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Dodi Leal Revista Sala Preta PDF

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A liminaridade das práticas pedagógicas da cena

DOI: 10.11606/issn.2238-3867.v19i2p179-196
sala preta
Sala Aberta

A liminaridade das práticas


pedagógicas da cena: dispositivos
visuais da arte da performance
e a defesa da educação democrática
The liminality of the pedagogical practices
of the scene: visual devices of performance arts
and the defense of democratic education

Dodi Leal

Dodi Leal
Doutora em Psicologia Social e Licenciada em Artes Cênicas pela
Universidade de São Paulo (USP). Professora do curso Artes do Corpo em
Cena da Universidade Federal do Sul da Bahia

Revista sala preta | Vol. 19 | n. 2 | 2019 179


Dodi Leal

Resumo
Qual o potencial das fronteiras da cena em expor os ditames políticos
vigentes no sistema educacional de um país? Que visualidades da
cena são interditadas na contemporaneidade? De que modo as censu-
ras vividas na cena teatral transgênera no Brasil do século  XXI mati-
zam as normatividades de uma pedagogia antidemocrática de Estado?
E, por fim, qual poderia ser o papel da arte da performance na defesa da
educação democrática? Este artigo propõe uma reflexão teórica sobre a
luta por Direitos Humanos no campo da Educação, desenrolada a partir
do olhar sobre os processos recentes de pedagogia teatral e da arte da
performance. Com base no texto de Boal (2009), no qual a Estética é
qualificada como um Direito Humano, pretendemos levantar nos atributos
de liminaridade da arte da performance vetores democráticos que pos-
sam subsidiar as práticas pedagógicas da cena. Para tanto, retomamos o
conceito de liminar, proveniente da Antropologia Social (TURNER, 1974),
e indicamos como sua aproximação ao campo das Artes, por Caballero
(2011), promoveu-lhe expansão e sutileza ao sublinhar que a efemerida-
de do fenômeno cênico liquefaz as tensões políticas em modo de uma
pedagogia fronteiriça. Como indicativos críticos do texto, aventamos três
proposições de liminaridade da cena: a excentricidade, a ética da cora-
lidade votiva e o pensamento situado. Pretende-se perceber de que ma-
neira esses dispositivos visuais da arte da performance estão no bojo do
ataque e da resistência no contexto da defesa da educação democrática.
Palavras-chave: Visualidades da cena, Arte da performance, Liminaridade,
Educação democrática, Pedagogias da cena.

Abstract
What is the potential of the scene boundaries in exposing the political
characteristics prevailing in the educational system of a country?
What visualities of the scene are communicated in contemporaneity?
How does the censorship of the transgender theater scene in 21st
century Brazil affect the norms of an anti-democratic State pedagogy?
What could be the role of performance arts in defending democratic education?
This article analyzes the struggle for human rights in the field of Education
developed by observing the recent processes of theatrical pedagogy and
performance arts. Based on the study by Boal (2009), in which aesthetics
is qualified as a human right, we verify the democratic ways that could
foster pedagogical practices in the scene within the liminality attributes
of performance arts. For such, we use the concept of liminality which is

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derived from social anthropology (TURNER, 1974), and indicate how its
approximation to the Arts field by Caballero (2011) promoted its expansion
and subtlety by emphasizing that the temporary nature of the scenic
phenomenon liquefies political tensions through a boundaries pedagogy.
We note three propositions of scene liminality: eccentricity, the ethics of
votive corality and situated thought. The aim is to understand how such
visual devices are central to attack and resistance in the context of the
defense of democratic education.
Keywords: Scene visualities, Performance arts, Liminality, Democratic
education, Scenic pedagogy.

Introdução

A ligação entre a cena e a educação democrática tece larga história de


tensão, sobre a qual não nos interessa aqui considerar a partir de uma análise
de sucessão de fatos. Ao lugar de uma linearidade, propomos a limina-
ridade como paradigma espaço-temporal sob o qual os fazeres artístico e
pedagógico da cena se entrelaçam com agudeza e muitas vezes com resis-
tentes doçuras. Em tempos em que o terraplanismo se apresenta duvidando
dos saberes esféricos da modernidade, podemos, ainda, encontrar plenitu-
des em meio a tais planitudes. Os esfacelamentos programáticos vividos no
campo educacional e da cultura trazem à pauta de primeira ordem o inaudito,
mas também a necessidade de novas lógicas narrativas.
No entanto, para além do âmbito discursivo nos quais se matizam tra-
dicionalmente os saberes pedagógicos desprovidos de corporalidade e de
experiência, a cena vem nos mostrando que é na produção de presença que
se encontra a fronteira e toda a sutileza possível e impossível entre a domina-
ção e a resistência. Os Direitos Humanos estão ameaçados no Brasil de 2019.
A educação e a arte nunca foram tão alvejadas. Nesse sentido, perguntamos,
o que a performance nos convoca a perceber sobre nossos modos de estar
presente quando a experiência estética e pedagógica são atacadas pela polí-
tica institucional de um país? Quais visualidades cênicas nos informam sobre
os limites entre as práticas de respeito e de violência no ensinar e no aprender?
Como defender a democracia de um país no qual sua arte e memória

