IRDI Indicadores Clinicos de Risco para o DEsenvolvimento Infantil
IRDI Indicadores Clinicos de Risco para o DEsenvolvimento Infantil
IRDI Indicadores Clinicos de Risco para o DEsenvolvimento Infantil
Instituto de Psicologia
Mestrado em Psicologia
São Paulo
2013
Universidade de São Paulo
Instituto de Psicologia
(Versão Corrigida)
São Paulo
2013
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO,
POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E
PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogação na publicação
Biblioteca Dante Moreira Leite
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
BF721
Campana, Nathalia Teixeira Caldas.Uso de Indicadores Clínicos de Risco
para o Desenvolvimento Infantil (IRDI) na detecção de sinais de
problemas de desenvolvimento associados ao autismo / Nathalia Teixeira
Caldas Campana; orientador Rogério Lerner. – São Paulo, 2013.
Banca Examinadora
1 INTRODUÇÃO 13
2 OBJETIVOS DA PESQUISA 39
3 MÉTODO 40
4 RESULTADOS 48
5 DISCUSSÃO 75
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 91
REFERÊNCIAS
ANEXOS
1 INTRODUÇÃO
1 Grupo de experts reunido por Maria Cristina Machado Kupfer, do IPUSP, para construir o protocolo de
indicadores e para conduzir a pesquisa multicêntrica em seus diferentes centros. O grupo foi constituído por
Leda M. Fischer Bernardino, da PUC de Curitiba, Paula Rocha e Elizabeth Cavalcante, do CPPL de Recife,
Domingos Paulo Infante, Lina G. Martins de Oliveira e M. Cecília Casagrande, de São Paulo, Daniele
Wanderley, de Salvador, Lea M. Sales, da Universidade Federal do Pará, Profa. Regina M. R. Stellin, da
UNIFOR de Fortaleza, Flávia Dutra, de Brasília, Otavio Souza, do Rio de Janeiro, Silvia Molina, de Porto
Alegre, com coordenação técnica de M. Eugênia Pesaro, coordenação científica de Alfredo Jerusalinsky e
coordenação científica nacional de M. Cristina M. Kupfer.
2 Os indicadores estão descritos nas fichas de aplicação e integram os ANEXOS 1 a 5 deste estudo.
15
3
Alguns indicadores serviram de base para a construção dos itens “Desenvolvendo-se com afeto” da
Caderneta de Saúde da Criança, adotada pela Área de Saúde da Criança (responsável pelo financiamento da
pesquisa mencionada, em associação com a Fapesp) do Ministério da Saúde (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2007).
17
4
A tradução e outras informações relevantes para a utilização e a validação do M-CHAT estão no Official M-
CHAT. Disponível em: <http://www2.gsu.edu/~psydlr/DianaLRobins/Official_M-CHAT_Website.html>. Acesso
em: 10 jun. 2013.
27
conclui que uma percepção mais plena e geral das ansiedades e necessidades do
bebê diminuirá o sofrimento na infância e facilitará a estabilidade na vida futura.
No mesmo texto a autora faz referência à influência dos fatores constitucionais
para o desenvolvimento do bebê, porém, afirma que eles não podem ser
considerados separadamente dos fatores ambientais. Afinal, ambos contribuem
para formar as fantasias, ansiedades e defesas que, embora possam seguir certos
padrões típicos, são extremamente variáveis.
Spitz (1965) estudou a origem da relação objetal e os efeitos nocivos
que a separação duradoura entre a mãe e o bebê podem causar no
desenvolvimento da criança durante o primeiro ano de vida. Ele chamou de
depressão anaclítica e hospitalismo os estados que o bebê apresenta em resposta
à separação prolongada e os caracterizou por rigidez facial, lamúria, letargia e
atraso do desenvolvimento. Além disso, Spitz estabeleceu que a possibilidade de
verificar a ocorrência de diferenciação necessária entre a mãe e o bebê se dá
através de três “pontos de organização” observáveis no comportamento da
criança: o primeiro sorriso do bebê diante de um rosto humano que lhe fala, o
estranhamento do oitavo mês ao se deparar com rostos pouco familiares e a
capacidade da criança para dizer “não” e ao mesmo tempo aceitar frustrações e
limites, ou seja, os “nãos” parentais.
para o fato de que todas as crianças têm, desde o início, mesmo que de forma
muito sutil, essa capacidade. Por fundamentar seus estudos na teoria de relação
de objeto, destaca que não se trata de estudar apenas uma pessoa mas, pelo
menos, duas que se relacionam. A autora propõe que dentre as funções parentais
seja incluída a do objeto reclamador, ou seja, a função de chamar, invocar o bebê
para o contato. Por fim, Alvarez contribui para a clínica dos transtornos autísticos
ao atribuir também ao analista a função de reclamar a criança e ao discutir que o
profissional deve estar atento às emoções contratransferenciais que lhe são
despertadas ao longo de um atendimento, pois estas podem não apenas produzir
mudanças no processo terapêutico, mas também se transformarem em um
instrumento para uma acurada e detalhada observação da sintomatologia
autística.
