Freud


passou a tratar das consequências da substituição do princípio do prazer pelo princípio da
realidade. O autor aponta que para entender devemos pensar em como o ser humano se relaciona
com a realidade e como ocorre uma significação psicológica do mundo real, bem como a
inscrição destas experiências na memória. Sugere uma explicação: os processos anímicos
inconscientes que obedecem à tendência principal do princípio do prazer têm seu estado de
repouso perturbado, fazendo com o que que é desejado seja inicialmente colocado de modo
alucinatório. Quando o desejo não encontra sua meta, a simples ausência de uma satisfação
esperada faz com que o sujeito abandone a alucinação e começa a lidar com uma realidade
mesmo que ela seja desagradável, e assim se estabelece o princípio da realidade.
Porém a substituição de um princípio por outro não se dá de forma simultânea em todos os
pontos. Outro complicador é o fato de que os instintos sexuais podem ser detidos em seu
desenvolvimento, fazendo com que esses instintos sexuais (inicialmente auto eróticos e que não
se depararam com a frustração que levou ao desenvolvimento do princípio da realidade)
permaneçam por muito tempo sob o domínio do princípio do prazer. Somado a tais condições,
ressalta-se que a fantasia não é submetida a este teste de realidade. Essas condições, segundo
Freud, fazem com que exista uma relação estreita entre os instintos sexuais e as fantasias, e
mais que isso, explicaria o fato de que a neurose era fornecida por um “atraso em educar o
instinto sexual na consideração da realidade, e também pelas condições que tornam possível
esse atraso. ” (p.85) .

Nos processos psíquicos inconscientes a prova de realidade não conta, já que há uma
equiparação entre realidade do pensamento e realidade externa não se distinguem. O que
dificulta, por exemplo, distinguir fantasias inconscientes de lembranças tornadas inconscientes,
assim como Freud destacava na carta 69 enquanto relatava os motivos de não acreditar mais na
sua teoria das neuroses: “Depois, em terceiro lugar, o conhecimento seguro de que não há
indicações de realidade no inconsciente, de modo que não se pode distinguir entre a verdade e
a ficção que foram catexizadas pelo afeto” (Freud, 1897, p.265). Essa dificuldade de distinguir
as realidades ressaltava o papel da fantasia na formação dos sintomas. Dessa forma explica-se
porque o caminho seria trabalhar na mesma lógica entre realidade factual e psíquica. Já que o
ICS não diferenciava realidade e fantasia, as duas deveriam ser tratadas como ‘reais’.

A partir do texto sobre as formulações psíquicas (1911) percebemos que o princípio do prazer
e o princípio da realidade regem funcionamentos que orientam o CS e o ICS. Mas cabe ressaltar
que o processo de repressão não eliminava o instinto, ele apenas impedia que o seu conteúdo
se tornasse consciente. Freud investigaria então, como o conteúdo recalcado irá se comportar.

Do prazer aos sintomas

Em “O inconsciente”, publicado em 1915, Freud explica que o funcionamento se dava da


seguinte maneira: inicialmente, um ato psíquico pertence a um estado ICS que é separado do
CS por uma censura. Para passar para o segundo estado, ele precisaria passar por esse exame
de censura. Se rejeitado, ele é reprimido e permanece inconsciente. Se aprovado, ele passa para
o sistema PCS. Ele fazer parte deste sistema não chega a determinar se ele será consciente, mas
pode, a partir de certas condições, tornar-se consciente sem maior resistência. Assim, o PCS
coincide com o CS e partilham das mesmas propriedades, de forma que a barreira da passagem
se dá entre o ICS e Pcs-Cs (Freud, 1915, p.82). Esta barreira entendida como a censura que se
verifica nas ideias entre ICS e PCS é a repressão.

Qual seria o motivo da repressão? A partir das práticas clínicas, era o impedimento do
desenvolvimento de um afeto aflitivo, por estar em desacordo com o sujeito. Mas a hipótese
topográfica aponta que o que encontramos no CS pode ser um novo registro de uma ideia que
era incômoda, e que podemos encontrar em outro lugar e que, portanto, uma ideia pode existir
em dois lugares. Sendo que a não inibida pela censura possa avançar sem perder seu registro,
ou seu traço, ou ainda, sua característica rejeitável. Isso, é permitido, a partir das retranscrições.

Há por exemplo, impulsos instintuais que apesar de inconscientes e não poderem se tornar
conscientes, possuem alta organização. A exemplo, a grande complexidade na formação dos
sintomas que se apresentam como formações substitutivas que conseguem penetrar na CS
devido a uma formação de compromisso marcada por uma união a um contra investimento
(Freud, 1915, p.95)

É no texto “O sentido dos sintomas” (1917), que se esboça de forma mais ampla a definição do
sintoma enquanto uma formação de compromisso de duas forças opostas, o que faz com seja
difícil de ser eliminado. Uma dessas partes é uma libido insatisfeita que regressa para uma fase
de fixação no desenvolvimento para atingir uma satisfação em uma organização superada ou
em um objeto anteriormente abandonado (Freud, 1917b, p.388). Entretanto, estas regressões
despertam oposição do eu e instaura-se o conflito. A libido precisou achar um novo caminho e
regride para fixações das quais o Eu se protegeu mediante a repressão. Essas fixações que
permitem que a libido escape da situação de conflito muitas vezes a fazem recuar para a vida
infantil, pois vivências acidentais na infância podem deixar fixações na libido. Podemos
observar o papel das fixações que possibilita o retorno dessa energia, de modo que o
investimento libidinal nessas vivências fora da realidade externa são intensificadas.