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estão em chamas1? Como conceber práticas pedagógicas da cena em um


país no qual suas escolas são alvo de tiroteio2?
As imagens que são produzidas pelo contexto social brasileiro atual
não são apenas avassaladoras, mas mediadas por um contexto político
conservador que classifica grupos não hegemônicos como motivação para
menos dignidade humana e menor direito à vida. Em tal contexto de abjeção,
há indução de quais corpos merecem mais reconhecimento e mais privilégio
que outros. Assim, se buscamos compreender práticas pedagógicas da cena
e dispositivos de criação em arte da performance que nos deem suporte em
um processo de defesa da educação democrática, precisamos levar em conta
a liminaridade de nossos próprios corpos. Em outras palavras, não há como
estudarmos os riscos, os perigos, os ataques, as defesas, os cortes e os si-
lenciamentos de um país sem considerarmos como esses processos rasgam
nossas presenças no cotidiano do fazer pedagógico e criativo da cena.
De acordo com Caballero (2011), os fluxos de vontade coletiva na
esfera pública, quando são despretensiosamente estéticos, guardam con-
sigo uma elaboração de presença na qual os gestos simbólicos vetoriam,
inclusive, outras maneiras de se fazer política. “Não tendo um fim estético,
produzem uma linguagem que absorve a percepção e suscitam olhares a
partir do campo artístico” (Idem, p. 14). Ao mesmo tempo, quando deliberada-
mente forjamos um fato artístico e acabamos dando interveniência do social,
não estamos apenas criando valores sociais, mas exercitando modos da ética
educacional. Gumbrecht (2010, p. 122) afirma que “o valor estético-ético rela-
tivo de qualquer texto ou obra de arte que estivéssemos ensinando nos daria
uma base de orientação pedagógica”.
Tendo que a estética pode conter o valor de Direito Humano (BOAL, 2009),
perguntamos aqui se é possível que as visualidades suscitadas em atos peda-
gógicos da cena e em atos de arte da performance podem nos ajudar a detectar
as liminaridades dos processos de democratização. Neste texto, pretendemos
discutir alguns dispositivos performativos e pedagógicos da cena artística

1 Em referência ao incêndio no Museu Nacional, no Rio de Janeiro/RJ, no dia 2 de se-


tembro de 2018.
2 Em referência ao massacre de Suzano/SP onde, em 13 de março de 2019, duas pessoas
armadas invadiram um colégio estadual e atiraram em estudantes e funcionários(as).

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recente não a partir de um campo ou de uma obra específica, mas considerando


o quadro da experiência atual e a trajetória coletiva da época nesses contextos.
Iniciaremos, portanto, com uma discussão das práticas pedagógicas
da cena a partir das visualidades e das fronteiras, tendo em vista os sabe-
res fronteiriços como mediadores de teatralidades disruptivas. Em seguida,
avaliaremos as formas excêntricas na arte da performance tendo como caso
as liminaridades das transgeneridades enquanto modelo de ruptura dos meios
de dominação social da performatividade de gênero. Depois partiremos para
a análise da estética relacional dos escândalos e dos ataques virtuais, tendo
em vista os processos conviviais que acabam por vincular em coralidade os
processos de veto e de voto. Na seção seguinte, trataremos do silêncio como
modo situado de pensar e como linguagem de desmontagem cênica da rituali-
dade conservadora pseudodemocrática. Para concluir, observaremos como os
vetos à teatralidade nos dão indícios de que no campo das visualidades cê-
nicas podemos encontrar o caldo estético para a investigação de formas de
presença resilientes na luta por Direitos Humanos na educação.

Práticas pedagógicas da cena: a textura das fronteiras


visuais

Quais os atributos de processos pedagógicos em Artes Cênicas ba-


seados na educação democrática? De que maneira as visualidades da cena
podem atuar na configuração de dispositivos pedagógicos de teatralidades
comprometidas com Direitos Humanos? Qual a textura topográfica dos dispo-
sitivos visuais que se pode presentificar em processos pedagógicos da cena
expandida? Quais os limites do corpo na educação? E quais as imagens pe-
dagógicas que se têm sobre os limites do corpo na cena e na escola/univer-
sidade? É possível ensinar o fazer teatral sem rasgar os dispositivos visuais
hegemônicos? Quais as materialidades das fronteiras?
Resistir é um ato pedagógico que insurge na cena enquanto indício
topográfico indemonstrável. Os rasgos de alma provocados por tudo aquilo
que nos arrebata como experiência é incapturável por códigos de dominação.
Às institucionalidades da escola e do teatro, por maiores os esforços de
cooptação que tenham, lhes escapam o relevo que não se demonstra nas