Segundo Sarradet (2007), a associação PREAUT realizou um estudo
cujos objetivos foram indicar uma ferramenta para detectar sinais de autismo nos
primeiros anos de vida e formar pediatras. Para isso, o grupo composto por
psiquiatras e psicanalistas, se apoiou na teoria das pulsões desenvolvida por
Freud e Lacan. A pesquisa PREAUT destacou dois sinais que deveriam estar
presentes durante o primeiro ano de vida do bebê: a capacidade dele de trocar
olhares espontaneamente com o seu cuidador e a instalação do terceiro tempo da
pulsão, ou seja, o fato de o bebê ser ativo em se fazer objeto da satisfação do
outro.
A importância da troca de olhar para o desenvolvimento psíquico da
criança já é consenso na literatura. Nos textos de Lacan e Winnicott a respeito do
estádio do espelho os autores destacam que a instalação da função especular
ocorre permeada por trocas afetivas entre os pais e o bebê.
Winnicott (1967/1975) influenciado pelo artigo de Lacan O estádio do
espelho, de 1949, afirma que ao olhar para o rosto da mãe, o bebê vê a ele
mesmo. Assim, o rosto materno seria precursor do espelho no desenvolvimento
emocional infantil. Essa noção implica que o bebê só será capaz de desenvolver
uma noção de simesmo na medida em que for visto e reconhecido pelo olhar
materno.
34
Certos psicanalistas daí deduziram que o pai do bebê autista não levanta
a hipótese de um sujeito nele. É fácil confundir consequências com
causas tanto as conseqüências sobre o psiquismo dos pais são rápidas e
invasivas, mas, faço questão de sublinhar, não irreversíveis. Nos
primeiros meses, tão logo um bebê se manifeste de outro modo, os filmes
atestam a rapidez de resposta dos pais e o espanto e alegria que
sentem. (2011, p.13)
2 OBJETIVOS DA PESQUISA
Objetivo geral
Objetivos específicos
3 MÉTODO
YIRMIYA 2006; GORWOOD e RAMOZ, 2005). Porém, era preciso atenção para
que essas crianças não fossem aprisionadas em uma predição autística.
Antes dos dados serem coletados nos locais que atendem crianças
autistas foi feita uma pesquisa no prontuário dos pacientes para verificar quais
delas tinham irmãos de até 18 meses. Após essa etapa, os profissionais de
referência nas instituições apresentaram a proposta de pesquisa para os pais das
crianças com o objetivo de verificar se eles tinham interesse em participar do
estudo. Esse processo demorou mais de três meses para ser concluído. Na tabela
1 apresentamos as instituições que participaram da pesquisa, o número de
pacientes autistas atendidos entre 2011 e 2012, quantos deles tinham irmãos
bebês e a quantidade de crianças avaliadas com o IRDI e o M-CHAT.
Tabela 1: Coleta de dados nas instituições que oferecem tratamento para crianças
autistas
6
Desses 14 pacientes do CAPSi-Ipiranga, 2 ainda não tinham completado 18 meses de idade e, por isso,
também foram incluídos na amostra. Uma criança já tinha 2 anos, mas em discussão com a equipe do CAPSi
foi considerado relevante avalia-la com o instrumento. A discussão deste caso será feita durante a pesquisa.
43
3.2 Sujeitos
Bebês
36 84%
7 16%
GT GC
Dos sete bebês que compõem o GT, dois são pacientes das UBSs
de Embu, três já eram pacientes em processo de avaliação no CAPSi-Ipiranga e
dois são irmãos de crianças diagnosticadas como autistas.