Quando a libido escapa do Eu e dele se subtrai, sai do seu controle de educação. Agora a libido
vai se valer de investimentos do sistema ICS e ficam sujeitas aos processos de condensação e
deslocamento, daí o caráter dos tais processos na produção das fantasias.
Mas essa libido que recebe investimento do ICS precisa considerar o ‘contra investimento’ que
encontra como oposição. É com a conciliação que, segundo Freud, o sintoma surge como um
conteúdo desfigurado e que leva em conta esses lados contrários, o que faz com que essa libido
tome uma outra expressão que também a leve em conta essa oposição. Daí a dificuldade de
combater um sintoma, que quando suprimido sem levar em conta tais aspectos, rapidamente é
substituído por outro: “ele é sustentado por ambos os lados” (FREUD, 1917B, p.388). Sobre a
ambiguidade do sintoma em ter uma satisfação ao lado de um sofrimento, Freud diz:

O sintoma repete essa modalidade infantil de satisfação, deformada pela censura


decorrente do conflito, em regra transformada numa sensação de sofrimento
misturada a elementos extraídos daquilo que ensejou o adoecimento. Há muito de
estranho nesse tipo de satisfação que o sintoma propicia. [...] o que outrora trouxe
satisfação ao indivíduo, hoje desperta-lhe resistência ou aversão (Freud, 1917b,
p.395)

Importante alertar para o fato de que essa energia que regride, retorna posteriormente mas
encontra apenas uma satisfação limitada e irreconhecível. Os sintomas não nos lembram o que
costumamos a entender por satisfação porque na maioria dos casos eles abandonam o vínculo
com a realidade exterior. Isto, segundo Freud, é consequência do seu afastamento do princípio
da realidade e um retorno ao princípio do prazer por conta da necessidade de fazer a conciliação.
O retorno, também a um autoerotismo e uma desconsideração da realidade exterior é o que
estaria por trás, por exemplo, dos sintomas apresentarem modificações corporais (modificações
internas) em vez de modificações externas, o corpo passa a ser o campo de manifestação.

Após todas essas considerações sobre essas forças conflituosas e as sustentações das ideias em
torno do sintoma (sintomas se valendo da energia libidinal, uma realização de desejo, uma
repetição de uma forma infantil de satisfação, uma formação de compromisso e uma
ambiguidade) Freud fala na sua conferência de 1917b, algo que lhe foi desconcertante e
surpreendente e que o levou à consideração das fantasias: o fato das cenas infantis nem sempre
serem verdadeiras. Essas lembranças infantis poderiam ser falsas, verdadeiras ou uma
amálgama. Selando então a consideração das fantasias para o entendimento do que seria uma
memória psíquica e sintomas.

Considerações Finais
Através da análise, foi descoberto que os sintomas são representações de vivências ‘reais’, mas
também podem ter surgidos como produtos de fantasias. O que se tornou ponto de investigação
para Freud, pois questões eram levantadas sobre o embaraço que isto trazia para a teoria da
Psicanálise e para a teoria da memória.

As fantasias, impregnadas de desejos, afastam os sujeitos de uma realidade desprazerosa e


obstruem o caminho de lembranças que poderiam trazer angústia para o sujeito. A produção de
fantasias, permite que o sujeito suporte melhor a realidade com a qual está lidando. É com a
consideração de Freud acerca da realidade psíquica que há o entendimento de que as produções
destas fantasias, se não estiverem dotadas de uma realidade material, são dotadas de realidade
psíquica. Devendo considerar que não há diferença então, entre consequências surgidas de uma
fantasia ou de uma realidade.

Se as fantasias participam da formação dos sintomas que conciliam tendências opostas, a


eliminação dos sintomas não resolve o conflito e não é suficiente para promover uma cura. As
fantasias e os sintomas devem ter um lugar central no próprio tratamento, pois são dotadas de
uma realidade psíquica e uma saída possível para o que se apresentava desprazeroso para os
sujeitos.

Referências Bibliográficas

ANTONELLO, Diego Frichs; HERZOG, Regina. A memória na obra freudiana, para além da
representação. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 64, n. 1, p. 111-121, 2012.

BASAN, Bárbara Santos Andrade; COELHO, Daniel Menezes. O estudo do conceito de


sintoma em Freud: como a psicanálise se destaca de outras práticas. São Cristóvão: UFS,
2019 (Relatório Final de Iniciação Científica).

