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O Império Das Seitas Vol. 4 - Walter Martin - BETÂNIA

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WALTER MARTIN

WALTER MARTIN

(STOMOJÖIHMSMO)
SOCIEDADE
ESPMSMO
CULTOS
m om m os
Beiânia
Leitura para uma vida bem-sucedida
Caixa Postal 5010 - 31611-970 Venda Nova. MG
Título do original cm inglês:
The Kingdom o f The Cults
Copyright © 1965, 1977, 1985, Walter Martin.
Publicado originaimcntc cm inglês por Bethany House Publishers.
Minneapolis, Minnesota 55438.

Tradução de Myrian Talitha Lins

Primeira edição, 1993

Todos os direitos reservados pela


Editora Betãnia S/C
Caixa Postal 5010
31611-970 Venda Nova, MG
É proibida a reprodução total ou parcial
sem permissão escrita dos editores.

Composto e impresso nas oficinas da


Editora Betãnia S/C
Rua Padre Pedro Pinto, 2435
Belo Horizonte (Venda Nova), MG
Capa: Jairo Larroza

Printed in Brazil
Em memória de
Peter de Visser

meu amigo e irmão na fé. Sua ajuda e estímulo


tornaram possível a feitura deste livro.
Se alguém quiser conhecer seu monumento,
consulte a biblioteca dos bem-informados.
Agradecimentos
D e s e jo e x p re ssar m eus agradecim entos a Pierson Curtis,
a n tig o p ro fe sso r da E scola Stony Brook, que ajudou a revisar
e c o r r ig ir os m anuscritos originais; ao Rev. Anthony Colla-
rile , e a o s srs. H e rb ert Jacobsen, Robert Smith e John Carter
q u e c o n trib u íra m com valiosas inform ações e dados de pes-
q u is a s ; ao Sr. Waite! B jorck Jr., da Sociedade Americana de
F o lh e to s, q u e deu inúm eras sugestões valiosas, a maioria de-
las a p ro v e itad a s, a G retchen Passantino, editora de pesquisas,
q u e fez u m a revisão d e grande parte do material que compõe
a e d iç ã o em inglês e ao colega C lark F Hyman que também
d e u im p o rta n te contribuição na revisão dessa edição.
Indice

Prefácio ............................................................................. 9
1. O Império das Seitas Heréticas ................................... 11
2. Superando a Barreira da Linguagem ......................... 19
3. A Estrutura Psicológica das Seitas ............................ 25
4. Igreja da Nova Jerusalém — Swedenborguianismo . 35
5. Sociedade Teosófica ...................................................... 55
6. Espiritismo .................................................................... 77
7. A Bíblia e os Cultos Afro-Brasileiros .................... 155
8. As Seitas no Campo Missionário ............................. 177
9. O Jesus das Seitas ....................................................... 183
10. A Evangelização das Seitas ....................................... 189
11. Recuperando o Terreno Perdido ................................ 197
Bibliografia ................................................................... 203
Bibliografia Recomendada ......................................... 205
NOTA DA EDITORA

A obra O Império das Seitas constitui, no original, um


só volume encadernado. Visando torná-la mais acessível ao
leitor brasileiro, a Editora Betânia optou pela divisão em vo-
lumes, com encadernação brochurada. Na obra original, há
alguns capítulos que se aplicam a todas as seitas. Assim, para
que cada volume fosse completo em si mesmo esses capítulos
gerais foram resumidos e reproduzidos em todos os livros da
série.
Este volume de O Império das Seitas traz expressiva con-
tribuição do Instituto Cristão de Pesquisas. Seu diretor exe-
cutivo, Paulo Romeiro, assina o capítulo 7, A Bíblia e os Cul-
tos Afro-BrasileiroSy e seus colegas de equipe Miguel A.
Albanez e Natanael Rinaldi, assinam o capítulo 6, Espiri-
tismo.
Essa importante participação se fez necessária em virtude
da enorme diferença entre o modo de atuar dessas seitas nos
Estados Unidos, onde foram pesquisadas pelo Dr. Walter Mar-
tin, e o seu comportamento e crenças aqui no Brasil.
Prefácio
Sinto-me honrado em apresentar ao público leitor de lín-
gua portuguesa, a obra mais importante e mais conhecida do
saudoso Dr. Walter Martin. Mais de 400 mil exemplares já
foram vendidos nos Estados Unidos.
Impelido por Judas 3, que nos ordena a “batalhar pela fé
que uma vez por todas foi dada aos santos”, o Dr. Martin fun-
dou em 1960, nos Estados Unidos, o Christian Research Ins-
titute, uma organização interdenominacional que assiste às igre-
jas evangélicas no evangelismo de seitas. Quatro anos mais
tarde, numa estação de rádio em New Jersey, ele começou
o programa The Bible Answer Man (O homem que responde
pela Bíblia). Em 1974, mudou-se para El Toro, Califórnia.
Em 1980, começou a transmissão por satélite, alcançando a
maior parte dos Estados Unidos e Canadá.
Conhecí o Dr. Walter Martin em 1979, na Califórnia, Es-
tados Unidos. Pouco tempo depois tornei-me seu discípulo
na área de seitas e religiões. Fiquei deveras impressionado
com o seu profundo conhecimento de heresiologia e acima
de tudo, pelo seu vasto domínio no campo da teologia cristã.
Além de O Império das Seitas, escreveu vários outros livros,
livretes, artigos para muitas revistas e periódicos nos Estados
Unidos e ainda participou inúmeras vezes de debates públi-
cos, defendendo a fé cristã dos ataques advindos das seitas,
e, muitas vezes, do liberalismo teológico.
Em 1983, o Dr. Martin e sua equipe estiveram no Brasil
10 O Império das Seitas IV

para uma série de conferências sobre a defesa da fé cristã.


Naquela ocasião, tive o privilégio de ser um de seus intér-
pretes. Suas reuniões, tanto no Rio de Janeiro como em São
Paulo, causaram um impacto de tal dimensão que ele viu-se
persuadido a iniciar uma extensão do seu ministério em nosso
país. Assim nasceu 0 Instituto Cristão de Pesquisas, uma or-
ganização dirigida hoje por brasileiros. Na manhã do dia 26
de junho de 1989, enquanto orava, veio a falecer, encerrando
assim uma carreira frutífera no ministério cristão, e por meio
da qual, depois de morto, ainda fala,
O Brasil é um país místico, obcecado pelo sobrenatural.
Entre os vários países onde estive desenvolvendo o trabalho
de Deus, não encontrei qualquer outro tão faminto pela sua
Palavra ou pelos valores espirituais como 0 nosso. Esta é cer-
tamente uma das razões por que as seitas crescem tanto aqui.
Já faz tempo que um livro como este tem-se tornado neces-
sário no contexto religioso brasileiro.
O Império das Seitas avalia as religiões e grupos contro-
versiais sob três aspectos:
1. Fazendo uma análise histórica de cada grupo.
2. Fazendo uma análise teológica dos principais ensinos
de cada seita.
3. Fazendo uma refutação de seus ensinos à luz da Bíblia
Sagrada, enfatizando a exegese e doutrina.
Desde que foi escrito no contexto norte-americano, certas
modificações tornaram-se necessárias, tais como a remoção
de alguns capítulos que não fariam sentido dentro do nosso
universo religioso e a inclusão e adaptação de outros para um
melhor aproveitamento no português.
Este livro é, sem dúvida, a melhor obra de referência já
produzida sobre 0 assunto, o que a tornou, logo depois de
sua publicação em inglês, um clássico da apologética cristã.
Qualquer cristão que leva a sério o estudo da doutrina cristã
e a pesquisa apologética não poderá ignorá-lo.

Instituto Cristão de Pesquisas


Paulo Romeiro — Diretor Executivo
Caixa Postal 5011 — Agência Central
01059-970 São Paulo, SP
1
0 Império das
Seitas H eréticas

Em seu livro Wiese Also Believe (Eles também crêem),


um estudo das seitas e crenças de grupos minoritários, o
Dr. Charles Braden, professor jubilado da Universidade
Northwestern (1954) e John G. Schaffer, conferencista (1955)
e professor convidado da Faculdade Scripps (1954 a 1956),
ambas nos Estados Unidos, fazem diversas observações inte-
ressantes, com as quais concordo plenamente. Com relação
ao termo “seita”, o Dr. Braden diz o seguinte:
“Ao empregar o termo “seita”, não é minha intenção de-
preciar nenhum grupo ao qual ele se aplique. Seita, no meu
entender, é qualquer grupo religioso que, em doutrina ou prá-
tica, difira, de forma significativa, dos grupos religiosos con-
siderados a expressão normativa da religião em nossa cultura.”
(Prefácio, XII.) Gostaria de acrescentar que a palavra pode
ser aplicada também a um grupo de indivíduos reunidos em
torno de uma interpretação errônea da Bíblia, feita por uma
ou mais pessoas. As Testemunhas de Jeová, por exemplo, em
sua maioria, são seguidores das interpretações bíblicas de Char-
les T. Russell e J. F. Rutherford, Nathan H. Knorr e Frederic
Franz. Os atuais adeptos da Ciência Cristã são discípulos de
12 0 Império das Seitas IV

Mary Baker Eddy, pois seguem sua interpretação pessoal das


Escrituras. Os Mórmons, como eles próprios confessam, ado-
tam a interpretação bíblica feita por Joseph Smith e Brigham
Young, registrada nos escritos deles. Do ponto de vista teo-
lógico, as seitas apresentam muitos desvios em relação ao cris-
tianismo tradicional. Paradoxal mente, porém, continuam a afir-
mar que têm o direito de ser consideradas religiões cristãs.
Não posso concordar em tudo com o Dr. Braden, que se con-
fessa um “ liberal convicto”, nem afirmar como ele que “não
defendo nenhuma dessas seitas... e não me oponho fortemente
a nenhuma delas”. Embora esteja de acordo com o fato de
que “as seitas, de modo geral, representam uma busca sin-
cera de milhões de pessoas que procuram respostas para as
profundas e legítimas aspirações do espírito humano, que a
maioria delas não encontrou nas igrejas estabelecidas”, acre-
dito também que haja muito mais para ser dito a esse respeito.
Alguém já observou, aliás, com muita sabedoria, que “quem
não toma posição em favor de uma idéia, poderá ser levado
por qualquer idéia”. Então resolvi posicionar-me dentro das
fronteiras do cristianismo bíblico, ensinado pelos apóstolos,
defendido pelos pais da igreja, redescoberto pelos reforma-
dores, e chamado por alguns de “doutrina dos reformadores”.
Os teólogos liberais se preocupam mais com 0 modo de
atuar das seitas do que com a razão de ser das suas doutrinas,
e parece que adotaram como norma de conduta a afirmação
de Gamaliel. Lembremos, porém, que Gamaliel estava acon-
selhando os judeus a não se oporem aos cristãos dizendo que
“se este conselho ou esta obra vem de homens, perecerá; mas,
se é de Deus, não podereis destruí-los” (At 5.38,39).
Não devemos esquecer também que o conselho dele não
constitui doutrina bíblica, e se fôssemos aceitá-lo na forma
como é expresso, teríamos de crer que o Islamismo é “de
Deus”, pois experimentou um crescimento rápido e propagou-
se vigorosamente por todo o mundo. E também enquadrar
nessa mesma categoria o Mormonismo (que começou em 1830
com apenas seis pessoas e hoje, 1991, conta com cerca de
oito milhões de adeptos), o que a maioria dos liberais não
aceita, embora se digam tão liberais. Não quero dizer com
isso que devemos examinar as seitas sob “microscópios ecle-
siásticos”, mas, sim, à luz da revelação divina que possuí-
mos, a Palavra de Deus, a qual pode pesá-las “na balança
O Império das Seitas Heréticas 13

de precisão da verdade absoluta”. O Senhor mesmo disse: “Por-


que se não crerdes que eu sou morrereis nos vossos pecados”.
O critério final para se julgar qualquer coisa relacionada a
grupos, seitas, crenças, etc., sempre foi e sempre deve ser
a pergunta: “Que pensais vós do Cristo? de quem é filho?”
Sou obrigado a discordar também da idéia de que “todos
os caminhos que nos levam a Deus são bons”, pois creio na
palavra do Senhor que diz: “ Eu sou o caminho, e a verdade,
e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim”. (Jo 14.6.) Obser-
vamos que Jesus não diz aí: “ Eu sou um dos muitos cami-
nhos bons” ou “Sou o melhor caminho, sou um aspecto da
verdade, sou um fragmento da vida”. Nada disso. Ele fez uma
afirmação em termos absolutos, e a aceitação de que ele é
o Salvador do mundo anula todas as afirmações semelhantes
de outros homens ou religiões.
Quero deixar bem claro também que apesar de fazer al-
gumas críticas a certas posições dos liberais nessa questão
de seitas e crenças, não deixo de reconhecer as valiosas con-
tribuições deles para esse estudo. Mas por mais completa que
seja uma pesquisa, por mais longo que seja o tempo dedicado
a um estudo, é impossível levantar todas as informações e ava-
liar todos os fatos necessários a uma compreensão plena da
origem e desenvolvimento das seitas. Meu tratamento do as-
sunto segue uma orientação confessadamente teológica, com
o objetivo de contrastá-las com o Cristianismo, confirmando-
o como a verdadeira religião.
O Dr. Van Baalen está certo quando diz que “as seitas são
as contas vencidas da Igreja” (Ó Caos das Seitas, p. 8). E
elas o são de fato; mas são muito mais: constituem um de-
safio para que a Igreja afirme mais uma vez os grandes prin-
cípios e fundamentos do Evangelho de Cristo, tornando-os
relevantes para a atual geração. Não há dúvida de que o rumo
geral que as religiões estão tomando hoje em dia é o do sin-
cretismo, isto é, de uma homogeneização das crenças, como
já demonstrou mais de uma vez o grande historiador Arnold
Toynbee.
Há pessoas que estão sempre tentando convencer-nos, por
meio de livros, artigos de revistas e jornais, de pronuncia-
mentos em concílios e congressos ecumênicos, que “devemos
dar menos valor às questões que nos separam, e mais ênfase
àquelas que temos em comum uns com os outros, e que atuam
14 0 Império das Seitas IV

como elos de ligação entre nós e eles”. Estamos de acordo


com a sugestão desde que aquilo que nos une a outros seja
uma firme base doutrinária, uma verdade moral e ética, e
que essa unidade de que se fala seja a união verdadeira do
corpo de Cristo. Mas, se como querem alguns, esse fator de
ligação se ampliar mais, para incluir também aqueles que não
se acham em harmonia com os princípios essenciais do Cris-
tianismo, então temos de nos opor decisivamente à idéia.
A Perspectiva Bíblica
A era que presenciou o advento de Jesus Cristo foi uma
época rica de religiões, que iam desde 0 Animismo crasso
e dos rituais sexuais adotados em grande parte do mundo,
até os panteões romanos, com seus deuses, e as misteriosas
crenças dos gregos. Basta ler a obra de Gibbon, Declínio e
Queda do Império Romano para vermos claramente a multi-
plicidade de deuses e deusas, bem como os sistemas filosó-
ficos que figuravam no horizonte religioso daquela era da his-
tória. O Judaísmo cessara com suas atividades missionárias,
já que os judeus se achavam debaixo do tacão de ferro do
paganismo romano que lhes era adverso. Seus escribas e ra-
binos haviam interpretado e reinterpretado tanto a lei de Deus
e acrescentado a ela tantas emendas que Jesus chega a dizer
o seguinte, aos líderes religiosos de seus dias: “Por que trans-
gredis vós também o mandamento de Deus, por causa da vossa
tradição?... E assim invalidastes a palavra de Deus, por causa
da vossa tradição”. (Mt 15.3,6.)
E foi no meio desse torvelinho de filosofias humanas de-
terioradas e de revelação divina deturpada que apareceu 0 Fi-
Iho de Deus e, com seus ensinamentos e exemplo, revelou
o homem divino, e com seu poder miraculoso, sua morte vi-
cária e sua ressurreição corpórea, abriu um atalho no ema-
ranhado de dúvidas e temores dos homens quando levantado
da terra para atrair todos a si. Acertadamente alguém já disse
que o homem tem liberdade para aceitar ou rejeitar a Jesus
Cristo, e a Bíblia como Palavra de Deus; tem liberdade para
fazer oposição a ele e até para desafiá-lo. Mas não tem liber-
dade para alterar a mensagem essencial das Escrituras: a boa-
nova de que Deus ama os perdidos e ama tanto que enviou
ao mundo seu Filho unigênito para que todos pudéssemos vi-
ver por intermédio dele.
0 Império das Seitas Heréticas 15

Juntamente com esse evangelho da graça de Deus, o Se-


nhor anunciou e profetizou que seus seguidores iriam enfren-
tar provações e tribulações, tanto dentro como fora da igreja,
e que uma das maiores dificuldades que teriam seria a pre-
sença de falsos cristos e falsos profetas, que viriam em seu
nome e enganariam a muitos (Mt 24.5). Jesus estava tão preo-
cupado com essa questão que certa vez disse:
“Acautelai-vos dos falsos profetas que se vos apresentam
disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubado-
res. Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura,
uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos? Assim toda ár-
vore boa produz bons frutos, porém a árvore má produz fru-
tos maus. Não pode a árvore boa produzir frutos maus, nem
a árvore má produzir frutos bons. Toda árvore que não pro-
duz bom fruto é cortada e lançada ao fogo. Assim, pois, pe-
los seus frutos os conhecereis. Nem todo o que me diz: Se-
nhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz
a vontade de meu Pai que está nos céus. Muitos, naquele dia,
hão de dizer-me: Senhor, Senhor! porventura, não temos nós
profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos de-
mônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então
lhes direi explicitamente: Nunca vos conhecí. Apartai-vos de
mim, os que praticais a iniquidade”. (Mt 7.15-23.)
Cristo revelou que havería falsos profetas. O Filho de Deus
não tinha dúvida de que isso ocorrería. E as heresias dos pri-
meiros cinco séculos da era cristã comprovam a veracidade
de suas predições. Cristo disse ainda que os frutos dos falsos
profetas seriam visíveis e que a igreja iria identificá-los pron-
tamente. Não nos esqueçamos de que os frutos de uma árvore
má, além de éticos e morais, podem ser também doutrinários.
Talvez uma pessoa possa ser até ética e moralmente correta,
segundo os padrões humanos. Mas se der as costas a Jesus
Cristo, rejeitando-o como Senhor e Salvador, o fruto dela será
ruim, e deverá ser repudiado, pois não passa de um simulacro
da verdade. O apóstolo João compreendeu bem isso quando
disse: “Eles saíram de nosso meio, entretanto não eram dos
nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam perma-
necido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse ma-
nifesto que nenhum deles é dos nossos”. (1 Jo 2.19.)
Então a Bíblia de fato fala de falsos cristos, falsos profetas
e falsos apóstolos, bem como de “obreiros fraudulentos,
16 0 Império das Seitas IV

transformando-se em apóstolos de Cristo. E não é de admi-


rar; porque o próprio Satanás se transforma em anjo de luz.
Não é muito, pois, que os seus próprios ministros se trans-
formem em ministros de justiça; e o fim deles será conforme
as suas obras” (2 Co 11.1315‫)־‬.
Então a perspectiva bíblica com relação a esses falsos pro-
fetas e seus falsos ensinos é a de que devemos ter compaixão
e amor por aqueles que foram envolvidos nos ensinos deles,
mas também precisamos nos opor vigorosamente às doutri-
nas, com o supremo objetivo de ganhar a alma do indivíduo,
e não de discutir com ele. Não devemos esquecer que os adep-
tos dessas seitas são almas pelas quais Jesus morreu, pois “ele
é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos
nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro” (1 Jo 2.2).
Nosso propósito com este livro é despertar maior interesse
entre o povo de Deus para esse importante campo missionário
que são os adeptos das seitas, apontar as falhas de seus di-
versos sistemas doutrinários, e fornecer recursos aos crentes
para que saibam responder corretamente, quando abordados
por eles, e ao mesmo tempo apresentar-lhes as bases do evan-
gelho de Cristo com uma forte preocupação pela salvação de-
les. Outra meta deste livro é deixar o leitor bem familiarizado
com as restauradoras verdades do evangelho, para que ele possa
enxergar a maravilhosa herança que temos na fé cristã e se
sinta inspirado a viver para o Salvador e a testemunhar dele
de modo eficaz.
A Associação de Bancos dos Estados Unidos utiliza para
treinamento de pessoal um recurso, que exemplifica bem o
nosso objetivo. Todos os anos eles levam a Washington cen-
tenas de caixas para ensiná-los a identificar o dinheiro falso,
que sempre acarreta enormes prejuízos para o tesouro do país.
O mais interessante é que, nos quinze dias de duração do trei-
namento, nenhum dos “caixas” manuseia cédulas falsas; só
lidam com notas verdadeiras. É que a direção da associação
está convencida de que, se o funcionário estiver bem fami-
liarizado com o dinheiro verdadeiro, identificará o falso as-
sim que este lhe cair nas mãos, por mais perfeita que seja
a falsificação.
A verdade é que, quando os cristãos se familiarizarem com
O Império das Seitas Heréticas 17

as doutrinas fundamentais da fé, saberão identificar facilmente


os falsos ensinos que divergem dos do cristianismo bíblico.
As seitas têm lucrado muito com o fato de a igreja cristã
não compreender bem os ensinos delas e não criar uma me-
todologia prática para evangelizar seus adeptos, refutando seus
argumentos.
É verdade que a estrutura doutrinária delas contém inú-
meras verdades, todas elas, diga-se de passagem, retiradas
de fontes bíblicas. Mas acham-se tão mescladas de erros hu-
manos que acabam sendo mais mortíferas que uma mentira
frontal. Além disso, algumas seitas têm dado ênfase a aspec-
tos que a igreja cristã tem ignorado, como cura divina (Ci-
ência Cristã), profecias (Testemunhas de Jeová e Mormonismo)
e outros.
------------------- 2 ______________

Superando a
Barreira
da Linguagem

A era em que vivemos, com sua mentalidade científica,


criou, no sentido exato do termo, um vocabulário novo que,
se não for compreendido, pode trazer sérios problemas para
a comunicação humana. A revolução cultural que modificou
o vocabulário da tecnologia, psicologia, medicina e política
afetou também as religiões do mundo, de modo geral, e a te-
ologia cristã em particular. Em artigo publicado na revista Eter-
nity, o famoso teólogo, Dr. Bernard Ramm, fazendo uma ava-
liação do pensamento teológico do Dr. Tillich, importante
teólogo moderno, já falecido, ex-professor da Faculdade de
Teologia da Universidade de Chicago, chama a atenção para
esse fato. Diz ele que Tillich reinterpretou os conceitos teoló-
gicos tradicionais de forma tão radical que o efeito disso sobre
a teologia cristã chega a ser desastroso. “ Ele reinterpreta en-
sinos bíblicos como pecado, culpa, condenação, justificação,
regeneração, etc., de forma totalmente estranha ao sentido ori-
ginal revelado na Bíblia.” 1
Portanto, um teólogo moderno pode empregar a termino-
logia da Bíblia e da teologia histórica com um sentido total-
mente diverso do que pretendia a dos escritores sacros.
Antes de começar a examinar as seitas não-cristãs focali-
20 O Império das Seitas IV

zadas nesta obra, precisamos lembrar que seus fundadores e


pregadores fizeram com a estrutura semântica da teologia cristã,
exatamente 0 mesmo que os teólogos modernistas. Assim, uma
Testemunha de Jeová, um Mórmom ou um adepto da Ciência
Cristã, por exemplo, pode usar a terminologia bíblica cristã
tranquilamente, mas empregará esses termos dentro de uma
estrutura teológica própria, por eles criada, dando um sentido
quase sempre diferente do sentido historicamente aceito.
Já ouvi várias vezes a pergunta: “ Por que será que quando
converso com um membro de uma dessas seitas, tenho a im-
pressão de que ele concorda em tudo com o que estou dizendo.
Mas, terminada a conversa, sinto que não houve uma comu-
nicação de fato, como se não tivéssemos falado a mesma lín-
gua?”
Naturalmente a resposta é que não houve comunicação por-
que o vocabulário empregado pelas seitas não é o da Bíblia,
por definição.
O Quebra-Cabeças da Semântica
A questão semântica sempre teve um papel preponderante
nos negócios humanos, pois através do seu uso, ou abuso —
seja qual for o caso — muitas igrejas, tronos e até governos
têm-se levantado, permanecido no poder, e depois sido desti-
tu idos.
A melhor maneira de se utilizar a chave que poderá des-
vendar o segredo do jargão semântico das seitas é ilustrada
pelos fatos que narro a seguir, e que foram coletados nos meus
mais de trinta anos de pesquisa e trabalho prático junto a elas.
Uma típica seita não-cristã deve sua existência ao fato de
sempre utilizar a terminologia do Cristianismo, citar passagens
bíblicas (quase sempre fora de contexto), e colocar em sua es-
trutura doutrinária inúmeros “clichês” e termos evangélicos,
sempre que eles favorecem seus interesses. Até o presente, eles
têm obtido muito sucesso nessa tentativa de apresentar seu sis-
tema como sendo cristão.
Portanto, ao ter um confronto com um adepto de uma des-
sas seitas, devemos lembrar que estamos lidando com alguém
que está familiarizado com a terminologia cristã, e que a rein-
terpretou para que se harmonizasse com seu sistema teológico.
Um exemplo concreto dessa reinterpretação é o caso de
quase todas as seitas gnósticas que dão ênfase à cura, terem
Superando a Barreira da Linguagem 21

em comum um conceito panteístico de Deus (como por exem-


pio Ciência Cristã, Seicho-No-Iê, Rosacrucianismo, Escola
da Unidade, Novo Pensamento e outras).
Nos inúmeros contatos que tive com adeptos delas, pude
observar que faziam uso desse terrível labirinto semântico. Ge-
ralmente eles começam falando muito sobre Deus e Cristo.
Falam principalmente de amor, tolerância, perdão, sobre o
Sermão do Monte, e constantemente citam, fora de contexto,
a famosa passagem de Tiago: “A fé sem obras é morta”.(Tg 2.17.)
É interessante notar que esse indivíduo raramente aborda
questões como o problema do mal, a existência do pecado na
vida do homem, a necessidade da expiação vicária de Cristo
como a única forma de se obter a salvação dos pecados, por
intermédio da graça divina e mediante o exercício da fé. Aliás,
eles evitam tais assuntos como quem foge da peste, e se insis-
tirmos, só depois de muita relutância é que aceitam tocar neles.
Outro aspecto dessa manipulação semântica que deixa con-
fuso o crente que tenta evangelizar um membro de uma seita
é o volume de citações bíblicas que ele faz e o fato de dar a
impressão de que concorda com quase todos os argumentos
do cristão. Está sempre citando frases feitas, como “Nós cre-
mos assim também’’, “ Nós estamos de acordo nesse ponto”.
A solução desse difícil problema não é simples. O crente
precisa estar ciente de que, a cada termo ou doutrina bíblica
que ele mencionar, na mente do outro se acenderá como que
uma luzinha vermelha com a reinterpretação deles, e ele pron-
tamente dará sua explicação distorcida. Quando o crente per-
ceber que, embora o membro da seita aparente concordar com
a doutrina em discussão, na verdade discorda de sua concei-
tuação histórica e bíblica, estará começando a lidar de forma
correta com a terminologia da seita.
É muito simples para o adepto da seita espiritualizar e mo-
dificar o sentido dos textos e ensinos bíblicos, de forma a estar
em harmonia com a fé cristã histórica. Essa harmonia, porém,
é bastante superficial, e baseia-se numa ambivalência das pa-
lavras, que não passa pelo crivo do contexto e da gramática
bíblicos, e nem de uma exegese correta. Na verdade, a língua
é algo muito complexo; todos concordamos com isso. Mas há
um fato que ninguém nega: em um mesmo contexto cada termo
só pode ter um sentido. Ou aceitamos isso ou podemos preparar-
nos para negar todos os avanços da gramática e da erudição,
22 0 Império das Seitas ÍV

para voltar a escrever nas cavernas como nossos supostos an-


cestrais da idade da pedra. Para ilustrar melhor esse ponto,
vejamos como a experiência do dia-a-dia mostra o absurdo
da reinterpretação de termos nas diversas áreas de atividade
humana,
Se um advogado vai defender certo réu, precisa conhecer
bem as leis que regulam os procedimentos relacionados com
o julgamento, como a inquirição das testemunhas, o exame
das evidências, etc. Mas acima de tudo, ele precisa crer que
seu cliente é inocente. Se este diz ao seu advogado que co-
meteu uma contravenção e não um crime, está empregando
terminologia jurídica. Mas se 0 advogado descobrir depois que
o indivíduo modificou o sentido desses termos, atribuindo-lhes
o mesmo significado, ou deverá recusar-se a defendê-lo ou es-
clarecer essa terminologia perante o júri. Por definição, crime
é crime e contravenção é contravenção. Se alguém confessar
que roubou cerca de cem dólares (que seria um pequeno furto),
querendo dizer que foi mais ou menos cem dólares, sabendo
que na verdade foi mais de quinhentos (que é considerado pela
lei americana um roubo maior) está fazendo um joguinho que
a lei não admite. Certamente ele será punido por manipular
os termos jurídicos oficiais.
No âmbito da medicina, se um cirurgião anuncia que irá
proceder a uma cirurgia cardiovascular, mas em seguida, na
presença de colegas de profissão, faz a remoção da vesícula
do‫־‬paciente e depois defende-se dizendo que, no seu entender,
cirurgia cardiovascular significa remoção da vesícula, não irá
praticar medicina por muito tempo. A operação do coração
é uma cirurgia muito delicada. A remoção da vesícula, por
definição, é outra operação.
Tanto na medicina como na ciência jurídica, os termos são
aquilo que são, e pronto. E isso se aplica também a outras áreas
da atividade humana, como a economia e o comércio. Mas
para os adeptos de uma seita herética, as palavras, dentro de
um determinado contexto não significam aquilo que sempre
significaram. E assim como a Ordem dos Advogados e o Con-
selho de Medicina não tolerariam uma modificação no sentido
de termos num diagnóstico ou numa cirurgia, assim também
a igreja de Jesus Cristo tem todo o direito de não aceitar dis-
torções grosseiras e reinterpretações da terminologia bíblica
tradicional apenas para agradar a uma cultura e uma sociedade
Superando a Barreira da Linguagem 23

que não aceitam que haja um padrão ou critério absoluto para


a verdade, mesmo que essa verdade seja revelada por Deus
em sua Palavra, por intermédio do testemunho de seu Espírito.
As principais seitas modificam, sem o menor constrangí-
mento, o sentido de termos estabelecidos ao longo da História.
E depois respondem às interpelações dos teólogos cristãos com
esta argumentação sem sentido: “ Você interpreta do seu jeito,
eu interpreto do meu. Precisamos ter mente aberta. Afinal,
qualquer interpretação é boa”.
Portanto, não é de admirar que os cristãos ortodoxos se
sintam impelidos a censurar as distorções praticadas contra
uma terminologia definida e já de longa data aceita, e a afir-
mar que as seitas não têm base nem na Bíblia, nem na
lingüística, nem na escolástica para reinterpretar os termos bí-
blicos da forma como o fazem.
Espiritualizar os textos e doutrinas bíblicas ou tentar explicá-
los com frases obscuras é praticar desonestidade intelectual.
Não é incomum encontrar esta prática nas principais obras das
seitas. Seus adeptos ainda irão descobrir que o poder do Cris-
tianismo não se encontra em sua terminologia, mas no rela-
cionamento do indivíduo com o Cristo da revelação. Trata-se
do encontro do homem com seu Deus. Ele tem de se tornar
uma nova criatura em Cristo. Despir a terminologia cristã de
seu significado histórico só serve para criar confusão e nunca
diminuirá a força do evangelho, que é a pessoa do Salvador
a executar sua função vital: redimir o pecador pela graça divina.
O Cristo das Escrituras é divino e eterno, e não pode de-
saparecer ao simples toque do botão de uma reinterpretação
de termos, por mais bem feita que ela seja. Sempre que um
crente tiver um confronto com um adepto de uma seita, seja
ela qual for, deve manter-se ao conflito básico da terminologia
que certamente ocorrerá.

1. Novembro dc 1963.
- 3 _____________________________

A Estrutura
Psicológica
das Seitas

Durante meus contatos com os adeptos das seitas, obser-


vei que todos eles, embora diferentes entre si como indiví-
duos, possuem em comum certos traços psicológicos. Um es-
tudo atento dessas semelhanças revelou algumas tendências
interessantes.
Em primeiro lugar, e acima de tudo, o sistema doutrinário
das seitas se caracteriza por um fechamento da mente. Eles
não buscam uma avaliação cognitiva racional dos fatos. A cú-
pula da organização interpreta os fatos para os membros, ge-
ralmente invocando a autoridade da Bíblia ou do seu funda-
dor, como suprema fonte de suas afirmações. Esse sistema
de crença ocupa uma posição isolada; nunca adota uma co-
erência lógica. Essas crenças como que ocupam um compar-
timento fechado na mente do adepto, que, uma vez inteira-
mente submisso ao padrão de autoridade de sua organização,
nunca mais questiona nada, nem tem mais dúvidas.
Em segundo lugar, essas seitas se caracterizam também
por forte antagonismo pessoal contra os cristãos, já que as-
sociam seu desagrado pela mensagem cristã com o mensa-
geiro que adota crenças opostas às suas.
26 0 Império das Seitas IV

Teoricamente falando, se pudermos levar o adepto a fazer


distinção entre o indivíduo (isto é, a pessoa a quem ele se
mostra antagônico) e o ideário doutrinário dele (que é o ver-
dadeiro alvo do antagonismo), passaríamos a ser para ele ape-
nas uma fonte de informação objetiva, neutra, o que facilita-
ria o diálogo. Desse modo ele nos veria apenas como uma
pessoa que adota um pensamento teológico oposto ao dele,
mas que não se acha necessariamente numa posição de an-
tagonismo pessoal.
Essa medida pode ajudar a remover o sentimento de hos-
tilidade. Depois que o membro da seita, que recebeu lima
“ lavagem cerebral” psicológica por parte da organização (seja
a Sociedade Torre de Vigia, ou os livros de Mary Eddy, ou
os escritos de Joseph Smith e Brigham Young) aprende a acei-
tar um cristão em bases pessoais, separando as diferenças te-
ológicas, as possibilidades de uma boa comunicação aumen-
tam enormemente.
A quase totalidade das seitas ensina a seus discípulos que
todos aqueles que se opõem às suas crenças só podem estar
motivados por influência satânica, preconceitos cegos e grande
ignorância. Portanto, quando um deles encontra um cristão
que não corresponde a essa descrição, os resultados podem
ser excelentes. Um crente sábio, que dá mostras de não pos-
suir preconceitos, que se acha razoavelmente informado e de‫״‬
monstra um genuíno interesse pelo seu bem-estar (o que ele
percebe facilmente pela preocupação do crente com sua alma
e sua condição espiritual) pode conseguir derrubar os meca-
nismos de condicionamento de qualquer seita.
Em terceiro lugar, todas as seitas, quase sem exceção, apre-
sentam uma espécie de dogmatismo institucional e uma forte
intolerância para com qualquer outra forma de pensamento
que não a sua. Obviamente no caso das seitas não-cristãs que
desejam ser associadas ao Cristianismo, isso decorre do fato
de que a base de suas teses quase sempre é, como alegam
eles, de origem sobrenatural.
A história das seitas sempre começa com uma declaração
autoritária por parte do fundador ou fundadores. Após a morte
deles, ou mesmo durante sua vida, essa afirmação é institu-
cionalizada, tornando-se um dogma que exige do seguidor
uma confiança absoluta na autoridade sobrenatural daqueles
A Estrutura Psicológica das Seitas 27

que receberam a revelação inicial, que estaria contida em seus


escritos e pronunciamentos.
A questão da intolerância acha-se intimamente ligada ao
dogmatismo institucional ou autoritarismo. E as seitas que
adotam essa linha de ação mostram-se muito resistentes a mu-
danças e a influências externas, pois sua mola mestra é a con-
formidade absoluta, a ambigüidade, e o extremismo.
O quarto e último ponto a ser analisado em qualquer es-
tudo que se faça das seitas é o isolamento.
Nota-se dentro da estrutura das seitas não-cristãs a existên-
cia de crenças que, sem dúvida alguma, são logicamente con-
traditórias, e que em termos de diagnóstico psicológico seriam
classificadas como “compartimentalização”. Em seu clássico li-
vro, 1984, George Orwell define o fato como “duplo pensar”.
Rokeach ilustra esta questão de forma magnífica:
“Vemos muitos exemplos desse duplo “pensar” no dia-
a‫־‬dia: uma pessoa manifesta profunda aversão pela violência
mas ao mesmo tempo crê que em certas situações ela é jus-
lificável; outra afirma possuir uma imensa confiança no ser
humano, mas apesar disso crê que as massas são estúpidas;
alguém apoia a democracia, mas também defende a idéia de
que o país seja governado por uma elite intelectual; crê na
liberdade, mas acha também que certos grupos devem sofrer
limitações; acredita que a ciência não faz apreciações sobre
o que é certo ou errado, bom ou mau, mas vê distinção entre
uma teoria boa e outra que não é boa, entre um bom expe-
rimento e um experimento errado. Essas expressões de cren-
ças claramente contraditórias constituem uma indicação de
isolamento dentro do sistema... O supremo indicador é a ne-
gação frontal de que haja contradição. Esses indivíduos ne-
gam os fatos contraditórios de várias maneiras. Invocam ar-
gumentos como o do "absurdo” (“evidentemente, isso é
absurdo”) do "acaso”, da “exceção que confirma a regra",
e o de que “não temos acesso à verdade e as únicas fontes
de informação de que dispomos são tendenciosas”. 1
Acho que não poderiamos explicar esse fato de forma mais
clara no que diz respeito às seitas. O Dr. Rokeach colocou
o dedo bem na ferida. Todas as Testemunhas de Jeová estão
bem cientes de que a Sociedade Torre de Vigia, sob a lide-
rança do juiz Rutherford, afirmava que Abraão, Isaque e Jacó
voltariam à terra em 1925 (Milhões que Agora Vivem Jamais
Morrerão, p. 110/111), e chegaram até a comprar uma casa
28 0 Império das Seitas IV

para esses patriarcas — a “Bete Sarim” ou “casa de prínci-


pes”, em San Diego, Califórnia (Salvação, p. 276), E embora
eles estejam perfeitamente cientes de que os patriarcas não
apareceram na data marcada, ainda se apegam obstinadamente
aos mesmos princípios de interpretação profética pelos quais
chegaram às “revelações”, hoje invalidadas, recebidas pelos
líderes da organização. E não há dúvida de que ainda se acham
apegados a esses princípios, pois recentemente tiveram um
novo fracasso quando predisseram que a batalha de Armage-
dom ocorrería em 1975 (Vida Eterna — Na Liberdade dos
Filhos de D eus, p. 28/35). É claro que ela ainda não ocorreu,
mas as fiéis Testemunhas de Jeová continuam de porta em
porta, insistindo em falar das “revelações” que recebem por
intermédio da Organização.
Os historiadores e teólogos mórmons mais bem informa-
dos estão cientes de que da primeira edição do Livro de Mór-
mon para a atual houve pelo menos 3.913 mudanças (e se le-
varmos em conta as diferenças de pontuação serão mais de
25.000). A primeira edição já sofreu várias revisões, primeiro
por Joseph Smith, e depois por seus sucessores ao longo dos
últimos cento e cinqüenta anos. Contudo, tanto os dados re-
movidos como os atuais são apresentados como revelação di-
vina. Esse é outro exemplo da coexistência pacífica de con-
tradições claras dentro do sistema de crenças do mormonismo,
que permite o isolamento ou segregação de evidências ou con-
ceitos conflitantes.
Outro exemplo de contradição é o fato de que a Ciência
Cristã sabe, há muito tempo, que embora Mary Baker Eddy
criticasse violentamente a classe médica e os remédios, e afir-
masse que a dor, o sofrimento e as doenças fossem irreais,
em seus últimos anos de vida ela recebeu cuidados médicos,
tomou injeções de morfina para aliviar as dores, usava óculos
e extraiu dentes que cariaram. Contudo, a despeito disso, a
Ciência Cristã continua afirmando que são válidos todos os
ensinamentos dela, que na prática negam 0 que ela viveu. Eis
um exemplo clássico de isolamento que se encaixaria muito
bem com o ditado: “Médico, cura-te a ti mesmo!”
O Processo de Condicionamento Psicológico
Para concluir nossas observações nessa área pouco foca-
lizada nos estudos sobre as seitas, vejamos alguns exemplos
A Estrutura Psicológica das Seitas 29

de como o Mormonismo, a Ciência Cristã e as Testemunhas


de Jeová condicionam seus adeptos para reagir aos incrédu-
los, fora do seu círculo.
No caso das Testemunhas de Jeová, a literatura da Torre
de Vigia está repleta de exemplos de condicionamento psico-
lógico pelo qual, mediante um determinado estímulo, o in-
divíduo emite um tipo de reflexos religiosos.
“A classe clerical sempre se apresentou como a represen-
tante de Deus na terra. Satanás tomou posse da mente desses
homens e injetou nela doutrinas acerca de Jesus e seu sacri-
fício que eles estão ensinando há séculos. Esses ensinos têm
causado uma grande confusão. Os apóstolos ensinaram a ver-
dade, mas pouco depois da morte deles o diabo encontrou
algum sacerdote que se julgava muito sábio e capaz de en-
sinar melhor que os apóstolos inspirados.2
“Então, consciente ou inconscientemente, (essa classe) é
um instrumento nas mãos do deus deste século, Satanás, o
diabo, que a tem usado para cegar o entendimento do povo,
a fim de impedir que eles compreendam o grande plano de
salvação e reconciliação por Deus.” 3
Obviamente, a classe pastoral do Cristianismo é sempre
a vilã da história, sendo então, o alvo dessa “ira santa”. Mas
a Sociedade Torre de Vigia nunca explica a diferença entre
essa “ ira santa” e o velho e conhecido ódio. Deixam claro,
que o Cristianismo (todas as igrejas históricas), dirigido por
uma classe clerical corrupta, instilou na humanidade essa dou-
trina da Trindade, concebida por Satanás, bem como as dou-
trinas do inferno e do castigo eterno, sem que ninguém se
desse conta disso. Portanto, eles são sempre suspeitos em tudo,
e as doutrinas que ensinam foram inspiradas por Satanás, não
sendo dignas de crédito.
Não é de admirar, portanto, que Stanley High, uma pes-
soa sempre equilibrada e imparcial, tenha escrito o seguinte
em um artigo de Seleções do Reader's Digest, em junho de
1940:
“As Testemunhas de Jeová odeiam todo mundo e se esfor-
çam para que o sentimento seja recíproco... Eles fazem do
ódio uma religião”.
Para a Torre de Vigia, as doutrinas do inferno e do castigo
eterno, que provocam no homem o medo da punição, são “ab-
surdas”, e não se coadunam com o caráter de Deus. Portanto,
30 O Império das Seitas IV

tanto elas como a doutrina da Trindade são de origem satânica


e, sendo falsas, devem ser rejeitadas.
Em essência, 0 que eles fazem é atribuir um significado
controvertido a certos termos teológicos comuns (Trindade,
Divindade de Cristo, inferno, castigo eterno, Cristianismo,
alma imortal), e assim todas as vezes que esses termos são
mencionados, as Testemunhas de Jeová têm uma instantânea
reação de hostilidade.
A Torre de Vigia não hesita em acusar a classe ministerial
e o Cristianismo como um todo, de trazer todo tipo de males
ao mundo. Aliás, chegam ao ponto de insinuar que o Cris-
tianismo favoreceu as grandes guerras deste século, e não fez
nada para evitá-las.
“Se o Cristianismo quisesse, poderia ter facilmente evi-
tado a primeira e a segunda grandes guerras.”1‫־‬
Enquanto as Testemunhas de Jeová estão preocupadas com
o Armagedom, com a teocracia, com o “Tempo do Fim” e
com o “ódio puro”, os Mórmons têm outras preocupações
teológicas e psicológicas.
O cerne do sistema teológico mórmon é uma forte ênfase
à autoridade de que o grupo sacerdotal se acha investido, bem
como aos rituais e símbolos dirigidos pela hierarquia da igreja
Mórmon. Logo no início, um convertido mórmon aprendeu
que a chave da autoridade se acha em poder dos sacerdotes
e que uma das características da restauração da verdadeira
igreja de Jesus Cristo na terra é 0 fato de que os sacerdotes
existem e perpetuam essa autoridade.
Um mórmon fiel usa roupas de baixo simbólicas pelas
quais ele está sempre lembrando seus deveres como membro
do grupo. Se pensarmos ainda na forte ênfase dada ao batismo
para a remissão dos pecados, ao dízimo, e ao serviço missio-
nário voluntário, vemos como os seguidores ficam encerra-
dos dentro de um círculo fechado, homogêneo, do qual é pra-
ticamente impossível fugir, a não ser com sérias penalidades
espirituais e econômicas.
Todo mórmon é ensinado que sua seita é a verdadeira re-
ligião cristã; ou, usando seus próprios termos, é “a restauração
do cristianismo na terra”. Os ritos privados dos templos Mór-
mons os rituais associados com o batismo pelos mortos, os
apertos de mão secretos, os sinais e símbolos adotados, tudo
isso prende o membro da seita e seus familiares num laço
A Estrutura Psicológica das Seitas 31

que em Psicologia é chamado de “grupo social”. Quem não


for aceito nesse grupo não terá paz, nem gozará de prestígio,
nem terá posição na comunidade.
Da mesma forma, o mórmon que se converte ao Cristia-
nismo muitas vezes sofre perseguições nas regiões de maior
concentração de membros da seita. Se alguém incorrer no
desagrado dessa igreja pode facilmente perder seu ganha-pão.
Outro modo pelo qual os mórmons prendem seus fiéis é
seu programa de amparo social. Se um chefe de família perde
o emprego, sofre algum acidente ou morre, a igreja assume
o sustento da esposa e filhos. E esse amparo é tão eficiente
que durante a grande depressão econômica da década de 30
nos Estados Unidos, as famílias mórmons não passaram fome,
nem se viam filas para distribuição de sopa ou pão nas áreas
de domínio deles.
Outro aspecto do Mormonismo é apelar conscienciosa-
mente para o princípio bíblico de se ajudarem uns aos ou-
tros. Eles fazem empréstimos uns aos outros, trabalham uns
para os outros, e todos se esforçam no sentido de alcançar
o objetivo comum de transmitir o “cristianismo restaurado”
a toda a humanidade. Esses e outros pontos fortes da seita
fazem dela uma religião centrada na família, que associa
o sentimento religioso aos fortes laços de unidade e leal-
dade familiar. Isso cria uma espécie de coação e um intrin-
cado sistema de valores extremamente complexo, sobre o
qual se estabelece a estrutura teológica da igreja, que assim
se coloca como um alvo a ser alcançado para que o mór-
mon comum atinja a “exaltação” ou o avanço até a con-
dição de divindade.
Portanto, para um deles conseguir desvencilhar-se desses
diversos jugos e passar a caminhar com a liberdade de uma
genuína experiência com o Filho de Deus, deve possuir grande
coragem, já que sofre fortes pressões psicológicas, econômi-
cas e religiosas. Mas o fato é que um grande número está
tomando essa posição, nesse momento em que o Espírito Santo
continua a chamar do meio deles a igreja que é o corpo de
Cristo.
Diferentemente das duas seitas já analisadas, a Ciência
Cristã não está interessada em conferir a seus adeptos a di-
vindade (mormonismo), nem derramar sobre eles o pânico
escatológico do Armagedom (Testemunhas de Jeová).
32 0 Império das Seitas IV