45
19 41,3%
11 24%
8 17,4% 8 17,4%
Gráfico3 – Frequência com que os 4 Eixos são avaliados nas 4 faixas do IRDI
81%
62,5%
25% 25%
16%
10% 12,5% 12,5% 12,5%
9% 9%
0
4 RESULTADOS
6 6 6 6 6 6 6
5 5 5 5 5 5 5
4 4 4 4 4 4 4 4
3 3 3 3 3 3 3 3
2 2 2 2 2 2 2
1 1 1 1 1 1 1
1 2 3 4 5 6 7 8 9 itens
10 m-chat
11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23
bebês GC bebês GT
16
6 6
3
2 2 2
1 1 1 1 1 1
0 1 2 3 4 de IRDIs
soma 5 6
ausentes 7 8 9 12 20
25
20
soma de ausentes IRDI
15
10 bebês
0
0 5 10 15 20
Escore M-CHAT
pretende é sugerir que dentre os riscos detectados pelo IRDI sem especificidade
com qualquer diagnóstico determinado, também o autismo seja detectado pelos
indicadores, o que irá enriquecer o valor do instrumento.
4.3.1 Resultados GT
88%
77%
62,5% 62,5%
90%
80%
70%
Porcentagem de ausentes
60%
50% Suposição de sujeito
40% Estabelecimento da demanda
alternância presença/ausência
30%
Função Paterna
20%
10%
0%
João Mariana José Paulo Helena Matias Joana
Bebês
tea s/tea
7 100%
6 85% 6 85%
4 57%
17 47%
15 41%
7 19%
5 13%
GT 7 1 0 5
GC1 8 0 0 2
GC2 7 0 0 0
GC3 7 0 0 1
GC4 7 0 0 2
GC5 7 0 0 0
TOTAL 43 0 0 5
Fonte: Nathalia Teixeira Caldas Campana
GT 7 6 0 12
GC1 8 0 0 5
GC2 7 0 0 1
GC3 7 1 0 3
GC4 7 2 0 5
GC5 7 0 0 2
TOTAL 43 1 0 12
Fonte: Nathalia Teixeira Caldas Campana
57
GT 7 3 0 5
GC1 8 0 0 1
GC2 7 0 0 0
GC3 7 0 0 1
GC4 7 0 0 1
GC5 7 0 0 1
TOTAL 43 0 0 5
Fonte: Nathalia Teixeira Caldas Campana
GT 7 3 1 9
GC1 8 0 0 3
GC2 7 0 0 1
GC3 7 0 0 2
GC4 7 1 0 3
GC5 7 0 0 1
TOTAL 43 1 0 9
Fonte: Nathalia Teixeira Caldas Campana
Rank
Grupo N Rank
Médio
2,00 8 20,56
3,00 7 16,00
4,00 7 18,43
s/s
5,00 7 21,21
6,00 7 16,00
Total 36
2,00 8 20,00
3,00 7 11,86
4,00 7 20,50
e/d
5,00 7 25,36
6,00 7 14,57
Total 36
2,00 8 17,25
3,00 7 15,00
4,00 7 17,57
p/a
5,00 7 22,71
6,00 7 20,14
Total 36
2,00 8 18,38
3,00 7 15,14
4,00 7 18,93
f/p
5,00 7 24,93
6,00 7 15,14
Total 36
Ranks
Grupo N Rank Médio
1,00 7 30,57
2,00 8 22,69
3,00 7 17,50
s/s 4,00 7 20,21
5,00 7 23,43
6,00 7 17,50
Total 43
1,00 7 35,50
2,00 8 21,00
3,00 7 12,43
e/d
4,00 7 21,36
5,00 7 26,64
6,00 7 15,21
60
Total 43
1,00 7 36,43
2,00 8 17,88
3,00 7 15,50
p/a 4,00 7 18,21
5,00 7 23,64
6,00 7 20,93
Total 43
1,00 7 35,93
2,00 8 19,25
3,00 7 15,43
f/p 4,00 7 19,79
5,00 7 26,57
6,00 7 15,43
Total 43
Eixos
s/s e/d p/a f/p
Grupos Z valor p Z valor p Z valor p Z valor p
1e2 -2,241 0,073 -2,797 0,007 -2,976 0,004 -2,978 0,002
1e3 -2,241 0,073 -2,660 0,007 -2,542 0,011 -2,978 0,002
1e4 -1,439 0,232 -2,361 0,021 -2,893 0,006 -2,491 0,014
1e5 -1,790 0,128 -2,396 0,017 -2,736 0,007 -2,415 0,017
1e6 -1,277 0,259 -1,994 0,053 -2,383 0,017 -1,693 0,097
Fonte: Nathalia Teixeira Caldas Campana
gerar uma suspeita a respeito deste eixo ser aquele que mais distinguiu as
crianças com ou sem sinais iniciais de autismo.