CHNAIDERMAN, Miriam. Esfarelando tempos não ensimesmados. Ágora, Rio de Janeiro,


v. 6, n. 2, p. 235-250, 2003.

FERRARINI, Pâmela Pitágoras Freitas Lima; MAGALHÃES, Lívia Diana Rocha. O conceito
de memória na obra freudiana: breves explanações. Estudos Interdisciplinares em
Psicologia, v. 5, n. 1, p. 109-118, 2014.
SANTIAGO, Jésus; DA SILVA, Virgínia Carvalho. Do “Embelezamento dos Fatos” à
“Cicatriz”. Psicologia: teoria e pesquisa, 2017.

FREUD, S. Extratos dos documentos dirigidos à Fliess (1892-1899), vol I. Obras


psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro:
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FREUD, S. Projeto para uma psicologia científica (1895), vol I. Obras psicológicas
completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, S. Lembranças encobridoras (1899), vol. III. Obras psicológicas completas de


Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, S Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade (1905), vol. VII. Obras psicológicas
completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

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Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S. Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico. (1911), vol.
XII. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de
Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, S. O inconsciente (1915), vol. XIV. Obras psicológicas completas de Sigmund


Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, S. Conferências introdutórias sobre a Psicanálise: Conferência XVII – O sentido dos


sintomas (1917), vol. XVI. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição
standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
TENSÕES NOS MODOS DE VIDA DO BAIXO SÃO FRANCISCO E DISPÊNDIO

Autora: Luiza Silva Cabral


Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe
luiza.silva.cabral@gmail.com

Orientador: Prof. Dr. Marcelo de Almeida Ferreri (DPS/UFS)

1. Apresentação

Este estudo se apresenta como uma tentativa de abordar tensões produzidas


historicamente por transformações socioculturais em diversos povoamentos daquele território,
vividas no cotidiano local, a serem tratadas a partir da ideia de gasto improdutivo conforme
aquele filósofo francês. A aposta da pesquisa é que tal análise permite acesso a elementos
importantes da vida comum do lugar e seus respectivos conflitos para o conhecimento efetivo
da vida no contemporâneo. As referidas transformações socioculturais que incidem sobre a
região sergipana seriam provenientes de amplos processos de desenvolvimento econômico e
social que redundam em modificações na vida daquele lugar. Trata-se de forjar um suporte
histórico-antropológico da referida noção da chamada economia geral de Bataille, para tratar
do objeto de um estudo em psicologia social, a saber, tensões na vida cotidiana, com vistas a
conhecer, com alguma profundidade, o modo de vida na região. Para entender essa propositura,
cabem algumas explicações sobre o dispêndio e sobre a vida na região.

1.1. O Baixo São Francisco como objeto de pesquisa

Conhecido como “Rio da Integração Nacional” por atravessar cinco estados e fazer
ligação entre as regiões sudeste e nordeste, o Rio São Francisco tem 2.863km de extensão e
atravessa os estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. O rio, que antes
era chamado Opará, cujo significado aproximado seria rio-mar, foi renomeado pelos
colonizadores ao ser descoberto por estes em 4 de outubro de 1501, dia de São Francisco, o que
justifica a homenagem. A partir disso, o Velho Chico passou a ser cenário de conflitos,
estratégias econômicas e de exploração. O uso de suas águas e de suas terras, desde a chegada
dos europeus, foi motivado por políticas que nos últimos 50 anos assumem o caráter de
desenvolvimentismo.

Até hoje o São Francisco é visto como um bem a se aproveitar com a finalidade de
produzir. A situação é facilmente observada ao falar das quatro hidrelétricas hoje instaladas no
rio e dos programas de desenvolvimento – com marcos na criação da Companhia Hidrelétrica
do São Francisco (CHESF) em 1945 e da Companhia de Desenvolvimento do São Francisco
(CODEVASF) em 1974.

Na margem sergipana, o Território Baixo São Francisco abrange uma área de 1.967,10
Km² e é composto por 14 municípios: Muribeca, Amparo de São Francisco, Brejo Grande,
Canhoba, Cedro de São João, Ilha das Flores, Japoatã, Malhada dos Bois, Neópolis, Pacatuba,
Propriá, Santana do São Francisco, São Francisco e Telha. A população total do território é de
125.193 habitantes, dos quais 52.536 vivem na área rural, o que corresponde a 41,96% do total.
Possui 6.900 agricultores familiares, 907 famílias assentadas e 4 comunidades quilombolas.
Seu IDH médio é 0,61 na escala de 1. Ainda através de dados sociodemográficos, a maior parte
produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a região apresenta o
menor IDH do estado de Sergipe, abriga apenas pequena parte da população, tem Produto
Interno Bruto (PIB) bastante pequeno, além do que, devido à proximidade com o rio, essa região
foi considerada região para desenvolvimento em meados do século passado.

