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Liturgia e Música (Ratzinger)

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CAPITULO II

Liturgia e M usica

A importancia do significado da rmisica na religiao bfblica pode ver-se pelo facto de que a palavra cantar (incluindo as palavras a ela associadas) e uma das mais usadas da Biblia: no Antigo Testamento ela surge 309 vezes; no Novo TeStainento, 36 vezes. Onde hci encontro entre Deu~~H..Q__mem nao hci palavras, porque af sao de~~daU!~ Partesdas1.,la existencia gue, por si, ~IDIl_<ianto e rmisica, 0 queoHomem possurri]o'-€-SUhciente nem paraexpressar aquilo que ele sente nem para aquilo que ele tern de manifestar, de modo que convida a CriaC(ao inteira para cantar com ele: «Despertai, minhas entranhas, despertai, harpa e cftara; quero despertar-me com a aurora. Louvar-vos-ei entre os povos, Senhor, cantar-vos-ei salmos no meio das nacoes, o vosso amor chega ate aos ceus, sobre toda a terra se estende a vossa gloria» (5157, 9.11). Na Biblia, 0 canto e mencionado pela primeira vez depois da passagem do Mar Vermelho. Agora, os filhos de Israel estao definitivamente libertos da escravidao, tendo experimentado 0 magnffico poder salvador de Deus na sua situacao desesperada. Tal como 0 pequeno Moises foi retirado do Nilo e restitufdo a vida como urn dom, tambem os filhos de Israel se sentem praticamente retirados da agua, livres, restitufdos a si proprios pela mao de Deus. 0 relato biblico descreve a reaccao do povo a este acontecimento fundamental da liberta9ao pela seguinte frase: «E 0 povo acreditou no Senhor e em Moises, seu servo» (Ex 14,31). Da primeira reaccao cresce uma outra, com urn enorme entusiasmo: «Entao.Moises e os filhos de Israel cantaram ao Senhor 0 seguinte cantico ... » (15, 1). Todos os anos, os cristaos entoam esse cantico na celebracao da Vigilia Pascal, cantam-no reiteradamente como a sua cancao, pois

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t~mbem eles se sentem «retirados da agua-.Iibertados, a fim de vlvere~ uma vida verdadeira, gracas ao poder de Deus. 0 ~~o~ahpse de Joao vai ainda mais longe. Depois dos tiltimos l~lmlgos do povo de Deus terem subido ao palco da Historia - a t~ndade de Satanas, consistindo na besta, na sua imagem e no numero do seu nome - quando tudo parecia perdido para 0 povo s~t~ de Deu~ perante tanta supremacia, 0 profeta tera uma visao vitoriosa: «VI-QS de pe, num mar de vidro. Tinham as harpas de I?eus e~Cantico de Moises, servo de Deus, e 0 CantIco do Cordeiro ... » (Ap 15, 3). 0 paradoxo de entao torna-se ainda mats lmpressionante: a vitoria nao e das bestas gigantescas ~om 0 poder tecnologico e dos media; a vitoria e do Cordeiro imolado. E assim, mais uma vez, entoa 0 Cantico de Moises,

servo de Deus, ele e agora 0 Cantico do Cordeiro. .

_..-~ 0 canto liturgico situa-se nessa enorme extensao historica Para Israel, 0 acontecimento da libertacao no M~~ Cana~ sempre permaneceu a causa principal para 0 louvor de Deus e 0 tema fundamental do seu canto perante Deus. Para os Cristaos a ressurreicao de Cr!.~~~vessou, Ele J?roprio, o «Mar V~rm~~~g~~.!!!~!!~ mergulhandonomimdo-das:'sombras' e'empurrando os portoes dos cativeiros, foi 0 verdadeiro Exodo, etema~ente pre~ente no Baptismo: 0 Baptismo e 0 nosso ingresso na simultaneidade da descida de Cristo ao Mundo dos Mortos - «l!ades» - e da sua subida; Cristo acolhe-nos na comunidade da VIda nova. Apenas urn dia apos 0 entusiasmo do Exodo os Israelitas aperceberam-se que estavam entregues ao deserto ~ aos seus terr~res e que nem a entrada na Terra Prometida tinha posto termo as ameacas. Mas sempre de novo houve actos poderosos de Deus e sem re de n vo eles faziam e 0 Can tic ~, demonstrando que Deus nao e 0 Deus do passado, mas sim do presente e do futuro. Sem diivida, em cada cantico residia 0 conheci~e~to pela su~ transitoriedade e 0 desejo pelo cantico novo e definitivo, 0 desejo pel a redencao que nunc a mais fosse seguida pela angtistia, mas sim pelo Cantico de louvor. Quem acredita na.re~surreic;ao de Cristo e na salvacao definitiva sabe que os Cn~ta?s que se encontra~am na «Nova Aliancax cantavam agora o can~lco novo que, ~~ virtude do acontecimento da ressurreicao de Cnsto, era definitivamente 0 verdadeiro Cantico «Novo». 0 que ouvimos na prime ira parte sobre 0 «estado entre» da realidade crista, cujo significado e «imagem» que ja nao e sombra e

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ainda nao e plena realidade, tambem aqui e valido. Ja comecou a entoar 0 cantico definitivamente novo, contudo, para ele se transformar em cantico de louvor, todas as paixoes e toda a dor da Historia devem ainda ser sofridas, recolhidas e inseridas no sa-

criffcio do louvor.