Os resultados apresentados indicaram que o IRDI como um todo, e
mantendo sua inespecificidade diagnóstica, é capaz de detectar bebês que
apresentam sinais iniciais de autismo. Porém, tanto esses sinais quanto o
momento em que surgiram durante o desenvolvimento ocorreram de maneiras
diferentes entre as crianças do GT. A seguir, serão apresentadas vinhetas clínicas
que esclarecem como o IRDI auxiliou para a compreensão das dinâmicas
familiares.
4.4.1 José
[...] eu estava em luto na gravidez dele, pois além de estar gorda, de não
reconhecer meu corpo, ainda estava desempregada e passando por
dificuldades financeiras. Meu marido trabalha muito e minha mãe mora
em outro Estado, eu não tinha com quem conversar durante o dia [...].
alguma coisa e quando me viu ficou calmo, mas não acho que ele estava
chorando porque estava sentindo minha falta[...]”.
Rapidamente José foi para o chão e começou a andar pela sala.
Apontou para o armário e tentou abri-lo, mas não conseguiu porque estava
trancado. Imediatamente, começou a chorar olhando para o armário, sem pedir
ajuda a ninguém. Neste momento, a mãe colocou uma mamadeira em sua boca. A
pesquisadora perguntou: por que será que José estava chorando? A mãe sorriu e
disse: “[...] ele queria abrir o armário, porque sabe que lá tem brinquedo [...]”.
Diante disso, a pesquisadora perguntou por que ela havia dado a
mamadeira ao filho, ao que sorriu sem graça e constatou: “[...] é mesmo, é que é
tão difícil para mim ouvi-lo chorar que preferi calá-lo, mas assim ele não vai falar,
né? [...]” Ainda neste encontro, a mãe relatou que o filho fala “ma” e “pa”, mas que
ela não sabe se isso quer dizer mamãe e papai por isso não assume que quando
ele diz “ma” está chamando por ela. A psicóloga disse que mesmo não sendo
essa a intenção inicial de José, esse “ma” poderia virar “mamãe” se ela assim o
tomasse.
Na semana seguinte, a mãe pediu para conversar com a
pesquisadora e contou que depois da conversa sobre o desenvolvimento de José
ela falou com o marido e os dois mudaram de atitude em relação ao filho: “[...] à
noite estamos contando historinhas para ele e agora ele já sabe contar até cinco!
[...]”. A aplicação do IRDI possibilitou uma conversa com a mãe a respeito da
relação que estabelecia com o filho e sobre o desenvolvimento emocional da
criança.
As conquistas de José relatadas pela mãe, pela equipe do CAPSi e
constatadas pela própria pesquisadora, indicaram que apesar do desencontro
entre José e seus cuidadores (pais e educadores) existe a possibilidade de haver
melhora no seu desenvolvimento. José continua sendo avaliado pelo neurologista,
mas independentemente do diagnóstico médico, os cuidadores estão mais
fortalecidos sobre a importância do seu papel no desenvolvimento do bebê, o que
já gerou efeitos positivos neste aspecto.
65
4.4.2 Paulo
pessoas sem ficar passivo (IRDI 13) e demonstra quando gosta ou não de alguma
coisa (IRDI 16).
Além disso, no dia da última aplicação do IRDI, enquanto a avó
falava sobre os problemas de relacionamento com a mãe de Paulo, o menino
jogava uma garrafa no chão e batia palmas cada vez que o objeto atingia o chão.
Esse gesto se repetiu diversas vezes, mas apesar da estereotipia, pareceu ser o
esboço de uma brincadeira na tentativa de simbolizar a separação. Essa
observação foi transmitida à equipe do CAPSi para orientar as intervenções.
Durante as aplicações, o que mais chamou a atenção foi a
dificuldade dos cuidadores para falar a respeito do desenvolvimento de Paulo e da
relação estabelecida entre eles. A mãe pouco se autoriza em sua função materna
e a avó, ao mesmo tempo em que toma os cuidados de Paulo para si, faz poucas
referências a ele. Quando a pesquisadora fazia alguma pergunta a respeito de
Paulo, a avó respondia como a mãe dele se comportava quando era bebê; quando
questionada a respeito de sua maior preocupação em relação ao neto, respondeu:
“A mãe dele. Minha família tem muita gente com problema, é uma família que tem
problemas mentais [...]”.