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realidades chapadas dos saberes hegemônicos. Basta percebermos que o


discurso de um prédio enquanto altura depende diretamente não apenas do
discurso de sua posição altitudinal geológica, mas de todos os processos
subterrâneos e atmosféricos que condensam aquilo que acostumamos a
chamar de vida. Se a pedagogia da cena se vincula às texturas do território
no qual se baseia, o urbanismo encharcado de concreto nos faz perceber
que a luta por democracia introduzida ou intraduzida na cena está enso-
pada de pedras; já não é mais pedagogia e sim pedragogia3.
Há cena que não seja resistência? Se temos a tentação de espacializar os
aprenderes e os ensinares como possibilidades de concretude da experiência,
é no limiar daquilo que subsiste ao processo que nos derretemos. Aprender
com uma obra teatral diz muito menos sobre sugar o que se pretendeu encenar
e mais a aprender apesar do que foi ensinado e aprender apesar do que
foi encenado. Mas o que se encena quando se ensina? As fronteiras, nítidas e
perceptíveis enquanto dores, somente podem ter sua visualidade configurada
em cena se as pedragogias já são dispositivos de tratativas das corporalidades
na educação. Corpo espacializado em aprendizagem cênica tem contorno não
de conteúdo, mas contorno de provocação. Talvez não haja cena que não seja
resistência, já que aquilo que se aprende tem limites de corpo-espaço.
As fronteiras podem até ser invisíveis, mas são cheias de visualidade
cênica. E isso se aprende não porque se ensina a cena, mas porque a cena
ensina. Tal e qual, por tal e por qual. É naquilo que se indemonstra que se
visua. Então, há textura no invisível, assim como pode haver pedras que não
sejam usadas para afronteirar. Mas qual a topografia pedagógica da pedra?
Suponhamos que já estejamos para além de fronteiras. Impossível.
Esse semfronteirismo4 barato, reforcemos, serve à livre circulação de mer-
cadorias e produtos do capitaliCISmo5. “A ação pedagógica depende de como

3 Aqui o neologismo “pedragogia” tem a força da pedra como destaque semântico visando
indicar o caráter topográfico em que se dão os processos pedagógicos da cena, ou seja,
os condicionantes de espaço.
4 O neologismo “semfronteirismo” se refere à substantivação da perspectiva que lida com
complexos sociais superficialmente, sem relacionar os condicionantes entre as fronteiras
ou nas fronteiras.
5 A expressão “capitaliCISmo” visa notar as correlações entre a cisgeneridade compulsória
e os processos de dominação social de classe a partir das forças econômicas liberais
capitalistas. (LEAL, 2018)

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nossos saberes determinam o possível e de como nossas práticas produzem


o real” (LARROSA, 2016, p. 193). A pedra torna-se pedagógica enquanto real
não porque produz-se em semfronteirismo desde o possível, mas porque
escapa do impossível e constitui-se em fronteira verdadeira. Se a cena e a
performance recentes expandem o mundo ao impossível, as fronteiras
são o próprio impossível e impensável da educação que é reduzida à
fabricação do possível:

Parece indiscutível que a ação pedagógica consiste num “fazer” o real


a partir do possível. [...] Assim, a educação não seria outra coisa senão
a realização do possível. E isso tanto se o possível é algo inscrito nas
possibilidades de desenvolvimento das crianças, quanto se é algo pro-
jetado nas possibilidades de melhoria do mundo. A educação moderna
é a tarefa do ser humano que faz, que projeta, que intervém, que toma
a iniciativa, que encontra seu destino na fabricação de um produto,
na realização de uma obra. Desse ponto de vista, a eficácia das ações
educativas está determinada pelo seu poder de fazer passar do possível
ao real. E a reflexão pedagógica se faz em termos de meios, de fins e
de processos. A educação é, em suma, a obra de um pensamento cal-
culador e de uma ação técnica, em que se trata de conseguir um produto
real mediante a intervenção calculada num processo concebido como um
campo de possibilidades. Uma prática técnica, definitivamente, em que o
resultado deve se produzir segundo o que foi previsto antes de iniciar.
(Idem, p. 193)

O semfronteirismo é programático e sem texturas, por isso desprovido


de experiência. A fronteira é corte, tem visualidade rachada e torna verdadeiro
aquilo que é impossível. A cena recente alcança processos subjetivos e sociais
da recepção não porque é assentada na livre circulação, mas porque, apesar
das fronteiras (por causa delas; e nelas), se aprende. O resultado teatral e
performativo é pedagógico porque é pedragógico: o enunciado topográfico é
tão estético sobre a cena que promove a assimilação topográfica da recepção
enquanto desfalecimento do controle sobre a eficácia do poder e do saber
constituídos. O impossível é a abertura ao perigo. E o perigo, por ser a ex-
periência, promove saber apesar do nosso saber e apesar do nosso poder
(por isso impossível, pois a despeito do nosso poder sobre a cena). “O im-
possível, portanto, é aquilo que exige uma relação constituída segundo uma
medida diferente à do saber e à do poder” (Idem, p. 194).