De acordo com Ruy Araújo (2005), a partir dos anos 40, o Estado brasileiro “definiu o
Rio São Francisco como uma região prioritária para o desenvolvimento econômico no
Nordeste, transformando-o em uma ‘região de planejamento”, o que pode ser relacionado com
os dados acima e com o aspecto estratégico do São Francisco. Para o autor, o discurso de
recuperação e desenvolvimento presentes nessa categoria, camufla as reais intenções de
subordinar a região “ao centro dinâmico do capital”. Araújo alerta para o fato de essa política
se chocar com as “relações sociais de produção, historicamente estabelecidas pela dinamicidade
do modo de produção dominante na formação social”.

O alerta se mostra apropriado quando dois processos são lançados contra a CHESF, com
o argumento de que a instalação e o funcionamento da Usina Hidrelétrica de Xingó haveria
produzido grandes danos socioambientais na vida dos moradores do povoado Cabeço, no
município de Brejo Grande/SE, seja pela inundação completa do povoado, seja pela restrição
das condições de pesca na região, em uma lide iniciada em 2002. Os processos 0002809-
27.2002.4.05.8500 e 0000420-35.2003.4.05.8500 da Segunda Vara da Justiça Federal de
Sergipe demandavam uma perícia socioambiental, para a qual, um dos professores do Grupo
de Estudo e Pesquisa sobre Exclusão, Cidadania e Direitos Humanos foi nomeado.

Para a confecção do laudo pericial demandado, a perícia socioambiental, em parte


equipe desta pesquisa, realizou, dentre outras ações, um estudo que totalizou 45 (quarenta e
cinco) viagens a campo, passando por 25 (vinte e cinco) localidades da região, realizadas entre
junho de 2012 e dezembro de 2014. Essas visitas tiveram como função a produção de registros
que descrevessem o cotidiano da vida local. Dessa forma, a perícia tratou da história da região,
do Povoado Cabeço, do cotidiano e das cidades e povoados ribeirinhos, também tratou da
construção e funcionamento das barragens, das práticas que seguem a lógica da produção e do
uso geral do rio. A perícia ainda abordou os problemas socioambientais do Baixo São Francisco,
na medida em que respondeu aos quesitos das partes dos processos e dos vários órgãos
envolvidos. A inspiração do olhar nesses registros voltados para o cotidiano buscava preparar
o terreno para a análise das práticas, crenças e valores que perpassam as relações entre órgãos
estatais, empresas e grupos comunitários, possível via para conhecer as tensões vividas na
região (MENDONÇA FILHO & ANDRADE, 2016).

Através da perícia, faz-se possível ter acesso ao que é o Baixo São Francisco em suas
socializações, seus mais variados modos de existência. Os registros feitos ao longo das viagens
transportam o observador para aquele lugar naquele momento, e facilita o questionamento
acerca do discurso desenvolvimentista e o seu impacto no cotidiano de quem acaba tendo que
viver os frutos dessa política dia a dia. A imposição de um desenvolvimento é boa para a quem?
É importante que a situação seja olhada sob uma ótica diferente, que se distancie da produção
como única razão e considere as perdas como fins válidos e até desejáveis para uma socialização
mais flórea.

1.2. A noção de dispêndio

A noção do dispêndio deriva de uma forma de troca primitiva descrita por Marcel Mauss
como sendo a base das relações de sociabilidade das sociedades arcaicas, na medida que
estrutura obrigações de dar, receber e retribuir. Suas formas podem ser observadas como
dádivas e por meio de destruições espetaculares de riqueza. A dádiva é uma oferta ostensiva de
riquezas oferecida a um rival com a finalidade de humilhar, desafiar e de obrigar. A oferta deve
ser aceita, e, para que haja volta, deve ser retribuída com mais riquezas ainda mais ostensivas.
As destruições de riquezas escrevem uma forma de ostentação de poder, nas quais um chefe de
um grupo destrói, queima, mata suas variadas formas de riqueza e de poder, a fim de humilhar
o chefe de algum outro grupo que não possa responder a tamanha destruição com a mesma
amplitude. A partir disso, Georges Bataille (2013) começa a observar os eventos de relevância
econômica que não se baseiam na razão da acumulação, mas na utilidade dada a determinadas
ações por determinadas populações.

O dispêndio transita entre o prazer e o horror, está no que é absurdo, chocante e desperta
um sentimento de estupefação. Não é um meio para a produção, mas um meio que tem fim em
si mesmo. Em A noção de dispêndio (2013), Bataille convida o leitor a repensar algumas
manifestações cotidianas por meio do olhar do dispêndio, como a ostentação de joias, que
supõem o sacrifício de uma fortuna para que sejam valorizadas, os cultos que contam com o
sacrifício de animais, os jogos de competição, que trazem consigo as apostas com enormes
quantias de dinheiro, o que motiva os jogadores a participarem ainda mais e apostarem ainda
mais, e a arte, que consiste em manifestar em poesias ou músicas alguma dor ou sofrimento,
levando à “criação por meio da perda”, ou apenas por ser exuberante, ostensiva, uma façanha
que se esgota em si mesma, sem uma utilidade eminentemente racional nela. Esses autores
mostram que essa lógica, dos excessos pelo dispêndio, pode ser monumentalmente localizada
no âmbito das ações do poder.