O discurso dos cuidadores de Paulo oferece poucas brechas para
intervenções pontuais, mas a aplicação do instrumento levou a mãe e a avó a
falarem do desenvolvimento dele, pois inicialmente ambas pareciam apenas
repetir, sem apropriação, uma lista de sinais iniciais de risco para autismo. A
dificuldade dos cuidadores para estabelecer um vínculo significativo com Paulo,
assim como a mistura entre o menino e sua mãe somados aos cuidados que a avó
lhe dedica, puderam ser reconhecidos e nomeados com o auxílio do IRDI.
Paulo demonstrou momentos de conexão e ensaiou brincadeiras
simbólicas que indicavam a possibilidade de um bom prognóstico mediante
intervenções clínicas. Este caso foi encaminhado para atendimento no contexto de
terapia familiar, tendo em vista que os cuidadores oferecem pouco suporte para
Paulo sustentar o processo de individuação. Isto significa que os membros desta
família parecem não suportar existirem separados e discriminados. A família,
porém, optou por seguira avaliação de Paulo em um serviço médico dedicado
67
4.4.3 Helena
[...] a gente (pais) só não se separa agora por conta das meninas, mas já
dormimos em camas separadas: eu com minha filha mais velha e ele com
Helena. Eu fiquei com muito medo quando soube que estava grávida pela
segunda vez, tinha medo de morrer, pois além de ter tido pré-eclampsia
no meu primeiro parto, eu havia começado a tomar medicação para
emagrecer e fiquei com medo que isso pudesse prejudicar minha filha [...]
Será que isso interferiu? [...]
4.4.4 Júlia
que Júlia não buscou entrar em contato com sua mãe e mesmo quando foi
convocada por ela, permaneceu brincando com o próprio sapato, sem nem sequer
dirigir-lhe o olhar. Além disso, Júlia andou pela sala, mexeu em tudo o que viu sem
nenhuma hesitação e não demonstrou medo ou estranhamento quando a mãe
saiu do consultório médico para buscar um documento na recepção deixando-a
com o pediatra e com a pesquisadora. O excesso de independência de Júlia, se é
possível chamá-la assim, e a aparente indiferença à figura materna sugerem uma
dificuldade na interação mãe-bebê. Em discussão com o pediatra e no grupo de
pesquisa percebeu-se a necessidade de acompanhar Júlia e sua mãe mais de
perto. No entanto, elas não compareceram às consultas pediátricas por 8 meses e
a pesquisadora não conseguiu mais entrar em contato, pois o número de telefone
havia mudado.
Júlia estava com 20 meses quando foi avaliada novamente. Foram
aplicadas as duas últimas faixas do IRDI e o MCHAT. Apesar de a terceira faixa já
ter sido aplicada, optou-se por fazê-lo novamente, mesmo de forma pregressa,
para avaliar a evolução do desenvolvimento da menina. A seguir, a vinheta desta
avaliação.
Enquanto a pesquisadora conversava com a mãe a respeito do
desenvolvimento de Júlia, a bebê ficou parada quietinha num canto da sala,
parecia passiva e indiferente ao que estava acontecendo. A pesquisadora lhe
ofereceu um brinquedo, mas Júlia não pegou. A mãe, parecendo desconfortável
com a falta de resposta da menina, ofereceu um palito para a filha, mas Júlia não
esboçou reação; a mãe insistiu e, na quarta tentativa, introduziu o palito na boca
da bebê. Júlia permaneceu parada, imóvel, com o palito entre os dentes. Neste
dia, uma série de desencontros fez a situação beirar o insuportável: a mãe
claramente estava fragilizada diante das dificuldades da filha, mas não as
verbalizava. Pelo contrário, dizia a todo o momento que Júlia estava ótima e, com
isso, não oferecia brecha para que as angústias e dificuldades fossem nomeadas.
E a bebê ficou a deriva, sem conseguir estabelecer um contato significativo na
situação.
71
O M-CHAT preenchido pela mãe não indicou risco para autismo, mas
o IRDI sinalizou uma situação de sofrimento que merecia ser escutada. Porém,
naquele momento não havia possibilidade de conversar com a mãe a respeito da
necessidade de um encaminhamento para intervenção na relação pais-bebê, pois
ela não havia formulado uma demanda. Assim, a pesquisadora propôs uma
“conversa de devolutiva” com o objetivo de o pai participar também e para que a
mãe tivesse um tempo para entrar em contato com as emoções despertadas
durante a última conversa de aplicação.