Com isso tudo foi delineada a causa teologica do canto linir-

gico. Agora e preciso chegarmos mais pert~ d~ sua.rea~i~ade'pratica. Alem dos varies atestados sobre os canticos individuals da comunidade israelita e ainda sobre-a rmisica do templo que perpassam as Sagradas Escrituras, a fonte principal que ~os pod~ra servir de apoio e 0 Livro dos Salmos. Embora ele nao perrrnta uma reconstrucao da «Musica sacra» israelita por falta de notac;ao musical, sempre nos dri uma ideia da riqueza de instrumentos e dos variados modos de canto praticados naquela altura. Na sua poesil!()radora, ele revela-nos todas as experiencia~ que se tomaram oracao e canto perante Deus. Luto, clamor e ate acu~c;ao, medo, esperanca, confi~!1~.~,_gratidao~~~ - t9da a vloa se reflecte naqueTe desenrolar de dialogo com Deus. E de destacar que, mesmo em situac;oes de maior desamparo, as acusacoes terminam sempre com uma palavra de confianca, quas~ como se fosse antecipacao do acto redentor de Deus. Neste senttd?, todos esses «Canticos Novos» podem, de certo modo, ser designados como variacoes do Cantico de Moises. 0 canto perante Deus eleva-se sempre de uma situacao de a~gustia, da qua~ ne~h~m podeiterrestre pode libertar, de maneira que Deus seja 0 umco refugio; esse canto provern da confianca e da consciencia de que, mesmo nas maiores trevas, 0 acontecimento no Mar das Canas seja uma promessa que sempre tera a ult~ma palavra, na Vida e na Historia. Finalmente, ha-de ser mencionado que os Salmos derivam muitas vezes de vivencias pessoais de sofrimento e do «ouvi-nos, Senhor», desaguando por fim na oracao comum de Israel, a qual e, em virtude dos actos que Deus concluiu, a base de alimento comum a todos.

Tal como na natureza da Liturgia, na construcao de igrejas e nas imagens, tambem na lfrica eclesial se revela a mesma relayao e_!!1re continuidade e inovacao: 0 sakerio tomar-se-a natl!!al~e~te 0 breviario da Igreja, da sua oracao e do seu cantar. 0 salteno reza-se agora juntamente com Cristo. Se Israel atribuia os Salmos do Clmone maioritariamente ao Rei David, pelo que eles adquiriram uma certa interpretacao teologica e da Historia da

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Salv_a~ao, para os Cristaos e claro que Cristo seja 0 verdadeiro David que no Espfrito Santo reza atraves dole com o Filho, que era da sua descendencia e simultaneamente 0 Filho de Deus. Com esta chave. nova entraram os Cristaos na oracao de Israel, tomando-a precisamente assim 0 cantico novo. Ha-de se observar que, com isso, foi dada uma interpretacao trina dos Salmos: o Espfrito Santo, que inspirou David a can tar e a orar, deixa-o falar de Cristo, pois Ele faz com que ele seja a boca de Cristo. Consequentemente, nos Salmos falamos ao Pai atraves de Cristo n~ ESP!ri.to Santo. Contudo, esta interpretacao pneumato16gica e cristologica dos Salmos nao se refere apenas ao texto, envolven-

(do. ta~bem 0 ~lemento musical: e 0 Espirito.Santo gu_e e-!!~!Qa

~f p.r.I_l!le.I~~ __ .12~ .. Id",~_~.'!!!!1!~e ~~Jra.Y.~~_J!e D1!..Y..icL.till!!Qem !s:.~~~._:._~!greJa; 0 canto e, excedendo a fala vulgar, urn acontec-

_~~I!!Q_pneumatico em si. A _Musica sa&ra nascecomo -'?§.;.. ~Jl!Q....u!U dam do Espirit£: no fundo, ela e a «glosso alia»,

a «I~a, proveniente do Espfrito. E sobretudo ela que causa 0 estado de «embevecimento s6brio» da Fe - embevecimento, porque nele sao excedidos todos o~ de raciocfnio puro. Mas tal «embevecimento» permanece sobrio, pois Cristo e Espfrito pertencem urn ao outro e porque essa linguagem embevecida se mantem na disciplina de Logos, num raciocfnionovo, que excede todas as palavras, para ser servo daquela unica Palavra primordial, que e a causa de toda a razao. Vamos ter de voltar a falar sobre isso.