Para Bataille, aquilo que Mauss apresenta não é anulado pela razão econômica clássica
baseada na racionalidade, na produtividade, na acumulação, que orienta a economia moderna.
Embora a racionalidade moderna se volte para a expansão da produtividade, da lucratividade,
ela comporta aspectos fundamentais de desperdícios, de perdas, de excessos que caracterizam
o dispêndio.

2. Objetivos

Esta pesquisa tem como objetivo geral realizar uma análise de tensões do
desenvolvimentismo nos modos de vida do baixo são Francisco a partir da noção de dispêndio
de Georges Bataille, e como objetivos específicos prosseguir com a caracterização dos modos
de vida na região do baixo São Francisco a partir dos registros de campo dos estudos anteriores
arquivados, discutir acerca das contribuições da noção de dispêndio no âmbito da análise social
e da psicologia social estritamente e, dessa forma, contribuir para o entendimento do cotidiano
dos povoamentos do baixo São Francisco.

3. Metodologia

A metodologia utilizada foi a da análise documental inspirada por Foucault, na qual o


pesquisador não tem a função de interpretar o documento, mas de trabalhá-lo no seu interior e
elaborá-lo, o organizando, recortando, distribuindo, ordenando e repartindo em níveis,
estabelecendo séries, distinguindo o que é pertinente do que não é, identificando elementos,
definindo unidades, descrevendo relações. De acordo com Foucault, o documento abriga em si
um potencial de transformação, e cabe ao historiador a tarefa de reconhecer nele quais
elementos presentes devem ser “isolados, agrupados, tornados pertinentes, inter-relacionados,
organizados em conjuntos”. Dessa forma, o trabalho do, aqui, pesquisador assemelha-se ao
trabalho do arqueólogo quando este voltava-se à história para dar sentido “às coisas deixadas
pelo passado”. O potencial encontrado no documento, para o pesquisador, é o mesmo
encontrado nas coisas deixadas pelo passado, para o arqueólogo: potencial para ser
transformado em monumento. A partir de sua monumentalização, o documento passa a ser
reconhecido como algo grandioso, de grande valor, que celebra e perpetua a memória de um
grande acontecimento ou personagem histórico.

O material utilizado faz parte de um acervo com os mais diversos registros feitos desde
que se iniciaram as ações referentes à perícia citada anteriormente, em 2011. A partir das
atividades específicas, foram confeccionados diários de campo, dos quais 55 destes integram a
base de dados disponível on-line (através do recurso Google Docs) e em versão impressa. Os
diários foram escritos pela equipe de pesquisa, a partir de cada inserção no campo. Assim, após
cada viagem à região de campo, cada pesquisador produziu um texto com as suas impressões
sobre o local visitado, sobre as pessoas, diálogos, tudo o que se pôde observar e registrar sobre
o modo de vida observado. Há também os registros em áudio, a partir de gravador, e registros
fotográficos destas visitas. Além destes, é necessário acrescentar inquéritos policiais, pois a
inserção no Baixo São Francisco também foi feita por pesquisa sobre Homicídios por Motivos
Fúteis na região, concomitante à perícia.

Os documentos encontram-se armazenados no computador da sala do Grupo de Estudos


e Pesquisas sobre Exclusão, Cidadania e Direitos Humanos (GEPEC) da Universidade Federal
de Sergipe e estão distribuídos em pastas, dentre as quais 9 estão nomeadas com datas e nomes
de cidades nas quais as 945 fotografias armazenadas no formato .JPG e contidas no acervo
foram feitas. Dentre todos os arquivos e documentos encontrados no acervo, 12 foram as
imagens escolhidas para compor a pesquisa, que seguiram o único critério de serem fotos de
placas de obras governamentais. Originalmente as imagens estão nomeadas por
IMG_2789.JPG, 047.JPG, IMG_3086.JPG, IMG_3090.JPG, IMG_3094.JPG, IMG_3164.JPG,
IMG_3205.JPG, IMG_3240.JPG, IMG_3269.JPG, IMG_3270.JPG, IMG_3284.JPG e
P3010292.JPG, e, a fim de facilitar a citação/referência/comunicação, foram renomeadas
respectivamente para imagem 1, imagem 2, imagem 3, imagem 4, imagem 5, imagem 6,
imagem 7, imagem 8, imagem 9, imagem 10, imagem 11 e imagem 12.

4. Resultados/Discussão

Em sequência do que foi colocado, cabe fazer a elaboração dos documentos e a


articulação entre as imagens e a noção de dispêndio trabalhada anteriormente. Seguindo o que
Foucault instrui ao tratar da elaboração do documento, a seção dos resultados está organizada
em séries, mais especificamente três. Inicialmente foram trabalhadas as imagens das placas, por
meio da descrição do conteúdo e das paisagens capturadas nas fotografias. Em seguida, a função
utilitária das placas, pautada no que Bataille chama “razão clássica”, será apresentada. A última
série desta seção traz um possível olhar sobre as placas fundamentado na noção de dispêndio
de Georges Bataille.