A mãe compareceu com Júlia para a devolutiva, mas o pai não pode
ir. A pesquisadora iniciou o diálogo perguntando à mãe como foi para ela participar
da pesquisa e como percebia sua filha, mas a mãe não aceitou nenhum destes
convites para falar livremente; dizia que tudo estava ótimo, tinha sido maravilhoso,
etc. Diante da reação, a pesquisadora utilizou os instrumentos como facilitadores
para transmitir à mãe as observações feitas por mais de um ano de
acompanhamento. Após reconhecer as potencialidades e os recursos que ela e
sua bebê apresentavam, as dificuldades e os desencontros puderam começar a
ser nomeados.
Ao percorrer os indicadores, a mãe pode falar da dificuldade que
sentiu nos primeiros meses de vida de Júlia. Relatou que além de não suportar o
choro da filha, ainda precisava lidar com as preocupações e angústias do marido
em relação a bebê, dado que ela sempre teve baixo peso e o avô paterno havia
morrido na ocasião do seu nascimento. Mas, mesmo nomeando as angústias e os
desencontros, a mãe insistia em dizer que as dificuldades tinham ficado no
passado e que agora tudo estava bem. Diante disso, a pesquisadora explicou que
embora as dificuldades iniciais tivessem se apaziguado, existia a possibilidade de
ela ser acompanhada junto da filha em um serviço que oferece atendimento para
pais e bebês. A mãe, com o rosto mais sereno, respondeu: “[...] eu quero! Eu vou!
Ir não vai arrancar pedaço, né? E, sabe, eu já cheguei a pensar que minha filha
podia ser autista [...]”.
72
4.4.5 Cristiano
Em seguida, olha para o filho que parece incomodado e diz: “[...] ele
está agitado, nervoso, deve ser fome [...]”. Então, aproveitando que Cristiano
estava observando sua mão, o pai aproximou o dedo da boca do filho e Cristiano
mordeu imediatamente. Mas, esse movimento do bebê pareceu ocorrer de forma
automática, sem que ele mudasse sua expressão facial rígida. O pai explicou que
o filho morde seu dedo por conta dos dentes que estão nascendo, mas depois
mudou de ideia e voltou a dizer que era fome.
Neste dia, a pesquisadora ainda acompanhou o pai e o bebê durante
a consulta pediátrica. Tanto as observações a respeito do desenvolvimento do
bebê quanto o discurso do pai, que priorizava explicar e justificar o comportamento
do filho, somado à ausência da mãe, sugeriam um desencontro que merecia
atenção.
Os pais conseguiram um convênio médico e optaram mudar de
pediatra; por esta razão, deixaram de frequentar o Hospital Universitário. Seis
meses depois, a mãe de Cristiano enviou um e-mail para a pesquisadora
divulgando o lançamento de um livro. Diante disso, a pesquisadora aproveitou
para propor o seguimento da avaliação de Cristiano, mesmo que ele não estivesse
mais vinculado ao Hospital Universitário. A mãe aceitou e, então,foram marcados
mais quatro encontros: três na casa da família e um na creche.
Cristiano estava às vésperas de completar 1 ano quando foi visto
novamente pela pesquisadora. Além dele, estavam presentes a mãe e a avó
materna que havia acabado de chegar do exterior e conhecido o neto naquela
manhã. Cristiano parecia mais expressivo e demandante, porém, sua mãe falou
dele de forma genérica, sem referência a situações do cotidiano ou
particularidades da relação deles.
Enquanto a mãe dizia que o filho se encontrava na “fase de
construção do ego” e que “as crianças são muito investigadoras nesta fase”,
Cristiano começou a choramingar. Ela disse que o bebê devia estar com sede e
pediu que a avó lhe desse suco, mas Cristiano recusou virando o rosto e fechando
a boca com força, até que a mãe resolveu tentar e ele aceitou. Cristiano sugou a
mamadeira rapidamente e parecia satisfeito. Então, se dirigindo ao bebê a
74
pesquisadora disse: “[...] olha só, parece que você queria que a mamãe lhe desse
o suco [...]”. Então, mãe sorriu aparentemente surpresa e comentou: “[...] nossa,
nunca tinha prestado atenção nisso [...]”.
A entrada na escola parece ter contribuído para o desenvolvimento
de Cristiano. As educadoras relataram uma série de exemplos a respeito da
capacidade dele para construir e manter vínculos significativos com os adultos da
escola e com as crianças da sua classe. A pesquisadora observou que na sala de
aula, além de construir vínculos, Cristiano pareceu sedento de contato, ávido para
estabelecer relações que pusessem em jogo certa excitação como cócegas e o
“minhauuuu” animado quando terminava de cantar “atirei o pau no gato”.