Como vimos antes, no Apocalipse, 0 testemunho de Cristo alargou 0 horizonte, 0 Cantico dos Vitoriosos e agora designado como 0 Cantico de Moises, servo de Deus e do Cordeiro. Mas com isso tambern se abriu uma outra dimensao de cantar diante de Deus. Na Bfblia de Israel, verificamos ate agora duas motiva~,5es principais para cantar diante de Deus: 0 desamparo e a alegria, 0 tormento e a libertacao. A relacao com Deus era demasiad~mente marcada pelo respeito do poder etemo do Criador, em virtude do qual nao se ousava considerar os canticos como canticos de amor, emb.ora a confianca presente no Intimo deles possa, no fundo, ser designada como amor - contudo esse amor era timido e oculto. No Antigo Testamento, a relacao entre 0 arnor eo ca?to apareceu inicialmente de urn modo talvez algo particular, fOJ atraves da admissao do Cantico dos Canticos que em si era uma coleccao de canticos de amor. Porem, e provavel que ja a

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admissao no Canone tenha sido feita atraves de uma interpreta~ao mais extensa. Esses mais belos canticos de amor de Israel eram compreendidos como palavras inspiradas das Sagradas Escrituras, porque se tinha a certeza de que 0 seu amor humano deixava transluzir 0 misterio de amor entre Deus e Israel. Na 110- gu~gem dos Profetas, 0 cultodos--deusespagaOseraoesignado como prostituicao (no seIitido concreto, na medida em que os cultos de fertilidade envolvessem ritos de fertilidade e prostitui~ao do templo). Pelo contrario, a eleicao de Israel surge a~ora como a Hist6ria de amor entre Deus e 0 seu povo. ComparatIvamente, a Alianca e interpretada como noivado e casamento, como 0 compromisso de amor de Deus para com 0 Homern e vice-versa. Desta forma, 0 amor humano podia ser considerado como uma parabola real aos actos de Deus em Israel. Desde cedo, Jesus retomou essa linha tradicional de Israel, comparando-se Ele pr6prio a urn esposo. Quando the perguntaram porque os seus discfpulos, contrariamente aos discfpulos de Joao e dos fariseus, nao jejuavam, Ele respondeu: «Poderao os companheiros do esposo jejuar enquanto 0 esposo esta com eles? Enquanto tern consigo 0 esposo nao podem jejuar. Dias virao em que 0 esposo ser-lhes-a tirado e entao, nesses dias, jejuarao» (Me 2, 19.20). Esta e urna profecia da paixao, tal como tambem 0 amincio das mipcias, que surge nas parabolas de Jesus durante 0 banquete nupcial e se toma tema central do Apocalipse, 0 ultimo livro do Novo Testamento: tudo caminhapara 0 Cordeiro atraves da paixao, E como as mipcias do Cordeiro parecem, desde ja, antecipadas nas visoes da Liturgia celeste, os cristaos compreenderam a Eucaristia como a presenca do esposo e, por conseguinte, como a antecipas;ao da celebracao das nupcias de Deus. Nela acontecea.quela comunhao que corresponde Ii uniao de homem e mulher no casamento: tal como eles se tomam «uma s6 came», assim nos todos, atraves da comunhao, seremos urn pneuma, urn rinico com Ele. 0 misterio nupcial da uniao entre Deus e Homem, anunciado no Antigo Testamento, acontece precisamente atraves da paixao de Cristo, no Sacramento do seu corpo e do seu sangue (cf. Ef 5,29-32; 1Cor 6,17; G13, 28). Com certeza, 0 cantico da Igreja tern a sua origem no amor: e no fundo do amor que nasce 0 canto. «Cantare amantis est», diz Agostinho: Cantar e assunto do amor. Com isso, voltamos de novo Ii interpretacao trinitaria da Miisica sacra: 0 Espirito Santo

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~ amor e e Ele Que gera 0 canto. Ele e 0 Espfrito de Cristo, Ele atrai-nos para dentro do amor de Cristo, guiando-nos assim ao Pai.

Agora, temos de nos desviar dessas forcas motrizes da Miisica sacra e regressar as questoes praticas. A expressao utilizada nos Salmos para «cantar» pertence, segundo a sua radical, ao conjunto das antigas lfnguas 'orientais e designa «canto acompanhado de instrumentos» (provavelmente instrumentos de corda), c1aramente relacionado com 0 texto; ele refere-se sempre a uma determinada declaracao do texto. Tratava-se provavelmente de recitativa que so no infcio e no fim permitia sons melodicos. A Bfblia grega traduziu a palavra hebraica «zamir» com «psallein», 0 que em Grego significava «dedilhar» (no sentido de tocar urn instrumento de corda); esta palavra tornou-se entao a expressao para 0 modo especffico de tocar rmisica no culto judaico e, posteriormente, a designacao para 0 canto dos Cristaos. Por vezes, havia aqui ainda urn suplemento, cujo significado exacto permanece desconhecido, mas que certamente aponta para canto artfstico e canto ordenado. Deste modo, a Fe bfblica criou a sua propria forma cultural no ambito da rmisica; a expressao em conformidade com 0 seu interior constitui uma norma para todas as incultura-

~oes seguintes. .