4.1. Descrição das Fotos

As placas de obras são coloridas em verde, amarelo e branco, e trazem informações


sobre a obra sinalizada, como a sua duração, custo, número de beneficiados, programa
responsável, município, comunidade, objeto, agentes participantes, empresa contratada,
número do contrato e área do projeto na metade de cor verde, enquanto na metade de cor
amarela encontra-se o título da obra e a frase “Aqui tem investimento do Governo Federal”. Na
faixa branca são trazidos os financiadores (bancos estatais, fundo de garantia dos trabalhadores,
fundos de investimentos), os ministérios responsáveis, a logomarca do programa e a logomarca
da prefeitura municipal. Há ainda a logomarca do governo federal nas placas da imagem 5,
imagem 6, imagem 7, imagem 8, imagem 11 e imagem 12.
No que diz respeito à paisagem, metade das placas capturadas (imagem 3, imagem 4,
imagem 7, imagem 8, imagem 9, imagem 10, imagem 11 e imagem 12) estão na beira da estrada
e próximas a vegetação. A placa da imagem 2 traz ao fundo a obra já finalizada e alguns
aspectos do cotidiano dos moradores, como roupas no varal. Possivelmente uma área
residencial funciona de plano de fundo para a placa da imagem 5, a imagem 6 apresenta uma
casa em provável construção em zona rural e a imagem 1 aparenta estar ao fundo de uma escola
ou de estabelecimento comercial.

A fim de melhorar a visualização, segue descrição detalhada do conteúdo das placas


aqui tratadas:

Imagem 2:

Área amarela: “Minha casa Minha vida”.

Área verde: “Objeto: construção de 30 unid. habitacionais”, “Valor do investimento: R$


300.000,00”, “Família Beneficiadas: 30 famílias”, “Início das Obras: 22/10/2010”, “Término
da Obra: 21/10/2011”.

Área branca: Logomarca do Governo Federal, Logomarca da prefeitura municipal de Cedro


de São João, “BICBANCO”.

Imagem 7:

Área amarela: “Obra com recursos do programa de subsídio à habitação de interesse social”,
“Empreendimento: pavimentação em paralelepípedo na rua do campo no povoado boa vista,
rua no fundo do fórum e rua olaria da sede do município, estrada do povoado boa vista e estrada
do povoado São Thiago, e outras no município de Telha/se”.

Área verde: “Valor total da obra: R$ 1.052.896,42 (um milhão, cinquenta e dois mil, oitocentos
e noventa e seis reais e quarenta e dois centavos)”, “Número de famílias a serem beneficiadas
pelo projeto: 3.701 (TRÊS MIL SETECENTOS E UM HABITANTES)”, “Início da obra:
13/10/2008”, “Término da obra: 30/08/2011”, “Empresa contratada: CTS-Construções
Transportes e Serviços LTDA”, “Contrato de Repasse no 0252217 - 23/2008 - PMT/
MINISTÉRIO DAS CIDADES/CAIXA-PRÓ-MUNICÍPIOS PEQUENO PORTE”,
Logomarca do Governo Federal.

Área branca: “CAIXA”, “Secretaria do Tesouro Nacional”, “Ministério das Cidades”,


“Prefeitura Municipal de Telha/SE”.

Imagem 11:

Área amarela: “Obras: Residencial Alto Bello”, “Obras financiadas com Recurso do FGTS
um patrimônio do trabalhador”, “Responsável técnico: Eng° Jefferson Douglas de Lima CREA
10.898-D/SE”, “Aqui tem investimento do Governo Federal”.

Área verde: “Local: Rodovia Pedro Xavier de Mello S/N”, “Bairro Caraíbas”, “Sede do
município de porto da Folha/SE”, “Nº de famílias beneficiadas: 108 famílias”, “Valor do
investimento: R$ 7.560.000,00”, “Prazo de execução: 22 (vinte e dois) meses”, Logomarca do
Governo Federal.

Área branca: “FGTS - Fundo de Garantia do Tempo de Serviço”, “CAIXA”, “Ministério das
cidades”, “Construtora LEME empreendimentos”, “Minha casa Minha vida”.

A partir da descrição do documento, aspectos utilitários e dispendiosos das placas


descritas serão indicados, trabalhados, elaborados na próxima série.