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Mas a visualidade cênica só pode ser pedagógica se for disruptiva?


Sim. E este “sim” não é um postulado categórico, porém se explica no fato
de que não há nada que não seja disruptivo. A norma, lembremos, já foi uma
ruptura. Tais rompimentos pretéritos tinham textura de corte na terra e hoje
são apenas vales. A visualidade cênica disruptiva é a única forma de peda-
gogia de texturas de quebra, pois tudo está, esteve ou estará em quebra.
“E a afirmação do impossível tem também algo de milagre, uma vez que o
que afirma é que cabe esperar o inesperado e que cabe receber o infinita-
mente improvável” (Idem, p. 194). A cena pedragógica é a prática do impos-
sível enquanto pedra. Pedras quebram e produzem fronteiras na experiência
subjetiva e social. A verdade da visualidade cênica disruptiva não se opõe
ao erro: ela é o próprio erro. Errar sobre a norma não é a máxima pedagogia
possível, mas a disruptiva pedragogia do impossível enquanto textura das
fronteiras visuais. “Aqui, a verdade não é a representação fidedigna de uma
realidade coisificada, mas é a instauração do real no próprio acontecimento
de sua aparição” (Idem, p. 195).
O que tem aparecido na cena recente enquanto liminar no campo da
pedagogia teatral e na arte da performance que desafiam o que é possível e o
que é impossível em termos da educação democrática? A estética enquanto
Direito Humano, de acordo com Boal (2009), versa sobre a democratização
dos modos de fazer palavra, som e imagem como elementos políticos da
sociedade. De acordo com o autor, é preciso garantir o acesso humano para
além do ar, da água e da terra. Aqui, no entanto, reforçamos a topografia da
estética como Direito Humano: é apenas nos imbricamentos impensáveis
entre as geologias de ar, água e terra que escapam imagem, som e palavra.
O fazer artístico fronteiriço é democrático, pois assume as configurações
de altitude e latitude que estão onde estão; e não porque foram produzidas
para estar onde estão, mas porque o movimento cênico de ares impossí-
veis, águas impensáveis e terras impenetráveis acaba por si só formando
fronteiras nas quais a experiência da imagem, do som e da palavra fazem
a pedagogia possível, pensável e penetrável. Isso é democracia topográ-
fica! Para além de qualquer descoberta plana e vistosa, a cena só pode
ser acontecimento se for assombrosamente pedrável:

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o aparecimento do real em sua verdade constitui um entremeado em que


o visível leva sempre consigo o invisível e em que o brilho leva sempre
consigo a escuridão. Dito de outro modo: o acontecer da verdade reme-
te, sempre, a um mistério não abrangível. Por isso, a verdade nunca é
subordinação do que aparece a nossos conceitos a nossas ideias ou a
nossos saberes, mas que é assombro diante do que permanece simulta-
neamente descoberto e escondido. (LARROSA, 2016, p. 195)

Passemos a examinar com atenção três aspectos destacados de proces-


sos recentes em pedagogia teatral e em arte da performance: excentricidade,
ética da coralidade votiva e pensamento situado. Procuramos, assim, compor
o quadro da educação democrática tendo em vista os dispositivos disruptivos
da cena que nos aparecem topograficamente enquanto fronteiras pedragógi-
cas daquilo que é verdadeiro enquanto impossível (apesar do real enquanto
possível daquilo que é fabrilmente programático).

Excentricidade: transgeneridades liminares na arte da


performance

“Uma imagem da/o outra/o é uma contradição. Mas talvez nos reste uma
imagem do encontro com a/o outra/o” (Idem, p. 197). Se a transgeneridade6
é a outra da cisgeneridade7, aqui não nos interessa tratar da excentricidade
enquanto imagem da transgeneridade, mas da excentricidade como imagem
liminar do encontro de pessoas cis com pessoas trans. Nesse sentido, a arte
da performance só pode ser trans na medida em que revela o excêntrico
subjacente e resistente apesar da cisnormatividade. E, importante, isso se dá
mesmo quando performers não estão perceptivos à compreensão da trans-
generidade da performance e, mesmo ainda, que performers se digam cis.
A transgeneridade da performance não é ontológica. É liminar. Está no ato
de decidir a mais aguda presentificação daquilo que excede o centro: por isso
a arte excêntrica é trans; para além do centro cisnormativo. As normas de

6 Transgeneridade refere-se aos processos de gênero que rompem a norma compulsória


de definição social e performativa da mulheridade e da masculinidade a partir da genitali-
dade (LEAL, 2018).
7 Cisgeneridade refere-se aos processos de gênero que desempenham a norma compul-
sória de definição social e performativa da mulheridade e da masculinidade a partir da
genitalidade (Idem, 2018).