Desde muito cedo, a Cristandade foi confrontada com a questao de ate que ponto pode ir a incultura~~ito da rmisica. As comunidades cristas provieram das .~ e adoptaram, atraves do salterio interpretado de forma cristologica, tambem 0 !!!_odo de can tar. Os hinos e canticos cristaos nasceram muito cedo; primeiro 0 Benedictus e 0 Magnificat, baseados ainda inteiramente no Antigo Testamento, depois textos inteiramente cristologicos, dos quais se destacam 0 Prologo de Joao (1, 1-18),0 Hino de Cristo da Carta aos Filipenses (2, 6-11) e 0 Cantico de Cristo de I'Tim 3, 16. Uma informacao interessante sobre a primeira evolucao da Liturgia crista oferece-nos Paulo na primeira Carta aos Corfntios: «Quando vos reunis, tenha cada urn de vos urn cantico, urn ensinamento, uma revelacao, urn discurso em lfnguas, uma interpretacao; que tudo isto se faca de modo a edificarx (14, 26). Consta dos manuscritos do escritor romano Plfnio, que informava 0 Imperador sobre 0 culto religioso dos Cristaos, que, no infcio do seculo II, urn dos elementos essenciais da Liturgia crista era 0 canto _gJ_orificador d_~_ Cristo na sua divin-

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dade. Podemos imaginar que os textos cristaos novos nao so -atiiPliaram 0 canto de entao, como tambern deram origem ao nascimento de melodias novas. Parece que a evolucao da Fe crista se tera realizado precisamente nos poemas dos canticos, que naquela altura nasceram como «dons pneumaticos» nas Igrejas. Continham esperanca, mas tambem perigo. A separacao da Igreja da sua origem sernftica e a transicao para 0 mundo grego tinham como consequencia natural uma uniao com a mistica grega de Logos, a sua poesia e a sua rmisica, que ame~~avam dissolver 0 Cristianismo numa mistica universal. 0 ambIto dos hinos e das suas rmisicas era precisamente uma porta aberta a Gnosis, aquela tentacao mortffera que comecou a decompor 0 Cristianismo no seu interior. Assim se compreende que, na luta pel a identificacao da Fe e pela sua radicalizacao na figura historica de Jesus Cristo, as autoridades da Igreja ten ham recorrido a uma decisao radical. 0 canone 59 do Concflio de Laodiceia profbe tanto 0 uso de versos de Salmos privados c?mo 0 de escritos nao canonicos nas missas; 0 canone 15 restnnge 0 canto de Salmos ao cora de cantores de Salmos, enquanto «outros nao devem cantar na igreja». Consequentemente, a lfrica pos-bfblica dos hinos quase se perdera por completo; voltou-se rigorosamente ao modo de canto puramente vocal, adaptado da Sinagoga. As consequentes perdas culturais podem ser lamentaveis, mas eram necessarias para beneficiar urn valor superior: 0 regressoa aparente pobreza cultural pos a salvo a identidade da Fe bfblica; foi precisamente a rejeicao da falsa inculturacao que abriu a extensao cultural do Cristianismo ao futuro.

No percurso historico, a evolucao da rmisica sacra revela grandes paralelos com a questao das imagens. 0 Oriente - pelo menos na zona bizantina - manteve a rmisica meramente vocal, a qual foi alargada a polifonia na zona eslava, provavelmente sob influencia do Ocidente; os seus coros masculinos comovem 0 coracao, tanto pela sua dignidade sacra como pelo sua~e ardor, fazendo da Eucaristia uma celebracao da Fe. No Ocidente, a transmissao do «salmodiar» conduziu, no Coro Gregoriano, a Ulna nova evolu~ao de tal grandeza e pureza, que pas~ou a~c-~~tifuii·o·padr5:o-:i)ermanentenaJii~!~SaCra eucarls~. N a Id.ade M~ta,(leSenvolveu-se a pohfonia e os instrumentos trveram novamente entrada na missa - certamente com razao, pois a igreja, como vimos, nao e apenas uma continuacao da Sinagoga

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como tambem integra '!:Jealidade de Pascha Cristo, representada ~ tem12lo. Dois factores novos comecam a influenciar a rmisica sacra: a liberdade artfstica exige cada vez mais direitos na missa; as rmisicas sacra e profana cruzam-se agora reciprocamente, 0 que se torn a evidente especialmente nas chamadas missas teatrais, em que 0 texto da missa e sujeito a urn tema ou a uma melodia relacionados com rmisica prof ana, de modo a que 0 auditorio ate chega a ouvir cancoes em yoga. E evidente que a criatividade artistic a e a integracao de motivos profanos envolve perigos: a rmisica deixa de ter a oracao como base do seu desenvolvimento e a exigencia da autonomia artfstica guia-a para fora da Liturgia, procurando a finalidade nela propria, ou abrindo as portas a modos total mente diferentes de viver e sentir; ela afasta a Liturgia da sua verdadeira natureza. Neste ponto da disputa cultural que se criou interviera 0 Condlio de Trento, que realcou 0 caracter

I' d~ Qalavra como a norma da musicaJiturgica e restringiu essen-

. Cl. alment~. 0 ~~stru~l!tgs, ~Yi.@.nciando assim a difuren!;a I et:I.~usica sacra ~rofana. No infcio deste seculo, Pio X fez mais uma intervencao desse genero. Na epoca do Barroco deu-