4.2. Função Utilitária das Placas

Em novembro de 2011, foi divulgado, pela Secretaria de Comunicação Social (SECOM)


do Paraná, o Manual de uso da marca do Governo Federal – Obras, cuja finalidade é
regulamentar “painéis e outdoors que cumpram a função de identificar ou divulgar obras e
projetos de obras de que participe a União”. Neste, estão previstos os materiais que devem ser
utilizados na confecção das placas de obras, o padrão geral, o cálculo a ser feito a fim de
respeitar tal padrão, onde devem estar as logomarcas do Governo Federal, de programas e de
órgãos e entidades e as cores que devem ser utilizadas. Apesar de não serem mencionadas no
corpo do texto do manual, as informações da obra também são citadas ao regulamentar o padrão
e podem ser observadas por meio da ilustração de uma placa de referência, cujas informações
trazidas são o valor total da obra, comunidade, município, objeto, agentes participantes, início
da obra e término da obra.

Os dois tons de verde e o branco são as cores que marcam o padrão das placas
regulamentado pela SECOM em 2011, diferente do padrão observado nas placas fotografadas
no Baixo São Francisco ao longo da perícia. Apesar da atualização no padrão de cores e de
dimensões apresentada no manual, as informações exibidas permanecem as mesmas, ou seja,
as funções da placa não se alteram com as mudanças.

A instrução normativa que norteia o Manual de uso da marca do governo federal - Obras
é a nº 02, de 16 de dezembro de 2009, cujo foco é publicidade e propaganda. Nesta, há a
conceituação de quatro tipos de publicidade: Publicidade de Utilidade Pública, Publicidade
Institucional, Publicidade Mercadológica e Publicidade Legal, dentre as quais a publicidade
institucional “que se destina a divulgar atos, ações, programas, obras, serviços, campanhas,
metas e resultados dos órgãos e entidades do Poder Executivo Federal” é a que melhor abriga
as placas de obras trabalhadas nesta pesquisa. De acordo com a instrução normativa citada, as
placas aqui trabalhadas têm “o objetivo de atender ao princípio da publicidade, de valorizar e
fortalecer as instituições públicas, de estimular a participação da sociedade no debate, no
controle e na formulação de políticas públicas e de promover o Brasil no exterior”.

As placas recontam a história do rio visto como região estratégica para o


desenvolvimento. As investidas dos colonizadores de ontem, são hoje as investidas do Estado,
e são motivo para orgulho deste. Parte-se do pressuposto de que a área que circula o rio deve
ser desenvolvida, tanto por sua posição geográfica quando por sua posição econômica, que
indicaria, segundo a lógica da produção, um atraso.

Informações contidas nas placas, como a propaganda “Aqui tem investimento do


Governo Federal” estão totalmente situadas no discurso desenvolvimentista, no entanto,
travestidas de uma forma de cuidado do governo, de promessas de melhoria de vida e de
benefícios para os habitantes da região. A placa que mais chama atenção quanto ao discurso de
cuidado e melhoria de vida é a presente na imagem 7. Ao anunciar a pavimentação em
paralelepípedo de algumas ruas e estradas do município de Telha, duas das informações trazem
números escritos e, em seguida, escritos por extenso, sendo elas o valor da obra e a quantidade
de famílias a serem beneficiadas. Ao falar do valor da obra, o número escrito por extenso é
trazido em letras minúsculas: “Valor total da obra: R$ 1.052.896,42 (um milhão, cinquenta e
dois mil, oitocentos e noventa e seis reais e quarenta e dois centavos)”. Quando a placa trata
das famílias beneficiadas, as palavras entre parênteses se apresentam em letras maiúsculas:
“Número de famílias a serem beneficiadas pelo projeto: 3.701 (TRÊS MIL SETECENTOS E
UM HABITANTES)”. Há, claramente, um destaque gráfico para a quantidade de beneficiados,
com a finalidade de convencer os cidadãos de que haverá uma melhoria para muitas famílias
naquela área.

Capturada na imagem 11, a placa indicando a construção do “Residencial Alto Bello”


também se insere na lógica de desenvolvimento ao estar associada à placa que anuncia a venda
das casas construídas com recursos públicos. O discurso de cuidado é completamente
interrompido pela placa azul-claro que anuncia a venda de casas dentro do condomínio fechado
construído com recursos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), usando as
palavras: “COMPRE JÁ O SEU, FALE COM UM DE NOSSOS VENDEDORES”. É o que
Ruy Araújo (2005) descreve como um desenvolvimento da região inclinado para o mercado,
configurando-se como um “processo bastante seletivo e autoritário”.

4.3. As Placas e o Dispêndio

Georges Bataille, ao apresentar a noção de dispêndio, permitiu que a discussão acerca


do que é útil perdesse o ponto final e ganhasse uma vírgula em seu lugar. Como visto, a razão
da produtividade comporta em si desperdícios fundamentais para a sua manutenção que são
pouco abordados, ou até propositalmente omitidos. Sob o olhar do que é tradicionalmente
considerado útil, as placas assumem oficialmente um papel de publicidade institucional, cuja
finalidade é promover o governo para os brasileiros e o Brasil para os estrangeiros, além de
símbolos da autoridade desenvolvimentista estatal. Sob a ótica do dispêndio, as placas
capturadas durante a perícia no Baixo São Francisco ganham um novo sentido e três aspectos
que fogem o princípio de utilidade: a ostentação das obras, a ostentação nas placas e o contraste
entre as placas e as paisagens.