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gênero não se restringem a uma especulação do que pode para quem des-
fazendo estereótipos do que podem ou não podem homens e do que podem
ou não podem mulheres. As normas de gênero, estas sim, em toda sua
abissalidade estão em ontologizar o que é ser homem e o que é ser mulher
em padrões cis. A performance enquanto periferia de gênero, por sua vez,
é trans não apenas por causar ruído na ontologia cisnormativa, mas porque,
ao despi-la no encontro, traz ao presente a liminaridade das equações entre
expressão e recepção.
O reconhecimento recíproco não pode ser romantizado. De acordo com
Pavis (2017, p. 118), exercendo o paradigma da excentricidade, “o teatro nada
faz senão reproduzir a situação do ser humano frente a seu corpo e ao univer-
so”. Processos recentes de performance, por sua vez, têm elevado os disposi-
tivos de suspensão teatrais aos limites do confronto onde o ser humano não
está apenas diante do seu próprio corpo e do universo, mas já não os aceita
acriticamente. A arte da performance alcança o desafio democrático da edu-
cação exatamente por não parametrizar que há igualdades em processo, mas
que o encontro do cêntrico com o excêntrico promove decisões que precisam
ser testadas. Mas quais os laboratórios do risco? O que a democratização
da excentricidade como modo de saber acaba por nos ensinar não é que
precisamos procurar o perigo, é o perigo que nos procura. O perigo é trans-
gênero. A transgeneridade é perigosa não porque se programou para ser,
mas porque convoca a centricidade cis8 a decidir-se sobre sua performati-
vidade. E a arte da performance tanto não pode ser romantizada quanto
não pode ser parcelada no cartão de crédito. Ela funciona sempre à vista
sobre o que é visto, ainda que não se veja, ainda que não se possa ver e
ainda que não se queira ver.
Não querer ver, no entanto, é um ato performativo de ruptura. Ao reco-
lher-se no cêntrico, a cisgeneridade, que vê a sua transgeneridade latente
equacionada com a transgeneridade expressa na(o) outra(o), recolhe-se ao
centro enquanto zona de conforto e não enquanto uma transgeneridade me-
nor. Talvez uma transgeneridade potencial ou não experimentada, mas muito

8 “Centricidade cis” estabelece-se como um neologismo em contraponto à “excentricidade


trans”, tal como esboçada na seção.

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trans. A liminaridade da arte da performance é excêntrica porque desafia a


norma cis e a provoca: é preciso ouvir a trava interior!
E todo corpo pode ser trans? O “pode” aqui já não diz tanto sobre a
potencialidade, mas sobre o poder auferido pelo gosto cisnormativo que
mediará em quais corpos a transgeneridade cairá melhor. A liminaridade da
excentricidade está exatamente na redução da excentricidade para que a cis-
generidade continue sendo tolerada enquanto prática hegemônica de mundo.
A arte performance, a contrapelo do mundo, é um dos poucos lugares da vida
social atual que instaura aos olhos do centro a zona liminar que aqui estamos
avaliando pelo gênero, mas que se conjuga com marcadores étnico-raciais, de
classe etc. Todo corpo pode ser trans se ele for tolerável no centro das coisas.
É por isso que as medidas de gosto se esforçam ininterruptamente para auferir
tanto o melhor caimento do que é excêntrico quanto qual será a sua medida.
Se na antropologia de Turner (1974) a liminaridade pode vir a ser o rito de
passagem de uma estrutura a outra estrutura, Caballero (2011), ao aproximar
esse conceito ao campo das Artes, sublinha que a efemeridade do fenômeno
cênico liquefaz as tensões políticas em modo de uma pedagogia fronteiriça.
Em outras palavras, o encontro promovido na arte da performance não se assen-
ta na ideia de promover a passagem de uma estrutura a uma outra estrutura,
mas acaba por dar a ver que a fronteira não está entre uma estrutura e outra, mas
entre a estrutura e a decisão sobre a estrutura. A fronteira instigada pela arte
da performance é a própria transgeneridade que se revela frente a frente
ao cisnormativo. Liminaridade potencial quando sequer almejada. Liminari-
dade sempre excêntrica porque confere a convocação à ruptura da estrutura
cisnormativa cêntrica.

esse encontro não é nem apropriação, nem um mero reconhecimento


em que se encontra aquele/a que já sabe e que já tem, mas um autêntico
cara a cara com o enigma, uma verdadeira experiência, um encontro
com o/a estranho/a e com o/a desconhecido/a, o/a qual não pode ser
reconhecido/a nem apropriado/a. O sujeito do reconhecimento é aque-
le que não é capaz de ver outra coisa senão a si mesmo, aquele que
percebe o/a que lhe vai ao encontro a partir do que quer, do que sabe,
do que imagina, do que necessita, do que deseja e do que espera.
O sujeito da apropriação é aquele que devora tudo que encontra, con-
vertendo-o em algo à sua medida. Mas o sujeito da experiência é aquele