-se, mais uma vez (de modos diferentes nas zonas catolica e protestante), uma uniao notavel entre as rmisicas sacra e profana; nesse apogeu da historia cultural, todo 0 esplendor da rmisica foi posto ao service da glorificacao de Deus. Ouvindo Bach ou Mozart na igreja - ambos nos fazem seI_l~~E_,~~!lm modo magnifico 0 significado de gloria Dei -{j1ona ~us: nas suas rmisicas encontra-se 0 infimto misterio da beleza, deixando-nos, mais do ,que em muitas homflias, experimentar a presenca de Deus de forma mais viva e genufna. Todavia, aqui ja se anunciam perigos, embora 0 subjectivo e a sua paixao ainda disponham de docilidade, em virtude da harmonia musical do Cosmos, na qual se reflecte a ordem da propria Criacao divina. Mas as ameacas da v~osidade e da vaidade dQ talentQ ja se manifegam; elas ja nao expoem as Jl_l!f!~ fa£Y.l~ .. ~~IYi£9 .illLt.Q..do, quere_l!do elas proprias avancar nara 0 primeiro plano. Em muitos locais~iio seculo XIX, que foi 0 seculo da emancipacao da subjectividade, isso levou a uma sufocacao da musica sa~la opera, deixando emergir de novo os perigos que, na altura, eram a causa da intervencao do Concflio de Trento. Analogamente, Pio X procurava agora ~astar da Liturgia 0 genero o12eratico, declarando 0 Coro Gregoriano e a Gr~ifonia do tempo da inovacao catolica

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(com{~lestrinJcomo figura de destaque) com~:e~ia rmisica linirgica, a qual tinha de ser nitidamente dlhni~outras rmisicas religiosas, tal como as artes plasticas na Liturgia tambern devem obedecer apadroes diferentes de outras artes religio-

sas. A arte liturgica possui uma responsabil.idade Pf9p.ga; ~. I

precisament or ISS0 e sempre de novo, on em . ra a~ &-

fonte e ~ cu to. -----

Hoje: ' a revolucao cultural das iiltimas decadas, encontramo-nos perante urn desafio certamente nao menor do que os tres perfodos de crise que acabamos de delinear no nosso esboco historico: a tentaryao gnostica, a gise do tim da Tdade Media e do inicio da Era Moderna, a crise do inicio do nosso seculo, que foi

o prehidio das questoes ainda mais radicais do presente. Nos iiltimos tempos, houve tres desenvolvimen~os que designaram a problematica que a Igreja tera de enfrentar na questao da rmisica linirgica. Em primeiro lugar, a universalizaGao cultural, que a Igreja nao pode deixar de realizar a fim de exceder definitivamente os limites do espfrito europeu, e a questao de como deve ser feita a inculturacao no ambito da musica sacra sem prejudicar

a idemifiCa~ollo Cristianismo e, por outro lado, deixa-lo desenvolver a sualUnlversahdade?Dentro da rmisica, ha dois desenvol~ntos que inicialmente tiveram origem no Ocidente, mas que, na cultura mundial em geral ja dizem respeito a todos. ~ chamada musica erudita (<<classica»), que se desloc.Q!!. - fora as exccpcbes - para urn gueto de elite, onde apenas especialistas podem ingressar e mesmo alguns deles com sentimentos estranhos. A rmisica das multidoes separou-se da rmisica acima referida, seguindo urn percurso total mente diferente. De urn lado existe a musica p016 que certamente nao tern nada a ver com «povo» (Pop) no sentido tradicional e, sendo gerada industrialmente, ela atribui-se ao fenomeno da multidao; no fundo, deve ser designada como urn culto do banal. Comparativamente, «Rock» e a expressao de sentidos elementares que, nos festivais de rock assumiram 0 caracter de culto; porem, esse caracter e oposto ao culto cristae, e!'~Jib~rta 0 Homem d~le proprio~ a- vivencia (fa multidao ~vibr~oes de ti!m..o, QarulJ!.o e ef~ito~ de luzes,- delxan~-no extase._de_(ompim.~nto dosseuslimites,

s\ibrrlergindo-()-gu.ase nas f?r~.as primitiv~~ do UIi~~o. A m~:\

sica do «embevecimento sobrio» do Espirito Santo nao tern hi ~ potese, onde 0 ego e 0 espfrito sao aprisionamento e correntes,

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surgindo a fuga dessas prisoes CQmQ libertacao que deve ser saboreada, nem que seja so PQr uns momentos,

o que fazer? As receitas teoricas ajudam aqui porventura ainda menos do. que na arte plastica, D-¥'ye h1;!;ver uma inQVa9aQ do. interior, Todavia, depois de ter considerado QS ~ariQs padroes .

--=

dQS fundamentos interiores da rmisica sacra, gostaria de fazer urn

resumo conclusivo.

A musica da missa crista e relativa a Logos em tres sentidos:

1. Ela rtiere-J!e aos acaotedmentQs dQS actas de Deus, testemunhados na Bfblia e evocados no. cultQ, que permanecem na Historia da Igreja, mas que tern 0. seu centro. fixo no. Pascha Jesus Cristo. - cruz, ressurreis;aQ e eleva£aQ. Este centro. envolve tanto. as historias de salvacao do. Antigo. Testamento. CQmQ as experiencias de salvacao e esperancas da historia religiosa, interpretando-as e completando-as. Na musica littirgica, que se baseia I!~~a, existe uma dQminancia eVldente daJ2it~ ela e uma forma elevada da anunciacao. Ela surge, efectlvamente, CQmQ resposta aQ amor de Deus encarnado em Jesus, ao amor que se entregou PQr nos. Continuando a cruz.realidade mesmo apos a ressurreicao, esse amQr sempre sera definido pela dor de Deus se encontrar oculto, pelo clamor proveniente do. fundo da nossa angiistia - Kyrie eleison - pela esperanca e siiplica. Todavia, PQr esse amor saber que pode sempre compreender a ressurreicao CQmQ verdade antecipada, pertence-Ihe tambem a alegria de ser amado. - CQmQ dizia Haydn .- aquele regozijo, que se apoderava dele ao transpor textQS liturgicos em rmisica. Ser rela~3_Logos significa, e.!!l..m:imcir.oJugar...ser..r.elatiYQlt'paIavr~ PQr is so que a Litu~l!..da_PJeft<!~1!£ia l!.Q.J<a.Q1Q..e.JIl..c;letrimentQ oQsTnStrumentQs (flli}bQrA~~~L,!_aQ s~jam, de m~!leira alguma, ae--excluir). D"iii se compreende que QS textos bfblicos e Iinirgicos-se:ram normativos para a orientacao da rmisica Iinirgica, 0. que Q!Q.e conlradjt60o mas sim inspiradQr de «caoticos.J1QYQ~» de criacao s;aotfDJ~, assegurando-lhe a causa e a certeza do. amor de Deus, portanto a salvacao.

2. Paulo. diz-nos que nos nao sabernos PQr nos 0. que rezar, mas que 0. Espfrito intercede PQr nos CQm «gemidos inefaveis» (Rm 8, 26). A oracao em geral, e a capacidade de cantar e brincar diante de Deus, excedendo, em particular, as palavras e urn dom do. Espfrito. Ele e amor, gera amQr em nos e poe-nos a

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can tar. Mas sendo 0. Espfrito, Cristo, «PQrque recebera do. q~e e meu» (JQ 16, 14),0. seu dQm que excede as palavras e, ~reclsamente PQr essa razao, relativo a palavra, a palavra que e 0. se~tido de vida criador e sustentavel - Cristo. As palavras seraQ excedidas, mas naQ a palavra Logos; esta e u~~ Qu~r~ f?rma; mais funda ainda, de ser relativo a Logos na musica linirgica. E iSSQ a que se refere a tradicao eclesiastica, quando. fala do. embevecimento sobrio que 0. Espfrito Santo. causa em nos. 0 que permanece e uma sQbriedade e urn raciQcfniQ mais fundQ qu~ se o!20ell! a g_ueda para 0 irraciQnal. e para 0. ~x~e~sQ. 0 ~u~ ISSQ quer dizer na pratica, pode ~ed~zlr-se da HlstQr_ta. da musica. 0 que escreveram Platao e Aristoteles sobre a musica demonstra que 0. mundo grego de entao se encontrava cl~ramente perante a escolha entre dois tipos de culto, entre duas imagens de De~s e Homem e, particularmente, perante dois tipos basicos ~e ~u~lca. De urn lado 0. tipo de rmisica que Pla:aQ, em ter~?s mltQ.IQglCQS, atribui a ApQIQ - deus da luz e da raza?; .esta ~uslca atr~I.QS sentidos ao espfrito, levando 0. Homem a llltegn~ade; muslc.a que nao suprime QS sentidos, inserindo-os na umdade da c~tatura humana. Ela enaltece 0. espfrito, enlacando-o CQm QS sentidos, e enaltece QS sentidos, unindo-os CQm 0. espfrito; expressa a. PQsicao singular do. Homem em toda a constituicao do. ser. E .amd.a ha rmisica que Platao atribui ao Marsyas e que cu!tur.al, e historicamente tambem poderia ser designada CQmQ «dlOll1S1~ca>~ .. Ela arrebata 0. Homern ao extase dQS sentidos, esmaga 0. raCIQCmlQ e submete 0. espfrito aQS sentidos. A maneira CQmQ Plata.Q (e 0. comedido Aristoteles), separavam QS instrumentos e tQnal~dades para lados diferentes e ultrapassada e PQde su~gi~ ~lgQ ~lz.arra. Mas, CQmQ alternativa, ela perpassa toda a historia rehgl~sa, encontrando-se tambem hoje toda real a nossa frente. Na rmssa crista, naQ PQdem ser admitidQs tQdQS QS tipos de musica, porque era estabelece uma norma: a nQrma e 0. Logos. Se se trata ~~ Espfrito Santo. QU de «NaQ- EspfritQ» recQnhec~mQ-I.9. .... CQ!!lQ.Jh~ ~ . .P_e.!2_9.!le apenas 0. Es~fritQ S;mtQ nQS delg_d!?:er; Jesus .. e Senhor (CQr 12, 3). 0 Espfrito Santo. conduz aoLogos: a ~ma ~ que esteja SQb 0. signo de Sursum corda - que slg~lfica enaltecimento do. CQra9aQ. A norma da rmisica em conformidade CQm 0. Logos, 0. modo. de log ike latreia (adoracao c?nfQr~e razao e Logos), de que falamos na prime~ra parte deste livro, !!~9- e nem a dissQlu9aQ no. extase, ~!.~~R!:QYJd~Q~_g!:l~I9.u~rma,

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nem simplesmente 0 nQSso sensorktl, m~§~im_,!nQ.~1,,~~o na celsitude.'