A Ciência Cristã é uma engenhosa mistura do gnosticismo


do primeiro século, com a filosofia hegeliana do século XVIII,
mais 0 idealismo do século XIX, misturados a uma estrutura
de teologia cristã reinterpretada, na qual se dá ênfase à cura
física com base na questionável prática da negação da reali-
dade material e objetiva do corpo.
Na Ciência Cristã, faz-se total distinção entre o mundo
objetivo da realidade física (matéria), e o mundo espiritual
da existência sobrenatural (mente). Mary Baker Eddy ensi-
nava que o “homem como idéia de Deus já estava salvo, com
uma salvação eterna”.5
Portanto, o adepto da Ciência Cristã não precisa ver-se
como um pecador que necessita de salvação, pois crê que já
a possui pelo fato de que o “homem já está salvo”, porque
é um reflexo da mente divina.
A Ciência Cristã apresenta inquietantes aberrações psico-
lógicas. A Sr.a Eddy exigia que seus seguidores evitassem todo
contato com os elementos não-espirituais do ilusório mundo
material. Proibia que lessem “ literatura prejudicial”, para que
não se convencessem da realidade do corpo físico, de suas
enfermidades e dores e da inevitável morte.
Então o cientista cristão pratica uma repressão subcons-
ciente, e conscientemente remove da lembrança certos fatos
que perturbam toda a configuração dos padrões de condido-
namento psicológico. Ele é condicionado para não acreditar
na existência do mundo material, embora seus sentidos físi-
cos comprovem essa realidade. Está continuamente afirmando
que a matéria não existe de fato e, portanto, sofre de uma
espécie de esquizofrenia religiosa.
Um lado de sua personalidade dá testemunho da realidade
do mundo material e de sua inexorável decomposição, en-
quanto o condicionante processo da doutrina da Ciência Cristã
maneia de modo incessante em sua mente, afirmando que
a única realidade verdadeira é a espiritual ou mental, com
o objetivo de anular esse testemunho.
Poderiamos fazer ainda muitas outras observações, mas
falta-nos espaço. Minha esperança é que, se o leitor analisar
e estudar bem os vários aspectos do padrão de conduta das
seitas aqui debatidas, possa obter uma visão mais profunda
da estrutura psicológica dessas religiões, que continuam a in-
fluenciar uma parcela cada vez maior de cristãos professos,
A Estrutura Psicológica das Seitas 33

que se acham mal preparados para fazer frente aos perigos


e sutilezas dessas distorções psicológicas e teológicas.

1. Do livro The Open and Closed Mind, p. 36/37.


2. Reconciliation (reconciliação), de J. F. Rutherford.
3. Idem.
4. The Whtchtowcr (A Sentinela, versão americana), l.° de dezembro
de 1951.
5. Miscellaneous Writings, de Mary Baker Eddy.
É impossível estudarmos as seitas heréticas sem nos de-
frontarmos com as doutrinas da Igreja da Nova Jerusalém,
que embora seja relativamente pequena nos Estados Unidos
(cerca de 8.000 membros, divididos em duas convenções),
exerce forte influência nos círculos intelectuais eclesiásticos,
tanto nesse país como em outros. Em outros lugares, princi-
palmente na Inglaterra e nos países escandinavos, a seita so-
freu um certo declínio nos últimos anos. Seu rol de membros
no mundo todo acha-se em torno de 106.000 adeptos.
Enquanto a maioria das outras seitas foi criada por in-
divíduos que dificilmente podem ser considerado■ intelec-
tuais, nessa igreja isso não se dá. Seu fundad> :r. F.manuel
Swedenborg, foi um dos mais respeitados e bem dotados in-
telectuais de todas as épocas.
Swedenborg nasceu em Estocolmo, na Suécia, a 29 de
janeiro de 1688, e morreu em Londres a 29 de março de
1772, aos oitenta e cinco anos de idade. Seu pai, Rev. Jasper
Swedenborg, foi um notável ministro luterano, tendo chegado
à posição de capelão do rei da Suécia. Emanuel Swedenborg,
36 0 Império das Seitas IV

que depois iria tornar-se professor e deão da Universidade


de Upsala, era de linhagem nobre. Ainda jovem distinguiu‫־‬se
como matemático, mineralogista, engenheiro e inventor. Suas
contribuições para sua pátria — principalmente no campo das
finanças e da mineração — foram de tal ordem que em 1808,
trinta e seis anos após sua morte, seus restos mortais foram
retirados da Igreja Luterana da Praça Princes, em Londres,
e trasladados pela marinha sueca para repousar numa cate-
dral de Upsala. Cerca de dois anos depois, o rei e seus fa-
miliares, na presença de numerosos dignitários e lideres ecle‫״‬
siásticos, inauguraram um memorial a ele, homenagem votada
unanimemente pelo parlamento sueco.
Depois de se formar na Universidade de Upsala, Sweden-
borg passou quatro anos viajando pela Europa, tendo estado
na Alemanha, Holanda, Inglaterra e França. Nas horas de
folga, entre seus estudos, trabalhava em diversas invenções.
Seu biógrafo, William White, afirmou que, com seu gênio
inventivo, ele criou "um novo tipo de fogão, métodos de in-
dustrialização do sal, um revólver a ar comprimido com car-
tucho... e esboçou planos para uma máquina voadora e para
a construção de docas”. (Ver também Transactions o f the In-
ternational Swedenborg Congress — Atas do congresso inter-
nacional de Swedenborg — 1910.)
Além dessas invenções, desenvolvidas em uma fase de
grande criatividade, ele estava trabalhando ainda na produção
de um tipo de navio no qual se poderia descer abaixo da su-
perficie do mar e atacar com grande facilidade uma frota ini-
miga.
Após esse período de viagens pelo exterior, Swedenborg
escreveu vários livros, atraindo sobre si a atenção de seu so-
berano, o rei Carlos XII que, reconhecendo ser ele um gênio,
nomeou-o professor da Escola Sueca de Minas. Após a morte
do rei, ocorrida em 1718, ele se tornou membro do legislativo
de seu país. Na condição de assessor governamental de mi-
nas, teve oportunidade de viajar bastante por toda a Europa,
ampliando ainda mais seu já fabuloso domínio da filosofia,
das artes, da teologia e metafísica. E registrou essas experi-
ências minuciosamente em seu Diary o f Travel (Diário de via-
gens).
Swedenborg foi um homem que privou da companhia de
reis, príncipes, filósofos, matemáticos, engenheiros, astrôno-
Swedenborguianismo 37

mos e teólogos. Poucas pessoas atingiram o alto nível de re-


conhecimento e excelência de que desfrutou durante sua longa
vida, e esse reconhecimento se estendeu a vários campos da
atividade humana, um duradouro tributo ao seu brilhantismo
e grande capacidade intelectual.
O ano de 1745 constituiu um marco na carreira de Swe-
denborg como figura pública em muitas áreas de empreen-
dimentos, pois foi nessa ocasião que ele afirmou haver rece-
bido um chamado divino para ser “um vidente e um revelador
das coisas do mundo espiritual, e ao mesmo tempo da ver-
dade e doutrina espiritual que há por trás do sentido simbó-
lico e literal das sagradas Escrituras”. Entre os anos de 1743
e 1749, ele afirma ter recebido diversas visões celestiais e pas-
sado por períodos de tentações, e que culminaram com uma
intensa atividade literária. Foi então que escreveu obras como
Arcana Coelestia (Arcanos celestiais), The Earths in the Uni-
verse (As terras do universo), The White Horse o f the Apo-
calypse (O cavalo branco do Apocalipse), The Apocalypse Ex-
plained (O Apocalipse explicado), The Last Judgment (O juízo
final), The New Jerusalem and Its Heavenly Doctrines (A Nova
Jerusalém e a Sua Doutrina Celeste) e The Apocalypse Re-
vealed (Apocalipse Revelado).
E depois publicou as seguintes obras: The Angelic Wis-
dom Respecting the Divine Love and Wisdom (Sabedoria
angélica), 1763; The Angelic Wisdom Respecting the Divine
Providence (A Divina Providência), 1764; The Delights o f
Wisdom Concerning Conjugal Love?, 1768; A Re-fixed Posi-
tion Concerning the Doctrine o f the New Church, Signified
by the New Jerusalem in Revelation (Exposição Sumária da
Doutrina da Nova Igreja), 1769. Seu último trabalho foi The
True Christian Religion Containing the Universal Theology
o f the New Church, or Universal Theology and the New Church
(A Verdadeira Religião Cristã), 1771. Esse último, na verdade,
é um volume com todo o seu pensamento teológico.
Um grande conhecedor da obra de Swedenborg diz o se-
guinte a respeito dele:
“ Ele escreveu livros sobre álgebra, tendo sido o primeiro
a apresentar, em sueco, o cálculo diferencial e integral. Ou-
tros assuntos que abordou foram: um método para se calcular
a longitude em viagens marítimas utilizando a lua; moedas
e medidas decimais; o movimento e a posição da terra e dos
38 0 Império das Seitas IV

planetas; a profundidade do mar, expondo a questão de que


na antigüidade a força das marés era maior; docas, compor-
tas e salinas; química e geometria atômica... Escreveu algu-
mas obras sobre filosofia, mas não ficou satisfeito com os
resultados, e estudou anatomia e fisiologia, escrevendo sobre
esses assuntos... Quando estava com cinquenta e quatro anos
de idade, ele era provavelmente um dos mais cultos homens
de sua era. Via o saber como a prática de retirar conheci-
mentos do universo então conhecido. Uma pequena prova disso
foi o fato de Sir Hans Sloan, então presidente de nossa so-
ciedade real, tê-lo convidado para se tornar membro corres-
pondente dela.
“ Depois sucedeu algo curioso. Em 1743, ele experimen-
tou uma iluminação espiritual, acompanhada de tremores, vo-
zes, luzes. etc. Λ partir daí ele começou a ter acesso ao mundo
espiritual, ou pelo menos a achar que tinha. No período que
foi de 1749 a 1756, publicou em Londres seu livro Arcana
C o d e st ia , em quatro volumes, em formato de quarto. Mais
Uii de. produziu outras obras expondo suas doutrinas, que con-
sistiam principalmente de uma interpretação espiritual das
Escrituras, e em particular, dos livros de Gênesis e Êxodo.
Grande pane desses escritos pode parecer fantasiosa, mas seu
pensamento é sempre sistemático. Ninguém pode afirmar que
ele fosse louco. Ademais, em questões seculares, ele se mos-
trava muito arguto; em sociedade, era pessoa bastante agra-
dável. Além disso, no legislativo sueco, discutia finanças e
política como cidadão do Universo. E nos quinze anos se-
guintes ele continuou a escrever e publicar obras teológicas
num total de cerca de quarenta volumes.
“Para nós. porém, sua exposição das Escrituras — que
segundo ele cria, recebera diretamente de Deus e considerava
uma parle importante de sua obra — é de menor importância
do que suas experiências espirituais. A maioria delas está re-
gistrada em seu diário espiritual, do qual transcreveu partes
em sua obra teológica. Essas experiências têm reconhecida-
mente caráter tão extraordinário que, se vividas por um ho-
mem comum, este acabaria num manicômio. Swedenborg con-
versava — ou cria que conversava — com Lutero, Calvino,
Santo Agostinho e São Paulo, discutindo com eles questões
teológicas, discordando violentamenle deste último. Discutia
ainda com várias outras pessoas, entre as quais “um indiví-
duo que, segundo entendi, eia Cícero”.
“Tudo isso, embora provavelmente não possa ser consi-
derado alucinatòrio, é pelo menos muito perigoso. E seus $e-
guidores fizeram muito bem em não dar muito crédito a esse
Swedenborguianismo 39

material. Ele produziu escritos psicografados, ouviu sons do


mundo espiritual e viu palavras escritas mesmo com os olhos
fechados. Mas há registros de alguns incidentes que compro-
vam a realidade de tais experiências desse visionário, e que
nos fornecem razões para pensarmos um pouco antes de
explicá-las como criações subjetivas.”
Mais adiante, voltaremos a essa passagem. Mas creio já
ter demonstrado com clareza que Swedenborg foi uma pessoa
excepcional, cujo pensamento e influência, em seus dias, se
estenderam a diversos círculos. Frank Sewall resumiu esse
fato muito bem ao escrever o seguinte:
“Como aconteceu a muitos dos outros grandes intelectuais
do mundo, foi preciso que os anos se passassem para que
se visse a verdadeira importância de Swedenborg. Kant es-
condeu a dívida que tem para com ele, empregando uma lin-
guagem zombeteira em D ream s o f the Spirit-Seer (Sonhos
do visionário espiritual). Goethe manifestou claramente sua
gratidão a ele, e o seu Fausto revela muito da cosmovisão
de Swedenborg. Algumas Ce suas idéias estão permeando os
novos conceitos surgidos no pensamento religioso e filosófico
atual. Algumas delas são, por exemplo, o monismo trino, a
doutrina de que a unidade content em si mesma os três graus
essenciais, fim, causa e efeito: o grande homem ou a forma
da sociedade humana; o conceito de que o verdadeiro mundo
é o espiritual; o verdadeiro significado das Escrituras é o es-
piritual; Deus como o homem divino, visível e digno de ser
adorado na humanidade glorificada de Jesus Cristo; a dou-
trina de que o mundo é uma imensa série de tremulações pos-
tas em movimento pelo amor divino infinito, que se acha no
centro de tudo, e que são transmitidas a esferas e atmosferas
naturais e espirituais sucessivas e a tese de que o reino dos
céus é um reino para ser desfrutado — essas suas idéias estão
permeando todos os desenvolvimentos recentes do pensamento
filosófico e religioso. O preconceito teológico demonstrado
de início está dando lugar a um profundo respeito por ele.
Parece que já está próximo o momento em que se cumprirá
a profecia do próprio N.vcdcnborg, repetindo palavras de Sê-
neca: “ Haverá aqueies que julgarão sem atacar e sem favo-
recer.”*
Não concordo com Sewall acerca da aceitação do sistema
teológico de Swedenborg, que mais adiante examinaremos.
Mas ninguém pode negar que ele conquistou um lugar seguro
entre os intelectuais do mundo. Contudo o fato de que sua
40 0 Império das Seitas IV

posição teológica o coloca entre as seitas não-cristãs cons-


titui outra questão. Apesar de ter sido um gênio, seu con-
ceito sobre a Bíblia, sobre os escritos do apóstolo Paulo
e outros livros do Velho e do Novo Testamento o situa fo-
ra dos limites da teologia cristã. Isso se aplica não apenas
com relação ao cânone bíblico, mas também com relação a
doutrinas como a da natureza de Deus, da Santíssima Trin-
dade, da expiação efetuada por Jesus Cristo, da salvação e
ressurreição, É verdade que não podemos ignorar a pessoa
de Emanuel Swedenborg. Aliás, à medida que passam os anos,
sua influência vai-se ampliando cada vez mais, através da igreja
cuja criação ele inspirou e do renome que conquistou para
si. E essa influência precisa ser reconhecida e examinada à
luz do cristianismo histórico.
Escrevendo na Encyclopedia o f Religion (Enciclopédia
da religião), editada por Virgilius Ferm, o notável intelectual
Conrad J. Bergendoff disse o seguinte acerca da formação e
dos ensinos de Swedenborg:
“Em seus anos de estudante, Swedenborg sofreu influên-
cia de autores como Rudbeck, em Upsala, de Newton, Boyle,
Halley e Locke, em Londres, de Pblhem, na Suécia, da fi-
losofia cartesiana e do neoplatonismo de Cambridge,
“Principia (1734) explicava o universo em termos meca-
nísticos. D econom ia regni anim alis (1736), mostra o mundo
com uma visão mística. Agora 0 mundo não era tanto uma
máquina, mas um organismo. A anim a recebe iluminação
proveniente da fonte central de vida e luz na medida em que
a m ens passa a controlar a natureza física do homem. Existe
uma estreita correlação entre o mundo físico e o espiritual;
cada fenômeno natural é sombra de uma realidade espiritual...
esta idéia foi estendida à correspondência mística entre as
palavras e seu sentido intrínseco, o que mais tarde serviría
de base para sua interpretação espiritual das Escrituras, o meio
pelo qual a realidade divina foi comunicada à mente humana.
“ No ano de 1736, em Amsterdã, ele teve uma experiência
de fotismo. Em 1744, na mesma cidade e no ano seguinte
em Londres, teve visões que interpretou como revelações do
Criador-Redentor. Daí por diante, passou a pregar as verda-
des que recebera por visão direta, embora sua visão da Bíblia
apresentada em D e C ulm A m ore Dei (1745) contenha grande
parte da cosmologia e psicologia vista em suas obras ante-
riores. Mesmo suas visões foram mais uma confirmação de
suas reflexões do que a origem delas.
Swedenborguianismo 41

“Em The True Christian Religion (A verdadeira religião


cristã) 1771, ele apresenta suas doutrinas de forma sistemá-
tica. Nessa obra, rejeita as doutrinas da Trindade e da ex-
piação. A redenção consiste no fato de o Deus encarnado ter
derrotado as potestades do inferno. O homem, com seu livre-
arbítrio, tem capacidade para escolher e praticar o bem. Ao
morrer, ele passa para o mundo dos espíritos, ocasião em
que sobe à esfera celeste para se tornar um anjo, ou desce
ao inferno, e se toma um mau espírito. De acordo com seu
próprio método de interpretação das Escrituras, que ele con-
siderava inspirado, afirmava que o juízo tinha sido efetuado
em 1757 e que a segunda vinda de Cristo era sua vitória sobre
espíritos rebeldes. O mundo celestial tem seu correspondente
no humano, e mesmo o casamento encontra um significado
transcendental na união celestial de almas irmãs... As igrejas
ortodoxas devem desaparecer para dar lugar à Nova Igreja
(que, segundo ele, teve início em 1771, ao término da pro-
dução de The True Christian Religion), na qual os homens
receberão instrução correta acerca das verdades de Deus.”

A organização da Igreja da Nova Jerusalém ocorreu em


Londres, no ano de 1788, embora seus membros geralmen-
te situem sua fundação na segunda vinda de Cristo que, se-
gundo Swedenborg, ocorreu quando ele recebeu “a chave para
a intepretação das Escrituras”. Não há dúvida de que essa
sua revelação acerca do significado espiritual da Bíblia veio
a tornar-se a base doutrinária para a igreja que foi organizada
em sua homenagem.
A primeira convenção geral da igreja realizou-se em 1789.
Em 1821 foi organizada a “convenção geral dos ministros e
outros membros da nova igreja simbolizada pela Nova Jeru-
salém do Apocalipse de João”. Esse grupo que é particular-
mente britânico tinha, em 1926, setenta sociedades, com um
total de 7.100 membros.
Desde 1810, a Sociedade Swedenborg vem publicando um
grande volume de literatura, constituída principalmente de tra-
duções dos escritos dele. Hoje há ramos da igreja na África,
América do Sul, Rússia, Itália, Suécia e diversos outros países.
Nos Estados Unidos, a igreja foi organizada em Baltimore,
em 1792. Seu nome oficial, adotado em 1817, é “Convenção
Geral da Nova Jerusalém dos Estados Unidos”. As igrejas são
basicamente autônomas, sendo ligadas entre si por uma as-
sociação cooperativa dirigida por uma convenção geral que
42 O Império das Seitas IV

se reúne anual mente. E é sob os auspícios dessa convenção


que se processam a formação e ordenação de pastores para
o estabelecimento de missões, a programação dos cultos e a
forma de governo das igrejas, etc.
Como outras, a Igreja da Nova Jerusalém também tem ex-
perimentado dissenções internas, sendo que a principal ocor-
reu em 1890 quando a associação de Pensilvânia — que po-
deria ser chamada de “swedenborguiana fundamentalista” —
insistiu em que os escritos de Swedenborg fossem pratica-
mente considerados canônicos. Mas a convenção não aceitou
tal tese, e ela se desligou. Em 1897, esse grupo passou a ser
conhecido como “Igreja Geral da Nova Jerusalém”, que é pre-
sidida por um bispo, possui uma catedral e uma instituição
educacional em Bryn Athyn, na Pensilvânia.
Portanto a Igreja da Nova Jerusalém acha-se indissolúvel-
mente ligada aos ensinos de Swedenborg e à sua interpretação
da Bíblia. As mulheres podem tornar-se membros da igreja
aos dezoito anos de idade, c os homens aos vinte e um, desde
que tenham estudado os escritos de seu fundador durante seis
meses. A igreja utiliza os sacramentos do batismo e da co-
munhão, bem como as cerimônias de casamento e sepulta-
mento, tal como são observados na igreja cristã. A liturgia
oficial (que em alguns aspectos lembra muito o Livro de
Orações da igreja anglicana) e o modo de governo adotados
são iguais aos da Igreja Episcopal, com pequenas diferenças.
Então, pela perspectiva histórica, essas são as origens do
Swedenborguianismo, Entretanto, no que diz respeito à Te-
ologia, 0 quadro é bem diferente.
O Ocultismo de Swedenborg
Como se percebe na História que acabamos de ver,
Swedenborg se considerou de 1745 até sua morte, 0 vidente
que recebera uma nova revelação de Deus, a qual viera subs-
tituir as interpretações dos apóstolos, dos pais da igreja
e dos reformadores. Esse lato singular bem demonstra que
a modéstia não era uma de suas virtudes. J. Arthur Hill
mencionou um ponto facilmente demonstrável, isto é, o fato
de que Swedenborg dava grande importância a sonhos, visões
e às supostas mensagens recebidas dos espíritos e do mundo
espiritual, bem como às conversas que dizia manter com eles.
É sintomático que o grande apologista do espiritismo, Sir
Swedenborguianismo 43

Arthur Conan Doyle e outros espíritas, historiadores e teólo-


gos renomados afirmassem que Swedenborg era médium, que
praticava a clarividência e outros fenômenos ligados ao es-
piritismo. Ele mesmo nunca negou tais práticas. Portanto, quer
os seus seguidores concordem ou não, ele foi um verdadeiro
espírita no que diz respeito a grande parte de suas práticas
metafísicas e doutrinárias e a sua forma de pensar. Vamos
dar um exemplo de sua prática da clarividência para ressaltar
bem isso:

“Em setembro de 1759, Swedenborg, juntameme com mais


quinze pessoas, achava-se hospedado na residência de William
Castel, em Gottenburg, que fica a cerca de quatrocentos e
oitenta quilômetros de Estocolmo. Ele havia chegado ali às
quatro da tarde, regressando de uma viagem à Inglaterra.
Por volta de seis da tarde, ele saiu para fazer uma cami-
nhada, e retornou instantes depois bastante agitado e pálido.
Explicou que estava ocorrendo um perigoso incêndio em So-
dermalm, na capital sueca, que estava-se alastrando rapida-
mente. Disse ainda que a casa de um de seus amigos — cujo
nome citou — já fora destruída, e que a sua também corria
perigo de incendiar-se. As oito horas, depois de ter saído no-
vamente de casa. exclamou aliviado: “Graças a Deus! O in-
cêndio já foi debelado. O fogo parou a três casas da minha”.
A notícia provocou uma grande agitação na cidade... chegando
aos ouvidos do prefeito naquela mesma noite. No domingo
de manhã, ele convocou Swedenborg à sua presença, e
interrogou-o acerca do sinistro. O vidente fez a descrição do
incêndio, dizendo exatamente como se iniciara, quanto tempo
havia durado e como havia terminado. A notícia se espalhou
por toda a cidade, e como o prefeito achara que ela merecia
certa atenção, a preocupação geral aumentou considerável-
mente. Muitos estavam preocupados com seus amigos ou pro-
priedades... Na segunda-feira à noite, chegou a Gottenburg
um mensageiro da câmara do comércio, que partira da ca-
pitai exatamente no momento em que ocorria o incêndio.
Esse mensageiro trazia cartas com notícia sobre o fogo,
descrevendo-o exatamente como Swedenborg o descrevera.
Na terça-feira de manhã chegou à cidade um correio real com
um triste relato sobre a catástrofe, dando conta das perdas
por ela ocasionadas, das casas que tinham s.do destruídas
ou danificadas. A descrição era exatamente igual ü que o vi-
dente fizera no momento em que ele acontecia, pois o incên-
dio fora contido às oito horas.”
44 O império das Seitas IV

Além dessa extraordinária experiência de clarividência,


Swedenborg teve outra, em que se teria comunicado com um
embaixador holandês, já falecido. O “fantasma” dissera ao vi-
dente que sua viúva não deveria pagar certo serviço que lhes
fora prestado por um ourives, pois ele próprio já 0 pagara havia
vários meses. O recibo estava guardado em uma escrivaninha
que se achava num dos cômodos do andar superior da casa onde
ela morava. A senhora afirmava que já haviam dado uma busca
completa em todo o móvel e nada haviam encontrado. Mas
Swedenborg informou-a de que atrás da gaveta da esquerda ha-
via um compartimento secreto, e que o recibo se achava ali.
Seguindo as instruções dele, ela encontrou o documento exata-
mente como fora mencionado. Jung Stilling reconta esse episó-
dio em seu livro Theory o f Pneumotology, e Kant também o
narra em Dreams o f a Spirit Seer. O homem que “recebeu a
prova de Swedenborg” era amigo íntimo de Stilling.
Tal evidência de que Swedenborg se comunicava com o
mundo dos espíritos, numa violação direta dos mandamentos
explícitos da Escritura (Lv 19.31; 20.6) deveria ser suficiente
para que qualquer cristão consciente tenha dúvidas acerca
do seu sistema teológico, mesmo antes de examiná-lo na ín-
tegra. Mas felizmente não é preciso fazer uma análise exaus-
tiva de suas obras volumosas para nos convencermos de que
Swedenborg estava longe de ser cristão, e que certamente não
era um teólogo cristão.
Transcrevemos em seguida alguns trechos de seus escritos
fundamentais, que revelam seu pensamento acerca de alguns
aspectos da doutrina cristã. Nosso objetivo ao fazê-lo é
contrastá-los com os ensinos das Escrituras.

Doutrinas
I. As Sagradas Escrituras — A Palavra de Deus
“Quais são os livros da Palavra? Os livros da Palavra são
todos aqueles que contêm sentido interno. Os que não pos-
suem esse sentido não são da Palavra. Os livros da Palavra
no Velho Testamento são os seguintes: os cinco livros de Moi-
sés, Josué, Juizes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis, os Salmos de
Davi, os profetas Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, Oséias,
Joel, Amos, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque,
Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias. Os do Novo Testa-
Swedenborguianismo 45

mento são: os quatro Evangelhos, Mateus, Marcos, Lucas


e João, e também o Apocalipse. Os outros não possuem sen-
tido interno... o livro de Jó foi escrito na antigüidade e possui
sentido interno, mas não em alguns trechos...” (M iscellane-
ous Theological Works, de Emanuel Swedenborg.)

II. A Trindade Divina


1. “Essa doutrina, que é uma das diversas teses falsas...
como também o é a que diz respeito à pessoa de Cristo, jun-
tamente com todas as heresias que surgiram nos primeiros
séculos e chegaram até o presente, origina-se em um ensino
baseado na idéia de que existem três deuses. Dentro do li-
mitado espaço de que dispomos neste compêndio, não temos
condições de demonstrar isso, mas comprovaremos essa afir-
mação amplamente na própria obra.” {The Sw edenborg Epic,
de C. O. Sigstedt.)
2. “A partir da doutrina nicena da Trindade e da de Ata-
násio surgiu uma crença que distorceu toda a igreja cristã.
Pelos seus respectivos credos, nota-se que tanto a trindade
nicena como a de Atanásio são trindades de deuses.” {Ibidem.)
3. “ Depois disso, eles se puseram a deliberar acerca do
Espírito Santo. Antes disso já haviam exposto a idéia geral-
mente aceita acerca do Deus Pai, Deus Filho e do Espírito
Santo, segundo a qual Deus Pai está sentado nas alturas, tendo
à sua destra o Filho, e que ambos enviam o Espírito Santo
à terra para instruir e esclarecer a humanidade. Mas no mesmo
instante ouviu-se uma voz do céu, dizendo: “ Não podemos
suportar uma idéia formada sobre tal conceito... não existe
um Deus mediador, distinto dele (Jeová): e menos ainda um
terceiro Deus distinto dos outros dois da mesma forma que
uma pessoa se distingue de outras duas, ou como uma se dis-
tingue de outra. Portanto, remova-se essa primeira idéia, que
é horrenda e inconseqüente, e acate-se a que é certa e justa.
Assim vocês compreenderão claramente... Um Deus não pode
provir de outro Deus, ser gerado por ele, mas o que é divino
pode provir de um Deus? A essência divina não é uma só,
indivisível, e se a essência divina é Deus, portanto, ele não
é um só, indivisível?" Ouvindo essas palavras, eles se sen-
taram e por unanimidade acataram a conclusão de que o Es-
pírito Santo não é uma pessoa distinta dele, e por conseguinte
não é um Deus em si mesmo. Mas 0 Espírito Santo é a san-
tidade divina que provém e procede daquele que é o Deus
único e onipresente, o Senhor.” {M iscellaneous Tlteological
Works, op. cit.)
46 0 Império das Seitas IV

III. A Expiação Viçaria

1. “Quem não sabe que Deus é essencialmente compaixão


e misericórdia?‫ ״‬. e quem não vê que é uma contradição afir-
mar que a própria misericórdia ou a própria benignidade pode
restaurar o homem através da sua ira, tornar-se inimigo dele,
dar-lhe as costas, resolver condená-lo e ainda continuar sendo
o mesmo ser divino, o mesmo Deus? Seria difícil atribuir
tal atitude a um homem bom; somente um homem mau agi-
ria assim. Portanto não poderiamos dizer isso de um anjo
do céu. mas, sim, de um anjo do inferno. Então é simples-
mente abominável atribuir tais atos a Deus. Pelas declarações
de muitos padres, igrejas e concílios, desde as primeiras eras
da igreja até hoje, fica evidente que eles atribuem tal conduta
a Deus. Nota-se isso também a partir de inferências que ine-
vitavelmente decorrem de princípios originais para os seus
derivados, ou de causas para os seus efeitos, como da cabeça
para os membros. Tais idéias são, por exemplo, a de que ele
quer uma reconciliação; a de que ele se reconcilia por meio
do amor que tem pelo Filho, bem como pela sua mediação
e intercessão; a de que ele exigiu que sua ira fosse aplacada
pela visão dos extremos sofrimentos de seu Filho; para que
pudesse voltar a ter misericórdia e de certa forma se visse
constrangido a demonstrar isso, e assim, de inimigo que era,
passasse a ser amigo, e adotasse os filhos da ira como filhos
da graça. A idéia de que Deus pode imputar a justiça e os
méritos de seu Filho a um homem iníquo que lhe suplica isso
com base apenas na fé também é uma invenção humana, como
veremos na última parte desta obra.” (,Ibidem.)
2. ,'Uma coisa posso afirmar: sempre que os anjos ou-
vem alguém dizer que Deus, em sua ira, decidiu condenar
a raça humana, e que, sendo inimigo do homem, reconciliou-
se com ele por intermédio do seu Filho, como que por in-
termédio de outro Deus gerado por ele, eles sentem algo se-
melhante ao que sente uma pessoa com um problema esto-
macal que tem ânsias de vômito. Ao escutar tal coisa
comentam: “ Não há loucura maior do que dizer isso a res-
peito de Deus".” (Ibidem .)
3. "Fica evidente então que eles não crêem em outra forma
de salvação a não ser nessa experiência instantânea, decor-
rente de um imediato ato de misericórdia... pois removendo-
se a cooperação humana que se torna efetiva pelo exercício
da caridade praticada pelo próprio homem, a espontânea co-
operação humana que, segundo dizem, deve seguir-se à fé,
torna-se uma ação passiva, o que é um contra-senso, uma
Swedenborguianismo 47

contradição. Supondo-se que assim fosse, o que mais seria


necessário além desta oração momentânea e imediata: “Salva-
me, Senhor, pelos sofrimentos de teu Filho, que lavou meus
pecados em seu próprio sangue para apresentar-me puro, justo
e santo perante o teu trono”? E essa frase pode ser dita até
mesmo na hora da morte, se não fora feita antes dela, como
base para a justificação do indivíduo. Mas a verdade é que
essa salvação instantânea, efetuada por um imediato gesto da
misericórdia divina até hoje tem sido uma perigosa serpente
ardente dentro da igreja. Como se pode ver em minha obra
sobre a Providência Divina publicada em Amsterdã em 1764,
com base nisso, a religião é abolida, a segurança espiritual
é apresentada ao homem e a condenação imputada ao Senhor."
(Ibidem .)
4. “Assim vemos a importância das palavras do Senhor
em Marcos: “Quem crer e for batizado será salvo; quem po-
rém, não crer será condenado.” (Mc 16.16.)
“O termo crer nesse texto significa reconhecer o Senhor
e receber as verdades divinas que ele nos dá através de sua
Palavra. Ser batizado significa ser regenerado pelo Senhor
por meio dessas verdades... A partir daí fica claro o sentido
das seguintes palavras do Senhor: “Quem não nascer da água
e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus.” Isso quer
dizer que, quem não for regenerado pelas verdades da fé e
por uma vida em conformidade com elas, não pode ser salvo...
e que a regeneração é efetuada por intermédio das verdades
da fé e por um viver orientado segundo essas verdades... Por-
tanto, aqueles que são batizados devem lembrar-se de que
o batismo não comunica a quem o recebe nem fé nem sal-
vação, mas dá testemunho de que eles receberão fé e serão
salvos se forem regenerados.” (Ibidem .)
IV. O Destino do Homem
1. “O homem possui um lado interior que nunca morre...
todo homem possui esse lado interior. Sua parte exterior é
o meio pelo qual ele pratica os atos relacionados com sua
fé e amor. A parte interior é o espírito e a exterior é o corpo.
O exterior, o corpo, acha-se estruturado de modo a atuar no
mundo natural, e por ocasião da morte, ele é rejeitado ou
abandonado. Mas o interior, o espírito, que é constituído de
forma a atuar no mundo espiritual, nunca morre. Após a
morte, esse lado interior continua a existir. Se a pessoa foi
boa durante o tempo em que viveu neste mundo, ela se torna
um bom espírito e um anjo. Mas se durante sua vida ela vi-
veu em maldade, após a morte torna-se um mau espírito...
48 O império das Seitas IV

Após a morte do corpo, o espirito do indivíduo aparece no


mundo espiritual numa forma humana em tudo semelhante
a do mundo natural... com a diferença de que não possui
o corpo material que tinha no mundo. Esse corpo é abando-
nado por ocasião da morte, e ele nunca mais 0 recupera. E
essa continuação da vida que devemos entender como ressur-
reição. A razão por que muitos crêem que não ressuscitarão
de novo antes do juízo final, quando então, supõem eles, toda
a criação será destruída, é que não entendem a Palavra, e
homens sensuais acreditam que só existe vida no corpo, e
acham que, se o corpo não reviver, o homem não pode exis-
tin” (ibidem .)