Tomando como base a Instrução Normativa supracitada, as placas de obras informam


o quanto foi investido e onde com a finalidade de estimular a participação da sociedade no
debate e no controle dos gastos, ao mesmo tempo que faz uma propaganda. Apesar do caráter
utilitário da propaganda, o caráter do dispêndio se percebe nos montantes gastos, e no poder de
gastá-los. A imagem 7 e a imagem 11 sinalizam investimentos milionários, que podem ser
vistos como a ostentação das joias, cujo sentido se faz quando o usuário despende de uma
grande fortuna para adquirir tal objeto. Seguindo essa lógica, os usuários das joias são os autores
das grandes obras, das façanhas, os que despenderam foram os financiadores.

Em A invenção do Cotidiano (1994), Michel De Certeau fala sobre como “a nossa


sociedade canceriza a vista, mede toda a realidade por sua capacidade de mostrar ou de se
mostrar” e assim a leitura (da imagem ou do texto) caracterizaria o que é o ponto máximo da
passividade que caracterizaria o consumidor, dessa forma é concebida a “sociedade do
espetáculo”. As placas, em contraste com as paisagens rurais, proporcionam esse consumo
passivo de forma agressiva. A cancerização da vista é destrutiva e grandiosa, vê-se o desencaixe
das placas naquele ambiente em todas as imagens aqui trabalhadas. Essa forma de destruição
também possui o caráter de ostentação. Placas grandiosas com cores extravagantes violentam a
paisagem, apenas porque têm esse poder, portanto devem exibi-lo.

“Recomenda-se que as placas sejam mantidas em bom estado de conservação, inclusive


quanto à integridade do padrão das cores, durante todo o período de execução das obras”.
Retirada do Manual de Uso da Marca do Governo Federal - Obras, a recomendação sugere bom
estado das placas até o fim das obras, no entanto, em momento nenhum diz o que deve ser feito
com as placas ao fim da ação sinalizada. O manual abre brecha para o abandono, que se faz
conveniente e passa a fazer sentido quando a placa passa a ser observada como a obra em si. A
placa da imagem 2 ilustra a situação quando sinaliza a obra do projeto Minha casa Minha vida
que, a julgar pelas casas prontas e roupas no varal acidentalmente capturadas pelo fotógrafo,
deixou de estar em obra há tempos. Sua permanência indica a celebração de uma obra, não as
casas, mas a obra pela obra, pela façanha, uma obra de arte. Em vista disso as placas ficam,
beirando a inutilidade, monumentalizadas.

5. Conclusões

A partir do método da análise documental de Foucault, fez-se possível, sim, elaborar os


documentos e trabalhá-los em seu interior. A afirmação de que houve uma caracterização dos
modos de vida na região do Baixo São Francisco é verdadeira e, além da descrição, também foi
abordada a discussão da noção de dispêndio no cotidiano do local. As placas, apesar de não
aparecerem como ferramenta ou objeto dinâmico no dia a dia dos moradores da região, faz parte
do cotidiano, como visto em De Certeau (1994).

Com tudo o que foi explorado ao longo da pesquisa, fez-se possível concluir que, apesar
de não produzirem destaques em números considerados relevantes para o Estado, como IDH e
PIB, e, portanto, não se inserirem na lógica que visa a produção, os modos de vida do Baixo
São Francisco não podem ser rejeitados ou menos considerados. A noção de dispêndio abre
horizontes que possibilitam um outro olhar para as tensões do lugar. Por outro lado, também se
faz possível ter uma perspectiva diferente acerca do que é produtivo, inclusive observar o que
tem de dispendioso nos movimentos do Estado, que muito prezam pelo desenvolvimentismo e
produtivismo.

A partir desse movimento de amplificação de perspectivas sobre um mesmo objeto de


observação, uma crítica à contradição presente no discurso de intervenção desenvolvimentista
pode começar a tomar forma. Bataille, por meio da noção de dispêndio, abre a discussão para
movimentos antes pouco estudados, ou mesmo percebidos.

6. Referências bibliográficas

ARAÚJO, Ruy. O Baixo São Francisco: transformações históricas e econômicas. In: SÁ,
Fernando & BRASIL, Vanessa (Org). Rio Sem História? Leituras sobre o Rio São Francisco.
Aracaju: FAPESE, 2005.

BATAILLE, Georges. A parte maldita: precedida de ‘a noção de dispêndio’. 2ªed. rev. Belo
Horizonte: Autêntica, 2013.

BRASIL. Secretaria de Comunicação Social. Instrução Normativa SECOM-PR Nº 2, de 16


de dezembro de 2009. Disciplina as ações de publicidade dos órgãos e entidades integrantes
do Poder Executivo Federal e dá outras providências. Diário Oficial da União, Seção 1, pg. 16
e 17 17 dez. 2009.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes do fazer. Vol1. Petrópolis, RJ: Vozes,
1994.

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