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3. A palavra personificada em Cristo - 0 Logos - e forca doadora de sentidos, nao somente para 0 indivfduo nem apenas para a Historia. Ela e 0 significado criativo, de que provem 0 Universo e que 0 Universo - 0 Cosmos - reflecte. E por isso que esta palavra conduz para fora do isolamento, para a comunidade dos Santos, que excede Espaco e Tempo. E 0 «carninho espacoso» (Sl 31, 9), a extensao redentora, em que 0 Senhor nos coloca. Mas 0 raio vai mais longe. A Liturgia crista e, como ouvimos, tambem Liturgia cosmic.a. 0 que slgmnca lSSO para a nossa pergunta? No fim do prefacio, que e a primeira parte da oracao eucarfstica, afirma-se regularmente que se cante juntamente com os Queruhins e Serafins e todos os coros celestes «Santo, Santo, Santo». A Llturgla refere-se aqui a visao de Deus em M Oprotetave no Santo dos Santos do templo 0 trono de Deus,- protegido pelos Serafins, que c1amam uns para os outros: «Santo, Santo, Santo, 0 Senhor dos exercitos. Toda a terra esta cheia da Sua gloria» (Is 6, 1-3). Na c~l~aQda_Sill1ta Missa, inserimo-nos nes~ Liturgia gu~os precede sel11l2re. Todo 0 nossq_fantar (gm!o

~!.a9.~?~~~<l:t,~~E~~_~urgia'_9..~~<?1_9_c!~,~'!_<;rt!!9~Q.

De entre os Padres, foi principalmente Agostinho quem procurou fazer urn relacionamento entre essa visao primitiva e particular da Liturgia crista e a visao do mundo da antiguidade greco-romana. A sua primeira ohra sohre a rmisica e ainda muito dependente da teoria musical pitagorica. Para Pitagoras, 0 Cosmos era constitufdo matematicamente, ou seja, por uma enorme estrutura de algarismos. As ciencias naturais modernas, iniciadas por Kepler, Galileu e Newton, recorreram a essa visao, perrnitindo, atraves da interpretacgo matematica do Universo, 0 aproveitamento tecnico das suas potencialidades. Para os Pitagoristas, essa ordem matematica do Universo (Cosmos significa ordem!) era, efectivamente, identica a natureza da Beleza: a Beleza nasce atraves da ordem interior e conveniente. E tal heleza era para eles, nao somente de natureza optica, mas tarnbem musical. Com as palavras da «Cancao do Sol com as esferas», Gothe remete a ideia de que a ordem matematica dos planetas e das suas orbitas contenha urn som oculto, que seja a

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forma primitiva da rmisica. Podia dizer:se que as o~hitas sao melodias, as ordens dos algarismos 0 ntmo e 0 conJunt~ das varias orbitas a harmonia. A rmisica feita pelo Homem ~ena de ser proveniente da audicao do int~rior da musi~a do Umverso e das suas ordens interiores, envoi vida na «Cancao do Sol co;n ~s esferas». A heleza da rmisica haseia-se na sua corresp~n?enCla com as leis do Universo, rftmica e harmonica. A .muslca d,o Homern e tanto mais ~nita», quanto mais for insenda nas lel~

musicais_dQ_llniv;er.&Q. . "

"Inici~lmente, Agostinho adoptou essa teoria.tendo-a apr?fundado mais tarde. No decorrer da Historia, a sua transplantacao na visao mundial da Fe, certamente implicaria uma dup~a person~lizacao. Ja os Pitagoristas nao conceheram a MatematI~a ~o Umverso apenas ahstractamente. Segu~do ~ :ult~ra classica, as accoes inteligentes pressupoem u~a mtehg~ncl~ geradora. Por conseguinte, a explicacao dos mo.vll~entos mtehge~tes - m~t~maticos - das constelacoes nao foi feita apenas ao mv~l_mecamco; esses movimentos so eram inteligfveis soh a. c~ndl9ao d~ s~rem inspirados, ou seja, «inteligentes». Para 0 Cristae, a transicao das divindades de constelacoes para coros de anJ?s, que ahra~gem Deus e iluminam 0 Universo, sucedeu por S1. A ~ercep~ao da «musica cosmica» torna-se entao a escut~ dq,,c~to. ?S, ~nJos, eVloenciando a relacao com Is 6. Mas, atraves da Fe tnmtana a cre~9a no Pai, Logos e Pneu~a deu-s~ ~ais urn ~asso .. A,matematica do Universo nao existe por Sl so, nem e exphcavel - como se compreende agora - atraves de divinda?~s de co~ste~a- 90es. Ela tern uma razao mais profunda - ~ esp~nto da ~na9ao, ela provem do Logos que contem, por aSSlm dlze~, as Ima~~ns p~t:dem do mundo. que. ele gera atraves do e~plflt~ da materia. Devido a sua fun~ao cnadora. 0 Logos tam~l designado Ar~ ~arte de Deus (Ars = Techn~!). 0 propno ~nde anista, no ql!~!~~_!_t:t~~ a ongem de toda~ as ohras da arte - toda a beJeza do Ilnizerso. Consequentement~, cantar com 0 Universo significa ir na esteira do Logos e ap~oxlmar-se dele. Toda a arte humana,gue sejagenufna e a aproxl~a- 9ao ao «artista», ao Cristo, ao espfrito criador. A ideia da rmisica cosmica, do can tar com os anjos, desagua consequentemente no relacionamento entre 0 Logos e a Arte, alargado e aprof~ndad.o pela componente cosmica, que confe:e a arte da cele?r~9~O rehgiosa tanto a norma como a extensao: a mera «cnattvlda~e»

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sub 'ectiva nunca oderia ser tao ..!!br~sao do Cosmos e daslU!J::n~.n,gg~!!L~~ bele_?:a. Submeter-se a sua!1

({norma nao significa diminuicao da Iiber:._dade, mas sjm arnplia£ao \ do horizonte.