Refutações a Swedenborg
As cartas de Paulo, e principalmente os capítulos 5 a S
de Romanos, nos fornecem argumentos para refutar com toda
segurança as teses de Swedenborg que, aliás, votava forte
aversão a esses textos. Procurando limitar a revelação neotes-
tamentária apenas aos Evangelhos e ao livro de Apocalipse,
ele expõe a falha básica de seu sistema doutrinário. Eviden-
temente achava-se bem ciente de que o ensino de Paulo, aceito
ao pé da letra, invalidava o seu. Então partiu da premissa bá-
sica de que ele estava certo e o apóstolo errado. Ele afirmava
inclusive que em suas visões e sonhos discutia com Paulo,
Lutero, Cal vino e outros. E como o seu ego triunfou, todos
esses grandes pensadores se retrataram diante das novas re-
velações recebidas por ele, Swedenborg.
Entretanto, há um ponto que não podemos perder de vista.
É o seguinte: o Novo Testamento é o crivo pelo qual devem
ser avaliadas todas as revelações posteriores a ele. E tudo que
não estiver de acordo com ele tem de ser, e é, rejeitado pela
igreja cristã.
Swedenborg teria agido melhor se tivesse lembrado que
as interpretações dos sonhos e visões e de tudo que diz res-
peito à dimensão espiritual “pertencem a Deus” (Gn 40.8),
e que a Bíblia está sempre nos advertindo a não aceitar outro
evangelho, mesmo que seja revelado por “um anjo vindo do
céu” (G1 1.8,9), duas questões que, ao que parece, ele igno-
rou. O apóstolo Pedro, que sempre se acha em harmonia com
Paulo, admoesta a igreja a lembrar-se sempre de que “nunca
jamais profecia foi dada por vontade humana, entretanto ho-
mens [santos] falaram da parte de Deus movidos pelo Espí­
Swedenborguianismo 49

rito Santo” (2 Pe 1.21). Mas como Swedenborg não cria na


pessoa do Espírito Santo, é fácil compreender por que rejei-
tou essa revelação divina.
Como a maioria das outras seitas não-cristãs e seus lide-
res, Swedenborg atacou violentamente a doutrina da Trindade.
Ao que parece não percebia que caíra em contradição quando
afirmava que Jesus era Jeová, ao mesmo tempo em que ne-
gava a tri-unidade de Jeová, que a Bíblia ensina claramente,
tanto no Velho como no Novo Testamento (ver Gênesis 1.26;
Isaías 6.8; Zacarias 12.10; Lucas 1.35; Mateus 3.16,17; Mateus
28.19, etc.)
O Dr. Charles Hodge, o grande teólogo da Universi-
dade de Princeton, reconheceu os perigos da doutrina de
Swedenborg, os quais resumiu muito bem, com o estilo con-
ciso que lhe era peculiar. Diz ele:
“A respeito de Deus, ensinava que ele não tinha apenas
essência, mas também forma, a qual era humana. Chamava-
o de “eterno Deus-Homem”. Dizia que existem dois tipos
de corpo, o material e o espiritual. Além do cotpo físico,
o homem possui também um corpo interior, espiritual, que
possui todos os órgãos do físico, e assim sendo pode ver, ou-
vir e sentir. Ao morrer, ele abandona o corpo exterior, e a
partir daí a alma atua através de sua vestimenta espiritual ou
etérea. É isso que ele entende como ressurreição. E como
para ele o espiritual corresponde ao material, aqueles que
se conheceram no mundo físico poderão reconhecer-se mu-
tuamente no mundo porvir. Esse aspecto de sua tese antro-
pológica acha-se associado à sua doutrina de Deus. Pois as-
sim como a alma, por sua natureza, cria para si mesma um
corpo pelo qual possa atuar... assim também a essência de
Deus cria para si um corpo espiritual para que possa
manifestar-se exteriormente.
“Como existe apenas uma essência divina. Swedenborg
afirmava que só pode haver uma pessoa divina. Ele consi-
derava a doutrina da Trindade um triteísmo. Admitia a Trin-
dade de princípio, mas não de pessoas. Assim como a alma
e o corpo constituem uma só pessoa e neles se originam toda
a atividade exterior, assim também, em Deus, o humano e
o divino são o Pai e o Filho, numa só pessoa. O Espírito
Santo é apenas a força que emana deles ou sua influência
santificadora.
“Com relação ao homem, ele ensinava que o ser humano
foi criado à imagem de Deus, sendo uma criatura de natureza
50 0 Império das Seitas IV

muito elevada. Via o relato bíblico da queda do homem como


uma alegoria sobre a apostasia da igreja. Contudo reconhecia
que o homem é pecaminoso e já nasce com a tendência para
o mal, mas não perdeu a capacidade de praticar o bem. Por
causa disso, precisa ser remido. O ser humano pode ser li-
berto do mal não apenas porque possui liberdade moral, mas
também por ter um corpo espiritual interior, através do qual
pode se comunicar com os seres espirituais... Ele próprio
dizia que havia conversado com Deus e com anjos, bons e
maus. Para ele, anjos eram homens que já haviam morrido.
Não cria na existência de outros seres inteligentes, além do
homem.
“Ensinava que Cristo era Jeová, o único e verdadeiro Deus
vivo, o Criador, preservador e soberano do universo. Como
esse ser divino era Deus e homem desde a eternidade, ele
assumiu um corpo material com sua vida física no ventre da
Virgem Maria, ao encarnar-se ou manifestar-se em carne.
Foi esse corpo que cresceu, sofreu e morreu. No caso dos
homens comuns, o corpo material permanece para sempre
no túmulo. O corpo de Cristo, porém, foi sendo pouco a pouco
aperfeiçoado e gloríficado, até que se tomou um corpo es-
piritual e eterno. Essa idéia de que Cristo possuía dois cor-
pos não representa o pensamento de Swedenborg.
“A obra redentora de Cristo não consistiu do fato de ele
levar sobre si, na cruz, os nossos pecados, nem cumprir
o que a justiça divina exigia em relação aos nossos delitos.
Swedenborg rejeitava toda e qualquer idéia de cumprimento
das exigências da justiça de Deus. A obra de salvação é to-
talmente subjetiva. A justificação é a concessão do perdão
àquele que se arrepende. Os Filhos de Deus se tornam justos
interiormente, e, uma vez santificados, são aceitos na presença
de Deus e dos santos espíritos no céu.” (System atic Theology,
Charles Hodge.)

Essa análise do Dr. Hodge sobre Swedenborg é bastante


acurada. Negando a pessoa do Espírito Santo, como já men-
cionamos, ele e seus seguidores se situam não apenas fora
dos limites da doutrina cristã histórica, mas também numa
posição diametralmente oposta ao ensino claro da Palavra de
Deus.
Quando 0 apóstolo Pedro estava tratando do pecado de Ana-
nias e Safira, afirmou explicitamente que o Espírito Santo é
uma pessoa a quem se pode mentir, como o casal havia feito.
E a verdadeira dimensão do pecado por eles praticado só po-
Swedenborguianismo 51

deria ser avaliada quando se compreendia que eles não tinham


mentido “aos homens, mas a Deus” (At 5.4,5).
Além desse, existem ainda muitos outros textos do Novo
Testamento que comprovam que o Espírito Santo é uma pessoa.
Quanto à negação da expiação vicária de Cristo, não pre-
cisamos preocupar em fazer uma refutação, já que há muitos
textos claros sobre o assunto, tais como Isaías 53, Mateus 20.28,
Marcos 10.45 e 1 Pedro 2.24.
No capítulo cinco da carta aos romanos, o apóstolo Paulo
ressalta a função de Cristo como o “segundo Adão”, que mor-
reu por nós, “sendo nós ainda pecadores”. No capítulo 15 de
1 Coríntios, ele demonstra a realidade da ressurreição do corpo,
ensinando que Cristo é o arquétipo dessa ressurreição. (Ver
também Colossenses 1.15-18; 1 Tessalonicenses 4.13-17; 2 Tes-
salonicenses 1.) Ao contrário da idéia de Swedenborg, que
o corpo de Cristo não ressuscitou em carne e osso, e que o
homem não irá tomar parte na ressurreição, com os remidos
recebendo a imortalidade e os ímpios, o castigo eterno, a Bí-
blia está cheia de textos acerca desse evento histórico, se bem
que futuro. O próprio livro de Apocalipse, que ele tanto apre-
ciava, refuta de forma cabal essa posição, pois ensina exata-
mente o que ele negava, isto é, que haverá a ressurreição de
justos e ímpios (Ap 20.1-14), evento que acontecerá na mesma
ocasião da “ manifestação da glória do nosso grande Deus e
Salvador Cristo Jesus” (Tt 2.13).
Bem ao contrário do que Swedenborg ensinava, a segunda
vinda de Jesus Cristo não se deu no século XVIII, a Nova
Jerusalém ainda não desceu do céu da parte de Deus, nossa
ressurreição ainda não ocorreu, e o juízo final nem começou,
nem foi consumado. Apesar de sua grande capacidade e re-
conhecida inteligência, Swedenborg se acha, em muitos pon-
tos, em clara oposição aos ensinos da Palavra de Deus e de-
monstra isso de maneira bastante singular. E o mais estranho
é que o apóstolo Paulo, que ele não tolerava, descreveu muito
bem esse tipo de mentalidade:
“Porque não me enviou Cristo para batizar, mas para pre-
gar o evangelho; não com sabedoria de palavra, para que se
não anule a cruz de Cristo. Certamente a palavra da cruz é
loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos
salvos, poder de Deus. Pois está escrito: Destruirei a sabe-
doria dos sábios, e aniquilarei a inteligência dos entendidos.
52 O Império das Seitas IV

Onde está o sábio? onde o escriba? onde o inquiridor deste


século? Porventura não tornou Deus louca a sabedoria do
mundo? Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o
conheceu por sua própria sabedoria, aprouvc a Deus salvar
aos que crêem, pela loucura da pregação. Porque tanto os
judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria; mas
nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus,
e loucura para os gentios; mas para os que foram chamados,
tanto judeus como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus
e sabedoria de Deus. Porque a loucura de Deus é mais sábia
do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que
os homens. Irmãos, reparai, pois, na vossa vocação; visto
que não foram chamados muitos sábios segundo a carne, nem
muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento; pelo con-
trário, Deus escolheu as cousas loucas do mundo para en-
vergonhar os sábios, e escolheu as cousas fracas do mundo
para envergonhar as fortes; e Deus escolheu as cousas hu-
mildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são,
para reduzir a nada as que são; a fim de que ninguém se van-
glorie na presença de Deus. Mas vós sois dele, em Cristo
Jesus, o qual se nos tornou da parte de Deus sabedoria, e
justiça, e santificação, e redenção, para que, como está es-
crito: Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor." (1 Co
1.17-31.)

Poderiamos continuar refutando um pouco mais 0 pensamento


de Swedenborg, mas acreditamos já haver demonstrado os fatos
claramente, e 0 verediío das Escrituras também está bem claro.
Swedenborg era racionalista, e paradoxalmente também
era místico. Ele havia absorvido a filosofia introspectiva e sub-
jetiva de René Descartes, mais 0 empirismo de John Locke,
aos quais ele somou o transcendental is mo de Kant. Com eles
criou uma espécie de fôrma, na qual, por assim dizer, der-
ramou a doutrina cristã, rejeitando aquilo que não se encai-
xasse nela (partes do Velho Testamento, as cartas de Paulo,
Tiago, Pedro e Judas, o livro de Atos, etc.). Dessa mistura
saiu um sistema doutrinário filosófico especulativo, envolvido
numa terminologia cristã distorcida, e apoiado em visões, tran-
ses e sonhos místicos. Essas coisas — corroboradas por suas
experiências de clarividência, como a do incêndio de Esto-
colmo, já mencionada — conferiam credibilidade às suas afir-
mações, e ainda hoje continuam a iludir muitas pessoas con-
sideradas inteligentes.
Swedenborguianismo 53

Escrevendo à igreja de Colossos, o apóstolo Paulo did-


giu-lhe uma advertência que os seguidores de Swedenborg
precisariam conhecer:
“Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua fi-
losofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, con-
forme os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo: por-
quanto nele habita corporalmente toda a plenitude da
Divindade.” (Cl 2.8,9.)
A grande tragédia de Emanuel Swedenborg foi que ele
não quis submeter-se e a sua grande inteligência ao ensino
do Espírito Santo e das Escrituras. Por causa disso e por causa
de seu grande interesse pelo espiritismo e ocultismo, deso-
bedecendo a um ensino expresso de Deus, ele foi enredado,
como diz Paulo. Foi iludido por sonhos e visões e pelas ar-
timanhas daquele que as Escrituras definem como o “espírito
que agora atua nos filhos da desobediência” (Ef 2.2b).

1. Spiritualism: Its History, Phenomena and Doctrine (Espiritualismo,


sua história, fenômenos c doutrina), de J. Arthur Hill.
2. Frank Scwall cm The New Schaff-Herzog Encyclopedia o f Religious
Knowledge (A nova enciclopédia Schaff-Herzog sobre conhecimento rcli-
gioso), Samuel M. Jackson, editor.
3. Conrad Bcrgcndoff cm Encyclopedia o f Religion (Enciclopédia da
Religião), Virgilius Fcrm, editor.
4. Vcr Darstellung Des Lebens mul Charakters; transcrito cm Dreams
o f a Spirit Seer (Sonhos de um vidente). Vcr também Documents Concern-
ing Swedenborg (Documentos acerca de Swedenborg), de Tafcls.
5. De modo geral, não é considerada uma boa prática bíblica utilizar
uma passagem questionável — como é o caso de Marcos 16.16 — para se
basear nela uma doutrina. De acordo com os melhores c mais antigos ma-
nuscritos do Novo Testamento, a última parte do Evangelho de Marcos
foi intcrpolada apôs a conclusão original do livro. Swedenborg c seus “fan-
tasmas" deviam citar textos bíblicos de autenticidade inquestionável!
O termo “Teosofía”, empregado para designar um sistema
religioso, vem do grego theosofia, e significa literalmente “sa-
bedoria divina”. Mas por definição de J. H. Russell, os en-
sinos dessa seita
“são ao mesmo tempo religiosos, filosóficos e científicos...
(postulando) um princípio eterno, imutável e onipresente, que
é a base de todas as manifestações. Desse único ser provém
periodicamente todo o universo, manifestando as dualidades
espírito e matéria, vida e forma, positivo e negativo, “os dois
polos da natureza entre os quais o universo vai sendo criado”.
Esses dois aspectos acham-se indelevelmente unidos. De modo
que toda matéria possui vida, e toda vida procura expressar-
se através de uma forma. Todo tipo de vida acha-se funda-
mentalmente unido à do Ser supremo, e por isso contém em
gérmen todas as características da fonte de que se origina.
Assim sendo, a criação é apenas o desdobramento dessas po-
tencialidades divinas que se realizam mediante as condições
encontradas em cada reino da natureza. O universo visível
constitui meramente uma pequena parcela desse campo de
evolução”.
56 0 Império das Seitas IV

Então, logo de início, podemos definir a Teosofia como


uma apresentação panteísta do velho gnosticismo, que procura
reunir verdades filosóficas, científicas e religiosas encontra-
das em todas as fontes filosóficas e religiosas.
Pelo que dizem os teosofistas, a Sociedade Teosófica “é
um crescente sistema de pensamento, resultante de cuidado-
sos estudos e pesquisas” ; e mais, “é nada menos que o ali-
cerce sobre o qual se assentam todas as fases do pensamento
e da atividade humana”.1
Esse elevado ideal sonha com a irmanação de todas as cren-
ças ou com uma religião homogeneizada — se é que podemos
empregar esse termo aqui — na qual todos os homens acei-
tem, total ou parcialmente, as teses básicas da Teosofia. Nesse
aspecto, ela se assemelha a outras seitas como 0 Espiritismo,
Baha’ismo, os Rosacruzes e o “Eu Sou l Am” (Centro Es-
piritual de Vahali).
É claro que, em teoria, sem levar em conta as Escrituras,
a idéia é até interessante. Mas observando-se a natureza hu-
mana, evidentemente decaída, como se pode perceber pela
História, e como revela a Bíblia, logo nos convencemos de
que tal conceito é utópico, um absurdo embuste teológico.
Como religião, a Teosofia contraria praticamente todas as
doutrinas básicas da fé cristã. Também não encontra apoio
no Judaísmo. Tem algumas analogias com o Islamismo, mas
nenhuma com a maioria das outras religiões existentes, a não
ser o Budismo e o Hinduísmo. Tanto o Cristianismo como
o Judaísmo e o Islamismo, todos confessam crer num Deus
pessoal, na ressurreição corporal e na autoridade das escri-
turas do Velho Testamento. A Teosofia rejeita todas essas dou-
trinas e, no entanto, continua a apresentar-se como a “ reli-
gião unificadora e conciliadora”.
É interessante observar que a Teosofia revela grande ad-
miração pelo Gnosticismo, uma seita antiga, que se desen-
volveu nos três primeiros séculos da era cristã, e quase con-
seguiu causar danos irreparáveis à fé cristã. Todos os grandes
teólogos concordam em que a carta de Paulo aos colossenses
e o livro de 1 João dão respostas diretas aos argumentos dessa
seita. Eles espiritualizavam o Velho Testamento, modificavam
o sentido da terminologia cristã, substituíam o Deus da re-
velação bíblica por um Deus impessoal, e reduziam Jesus Cristo
às proporções de um semi-deus, ou de uma emanação pan-
Sociedade Teosófica 57

teística da divina essência, que não pode ser conhecida pelo


homem. Mas o conhecido escritor teosofísta L. W. Rogers
ignora o ensino do Espírito Santo, e as advertências dos após-
tolos Paulo e João. Diz ele:
“A causa da grande controvérsia que houve no mundo in-
telectual no final do século XIX foi o antagonismo existente
entre o pensamento científico e o religioso. Se a igreja cristã
não tivesse se afastado de suas doutrinas iniciais, o conflito
não teria existido. Os filósofos gnósticos, que constituíam o
coração e o intelecto da igreja, possuíam um conhecimento
tão fiel dos fatos que nunca iriam entrar em conflito com ne-
nhum postulado científico. Mas infelizmente eram em nú-
mero bem inferior aos ignorantes, e a autoridade passou toda
para as mãos destes. Assim foi inevitável que ocorresse um
desentendimento.”
Vemos que os teosofistas admiram profundamente os gnós-
ticos, e isso não deve surpreender-nos, já que adotaram grande
parte da terminologia e do vocabulário dessa seita que des-
prezava o aspecto material do mundo e do homem, falava de
um Deus impessoal, e de vários planos de progressão espi-
ritual que culminavam com a salvação e reconciliação univer-
sais por meio da reencarnação, e adotava o conceito da vida
como uma roda, que sem 0 menor constrangimento copiaram
do Budismo. A Teosofia não hesita em afirmar:
“Deus e o homem são duas fases de uma mesma vida
e consciência eterna, que é o nosso universo. A idéia da ima-
nência de Deus é a de que ele é o universo, embora seja tam-
bém um pouco mais do que isso. O sistema solar é uma ema-
nação do Ser Supremo, assim como as nuvens são uma
emanação do mar. Por esse conceito, o homem é parte de
Deus, e possui potencialmente em si todos os atributos e po-
deres do Ser Supremo. É a noção de que tudo que existe é
Deus, e c!ue a humanidade é uma parte dele, uma fase do
seu Ser.”
Pela doutrina teosófica, existem no universo sete planos
distintos. O mais denso deles é o físico. O seguinte na or-
dem é o plano astral, e acima desse há o mental. Depois vêm
quatro planos superiores de natureza espiritual. Mas esses
ainda são “ meros nomes”, que apenas os iniciados e adeptos
podem conhecer. Naturalmente o homem possui um corpo
físico, um mental e um astral. Mas no atual estágio da evo-
58 O Império das Seitas IV

lução cósmica, esses chamados corpos espirituais superiores,


com algumas exceções, ainda estão aguardando organização/'
Mais adiante veremos as conexões disso com as doutrinas
básicas do Cristianismo. Mas não há dúvida de que, em re-
lação à teologia bíblica, essas fantasias hipotéticas, saturadas
de uma terminologia e conceitos gnósticos, só podem causar
conflitos.
Origem Histórica
Uma das estranhas peculiaridades das seitas heréticas é
o fato de que ou foram iniciadas por uma mulher ou sofreram
forte influência de uma pessoa do chamado “sexo frágil”. Senão
vejamos: Ciência Cristã: Mary Baker Eddy; Unidade: Myr-
tie Fillmore; Espiritismo: irmãs Fox; Testemunhas de Jeová:
Marie Russell; TeosoFia: Helena Blavatsky e Annie Besant;
Movimento Missão de Paz (Pai Divino): Irmã Penny e Fiel
Mary (Viola Wilson).
Foi uma mulher que fundou essa moderna versão das fi-
losofias hindu e budista, conhecida em nossa era como So-
ciedade Teosófica.
Até onde sabem os mais renomados estudiosos do assunto,
o termo “Teosofia” surgiu no terceiro século, com um notável
pensador da época, Amônio Sacca, que foi mestre de Plotino,
o grande filósofo romano. Portanto, a Teosofia já é bem an-
tiga, e remonta ao Oriente, mais precisamente à índia. Os
Upanixades e os Vedas, os livros sagrados do Hinduísmo, cons-
tituem a base para grande parte de suas doutrinas. Outros es-
critos que influenciaram fortemente a formação da Teosofia
foram os de Gautama Buda e dos primeiros escritores gnósticos,
A Teosofia alega ser uma religião universal, com natureza
própria. Mas um estudo atento de sua eclética origem revela
que grande parte de sua “teologia original” provém de fontes
facilmente identificáveis. A história da Teosofia moderna na
América tem início com as atividades de uma jovem senhora
russa, de fortes inclinações místicas, Madame Helena Blavatsky,
no ano de 1875, em Nova Iorque. Helena Petrovna nasceu em
Ekaterinoslav, na Rússia, em 1831. Era filha de Pedro Hahn,
da família Von Hahn, da Alemanha. Ainda bem jovem, com
a idade de dezessete anos. Helena Petrovna casou-se com um
general czarista de nome Blavatsky, homem nobre de grande
cultura, mas vários anos mais velho que ela. É do conheci­
Sociedade Teosófica 59

mento geral que Helena era pessoa de gênio violento e exal-


tado. Pelo menos um de seus biógrafos afirma que ela se ca-
sou com o General Blavatsky apenas para “espicaçar” sua
governanta, mulher de língua ferina, que num momento de
raiva havia dito que nem aquele velho cavalheiro se casaria
com uma megera como Helena. Diga-se em favor da jovem
que logo se arrependeu da sua vingança contra a governanta,
mas a essa altura já havia enredado o general, e foi obrigada
a concordar com o casamento.6
Pouco depois de separar-se do marido, Helena passou a
fazer longas viagens, o que eventualmente propiciou-lhe um
contato com religiões místicas. Entregou-se então ao estudo
dessas crenças, no Tibete, índia, Egito, Cuba, Canadá, Te-
xas, Lousiana, terminando por fim em Nova Iorque. Nessa
cidade ficou tempo suficiente para fundar em 1875, a Socie-
dade Teosófica, juntamente com o Coronel H. S. Olcott e com
W. Q. Judge, dois fervorosos devotos.
Em 1879, Madame Blavatsky mudou-se dos Estados Uni-
dos para a índia, e depois para Londres, onde veio a falecer
em 1891. Em 1895, W. Q. Judge dividiu a Sociedade, e depois
viu sua organização também se subdividir em dois ramos:
“ Universal Brotherhood and Theosophical Society” e “The
Theosophical Society in America”.
A Sr.a Blavatsky tinha um alto apreço por Judge que as-
sumiu a chefia da Sociedade Teosófica Ariana, da qual foi
presidente até seu falecimento em 1896. Madame Blavatsky
fundou também a Escola Teosófica de Londres em 1888. Du-
rante suas viagens pela índia e Inglaterra influenciou forte-
mente uma mulher de nome Annie Besant, que iria assumir
as rédeas do movimento após a morte dela, de Judge e da
sucessora deste, Catherine Tingley.
Helena Blavatsky era uma mulher de alta estatura e porte
imponente, com um olhar penetrante, quase hipnótico. En-
quanto viveu, dirigiu firmemente os teosofistas, e sob muitos
aspectos, até após a morte através de seus escritos, principal-
mente Vie Secret Doctrine (A doutrina secreta), que ainda
hoje os teosofistas mais ardorosos consideram interpretações
divinamente inspiradas ou instruções oraculares.
Annie Besant (1847-1933) foi a mais importante dentre as
principais celebridades teosóficas da Inglaterra, e estava des-
tinada a tornar-se um brilhante astro no firmamento político
60 0 Império das Seitas IV

da índia. Dentre suas inúmeras realizações, contam-se a


fundação do Colégio Central Hindu, em Benares, no ano de
1898, e a da Liga Diretora do Lar Indiano, em 1916. Em 1917
foi eleita presidente do Congresso Nacional da índia, sendo
quase sempre considerada uma figura importante na política
desse país.
Em 1889, a Sr,a Besant, que era natural de Londres, ficou
fascinada pela personalidade de Madame Blavatsky e seus en-
sinos, e daí por diante tornou-se uma devota discípula sua.
Cria firmemente nos ensinamentos de Madame Blavatsky. Seus
escritos, os que melhor apresentam as verdadeiras doutrinas
da seita, contêm altos elogios à vidente russa.
A própria Sr.a Besant também tinha algumas esquisitices,
com uma visão excessivamente espiritualizada da vida e da
religião. Isso ficou evidenciado em 1925, quando reivindicou
para seu filho adotivo, Krishnamurti, um místico indiano, o
título de “líder messiânico e reencarnação do mestre mun-
dial”. Entretanto, 0 novo messias abdicou dessa honra a 20
de novembro de 1931, em Krotana, Califórnia, onde ficava
a sede do ramo americano da Teosofia.
A Sr.a Besant morreu em 1933 e a presidência da So-
ciedade passou às mãos de George Arundale e C. Jinara
Jodosa.’
Devemos lembrar que o apóstolo Paulo ordenou rigoro-
samente que a igreja primitiva proibisse que as mulheres usur-
passem a autoridade de seu cabeça masculino, e que sempre
que há necessidade é mais correto 0 homem assumir as po-
sições de liderança.
"A mulher aprenda em silêncio, com toda a submissão,
E não permito que a mulher ensine, nem que exerça autori-
dade sobre o marido; esteja, porém, em silêncio. Porque pri-
meiro foi formado Adão, e depois Eva. E Adão não foi ilu-
dido, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão.”
(1 Tm 2.1114‫־‬.)
Estudando-se as seitas, tanto as antigas como as moder-
nas, vê-se claramente que 0 ministério de ensino exercido pe-
las mulheres tem cumprido de forma exata o que Paulo previu
em seus dias por revelação divina, dando como resultado, como
a História tem mostrado, confusão, divisão e contenda. Isso
aconteceu com todas, desde Johanna Southcutt até Mary Ba-
ker Eddy, Helena Blavatsky e as irmãs Fox. Todas elas são
Sociedade Teosófica 61

uma prova viva da validade do que Jesus disse: “Ora, se um


cego guiar outro cego, cairão ambos no barranco” (Mt 15.14b).
A Doutrina Cristã e a Teosofia
Pelo que ensinam as publicações teosóficas, cujos prin-
cipais autores são Madame Blavatsky, a Sr.a Besam, I. C.
Cooper, A. P. Sinnet, L. W. Rogers e C. W. Leadbeater, existe
uma grande confraria de “mahatmas” ou “ mestres” que cons-
tituem exemplos de reencarnações altamente desenvolvidas,
e que habitam um espaço nos extremos do distante Tibete.“
Esses seres divinos tomaram posse de Madame Blavatsky, e
através dela procuraram alcançar as gerações que vivem atual-
mente sobre a terra, dando-lhes as grandes verdades das re-
ligiões do mundo, por eles restauradas, e que haviam sido
corrompidas pela humanidade. A esse quadro extremamente
imaginoso, os teosofistas acrescentam os sete planos de de-
senvolvimento pelos quais todo homem deve passar para ehe-
gar ao céu deles, o “ Devachan”.
Em última análise, o conceito de céu dos teosofistas se
harmoniza com o nirvana do Budismo. Neste, a personalidade
ou alma do indivíduo é absorvida por uma alma universal
e eventualmente perde a consciência de si mesma. Os teoso-
fistas também possuem seu inferno, que, por mais estranho
que possa parecer, assemelha-se ao purgatório da religião ca-
tólica, onde a alma passa por torturas indescritíveis e vários
graus de degradação. O nome desse estado intermediário, onde
as almas mortas sofrem pelos pecados cometidos enquanto
aguardam a reencarnação ou a oportunidade de passar a viver
em um novo corpo, é “ Kâma-Loka”. Nesse lugar, a atmosfera
é sombria, pesada, lúgubre. deprimente em dimensões
inimagináveis... aquele que está carregado de paixões malig-
nas revela em si todas elas. Seus apetites bestiais dão formas
bestiais a seu corpo astral. A “ vestimenta” mais apropriada
para uma alma humana bestial é uma forma animalesca re-
pulsivamente humana. No mundo astral, ninguém pode ser
hipócrita e camuflar seus pensamentos indignos sob uma capa
de aparente integridade. Aquilo que uma pessoa é ela revela
em sua forma e sua aparência. Se tiver uma mente nobre,
sua aparência será de radiante beleza; se tiver uma natureza
vil, terá uma hediondez repulsiva”.’
Ao contrário do que ensina o Cristianismo com relação
62 O Império das Seitas IV

à redenção e ao castigo pelos pecados, a Teosofia só fala de


perdão para os pecados com base em milhares e milhares de
reencarnações, pelas quais 0 homem avança em direção ao
“ Devachan” Quanto ao castigo pelo pecado ou rebelião do
homem, eles só apresentam os terrores do “Kâma-Loka” A
Sociedade Teosófica afirma que possui três objetivos básicos,
que são os seguintes: “Primeiro, formar um grupo fraternal
da humanidade, sem distinção de raça, credo, sexo, casta ou
cor. Segundo, estimular o estudo de religiões, Filosofia e ci-
ência comparadas. Terceiro, pesquisar as leis da natureza ainda
desconhecidas, e os poderes latentes do homem. Para que um
indivíduo se torne afiliado da sociedade tem de concordar pelo
menos com o primeiro deles; os outros dois são opcionais.
A sociedade não possui dogmas nem credos, é totalmente as-
sectária, e reúne em suas fileiras fiéis de todas as crenças e
mesmo quem não tem crença nenhuma. A única exigência
que faz a seus membros é a de que tenham para com as cren-
ças de outros a mesma tolerância que deseja eles tenham para
com a sua”.‫״‬
Portanto, a Teosofia não exige de ninguém fidelidade ab-
soluta a nenhuma religião ou líder religioso, e opõe-se reso-
lutamente a qualquer forma de dogmatismo, e em particular
ao que foi revelado pelo Filho de Deus quando disse: “ Eu
sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai
senão por mim” (Jo 14.6).
Deus e o Homem na Teosofia
Semelhantemente à Ciência Cristã, à Unidade e outras sei-
tas panteístas, a Teosofia vê Deus em termos estritamente im-
pessoais, ao mesmo tempo em que afirma que o homem, num
sentido espiritual, é parte de Deus. L. W. Rogers explicou
isso da seguinte maneira:
‘Ό homem é uma imagem de Deus em essência divina,
poder latente e espiritualidade potencial, pois é parte dele.
Essa idéia acha-se clarameníe explicitada nos Salmos, com
a afirmação: “Sois deuses”. Se o conceito de imanência de
Deus é correto, então o homem é um fragmento da conscí-
ência do Ser Supremo, um deus em embrião, e acha-se des-
tinado a desenvolver seus poderes latentes e chegar à expres-
são perfeita. Jesus falou claramente dessa unidade de vida...
A humanidade é parte de Deus, assim como as folhas de uma
Sociedade Teosófica 63

árvore são parte dela, não como algo que a árvore criou, no
sentido em que o homem cria uma máquina, mas no sentido
em que elas são algo que emana dela, são uma parte viva
da árvore. Isso é uma verdade irrestrita. Somente nesse sen-
tido foi que Deus criou o homem. A humanidade é um “ramo”
do Ser Supremo, algo que cresceu a partir dele, que emanou
dele, uma expressão da evolução dele... Isso fica mais sim-
pies se pensarmos no sistema solar como uma emanação do
Ser Supremo, como algo que foi gerado a partir de uma vida
central, ou como uma expressão dessa vida, que dá origem
aos seus dois pólos que conhecemos como consciência e ma-
téria. A alma humana é um fragmento individualizado dessa
vida divina... é literalmente uma centelha do fogo divino e
nela se acham, em estado latente, as características da luz
original. O conceito teosófico de alma é o de que ela é lite-
ralmente uma emanação de Deus, e sendo portanto da mesma
essência, fica entendido por que os teosofistas afirmam que
o homem é um deus em processo de criação.”
Ainda em consonância com essa posição, a Sr.a Besant
afirmou certa vez que “o homem é uma inteligência espiri-
tual, um fragmento da divindade revestido de matéria” “.
Krishnamurti, o filho adotivo dela, também disse que todos
nós somos parte de Deus e precisamos sondar-nos profunda-
mente para encontrar no fundo de nosso ser o Deus que há
em nós.
Esses conceitos panteístas da divindade foram tirados da
tríade mortal: Hinduísmo, Budismo e Gnosticismo. E se al-
guém se admira de a Teosofia ainda empregar terminologia
cristã, é só lembrar que usando os termos da religião cristã
eles conquistarão com mais facilidade a mente do homem oci-
dental, do que se falarem a linguagem daquelas três seitas.
Essa é a razão óbvia por que eles utilizam a terminologia cristã,
cujo sentido, aliás, modificam.
Com respeito à divindade de Cristo e a sua singular po-
sição de Salvador do mundo, a Teosofia afirma que todos os
homens por nascimento são divinos, e “portanto, com o tempo,
todos se tornam cristos” 1'.
Contudo, a mais clara exposição da crença teosófica com
relação a isso foi a que deu Rogers, sumarizando-a como se
segue.
“A maioria dos leitores concorda em que existiu de fato
um líder mundial, que ficou conhecido como o Cristo, e que
64 O império das Seitas IV

ele fundou uma religião há cerca de 2.000 anos. E por que


pensam assim? Respondem que Deus amou tanto ao mundo
que mandou seu filho, o Cristo, para dar a ele luz e vida.
Se isso é verdade, não podemos deixar de pensar que ele ou
seus antecessores devem ter vindo ao mundo muitas vezes
antes disso. A crença de que ele veio apenas uma vez só se
harmoniza com a errônea idéia de que Gênesis é fato e não
uma alegoria... Sempre que tem inicio uma nova era na evo-
lução da humanidade, vem ao mundo um mestre mundial,
numa encarnação voluntária, e funda uma religião que se
adapta às exigências dessa nova era. A humanidade nunca
fica sozinha, tateando nas trevas. Tudo que ela pode aprender
e pôr em prática lhe está sendo ensinado nas diversas reli-
giões. Desde que a humanidade começou a existir têm apa-
recido, em tempos propícios, os mestres mundiais, os cris-
tos, os salvadores da era... Diante desses fatos, como fica
a afirmação de que Deus amou tanto o mundo que mandou
seu filho para socorrer a humanidade há dois mil anos, mas
nunca havia mandado antes? O que dizer das centenas de mi-
IhÕes de seres humanos que viveram e morreram antes disso?
Será que ele não se importava com eles? Ele socorreu a hu-
manidade só nesses dois mil anos, e deixou-a no esqueci-
mento durante milhões de anos? Alguém acredita que Deus,
com sua grande compaixão mandou apenas um mestre mun-
dial só para ensinar durante um período tão curto... Se Deus
amou tanto o mundo que mandou seu filho dois mil anos atrás,
deve tê-lo mandado antes várias vezes, ou então mandou al-
gum antecessor dele. Os “super-homens” não são mitos, nem
fantasias da imaginação humana. São tão naturais e verossí-
meis quanto os seres humanos. Seguindo o progresso normal
da evolução, nós também chegaremos à estatura deles, e fa-
remos parte de suas fileiras, enquanto a humanidade mais
atrasada que nós irá alcançando a posição em que nós nos
encontramos hoje. E nós‫־‬no$ elevaremos, assim como eles
se elevaram. Nosso passado foi a “noite" desse processo evo-
lutivo. O presente é o alvorecer dele, Nosso futuro será o
meio do dia... E esse o magnífico futuro que os teosofistas
vislumbram para a raça humana "
A Bíblia contém muitas passagens que refutam esses con-
ceitos anticristãos sobre Deus e o Senhor Jesus. Ela apresenta
de forma insofismável a personalidade de Deus e a divindade
de Cristo bem como outras verdades que os teosofistas ne-
gam. O Deus da Bíblia criou o homem, e é uma Pessoa dis-
tinta e à parte dele (Gn 1.27). É uma personalidade consciente
Sociedade Teosófica 65

(Êx 3.14; Is 48.12; Jo 8.58). É um Deus trino; são três pessoas


distintas: Pai, Filho e Espírito Santo, mas numa só essência
ou natureza (Dt 6.4; G1 3.20). O Deus da Bíblia não é o mesmo
da Teosofia. Jesus Cristo não pode ser redefinido de modo
a tornar-se congênitamente divino, “de modo que, com o tempo
todos os homens se tornarão cristos”.11‘ Essas extravagâncias
que os teosofistas têm de fazer para obter noções tão incon-
cebíveis não se harmonizam nem com as regras da língua,
nem da lógica nem da teologia bíblica.
Contudo, ao despersonal izarem a Deus, os teosofistas se
esquecem de que o homem é um ser consciente, que reflete,
e que é criado por Deus, em sua imagem divina espiritual,
embora se encontre degradado por causa do pecado. Então,
como é possível atribuir à criatura algo que o Criador não
possuiría, isto é, uma personalidade? Será que temos de crer
que a criação, embora seja parte da divindade, é superior a
ela nesse aspecto, isto é, o de possuir personalidade e cons-
ciência de si? Para empregar a analogia criada por Rogers,
será que a centelha é maior que a chama, o raio do sol maior
que a fonte de onde ele provém? Claro que não! Então o ho-
mem também não é maior que Deus. Se o homem possui per-
sonalidade e consciência do eu, e isso os teosofistas não ne-
gam, então Deus, por definição, deve ser uma personalidade,
um eu consciente, uma verdade que não pode ser negada ainda
que incompreensível.
A Bíblia contém muitas evidências a esse respeito, apre-
sentando a personalidade de Deus por meio dos atributos que
somente uma pessoa pode manifestar. E esses traços o distin-
guem definitivamente desse Deus panteístico pintado pela Te-
osofia, que, por definição, não pode desempenhar tais atos.
1. Deus se lembra. “ Eu, eu mesmo, sou o que apago as
tuas transgressões por amor de mim, e dos teus pecados não
me lembro.” (Is 43.25.)
2. Deus cria. “ No princípio criou Deus o céu e a terra.”
(Gn 1.1.)
3. Deus conhece — isto é, possui mente. “O Senhor co-
nhece os que lhe pertencem.” (2 Tm 2.19.) “ Eu é que sei que
pensamentos tenho a vosso respeito, diz o Senhor.” (Jr 29.11.)
4. Deus é um Espírito Pessoal. “ Eu sou o Deus Todo-
poderoso: anda na minha presença, e sê perfeito.” (Gn 17.1.)
66 O Império das Seiras IV

5. Deus (em vontade. “ Eis aqui estou para fazer, ó Deus,


a tua vontade.” (Hb 10.9.)
Por esse breve esboço dos atributos de Deus, o leitor pode
ver claramente a grande diferença que existe entre o Deus
e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, e 0 Deus impessoal da
Teosofia. O Deus dos teosofistas não é um ser com perso-
nalidade. Ele não lembra, não cria nada, não tem vontade,
não conhece nada, pois não se trata de uma pessoa, mas de
algo impessoal, um princípio abstrato e panteísta, e não o Deus
da revelação divina.
A Teosofia comete um erro grave comum a todas as seitas
gnósticas. Ela faz distinção entre Jesus e Cristo. Para ela, Je-
sus é apenas o homem exterior, e Cristo uma consciência di-
vina imanente a ele e a todos os homens, em grau maior ou
menor. Os teosofistas não vêem a Jesus como o Cristo da re-
velação divina, um ser distinto do Cristo imanente a todos
os homens. Eles não entendem que 0 termo Cristo (no grego,
Christos) é um título, que corresponde ao vocábulo hebraico
Messias. Ele não é uma força, uma essência, uma centelha
divina, como se pode ver logo ao consultar um bom dicio-
nário grego. O apóstolo Pedro afirmou isso, ao fazer sua con-
fissão de fé, registrada no capítulo 16 de Mateus: “Tu és o
Cristo, o Filho do Deus vivo” (16.16). E João nos lembra que
“Quem é o mentiroso senão aquele que nega que Jesus é Cristo?
Este é o anticristo, o que nega o Pai e o Filho” (1 Jo 2.22).
Creio ser desnecessário insistir mais nesse ponto, pois a
doutrina cristã sempre afirmou que Jesus de Nazaré é o Cristo,
o Ungido redentor enviado por Deus, e ele mesmo Deus (Is
9.6; Mq 5.2; Jo 1.1, 14, 18; Cl 2.9; Ap 1.16; Is 44.6, etc.).
Ele é a segunda pessoa da Trindade, e não uma emanação
da essência impessoal que os teosofistas chamam de Deus.
Por isso, a Teosofia não pode ser considerada uma religião
cristã. Na verdade, ela é a antítese da doutrina cristã histórica.
E com relação ao longo arrazoado de Rogers que citamos
anteriormente e ao argumento de que Deus deve ter enviado
outros “mestres mundiais" para atender às exigências da re-
denção da humanidade, tudo não passa de mera especulação
e acha-se em contradição direta com a declaração que Cristo
fez:
“Em verdade, em verdade vos digo: O que não entra pela
porta no aprisco das ovelhas, mas sobe por outra parte, esse
Sociedade Teosófica 67

é ladrão e salteador. Aquele, porém, que entra pela porta,


esse é pastor das ovelhas. Para este o porteiro abre, as ove-
lhas ouvem a sua voz, ele chama pelos nomes as suas pró-
prias ovelhas e as conduz para fora. Todos quantos vieram
antes de mim, são ladrões e salteadores; mas as ovelhas não
lhes deram ouvido. O ladrão vem somente para roubar, ma-
tar. e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham em
abundância.” (Jo 10.1-3, 8, 10.)
Na epístola aos romanos, Paulo diz que Deus se revelou
a centenas de milhões de seres humanos com os quais Rogers
se acha tão preocupado, e que, diante dessa revelação, eles
“ inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos, e mudaram
a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de
homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e rép-
teis. Por isso Deus entregou tais homens à imundícia pelas
concupiscências de seus próprios corações, para desonrarem
os seus corpos entre si; pois eles mudaram a verdade de Deus
em mentira, adorando e servindo a criatura, em lugar do Cria-
dor, o qual é bendito eternamente. Amém” (Rm 1.22-25).
E por causa disso, diz o apóstolo, Deus os abandonou a paixões
infames, de modo que tendo conhecimento de Deus não
o glorificaram como Deus... antes se tornaram nulos em seu
próprio raciocínio, obscurecendo-lhes o coração insensato”
(Rm 1.21).
Assim, é evidente que a humanidade sempre teve um tes-
temunho da graça e do amor de Deus. Mas em todas as oca-
siões em que ele se manifestou, seja por sua lei, por seus
profetas e, finalmente, por seu Filho, os homens responderam
com violência, com o mal e com pecados em todos os graus
possíveis, e portanto são indesculpáveis, e merecem a con-
denação eterna.
A idéia da condenação não é grotesca como Rogers su-
gere; pelo contrário; é bem coerente com o caráter de Deus
e com seu julgamento da natureza humana depravada (Rm
3.23). O fato é que os teosofistas se negam a enxergar as atro-
cidades que a humanidade tem cometido, até mesmo em nos-
sos dias, como os horríveis campos de concentração nazista,
0 encarceramento seletivo, as torturas, os assassinatos come-
tidos pelos regimes comunistas, e outras práticas que dão tes-
temunho da degradação da natureza humana. Ao que parece
eles crêem que quando Adão pecou (uma alegoria!) a raça
68 0 Império das Seitas IV

caiu “para o alto”, uma condição que todos os fetos da His-


tória negam claramente.
É verdade que Deus amou o mundo tanto que deu seu Fi-
Iho unigênito. Mas não é verdade que ele tenha muitos Filhos,
que eles tenham vindo muitas vezes, e que Cristo era apenas
um dentre muitos deles. Ele próprio negou isso, e com uma
autoridade bem superior à que qualquer Rogers, ou qualquer
teosofista possa exibir (Jo 12.44-50).
A Expiação Vicária
A TeosoFia não somente se opõe ao verdadeiro ensino bí-
blico sobre a natureza e personalidade de Deus, e sobre a di-
vindade de seu Filho, mas também nega veementemente o
sacrifício vicário de Cristo por nossos pecados (1 Jo 2.2),
Uma das mais concisas exposições do pensamento teosó-
Fico nessa questão é a de L. W. Rogers. Diz ele:
“Por trás da velha doutrina da expiação vicária existe uma
verdade bela e profunda, mas que foi deturpada, sendo trans-
formada num ensino falso e egoísta. Essa verdade natural é
o sacrifício do Logos Solar, a divindade do nosso sistema.
Sacrificar-se significa limitar-se, passar a viver à maneira dos
mundos existentes, e é exemplificado pelo sacrifício de Cristo
e de òutros grandes mestres. Não se trata de sacrificar a vida,
mas de retornar voluntariamente a um corpo material para
viver dentro dos limites dele. Ninguém melhor do que os te-
osoFistas oferece ao Cristo o tributo de uma reverente gratidão.
Também concordamos com o apóstolo Paulo quando ele diz
que temos de desenvolver nossa própria salvação. Se não fosse
por esse sacrifício, a raça humana ainda estaria muito abaixo
do nível evolutivo em que se acha. A ajuda que esses grandes
seres espirituais têm prestado à humanidade é inestimável,
e sem dúvida alguma acha-se acima de nossa compreensão.
Mas daí a crer que esse sacrifício tenha livrado o homem
da necessidade de desenvolver sua natureza espiritual, ou que
ele de alguma forma anule sua responsabilidade pelos males
que praticou, é aceitar uma doutrina falsa e perigosa,,.
“É verdade também que nós sabemos que qualquer crença
que não estiver em harmonia com os fatos da vida é errada...
o argumento vital contra esse plano de salvação é que ele
não leva em conta a responsabilidade pessoal do indivíduo.
Ensina que sejam quais forem as ofensas que ele possa ter
cometido contra Deus e os homens, elas podem ser cance-
ladas pelo simples fato de esse alguém crer que outrem so-
Sociedade Teosófica 69

freu e morreu para que seus pecados fossem perdoados. A


idéia de que os erros cometidos por um possam ser repara-
dos pelo sacrifício de outrem é uma doutrina ímpia. É sim-
piesmente espantoso que tal crença tenha sobrevivido à Idade
Média e continue a ser aceita por milhões de pessoas nestes
dias em que a mente humana se mostra mais esclarecida.
"Aquele que deseja obter sua felicidade às custas da ago-
nia de outrem não é digno do céu, e mesmo que fosse para
lá, nem o reconhecería.
"Não vale a pena estar num céu cheio de pessoas que vêem
a expiação vicária como uma solução muito conveniente para
que eles entrem ali tranquilos, com a maior facilidade. Esse
lugar seria um reino de egoísmo; não seria absolutamente
um céu... A tese da reencarnação demonstra nossa divindade
inerente, e o método pelo qual algo que se acha em estado
latente se realiza plenamente. Em vez dessa desprezível crença
de que podemos jogar nossos pecados em cima de outrem,
a tese faz da responsabilidade pessoal a tônica da vida. É
a ética do auto-aprimoramento. É o código moral da auto-
confiança. É a religião do respeito próprio!”