No dia de encerrar a avaliação, Cristiano estava com a mãe e os
dois pareciam bem: ele propunha brincadeiras para ela e ela correspondia
brincando com ele. A mãe relatou uma série de situações cotidianas como, por
exemplo, fazer biscoitos, na qual ela estava em contato com o filho e ambos se
divertiam juntos. A rigidez e a inexpressividade de Cristiano haviam sumido, assim
como o seu comportamento de não responder ou evitar o contato. A busca por
momentos de excitação extrema também não persistia. Nas palavras da mãe, “ele
adora folia, bagunça”.
O acompanhamento desta família com o IRDI parece ter contribuído
para a mãe reconhecer as particularidades do próprio filho, ou seja, mais do que
dar informações a respeito de como são os bebês, os indicadores serviram como
um guia para que a mãe olhasse as particularidades do seu bebê. Da mesma
forma, contar com o acompanhamento da pesquisadora pareceu ser confortante
para a mãe, mesmo que os encontros fossem espaçados por mais de um mês. Ela
sentiu-se acolhida e viu fortalecer a sua função materna. O pai não participou mais
da avaliação por razões de trabalho, mas Cristiano e sua mãe sempre faziam
referência a ele, tornando-o presente de alguma forma.
75
5 DISCUSSÃO
5.3.1 Eixo suposição de sujeito: o que ele tem a dizer na avaliação das
crianças?
pais não precisam utilizar o paiês com frequência para tornar as interações bem
sucedidas, mas, por outro lado, no caso de bebês que apresentam sinais de
desconexão, os pais aumentam a quantidade de paiês para tentar resgatar seus
filhos do isolamento.
Assim, tanto o resultado dos testes estatísticos deste estudo
exploratório, quanto os das pesquisas na literatura apontam para o fato de que os
pais de crianças diagnosticadas como autistas investiram em seus bebês e que,
portanto, nestes casos, o autismo não se justificaria pela ausência de suposição
de sujeito. Neste sentido, Tustin (1990) afirma:
los como ferramenta para compreender a situação pesquisada. Esta ideia está em
ressonância com a proposta de Salomonsson (2007) a respeito do atendimento
pais-bebê quando destaca que a contratransferência é fundamental para o
processo de entendimento do analista (pesquisador). O autor afirma ainda que
quando o assunto é bebê deve-se ir além e recorrer aos conhecimentos
produzidos pela psicologia do desenvolvimento e pela semiótica para a formulação
de uma compreensão clínica. As vinhetas apresentaram dados que extrapolaram
os preceitos inicialmente previstos para a aplicação do IRDI; elas permitiram
observações fundamentais para compor o acompanhamento do desenvolvimento
das crianças e da relação estabelecida entre elas e seus cuidadores. Lampreia
(2003) afirma que, se por um lado, os instrumentos diagnósticos são mais
confiáveis quando o profissional passou por um treinamento especializado
intensivo, por outro, nada substitui a experiência clínica. Assim, a experiência do
profissional terá influência na leitura feita por ele no momento da avaliação.
Cabrejo-Parra (2010) discute que o ato da leitura está na origem da
atividade do pensamento e que a intersubjetividade é inerente a esta ação. O
autor recorre aos contos e aos livros de literatura para afirmar que estes são
encenações do que se passa na psique e que o sujeito que os lê encena
modalidades de interpretação. Em outras palavras, o mesmo livro suporta leituras
inesgotáveis apesar de possuir o que se chama ‘fantasmas psíquicos’, comuns a
espécie humana. Nas palavras do autor:
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
consideradas em risco para autismo pelo M-CHAT, ainda detectou um bebê que
apresentava entraves significativos em seu desenvolvimento e dificuldades de
interação com a mãe, mas que não havia sido triada no M-CHAT.
Por mais que se afirme a importância de detectar sinais iniciais de
patologias como o autismo para oferecer a intervenção o mais cedo possível, isso
não significa que os pais devam ser alarmados diante da primeira preocupação do
profissional. Isto, porque, uma suspeita desta ordem, mesmo não confirmada ao
longo do tempo, pode trazer prejuízos para a interação nascente entre os pais e
os bebês. Ressalta-se a importância deste cuidado, pois, desde 2012, verifica-se
um aumento considerável de diagnósticos de autismo e pais cada vez mais
temerosos de que seu bebê seja acometido por esse transtorno. Em alguns casos,
mesmo o bebê não apresentando manifestação clínica, os cuidadores justificam o
seu temor afirmando que a precocidade da detecção determinará o prognóstico e,
portanto, querem oferecer tratamento aos seus filhos o quanto antes.