-Daqui resulta uma ultima referencla, A interpreta9ao c6smica da masica, com varia90es, manteve-se viva ate ao infcio da Era

Modema. S6 0 seculo XIX se afasta dela, porque a «Metaffsica» lhe parecia ultrapassada. Hegel procurava interpretarC a mtisica principalmente como a expressao do sujeito e da subjectividade. Mas enquanto a ideia fundamental de Hegel, que rege a partida e a chegada do todo, ainda continua a ser a Razao, Schopenhauer efectua uma inversao com grandes consequencias para a evolu- 9ao do futuro. A causa do mundo deixa de ser a Razao, mas sim «vontade e imagina9ao». A vontade precede a Razao. E a musica e a expressao mais primitiva de todo 0 ser huniano, a expresssn da vontade pura que precede a Razao, ela e criadora do mundo. Por essa razao, a rntisica nao ha-de ser submetida a palavra e s6 excepcionalmente relacionada com ela. Por ser vontade pura, ela e mais primitiva do que a razao, reconduzindo-nos, ulteriormente, para a verdadeira causa do real. Somos remetidos a transforma9ao do prologo de Joao, efectuada por Goethe: ja nao e «no infcio foi 0 Verbo», mas «no infcio foi 0 acto». No nosso seculo,

a continua9ao disso traduz-se na tentativa de substituir «Ortodo~ia» P~«OrtoJ,2raxia» - ~~~f.l.verdade e inal:ingfyel), Q s~g_ill:..OCllPOlUl.pratk..~m. Todavia, como expos Guardlni, com enfase, na sua obra prima Sobre 0 Espfrito da Liturgia, na Fe crista, 0 Logos tern prioridade a Et~ Onde 0 caso e inverso, 0 Cristianismo destabiliza. 0 ca-

_,

r~cter c6smico da musica liWrgica encontra-se em contraposi9ao

~-----.-.------

a tal dupla transposi9ao modema, a qual ve a ~~~i~~ simmes-

m~cti'~l~lade ~ mera eXR@ssa_Q_de vontade. N6s cantamos com os anios. No fundo, esse caracter cosmico e justificado pelo relacionamento com 0 Logos e todo 0 culto cristao. Olhemos rapidamente para 0 presente. A dissolu9ao do sujeito, vivida hoje simultaneamente com formas radicais de subjectividade, conduziu a urn genero destruidor - a teoria da arte anarqui,9!..Tudo isto aqui poderia, talvez, ser uma ajuda para superar 0 enorme descomedimento do sujeito e levar ao reconhecimento de que 0 relacionamento com 0 Logos tambem seja redentor para 0 su-

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.. ., a essoa, guiando-a para a verdad~~a, r~la9ao da

jeito, l~tO e, para P, fundo baseada no arnor tnmtano.

comumdad~, a qual e,:~ 'lti~os capftulos deste livro, 0 a~~~l

Como vimos nos 01S u .. duvida urn desafio diffcil

contexto da noss.a epoca cons~t~~l::::: da Litu;gia. Contudo, isso tanto para.a Igreja como para p' eiro a grande tradixa~ cultu.:: nao e motivo ~ara desanimar, !~~a in~erior do presen~: 0 ~~, ral da Fe con tern uma enOrme atestad~o-stalgico ~~.,~.f!1:~l:l.2~0 nos museus, parece aI?enas umresente naLltilrgia. Mas, mesmo 0 do passadO_,JQrrl_ll-S~_s.e.m~.re_p denado a estupefaccao dentro da proprio presente nao esta con_ aperceber-se-a de que, mesmo Fe. Quem observar com atencao, e continuam a nascer atraves nos tempos que correm, isdearte notaveis tanto no ambito da ?a inspiracao da Fe ~~~~c~eeada Literatur~. Na Liturgia, a aleimagem com? no da, Deus e do contacto com a sua pregria que se?tlmos atrave~ d~. ser urn poder de inspiracao senca contmuam, ~ambem oJs~b~etem a esse encargo nao neinesgotavel. Os a~lstas nhu se de se sentir na retaguarda da culcessitam, de maneira n~n. uma, al saem satura-se dela pr6pria. tura, pois a liberd.ad: f~tll, .~a q~e nos p~ecede emite liberd~de A humilde subn:nssao aqm ~ q , d~ira dimensaocIll, .. n,ossa

- 'a conduzindo-nos aSSlm a ve!Q!l" '"

genum , __

vocacao ~l!~!l!}!!:.

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