A incoerência dos teosofistas só é menor do que seu evi-


dente desrespeito pela validade de termos estabelecidos tanto
em filosofia como na religião. Eis um exemplo clássico do
que queremos dizer com isso. Rogers está querendo que os
cristãos acreditem que “ninguém melhor do que os teosofis-
tas oferece ao Cristo o tributo de uma reverente gratidão”.
Mas ao mesmo tempo nega taxativamente as afirmações do
próprio Cristo e das profecias a seu respeito no sentido de
que ele veio ao mundo com o expresso propósito de cumprir
a sentença que nos cabia por nossos pecados.
Eles não querem ter a mínima participação no sacrifício
vicário de Jesus. Aliás, essa idéia lhes é repulsiva. O próprio
Rogers admite que considera “uma crença desprezível” o fato
de lançarmos nossos pecados sobre outra pessoa. Mas é exa-
tamente isso que o Novo Testamento nos conclama a fazer!
As Escrituras dão inquestionável testemunho de que Cristo
“ morreu a seu tempo pelos ímpios” (Rm 5.6); que “o sangue
de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado” (1 Jo 1.7).
Não existe nenhuma outra doutrina bíblica mais bem emba-
sada, mais bem sustentada do que a da morte vicária de Cristo
pelos pecados do mundo. Desde os primeiros registros bíbli-
cos, como os do Êxodo, Deus já apresenta o uso simbólico
70 0 Império das Seitas IV

do sangue para purificação e sacrifício, segundo Moisés es-


creveu. Lembremos que para libertar os israelitas do Egito,
Jeová utilizou o recurso da morte súbita de todos os primo-
gênitos da nação, inclusive do filho do Faraó. Nessa ocasião,
Moisés instruiu ao povo para que passasse o sangue de um
cordeiro nos umbrais da porta, e Deus disse: “Quando eu
vir 0 sangue, passarei por vós” (Êx 12.13). Mais adiante, o
Senhor instituiu os sacrifícios de animais da dispensação le-
vítica, e afirmou expressamente: “Porquanto é o sangue que
fará expiação em virtude da vida” (Lv 17.11).
Estudando essa tipologia no Novo Testamento, vemos que
Jesus foi identificado como o Cordeiro de Deus que tira o
pecado do mundo (Jo 1.29) e ainda lemos também que o san-
gue que ele derramou na cruz é nossa expiação ou o elemento
que cobre nossos pecados, os pecados de toda a humanidade
(Mt 26.28: Rm 5.6-8; Ef 1.7; Cl 1,20).
Portanto, o crente em Cristo é salvo somente pela graça
mediante a fé em seu sangue e na eficácia dele para purificar-
nos de todo pecado (Rm 3.25). João, o discípulo amado, nos
relembra isso em sua magnífica carta (1 Jo 1.7). E Pedro de-
clara: “Sabendo que não foi mediante cousas corruptíveis,
como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil pro-
cedimento... mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem
defeito e sem mácula, o sangue de Cristo” (1 Pe 1.18,19).
As páginas do Novo Testamento dão testemunho claro de
que, no Calvário, Jesus Cristo comprou a igreja de Deus “com
seu próprio sangue” (At 20.28). E na grande mensagem que
Cristo deu a João e está registrada no livro de Apocalipse,
lemos que ele “pelo seu sangue nos libertou dos nossos pe-
cados” (Ap 1.5). E isso não foi um sacrifício de sangue para
aplacar a ira de um deus pagão, Foi um sacrifício oferecido
por intermédio do Espírito Eterno, com a finalidade de liber-
tar os filhos dos homens da maldição do pecado, e abrir-lhes
o caminho da salvação, pelo qual agora nós temos intrepidez
para entrar no Santo dos Santos por meio do sangue de Jesus
— um novo e vivo caminho que vai até o próprio trono de
Deus, nosso Pai (Hb 10.19,20).
Comparando-se esse quadro de teologia bíblica concreta
com as teses da Teosofia, concluímos que os fatos falam por
si mesmos, e ninguém pode ignorá-los.
Mas a Teosofia se recusa a aceitar a expiação vicária de
Sociedade Teosófica 71

Jesus Cristo para o perdão dos pecados. Em lugar dela, en-


sinam a inexorável lei do “ karma” (a soma do peso dos erros
de cada um, que só pode ser expiado pelas boas ações que
praticarmos numa sucessão de outras vidas [reencarnação].
Isso às vezes é chamado de “ Lei de causa e efeito”. Annie
Besant denominou-o “ lei de causação... que constrange o ho-
mem... a largar mão de todas as suas idéias errôneas acerca
de perdão, expiação vicária, misericórdia divina, bem como
o restante do ópio que a superstição oferece ao pecador”.‘7
Então, pela aplicação da lei do “ karma”, eles tranqüila-
mente passam por cima da doutrina bíblica da expiação e ne-
gam ou ignoram a autoridade das Escrituras. Certa vez a Sr.a
Besant escreveu que “a expiação operada por Cristo não está
na substituição de uma pessoa por outra...”.18 Tendo sido ela
própria filha e esposa de ministros anglicanos, a Sr.a Besant
devia saber a verdade. Mas apesar de dizer que a doutrina
da expiação não significa o que a igreja cristã sempre tem
afirmado, ela nunca explica 0 que acha que significa.
Então, para os teosofistas, 0 amor redentor de um Deus pes-
soai revelado pelo sacrifício vicário de seu bem mais precioso,
seu Filho Jesus Cristo, é totalmente desnecessário, e tampouco
é 0 meio de salvação para a humanidade. Basta esse fato para que
afastemos de nossa mente qualquer idéia sobre uma compatibili-
dade da Teosofia com 0 Cristianismo. Podemos sentir-nos gratos
também de a seita ter um número reduzido de adeptos, pois nem
consta do anuário American and Canadian Churches 1975 (editor:
Constant H. Jacquet), embora tenha ramos ou centros em muitas
das principais cidades dos Estados Unidos e pelo mundo. Seu ritmo
de crescimento hoje parece bem mais lento do que na década de
20. Temos esperanças de que por causa de sua complexidade e
do vocabulário próprio necessário para descrição de suas doutri-
nas complicadas, ela pareça ainda mais ineficaz, em nossa era,
em que finalmente a necessidade da exatidão na definição de ter-
mos torna-se maior a cada dia.
Para alguém ser cristão, precisa acatar as Escrituras e ajus-
tar a vida a elas. A Teosofia não atende a esse requisito e
portanto deve ser considerada como anticristã.
Pecado, Salvação e Oração
Vamos fazer uma menção rápida dos conceitos de pecado,
salvação e oração, comparando-os com a reinterpretação que
72 0 Império das Seitas IV

os autores teosóficos dão a eles. A Teosofia tem um ensino


definido e muito importante acerca dessas grandes doutrinas
do Cristianismo, e é bom que seja bem compreendido.
A Bíblia afirma claramente que para Deus todos os ho-
mens se enquadram na condição de pecadores (Rm 3.23).
Como já mencionamos, o remédio divino para o pecado é
a obra redentora realizada por Jesus Cristo que morreu “pe-
los injustos, para conduzir-nos a Deus” (l Pe 3.18). Aos olhos
de um Deus santo, o pecado humano foi tão hediondo, tão
degradante, que foi preciso nada menos que a morte do Deus-
homem para satisfazer o justo juízo de seu Pai. Assim, a sal-
vação do pecado é plena e completa pela fé em Jesus, “uma
vez por todas” (Hb 10.10). “Porque 0 salário do pecado é a
morte’’ (Rm 6.23). Como os teosofistas não querem ter nada
que ver com o sacrifício redentor da cruz e negam que seus
pecados tenham de ser expiados por alguém que não eles,
acham-se como Petra, a cidade da antiqüidade: enganados pela
soberba do próprio coração (Ob 3). Não há dúvida de que,
como os unitarianos, os teosofistas associam a salvação ao
caráter e ao crescimento. O Deus deles deve ser um Deus
de amor que permite que a punição pelo pecado seja aplicada
através de um número infinito de reencarnações. Ele não julga
ninguém, e nem pode, pois como poderia um princípio im-
pessoal julgar os atos de um ser pessoal. Isso seria um contra-
senso que qualquer um que estude seriamente a filosofia, a
religião — e os teosofistas não são exceção — entende.
A doutrina bíblica da oração também sofre alterações às
mãos dos teosofistas. No vocabulário bíblico, a oração é nossa
comunhão pessoal com um Deus pessoal, não com uma força
abstrata ou uma consciência cósmica. O próprio Jesus muitas
vezes nos aconselhou a orar. (Ver Mateus 5.44; 6.6,7,9; 9.38.)
Em várias ocasiões ele salientou as vantagens e benefícios dessa
prática. Assim, para o cristão, a oração é o elo que 0 liga
ao Eterno, e pelo qual o homem pode chegar ao “trono da
graça”, no poder do Espírito Santo, e achar “graça para so-
corro em ocasião oportuna” (Hb 4.16).
A salvação, para o cristão, se dá pela graça e fé verdadeira
no único método que Deus apresenta para santificar o ho-
mem, e por intermédio do único “ nome, dado entre os ho-
mens, pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4.12). O
pecado do homem tornou necessária essa grande redenção.
Sociedade Teosófica 73

E como a Teosofia nega isso, conclui-se que obviamente nega


também a redenção. E como essa seita rejeita ainda o Deus
da Bíblia e qualquer idéia de um Deus pessoal, é-lhes impos-
sível orar, no sentido bíblico do termo. Desse modo, eles estão
negando ou ignorando a maior necessidade do pecador, que
é “ invocar o nome do Senhor” para ser salvo, não de um in-
terminável círculo de reencarnações, mas de uma existência
eterna, espiritual e consciente, em que estará separado da vida
e da comunhão com o próprio Deus.
Em contraste com esse ensino bíblico acerca do pecado,
salvação e oração, a Teosofia iguala Deus às divindades pagãs
Buda e Vishnu,19 e define a oração como “concentração
mental”.20 Além disso, eles crêem que um indivíduo só fica
livre de seus pecados se sofrer no “ Kâma-Loka”, “um plano
semimaterial, subjetivo e invisível para nós, onde ficam as
personalidades desencarnadas, as formas astrais... É o hades
dos antigos gregos, o amenti dos egípcios, e a terra das som-
bras silenciosas...”.2‫ י‬O homem só obtém a salvação através
de várias reencarnações, terminando com a absorção do seu
ego. Essas alternativas para a revelação bíblica não podem
ser consideradas muito agradáveis, mas é o que a Teosofia
tem para oferecer.
Ressurreição Versus Reencarnação
Para concluir este estudo sobre Teosofia, vamos explanar
bem a principal doutrina que exclui qualquer possibilidade
de comunhão entre o cristão e o teosofista.
Em seu grande capítulo a respeito da ressurreição do corpo
(1 Co 15), o apóstolo Paulo fala da ressurreição de Cristo e
dos efeitos dela para toda a humanidade, como a prova de
que Deus existe, de que Cristo é Filho dele, e que a redenção
é assegurada a todos os crentes pelo seu triunfo sobre a morte.
Paulo dá explicações detalhadas para demonstrar que “se
Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis
nos vossos pecados” (v. 17). Para o apóstolo, nossa única es-
perança de imortalidade física reside na triunfante ressurreição
física de Cristo (v. 14) que se apresentou vivo, de forma vi-
sível e tangível, “com muitas provas incontestáveis” (At 1.3),
a mais de 500 pessoas. E todas elas reconheceram que Jesus
havia vencido a morte por nós.
Após a sua ressurreição, o Senhor prometeu que um dia
74 O Império das Seitas IV

nós também seremos física e moralmente iguais a ele, e que


por seu intermédio, Deus o Pai iria ressuscitar todos os cren-
tes mortos revestindo-os de imortalidade, por ocasião da sua
segunda vinda (1 Ts 4).
Entretanto, o estado do cristão ao morrer não é de sofri-
mento, nem passa ele por diversas reencarnações para expiar
seus pecados, como quer a TeosoFia. Seu estado é de uma
alegria pessoal consciente; é o “habitar com o Senhor” (2
Co 5.8).
Portanto, a ressurreição de Jesus Cristo, e da mesma forma
a ressurreição de toda a humanidade, não deixam margem
para o dogma teosófico de reencarnações sucessivas. Concor-
damos plenamente com o apóstolo Paulo quando diz que “se
a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, so-
mos os mais infelizes de todos os homens” (1 Co 15.19). O
fato é que a alma não passa por diversas reencarnações como
afirmam os teosofistas. Na verdade, ou ela está gozando fe-
licidade na presença de Cristo (Fp 1.21), e nesse caso morrer
é lucro, ou então está existindo num estado de consciente se-
paração dele (Lc 16.19-31). De toda forma, a Bíblia mostra
claramente que a reencarnação não é o destino final do ho-
mem. Também não será por esse método que Deus, segundo
a revelação que deu, irá aprimorar a alma. As Escrituras afir-
mam que Cristo morreu para remir plenamente o homem (Rm
5.6; Hb 9.26; 10.12).
Saindo do Labirinto
Para sairmos completamente desse emaranhado labirinto
da Teosofia e suas doutrinas anticristãs, e chegarmos à luz
da verdade bíblica, provavelmente seriam precisos muitos vo-
lumes de uma rigorosa análise sistemática dessa seita. Mas
basta que observemos que a Teosofia não oferece ao pecador
a esperança de uma plena redenção do pecado, apenas uma
interminável série de reencarnações. Ela não oferece um re-
!acionamento pessoal com um Pai celestial amoroso, e ignora
totalmente a verdadeira natureza, a pessoa e a obra do Senhor
Jesus Cristo.
O sistema todo tem origem oriental. Sua doutrina é bu-
dista e hinduística, e seu vocabulário, gnóstico. De cristão,
ele tem apenas sua terminologia chave, e o objetivo disso é
imitar o conteúdo do evangelho.
Sociedade Teosófica 75

O teosofista orgulhosamente rejeita a expiação efetuada


na cruz, preferindo confiar em sua própria justiça (e na apli-
cação da lei do “karma”). Ele prefere enfrentar os horrores
do “Kâma-Loka” do que ajoelhar-se diante de Jesus Cristo
(Fp 2.10,11).
Então, não nos deixemos enganar pelo verniz de intelec-
tualidade e filosofia que envolve o linguajar do teosofista, nem
nos curvemos às suas tentativas de depreciar a palavra da cruz,
tachando-a de “ loucura”. Não precisamos nos submeter à su-
posta “ revelação superior” que eles dizem possuir, à sua ale-
gação de que a Teosofia é uma revelação mais elevada diri-
gida à nossa época. A Bíblia diz várias vezes que “a palavra
da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que
somos salvos, poder de Deus” (1 Co 1.18). A Teosofia nada
mais é que outra tentativa de substituir a autoridade de Cristo
e das Escrituras pela “ filosofia e vãs sutilezas” do mundo (Cl
2 . 8) .
Semelhantemente às outras religiões não-cristãs do mundo,
a Teosofia não prega um redentor vivo, não oferece libertação
do poder do pecado, e no fim, não dá esperanças para o mundo
vindouro. Mas Jesus Cristo, por seu lado, nos faz muitas pro-
messas pela boca de seus profetas, pelo Deus que não pode
mentir, dizendo que quem confiar nele e o servir “ receberá
muitas vezes mais e herdará a vida eterna” (Mt 19.29).
Devemos procurar ganhar os teosofistas para Cristo, dan-
do-lhes um conhecimento do evangelho. Mas não nos esque-
çamos de que a doutrina deles possui muitos labirintos. Como
diz Salomão, “ Há caminho que ao homem parece direito, mas
ao cabo dá em caminhos de morte” (Pv 14.12).

1. J. H. Russell, cm “Theosophy", The NewShaff-Herzog Encyclopedia


o f Religious Knowledge (Nova enciclopédia de conhecimento religioso).
2. Irving S. Cooper, Theosophy Simplified (Teosofia simplificada).
3. L. W. Rogers. Elementary Theosophy (Teosofia elementar).
4. Ibidem.
5. H. P. Blavatsky, Theosophical Glossary (Glossário tcosófico).
6. Bascdcn G. Butt, Madam Blavatsky.
7. Ver as seguintes obras: The Challenge o f Sects (O desafio das seitas),
de Horton Davies: New Books o f Revelation (Novos livros do Apocalipse),
de Charles Ferguson; c The Chaos o f the Cults (O caos das seitas), de
J. K. Van Baalcn.
8. Vcr The Teosophical Glossary, dc Madame Blavatsky.
76 O Império das Seitas IV

9. Annie Besant, The Ancient Wisdom: An Outline o f Theosophical


Teachings.
10. J. H. Russell, op. cit.
11. Rogers, op. cit.
12. Annie Besam, M m 's Life in Three Uhrlds (A vida humana cm trôs
mundos),
13. Annie Besant, Is Theosophy Anti-Christian? (Teosofia 6 anticrista?)
14. Ibidem.
15. Besant, Anti-Christian?
16. Ibidem.
17. Annie Besant, Karma.
18. Besant, Anti-Christian?
19. Annie Besant, The Seven Principles o f Man (Os sete princípios do
homcm).
20. Annie Besant, The Changing World (O mundo cm mutação),
21. H. R Blavatsky, op. cit.
MIGUEL A. ALBANEZ
e NATANAEL RINALDI

Introdução
O espiritismo, em suas variadas formas, é inegavelmente
uma das crenças religiosas mais populares do nosso tempo.
Abrange desde crenças tão antigas como a transmigração das
almas, do h,induísmo, com sua lei do carma, até os modernos
fenômenos espíritas que tiveram início em meados do século
XIX, com as irmãs Margaret e Kate Fox.
O Brasil é um campo fértil para o espiritismo. A propensão
mística de seu povo tem feito que aqui proliferem diferentes
formas de espiritismo. Algumas religiões de origem tão di-
versa como as que foram trazidas da África pelos escravos
e as que vieram do Oriente a partir da virada do século pos-
suem, em seu corpo de doutrinas, crenças comuns, como a
reencarnação ou a comunicação com os mortos.
Os principais grupos religiosos ligados diretamente ao es-
piritismo no Brasil são classificados em duas grandes cate-
gorias: o alto espiritismo — de origem kardecista, incluindo
a Federação Espírita Brasileira — e o baixo espiritismo, nome
genérico dado aos cultos religiosos de origem africana que,
chegando ao Brasil, incorporaram, com o passar do tempo,
78 Império das Seitas IV

elementos do kardecismo e do catolicismo popular, sendo por


isso também designados como cultos afro-brasileiros, entre
os quais se incluem a umbanda, 0 candomblé e outros.
Para fins de maior clareza, dividiremos a análise do es-
piritismo brasileiro em duas partes: a primeira, que será de-
dicada ao kardecismo, designaremos simplesmente por espi-
ritismo; a segunda, que chamaremos de cultos afro-brasileiros,
tratará do baixo espiritismo.

Miguel A. Albanez

Breve História do Espiritismo


Allan Kardec escreveu em O Livro dos Espíritos:
“Jamais dissemos que a Doutrina Espírita é invenção mo-
dema; o Espiritismo, decorrendo de uma lei natural deve exis-
tir desde a origem dos tempos e nos esforçamos sempre em
provar que se encontram traços dele desde a mais alta
antiguidade... Os espíritos, ensinando a doutrina da plurali-
dade das existências corporais, renovam, pois, uma doutrina
que nasceu nas primeiras idades do mundo..."
A crença na transmigração das almas apareceu na litera-
tura hindu por volta do século VII a. C ., embora sua origem
possa ser muito mais remota. Os Upanixades, hinos védicos
hinduístas, manifestam claramente essa crença. O filósofo grego
Pitágoras, que viveu no século VI a. C , advogava a metemp-
sicose, ou transmigração das almas, como um meio para se
alcançar a purificação total. Entretanto, quanto à afirmação
de Kardec de que o Espiritismo remonta à “origem dos tem-
pos”, convém ter em mente que a antiguidade de uma idéia
não é prova de que ela seja verdadeira e nem que tenha ori-
gern divina.
As Irmãs Fox
O espiritismo moderno surgiu em Hydesville, nos Estados
Unidos, com as irmãs Margaret e Kate Fox. As duas eram
ainda crianças quando, em 31 de março de 1848, aconteceram
as primeiras manifestações espíritas. Começaram a ouvir-se
pancadas na casa da família Fox e depois móveis passaram
a mover de uma parte para outra. Kate, então, teve a idéia
de comunicar-se com o poder invisível que produzia os ru-
Espiritismo 79

idos, pedindo-lhe que repetisse o estalido de seus dedos. O


pedido foi atendido: cada estalido era respondido com breves
pancadas. Kate e sua irmã Margaret desenvolveram um sis-
tema de comunicação com o suposto espírito, que respondia
a suas perguntas mediante um código previamente estabelecido.
Esses fatos foram amplamente divulgados e, pouco depois,
sessões espíritas eram realizadas por toda a parte, nos Esta-
dos Unidos e na Inglaterra. As irmãs Fox passaram à História
como as fundadoras do Espiritismo moderno. Boaventura Klop-
penburg relata que o Congresso Internacional de Espiritismo
de 1925 aprovou a proposta de erigir um monumento come-
morativo em Hydesville, que foi construído dois anos mais
tarde com a seguinte inscrição:
“ Erigido a 4 de dezembro de 1927 pelos espiritistas de
todo o mundo, em comemoração da revelação do Espiritismo
moderno em Hydesville, N. Y., a 31 de março de 1848, em
homenagem à mediunidade, base de todas as demonstrações
sobre que se apoia o Espiritismo. A morte não existe. Não
há mortos.”‘
Allan Kardec
Hippolyte Léon Denizard Rivail nasceu em Lyon, na
França, em 3 de outubro de 1804. Anos depois, mudou-se
para Yverdun, na Suíça, onde estudou com Pestalozzi, de quem
se tornou Fiel discípulo e cujo sistema educacional ajudou a
propagar. Rivail formou-se em letras e ciências e doutorou-se
em medicina.
Em 1854, um magnetizador chamado Fortier, amigo de
Rivail, falou-lhe do fenômeno das mesas girantes. Mais tarde,
o mesmo Fortier disse-lhe também que era possível conseguir-
se que as mesas falassem (de modo semelhante ao que acon-
tecera na casa das irmãs Fox). Rivail rejeitou peremptória-
mente a idéia por considerá-la absurda. No ano seguinte, en-
tretanto, após a explicação de um amigo, chamado Carlotti,
que afirmava ser o fenômeno das mesas girantes e falantes
um resultado da intervenção de espíritos, Rivail assistiu a uma
reunião na casa da Sr.a Plainemaison, onde presenciou fenô-
menos que o impressionaram profundamente, como ele pró-
prio relata:
“ Foi aí que, pela primeira vez, presenciei o fenômeno das
mesas que giravam, saltavam c corriam, em condições tais
80 Império das Seitas IV

que não deixavam lugar para qualquer dúvida. Assisti então


a alguns ensaios, muito imperfeitos, de escrita mediúnica numa
ardósia, com o auxílio de uma cesta. Minhas idéias estavam
longe de precisar-se, mas havia ali um fato que necessária-
mente decorria de uma causa. Eu entrevia, naquelas aparen-
tes futilidades, no passatempo que faziam daqueles fenôme-
nos, qualquer coisa de sério, como que a revelação de uma
nova lei, que tomei a mim estudar a fundo.“
Aceitando a teoria da intervenção de espíritos naqueles
fenômenos, Rivail passou a freqüentar uma casa onde eram
realizadas sessões de mediunidade. Observador atento, pro-
curou dar um cunho científico ao estudo das novas revelações:
“ Levava para cada sessão uma série de questões prepa-
radas e metodicamente dispostas. Eram sempre respondidas
com precisão, profundeza e lógica... mais tarde, quando vi
que aquilo constituía um todo e ganhava as proporções de
uma doutrina, tive a idéia de publicar os ensinos recebidos,
para instrução de toda a gente. Foram aquelas mesmas questões
que, sucessivamente desenvolvidas e completadas, constitu-
íram a base de O Livro dos Espíritos."
No dia 25 de março de 1856, numa sessão, Rivail rece-
beu, através de uma médium, a revelação de que certo espí-
rito seria dali por diante o seu guia espiritual. Esse espírito
identificou-se como “A Verdade”. Mais tarde, foi-lhe revelada
a sua missão de divulgar a nova religião, “verdadeira, grande,
bela e digna do Criador”. Rivail veio a saber também que
o espírito “A Verdade” era o próprio Espírito Santo, o Es-
pírito da Verdade que Jesus prometera enviar: “Tenho ainda
muito que vos dizer, mas não o podeis suportar agora; quando
vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a
verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o
que tiver ouvido, e vos anunciará as cousas que hão de vir”
(Jo 16.12,13).
Em consonância com a crença na reencarnação dos espí-
ritos, Rivail adotou o pseudônimo de Allan Kardec, que teria
sido o seu suposto nome numa encarnação anterior, na qual
acreditava ter sido um druida. O primeiro livro escrito por
Allan Kardec foi O Livro dos Espíritos, entregue à publici-
dade em 18 de abril de 1857, data considerada pelos karde-
cistas como o dia da fundação do espiritismo. Essa obra foi
consideravelmente “refundida” e ampliada, e sua segunda
Espiritismo 81

edição, publicada em I860, tornou-se o texto definitivo.


Allan Kardec também publicou vários outros livros, sem-
pre sob a orientação dos espíritos. Entre suas obras se incluem:
O Livro dos Espíritos, O Evangelho Segundo o Espiritismo,
A Gênese, O Céu e o Inferno, O Livro dos Médiuns, O que
é o Espiritismo e Obras Póstumas. Organizou ainda a Socie-
dade Parisiense de Estudos Espíritas, em 1." de abril de 1858,
e fundou a Revue Espirite (Revista Espírita). Kardec faleceu
em 31 de março de 1869, devido à ruptura de um aneurisma.
O Espiritismo no Brasil
A primeira sessão espírita registrada nos anais do Espi-
ritismo brasileiro foi realizada na noite de 17 de setembro de
1865, em Salvador, na Bahia, sob a direção de Luís Olímpio
Teles de Menezes. Este fundou no mesmo ano o primeiro cen-
tro espírita, com o nome de Grupo Familiar do Espiritismo.
Em 1869, apareceu o primeiro periódico espírita, O Eco do
Além Túmulo, também em Salvador. Tanto o grupo como o
periódico tiveram curta duração.
No Rio de Janeiro, o primeiro movimento organizado sur-
giu em 2 de agosto de 1873 e era chamado Sociedade de Es-
tudos Espiríticos do Grupo Confücio. Dois anos depois, esse
núcleo espírita lançou a Revista Espírita e providenciou a tra-
dução de várias obras fundamentais de Allan Kardec. Mais
tarde, devido a divisões internas, surgiram outros núcleos es-
píritas. Em 1883 foi fundada a revista Reformador, que se
tornou o órgão oficial da Federação Espírita Brasileira, or-
ganizada no ano seguinte. A partir de então, multiplicaram-se
os núcleos, grupos e centros espíritas, levando à formação
de federações de âmbito estadual.
Atualmente, o Espiritismo kardecista conta com cerca de
6,9 milhões de adeptos e existem 5.500 centros espalhados
por todo o território nacional. A revista Veja publicou um re-
lato impressionante acerca do crescimento fenomenal do kar-
decismo no país:
“Em apenas dez anos, o número de adeptos do Espiritismo,
doutrina que se define como religião, filosofia e ciência, sal-
tou de 1,5 milhão para 6,9 milhões de pessoas. Somados os
que não frequentam regularmente seus centros, mas aceitam
os seus princípios, baseados na reencarnação, na possibili-
dade de comunicação com os mortos e na caridade, os es-
82 Império das Seitas IV

pírilas brasileiros chegariam a 20 milhões de pessoas, que


compram 2,8 milhões de livros sobre a doutrina a cada
ano,
O nome mais conhecido do Espiritismo kardecista. no Bra-
sil, hoje, é o do médium Francisco Cândido Xavier, também
conhecido como Chico Xavier. Natural de Uberaba, Minas
Gerais, onde reside, ele é procurado por pessoas de todas as
classes sociais, vindas de todos os lugares do pafs, que re-
correm a seus serviços mediúnicos em busca de ajuda espi-
ritual e também física, como a cura de doenças. De acordo
com a revista Vejar Chico Xavier já incorporou os espíritos
de 605 autores falecidos, 328 dos quais poetas, entre eles al-
guns dos mais famosos tanto de Portugal como do Brasil,6
Seus livros, que segundo afirma são de autoria de espíritos
“desencarnados”, e cujas mensagens ele recebe por meio de
psicografia, isto é, escrita mediúnica, vendem aos milhões.
Tudo isso faz do Brasil o maior país espírita do mundo.
Enquanto a doutrina espírita viceja no Brasil, ela praticamente
desapareceu na França, onde nasceu. Não há mais de 1.000
kardecistas nessa nação hoje. Leopoldo Cirne, ex-presidente
da Federação Espírita Brasileira, constatou a fertilidade peculiar
do Brasil para a disseminação das doutrinas e práticas espíritas:
“... há uma região do globo em que a orientação espírita-
cristã parece haver encontrado o ambiente propício a expandir-
se e produzir excelentes e sagrados frutos.”
Muitos são os motivos que fazem do Brasil um campo fér-
til para a propagação das idéias espíritas:
a. O misticismo do povo brasileiro — Os brasileiros têm
uma forte tendência ao misticismo e sentem-se atraídos pelo
que é misterioso. O Espiritismo, com sua aura de religiosi-
dade e mistério, atrai as pessoas, que, movidas pela curiosi-
dade, acabam-se envolvendo.
b. A falha da Igreja Católica em atender aos anseios reli-
giosos do povo — A crescente politização do clero e a preo-
cupação quase exclusiva com questões de cunho social é um
fator que contribui para um esvaziamento progressivo da Igreja
Católica. Há um verdadeiro êxodo de fiéis que desejam ver seus
anseios religiosos satisfeitos, para outras formas de crença, en-
tre elas o Espiritismo kardecista e os cultos afro-brasileiros, que
oferecem respostas aparentemente fáceis para o vazio espiritual.
Espiritismo 83

c. A fachada cristã do Espiritismo — Afirmando que o


Espiritismo é o mesmo que o Cristianismo, e usando o nome
de Cristo, a doutrina kardecista exerce uma forte atração so-
bre pessoas incautas, que desconhecem o verdadeiro Cristia-
nismo bíblico.
d. O aspecto consolador do Espiritismo — As pessoas que
perderam entes queridos, o Espiritismo oferece a oportuni-
dade de entrar em contato com os mesmos. Muitas são, as-
sim, atraídas às sessões espíritas, onde os médiuns suposta-
mente se comunicam com os falecidos. Também compõe esse
aspecto a possibilidade de receber curas por meio de passes
mediúnicos.
Outros motivos para a expansão acelerada do Espiritismo
no Brasil são enumerados por Boaventura Kloppenburg e por
Jefferson Magno Costa, dentre os quais mencionaremos, sem
comentários, os seguintes: a pressão dos espíritas para que
pessoas de “ fora”, curiosas, doentes, oprimidas ou possessas
desenvolvam a sua mediunidade; a oferta de uma religião mais
cômoda, que nega a existência do inferno e apregoa a neces-
sidade de evolução espiritual através de sucessivas reencar-
nações; o grande apoio da maçonaria (o próprio Kardec era
maçom); a liberdade religiosa e a curiosidade nata dos bra-
sileiros." Como observou Leopoldo Cirne, “ nenhum povo
apresenta melhores capacidades e predisposições para a re-
alização desse ideal fisto é, a expansão espírita] que o bra-
sileiro”.’
O Espiritismo na Bíblia
Os povos do antigo Oriente Médio também praticavam di-
ferentes tipos de Espiritismo ou necromancia, isto é, consulta
aos mortos. Antes de introduzir o povo de Israel na terra pro-
metida. Deus fez sérias advertências contra essas práticas, pois
os cananitas, habitantes da terra, incluíam a necromancia en-
tre suas práticas religiosas. Tais práticas foram condenadas
por Deus por serem abomináveis aos seus olhos. O Senhor
deu as seguintes instruções ao povo:
“Quando entrares na terra que o Senhor teu Deus te der.
não aprenderás a fazer conforme as abominações daqueles
povos. Não se achará entre ti quem faça passar pelo fogo o
seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognostica-
dor, nem agoureiro, nem feiticeiro; nem encantador, nem ne-
84 Império «Jas Seitas IV

cromante, nem mágico, nem quem consulte os mortos; pois


todo aquele que faz tal cousa é abominação ao Senhor; e por
estas abominações o Senhor teu Deus os lança de diante de
ti. Perfeito serás para com 0 Senhor teu Deus. Porque estas
nações, que hás de possuir, ouvem os prognosticadores e os
adivinhadores; porém a ti o Senhor teu Deus não permitiu
tal coisa." (Dt 18.9-14.)
"Não vos voltareis para os necromantes, nem para os adi-
vinhos; não os procureis para serdes contaminados por eles;
Eu sou o Senhor vosso Deus." (Lv 19.31.)
A prática da necromancia foi comparada por Deus à pros-
tituiçao, por se tratar de uma violação da aliança de Deus
com o seu povo — era como se o povo fosse uma esposa infiel
traindo o marido. Essas advertências tinham um caráter tão
sério que o castigo imposto àqueles que violassem tais man-
damentos era a morte:
"Quando alguém se virar para os necromantes e feiticei-
ros para se prostituir com eles, eu me voltarei contra ele e
o eliminarei do meio do seu povo. O homem ou mulher que
sejam necromantes, ou sejam feiticeiros, será morto: serão
apedrejados; o seu sangue cairá sobre eles.” (Lv 20.6,27.)
A raiz da palavra hebraica traduzida por “necromante”
na Edição Revista e Atualizada ( ’obh) que adotamos em am-
bas as passagens citadas acima, significa literalmente "vasos”,
comunicando a idéia de que o necromante é um "vaso”, um
recipiente dos espíritos, sendo, assim, portanto, um médium.
Algumas traduções mais recentes já vertem essa palavra como
"médium”, entre elas a New American Standard Bible (Nova
Bíblia Padrão Americana) e a New International Version (Nova
Versão Internacional).
A história do povo de Deus no Antigo Testamento mostra
como por várias vezes o povo desobedeceu a essas leis. Nas
diversas ocasiões em que Israel apostatou da Palavra de Deus
e se entregou à idolatria, uma das primeiras manifestações
do seu desprezo por Deus e sua Palavra era a prática da fei-
tiçaria e da necromancia. As terríveis catástrofes que o povo
sofria em consequência dessa desobediência não se faziam
demorar. Por outro lado, sempre que o povo se arrependia
e se voltava de novo para Deus. uma das primeiras provider!-
cias que tomavam era a erradicação do Espiritismo e de toda
forma de idolatria.
Espiritismo 85

Na primeira parte do reinado de Saul, por exemplo, que


foi um período de avivamento espiritual sob a liderança do
profeta Samuel, os feiticeiros e médiuns foram desterrados
(1 Sm 28.3). Após a morte do profeta, porém, o próprio rei
Saul, que há algum tempo vinha experimentando um período
de declínio espiritual pessoal, recorreu a uma médium. A Bí-
blia diz que foi exatamente por ter procedido dessa maneira
que o rei foi morto (1 Cr 10.13). Mais adiante, faremos uma
análise dessa experiência de Saul com os espíritos.
O ímpio rei Manassés, durante cujo governo a nação vi-
veu um período de decadência espiritual, igualmente se en-
volveu com o Espiritismo e outras práticas pagãs condenadas
por Deus:
“ E queimou a seu filho como sacrifício, adivinhava pelas
nuvens, era agoureiro e tratava com médiuns e feiticeiros;
prosseguiu em fazer o que era mau perante o Senhor, para
provocar à ira.” (2 Rs 21.6.)
O espiritismo de Manassés, juntamente com as demais
práticas idólatras desse rei, foi avaliado por Deus como “o
que era mau perante o Senhor”. E seu filho seguiu o seu mau
exemplo. Entretanto, durante o governo de seu neto, Josias,
houve um grande avivamento espiritual, e o povo voltou a obe-
decer à Palavra de Deus. Entre as providências que o rei Jo-
sias tomou para o restabelecimento do verdadeiro culto a Deus,
estava a abolição do Espiritismo:
“Aboliu também Josias os médiuns, os feiticeiros, os ído-
los do lar, os ídolos e todas as abominações que se viam na
terra de Judá, e em Jerusalém, para cumprir as palavras da
lei, que estavam escritas no livro que o sacerdote Hilquias
achara na casa do Senhor.” (2 Rs 23.24.)
O Espiritismo Como Religião
O Espiritismo reivindica ser uma religião. E mais, reivin-
dica ser a verdadeira religião, superior a todas as outras. As-
sim, mesmo que alguns de seus adeptos aleguem que o Es-
piritismo é uma ciência ou filosofia, as autoridades espíritas
são concordes em afirmar a sua natureza religiosa. Vejamos
algumas declarações do codificador Allan Kardec:
“O Espiritismo é chamado a desempenhar imenso papel
na Terra... instituirá a verdadeira religião, a religião natural,
86 Império das Seitas IV

a que parte do coração e vai diretamente a Deus, sem se deter


nas franjas de uma sotaina, ou nos degraus de um altar.”
”Aproxima-se a hora em que te será necessário apresentar
o Espiritismo qual ele é, mostrando a todos onde se encontra
a verdadeira doutrina ensinada pelo Cristo. Aproxima-se a
hora em que, á face do céu e da Terra, terás de proclamar
que o Espiritismo é a única tradição verdadeiramente cristã
e a única instituição verdadeiramente divina e humana,"
{Ênfase acrescentada.!