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que sabe enfrentar o/a outro/a enquanto que outro/a e está disposto a
perder o pé e a se deixar tombar e arrastar por aquele/a que lhe vai ao
encontro: o sujeito da experiência está disposto a se transformar numa
direção desconhecida. (LARROSA, 2016, p. 197)

Mas o que se produz no coro social em relação ao número de encontros


e desencontros possíveis entre a decisão e a estrutura de gênero, reveladas
a partir da arte da performance? Se há uma estética relacional de corpora-
lidades excêntricas propensas ao veto, há coralidade relacional que produz
uma ética sobre quais corporalidades devem ser votivas, ou seja, quais estão
sujeitas a receber votos. Votos e vetos são mecanismos normativos que cami-
nham juntos: o voto se dá em contraponto à objetificação do que é excêntrico,
o veto se dá em função da abjeção do que é excêntrico. Avaliemos a seguir
alguns dos aspectos votivos da excentricidade como dimensão pública que
diz sobre os modos de coletividade e sobre as políticas relacionais de elabo-
ração estética da experiência pública.

Ética da coralidade votiva: estética relacional, escân-


dalos e haters

Quando a ruptura deixa de ser a resistência e passa a ser a ordem


hegemônica? Qual a ética da ruptura enquanto prática de coletividade?
Nos processos votivos de coletividade põe-se em jogo cotidianamente variadas
acepções de democracia que testam o seu conceito oficializado. A votação em
forma de eleições não configura o exercício democrático pleno em condições
nas quais as estruturas políticas de um país não tenham consolidado a pers-
pectiva de igualdades sociais. Na política não institucional, os processos voti-
vos em coro não são mais democráticos: vive-se a sobreposição de situações
que guardam uma única semelhança entre si do ponto de vista ético-estético:
o esvaziamento político da experiência pública.
Os amálgamas entre a vida comum e a vida das redes sociais atual-
mente elevam o problema ao patamar da dispersão passível de ataques.
Escândalos individualizantes tiram de foco o conjunto do horizonte estético
que vivemos em nossa época. Se há dispersão da experiência fora das redes,
com o império de haters e perseguições virtuais coadunadas pelo “abandono

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do mundo”, há também contraditoriamente um elemento que configura essas


situações; talvez possamos nomear esses arranjos de uma curadoria do ódio.
O contexto democrático do Brasil de 2019 está comprometido não ape-
nas pelo ataque aos Direitos Humanos, mas pelo excesso de “humanidade”
que se diz ter a onda conservadora. O dispositivo votivo caminha junto ao
especismo de seres humanos em relação a outras manifestações de vida.
No entanto, mais do que um supremacismo, o formato em questão dialoga fir-
memente com um projeto de mundo em curso na modernidade que atravessa
diversas esferas da vida humana e não humana. Se há pedagogia possível
nesse contexto, ela certamente se inscreve no bojo das contraposições de
mundo que se apresentam nos modos de territorialização.
A relacionalidade atual já nos mostra a arte contemporânea, tem ele-
mentos de urbanidade inexoráveis. Se o tempo histórico presente se desdo-
bra curando esteticamente o ódio, a pedagogia democrática espacializa-nos
para além de uma disposição inequívoca de obras de arte, mas nos convoca
a experimentar uma interminabilidade do tempo9. Há a sensação perene de
que os escândalos e os ataques de ódio nas redes não têm fim; ainda que
tenham finalidade intrínseca: continuar os meandros dos projetos de domina-
ção que nos precederam.

a mudança da função e do modo de apresentação das obras mostra uma


urbanização crescente da experiência artística. O que está desapare-
cendo sob nossos olhos é apenas essa concepção falsamente aristocrá-
tica da disposição das obras de arte, ligada ao sentimento de adquirir um
território. Em outros termos, já não se pode considerar a obra contem-
porânea como um espaço a ser percorrido [...]. Agora ela se apresenta
como uma duração a ser experimentada, como uma abertura para a
discussão ilimitada. (BOURRIAUD, 2009, p. 20-21, grifo nosso)

Como que a ética manifesta-se enquanto decisão de uma coralidade


a favor do pavor generalizado? De que maneira pode-se conferir às relacio-
nalidades coletivas o potencial de configurar o que ou quem deve ser es-
colhido(a) e o que ou quem não devem ser escolhido(a)? Se o desgaste
da democracia depende direta ou indiretamente da cultura de ódio ou de

9 Diferentemente da noção de infinitude, a ideia de interminabilidade do tempo remete à experi-


mentação do tempo não em sua completude sem fim, mas no quadro do alcance da vida.