No Brasil, fora dos consultórios e das instituições que se ocupam de
saúde mental também ouve-se falar mais do autismo, tanto sob um aspecto
político quanto social. O Movimento Autismo, Psicanálise e Saúde Pública
(MAPSP) surgiu em resposta a uma tentativa de restringir o atendimento de
crianças autistas à abordagem comportamental. Os que defendem essa restrição
justificam que apenas o resultado de terapias comportamentais têm comprovação
científica e que as demais, incluindo a psicanálise, não passam de especulação.
Além disso, mesmo para aqueles que não procuram saber a respeito do autismo,
os jornais e a televisão têm se encarregado de trazê-lo para a população,
incluindo o assunto nas matérias, nas novelas e nos programas jornalísticos de
grande audiência. É possível supor que, em resposta a essas iniciativas, a procura
por serviços que atendam crianças autistas tenha aumentado consideravelmente
no último ano.
Não se trata de minimizar a importância da detecção de sinais
iniciais para evitar a possibilidade de uma falsa epidemia do transtorno ou as
preocupações parentais que podem emergir quando são informados a respeito da
importância do diagnóstico precoce – fato que pode ser estudado em pesquisas
93
REFERÊNCIAS
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diagnosis. Autism. nº 3, p. 229-242, May 2006, v.10.
______. (1920). Além do Principio de Prazer. In: Hanns L.A. (Trad.). Obras
psicológicas de Sigmund Freud. Escritos sobre a psicologia do inconsciente.
Rio de Janeiro: Imago, 2006, p.135-182, v.2.
MURATORI, F.; MAESTRO, S. Early signs of autism in the first year of life. In:
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intervention. Londres: Karnac Books, p. 46-61, 2007.
REID, S. The assessment of the child with autism. In: ALVAREZ; A. & REID, S.
(orgs.). Autism and Personality: findings from the Tavistock autism workshop.
Inglaterra: Routledge, p.13-31, 1998.
SPITZ, R. (1965) O primeiro ano de vida. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes,
2004.
TEITELBAUM, P., TEITELBAUM, O., NYE,J., FRYMAN, J., & MAURER, R.G.
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WINNICOTT, D.W. (1958) A capacidade para estar só. In: Winnicott, D.W. O
ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artmed, 1983.
ANEXO 1
Encontros realizados:
Data: ____/____/______ Motivo:
Data: ____/____/______ Motivo:
Data: ____/____/______ Motivo:
Data: ____/____/______ Motivo:
Data: ____/____/______ Motivo:
Data: ____/____/______ Motivo:
Data: ____/____/______ Motivo:
Data: ____/____/______ Motivo:
Data: ____/____/______ Motivo:
Data: ____/____/______ Motivo:
Data: ____/____/______ Motivo:
Data: ____/____/______ Motivo:
Data: ____/____/______ Motivo:
103
ANEXO 2
Legenda:
P = Presente
A = Ausente
NV = Não verificado
ANEXO 3
Nome da criança:__________________________________________
Data de nasc.: ____/____/______ Nº na pesquisa:___________
UBS:_________________________Nº do prontuário:______________
Profissional que aplicou:_________________ Data da aplicação: _/____/___
Nome do cuidador que acompanhou a criança: Pai ( ) Mãe ( ) Outro ( )
Legenda:
P = Presente
A = Ausente
NV = Não verificado
ANEXO 4
Nome da criança:
Data de nasc.: ____/____/____ Nº na pesquisa:___________
UBS:_________________________º do prontuário:______________
Profissional que aplicou:___________ Data da aplicação: ____/____/______
Nome do cuidador que acompanhou a criança:_____Pai ( ) Mãe ( )Outro ( )
Legenda:
P = Presente
A = Ausente
NV = Não verificado
ANEXO 5
Nome da criança
Data de nasc.: ____/____/____ Nº na pesquisa:___________
UBS:______________________Nº do prontuário:______________
Profissional que aplicou_________ Data da aplicação: ____/____/______
Nome do cuidador que acompanhou a criança:___Pai ( ) Mãe ( ) Outro ( )
Legenda:
P = Presente
A = Ausente
NV = Não verificado
ANEXO 6
ANEXO 7