Os lideres espíritas brasileiros apóiam estas declarações:


‘O s espíritas do Brasil, reunidos no II Congresso Espí-
rita Internacional Ranamericano, com expressões de maior
respeito à liberdade de pensamento e de consciência, afir-
mam que, no Brasil, a doutrina espírita, sem prejuízo de seus
aspectos científicos e filosóficos, é fundamentada no Evan-
gelho de Cristo, certo de ser 0 Consolador Prometido de que
nos falam aqueles mesmos Evangelhos, Por isso é que nós
outros, que vivemos no Brasil ligados à doutrina espírita,
considcram o-la a religião"
”... o Espiritismo é, sem dúvida, a revivescência do vero
Cristianismo... não há tê-lo por *,urna” religião, mas como
‫ ״‬a” religião, no mais lato sentido do vocábulo”
“ Não há fugir: se o Espiritismo, na conceituação do seu
codificador, realiza todas as promessas do Cristo a respeito
do Consolador, vindo até a completar o ensino do Cristo,
e se o grande intérprete do semir das entidades espirituais
nos assevera que o Espiritismo evangélico é o Consolador,
ilógico seria, portanto, que não aceitássemos o Espiritismo
como religião.”
A alegação de que o Espiritismo é a terceira revelação de
Deus, ou 0 Consolador prometido, será analisada mais adiante
ao estudarmos o conceito espírita acerca do Espírito Santo.
Consideremos, porém, que 0 Espiritismo alega ser a ver-
dadeira religião de Cristo, “a revivescência do vero Cristia-
nismo”, ou, conforme a revelação dos espíritos, “a única tra-
dição verdadeiramente cristã”. O Cristianismo tem suas bases
históricas e doutrinárias na Bíblia; portanto, qualquer seita,
grupo religioso ou crença que alegue ser cristã deve ter seus
ensinos confrontados com a Palavra de Deus para se verificar
a veracidade dos mesmos e se, de fato, podem ser chamados
cristãos.
Espiritismo 87

O Espiritismo e a Bíblia
Allan Kardec arroga ao Espiritismo a condição de ser a
terceira revelação de Deus, que vem complementar a revelação
iniciada com o Velho Testamento, por meio de Moisés, e com
o Novo Testamento, por meio de Jesus:
“A lei do Antigo Testamento está personificada em Moi-
sés; a do Novo Testamento está personificada cm Cristo; o
Espiritismo é a terceira revelação da lei de Deus, mas não
personificada em nenhum indivíduo, porque ele é o produto
de ensinamento dado, não por um homem, mas pelos espí-
ritos, que são as vozes dos céus, sobre todos os pontos da
terra, e por uma multidão inumerável de intermediários...”
Em outro trecho, Allan Kardec afirma que “o Cristianismo
e o Espiritismo ensinam a mesma coisa”.‫ '״‬O Cristianismo
ortodoxo e histórico se fundamenta na Bíblia, a revelação de
Deus aos homens; logo, se 0 Espiritismo de fato ensina as
mesmas doutrinas que o Cristianismo, não haverá melhor forma
de conferir a veracidade dessa afirmação senão por um con-
fronto entre o que diz o Espiritismo e o que ensina a Bíblia.
É evidente também que se o Espiritismo é uma revelação
que procede de Deus, então ela deve confirmar as duas re-
velações anteriores e não contradizê-las. Entretanto, quando
comparadas, verifica-se que o Espiritismo ensina o oposto
do Cristianismo. Além disso, o Espiritismo também nega a
inspiração divina e a infalibilidade da Bíblia. Eis o que Kar-
dec diz a respeito das Escrituras:
"A Bíblia contém evidentemente narrativas que a razão,
desenvolvida pela ciência, não poderia aceitar hoje em dia;
igualmente, contém fatos que parecem estranhos e repugnan-
tes, porque se ligam a costumes que não são adotados... A
ciência, levando suas investigações até as entranhas da terra,
e à profundeza dos céus, tem pois demonstrado de modo ir-
recusável os erros da Gênese mosaica tomada à letra, e a im-
possibilidade material de que as coisas se hajam passado tal
como estão relatadas textual mente... Incontcstavelmente, Deus,
que é todo verdade, não pode induzir os homens ao erro, nem
consciente, nem inconscientemente, pois então não seria Deus.
E, pois, se os fatos contradizem as palavras que a ele são
atribuídas, necessário se torna concluir, logicamente, que ele
nâo um pronunciou, ou que elas foram tomadas em sentido
diverso... Acerca desse ponto capital, ela [a ciência! pôde.
88 Império das Seitas IV

pois, completar a Gênese de Moisés, e retificar suas partes


d e f e i t u o s a s [Ênfase acrescentada.]
O Espiritismo nega a criação de Deus descrita no primeiro
capítulo de Gênesis. Acredita no evolucionismo, sendo o ho-
mem o ser mais elevado da escala evolucionista. Por isso,
admite que o registro bíblico não deve ser tomado literalmente,
mas apenas em sentido figurado. Jesus, entretanto, confirmou
o relato bíblico como autêntico, ao ensinar em Mateus 19.4-6
que o homem foi criado diretamente por Deus:
“ Não tendes tido que 0 Criador desde o princípio os fez
homem e mulher, e que disse: Por esta causa deixará o ho-
mem pai e mãe e se unirá a sua mulher, tornando-se os dois
uma só carne? De modo que já não são mais dois, porém
uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou, não o separe
o homem”
Em Hebreus 11.3 lemos que os mundos foram criados pela
Palavra de Deus. Além desse, há muitos outros textos que
confirmam o relato de Gênesis, como, por exemplo, Salmo
19.1; 24.1.
León Denis, outra autoridade do Espiritismo, assim se ex-
pressa sobre o valor da Bíblia:
“... não podería a Bíblia ser considerada “a palavra de
Deus” nem uma revelação sobrenatural. O que se deve nela
ver é uma compilação de narrativas históricas ou legendárias,
de ensinamentos sublimes, de par com pormenores às vezes
triviais.”
Assim, o Espiritismo, através de suas maiores autorida-
des, nega a revelação divina encontrada nas Escrituras,
relegando-as ao nível de uma mera compilação de fatos his-
tóricos e lendários. É curioso, entretanto, que querendo di-
zer‫־‬se cristão, o Espiritismo freqüentemente lance mão das
Escrituras, citando-as com profusão quando lhe convém.
Isso significa que para os espíritas não faz diferença se
a Bíblia é ou não a Palavra de Deus — desde que possam
usá-la quando desejam dar à sua crença uma aparência cristã,
ou seja, citando passagens isoladas que parecem dar apoio
às teorias espíritas. Quando, porém, o ensino claro das Es-
crituras refuta essas mesmas teorias, dizem então que elas não
são a inerrante Palavra de Deus pela qual devemos testar o
que cremos.
Espiritismo 89

O Reformador, órgão oficial da Federação Espírita Bra-


sileira, define a posição dos espíritas brasileiros:
“ Do Velho Testamento já nos é recomendado somente o
Decálogo, e do Novo Testamento apenas a moral de Jesus;
já consideramos de valor secundário, ou revogado e sem va-
lor algum, mais de 90% do texto da Bíblia.”
Vejamos também a seguinte declaração de Carlos Imbas-
sahy:
“O Espiritismo não é um ramo do Cristianismo como as
demais seitas cristãs. Não assenta seus princípios nas Escri-
turas... a nossa base é o ensino dos espíritos, daí o nome
— Espiritismo.
O próprio Allan Kardec reconhece que, quando necessá-
rio, o Espiritismo utiliza terminologia de outras crenças com
o propósito de ganhar adeptos:
“Cumpre nos façamos compreensíveis. Se alguém tem uma
convicção bem firmada sobre uma doutrina, ainda que falsa,
necessário é que lhe tiremos essa convicção, mas pouco a
pouco. Por isso é que muitas vezes nos servimos de seus ter-
mos e aparentamos abundar nas suas idéias: é para que não
fique de súbito ofuscado e não deixe de se instruir co-
‫״‬ !
nosco. 1

É evidente que, para Kardec, as doutrinas falsas são todas


aquelas que se opõem ao sistema por ele codificado. Ele re-
conhece também que o Espiritismo lança mão desonestamente
de terminologia cristã para tentar convencer adeptos em po-
tencial acerca das reivindicações espíritas. “Aparentando abun-
dar” nas idéias do Cristianismo, o Espiritismo tem arrastado
muita gente incauta para as suas fileiras. Isso reforça a ne-
cessidade de os cristãos se assegurarem de um conhecimento
básico das doutrinas fundamentais das Escrituras a fim de po-
derem prevenir os desavisados e evangelizar os espíritas.
Fica claro, portanto, que o Espiritismo, ao mesmo tempo
em que alega ser cristão, nega a Palavra de Deus, a base do
verdadeiro Cristianismo. Aliás, é notório que seus próprios
expositores e defensores ora apelam para a Bíblia em busca
de apoio, ora negam firmemente que ela tenha qualquer valor
para a sua fé, como se vê nas declarações acima.
Entretanto, o Senhor Jesus Cristo, de cujos ensinos o Es-
90 Império das Seitas IV

piritismo alega ser uma complementação, repreendeu os sa-


duceus, um grupo religioso de seus dias, pelo seu desconhe-
cimento das Escrituras e por distorcerem seus ensinos,
acrescentando-lhes suas próprias idéias. Disse ele: “Errais,
não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus” (Mt
22.29). Em outra ocasião, o mesmo Jesus disse que “a Es-
critura não pode falhar” (Jo 10.35).
Falando sobre os escritos do Novo Testamento, afirma
Allan Kardec:
“Todos os escritos posteriores [aos Evangelhos], sem ex-
clusão dos de S. Paulo, são apenas, e não podem deixar de
ser, simples comentários ou apreciações, reflexos de opiniões
pessoais, muitas vezes contraditórias, que, em caso algum,
poderíam ter a autoridade da narrativa dos que receberam
diretamente do Mestre as instruções.”
O apóstolo Pedro foi um dos homens que receberam ins-
truções diretamente do Mestre. Eis o que ele diz sobre os es-
critos de Paulo:
"E tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor,
como igualmente o nosso amado irmão Paulo vos escreveu,
segundo a sabedoria que lhe foi dada, ao falar destes assun-
tos, como de fato costuma fazer em todas as suas epístolas,
nas quais há certas cousas difíceis de entender, que os igno-
rantes e instáveis deturpam, como também deturpam as de-
mais Escrituras, para a própria destruição deles.” (2 Pe 3.15,16.)
Pedro esclarece que a salvação se encontra nos escritos
de Paulo da mesma forma que nas demais Escrituras e ad-
verte para o perigo de se deturpar a Palavra de Deus. Além
disso, ao dizer “demais Escrituras”, ele atribui aos escritos
de Paulo o caráter de Escrituras, igualando‫־‬os aos Evangelhos
e aos demais livros da Bíblia e reconhecendo sua inspiração
divina.
O apóstolo Paulo, por sua vez, afirma a plena inspiração
das Escrituras:
"Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino,
para a repreensão, para a correção, para a educação na jus-
tiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfei-
tamente habilitado para toda boa obra.” (2 Tm 3.16,17.)
De tudo o que se viu acima, conclui-se que o Senhor Je-
sus e os apóstolos Pedro e Paulo afirmaram repetidamente
Espiritismo 91

a inspiração divina da Bíblia, reconhecendo-a como a Palavra


de Deus para a humanidade, infalível em seu conteúdo e va-
lor para os homens de todos os tempos, e regra de fé e de
prática para os verdadeiros cristãos. Portanto, ainda que al-
guns espíritas digam serem os preceitos de sua religião ba-
seados na Bíblia ou uma complementação das palavras de Je-
sus, o fato de negarem a inspiração da Palavra de Deus
coloca-os em oposição direta ao ensino do Senhor e de seus
apóstolos.
No mínimo, o que se pode dizer é que os espíritas se con-
tradizem uns aos outros. Fica claro, também, que as contra-
dições que os espíritas querem fazer acreditar existirem na
Bíblia, na verdade, são parte integrante do próprio Espiritismo.
Seu codificador e seus intérpretes não conseguem chegar a
um acordo acerca da verdadeira natureza da revelação espí-
rita — se ela é de fato uma continuação das duas revelações
anteriores, a lei de Moisés e 0 Evangelho de Jesus Cristo,
ou se se trata apenas do ensino dos espíritos. Parece que, nesse
particular, quem mais assunte a verdadeira origem e natureza
do Espiritismo é Carlos Intbassahy ao dizer que “o Espiritismo
não é um ramo do Cristianismo” e que ele “não assenta os
seus princípios nas Escrituras”.
Alguns líderes espíritas, contudo, recorrem ao subterfú-
gio de afirmar que a única parte das Escrituras sobre a qual
realmente se baseiam são os Evangelhos e o Decálogo, por
serem as únicas porções da Bíblia dignas de fé. É o caso do
próprio Kardec, que, como vimos, renega todo o restante do
Novo Testamento, atribuindo-lhe o caráter de meras opiniões
pessoais. Isso se acha em flagrante contradição com o que
disse Jesus (cujas palavras estão registradas nos mesmos Evan-
gelhos que os espíritas alegam aceitar) a respeito do conteúdo
total do Antigo Testamento, afirmando como vimos, que “a
Escritura [toda ela, e não apenas os Dez Mandamentos] não
pode falhar”. Jesus também exortou a respeito da necessidade
de examinar o Antigo Testamento por ser este um poderoso
testemunho da sua pessoa e obra: “ Examinais as Escrituras,
porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que
testificam de mim” (Jo 5.39).
Após a sua ressurreição, o Senhor Jesus apareceu aos dis-
cípulos, que até então não criam que ele tivesse ressuscitado
e, após comer com eles, abriu-lhes o entendimento para com-
92 Império das Seitas IV

preenderem as Escrituras, dizendo-lhes que sua morte e res-


surreição eram o cumprimento das profecias do Antigo Tes-
tamento a seu respeito. E mais uma vez, não deixou dúvida
de que ele se referia a todo o Testamento e não apenas a uma
parte dele:
‫ ״‬São estas as palavras que vos falei, estando ainda con-
vosco, que importava se cumprisse tudo o que de mim está
escrito na Lei de M oisés , nos Profetas e nos Salmos. ” (Lc
24.44.)
“A Lei, os Profetas e os Salmos” são uma alusão à divisão
clássica da Bíblia Hebraica (0 Antigo Testamento) pelos ju-
deus, o que mostra que Jesus reconhece toda ela como sendo
a inspirada Palavra de Deus.
É evidente que o Espiritismo não é o Cristianismo. O Cris-
tianismo é Cristo e sua Palavra (cf. Jo 5.39,40). E o Espiri-
tismo com suas práticas é condenado pela Bíblia (Dt 18.10-12).
Doutrinas Espíritas Analisadas à Luz da Bíblia
I. Deus
A doutrina espírita acerca de Deus é ambígua, ora as-
sumindo aspectos deístas, ora aspectos panteístas, ora con-
fundindo-se com a doutrina de Deus do Cristianismo histó-
rico. Os autores espíritas parecem não conseguir estabelecer
um consenso sobre esse assunto de vital importância. Até
mesmo nas obras de um único autor encontram-se contradições
flagrantes.
Em O Livro dos Espíritos, Allan Kardec responde à per-
gunta sobre “o que é Deus” com a seguinte assertiva: “ Deus
é a inteligência suprema, causa primeira de todas as coi-
sas”.‫״‬
A fim de explicar a existência de Deus, ele se vale da ar-
gumentação clássica do deísmo, de que “não há efeito sem
causa”. Apela também para o “sentimento intuitivo que todos
os homens carregam em si mesmos da existência de Deus”.*1
De acordo com a concepção deísta, Deus teria criado o uni-
verso e depois se retirado dele, deixando-o entregue à ação
das leis físicas que, desde então, o governam, como se o uni-
verso fosse um grande relógio. Deus é, portanto, a causa pri-
mária do universo, porém não está imanente nele; qualquer
contato com a Divindade é impossível.
Espiritismo 93

ft>r outro lado, o mesmo Kardec afirma que “Deus é eterno,


infinito, imutável, imaterial, único, todo-poderoso, soberana-
mente justo e bom”.* Essa conceituação concorda com o que
o Cristianismo histórico reconhece como alguns dos atributos
divinos. É evidente que ela reflete a influência do Cristianismo
sobre Kardec. Porém, o fato de uma determinada religião ou
seita ter pontos em comum com o Cristianismo bíblico não
é suficiente para que lhe seja conferido o epíteto de cristã.
Veja-se, por exemplo, seitas como os mórmons e as Teste-
munhas de Jeová que, embora aceitem algumas doutrinas bí-
blicas, nem por isso são propriamente cristãs, tanto por ne-
garem alguns dos ensinos bíblicos fundamentais como por
acrescentarem aos mesmos os escritos de seus próprios lide-
res, a quem consideram veículos de comunicação entre Deus
e os homens.
Embora a doutrina espírita de Deus tenha nuances deístas
e ao mesmo tempo uma certa semelhança com a doutrina bí-
blica, é inegável que ela às vezes também possui um forte
sabor panteísta, como observou Kloppenburg.“ Em seus es-
critos, Kardec chega a refutar claramente o panteísmo, sistema
filosófico-religioso que afirma que tudo que existe é Deus,
declarando que o panteísta “confunde o Criador com a cria-
tura”. Em seguida, opondo-se ainda a esse ponto de vista,
diz que “as obras de Deus não são mais o próprio Deus que
0 quadro não é o pintor que o concebeu e executou”.”
Todavia, em outros lugares Kardec faz declarações indis-
farçavelmente panteístas, como ao dizer, por exemplo, que
a fonte da inteligência é a “ inteligência universal”, ou ao falar
em “emanação da Divindade”, ou ainda que os espíritos “se
acham mergulhados no fluido divino”.“ Para ele, quando os
seres orgânicos morrem, seu “princípio vital retorna à
‫ ז ז‬29
massa .
Acrescente-se também a essas declarações o fato de que
no Espiritismo “ Deus é completamente mediatizado pelos es-
pintos... e praticamente relegado a observador passivo e, por
bem dizer, aceitando tudo que os espíritos queiram operar”.'"
Vê-se aqui uma sombra do gnosticismo, filosofia segundo a
qual Deus, espírito puríssimo, vive distante da sua criação
material, comunicando-se entretanto com a mesma através de
éons, que são entidades intermediárias.
Léon Denis, embora também faça oposição ao panteísmo,
94 Império das Seitas IV

é ainda mais contundentemente panteísta em seus escritos,


como se pode ver na seguinte declaração:
“Deus é a grande atma universal, de que toda aíma hu-
mana é uma centelha, uma irradiação. Cada um de nós pos-
sui, em estado latente, forças emanadas do divino foco”
Em outro lugar, Denis faz as seguintes assertivas acerca
de Deus e sua relação com o universo:
“ Deus é infinito e não pode ser individualizado, isto é,
separado do mundo, nem subsistir à parte... IDeus é o! Deus
imanente, sempre presente no seio das coisas Jsendo que] o
Universo não é mais essa criação, essa obra tirada do nada
de que falam as religiões. É um organismo imenso animado
de vida eterna... o eu do Universo é Deus.”
As autoridades espíritas brasileiras também manifestam
essa indecisão em relação ao conceito de Deus, variando
igualmente do panteísmo monista a uma crença semelhante
à doutrina cristã. Boaventura Kloppenburg nota que a maioria
dos espíritas brasileiros é panteísta, reconhecendo, entretanto,
que “alguns poucos defendem a idéia de um Deus pessoal”.‫מ‬
A doutrina de Deus é claramente apresentada pela Bíblia,
isso não significa, evidentemente, que a Bíblia revele tudo
a respeito de Deus, o que seria impossível, visto que ele é
o Deus que “enche os céus e a terra” (Jr 23.24). Entretanto,
através da Bíblia, ele revetou a si mesmo o suficiente para
que o possamos conhecer, servir e amar. Segue-se um esquema
com os principais fatos a respeito de Deus revelados na Bíblia
e que refutam as crenças espíritas:
1. Deus é um ser pessoal. “ Ele é um ser individual, com
autoconsciência e vontade, capaz de sentir, escolher e ter um
relacionamento recíproco com outros seres pessoais e so-
ciais”.v Citaremos a seguir algumas provas bíblicas da perso-
nalidade de Deus:
a. Ele fala — “ Disse Deus: Haja luz; e houve luz” (Gn
1.3); “Havendo Deus, outrora, falado muitas vezes, e de mui-
tas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias nos
falou pelo Filho a quem constituiu herdeiro de todas as cou-
sas, pelo qual também fez todo o universo” (Hb 1.1,2).
b. Ele tem emoções (sentimentos) — Misericórdia: “O Se-
nhor é misericordioso e compassivo; longânimo e assaz be-
Espiritismo 95

nigno. Como um pai se compadece de seus filhos, assim o


Senhor se compadece dos que o temem.” (SI 103.8,13.)
Amor: “ Deus é amor” (1 Jo 4.8); o amor de Deus
é derramado em nossos corações...” (Rm 5.5.)
c. Ele tem vontade própria — “ Mas o nosso Deus está
nos céus; faz tudo o que lhe apraz.” (SI 115.3.)

2. Deus é transcendente e imanente e também distinto de


sua criação. A Bíblia mostra claramente que Deus não é um
ser distante, que teria criado o universo e depois se ausentado
dele, como pensa o deísmo. Ao contrário, ele é um Deus pre-
sente, que se interessa pela sua criação e zela por ela através
da sua providência: “ Este é o desígnio que se formou con-
cernente a toda a terra; e esta é a mão que está estendida so-
bre todas as nações. Porque o Senhor dos Exércitos o deter-
minou... A sua mão está estendida; quem a fará voltar atrás?”
(Is 14.26,27.) É ele quem faz “crescer a relva para os animais,
e as plantas para o serviço do homem” (SI 104.14). Jesus tam-
bém disse que Deus “ faz nascer o seu sol sobre maus e bons,
e vir chuvas sobre justos e injustos” (Mt 5.45). Pode-se ver,
assim, que ele está presente na criação, tem interesse nela
e cuida dela, principalmente do homem, criado à sua imagem
e semelhança.
Contudo, embora Deus esteja presente no mundo que criou,
não se confunde com a criação, isto é, existe separado dela.
Ele não é o Deus imaginado por vários autores espíritas, cuja
concepção panteísta do universo (tudo é Deus), confunde o
Criador com a criação, como se fossem um mesmo ser. O
Deus apresentado pela Bíblia não é o “divino foco” nem o
“eu do universo” de Léon Denis e outros espíritas. Ele é ima-
nente, mas também é transcendente — existe fora e além do
universo. As Escrituras demonstram ambos os atributos divinos.
Transcendência — “ Mas, de fato habitaria Deus na terra?
Eis que os céus, e até o céu dos céus, não te podem conter...”
(1 Rs 8.27.)
Imanência — “Ocultar-se-ia alguém em esconderijos, de
modo que eu não o veja? diz o Senhor; porventura não encho
eu os céus e a terra? diz o Senhor” (Jr 23.24); “Assim diz
o Senhor: O céu é o meu trono, a terra o estrado dos meus
pés...” (Is 66.1).
O profeta Isaías mostra como o Senhor habita ao mesmo
96 Império das Seiias IV

tempo no homem que se arrepende de seus pecados, e que


é parte de sua criação, e também fora dele:
“ Porque assim diz o Alto, o Sublime, que habita a eter-
nidade, o qual tem o nome de Santo: Habito no alto e santo
lugar, mas habito também com 0 contrito e abatido de espí-
rito, para vivificar o espírito dos abatidos, e vivificar o co-
ração dos contritos." (Is 57,15.)
2, Trindade
A doutrina da Trindade é uma das teses básicas do Cris-
tianismo bíblico e histórico e faz parte do fundamento dou-
trinário que 0 distingue de todas as demais religiões e tam-
bém da maioria das seitas pseudo-cristas. Estas, em sua tentativa
de oferecer ao homem um sistema religioso de auto-salvação,
isto é, em que ele se salva por seus próprios méritos, excluem
e negam a existência do Deus trino. Entretanto, a revelação
bíblica aponta para a impossibilidade de 0 homem efetuar sua
própria salvação, e mostra como o próprio Deus se encarnou
para tomar possível ao homem o acesso ao seu Criador. Exa-
minaremos a doutrina da salvação do ponto de vista bíblico
um pouco mais adiante, detendo-nos agora no exame da dou-
trina bíblica da Trindade.
O Espiritismo em geral nega a doutrina da Trindade.
Kardec evita comentar esse assunto, mas grande parte dos es-
critores espíritas assume uma posição frontalmente contrária
à crença na Trindade. Para eles, Deus é um ser monopessoal,
existindo em forma de uma só pessoa, o Pai, e negam que
o Filho seja Deus e até rejeitam a existência do Espírito Santo
como ser pessoal. O Jornal Espírita de março de 1953 res-
pondendo à pergunta sobre se há mais de uma pessoa em Deus,
declara o seguinte: “Não; a razão nos diz que Deus é um
ser único, indivisível; que o Pai celeste é um só para to-
dos os filhos do universo“,* [Ênfase acrescentada.]
Na realidade, não se pode chegar à verdade bíblica acerca
da Trindade pela razão, pois, conquanto esta seja útil para
argumentar em favor da existência de Deus (isto é, pode-se
chegar a crer em Deus pelo uso da razão e argumentos ra-
cionais podem ser utilizados para comprovar a existência do
Criador), ela por si só não é suficiente para se descobrir
quantas pessoas existem em Deus, se uma ou se mais de uma.
Essa questão só pode ser conhecida, em última análise, pela
Espiritismo 97

revelação do próprio Deus. Como observou Strong, “a razão


nos mostra a Unidade de Deus; apenas a revelação nos mos-
tra a Trindade de Deus”.* A Bíblia, a Palavra de Deus,
revela-nos um Deus trino, isto é, um Deus eternamente sub-
sistente em três pessoas, iguais entre si em natureza, essência
e poder. Por outro lado, deve-se observar que a revelação não
contradiz a razão — ao invés disso, ela apresenta fatos que
a razão sozinha não seria capaz de apreender e explicar.
A Bíblia contém os seguintes fatos acerca de Deus:
1. Existe um só Deus
“Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor.”
(Dt 6.4.)
“Vós sois as minhas testemunhas, diz o Senhor, o meu
servo a quem escolhí; para que o saibais e me creiais e en-
tendais que sou eu mesmo, e que antes de mim deus nenhum
se formou, e depois de mim nenhum haverá.” (Is 43.10.)
“ Eu sou o Senhor, e não há outro; além de mim não há
Deus; eu te cingirei, ainda que não me conheces. Para que
se saiba até o nascente do sol e até ao poente, que além de
mim não há outro; eu sou o Senhor e não há outro.” (Is 45.5,6.)
Essas passagens bíblicas afirmam claramente a unidade
de Deus e demonstram que a natureza divina é indivisível.
Poderiamos acrescentar muitos outros textos bíblicos para re-
forçar esse aspecto da natureza de Deus. Entretanto, devemos
atentar para o fato de que muitas vezes as Escrituras, prin-
cipalmente o Antigo Testamento, apresentam determinadas re-
alidades como sendo constituídas de uma unidade composta.
Assim, por exemplo, ao falar do casamento, a Bíblia diz que
“deixa o homem pai e mãe, e se une à sua mulher, tornando-
se os dois uma só carne” (Gn 2.24). É evidente que a unidade
constituída por marido e mulher é uma unidade composta,
e não uma unidade simples ou absoluta. Da mesma forma,
pode-se dizer que há no Antigo Testamento muitas evidências
de que a unidade de Deus é uma unidade composta, como
é indicado por muitas passagens, que revelam uma plurali-
dade de pessoas na Divindade. No Novo Testamento, por sua
vez, a doutrina da Trindade é apresentada com clareza.
2. A Trindade de Deus
A palavra Trindade não se encontra em nenhum lugar na
Bíblia. Trata-se de um termo teológico, usado pela primeira
98 Império das Seitas IV

vez no século II por Teófilo de Antioquia e popularizado por


Tertuliano. Entretanto, a doutrina da Trindade encontra-se em
toda a Bíblia, não apresentada como declaração explícita, mas
em forma de conceitos, declarações e indicações. E princi-
palmente no Novo Testamento que são apresentados ensina-
mentos claros a respeito da Trindade e que permitem a for-
mulação da doutrina. Enquanto isso, no Antigo Testamento,
a doutrina é exposta através de insinuações e indicações.
Entre os textos do Antigo Testamento que indicam a exis-
tência de uma pluralidade de pessoas no único Deus, encon-
tram-se os seguintes:
‘Έ disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, con-
forme a nossa semelhança... criou Deus, pois, o homem à
sua imagem, à imagem de Deus o criou: homem e mulher
os criou.” (Gn 1.26,27.)
Deus refere-se a si mesmo na primeira pessoa do plural,
dizendo “façamos” ; porém, 0 versículo seguinte refere-se a
ele na primeira pessoa do singular ao dizer: “criou Deus”.
Poder-se-ia argumentar que aí Deus estivesse conversando com
os anjos ou com espíritos superiores de outros mundos ou
dimensões, conforme creem os espíritas. No entanto, ao criar
o homem, Deus o fez à sua imagem e semelhança — não diz
a Bíblia que 0 homem foi criado à imagem e semelhança de
Deus e de outros seres. Além disso, a Bíblia também ressalta
a soberania de Deus ao mostrar que ele a ninguém consulta
quando pretende fazer alguma coisa: "Quem, pois, conheceu
a mente do Senhor? ou quem foi 0 seu conselheiro?” (Rm
11.33.)
Pode-se ver ainda indicações da doutrina da Trindade no
episódio da torre de Babel, quando Deus resolveu adotar uma
medida restritiva que impedisse os homens de realizar deter-
minados intentos. Ele diz: "Vinde, desçamos, e confundamos
ali a sua linguagem” (Gn 11.7). Mais uma vez, o termo verbal
plural (“desçamos” e “confundamos”) indica uma pluralidade
de pessoas. O contexto indica claramente que não foi a anjos
que Deus falou, pois o versículo seguinte afirma que “destarte
o Senhor os dispersou dali pela superfície da terra”, o que
exclui a participação de anjos ou de quaisquer outros seres
espirituais.
Outro episódio no Antigo Testamento que mostra clara-
mente a existência da Trindade acha-se no encontro de Deus
Espiritismo 99

com Abraão às vésperas da destruição de Sodoma e Gomorra.


Três homens vieram ter com Abraão e os três são chamados
de Senhor (Jeová, no original hebraico). Diz a narrativa que
“apareceu o Senhor a Abraão’’ e este “olhou, e eis três ho-
mens de pé em frente dele. Vendo-os, correu da porta da tenda
ao seu encontro, prostrou-se em terra, e disse: SENHOR meu,
se acho mercê em tua presença, rogo-te que não passes do
teu servo” (Gn 18.1-3).
A narrativa bíblica não deixa dúvidas — os três persona-
gens são tratados como se fossem um só ser, o Senhor. No
decorrer da conversa entre Abraão e os três visitantes, ele ora
se dirige aos três no singular, chamando-os de “tu” e de “Se-
nhor”, ora emprega o pronome no plural, “ vós”. Isso se har-
moniza perfeitamente com a doutrina da Trindade, que afirma
que há um só Deus em três Pessoas, co-iguais e co-eternas:
o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Dois daqueles personagens
então se dirigem à cidade de Sodoma para livrar Ló e destruir
a cidade. Ao descrever a destruição, as Escrituras declaram
que “então fez o Senhor chover enxofre e fogo, da parte do
Senhor, sobre Sodoma e Gomorra” (Gn 19.24). Essa descrição
também é perfeitamente coerente com a doutrina da Trindade,
ficando claro que o Senhor que fez chover enxofre e fogo é
uma das três pessoas da Trindade enquanto o Senhor de cuja
parte vieram esses elementos é obviamente outra das três pes-
soas.
Se no Antigo Testamento vemos a doutrina da Trindade
apenas através de inferências, no Novo Testamento ela é apre-
sentada claramente. Tanto o Pai como o Filho e também o
Espírito Santo são chamados de Deus. Não se trata de mera
atribuição de títulos divinos a Jesus e ao Espírito Santo, pois
também o Novo Testamento é estritamente monoteísta, como
se pode ver na seguinte declaração de Paulo: “ Porquanto há
um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens. Cristo
Jesus, homem” (1 Tm 2.5). Não é preciso nos determos de-
masiadamente nesse assunto, pois, como veremos a seguir,
várias passagens neotestamentárias apresentam as três pessoas
como sendo Deus:
1. O Pai: "... pois ele recebeu, da parte de Deus Pai, honra
e glória, quando pela Glória Excelsa lhe foi enviada a seguinte
voz: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (2
Pe 1.17).
100 Império das Seitas IV

2. O Filho: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava


com Deus, e o Verbo era Deus” (Jo 1,1).
“ Respondeu-lhe Tomé: Senhor meu e Deus meu.” (Jo
20,28.)
”... deles são os patriarcas e também deles descende o
Cristo, segundo a carne, 0 qual é sobre todos Deus bendito
para todo o sempre. Amém." (Rm 9.5.)
“... aguardando a bendita esperança e a manifestação da
glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus.” (Tt 2.13.)
3. O Espírito Santo: “Então disse Pedro: Ananias, por que
encheu Satanás teu coração, para que mentisses ao Espírito
Santo, reservando parte do valor do campo? Conservando-o,
porventura, não seria teu? E, vendido, não estaria em teu po-
der? Como, pois, assentaste no teu coração este desígnio? Não
mentiste aos homens, mas a Deus” (At 5.3,4).
Também é possível ver a Trindade na Bíblia estabelecendo-
se comparações entre passagens do Antigo Testamento que
se referem a Jeová e citações ou alusões a essas mesmas pas-
sagens no Novo Testamento, onde é feita uma identificação
do Deus ali citado como sendo o Senhor Jesus ou o Espírito
Santo. A comparação que se segue esclarece a questão.
O profeta Isaías disse que teve uma visão do Senhor:
“No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado
sobre um alto e sublime trono, e as abas de suas vestes en-
chiam o templo. Serafins estavam por cima dele; cada um
tinha seis asas: com duas cobria 0 rosto, com duas cobria
os seus pés e com duas voava. E clamavam uns para os ou-
tros. dizendo: Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos;
toda a terra está cheia da sua glória... Depois disto ouvi a
voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de
ir por nós? Disse eu: Eis-me aqui, envia-me a mim. Então
disse ele: Vai, e dize a este povo: Ouvi, ouvi, e não enten-
dais; vede, vede, mas não percebais. Torna insensível o co-
ração deste povo, endurece-lhe os ouvjdos, e fecha-lhes os
olhos, para que não venha ele a ver com os olhos, a ouvir
com os ouvidos, e a entendei‫ ׳‬com o coração, e se converta
e seja salvo." (Is 6 .1 8 - 1 0 ,3‫־‬.)