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escândalos, devemos levar em conta quais os vetos que dão sustentação aos
votos. Quando se conclama a ditadura instaurada pelo Golpe de 1964 como
mecanismo de salvação do país de comunistas, essa elaboração rasa de mun-
do, ora sustentada pelo voto, ao mesmo tempo veta manifestações e experiên-
cias que rompem com os processos hegemônicos da branquitude cisgênera.
A elaboração coletiva de sentido, portanto, depende de uma tessitura de
intersubjetividades que cultivam a ideia de quais vidas importam mais de serem
vividas, quais corpos merecem mais trabalho e respeito que outros, quais cor-
pos merecem mais amor e atração que outros. Os regimes ficcionais em voga,
constantemente denunciados pela arte da performance, apresentam ideais de
beleza, ideais de corpo, ideais de espiritualidade, ideais de vida muito espe-
cíficos que sustentam a lógica da dominação de alguns grupos sobre outros.
Podemos dizer que essa relacionalidade é estética, ainda que sejam as obras
de arte contemporâneas avessas a tais favoritismos. Estamos falando da estéti-
ca do cotidiano em sua formulação de experiência pública e de como os ideais
mencionados não apenas informam o projeto de educação do país atual como
são eles mesmos o próprio projeto de educação do país atual.
Diante de tais circunstâncias, elaboramos uma pergunta que talvez nos
aproxime da maior ordem estética de coralidade relacional na atualidade:
como podemos situar-nos enquanto pensamentos que se contrapõem aos
modos de governar não democráticos?

Pensamento situado: o ato do silêncio na desmonta-


gem cênica

Quando o sentimento comum que nos atravessa é o de que já está


tudo dito mesmo que ainda haja muito a dizer, tal processo de esgotamento
em coralidade deve ser situado enquanto prática localizada de silêncio. Se
há teatralidade possível em democracias defasadas, ela não está na ati-
vidade dramática de montagem, mas na atitude épica10 de desmontagem.
Estamos, então, nos referindo à desmontagem cênica como um regime de

10 Com a expressão “atitude épica” referimos aqui à narratividade e pontuação dos nodos
de uma ação, em associação das atitudes narrativas do teatro épico de Bertolt Brecht
com a noção de desmontagem cênica (CABALLERO, 2014).

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A liminaridade das práticas pedagógicas da cena

saber sobre os silêncios que são carregados no interior do que é “verdadeiro”,


de qualquer verdade teatral que se insitua11 no quadro de democracias assen-
tadas na estética da enganação.

o verdadeiro é o desmascaramento do engano e da falsidade, o des-


mentido da mentira. Aqui, a verdade não é tanto a qualidade de uma
proposição, quanto o acontecimento que se dá no próprio instante em
que nossas verdades se mostram para nós como mentiras. Desse ponto
de vista, a verdade não é adequação epistêmica, mas imperativo moral.
[...] o verdadeiro tem a forma da recuperação daquilo que foi esquecido pelo
desgaste do tempo ou reprimido pela violência de um olhar calculista, cego
diante de tudo aquilo que não pode se apropriar. (LARROSA, 2016, p. 195)

Situar-se pode não ser sempre um ato de reivindicar lugar de fala. Em


tempos de democracia em risco, a atitude de situar-se pode traduzir-se em
desenhos de silêncio não por aceitação da repressão, mas para cultivo de forças.
Força esta necessária para seguir despindo a espetacularidade das monta-
gens de governo que recaem nos modos de aprender e de ensinar institucio-
nalizados. Desenhar silêncio nesse contexto é um modo de produzir presença
e dar respostas duras aos extermínios legitimados por forças conservadoras.
Assim, “presença refere-se, em primeiro lugar, às coisas [res extensae] que,
estando à nossa frente, ocupam espaço, são tangíveis aos nossos corpos
e não são apreensíveis, exclusiva e necessariamente, por uma relação de
sentido” (GUMBRECHT, 2010, p. 9). Atos de silêncio diante de sentidos es-
vaziados parecem ser pistas para situar o pensamento sem retrair-se com a
incognoscibilidade dos impérios espetaculares da dominação.
Quais os sentidos que subsistem na produção de presença de forças
hegemônicas? Talvez um vetor para discutirmos essa questão seja sua for-
mulação inversa: como os silêncios contrapostos às forças hegemônicas são
desmontagens cênicas que produzem presença diante dos sentidos que elas
não conseguem transmitir?
As assimetrias semiológicas são atributos também recorrentes de expe-
rimentação em processos de pedagogia da cena e da arte da performance

11 “Insituar” é um neologismo que contrapõe a noção de pensamento situado enquanto


fazer teatral. Assim, o pensamento insituado enquanto prática teatral é genérico e tende
a corroborar a norma.