Em seu Evangelho, João explica que 0 ocorrido com Isa-


ias foi na verdade uma visão do próprio Jesus, ou seja, quando
Isaías viu o Senhor, quem ele realmente viu foi Jesus em sua
glória:
Espiritismo 101

“E, embora [Jesus] tivesse feito tantos sinais na sua pre-


sença, não creram nele; para se cumprir a palavra do profeta
Isaías, que diz: Senhor, quem creu em nossa pregação? E a
quem foi revelado o braço do Senhor? Por isso não podiam
crer, porque Isaías disse ainda: Cegou-lhes os olhos e
endureceu-lhes o coração, para que não vejam com os olhos
nem entendam com o coração, e se convertam e sejam por
mim curados. Isto disse Isaías porque viu a glória dele e fa-
lou a seu respeito.” (Jo 12.37-41.)
Finalmente, no Fim de sua carreira missionária, Paulo afir-
mou que quem falou a Isaías foi o Espírito Santo:
“ E, havendo discordância entre eles, despediram-se, di-
zendo Paulo estas palavras: Bem falou o Espírito Santo a vos-
sos pais, por intermédio do profeta Isaías, quando disse: Vai
a este povo e dize-lhe: De ouvido ouvireis, e não entendereis;
vendo, vereis, e não percebereis, porquanto o coração deste
povo se tornou endurecido; com os ouvidos ouviram tardia-
mente, e fecharam os seus olhos, para que jamais vejam com
os olhos, nem ouçam com os ouvidos, para que não enten-
dam com o coração, e se convertam, e por mim sejam cu-
rados.” (At 28.25-28.)
As três passagens se harmonizam perfeitamente, permi-
tindo-nos concluir que a visão do profeta Isaías foi uma visão
do Deus trino. Quem ele viu foi, portanto, o Ser supremo
em sua tríplice manifestação: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
É interessante observar a forma como os seres angelicais ofe-
reciam louvor a Deus, dizendo: “ Santo, santo, santo é 0 SE-
NHOR dos Exércitos” (Is 6.3). Evidentemente, eles louvavam
o Deus trino.
Pelo que se acabou de ver, a Trindade é claramente re-
velada na Bíblia. É quase correta a alegação do escritor es-
pírita brasileiro Mário Cavalcanti de Mello, autor de Como
os Teólogos Refutam, de que a promulgação da referida dou-
trina foi o resultado de controvérsias que tiveram início com
Ário, um presbítero de Alexandria, no norte da África, no
século IV, e que resultaram no Concilio de Nicéia, reunido
em 325 A. D. Entretanto, a doutrina não foi produzida pelo
concilio, como quer fazer parecer 0 escritor mencionado.'7
Uma conceituada enciclopédia demonstra como a crença
na Trindade era esposada por cristãos primitivos que viveram
muitos anos antes das controvérsias suscitadas por Ário:
102 Império das Seitas IV

“Tertuliano, herdeiro de Atenágoras, Clemente de Alexan-


dria e Irineu de Lyons fixaram o vocabulário trinitário latino
e moldaram uma resposta principal às heresias monistas que
sempre tentaram o Ocidente.,, No Oriente antes de Nicéia,
Teófilo de Alexandria parece ter sido o primeiro a usar o termo
“trindade” (grego, triás) para D eus,.”
Evidentemente, a autoridade final em matéria de fé é a
Palavra de Deus, e não os escritos dos chamados “ Pais da
Igreja” ou apologistas cristãos, dos primeiros séculos. Entre-
tanto, seus escritos servem como referencial útil, principal-
mente na verificação de fatos históricos. É possível ver, por-
tanto, que muito antes da convocação do Concilio de Nicéia,
os cristãos criam no Deus trino.
O que aconteceu, na realidade, foi que essa crença co-
meçou a ser desafiada por Ário, que dizia ser Jesus uma cria-
tura perfeita, trazida à existência “antes dos tempos eternos”,
sendo então um “segundo” deus. (Idéias semelhantes são de-
fendidas hoje pelas Testemunhas de Jeová.) O conflito se acir-
rou quando os arianos conseguiram muitos adeptos dentre as
fileiras do Cristianismo. A solução teológica foi encontrada
em Nicéia, com a formulação de um credo. No ano de 381,
outro concilio, reunido em Constantinople, tratou da questão
da divindade do Espírito Santo e suas conclusões foram acres-
centadas ao credo de Nicéia.
A Palavra de Deus apresenta claramente a doutrina da Trin-
dade. E a história do Cristianismo primitivo demonstra que
os primeiros cristãos procuravam defendê-la de hereges que
queriam negá-la, numa tentativa de rebaixar a pessoa e a di-
vindade de Jesus e do Espírito Santo. Infelizmente grande parte
dos escritores exponenciais do espiritismo kardecista tenta fa-
zer o mesmo.
3. A Divindade de Cristo
Esse assunto acha-se intrinsecamente ligado ao da Trindade,
porém merece ser analisado em separado por ser um dos mais
proeminentes temas da Bíblia e também por ocupar um lugar im-
portante nos escritos espíritas. Veremos os principais contrastes
entre o que dizem os porta-vozes do Espiritismo e o que ensinam
as Escrituras. A divindade de Cristo é negada pelas autoridades
exponenciais do Espiritismo, Isso se dá em função da sua crença
na unicidade de Deus, sobre a qual falamos acima.
Espiritismo 103

Allan Kardec, em Obras Póstumas, afirma não haver ne-


nhum documento além dos Evangelhos onde se possa encon-
trar o tema da natureza de Jesus e acrescenta:
“Aí somente é que se há de procurar a chave do proble-
ma. Todos os escritores posteriores, sem exclusão dos de
São Paulo, são apenas, e não podem deixar de ser, simples
comentários ou apreciações, reflexos de opiniões pessoais,
muitas vezes contraditórias, que, em caso algum, poderíam
ter a autoridade da narrativa dos que receberam diretamente
do Mestre as instruções... No exame que vamos fazer da
questão da divindade do Cristo... apoiar-nos-emos exclusi-
vamente nos fatos que ressaltam do Evangelho... Ora, entre
esses fatos, outros não há mais preponderantes, nem mais
concludentes, do que as próprias palavras do Cristo, pala-
vras que ninguém poderá refutar, sem infirmar a veracidade
dos apóstolos. Pode-se interpretar de diferentes maneiras
uma parábola, uma alegoria; mas, afirmações precisas, sem
ambiguidades, repetidas cem vezes, não poderíam ter duplo
sentido. N inguém p o d e pretender saber m elhor do que Jesus
o que ele quis dizer, com o ninguém p o d e pretender estar
m ais bem inform ado do que ele sobre sua própria natu-
reza .”‫[ ־‬Ênfase acrescentada.[

Como Kardec reconhece, ninguém pode pretender conhe-


cer melhor a natureza de Jesus do que ele próprio. E, como
veremos, Jesus afirmou repetidamente a sua natureza divina,
tendo sido corroborado pelos evangelistas e pelos demais es-
critores do Novo Testamento.
O problema surge quando o próprio Kardec se contradiz,
ora afirmando uma coisa, ora outra. Como se vê na citação
acima, ele aparentemente reconhece como fidedignos os es-
critos dos evangelistas, pois estes “ receberam diretamente do
Mestre as instruções”, embora despreze o restante do Novo
Testamento. Logo depois, porém, põe em dúvida a autenti-
cidade até mesmo do que os evangelistas disseram, como se
vê no seguinte comentário seu a respeito de João 1.1-14, um
texto que declara explicitamente a natureza divina de Jesus:
“ É de notar-se, antes de tudo, que as palavras acima ci-
tadas são de João e não de Jesus e que, ainda quando se
admita que não tenham sido alteradas, elas não exprimem,
na realidade, mais que uma opinião pessoal, uma indução,
em que se depara com o misticismo habitual da sua lin-
guagem; não poderíam, pois, prevalecer contra as reiteradas
afirmações do próprio Jesus.”
104 Império das Seitas IV

Kardec aduz várias referências dos Evangelhos que pare-


cem demonstrar que Jesus não era mais do que mero ho-
mem, e afirma que ele era Filho de Deus no mesmo sentido
em que qualquer homem poderia ser chamado de ‘1filho de
Deus”,'“ Não se deve esquecer que tanto Kardec como outros
líderes espíritas negam a inspiração divina das Escrituras,
citando-as apenas quando querem provar algum ponto de seu
interesse.
Na verdade, se as Escrituras não são divinamente inspi-
radas, tanto faz se as palavras são diretamente de Jesus 011
de João, pois não haveria nenhuma base para sua fidedigni-
dade. Por outro lado, porém, se as Escrituras são de fato,
como vimos, a Palavra inspirada de Deus, os seus registros
são inspirados, pois “homens santos de Deus falaram inspi-
rados pelo Espírito Santo” (2 Pe 1.21 — Edição Revista e
Corrigida) e “toda Escritura é inspirada por Deus e útil
para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a
educação na justiça” (2 Tm 3.16). Portanto, a declaração de
João 1.114‫ ־‬deve ser aceita como uma expressão digna de
confiança, como também tudo o que João, os outros evange-
listas e os demais escritores do Novo Testamento registra-
ram, inspirados pelo Espírito Santo.
A propósito, Kardec revela desconhecer algumas verda-
des bíblicas fundamentais, pois de acordo com as Escrituras
somente são filhos de Deus, no sentido pleno do termo,
aqueles que crêem no sacrifício vicário de Cristo e que o
receberam como seu Salvador pessoal: “Mas, a todos quan-
tos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de
Deus; a saber: aos que crêem no seu nome” (Jo 1.12).
León Denis segue a mesma linha de pensamento de
Kardec, segundo a qual Jesus teria sido mero homem e
elevado à categoria de Deus por seus seguidores. Diz
ele:
“Com o quarto Evangelho e Justino Mártir, a crença
cristã efetua a evolução que consiste em substituir a idéia de
um homem honrado, tornado divino, a de um ser divino
que se tomou homem. Depois da proclamação da divindade
de Cristo, no século IV, depois da introdução, no sistema
eclesiástico, do dogma da Trindade, no século VII, muitas
passagens do Novo Testamento foram rnodificadas, a fim de
que exprimissem as novas doutrinas.” '
Espiritismo 105

Conquanto Kardec e Denis aceilassem a humanidade de


Jesus, a Federação Espírita Brasileira aceita a cristologia de
Jean-Baptiste Roustaing, também francês, autor de Espiri-
tismo Cristão ou Revelação da Revelação, em que defende
a tese de que o corpo de Jesus não era real, de carne e os-
so, mas fluídico, dando apenas a impressão de real. Sua po-
sição é semelhante à dos antigos docetistas, uma seita gnós-
tica do século I A. D. Assim se expressa Roustaing quanto
à natureza do corpo de Jesus:
“A presença de Jesus entre vós, durante todo aquele lap-
so de tempo, foi, com relação a vós outros , uma aparição
espírita, visto que, pelas suas condições fluídicas, completa-
mente fora dos moldes da vossa organização, seu corpo era
harmônico com a sua natureza espiritual, mas também rela-
livamente harmônico com a vossa esfera, a fim de lhe ser
possível manter-se longo tempo sobre a Terra no desempe-
nho da missão com que a ela baixara.”
Embora nossa primeira preocupação seja com a questão
da divindade de Jesus, e não com a sua humanidade, cum-
pre esclarecer que a Bíblia afirma reiteradas vezes a plena
humanidade do Filho de Deus. O apóstolo João condenou
os ensinos dos gnósticos de sua época, que entre outras coi-
sas negavam que Jesus tivesse vindo em carne, dizendo que
seu corpo humano era mera aparência.14 Diz o apóstolo:
“Amados, não deis crédito a qualquer espírito: antes,
provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos fal-
sos profetas têm saído pelo mundo fora. Nisto reconheceis
o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus
veio em carne é de Deus.” (1 Jo 4.1,2.)
O Senhor Jesus demonstrou a sua plena humanidade em
diversas ocasiões, experimentando sentimentos e necessida-
des humanos não pecaminosos, como cansaço (Jo 4.6), sede
(Jo 19.28) e fome (Mt 4.2). Depois da ressurreição, ele apa-
receu aos discípulos que se haviam trancado em uma casa
com medo dos judeus. Os seus discípulos, pensando tratar-
se de um espírito ou fantasma, ficaram atemorizados. Jesus,
então, assegurou-lhes ser ele mesmo, dizendo: “ Vede as mi-
nhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me
e verificai, porque um espírito não tem carne nem ossos,
como vedes que eu tenho” (Lc 24.39). Embora o corpo res-
106 Império das Seitas IV

suscitado de Jesus tivesse propriedades extraordinárias, como


a capacidade de materializar-se e desmaterializar-se (cf. Lc
24.31,36), e de entrar em ambientes fechados (Jo 20.19), ele
conservava suas características físicas básicas, sendo consti-
tuído de carne e ossos.
Jesus era, portanto, plenamente homem. Ao mesmo tem-
po, porém, ele era plenamente Deus. Essa verdade ressalta
de inúmeras passagens bíblicas, como por exemplo das pala-
vras iniciais do Evangelho de João:
“ No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus,
e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus.
Todas as cousas foram feitas por intermédio dele, e sem ele
nada do que foi feito se fez... Ninguém jamais viu a Deus:
o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o reve-
lou.” (Jo 1 , 1 1 8 ,3‫־‬.)
A divindade de Cristo é plenamente reconhecida pelo
testemunho das Escrituras. Na passagem acima, Jesus é
apresentado como Deus criador e como aquele que, através
da encarnação, revela o pai aos homens.
Uma análise dos ensinos de Jesus a seu próprio respeito
mostra claramente que ele tinha consciência de ser Deus e
que ele permitiu que seus discípulos 0 reconhecessem e
adorassem como tal. Como observou Kardec, “ninguém
pode pretender saber melhor do que Jesus o que ele quis di-
zer, como ninguém pode pretender estar mais bem infor-
mado do que ele sobre a sua própria natureza”.
Consideremos alguns textos bíblicos relacionados com a
questão:
1. João 8.58: “ Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em
verdade eu vos digo: Antes que Abraão existisse, eu sou.”
Em uma de suas discussões com os judeus, Jesus afir-
mou ser maior do que Abraão, o que compreensivelmente
gerou uma forte indignação entre eles. No decorrer da dis-
cussão, Jesus disse que Abraão tinha visto 0 seu dia e se
alegrado. Como poderia Jesus, indagavam os judeus furio-
sos, ter sido visto por Abraão, uma vez que ele ainda não
tinha cinquenta anos? A resposta de Jesus deixou-os ainda
mais furiosos, pois assim que o Senhor afirmou: "Antes que
Abraão existisse, eu sou”, eles imediatamente pegaram pe-
dras para atirar nele. O que teria provocado tal ira mortal?
Espiritismo 107

Entre os motivos apontados pela lei hebraica que permitiam


a pena de morte por apedrejamento, o único cabível nessa
situação era o de blasfêmia (cf. Lv 24.10-23).J<
Para os judeus, Jesus estava blasfemando por fazer-se igual
a Deus. Eles sabiam, pelas Escrituras, que só havia um “ Eu
sou” — 0 próprio Deus. Deus empregou essa expressão várias
vezes no Antigo Testamento (a Bíblia dos judeus) para revelar-
se ao seu povou Comparando 0 que Jesus disse com o que
está escrito em Êxodo 3.14, onde Deus se identifica pelo nome
“ Eu sou”, e também com Isaías 43.10-13, onde ele afirma que
não existe outro Deus além dele mesmo, fica evidente que
Jesus se identifica como o próprio Jeová. Foi esse o motivo
que levou os judeus a querer apedrejá-lo. Isso fica ainda mais
claro quando vemos outra ocasião semelhante em que os ju-
deus quiseram novamente apedrejar Jesus por ter afirmado:
“Eu e o Pai somos um” (Jo 10.30). Dessa feita, Jesus inter-
roga a seus pretensos carrascos por que motivo 0 querem
matar, se é por alguma das boas obras que ele havia feito, ao
que eles respondem: “Não é por boa obra que te apedreja-
mos, e, sim, por causa da blasfêmia, pois sendo tu homem, te
fazes Deus a ti mesmo” (Jo 10.33).
2. João 20.28: “ Respondeu-lhe Tomé: Senhor meu e
Deus meu!”
Após sua ressurreição, Jesus apareceu diversas vezes aos
seus discípulos. Na primeira de suas aparições a um grupo
de discípulos, Tomé, um dos doze, não estava presente.
Quando os outros lhe disseram que tinham visto o Senhor
ressurreto, ele simplesmente se recusou a crer, dizendo que
só acreditaria se visse o sinal dos cravos nas mãos de Jesus
e pudesse tocar nelas e no lado do Senhor. Uma semana de-
pois, o Senhor Jesus apareceu novamente aos discípulos reu-
nidos, estando entre eles Tomé. A narrativa bíblica diz que
ele se dirigiu a Tomé, convidando-o a tocar em suas feridas
e exortando-o a ser crente e não incrédulo. Atônito, Tomé
então disse: “ Senhor meu e Deus meu!”
O Senhor Jesus aceitou a declaração de Tomé por ser ela
expressão da verdade. Ele não se opôs a tal declaração,
como também não se opôs aos judeus que queriam apedre-
já-lo, por estarem incorrendo em erro de julgamento quanto
à identidade de sua natureza. Tanto 0 que Tomé disse como
108 Império das Seitas IV

o que os judeus pensaram a respeito dele correspondia aos


seus próprios ensinos, embora seja patente que Tomé nele
creu, enquanto os judeus tomaram seus ensinos sobre sua
natureza pessoal como blasfemos.
3. Outros textos bíblicos que mostram a divindade de
Cristo.
Muitos outros textos bíblicos poderíam ser aqui acrescen-
tados para demonstrar o testemunho unânime das Escrituras
sobre a natureza divina de Jesus Cristo. Entretanto, nos li-
mitaremos a apenas alguns, sugerindo ao leitor que consulte
o Volume I desta coleção onde tratamos o assunto de forma
mais ampla.
Os profetas do Antigo Testamento que anunciaram a vin-
da do Messias deram testemunho da sua natureza divina,
como, por exemplo, 0 profeta Isaías, que disse:
“Portanto o Senhor mesmo vos dará sinal: Eis que a vir-
gem conceberá, e dará à luz um filho, e lhe chamará Ema-
nuel.” (Is 7.14.)
“Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu;
o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será:
Maravilhoso, Conselheiro, Deus Fone, Pai da Eternidade,
Príncipe da Paz." (Is 9,6.)
Essas profecias revelam que o Messias (ou Cristo) vin-
douro seria a encarnação do próprio Deus, como se vê cia-
ramente nos nomes dados a ele: Emanuel — cujo significa-
do é "Deus conosco" — Deus Forte e Pai da Eternidade. O
último desses nomes evidencia que ele não apenas seria cha-
mado de Deus, mas que é o próprio Deus eterno. Esse fato
é corroborado ainda pela seguinte profecia de Miquéias:
“ E tu, Belém Efrata, pequena demais para figurar como
grupo de milhares de Judá, de ti me sairá o que há de rei-
nar em Israel, e cujas origens são desde os tempos amigos,
desde os dias da eternidade.” (Mq 5.2.)
O cumprimento dessas profecias se vê no início do Evan-
gelho de João, citado anteriormente: “ No princípio era o
Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”
(Jo 1.1). Além dessas existent muitas outras evidências de
que Jesus era Deus, dentre as quais citamos:
1‫׳‬. Ele perdoa pecados, atribuição exclusiva de Deus.
(Compare Isaías 43.25 com Marcos 2.1-12.)
Espiritismo 109

2. Ele aceita adoração, que se deve prestar exclusiva-


mente a Deus. (Compare Mateus 4.10 com Mateus 28.9,17
e Hebreus 1.6.)
A Autenticidade do Novo Testamento
A declaração de Léon Denis de que as Escrituras foram
alteradas com o propósito de se incluir nelas a doutrina (ou
dogma) da Trindade, corresponde à idéia largamente disse-
minada entre os espíritas de que várias partes das Escrituras
foram alteradas, através dos séculos, a fim de espelharem as
posições da Igreja Católica Romana, entre elas a da própria
Trindade e a da ressurreição, em oposição à crença espírita
na reencarnação.
A evidência histórica e arqueológica, porém, apresenta
um quadro muito diferente. Existe hoje um grande acúmulo
de evidência de que os manuscritos do Novo Testamento fo-
ram escritos no primeiro século da era cristã. O campo da
crítica textual, que lida com a restauração e autenticação de
textos antigos, está hoje bastante avançado no que diz respeito
à pesquisa dos manuscritos do Novo Testamento. Quem quer
que esteja a par do trabalho dessa disciplina científica não
pode mais duvidar da autenticidade dos mesmos.
Outra área em que a pesquisa bíblica se acha bastante avan-
çada é a da arqueologia. Frederick Kenyon, William F. Al-
bright e William Ramsay, para citar apenas três das mais res-
peitadas autoridades mundiais em seus respectivos campos
de estudo — o primeiro na área da crítica textual, e os outros
dois na área da arqueologia — tornaram-se ardentes defenso-
res da historicidade e antigiiidade dos textos neotestamentá-
rios, que reconhecem remontar ao primeiro século.
Os manuscritos do Novo Testamento que atualmente se
encontram disponíveis em algumas das melhores universida-
des e instituições científicas do mundo constituem a principal
evidência de que as Escrituras cristãs que hoje temos em mãos
são fidedignas e autênticas, correspondendo perfeitamente aos
originais que circulavam entre os primeiros cristãos, exceto
talvez por uma ou outra pequena modificação textual que não
altera fundamentalmente o conteúdo dos mesmos.
F. F. Bruce, uma renomada autoridade em exegese e cri-
ticismo bíblico, e professor da Universidade de Manchester,
na Inglaterra, tece o seguinte comentário sobre as variantes
encontradas nos manuscritos:
110 Império das Seitas IV

a margem de dúvida deixada no processo de restau-


ração dos termos exatos do original não é tão grande como
se poderia temer; pelo contrário, é, em verdade, marcada-
mente reduzida. As variantes que subsistem passíveis de certa
dúvida aos olhos dos críticos textuais não afetam nenhum ponto
importante, seja em matéria de fato histórico, seja em questões
de fé e prática. Em resumo, podemos citar o veredicto pro-
nunciado por Sir Frederic Kenyon, estudioso cuja autoridade
para emitir juízos quanto a mss. [manuscritos] antigos não
tinha superior: “O intervalo, então, entre as datas da com-
posição original e a mais antiga evidência subsistente se torna
tão reduzido de sorte a ser praticamente desprezível, e o der-
radeiro fundamento para qualquer dúvida de que nos hajam
as Escrituras chegado às mãos substancialmente como foram
escritas já agora não mais persiste. Tanto a autenticidade
quanto a integridade geral dos livros do Novo Testamento
se podem considerar como firmadas de modo absoluto e fi-
nal.
Anotações marginais feitas pelos copistas dos manuscritos
e que foram posteriormente incluídas no texto, como por exem-
pio a segunda metade do versículo 7 e a primeira do versí-
culo 8 de 1 João 5, já foram devidamente identificadas e na
maioria das traduções modernas da Bíblia já não mais apa-
recem. Esse acréscimo em particular, que aparentemente em-
presta apoio à doutrina da Trindade, na verdade não é neces-
sário e nada acrescenta em face da maciça evidência presente
em todo o Novo Testamento acerca dessa doutrina e da di-
vindade de Cristo.
Em conclusão, citamos algumas oportunas observações de
John Snyder sobre o assunto:
"Pensa-se, com freqüéncia, que os documentos do Novo
Testamento não são de uma “safra" antiga, mas foram escri-
tos muito depois dos eventos que ele relata e foram compos-
tos por mentes simples e místicas. Entretanto, essa posição
não pode ser sustentada por um estudo sério dos próprios
documentos, e muitos daqueles que iniciaram essa jornada
de investigação acabaram por se tornar fortes defensores dos
manuscritos que haviam desacreditado...
“ Primeiramente, é necessário dizer que os documentos
do Novo Testamento provaram ser registros do primeiro sé-
culo de substancial confiança nas áreas onde foram testados
por outras fontes. Eles são registros históricos acurados dos
eventos os quais eles relatam, embora tenham algumas difi-
Espiritismo Ill

culdades habituais históricas e de escrita. Acabaram-se os dias


em que havia-se de “provar a Bíblia”.
“Segundo, os documentos ultrapassam quaisquer outros
do mundo greco-romano em número de manuscritos rema-
nescentes. Enquanto em uma pesquisa da literatura clássica
grega um estudioso pode trabalhar com somente uma porção
de manuscritos (algumas poucas centenas, ou, em alguns ca-
sos, um ou dois), no caso do Novo Testamento pode-se tra-
balhar com mais de 5.000 manuscritos gregos e fragmentos
deles...
“Portanto, não é exagero afirmar que o texto do Novo Tes-
tamento é muito melhor comprovado do que qualquer outro
escrito antigo de figuras proeminentes tais como César, He-
ródoto, Tucídides e Tácito. (Pode-se acrescentar a essa lista
os textos hindus Vedas e Bhagavadgita, bem como o A lcorão.)
Esses fatos não são mistério para qu31quer pessoa que esteja
envolvida no campo do criticismo textual, e são de fácil acesso
para qualquer pesquisador numa biblioteca bem equipada de
qualquer faculdade.”
4. Os Milagres de Jesus
A negação da divindade de Jesus pelo Espiritismo é acom-
panhada pela subseqüente negação de seus milagres e, mais
sutilmente, pela negação da validade dos seus ensinos. Com
uma linguagem engenhosa, Kardec procura enaltecer a Jesus,
atribuindo-lhe a condição de “o tipo mais perfeito que Deus
tem oferecido ao homem para lhe servir de guia e modelo” :
“Para o homem, Jesus constitui o tipo da perfeição moral
a que a humanidade pode aspirar na Terra. Deus no-lo ofe-
rece como o mais perfeito modelo, e a doutrina que ensinou
é a expressão mais pura da lei do Senhor, porque, sendo ele
o mais puro de quantos têm aparecido na terra, o Espírito
Divino o animava."
Essa declaração evidentemente se harmoniza com o que
a Bíblia diz a respeito de Jesus. Ele é, indubitavelmente, o
modelo de perfeição moral para toda a humanidade, como
se vê na seguinte passagem: “ Com efeito nos convinha um
sumo sacerdote, assim como este, santo, inculpável, sem má-
cuia, separado dos pecadores, e feito mais alto do que os céus”
(Hb 7.26). Entretanto as Escrituras demonstram claramente
que Jesus é muito mais do que um modelo moral — ele é
Deus e homem ao mesmo tempo, e é o Salvador que deu sua
vida para a redenção da humanidade.
112 Império das Seitas IV

Os ensinos de Jesus são os ensinos do próprio Deus —


aceitá-los é aceitar a Deus; rejeitá-los é rejeitar a Palavra de
Deus.
“Quem é de Deus ouve as palavras de Deus; por isso não
me dais ouvidos, porque não sois de Deus... O Pai que me
enviou, esse mesmo é que tem dado testemunho de mim. Ja-
mais tendes ouvido a sua voz, nem visto a sua forma. Tam-
bém não tendes a sua palavra permanente em vós, porque
não credes naquele a quem ele enviou." (Jo 8.47; 5.37,38.)
Depois de exaltar a Jesus como modelo de perfeição, Kar-
dec se volta, então, contra Jesus, contestando, sutilmente, a
autoridade de seus ensinos. Ele formula a seguinte pergunta:
"Uma vez que Jesus ensinou as verdadeiras leis de Deus,
qual a utilidade do ensino que os espíritos dão? Terão que
nos ensinar mais alguma coisa?"
E esta é a resposta que ele coloca na boca dos espíritos:
"Jesus empregava amiúde, na sua linguagem, alegorias
e parábolas, porque falava de conformidade com os tempos
e os lugares. Faz-se mister agora que a verdade se torne in-
teligível para todo mundo. Muito necessário é que aquelas
leis sejam explicadas e desenvolvidas, tão poucos são os que
as compreendem e ainda menos os que as praticam. A nossa
missão consiste em abrir os olhos e os ouvidos a todos, con-
fundindo os orgulhosos e desmascarando os hipócritas: os
que vestem a capa da virtude e da religião, a Fim de oculta-
rem suas toipezas. O ensino dos espíritos tem que ser claro
e sem equívocos, para que ninguém possa pretextar ignorância
e para que todos o possam julgar e apreciar com a razão.”
Mesmo 0 leitor casual da Bíblia sabe que Jesus ensinou
através de parábolas e alegorias, recursos de linguagem que
ele utilizou para tornar as verdades acerca do reino de Deus
acessíveis a seus ouvintes. E ele o fez não apenas porque a
maioria destes era de gente simples e iletrada, mas principal-
mente porque tais recursos eram sem dúvida a melhor ma-
neira de comunicar verdades espirituais que de outra forma
não poderíam ser entendidas. Veja-se que mesmo o sábio Ni-
codemos, “um dos principais dos judeus”, Ficou confundido
com os ensinos de Jesus a respeito do novo nascimento. Jesus
indagou ao perplexo Nicodemos que se o que ele falava era
de natureza terrena, e os judeus não criam nele, como cre-
Espiritismo 113

riam então se ele lhes falasse das coisas celestiais? (Cf. Jo


3.1-15.)
Assim, as parábolas, em vez de confundir, esclareciam
os ensinos de Jesus, tornando-os vividos para seus discípulos,
cada vez mais admirados da simplicidade e ao mesmo tempo
da paradoxal profundidade deles. As verdades contidas nas
parábolas, cujo significado nem sempre ficava claro para os
discípulos, o próprio Jesus lhes expunha, chamando-os em
particular (cf. Mc 4.33,34). Seus significados estão registra-
dos nos Evangelhos que nos foram legados por esses mesmos
discípulos, não havendo nenhuma necessidade, como supõe
Kardec, de que “a verdade se tome inteligível para todo mundo”,
uma vez que nas páginas das Escrituras ela já está esclarecida.
Deve-se ter em consideração também que, embora muitos
dos ensinamentos de Jesus se encontrem em forma de pará-
bolas, a maior parte do tempo ele transmitiu ensino claro e
direto. Assim aconteceu, por exemplo, quando ele entrou na
sinagoga de Nazaré e tomou o livro do profeta Isaías, onde leu:
“O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me un-
giu para evangelizar aos pobres; enviou-me para proclamar
libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para
pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável
do Senhor.”
Após ler essas palavras, Jesus fez a sonele afirmação: “Hoje
se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir”, e prosseguiu
com um discurso objetivo com o qual despertou o furor de
seus ouvintes, que o quiseram matar (cf. Lc 4.16-30).
A simples leitura dos Evangelhos bastará para que se per-
ceba que a maior parte do tempo Jesus ensinou de forma di-
reta, valendo-se de parábolas em determinadas ocasiões para
ilustrar alguns pontos de sua doutrina. O Sermão do Monte,
que talvez seja o mais conhecido dos ensinos de Jesus, foi
apresentado em sua maior parte de modo claro, tendo o Se-
nhor usado de linguagem parabólica apenas para ilustrar aquilo
que já havia dito claramente (cf. Mt 5,6,7).
Portanto, a asserção de Kardec, supostamente dada pelos
espíritos, de que “muito necessário é que aquelas leis [de Je-
sus] sejam explicadas e desenvolvidas” fica desprovida de sen-
tido, uma vez que tais “ leis” se encontram perfeitamente de-
senvolvidas nas Escrituras e se desejarmos entendê-las basta
apenas que as estudemos, “conferindo cousas espirituais com
114 Império das Seitas IV

cousas espirituais”. O próprio Senhor Jesus enfatizou a ne-


cessidade de tal estudo para podermos compreender suas pa-
lavras, dizendo: “Examinai as Escrituras, porque julgai ter
nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim”
(Jo 5.39).
Não há, pois, lugar para os ensinos dos espíritos. Se eles
foram dados “para que ninguém possa pretextar ignorância”,
na realidade, esta é dos próprios espíritos, que ignoram a men-
sagem de Jesus, tentando mostrá-la como um amontoado de
parábolas e alegorias que, sem a ajuda de tais “guias” espi-
rituais, ninguém poderia entender. É óbvio, conforme 0 pró-
prio Jesus demonstrou, que isso não é verdade. Ao contrário,
ele esclareceu que se alguém quiser conhecer a respeito da
sua doutrina, deve examinar as Escrituras.
A explicação oferecida pelos espíritos daria a Kardec o
direito de retirar da Bíblia tudo quanto a mesma diz contra
0 Espiritismo, alegando, evidentemente, que tais passagens
faziam parte dos ensinos parabólicos ou alegóricos de Jesus.
Mais uma vez, portanto, o Espiritismo faz da Bíblia um jo-
gueíe em suas mãos, interpretando-a e citando-a arbitraria-
mente, de acordo com seus interesses. E quando alguma pas-
sagem bíblica se opõe às suas crenças, as autoridades espíritas
simplesmente a descartam ou atribuem-lhe um sentido alegó-
rico.
Jesus declarou que “a Escritura não pode falhar” (Jo 10.35),
sendo ela o único guia seguro para entendermos as suas pa-
lavras e a vontade de Jesus nela revelada. O mesmo Jesus apre-
sentou o motivo por que determinadas pessoas não conseguem
entender sua pessoa e seus ensinos: “Qual a razão por que
não compreendeis a minha linguagem? É porque sois inca-
pazes de ouvir a minha palavra” (Jo 8.43). Mais uma vez,
a razão e a Palavra de Deus se voltam contra o ensino dos
espíritos.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Kardec ataca tam-
bém os milagres de Jesus. Pretendendo explicá-los, nega-os,
reduzindo-os à categoria de um mero poder desconhecido da
natureza ou a um desenvolvimento das capacidades humanas,
e os destitui inteiramente de seu aspecto sobrenatural:
4Ό Espiritismo repudia, nos limites do que lhe pertence,
todo efeito maravilhoso, isto é, fora das leis da Natureza; ele
não faz milagres nem prodígios, antes explica, em virtude
Espiritismo 115

de uma dessas Ieis^ certos efeitos, demonstrando, assim, a


sua possibilidade.”'
“Ora, que eram esses milagres |de Jesus e seus após-
tolos], senão efeitos naturais, cujas causas os homens de
então desconheciam, mas que, hoje, em grande parte se ex-
plicam e que pelo estudo do Espiritismo e do Magnetismo
se tomarão completamente compreensíveis?... Se todos os en-
carnados se achassem bem persuadidos da força que em si
trazem, e se quisessem pôr a vontade a serviço dessa for-
ça, seriam capazes de realizar o a que, até hoje, eles cha-
maram prodígios e que, no entanto, não passa de um desen-
volvimento das faculdades humanas.”'
Dessa forma, o Espiritismo nega o sobrenatural, fazendo
com que todos os fenômenos sejam reduzidos a fatos facil-
mente explicáveis. Evidentemente, é o próprio Espiritismo que
arroga a si a autoridade e a competência para dar tais expli-
cações. Os milagres de Jesus, de acordo com Kardec, não
passaram de ilusões de ótica ou de sessões de magnetismo,
que estavam em voga nos dias do codificador.
Kardec assevera que “ importa, pois, se risquem os mila-
gres do rol das provas sobre que se pretende fundar a divin-
dade do Cristo”. 2 Conforme revelação dada por um espírito,
Jesus é apenas um médium, “o médium de Deus”." Vimos
anteriormente que algumas das principais doutrinas da Bíblia
são negadas pelo Espiritismo, e agora acrescenta-se mais esta,
a de que Jesus não apenas não é Deus, como também teria
sido, na realidade um médium, e seus milagres não teriam
passado de demonstrações de suas faculdades mediúnicas.
Seguem-se as explicações de Kardec para alguns dos mi-
lagres de Jesus:
1. A multiplicação dos pães (Mt 14.13-21).
“A multiplicação dos pães é um dos milagres que mais
tem intrigado os comentadores, ao mesmo tempo que tem
alimentado as zombarias dos incrédulos. Sem se dar ao tra-
balho de sondar o sentido alegórico, estes nada vêem senão
um conto pueril; porém a maior parte das pessoas sérias vi-
ram neste relato, embora sob uma forma diferente da comum,
uma parábola comparando o alimento espiritual da alma ao
alimento do coipo... Ora, aqueles que seguiam a Jesus eram
pessoas ávidas de ouvi-lo; nada há de espantoso que, fasci-
nados por sua palavra e talvez também pela poderosa ação
116 Império das Seitas IV

magnética que ele exercia sobre seu auditório, não sentissem


a necessidade material de comer,”*
A explicação pretendida por Kardec não se sustém quando
se olha acuradamente para 0 texto. Este diz que os discípulos
de Jesus pediram a ele que despedisse a multidão por ser tarde,
a fim de que esta pudesse se dirigir às aldeias próximas para
comprar alimento. Trata-se, então, de fome física. Jesus re-
truca, ordenando-lhes que eles mesmos dêem de comer aos
presentes. Fala, portanto, de alimento físico. Finalmente,
quando os discípulos alegam que não tem mais do que cinco
pães e dois peixes, Jesus os toma, abençoa-os e os dá aos
discípulos para que estes os distribuam à multidão.
O Evangelho relata que “todos comeram e se fartaram”
e que os que comeram foram “cerca de cinco mil homens,
além de mulheres e crianças”. Após todos terem comido, fo-
ram recolhidos doze cestos cheios das sobras. Pergunta-se:
se o alimento era espiritual, como quer Kardec, e não mate-
rial, como diz claramente o texto bíblico, de que é que esta-
vam cheios os cestos?
2. A transformação da água em vinho (Jo 1.1-12).
“É mais racional ver aí uma dessas parábolas tão freqüentes
nos ensinamentos de Jesus, como a do filho pródigo, da festa
de bodas, do mau rico. da figueira seca, e tantas outras que
têm entretanto o caráter dos fatos consumados. Ele teria feito
durante a refeição uma alusão ao vinho e à água, do que teria
tirado uma instrução”
O próprio Kardec reconhece ser difícil explicar essa pas-
sagem. Para ele, Jesus “era de uma natureza demais elevada
para se deter em efeitos puramente materiais”.‫ ״‬Na realidade,
como não consegue oferecer uma explicação plausível, e por
não admitir que Jesus tenha de fato realizado um milagre —
como se transformar água em vinho fosse algo aviltante de-
mais para pessoa tão “elevada” — tem 0 codificador espírita
de buscar uma alternativa, esclarecendo então tratar-se de uma
parábola como tantas outras que Jesus relatou.
Esquece-se, porém, de que as parábolas faziam parte dos
recursos didáticos de Jesus, e que este, ao empregá-las, ja-
mais usou sua própria pessoa como uma de suas personagens.
Além disso, trata-se aqui de uma narrativa histórica, em que
aparecem, além de Jesus, sua mãe e seus discípulos, todos
Espiritismo 117

personagens reais, históricos, e a referência é ao primeiro mi-


lagre de Jesus, com o qual ele iniciou seu ministério.
Deus decidiu usar os milagres como uma das formas de
revelar-se aos homens através de Cristo. O Senhor Jesus apon-
tou para os milagres como uma maneira de autenticar seu mi-
nistério, bem como de confirmar sua natureza divina e sua
unidade com o Pai:
“Se não faço as obras de meu Pai, não me acrediteis; mas,
se faço, e não me credes, crede nas obras; para que possais
saber e compreender que o Pai está em mim, e eu estou no
Pai." (Jo 10.37,38.)
Está claro que para Jesus seus milagres tinham a finali-
dade de levar os homens a crerem nele. Ele não os tinha na
conta de magnetizações ou emanações fluídicas, mas, sim,
de obras que deveriam contribuir para despertar a consciên-
cia dos homens para o fato de que ele e o Pai eram um (cf.
Jo 10.30). Os discípulos compreenderam o propósito dos mi-
lagres, que era o de levar os homens à fé em Cristo como
único meio de salvação. O apóstolo João chega a afirmar que
registrou alguns dos milagres de Jesus com o explícito obje-
tivo de inculcar nos seus leitores a fé salvadora em Cristo:
“ Na verdade fez Jesus diante dos discípulos muitos outros
sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram
registados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de
Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome." (Jo
20.30,31.)
A análise acima permite-nos concluir que 0 Jesus do Es-
piritismo não é o Jesus da Bíblia. Enquanto aquele é apenas
um mestre e exemplo para a humanidade, em que pesem es-
ses atributos, o Jesus das Escrituras eleva-se acima da perfeição
humana e se nos apresenta como o verdadeiro Deus, que en-
carnou para efetuar a reconciliação entre os homens pecado-
res e Deus. Ele é o Messias profetizado por Isaías mais de
setecentos anos antes de seu nascimento: “ Eis que a virgem
conceberá, e dará à luz um filho, e lhe chamará Emanuel”
(Is 7.14).
Kardec considera Jesus apenas um dos “ mensageiros di-
retos da Divindade... um Messias divino”.” Entretanto, o tes-
temunho bíblico unânime é que Jesus não é apenas “um Mes-
sias”, mas o único Messias, Emanuel (que significa “ Deus
118 Império das Seitas IV

conosco”). Os atributos do Jesus dos Evangelhos, suas obras


e até seus títulos apontam concordemente para sua divindade,
como o expressou Paulo: ”... nele habita corporalmente toda
a plenitude da Divindade” (Cl 2.9).
5. O Consolador Prometido
Allan Kardec alega ser o Espiritismo a terceira revelação
de Deus, o cumprimento da promessa feita por Jesus aos seus
discípulos de enviar-lhes outro Consolador:
“O Espiritismo vem, na época predita, cumprir a pro-
messa do Cristo: preside ao seu advento o Espírito de Ver-
dade... Vem, fínalmente, trazer a consolação suprema aos
deserdados da Terra e a todos os que sofrem, atribuindo causa
justa e fim útil a todas as dores... Assim, o Espiritismo re-
aliza o que Jesus disse do Consolador prometido: conheci-
mento das coisas, fazendo que o homem saiba de onde vem,
para onde vai e por que está na Terra; atrai para os verda-
deiros princípios da lei de Deus e consola pela fé e pela es-
perança.” '
Em outro lugar afirma Kardec:
"Razão há, pois, para que o Espiritismo seja considerado
a terceira das grandes revelações."
Talvez seja esse o maior disparate de Kardec em sua ten-
tativa de interpretar as palavras de Jesus. A doutrina do Es-
pírito Santo, o Consolador prometido, é um dos ensinos fun-
damentais de Jesus e dos apóstolos, e constitui-se num dos
mais claros do Novo Testamento. A tentativa de identificá-lo
com o Espiritismo beira as raias do absurdo, como veremos.
Em primeiro lugar, o Espírito Santo é apresentado na Bí-
blia como uma pessoa, e não como um sistema ou conjunto
de ensinos, que é o caso do Espiritismo. As três caracterís-
ticas essenciais da personalidade — intelecto, volição e emoções
— são associadas ao Espírito Santo na Bíblia. O esquema
abaixo mostra algumas passagens representativas dos atribu-
tos pessoais do Espírito Santo:
1. Ele possui intelecto.
"E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do
Espírito, porque segundo a vontade de Deus é que ele inter-
cede pelos santos.” (Rm 8.27.)
Espiritismo 119

“ Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito; porque o Espírito


a todas as cousas perscruta, até mesmo as profundezas de
Deus.” (1 Co 2.10.)
O intelecto, raciocínio ou mente é, pois, uma das carac-
terísticas do Espírito Santo que o identificam claramente como
uma pessoa.
2. Ele possui volição ou vontade própria.
“ Mas um só e o mesmo Espírito realiza todas estas cou-
sas, distribuindo-as, como lhe apraz, a cada um, individual-
mente.” (1 Co 12.11.)
“ E percorrendo a região frígio-gálata, tendo sido impe-
didos pelo Espírito Santo de pregar a palavra na Ásia, defron-
tando Mísia, tentavam ir para Bitínia, mas o Espírito de Jesus
não o permitiu.” (At 16.6,7.)
O Espírito de Deus exerce sua vontade soberanamente,
seja conferindo dons aos homens, seja abençoando ou não
permitindo a realização de seus planos.
3. Ele possui sentimentos ou emoções.
“E não entristeçais o Espírito de Deus, no qual fostes se-
lados para o dia da redenção.” (Ef 4.30.)
“ Mas eles foram rebeldes, e contristaram o seu Espírito
Santo, pelo que se lhes tornou em inimigo, e ele mesmo pe-
lejou contra eles.” (Is 63.10.)
Além dessas passagens que mostram claramente que o Es-
pírito Santo possui as qualidades básicas da personalidade,
há muitas outras que apresentam o Espírito Santo exercendo
atos pessoais, ou seja, atos que só uma pessoa pode executar:
1. Ele fold:
“Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igre-
jas...” (Ap 2.7.)
2. Ele intercede:
“Também 0 Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fra-
queza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Es-
pírito intercede por nós sobremaneira com gemidos inexprimíveis.”
(Rm 8.26.)
120 Império das Seitas IV

3. Ele ensina:
"... mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai
enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as cousas e
vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito‫( ״‬Jo 14.26,)
4. Ele cham a e comissiona homens para cuidarem do rebanho de Deus:
“E, servindo eles ao Senhor, e jejuando, disse o Espírito
Santo: Separai-me agora a Barnabé e a Saulo para a obra a
que os tenho chamado.” (At 13.2.)
“Atendei por vós e por todo 0 rebanho sobre o qual o Es-
pírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja
de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue." (At
20.28.)
5. Pode-se pecar contra o Espírito Santo:
“Por isso vos declaro: Todo pecado e blasfêmia serão per-
doados aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não
será perdoada. Se alguém proferir alguma palavra contra o
Filho do homem ser-lhe-á isso perdoado; mas se alguém fa-
lar contra o Espírito Santo, não lhe será isso perdoado, nem
neste mundo nem no porvir." (Mt 12.31,32.)
“ Então disse Pedro: Ananias, por que encheu Satanás teu
coração, para que mentisses ao Espírito Santo, reservando
parte do valor do campo?” (At 5.3.)
Também a divindade do Espírito Santo é revelada em vá-
rios textos bíblicos. Os quatro atributos distintivos da divin-
dade são aplicados a ele nas seguintes passagens:
1. Eternidade
"... muito mais 0 sangue de Cristo que, pelo Espírito
eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, purifi-
cará a nossa consciência de obras monas para servirmos ao
Deus vivo,” (Hb 9.14.)
2. Onipresença
“ Para onde me ausentarei do teu Espírito? para onde fu-
girei da tua face? Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha
cama no mais profundo abismo, lá estás também; se tomo
as asas da alvorada e me detenho nos confins dos mares, ainda
lá me haverá de guiar a tua mão e a tua destra me susterá.”
(SI 139.7-10.)
Espiritismo 121

3. Onisciência
“ Mas Deus no-Io revelou pelo Espírito; porque o Espírito
a todas as cousas perscruta, até mesmo as profundezas de
Deus. Porque, qual dos homens sabe as cousas do homem,
senão o seu próprio espírito que nele está? assim também as
cousas de Deus ninguém as conhece, senão o Espírito de
Deus.” (1 Co 2.10.)
"... mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai
enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as cousas e
vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito." (Jo 15.26.)
4. Onipotência
"Respondeu-lhe o anjo: Descerá sobre ti o Espírito Santo
e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por
isso também o ente santo que há de nascer, será chamado
Filho de Deus.” (Lc 1.35.)
O Espírito Santo também é associado ao Pai e ao Filho
em nível de igualdade;
a. na ordenança do batismo: “ Ide, portanto, fazei disci-
pulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do
Filho e do Espírito Santo.” (Mt 28.19);
b. na bênção apostólica; “A graça do Senhor Jesus Cristo,
e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam
com todos vós.” (2 Co 13.13);
c. no batismo de Jesus; “ Batizado Jesus, saiu logo da água,
e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus
descendo como pomba, vindo sobre eles. E eis uma voz dos
céus, que dizia; Este é o meu Filho amado, em quem me com-
prazo.” (Mt 3.16,17.)
Ademais, existem pelo menos mais duas razões por que
o Espiritismo não poderia jam ais ser o Consolador pro-
metido. A primeira é que, quando Jesus disse: “ Eu rogarei
ao Pai e ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja
convosco para sempre” (Jo 14.16), a palavra por ele usada,
traduzida como “outro”, é, no original, allos, que significa
“outro da mesma espécie”.“ Em vista do fato de que Jesus
promete outro Consolador, e este deve ser da mesma espécie
que ele, conclui-se, portanto, que o Consolador prometido,
o Espírito Santo, é uma pessoa, e não uma mera influência
ou uma coletânea de ensinos, e que além disso é uma pessoa
divina.
122 Império das Seitas IV

A outra razão é que 0 Espírito Santo, o Consolador, viria,


segundo a promessa de Jesus, logo depois da sua ascensão:
“E, comendo com eles, determinou-lhes que não se au-
sentassem de Jerusalém, mas esperassem a promessa do Pai,
a qual, disse ele, de mim ouvistes. Porque João, na verdade,
batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito
Santo, não muito depois destes dias.” (At 1.4,5.)
O cumprimento dessa promessa se deu após dez dias de
espera, quando o Espírito Santo desceu sobre os discípulos
no dia de Pentecoste:
“Ao cumprir-se o dia de Pentecoste, estavam todos reu-
nidos no mesmo lugar; de repente veio do céu um som, como
de um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam
assentados. E apareceram, distribuídas entre eles, línguas como
de fogo, e pousou uma sobre cada um deles. E todos ficaram
cheios do Espírito Santo, e passaram a falar em outras lín-
guas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem.” (At
2.1-4.)
O apóstolo Pedro explicou o fenômeno à multidão atônita
que para ali acudiu atraída pelas línguas, com as seguintes
palavras: “ Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido
do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vedes
e ouvis.” (At 2.33.)
Fica, portanto, claro que o Consolador prometido, o Es-
pírito Santo, não tem nada que ver com o moderno Espiritismo
codificado por Allan Kardec. Enquanto este foi codificado
apenas em meados da década de 1850, o Espírito Santo veio
sobre os discípulos quase imediatamente após a ascensão de
Jesus, conforme ele mesmo havia predito.
6. Comunicação com os Monos e Mediunidade
Um dos pilares sobre que se sustenta 0 Espiritismo é a
crença na possibilidade de comunicação com os espíritos dos
mortos. Esta pode dar-se espontaneamente ou através da me-
diação de pessoas especial mente dotadas de capacidade para
este fim, os médiuns.
Afirma Kardec:
“Os espíritos podem comunicar-se espontaneamente ou
vir atendendo a nosso apelo, isto é, por evocação... Quando
Espiritismo 123

se quer comunicar com um espírito determ inado, é de todo


necessário evocá-lo.”
O Espiritismo recorre constantemente à Bíblia em busca
de apoio para essa crença, embora a Palavra de Deus proíba
terminantemente a prática da necromancia ou consulta aos
mortos. Quando o povo de Israel jornadeava pelo deserto, às
vésperas de entrar na terra prometida, Deus fez uma clara
advertência para que o seu povo não se misturasse com as
crenças e práticas dos povos pagãos que habitavam naquela
região. Entre as práticas condenadas por Deus, encontra-se
a consulta aos mortos:
“Quando entrares na terra que o Senhor teu Deus te der,
não aprenderás a fazer conforme as abominações daqueles
povos. Não se achará entre ti quem faça passar pelo fogo o
seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognostica-
dor, nem agoureiro, nem feiticeiro; nem encantador, nem ne-
cromante, nem mágico, nem quem consulte os mortos; pois
todo aquele que faz tal cousa é abominação ao Senhor; e por
estas abominações o Senhor teu Deus os lança de diante de
ti.” (Dt 18.9-12.)
Kardec apresenta uma sugestiva explicação para essa pas-
sagem que condena explicitamente a prática da comunicação
com os mortos e a mediunidade. Justifica-se ele:
“Se Moisés proibiu evocar os espíritos dos mortos, é uma
prova de que eles podem vir; do contrário essa interdição se-
ria inútil.”
Façamos um paralelo com outra proibição divina — a ido-
latria. O fato de Deus proibir a adoração aos ídolos, implica
na existência de outros deuses? De modo nenhum! O próprio
Deus diz ser ele o único que existe, como se pode ver em
diversas passagens bíblicas:
“Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único SENHOR.”
(Dt 6.4.)
“Assim diz o Senhor, Rei de Israel, seu Redentor, o Se-
nhor dos Exércitos: Eu sou o primeiro, e eu sou o último,
e além de mim não há Deus.” (Is 44.6.)
Deus proibiu a idolatria não porque existissem outros deu-
ses, mas porque por detrás dos ídolos existiam demônios que
124 Império das Seitas IV

eram os verdadeiros objetos da adoração, como afirmou o


apóstolo Paulo em 1 Coríntios 10.19,20:
“Que digo, pois? que o sacrificado ao ídolo é alguma
cousa? ou que o próprio ídolo tem algum valor? Antes digo
que as cousas que eles sacrificam, é aos demônios que as
sacrificam, e não a Deus; e eu não quero que vos torneis
associados aos demônios."
Da mesma forma, Deus proibiu a consulta aos mortos não
porque eles se comuniquem com os vivos, mas porque são
espíritos demoníacos ou malignos que se manifestam em tais
consultas.
Isso obviamente não significa que todas as manifestações
que ocorrem numa sessão espírita sejam necessariamente obra
de demônios. Pesquisas têm demonstrado que grande parte
das supostas manifestações espíritas constituem fraude engen-
drada por médiuns. Ao utilizarmos esse termo, referimo-nos
tanto a artifícios usados por alguns médiuns com o propósito
de enganar incautos, como a fenômenos psíquicos variados
levados a efeito por pessoas que acreditam de fato estar sendo
usadas por espíritos, mas que na verdade estão inconsciente-
mente exercitando suas faculdades psíquicas.
Oscar Quevedo, que analisa vários fenômenos ligados ao
Espiritismo, chegou à conclusão de que um mesmo espírito
mostra-se diferente quando se manifesta através de diferentes
médiuns, correspondendo à personalidade e estilo pessoal de
cada médium. Quevedo demonstra também que espíritos “su-
periores”, que teriam alcançado maior iluminação no além,
na verdade quando pretensamente se comunicam, fazem-no
num nível que não ultrapassa as faculdades normais do mé-
dium, devendo, portanto, buscar-se a origem real dessas ma-
nifestações na atividade psíquica do próprio médium.
Entre os exemplos citados por Quevedo encontra-se um
fato que ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial: os es-
píritos garantiam aos espíritas alemães que a Alemanha ga-
nharia a guerra, e ao mesmo tempo asseguravam a vitória aos
consulentes aliados. Este não é um caso isolado. Durante 0
primeiro conflito mundial, o próprio Léon Denis ficou sur-
preendido, ao entrevistar prisioneiros alemães espíritas, pois
para eles os espíritos tinham assegurado o triunfo da Alema-
nha.6*
Maurice Colinon, também citado por Quevedo, afirma que
Espiritismo 125

o próprio Kardec teve de corrigir a primeira edição do Livro


dos Espíritos, “ porque no texto original eram contradições
tais que resultavam incoerentes’’, assim “costurando” a dou-
trina espírita a fim de dar-lhe mais consistência. Diz Colinon:
“Sem escrúpulo excessivo (...) (Kardec) tira, corta, adap-
ta, refaz à sua medida as comunicações que lhe chegam em
quantidade (...)."
Além desse fato, praticamente desconhecido da grande
maioria dos espíritas, há outros disparates nas obras de
Kardec que passam despercebidos a boa parte de seus segui-
dores. Em matéria de conhecimento científico, por exemplo,
os espíritos dão um verdadeiro espetáculo de ignorância. Atra-
vés da instrumentalidade de Camille Flammarion, um médium
amigo de Kardec, que psicografou A Gênese, o suposto es-
pírito de Galileu fez as seguintes revelações sobre astronomia:
1. A lua
“Para ser melhor compreendido seu estado geológico, pode
ser considerado semelhante a um globo de cortiça cuja base
voltada para a Terra seria formada de chumbo.
“Daí derivam duas naturezas essencialmente distintas, exis-
tentes na superfície do mundo lunar: uma, sem nenhuma ana-
logia possível com a de nosso planeta, pois os coipos fluidos
e etéreos lhe são desconhecidos; a outra, leve em relação à
Terra, pois que todas as substâncias menos densas se acu-
mularam nesse hemisfério. A primeira, perpetuamente voltada
para a Terra, sem água e sem atmosfera... a outra, rica em
fluidos, perpetuamente oposta ao nosso mundo.”
Sabe-se hoje, por meio das recentes descobertas da astro-
nomia e das viagens espaciais realizadas pelo homem no sé-
culo XX, que tais “ revelações” não são verdadeiras. Elas re-
presentam o pensamento de alguns estudiosos de astronomia
do século passado, entre os quais se encontrava Flammarion,
o médium por quem elas foram transmitidas. Ninguém me-
nos do que o próprio Flammarion confessou depois que as
supostas revelações contidas no livro de Kardec não passa-
vam de suas próprias idéias e que os espíritos não tiveram
nenhuma participação na comunicação das mesmas:
“ Eu próprio era o médium; Allan Kardec publicou no seu
livro A G ênese as dissertações que eu escreví, o reflexo do
que eu sabia, daquilo que nós pensavamos nessa época sobre
126 Império das Seitas IV

os planetas, sobre Cosmogonia, etc. E os espíritos nada m e


ensinaram . ' [ Ê n f a s e acrescentada.]
2. Vida cm outros planetas
Em várias de suas obras Kardec também afirma existir
vida em outros planetas, cujos habitantes seriam mais ou me-
nos avançados do que os da Terra conforme 0 grau de desen-
volvimento que houvessem alcançado em suas vidas anteriores:
“São habitados todos os globos que se movem no espaço?
[Resposta dos espíritos:) Sim...“
“Segundo os espíritos, de todos os mundos que compõem
o nosso sistema planetário, a Terra é dos de habitantes menos
adiantados, física e moralmente . Mane lhe estaria ainda abaixo,
sendo-lhe Júpiter superior de muito, a todos os respeitos...
“Muitos espíritos, que na Terra animaram personalidades
conhecidas, disseram estar reencarnados em Júpiter,
[Ênfase acrescentada.]
É desnecessário comentar as declarações acima, as quais
refletem ou um desejo irreprimível da parte do médium de
fazer-se passar por instrumento de espíritos “superiores” ou
uma manifestação de espíritos mentirosos, o que nesse caso
correspondería a uma das prerrogativas básicas de Satanás,
o chefe dos demônios, pois a Bíblia afirma que “quando ele
profere a mentira, fala do que lhe é próprio, porque é men-
tiroso e pai da mentira” (Jo 8.58).
Entretanto, não param aí as revelações “científicas” dos
espíritos. No Catecismo Espfritay Léon Denis, num capí-
tulo dedicado à astronomia, afirma que o planeta Urano tem
quatro luas ou satélites. Saturno, oito, e Júpiter, que possui
quatro, é “ favorecido com uma primavera constante”.70 As
descobertas dos astrônomos e as sondas espaciais revelaram
existir quinze satélites em Urano, enquanto Saturno possui
dez e Júpiter, em torno do qual gravitam quinze luas, é fus-
tigado por um inverno rigoroso, cuja temperatura oscila entre
130 e 140 graus negativos!
Os espíritos também revelaram a Allan Kardec que Marte
não tem nenhum satélite, Saturno só tem um anel, formado
pelo mesmo material do planeta, e que algumas estrelas como
Sírio possuem uma dimensão milhares de vezes maior que
a do Sol.71 A ciência informa que Marte possui dois satélites,
o “anel” de Saturno não é formado da mesma matéria que
Espiritismo 127

o planeta, mas de inúmeras formações de gelo, e Sírio, con-


quanto grandiosa e magnifícente, tem o seu tamanho calculado
entre 13 a 15 vezes maior que o Sol.
Francisco Cândido Xavier, mais conhecido como “Chico
Xavier”, o mais famoso médium brasileiro, também teria re-
cebido revelações dos espíritos que lhe informaram ser Marte
povoado por habitantes que vivem em “adiantadíssima evo-
lução”, cujos progressos são para nós inconcebíveis.”
Todas essas revelações fazem pensar nas palavras profe-
ridas por Allan Kardec no Congresso Internacional do Espi-
ritismo celebrado em 1910:
“O Espiritismo, marchando com o progresso, jamais será
desabordado, porque se novas descobertas lhe mostrarem que
está errado num ponto, ele modificará esse ponto: se uma
nova descoberta surgir, ele a aceitará.”
Ora, se assim de fato é, que autoridade têm os livros de
Kardec e de outros mestres espíritas para dar direção e se-
gurança espiritual aos homens? Se ele admite a possibilidade
de estar errado em alguns pontos, e de fato está, conforme
vimos, que garantia há de que não está também equivocado
em outros pontos fundamentais da doutrina espírita? Que se-
gurança podem oferecer os ensinos dos espíritos àqueles que,
em busca da verdade, aceitam tais ensinos sem um exame cri-
terioso, se a qualquer momento estes podem ser modificados
por novas descobertas? Uma pessoa sensata certamente não
depositaria sua fé e o destino eterno de sua alma numa crença
sujeita a mudar a qualquer hora em função de fatos novos
que venham a contradizer as verdades por ela aceitas. Tais
mudanças revelariam que as verdades cridas e defendidas por
esse grupo são, na realidade, inverdades que têm de se curvar
à Verdade!
Não se‫־‬deve esquecer, todavia, que nem todos os fenô-
menos espíritas podem ser considerados fraudulentos. Como
nota Walter Martin, uma das maiores autoridades na área da
apologética cristã deste século, existe uma dimensão espiri-
tual que não pode ser ignorada. Ao par das manifestações frau-
dulentas também ocorrem manifestações de origem verdadei-
ramente espiritual, originadas naquele que a Bíblia chama de
“ leão que ruge procurando alguém para devorar” (1 Pe 5.8),
o diabo. Martin faz a seguinte observação:
128 Império das Seitas IV

“A evidência fde fenômenos espíritas reais]... deve ser


estudada cuidadosamente e, eu acredito, demonstrará sem qual-
quer sombra de dúvida não apenas que existe uma dimensão
espiritual de realidade, mas ainda que algumas pessoas têm
a capacidade de penetrar nessa dimensão. Em termos da Es-
critura tal penetração pode apenas culminar numa ligação com
as forças das trevas...”
A identificação dos espíritos constitui um problema para
o Espiritismo prático. Quem são de fato os espíritos que se
comunicam com os vivos numa sessão e lhes transmitem as
doutrinas? São eles espíritos bons ou espíritos enganadores,
isto é, demônios, que, procurando enganar os que os consul-
tam, se fazem passar por bons espíritos, conduzindo-os a uma
fé que, ao invés de aproximar as pessoas de Deus, as afasta
dele por violarem princípios que 0 próprio Deus estabeleceu?
Allan Kardec tergiversa sobre o assunto. Ora afirma que
“distinguir os bons dos maus espíritos é extremamente fá-
c i r M, ora reconhece a dificuldade de identificar uns e ou-
tros:
“ Inegavelmente a substituição dos espíritos pode dar
lugar a uma porção de equívocos, ocasionar erros e. amiú-
de, mistificações. Essa é uma das dificuldades do Espiri-
tism o prá tico ,”

Kardec admite que espíritos “levianos” e perversos podem


tomar o lugar de espíritos bons e “superiores”, fazendo-se pas-
sar por estes com o propósito de iludir e infligir sofrimento
aos que por eles são enganados:
“ Um fato demonstrado pela observação e confirmado
pelos próprios espíritos é o de que os espíritos inferiores mui-
tas vezes usurpam nomes conhecidos e respeitados. Quem
pode, pois, afirmar que os que dizem ter sido, por exemplo,
Sócrates, Júlio César, Carlos Magno, Fénelon, Napoleão,
Washington, etc., tenham realmente animado essas persona-
gens? Esta dúvida existe mesmo entre alguns adeptos fervo-
rosos da doutrina espírita, os quais admitem a intervenção
e a manifestação dos espíritos, mas inquirem como se lhes
pode comprovar a identidade. Semelhante prova é, de fato,
bem difícil de produzir-se”
“Insistir por obter informes precisos é expor-se às mis-
tificações dos espíritos levianos que predizem tudo o que se
Espiritismo 129

queira, sem se preocuparem com a verdade, divertindo-se


com os terrores e as decepções que causam.”
Ele também adverte quanto à sagacidade dos espíritos en-
ganadores:
“Há‫ ״‬7«
falsários no mundo dos espíritos como os há
neste.
“ Devem persuadir-se de que os espíritos perversos são
capazes de todos os ardis e de que, quanto mais venerável
for o nome com que um espírito se apresente, tanto maior
desconfiança deve inspirar. Quantos médiuns têm tido co-
municações apócrifas assinadas por Jesus, Maria, ou um santo
venerado!"
A solução encontrada por Kardec para identificar os es-
píritos parece muito simples — o que distingue os espíritos
é a linguagem que utilizam! Se um espírito usa linguagem
elevada, de alto teor moral e que não revele a presença de
paixão inferior, então, este é por certo um bom espírito, ao
passo que aquele que utiliza linguagem indigna, destituída de
moral facilmente se poderá identificar como ignorante ou le-
viano:
“Os espíritos superiores usam constaniemente de lingua-
gem digna, nobre, repassada da mais alta moralidade, escoi-
mada de qualquer paixão inferior... A dos espíritos inferio-
res, ao contrário, é inconseqüente, amiúde trivial e até gros-
seira...”
Para ilustrar essa declaração, Kardec diz que se um es-
pírito se apresenta sob o nome de Fénelon, não importa se
ele realmente o é ou não. “ Desde que tudo o que ele diz é
bom e que fala como o teria feito o próprio Fénelon, é um
bom espírito.’’*1 Tudo fica então reduzido à nobreza e digni-
dade de expressão! Imagine-se, entretanto, um ladrão que qui-
sesse imiscuir-se entre pessoas da alta sociedade com o ob-
jetivo de conquistar amigos entre elas para depois roubar-lhes
suas jóias e outros bens. Apresentar-se-ia ele maltrapilho e
falando uma linguagem que o traísse, ou se vestiría com as
melhores roupas e faria uso do mesmo linguajar e costumes
daquelas pessoas? É certo que ele se esforçaria ao máximo
para parecer-se com elas e granjear-lhes a confiança. E é pre-
cisamente isso que a Bíblia diz que o diabo faz. Ele se trans-
130 Império das Seitas IV

veste como um anjo de luz para enganar e desviar os homens


da verdade de Deus, revelada em sua Palavra:
“E não é de admirar; porque o próprio Satanás se trans-
forma em anjo de luz. Não é muito, pois, que os seus pró-
prios ministros se transformem em ministros de justiça; e o
fim deles será conforme as suas obras.” (2 Co 11.14.)
Satanás e seus anjos, os demônios, se transfiguram para
dar aos homens a impressão de que são espíritos vindos da
parte do próprio Deus que com eles se comunicam. Isso se
dá porque os que consultam os mortos transgridem o man-
damento divino. Sempre que ultrapassamos os limites esta-
belecidos por Deus, abrimos espaço para que o inimigo —
outro nome dado ao diabo nas Escrituras — opere “com todo
poder, e sinais e prodígios da mentira, e com todo engano
de injustiça aos que perecem, porque não acolheram o amor
da verdade para serem salvos. É por este motivo, pois, que
Deus lhes manda a operação do erro. para darem crédito à
mentira, a fim de serem julgados todos quantos não deram
crédito à verdade; antes, pelo contrário, deleitaram-se com
a injustiça” (2 Ts 2.9-12).
Kardec nega a existência do diabo dizendo que “Satã, se-
gundo o Espiritismo e a opinião de muitos filósofos cristãos,
não é um ser real; é a personificação do Mal, como Saturno
era outrora a do Tempo”.“ Entretanto, conforme demons-
trado pela Bíblia, não pode existir dúvida de que o diabo existe,
e é um ser pessoal. Ele é mencionado entre outros seres pes-
soais (Jó 1.6), falou com Jesus no monte da tentação (Mt 4.1-10)
e foi tratado por Jesus como um indivíduo real que arquiteta
planos ardilosos para afastar os homens de Deus. Também
os demônios, que para o Espiritismo são apenas espíritos in-
feriores carentes de aperfeiçoamento, são identificados pelas
Escrituras como criaturas espirituais que procuram afastar os
homens da verdade. Eles recebem o nome de “demônios”
(Mt 8.31), espíritos imundos (Mc 5.2), não sendo jamais cha-
mados de espíritos de mortos nem invocados. Jesus sempre
os repreendeu (Lc 8.29-31) e deu ordens aos seus discípulos
a que fizessem o mesmo (Lc 9.1; 10.17-20; Mc 16.17). Tanto
Satanás como os demônios serão por fim julgados por Deus
e para sempre castigados (2 Pe 2.4; Jd 6; Ap 20.10).
Ao contrário do que pensa Kardec, que chega a dizer que
Espiritismo 131

“se houvesse demônios, eles seriam obra de Deus”, questionando


se “Deus seria justo e bom se houvesse criado seres devotados
eternamente ao mal e infelizes” *', a Bíblia mostra que Deus
não criou Satanás e seus demônios no sentido próprio do termo.
Deus não criou um ser maligno, mas um anjo de luz, dotado
de livre-arbítrio, que se transviou, arrastando consigo miría-
des das hostes angelicais (cf. Is 14.12-14; Ez 28.14-16). Jesus
disse que ele não permaneceu na verdade (Jo 8.44).

Saul e a médium de En-Dor


Insistem, entretanto, os espíritas em buscar apoio para a
prática da mediunidade e da comunicação com os espíritos
dos mortos nas Escrituras. Uma das passagens bíblicas a que
recorrem é a que narra a consulta feita pelo rei Saul à mé-
dium de En-Dor, registrada em I Samuel 28. Entretanto uma
análise dessa sessão e de seus resultados na vida de Saul re-
vela que o ato desse rei constituiu uma flagrante violação do
mandamento divino, com suas naturais conseqiiências, que
foram desastrosas para Saul.
O motivo que levou esse rei a recorrer à médium foi 0
mesmo que motiva milhares de pessoas a buscar solução para
seus problemas no Espiritismo hoje — o desespero. Os ini-
migos figadais de Israel, os filisteus, estavam prestes a atacar
os israelitas, e quando Saul viu o acampamento dos seus ini-
migos, com seu aparato militar, “ foi tomado de medo, e muito
se estremeceu o seu coração” (v. 5). Após ter-lhe sido recu-
sada a resposta divina foi que ele então procurou a médium.
Saul reconheceu, inclusive, perante o suposto Samuel que Deus
não lhe dera ouvidos, declarando: “ Deus se desviou de mim”
(v. 15). Ele assumiu o risco de expor-se a uma manifestação
satânica ou a uma fraude ao reconhecer que o próprio Deus
se afastara dele, ou antes, que ele se afastara de Deus.
Diz o texto bíblico que “já Samuel era morto, e todo o
Israel o tinha chorado, e o tinha sepultado em Ramá, que era
a sua cidade; Saul havia desterrado os médiuns e os adivi-
nhos” (v. 3). Antes da morte de Samuel e da trágica consulta
à médium, Saul havia, portanto, agido em conformidade com
a ordem divina expressa em Êxodo 22.18: “A feiticeira não
deixarás viver”, e em Levítico 20.27: “O homem ou mulher
que sejam necromantes, ou sejam feiticeiros, serão mortos:
132 Império das Seitas IV

serão apedrejados; o seu sangue cairá sobre eles”. Entretanto,


Saul cometera um erro — deixara viver os médiuns.
Em segundo lugar, Saul recorreu à médium em extremo
desespero e depois de Deus ter-se recusado a responder-lhe
pelos meios usuais: “Consultou Saul o Senhor, porém este
não lhe respondeu, nem por sonhos, nem por Urim, nem por
profetas” (v. 6). Em outras palavras, o Senhor não lhe res-
pondeu nem pessoalmente (por sonhos), nem através dos sa-
cerdotes (Urim) — os responsáveis pela intercessão pelo povo
diante de Deus — e nem pelos profetas, os instrumentos de
Deus para revelar sua vontade aos homens. E por que o Se-
nhor não lhe respondeu? Por causa da sua obstinada rebeldia
e desobediência à vontade divina, 0 que levou o Senhor a
rejeitá-lo, conforme as palavras do próprio Samuel: “ Porque
a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e a obstinação é
como a idolatria e culto a ídolos do lar. Visto que rejeitaste
a palavra do Senhor, ele também te rejeitou a ti, para que
não sejas rei” (1 Sm 15.23; cf. também 1 Sm 16.1). Vê-se as-
sim que Saul apelou à médium de Επ-Dor como o último re-
curso de uni desesperado, em flagrante violação de uma lei
divina que ele mesmo anteriormente procurara cumprir. A
própria médium sentiu-se receosa quando descobriu a iden-
tidade de Saul, que se apresentara a ela disfarçado.
Depois de 0 rei ter-lhe assegurado que nenhum mal lhe
aconteceria, a mulher deu início à sessão, evocando a presença
de Samuel a pedido de Saul. É necessário notar que o rei não
viu o pretenso Samuel que se manifestou na ocasião. Quando
ele perguntou à mulher: “Que vês?”, ela respondeu: “ Vejo
um deus que sobe da terra” (v. 13). Insatisfeito com a res-
posta, ele inquiriu novamente: “Como é a sua figura?”, ao
que ela respondeu: “ Vem subindo um ancião, e está envolto
numa capa”. A narrativa bíblica diz então que “entendendo
Saul que era Samuef inclinou-se com o rosto em terra e se
prostrou” (v. 14). [Ênfase acrescentada.] Saul deduziu que
o vulto que subia da terra, ao qual ele não via, era o profeta
Samuel.
Finalmente, a narrativa apresenta uma profecia feita pelo ente
que Saul pensava ser Samuel, 0 qual vaticinou: “O SENHOR en-
tregará também a Israel contigo na mão dos filisteus, e amanhã
tu e teus filhos estareis comigo; e 0 acampamento de Israel o Se-
nhor entregará na mão dos filisteus” (v. 19). Essa profecia não
Espiritismo 133

se cumpriu na íntegra, conforme passaremos a observar: Saul não


foi entregue nas mãos dos filisteus; ele se suicidou (1 Sm 31.4)
e seu corpo foi recolhido do campo de batalha pelos moradores
de Jabes-Gileade (1 Sm 31.11-13); israelitas, e não filisteus, os
quais, aliás, só ficaram com a cabeça de Saul, a qual deceparam.
Também não morreram todos os filhos de Saul — este tinha seis
filhos e três deles sobreviveram. Morreram na batalha Jônatas,
Abinadabe e Malquisua (31.2,8), porém permaneceram vivos Is-
Bosete, Armoni e Mefibosete (2 Sm 22.8-10; 21.8). Além disso,
Saul e seus filhos não morreram no dia seguinte conforme foi pre-
dito, mas cerca de dezoito dias mais tarde. Esses fatos tornam essa
profecia uma flagrante contradição com o testemunho divino a res-
peito de Samuel, pois está escrito que “0 Senhor era com ele, e
nenhuma de todas as suas palavras deixou cair em terra” (1 Sm
3.19). É claro, portanto, que não foi Samuel quem se manifestou
em En-Dor. Tudo não passou de uma fraude ou de artimanha de
um espírito maligno.
Finalmente, Saul, ao morrer, não foi para 0 mesmo lugar onde
estava 0 verdadeiro Samuel, pois este se encontrava no paraíso con-
forme prometido por Deus em sua Palavra àqueles que 0 temem
(cf. Lc 16.19-31; 23.43). Sobre o rei Saul, entretanto, foi pronun-
ciado 0 juízo divino. Em 1 Crônicas 10.13, encontra-se explicitada
a causa de sua morte.
“Assim morreu Saul por causa da sua transgressão co-
metida contra o Senhor, por causa da palavra do Senhor, a
que ele não guardara; e também porque interrogara e con-
sultara uma necromante.”
A desobediência sempre traz o juízo divino. A consulta
aos mortos é proibida por Deus e qualquer tentativa de se
estabelecer contato com eles é desobediência aos preceitos
de Deus, e suas trágicas consequências não se ferão esperar.
Atente-se para a exortação do profeta Isaías:
“Quando vos disserem: Consultai os necromantes e os
adivinhos, que chilreiam e murmuram, acaso não consultará
o povo ao seu Deus? A favor dos vivos se consultarão os mor-
tos? À lei e ao testemunho! Se eles não falarem desta ma-
neira, jamais verão a alva!” (Is 8.19,20.)
7. Reencarnação e Salvação
A reencarnação constitui uma das doutrinas mais funda-
mentais do Espiritismo, o qual se assenta basicamente nessa
134 Império das Seitas IV

crença e na da possibilidade de comunicação com os espíritos


dos mortos. Milênios antes da sua codificação elaborada por
Allan Kardec, a idéia da reencarnação era aceita entre os an-
tigos hindus e outros povos orientais, de onde se espalhou
para outras regiões. Na verdade, 0 sistema religioso hindu,
como também o budismo e algumas religiões orientais têm
em seu cerne a crença na pluralidade de vidas, pelas quais
teoricamente 0 indivíduo se aperfeiçoa até atingir um estado
em que não precisa mais reencarnar-se.
Kardec apela para a antiguidade da crença na reencarnação
como um meio de provar sua veracidade, afirmando que as
revelações dos espíritos a seu respeito foram uma renovação
dessa antiga idéia:
“A antiguidade dessa doutrina seria, pois, antes uma prova
que uma objeção... Os espíritos, ensinando a doutrina da plu-
ralidade das existências coiporais, renovam, pois, uma dou-
trina que nasceu nas primeiras idades do mundo e que se con-
servou até os nossos dias no pensamento íntimo de muitas
pessoas.”

Convém recordar que antigiiidade não valida uma idéia.


Não é porque uma idéia é antiga que ela deva necessária-
mente ser verdadeira. Uma das mais antigas crenças a res-
peito da terra dizia que esta era sustentada por elefantes que
se apoiavam sobre uma tartaruga. Evidentemente, essa idéia
não possui mais defensores pois se demonstrou incorreta.
Curiosamente, foi desenvolvida no mesmo Oriente antigo onde
floresceu a crença na reencarnação.
Deve-se lembrar também que nem todas as correntes es-
píritas ocidentais estão de acordo quanto à reencarnação. O
Espiritismo anglo-saxão, por exemplo, rejeita a crença na plu-
ralidade de vidas.“ Kardec, que a dá por certa, entretanto,
afirma que o ensino dos espíritos só é válido quando há ge-
neralidade e concordância entre eles; do contrário, o que se
entende por revelação dos espíritos superiores não passa de
“uma simples opinião isolada”.“ Quem é que realmente está
com a razão: os espíritas anglo-saxões ou Kardec e seus cor-
religionários? Se não há concordância geral entre os espíritos
nesse assunto, com qual dos grupos devemos ficar — com
o que revelou que não há reencarnação ou com o que afirma
que ela existe?
Espiritismo 135

Outro fato notório a respeito desse assunto é que Kardec


diz que só aceitou a doutrina da reencarnação porque ela lhe
pareceu a mais lógica para explicar questões existenciais:
“ Não é somente porque veio dos espíritos que nós e tan-
tos outros nos fizemos adeptos da pluralidade de existências.
É porque essa doutrina nos pareceu a mais lógica e porque
só ela resolve questões até então insolúveis... Assim, tam-
bém tê-la-íamos repelido, mesmo que provindo dos espíritos,
se nos parecera contrária à razão, como repelimos muitas ou-
tras, pois sabemos, por experiência, que não se deve aceitar
cegam ente tudo o que venha deles, da m esm a fo rm a que se
não deve a d o ta r às cegas tudo o que proceda dos ho-
m e n s.” [Ênfase acrescentada.]
Em outras palavras, o que Kardec está dizendo é que ele
e seus companheiros utilizaram um meio subjetivo para aceitar
a reencarnação como verdadeira. Ou seja, eles admitiram-na
mais por razões filosóficas do que por causa de uma revelação
objetiva. Isso significaria, então, que os espíritas que não acei-
tam a reencarnação, como é o caso dos anglo-saxões, não usam
a razão? Portanto, parece que, nesse assunto, o que pensa Kar-
dec tem mais valor do que a revelação dos espíritos. Pode-se
concluir, ainda, que o próprio Kardec condenou a reencarnação
ao dizer que uma doutrina, para ser verdadeiramente espírita,
deve ser o resultado do ensino geral e unânime dos espíritos.
Entretanto, como dissemos, a reencarnação ocupa o âmago
do Espiritismo kardecista, sendo considerada como o meio
pelo qual a humanidade inexoravelmente avança para o pro-
gresso moral, até atingir o estado de “espírito bem-aventurado...
espírito puro’’.1“ Através de um demorado processo de suces-
sivas encarnações, ou graus intermediários, o espírito supos-
tamente progride até a perfeição, quando fica livre da neces-
sidade de reencarnar-se:
"... é só depois de várias encarnações ou depurações su-
cessivas, num tempo mais ou menos longo, e segundo seus
esforços, que eles atinjem o objetivo para o qual tendem.”

O objetivo da reencarnação é, pois, “expiação, aprimora-


mento progressivo da humanidade” *’ e “esse progresso
ocorre pela reencarnação, que é imposta a uns como expiação
e a outros como missão. A vida material é uma prova que
devem suportar muitas vezes, até que hajam alcançado a per-
136 Império das Seitas IV

feição absoluta. É uma espécie de exame severo ou depura-


dor, de onde eles saem mais ou menos purificados”91, con-
forme o grau de perfeição a que tenham chegado. Tal
aperfeiçoamento é impossível sem o concurso das vidas su-
cessivas e é efetuado mediante provas a que é submetido o
espírito em cada uma delas, sendo a vida material “um ca-
dinho ou depurador” do espírito, no longo processo de de-
senvolvimento a que ele é submetido. A cada encarnação, por-
tanto, o espírito avança para 0 estágio final. Essa idéia foi
tomada por empréstimo do hinduísmo, segundo o qual o es-
pírito deve progredir até ficar livre do samsara, 0 ciclo de
reencarnações.
O que rege o processo de aperfeiçoamento é uma lei de
causa e efeito, segundo a qual “toda falta cometida, todo mal
realizado, é uma dívida contraída que deverá ser paga; se não
o for em uma existência sê-lo-á na seguinte ou seguintes, por-
que todas as existências são solidárias entre si . Esse con-
ceito também foi importado do hinduísmo, no qual é conhe-
cido como canna. Norman Geister dá a seguinte definição
de canna: “a lei de causa e efeito que determina o destino...
as ações ou feitos e as consequências inalteráveis a eles liga-
dos. Num certo sentido, significa: “Você colhe o que se-
meia”.9’ O que fazemos numa vida trará conseqilências não
apenas nessa existência, mas também em existências futuras.
Para Kardec, entretanto, a idéia de canna difere em alguns
aspectos da do hinduísmo, pois enquanto este admite a pos-
sibtlidade dos espíritos reencarnarem em seres inferiores, como
plantas e animais, como punição por faltas cometidas numa
existência anterior, segundo Kardec, 0 espírito jamais pode
regredir; está sempre progredindo.
“As diferentes existências corporais do espírito são sem-
pre progressivas e jamais retrógradas; mas a rapidez do pro-
gresso depende dos esforços que fazemos para atingir a per-
feição."

Entretanto, as consequências de faltas cometidas numa vida


anterior acompanharão o espírito nas reencarnações seguin-
tes até que ele as tenha expurgado. Por isso mesmo, o alvo
de cada existência é que o espírito procure expiar as faltas
cometidas anteriormente, porque cada nova existência será “fe-
liz ou infeliz segundo o que tiverem feito neste mundo, e po-
Espiritismo 137

dem, a partir desta vida, se elevarem tão alto que não te-
merão mais a queda no lodaçal".* Portanto, “quanto mais
o homem avança na sua vida atual, menos as provas seguintes
são longas e penosas’’.96
Vê-se, pelo que acima foi exposto, que o espírito, embora
leve consigo numa existência atual a dívida cármica de uma ou
mais existências anteriores, está sempre progredindo. Todavia,
se é verdade que há milhares de anos vem-se dando um con-
tínuo processo de desenvolvimento dos espíritos, por que é que
não se observa então uma melhora moral constante na huma-
nidade? Se os espíritos não podem degenerar-se, mas sempre
progridem, mesmo que uns com mais lentidão e outros com
maior rapidez, por que então a humanidade presencia um con-
tínuo crescimento do mal? Por que os seres humanos, ao invés
de terem aprendido a fazer o bem ao longo dessa quase infinita
marcha para 0 progresso, mostram-se, ao contrário, intolerantes
e impiedosos com os seus semelhantes? Pode-se argumentar que
0 mundo tem experimentado um desenvolvimento técnico cres-
cente. porém, o que é feito do progresso moral, apregoado por
Kardec, que deveria acompanhá-lo?
Ao lado da evolução tecnológica, o homem experimenta
uma patente involução moral, demonstrando que, ao contrá-
rio do que ensina o Espiritismo, se os espíritos hipotética-
mente se reencarnam, então eles, na verdade, estão regredindo
ao invés de se aperfeiçoarem sempre. As provas do cresci-
mento do mal estão estampadas nas páginas da história: nunca
antes do século XX haviam sido deflagrados conflitos mun-
diais como as duas grandes guerras, que deixaram em seu
rastro um saldo de milhões de mortos. Crescem também
a cada dia, em nosso país e em todo o mundo, os índices
de violência, o tráfico de drogas e outros males, muitos dos
quais jamais sonhados em gerações anteriores.
O que se observa é o cumprimento da profecia bíblica que
descortina o futuro:

“ Nos últimos dias sobrevirão tempos difíceis; pois os ho-


mens serão egoístas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, bias-
femadores, desobedientes aos pais, ingratos, irreverentes, de-
safeiçoados, implacáveis, caluniadores, sem domínio de si,
cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, an-
tes amigos dos prazeres do que amigos de Deus.” (2 Tm 3.1-4.)
138 Império das Seitas IV

Se, conforme o ensino de Kardec, a existência corporal


é uma expiação de males cometidos em existências anterio-
res, segue-se que 0 que uma pessoa sofre nesta vida é justo,
é merecido, É o que ele mesmo declara:
“Quando uma aflição não é conseqüência dos atos da vida
presente, é preciso procurar-lhe a causa numa vida anterior,
O que se chama os caprichos da sorte, não são outras coisas
senão os efeitos da justiça de Deus. Deus não inflinge pu-
nições arbitrárias; ele quer que entre a falta e a pena haja
sempre correlação, Se, em sua bondade, lançou um véu so-
bre os nossos atos passados, nos coloca, entretanto, sobre
o caminho dizendo: “Quem matou pela espada, perecerá pela
espada” ; palavras que podem se traduzir assim: “Sempre se
é punido naquilo em que pecou”, Se, pois, alguém está aflito
pela perda da vista, é porque a vista foi para ele causa de
queda. Pode ser, também, que foi causa da perda num ou-
tro...”97
Esse raciocínio é refutado pelo caso de Jó, apresentado
na Bíblia. Jó experimentou praticamente todos os tipos de so-
frimentos e tragédias pessoais que alguém podería imaginar
ser possíveis neste mundo. No entanto, o próprio Deus deu
testemunho acerca da integridade de Jó, dizendo que “ninguém
há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente
a Deus, e que se desvia do mal” (Jó 1.8), Em outro lugar,
Deus reafirma a integridade de Jó e acrescenta: “Ele conserva
a sua integridade embora me incitasses contra ele sem causa”
(Jó 2.3). [Ênfase acrescentada.]
Norman Geisler e J, Yutaka Amano mostram como, na
perspectiva bíblica, uma pessoa podería sofrer sem que para
isso tivesse cometido pecados anteriores:
“ Deus poderia permitir que o inocente sofresse a flm
de demonstrar sua grandiosidade e purificar o caráter do so-
fredor (e.g., Jó).
“...Em outras palavras, para a mente hebraica, uma pes-
soa reta e inocente como Jó (1.8; 2; 3) poderia sofrer grandes
males sem que houvesse pecados subjacentes funcionando
como gatilho. Quando Jó clamou ao Senhor, exigindo que
o Juiz Eterno lhe ouvisse o caso (Jó 13.3, 14s$.; 23.3-5) e
lhe explicasse por que deveria sofrer sem justificativa (9.34ss.;
10,2), Deus não apontou para algum pecado na vida do pa-
triarca (e menos ainda para uma vida pregressa).
“ Em vez disso. Deus pregou um sermão a respeito de sua
Espiritismo 139

criação e da preservação da ordem natural, traçando uma ana-


logia segundo a qual assim como há coisas concernentes à
esfera física que Jó não conseguia compreender, há também,
na esfera moral, elementos insondáveis. Em suma, Jó deve9S
simplesmente submeter-se à soberana mão de Deus.”
Coloca-se aqui o problema do mal e a questão da justiça.
Se os espíritos precisam reencarnar como uma forma de atin-
gir a perfeição, então em última instância o responsável pelo
mal é Deus, que os criou imperfeitos. Assim se expressa Tá-
cito da Gama Leite Filho a esse respeito:
“A crença na reencarnação também é inconcebível à luz
da razão. Se a reencarnação é necessária diante da imperfeição
congênita dos espíritos e se todos devem sofrer para se aper-
feiçoar, à luz do bom senso, a idéia é incoerente. Seria atri-
buir ao Criador a imperfeição dos espíritos e admitir sua ti-
rania e injustiça, além da irresponsabilidade dos espíritos por
seus atos maus. Deus, a suprema perfeição, não podería criar
nunca espíritos imperfeitos e submeté-los ao sofrimento. Onde
o livre-arbítrio?...
“A reencarnação implica ainda a coação da liberdade do
mesmo espírito, no seu atraso e aviltamento constantes, pois
ensinou Allan Kardec: “o exercício das faculdades (do espí-
rito) depende dos órgãos que lhe servem de instrumento: são
sempre enfraquecidas pela rudez da matéria”. A reencarnação
implica o enfraquecimento das faculdades do espírito e isto
significa regredir e não aperfeiçoar.”
A questão da justiça também se torna difícil de explicar
à luz dos ensinos reencarnacionistas. A Bíblia apresenta um
Deus justo, que retribui ao pecador conforme suas obras. Como
explicar que uma criança tenha de pagar, com sofrimento, os
pecados cometidos numa outra existência, dos quais ela nem
se lembra? Geisler e Amano assim se expressam sobre essa
questão:
“A doutrina do ca n n a não só se choca contra nosso
senso de justiça mas também contradiz a razão. Para co-
meçar, parece-nos injusto que Deus castigue crianças por
pecados de adultos; especial mente quando tais crianças não
se lembram de “seus” pecados.”
Caso fosse verdadeiro o argumento de Kardec, poder-se-
ia então dizer que quando um ladrão furta ou mata sua vítima,
ele está sendo um instrumento da justiça divina, que faz com
140 Império das Seitas IV

que o transgressor pague por um pecado cometido numa vida


anterior. Ainda mais, os criminosos não deveríam ser deixa-
dos livres por serem benfeitores da humanidade e não, como
geralmente se pensa, malfeitores? Quando um sócio desfalca
uma empresa, levando outro sócio à bancarrota financeira,
este deveria ser-lhe grato por estar fazendo-lhe um grande bem.
Por outro lado, a ser verdadeiro o que ensina Kardec, quando
alguém mata um seu semelhante, deverá o assassino ser morto
por outra pessoa na vida atual ou numa encarnação posterior;
e esta também deverá ser morta por outra, e assim sucessi-
vamente, pois “sempre se é punido naquilo em que pecou”,
e “quem matou pela espada, perecerá pela espada”. O resul-
tado seria uma série interminável de mortes, sem jamais cessar,
Kardec procura dar à reencarnação um aspecto cristão,
fazendo supor que as próprias Escrituras a ensinam: “O prin-
cípio da reencarnação ressalta, aliás, de várias passagens das
Escrituras e se encontra notavelmente formulado de maneira
explícita no Evangelho”.,0‫ י‬Ele afirma ainda mais explicita-
mente que o próprio Cristo ensinou a doutrina da reencarnação:
“A pluralidade das existências, cujo princípio o Cristo es-
tabeleceu no Evangelho, mas sem defini-lo mais que a muitos
outros, é uma das leis mais importantes reveladas pelo Es-
piritismo.”