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Dodi Leal

recentes. Trata-se de verificar nas camadas discursivas outras disposições


atitudinais que dizem mais ou são as únicas que dizem sobre o sentido do
que se produz enquanto fala. Nesse contexto, o silêncio não está na atitude
de receber, mas é aquele implícito na atitude de expressão que pode ser
captado a partir de um aguçamento épico de desmontagem da oratória de-
mocrática esvaziada.
O ato de espera em silêncio é sábio, mas não deve ser generalizado.
Talvez não precise mesmo ser procurado. Há momentos em que o silêncio
é a atitude mais radical de dizer que o rei está nu. Muitas vezes o silêncio
é a única forma de mostrar que autoritarismo e nudez são categorias éticas
que deveriam ser, inclusive, mais tensionadas em seus tecidos: a visualidade
cênica de figurinos ou do corpo nu enquanto traje guardam em si vórtices de
força e de fragilidade que se presentificam a despeito de qualquer montagem
cênica-cotidiânica.

Educação democrática: vetos à teatralidade e as


hibridações dos Direitos Humanos

No texto procuramos discutir alguns dispositivos recentes da arte da


performance e da pedagogia da cena no sentido de investigar camadas es-
téticas e políticas do contexto de defesa da democracia. Mas como garantir
processos de educação democrática em tempos nos quais os vetos à teatra-
lidade são paradigmáticos enquanto instabilidade em torno dos Direitos Hu-
manos? Inevitavelmente passamos pela reflexão sobre a institucionalização
dos processos sociais enquanto regimes de verdade, considerando tam-
bém alguns de seus limites éticos: “verdade não é, absolutamente, algo que
possamos adquirir, ter ou utilizar em nossas relações pragmáticas habituais
com o mundo, mas constitui o acontecimento que interrompe essas relações”
(LARROSA, 2016, p. 195).
Pretendemos que os elementos apresentados em torno da excentrici-
dade, da ética da coralidade votiva e do pensamento situado tenham contri-
buído para dar relevo às texturas das visualidades cênicas subjacentes à luta
pela democracia na educação. Nesse sentido, as práticas pedagógicas da
cena potencialmente guardam hibridismos nos quais a arte não se restringe à

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A liminaridade das práticas pedagógicas da cena

criação das ficções de mundo político, mas nos provoca a reinventar a poética
do que somos.

A poética do ser e não ser se configura no espaço intervalar, entre um


polo e outro; [...]. É no espaço do não ser que se instaura a dramaturgia
a qual transita no ser e estar como ações distintas. Espaço e tempo
não como condicionantes, mas partícipes do jogo dramatúrgico que
acolhe, gera ou inventa situações moventes que afetam e são afetadas.
Assim, dramaturgia não reside apenas em procedimentos, mas em in-
venções artísticas que superam modelos convencionados, instaurando
ficções que a/o artista manipula, realidades que opera, ausências e pre-
senças que engendra, fala e silêncio que anima. Enfim, tessituras de
toda ordem. (COSTA, 2016, p. 332-333)

É possível ser e não ser ao mesmo tempo? De que forma a liminaridade


da arte da performance informa sobre os mecanismos dramatúrgicos dos ata-
ques à democracia? Por mais que se procure modos de representar o sentido
de lutas sociais em tempos de recrudecimento democrático, apenas o que
subsiste nas fronteiras pode desafiar os regimes de verdade hegemônicos e
já minados desde seus primeiros existires.

Referências bibliográficas
BOAL, A. A estética do oprimido. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.
BOURRIAUD, N. Estética relacional. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo:
Martins Fontes, 2009.
CABALLERO, I. D. Cenários liminares: teatralidades, performances e política.
Tradução de Luis Alberto Alonso e Angela Reis. Uberlândia: EDUFU, 2011.
CABALLERO, I. D. Desmontagem cênica. Rascunhos – Caminhos da Pesquisa em
Artes Cênicas, Uberlândia, v. 1, n. 1, p. 5-12. jan-jun 2014.
COSTA, F. S. da. A poética do ser e não ser: procedimentos dramatúrgicos do teatro
de animação. São Paulo: Edusp, 2016.
GUMBRECHT, H. U. Produção de presença: o que o sentido não consegue transmi-
tir. Rio de Janeiro: Contraponto: EdPUC-Rio, 2010.
LARROSA, J. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. Tradução de
Alfredo Veiga-Neto. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.
LEAL, D. Performatividade transgênera: equações poéticas de reconhecimento re-
cíproco na recepção teatral. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Instituto de
Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

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Dodi Leal

PAVIS, P. Dicionário da performance e do teatro contemporâneo. Tradução de


Jacó Guinsburg, Marcio Honório de Godoy e Adriano C. A e Sousa. São Paulo:
Perspectiva, 2017.
TURNER, V. O processo ritual: estrutura e anti-estrutura. Tradução de Nancy Campi
de Castro. Petrópolis: Vozes, 1974.

Recebido em 31/03/2019
Aprovado em 31/10/2019
Publicado em 09/03/2020

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