Conforme já explicamos, o ensino de Jesus não consistiu


basicamente de parábolas e linguagem figurada, como faz crer
o Espiritismo, mas, antes, de ensino claro e direto. Além disso,
ele normalmente usava as parábolas para ilustrar verdades que
também ensinou de forma explícita, e, nos casos em que os
discípulos tiveram alguma dúvida acerca do significado de
alguma parábola, ele “tudo, porém, explicava em particular
aos seus discípulos” (Mc 4.34), e os esclarecimentos dados
por Jesus se encontram nos Evangelhos.
Obviamente, sendo, como se supõe, a reencarnação um
assunto tão importante (na verdade seria o assunto mais im-
portante do universo), Jesus teria dedicado grande parte de
seus ensinos a ela, para que não houvesse nenhuma dúvida
acerca de sua natureza, necessidade e imprescindibilidade para
a salvação do homem. Entretanto, nem ele, nem seus após-
tolos, nem os profetas antes deles, ensinaram nada a respeito
dela. O Espiritismo vale-se da interpretação de determinadas
Espiritismo 141

passagens bíblicas para tentar provar a reencarnação nas Es-


crituras, que realmente não a ensinam.
O que Jesus ensinou foi a ressurreição, doutrina diametral-
mente oposta à da reencarnação. O Espiritismo segue o pen-
sarnento gnóstico, segundo o qual o corpo é algo essencial-
mente mau, daí ser o objetivo do espírito libertar-se do ciclo
de reencarnações, tornando-se um ‫‘־‬espírito puro”. Voltare-
mos ao tema da ressurreição mais adiante.
Kardec aponta alguns trechos e fatos bíblicos onde supos-
tamente se pode ver a reencarnação, os quais passaremos a
analisar:
1. Que João Batista era reencarnação de Elias.
“ Desde os dias de João Batista até agora o reino dos céus
é tomado por esforço, e os que se esforçam se apoderam dele.
Porque os profetas e a lei profetizaram até João. E, se o que-
reis reconhecer, ele mesmo é Elias, que estava para vir. Quem
tem ouvidos |para ouvir| ouça.” (Mt 11.12-15.)
João Batista era Elias, não reencarnado, mas profético, isto
é, ele era o cumprimento da profecia do Antigo Testamento
que dizia que a vinda do Messias seria precedida pela do pro-
feta Elias, o qual atuaria como seu precursor (cf. Ml 4.5).
Vemos que João Batista não era Elias reencarnado, nos fatos
que se seguem.
No monte da transfiguração (Mt 17.1-6), quem apareceu
foi Elias e não João Batista, como era de se esperar se João
fosse a última encarnação de Elias. Outrossim, quando uma
comissão de judeus, intrigados com o ministério de João Ba-
tista, lhe indagou se ele era Elias, sua resposta clara e sem
rodeios foi: “ Não!” (Jo 1.19-21). Em terceiro lugar, para que
João Batista fosse a reencarnação de Elias, este precisaria ter
morrido primeiro. E a Bíblia afirma que Elias nunca morreu!
Ele foi levado para o céu vivo, arrebatado num redemoinho
(2 Rs 2.11).
A idéia de que João Batista era a reencarnação de Elias
também pode ser vista como irreal quando se considera que
o ministério de João era “ no espírito e poder de Elias” (Lc
1.17). Entendemos o sentido dessa expressão lendo 2 Reis
2.9-18. Antes da partida de Elias, seu discípulo Eliseu desejou
receber “porção dobrada” do espírito de Elias. Geisler e Amano
observam que, após Eliseu ter dividido as águas do rio Jordão
142 império das Seitas IV

com o manto do profeta transladado ao céu, os discípulos dos


profetas disseram: “O espírito de Elias repousa sobre Eliseu”
(2 Rs 2.15). Prosseguem os autores acima mencionados:
“ É óbvio que isso não queria dizer que Eliseu era a re-
encarnação de Elias, visto que ambos estiveram vivos ao
mesmo tempo. Essas palavras queriam dizer que Eliseu pros-
seguiu o ministério profético no mesmo espírito e poder de
Elias, ao cumprir as obrigações (de Elias) e as profecias que
lhe concerniam.”
Em conclusão, pode-se dizer que João Batista cumpriu fun-
cional e profeticamente 0 ministério do profeta Elias.
2. Que Jesus ensinou a reencarnação ao falar do novo nascimento,
“A isto respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo
que se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de
Deus. Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode um homem nas-
cer, sendo velho? Pode, porventura, voltar ao ventre materno
e nascer segunda vez? Respondeu Jesus: Quem não nascer
da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus.
O que é nascido da carne, é carne; e o que é nascido do Es-
pírito, é espírito” (Jo 3 .3 6 ‫־‬.)
O contexto de João 3.112‫ ־‬indica claramente que Jesus
estava-se referindo a um nascimento espiritual e não físico.
Jesus deixou isso bem claro no versículo 6, quando disse: “O
que é nascido da carne é carne; e 0 que é nascido do Espírito,
é espírito”. Jesus enfatizou, portanto, a necessidade de um
nascimento que só poderia ser efetuado pelo Espírito Santo,
o qual é descrito em João 1.12,13: “Mas a todos quantos 0
receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus;
a saber: aos que crêem no seu nome; os quais não nasce-
ram da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas
de Deus”■. Conforme observam Geisler e Amano, 0 próprio
Nicodemos achou a idéia da reencarnação absurda e ridícula,
ao perguntar com sarcasmo: “Como pode um homem nascer,
sendo velho? Pode, porventura, voltar ao ventre materno e
nascer segunda vez?” (V.4.)*“
Além disso, as palavras “de novo” são a tradução de uma
única palavra grega, anothen, que significa primordialmente
“do alto”, “de cima”. Em todos os outros lugares do Evan-
gelho de João em que ela aparece, anothen significa “do alto”
Espiritismo 143

(cf. Jo 3.31; 19.11). Nascer de novo significa, portanto, nascer


do alto, isto é, nascer espiritualmente, e se refere à conversão,
um fato que ocorre uma única vez, e não num ciclo de re-
encarnações.
Pode-se entender melhor essa expressão à luz de outras
passagens, como, por exemplo, quando Pedro escreve: “Pois
fostes regenerados [isto é, gerados de novo], não de semente
corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus,
a qual vive e é permanente” (1 Pe 1.23). Paulo também con-
firma esse ensinamento ao afirmar: “ E assim, se alguém está
em Cristo, é nova criatura: as cousas antigas já passaram; eis
que se fizeram novas” (2 Co 5.17), e também em sua decla-
ração de que “ nem a circuncisão é cousa alguma, nem a in-
circuncisão, mas o ser nova criatura” (G1 6.15).
Se houvesse reencarnação, ela consistiría sempre em nas-
cimentos da carne, mas Jesus estava falando claramente de
um nascimento espiritual. O assunto dele não era a reencar-
nação, que consiste na entrada de um único espírito em cor-
pos sucessivos, mas a regeneração, que é a mudança das dis-
posições dominantes da alma. A regeneração, ou conversão,
é a obra do Espírito Santo mediante a qual somos transfor-
mados em nova criatura: “ Não por obras de justiça praticadas
por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou me-
diante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt
3.5).
3. Que Jó expressou esperança na reencarnação.
"Então Jó se levantou, e rasgou 0 seu manto, e rapou a
sua cabeça, e se lançou em terra, e adorou. E disse: Nu saí
do ventre de minha mãe. e nu tornarei para lá...” (Jó 1.20,21
— Almeida Revista e Corrigida.)
“Mas, morto 0 homem, e consumido: sim, rendendo o
homem o espírito, então onde está? Morrendo o homem, por-
ventura tornará a viver? Todos os dias de meu combate es-
peraria, até que viesse a minha mudança." (Jó 14.10,14 — Al-
meida Revista e Corrigida.)
Embora o texto de Jó 1.20,21 não seja citado por Kardec,
nós o citamos juntamente com o do capítulo 14, versículos
10 e 14, por ser também utilizado por reencarnacionistas que
procuram justificar sua crença com base na Bíblia e por cons-
tituir uma unidade harmônica de pensamento com o último.
144 Império das Seitas IV

No primeiro texto, Jó não está-se referindo ao retorno da


alma, ou espírito, a um outro corpo, numa outra encarnação,
mas sim à descida do corpo à sepultura. A palavra “ventre”
(beten, em hebraico) é usada poeticamente por Jó como uma
expressão equivalente a “terra”. As idéias de “ventre” e “terra”
são usadas alternadamente no Salmo 139 por Davi ao dizer
que Deus o teceu “no seio de minha mãe” (v. 13) e que foi
“entretecido como nas profundezas da terra” (v. 15), como
uma referência à sua criação por Deus.
Norman Geisler tece o seguinte comentário sobre esta pas-
sagem:
“Como o antigo livro hebraico de sabedoria (Eclesiástico
40.1), Jó acreditava que os homens laboram *1desde o dia em
que saíram do ventre materno, até o dia em que voltarem para
a mãe comum [isto é, o ventre da terra]” (Bíblia de Jerusa-
lém). Semelhantemente, Jó usou a expressão poética “torna-
rei para lá [isto é, para 0 ventre de minha mãe]’* para re-
ferir-se à terra da qual todos viemos e para a qual todos vol-
taremos (cf. Ec 12.7).
“Além disso, mesmo que alguém insistisse num entendí-
mento literal desta figura de linguagem, isso não provaria a
reencarnação. Apenas mostraria que a pessoa retorna para
o ventre de sua mãe depois que morre, o que é absurdo!"
Jó não cria na reencarnação; cria que ressuscitaria num
corpo imortal. A mudança por ele esperada era a ressurreição
num corpo glorificado, o qual não morre jamais (cf. 1 Co
15.42-44). Ele mesmo declarou esta esperança: “ Porque eu
sei que o meu Redentor vive, e por fim se levantará sobre
a terra. Depois, revestido este meu corpo da^ minha pele, em
minha carne verei a Deus” (Jó 19.24-26). [Ênfase acrescen-
tada.j
Essas e muitas outras passagens deixam claro que as Es-
crituras não ensinam a reencarnação. Toda tentativa de se
impor ao texto bíblico a idéia da pluralidade de vidas cai
por terra quando se faz uma análise criteriosa do texto,
considerando-se também, quando necessário, o seu contexto.
O que a Bíblia ensina é uma existência única, durante a
qual 0 homem tem a oportunidade de acertar-se com Deus
ou de rejeitar sua oferta de salvação: “Aos homens está or-
denado morrerem uma só vez e, depois disto, o juízo” (Hb
9.27), O desejo de Deus é que “todos os homens sejam salvos
Espiritismo 145

e cheguem ao pleno conhecimento da verdade” (2 Tm 2.4).


Ele não quer que “nenhum pereça senão que todos cheguem
ao arrependimento” (2 Pe 3.3).
O destino eterno de cada pessoa é decidido nesta existên-
cia única, pela aceitação ou rejeição da oferta de salvação,
que Deus gratuitamente oferece através de seu Filho, Jesus
Cristo. Jesus pagou o preço dos nossos pecados e satisfez in-
teiramente a justiça de Deus, restando aos homens receber
os benefícios de seu sacrifício expiatório. As condições exi-
gidas por Deus são arrependimento e fé (Mc 1.14,15; Lc
24.44-47).
Salvação Pela Graça
Essa oferta chama-se graça, isto é, favor imerecido. A graça
é exatamente o oposto do que propõe o Espiritismo, como
reconhece Kardec:
“... se fosse um dom de Deus, não daria merecimento
a quem a possuísse. O Espiritismo é mais explícito, porque
ensina que quem a possui a adquiriu pelos próprios esforços
em suas sucessivas existências, emancipando-se pouco a pouco
das suas imperfeições.”
A verdade revelada nas Escrituras é esta: Deus não nos
salva com base em quaisquer méritos pessoais nossos, mas
unicamente por sua graça, “pois todos pecaram e carecem
da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua
graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (Rm
3.23,24). Geisler e Aniano fazem a seguinte avaliação da po-
sição reencarnacionista em relação à salvação:
“... a reencarnação presume falsamente a necessidade de
um processo purgatório lento, terreno, o qual em última aná-
Use contradiz a doutrina bíblica da graça. E visto que este
dogma oriental contraria a graça, também contraria o ensino
bíblico da salvação.”
A salvação não depende de sucessivas reencarnações, como
prega o Espiritismo, e também não é obtida por obras me-
ritórias, mediante um sistema de auto-expiação, antes é ofe-
recida gratuitamente por Deus a todos os homens. O ensino
espírita segundo o qual “Fora da caridade não há sal-
vagão’’™identifica a salvação com a prática de boas obras.
Entretanto, as boas obras não salvam nem ajudam ninguém
146 Império das Seitas IV

a salvar-se. Paulo afirma em Efésios 2.8,9: “Porque pela graça


sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de
Deus; não de obras, para que ninguém se glorie”. Ele declara
que fomos criados em Cristo para as boas obras (Ef 2.10).
Portanto, não somos salvos pelas obras, mas para as boas obras,
as quais seguem a nossa fé em Cristo (cf. Tg 2.17,18). As boas
obras são o resultado da nossa fé em Cristo, pois quando nos
tornamos novas criaturas, mediante a fé nele (2 Co 5.17), aban-
donamos as práticas más e nos voltamos para a prática do
bem. Logo, as boas obras são a manifestação do amor que
a pessoa tem a Deus.
A Bíblia mostra que 0 real problema do homem é o pe-
cado, pois “todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm
3.23). Deus ama os pecadores, porém o pecado separa o ho-
mem de Deus (cf. Is 59.1,2). O homem nada pode fazer para
alcançar justificação diante de Deus. O sofrimento e as boas
obras, como apregoa o Espiritismo, jamais serão suficientes
para vencer a distância que 0 separa de Deus, pois, como ex-
pressou 0 profeta Isaías, “todos nós somos como o imundo,
e todas as nossas justiças como trapo da imundícia; todos nós
murchamos como a folha, e as nossas iniqüidades como um
vento nos arrebatam” (Is 64.6).
O estado do homem é profundamente desesperador, po-
rém não irremediável, “porque Deus amou o mundo de tal
maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que
nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16). Jesus
Cristo veio ao mundo com 0 objetivo específico de “dar a
sua vida em resgate de muitos” (Mc 10,45). Cristo não veio
apenas para ensinar aos homens grandes verdades, pois ele
mesmo é a verdade (Jo 14.6).
Cristo se ofereceu a si mesmo a Deus pelos nossos peca-
dos, para que possamos obter a salvação:
“Pôis também Cristo morreu, uma única vez, pelos pe-
cados, o justo pelos injustos, para conduzir-nos a Deus... car-
regando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nos-
sos pecados, para que nós, mortos aos pecados, vivamos para
a justiça; por suas chagas fostes sarados." (1 Pe 3.18; 2.24.)
Léon Denis nega o valor do sacrifício de Cristo em nosso
lugar com os seguintes termos:
1‘Não; a missão do Cristo não era resgatar com 0 seu san-
gue os crimes da humanidade. O sangue, mesmo de um Deus,
Espiritismo 147

não seria capaz de resgatar ninguém. Cada qual deve resga-


tar-se a si mesmo, resgatar-se da ignorância e do mal. Nada
de exterior a nós podería fazê-lo. É o que os espíritos, aos
milhares, afirmam em todos os pontos do mundo.”
Percebe-se aqui uma contundente tentativa de negar o va-
lor da obra expiatória de Cristo na cruz. Ao dizer que o san-
gue, “mesmo de um Deus”, não poderia resgatar ninguém,
Denis está implicitamente, mais uma vez, negando a divin-
dade de Jesus, a qual, como vimos, é afirmada pelas Escri-
turas. Ora, se como já vimos, Jesus é de fato Deus e seus
ensinos são opostos aos dos espíritos, é razoável que fique-
mos com o que ele diz e não com o que os espíritos dizem.
Vejamos o que foi que ele disse a respeito do valor do seu
sangue para a expiação dos pecados: “ Isto é o meu sangue,
o sangue da nova aliança, derramado em favor de muitos, para
a remissão de pecados” (Mt 26.28). Assim, é somente pela
fé nele que o homem pode obter o perdão dos pecados e a
certeza da vida eterna, pois “o sangue de Jesus, seu Filho,
nos purifica de todo o pecado” (1 Jo 1.7).
Essa certeza nos é dada pela ressurreição de Jesus dentre
os mortos, a qual também é negada por Kardec:
“ Depois do suplício de Jesus, seu corpo lá ficou, inerte
e sem vida; foi sepultado como os corpos comuns, e todos
puderam vê-lo e tocá-lo. Depois de sua ressurreição, quando
ele quis deixar a Terra, não morre; seu corpo se eleva, se
desvanece e desaparece sem deixar nenhum sinal, prova evi-
dente de que esse corpo era de outra natureza que não aquele
que pereceu sobre a cruz; de onde será forçoso concluir que
se Jesus pôde morrer, é que tinha corpo carnal...
"Jesus teve, pois, como todos, um corpo carnal e um corpo
fluídico...” 1‫״‬
Em primeiro lugar, nesse texto há uma contradição com
o que os espíritos teriam revelado a Roustaing, que, como
vimos, negava que Jesus tivesse corpo carnal. Em segundo
lugar, deve-se notar que os próprios inimigos de Jesus, após
sua ressurreição, subornaram os guardas do sepulcro para que
mentissem, dizendo que os discípulos de Jesus tinham rou-
bado seu corpo enquanto dormiam (Mt 28.11-15). Ora, se Je-
sus tinha dois corpos, um fluídico e outro carnal ou físico,
seria fácil aos líderes religiosos judaicos tomarem o seu corpo
físico, “sepultado como os corpos comuns”, e saírem exibindo-
148 Império das Seitas IV

o. Ao invés disso, o impacto causado pela ressurreição foi


tal que acabaram recorrendo a um procedimento deplorável,
pois eles compreenderam perfeitamente bem que a ressurreição
de Jesus fora física.
Finalmente quando 0 próprio Jesus apareceu aos discfpu-
los, e estes pensaram que se tratasse de um espírito, para não
deixar qualquer dúvida de que ressuscitara fisicamente, ele
afirmou: “ Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu
mesmo; apalpai-me e verificai, porque um espírito não tem
carne nem ossos, como vedes que eu tenho’* (Lc 24.39).
[Ênfase acrescentada.] Depois de ter dito isso, “comeu na pre-
sença deles” (v. 43), Em outra ocasião em que apareceu aos
discípulos, estando o incrédulo Tomé entre eles, Jesus lhe or-
denou que tocasse em suas mãos e em seu lado, feridos sobre
a cruz (Jo 20.27).
A ressurreição de Cristo é um dos pontos fundamentais
da doutrina cristã e é a garantia de que os que confiam em
Jesus serão também por ele ressuscitados um dia para gozar
a vida eterna. O valor dela é tão essencial para o Cristianismo,
que Paulo chega a declarar: “Se Cristo não ressuscitou, é vã
a nossa pregação e vã a vossa fé... E, se Cristo não ressus-
citou, é vã a vossa fé e ainda permaneceis nos vossos peca-
dos” (1 Co 15.14,17).
A Bíblia também fala da ressurreição final de todos os
homens, quando “ressuscitarão, uns para a vida eterna, e ou-
tros para vergonha e horror eterno” (Dn 12.3; cf. At 24.15).
Jesus ensinou a ressurreição, bem como os seus apóstolos,
principalmente Paulo, que lhe dedicou todo um capítulo em
uma de suas epístolas (1 Co 15). O próprio Jesus declarou:
“Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11.25). Concluímos com
Tácito da Gama Leite Filho:
“Portanto, a ressurreição do corpo é a resposta bíblica
para a reencarnação. Jesus ensinou que todos serão ressus-
citados (Jo 5,28,29; 11.24-27; Lc 23.35,36). Paulo explicou
detalhadamente sobre a natureza do corpo ressurrecto (2 Co
5.13‫)־‬. O grande argumento em favor da ressurreição é a de
Jesus Cristo (1 Co 15)"‫ש‬

Os crentes em Cristo ressuscitarão para a vida eterna e


irão morar com ele para sempre no céu. Foi isso que ele pro-
meteu aos seus discípulos, quando disse em João 14.2: “Na
Espiritismo 149

casa de meu Pai há muitas moradas... vou preparar-vos lu-


gar”. O Espiritismo não aceita a idéia do céu como lugar de
felicidade eterna. Kardec afirma que “a casa do Pai é o Uni-
verso; as diferentes moradas são os rnundos que circulam no
espaço infinito, e oferecem, aos espíritos encarnados, mora-
das apropriadas ao seu adiantamento”.“2 Porém, Jesus falou
do céu como um lugar definido para onde ele mesmo foi e
prometeu levar seus discípulos, para que, em suas palavras,
“onde eu estou, estejais vós também” (Jo 14.3). Jesus e os
apóstolos se referiram inúmeras vezes ao céu como o lugar
de descanso final para onde o cristão irá (cf. Mt 5.12; 2 Co
5.1-10; Fp 3.20; Cl 1.5; 1 Pe 1.4).
O destino dos que são desobedientes a Deus e rejeitam
sua oferta graciosa de perdão em Cristo também está clara-
mente delineado nas Escrituras. Jesus não se limitou a falar
vagamente dos castigos reservados aos culpados, “sem referir-
se jamais nos seus ensinos a castigos corporais”, como pensa
Kardec.“’ Cristo, na verdade, falou claramente no inferno
como lugar reservado para os injustos. Ele afirmou que os
ímpios irão para o castigo eterno (Mt 25.41,46). Com isso,
deixou claro que o castigo dos ímpios tem duração igual à
felicidade eterna dos salvos. Além disso, usou expressões que
dão uma idéia do horror daquele castigo, como “choro e ran-
ger de dentes” e “ fogo inextinguível” (cf. Mt 13.42; Mc 9.43).
Não é vontade de Deus que o homem, criado por ele, pe-
reça eternamente. Por isso, ele estende sua mão amorosa a
todos aqueles que se distanciaram dele pelo pecado, e lhes
oferece o perdão, a paz e a vida eterna, mediante seu Filho
Jesus Cristo. Essa oferta está disponível hoje a todos quantos
reconhecerem sua alienação de Deus e confessarem a Cristo
como Senhor e Salvador de sua vida. Se o prezado leitor re-
conhece que é esse o seu estado, hoje mesmo Cristo lhe ofe-
rece uma nova vida. Mesmo que se sinta dominado por forças
espirituais fora de seu controle, Cristo pode dar-lhe completa
libertação, conforme ele mesmo prometeu: “ Conhecereis a
verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8.32).
Uma Palavra Final
O autor se sente profundamente grato por poder escrever
sobre um tema tão atual e reconhece que de maneira alguma
esgotou o assunto. O Espiritismo, em suas variadas formas,
150 Império das Seitas IV

representa 0 maior desafio, neste final de século, para os


cristãos brasileiros que amam a Palavra de Deus. Temos pe-
rante nós o desafio de apresentar uma apologética intelectual-
mente aceitável e biblicamente confiável de nossa fé, bem como
de comunicar o Evangelho àqueles que estão mergulhados no
erro. Esperamos que esta análise possa ser útil a todos os que
estão empenhados em batalhar diligentemente pela “ fé que
uma vez por todas foi entregue aos santos”.
Também nos colocamos à disposição de todos quantos quei-
ram entrar em contato conosco tanto para esclarecer dúvidas
como para apresentar críticas e sugestões.
O autor também deseja expressar sua gratidão especial a
Natanael Rinaldi, diretor de pesquisas do Instituto Cristão de
Pesquisas, que contribuiu com excelentes sugestões, que fo-
ram seguidas na íntegra ou parcialmente.

Observação: As citações das obras de Kardec foram extraídas de d f


versas edições, dc várias editoras. Por isso, a fim de facilitar a consulta
äs mesmas por parte do leitor, indicamos, sempre que possível, o número
do capítulo e da seção, ao invés da página.

1. Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, cap. V, 222,


2. Boaventura Kloppenburg, Espiritismo, Orientação Para os Católi-
cos , Edições Loyola, São Paulo, 1986, p. 13.
3. Allan Kardec, Obras Póstumas, FEB, São Paulo, 1973, 133 ed., p. 267.
4. Ibidem, pp. 269, 270.
5. Veja, 10/04/91, p, 40.
6. Ibidem , p. 42.
7. Leopoldo Cirne, Doutrina e Prática do Espiritismo, Rio, 1920, vol.
I, p. 415, in Boaventura Kloppenburg, O Espiritismo no Brasil, Orientação
Para os Carólicos, Editora Vozes, Petrópolis, 1960, p. 32.
8. Boavenrura Kloppenburg, op. cit., pp. 30-42 e Jefferson Magno Costa,
Porque Deus Condena o Espiritismo, Casa Publicadora das Assembléias
de Deus, Rio de Janeiro, 1987, pp, 38-45.
9. Op. cit., p. 421.
10. Allan Kardec, Obras Póstumas, FEB, São Paulo, 1973, 133 cd., p. 299.
11. Ibidem, p. 308.
12. Boaventura Kloppenburg, Espiritismo, Orientação Para os Católi-
cos, Edições Loyola, São Paulo, 1986. p. 21.
13. Guillon Ribeiro, no prefácio ao livro de Carlos Imbassahy, Religião,
FEB, São Piulo, 1982.
14. Reformador, órgão oficial da Federação Espírita Brasileira, junho
de 1979, p. 19.
15. Allan Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. I, 6.
Espiritismo 151

16. Ibidem, Introdução, IV. VII.


17. Idem, A Gênese, IV, 6, 7, 8, 11.
18. Léon Denis, Cristianismo e Espiritismo, FEB, São Paulo, s.d., 7.a
ed.. p. 267.
19. Reformador, janeiro de 1953, p. 23.
20. Carlos Imbassahy, À Margem do Espiritismo, p. 126, in Boavcntura
Kloppcnburg, Espiritismo, Orientação Pata os Católicos, Edições Loyola,
São Paulo, p. 28.
21. Allan Kardcc, O Livro dos Médiuns, cap. XXVII, 301.3.
22. Ibidem, cap. XXVII, 3.
23. Idem, O Livro dos Espíritos, cap. I, 1.
24. Ibidem, cap. I, 5.
25. Ibidem, cap. I, 13.
26. Op. cit., pp. 28, 29.
27. Allan Kardcc, O Livro dos Espíritos, cap. I, 16.
28. Ibidem, cap. II, 27, 28; cf. A Gênese, cap. II, 34.
29. Ibidem, cap. IV, 70.
30. José Somctti, O Espiritismo Moderno, Edições Loyola, São Paulo,
1981, p. 39.
31. Léon Denis, Cristianismo e Espiritismo, 5.a cd., p. 246, citado por
Boavcntura Kloppcnburg, Espiritismo, Orientação Para os Católicos, p. 28.
32. Idem, Depois da Morte, p. 114, 123, 124, 349, citado por Boavcn-
tura Kloppcnburg, O Espiritismo no Brasil, p. 337.
33. Boavcntura Kloppcnburg, O Espiritismo no Brasil, Editora Vozes,
Rio de Janeiro, 1960, p. 338.
34. Millard J. Erickson, Christian Theology, Baker Book House, Grand
Rapids, 1986, p. 269.
35. Op. cit., Rio de Janeiro, março de 1953, p. 4.
36. A. H. Strong, Systematic Theology, The Griffith and Rowland Press,
Filadélfia, 1907, p. 304.
37. Mário Cavalcanti de Mello, Como os Teólogos Refutam, Livraria
da Federação Espírita do Paraná, s.d., p. 294ss. A história da doutrina
da Trindade c sua formulação pode ser vista cm qualquer compêndio de
história eclesiástica.
38. Geoffrey W. Bromilcy (cd.)p The International Standard Bible En-
cyclopedia, William B. Ecrdmans Publishing Co., Grand Rapids, 1988, vol.
IV, p. 918.
39. Allan Kardec, Obras Póstumas, Estudo Sobre a Natureza do Cristo,
I — Fontes das provas sobre a natureza do Cristo.
40. Ibidem, VIII — O Verbo se fez carne.
41. Ibidem, IX — O Filho de Deus c 0 Filho do Homem.
42. Léon Denis, Cristianismo e Espiritismo, FEB, Rio de Janeiro, s.d.,
7a ed., p. 272.
43. J. B. Roustaing, Os Quatro Evangelhos, Rexelação da Re\‫׳‬elação,
FEB, Rio dc Janeiro, s.d., 6.a cd., pp. 493, 494.
44. Maiores informações podem ser obtidas cm comentários bíblicos
sobre as epístolas de João.
45. Os outros motivos eram invocação de mortos (Lv 20.27), desvio
152 Império das Seitas IV

do povo para a idolatria por falsos profetas (Dt 13.5-10), rebeldia dos filhos
(Dt 21.8-21) e adultério c estupro (Dr 22.2124‫ ;־‬Lv 20.10).
46. F. F. Bruce. Merece Confiança o Novo 7estamento?, Edições Vida
Nova, São Paulo, s.d., 2,a cd,, dczcmbro/90.
47. John Snyder, Rccncarnaçüo ou Ressurreição?, Edições Vida Nova,
1985, p. 63ss.
48. Allan Kardee, O Livro dos Espíritos, item 625.
49. Ibidem, item 627.
50. Liem, Obras Póstumas.
51. Allan Kardee, O Evangelho Segando o Espiritismo, cap. XIX, 12r
52. Idem, Terceira Parte, II.
53. Allan Kardee, A Gênese, cap. XV, 2.
54. Ibidem, cap. XV. 48.
55. Ibidem, cap. XV. 47.
56. Ibidem.
57. Ibidem, cap, XV. 2.
58. Idem, O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. VI, 4.
59. Idem, A Gênese, cap. I, 20,
60. Vcr A. T, Robertson, ttbrd Pictures in the New Testament, Baker
Book House, Grand Rapids, s.d,. p, 252. Cf. também Richard Trench,
Synonims o f the New Testament, Ecrdmans, Grand Rapids, p. 357-61.
61. Allan Kardee, O Livro dos Médiuns, cap. XXV, 269, 270.
62. Idem, O que é o Espiritismo, FEB, Rio de Janeiro, s.d., 22.a cd.,
p. 140,
63. Oscar G. Qucvcdo, Os Mortos Interferem no Mundo?, vol. 4, pp.
23-57.
64. Ibidem, p. 90-
65. Ibidem, p. 92.
66. Allan Kardee, A Gênese, cap. VI, 25.
67. C. Flammarion, citado por Oscar G. Qucvcdo. op. cit., p. 248.
68. Allan Kardee, O Livro dos Espíritos, cap. Ill, 55.
69. Ibidem, cap. IV, 188, nota 1.
70. Op. cit., FEB. Rio dc Janeiro, 1964, p. 66ss.
71. Allan Kardee, A Gênese, cap. VI, 27.
72. Francisco Cândido Xavier, No\as Mensagens do Espírito de Hum-
berto de Campos, FEB, Rio de Janeiro, 1940, pp. 57-68.
73. Walter Martin, The Kingdom o f the Cults, edição original cm in-
glôs, Bethany House Publishers, 1985, p. 232.
74. Allan Kardee, O Livro dos Espíritos, introdução, VI,
75. Ibidem, Introdução, XII.
76. Allan Kardee, O Livro dos Espíritos, Introdução, XII.
77. Idem, A Gênese, FEB, Rio dc Janeiro, s.d.
78. Idem, O Livro dos Médiuns, FEB. Rio dc Janeiro, s.d.
79. Ibidem.
80. Idem , O Livro dos Espíritos, Introdução, VI,
81. Ibidem, Introdução, XII,
82. Idem, O que é o Espiritismo, FEB, Rio dc Janeiro, 22.3 ed,, s.d.,
p. 138.
Espiritismo 153

83. Idem, O Livro dos Espíritos, item 131.


84. Ibidem, cap. V, 222.
85. Tácito da Gama Leite Filho, Seitas Espíritas, JUERP, Rio de Ja-
nciro, 1991, p. 99. O autor cita Stainton Moses, Daniel Douglas Home c
William Howitt como representantes desse segmento espírita que não aceita
a rccncarnação. Quevedo, op. cit., p. 176, cita Arthur Conan Doyle, o fa-
moso escritor britânico, que tambdm era espírita, que chamou Home de
“o espírita mais notável depois dos Apóstolos” (!).
86. Allan Kardee, A Gênese, p. 11.
87. Ibidem.
88. Allan Kardee, O Livro dos Espíritos, cap. IV, 170.
89. Ibidem, cap. IV, 196.
90. Ibidem, cap. IV, 167.
91. Ibidem, Instituto de Difusão Espírita, Araras, 1984, 22.‫ נ‬cd., p. 19.
92. Idem, O Céu e o Inferno, cap. 7, 9.
93. Norman L. Gcislcrc Ronald M. Brooks, When Skeptics Ask, Victor
Books, Wheaton, 1990, pp. 46, 237.
94. Allan Kardee, O Livro dos Espíritos, Instituto de Difusão Espírita,
Araras, 1984, 22.a cd., p. 20.
95. Ibidem, cap. V, 222.
96. Ibidem, cap. IV, 192.
97. Idem, O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. VIII, 21.
98. Norman L. Gcisler c J. Yutaka Amano, Reencamaçíío, Editora
Mundo Cristão, São Paulo, 1992, p. 93.
99. Tácito da Gama Leite Filho. op. cit., pp. 98, 99.
100. Op. cit., pp. 88, 89.
101. Allan Kardee, O Livro dos Espíritos, cap. V, 222.
102. !dem, A Gênese, cap. I, 34.
103. Op. cit., p. 121.
104. Ibidem, p. 123.
105. Norman Gcisler c Thomas Howe, When Critics Ask, Victor
Books, Wheaton, 1992, p. 226.
106. Allan Kardee, O Evangelho Scgivulo o Espiritismo, Introdução,
IV, XVII.
107. Op. cit., p. 98.
108. Allan Kardee, O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XV, 10.
109. Op. cit., p. 85.
110. Allan Kardee, A Gênese, cap. XV, 65.
111. Op. cit., p. 100.
112. Allan Kardee, O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. Ill, 2.
113. Idem, O Céu e o Inferno, cap. 4,6.
A Bíblia
e os Ciraos
A fro-Brasileiros
PAULO ROMEIRO

I. In tro d u çã o
O Brasil é considerado hoje o maior país espírita do
mundo, com cerca de 5.500 centros espíritas espalhados pelo
território nacional.' O número de terreiros ligados aos cultos
afros é ainda muito maior.
O assassinato do garoto Evandro em Guaratuba, Paraná,
barbaramente sacrificado num ritual satânico, revela um qua-
dro assustador e doentio de certos segmentos da espiritualidade
brasileira que cresce a cada dia, ameaçando adultos e crian-
ças.2A imprensa não hesita em ligar esses atos sórdidos a cer-
tos adeptos do culto afro. Tal situação exige uma ação urgente
das autoridades constituídas.
A macumba chegou até aos porões da Casa da Dinda, du-
rante a gestão do ex-presidente Fernando Collor. Muitos ani-
mais foram mortos em rituais satânicos ali.’
Em 22 de março de 1993, o jornal O Globo informou que
Brasília, conhecida como a “cidade mística”, abriga 2.563 ca-
sas de candomblé e umbanda. O artigo trazia ainda uma lista
156 0 Império das Seitas IV

de políticos que estão sempre em busca da ajuda dos orixás,


tais como: Humberto Lucena, José Sarney, Antônio Carlos Ma-
galhães, Jaime Lerner, Mário Covas, Ibsen Pinheiro, Espiri-
dião Amin e vários outros.4
Como pode Deus abençoar uma nação em que a maioria
da população se acha envolvida em alguma prática de feitiçaria
ou espiritismo? Examinando as Escrituras Sagradas, vemos que
no Antigo Testamento, toda vez que um rei fazia o que era mal
aos olhos de Deus, a nação toda perecia. Quando ele fazia o
que era bom, todo o povo prosperava. Não há dúvida de que
a situação sócio-econômica do Brasil, determinada por uma
corrupção incontrolável em todos os níveis da sociedade, é
consequência direta de sua condição espiritual. Toda nação que
não leva a sério a Palavra de Deus colhe os frutos de tal atitude.
II. Por que Estudar Isso?
A. O Exemplo Bíblico
Muitos cristãos têm dificuldade em estudar os assuntos re-
lacionados com Satanás e o mal. Muitos me perguntam: “Não
seria melhor falar apenas de Jesus?” Eu também gostaria que
fosse assim. Jesus é o tema central da Bíblia e o assunto pre-
dileto de todo aquele que teve um encontro com ele. Por outro
lado, verificamos que é a própria Palavra de Deus que nos re-
vela quem é Satanás, quem são os demônios e como agem.
Vários escritores do Novo Testamento não se esquivaram
de ensinar e exortar em suas cartas sobre as atividades demo-
níacas contra o cristão e a igreja em geral (1 Co 10.20,21; 2 Co
11.14,15; 1 Tm 4.1; Tg 4.7; 1 Pe 5.8,9; 1 Jo 4.1-3). Verificamos
ainda nas narrativas dos evangelhos que o Senhor Jesus não se
limitou a falar somente do céu e de anjos, mas teve a preocu-
pação de falar também do inferno e dos inimigos de nossa alma
(Mt 12.43-45; 17.21; Lc 10.18,19; 22.31). E hoje não podemos
agir de forma diferente.
B. A Situação Espiritual do Brasil
O Brasil é um país místico, obcecado com 0 sobrenatural
e certamente essa é uma das razões por que as seitas crescem
tanto aqui. Quem ainda não ouviu expressões como “macumba”,
“axé”, “pomba-gira” ou “cuidado, que o meu santo é forte”?
Para que o cristão possa compartilhar as boas novas do evan-
gelho com os adeptos das religiões africanas, ele deverá ter pelo
A Bíblia e os Cultos Afro-Brasileiros 157

menos algumas noções de suas crenças, saber em que elas di-


vergem dos ensinos da Palavra de Deus, podendo assim ofere-
cer uma alternativa espiritual melhor, à luz da Bíblia Sagrada.
Infelizmente, a única coisa que se ouve na maioria dos púl-
pitos é que a macumba é do diabo. Se quisermos levar qualquer
pessoa a Cristo, para uma nova vida de paz e liberdade, tudo
deve ser feito com amor. A razão principal para evangelização
dos adeptos dos cultos afros é que eles têm uma alma preciosa
pela qual o Senhor Jesus morreu, a fim de que tenham vida
e vida com abundância (Jo 10.10). Diante desse fato, os cristãos
estariam sendo terrivelmente negligentes se cruzassem os bra-
ços e não fizessem nada no sentido de alcançar os espíritas para
Cristo. Para se atingir esse objetivo, é necessário ter pelo me-
nos algumas informações básicas, como as que apresentare-
mos neste trabalho.
C. O Valor Prático da Informação no Evangelismo
O cristão deve estar informado. Veja o exemplo do apóstolo
Paulo no Areópago de Atenas (At 17.22-31), que citou o “ Hino
a Zeus” do poeta Cleanthes (versículo 28). Com isso, o após-
tolo pôde identificar-se melhor com os atenienses, criando as-
sim uma oportunidade para comunicar-lhes o evangelho. Ao
familiarizar-se um pouco com os cultos afros, 0 cristão evitará
a acusação de seus adeptos de que está falando do que não co-
nhece. E, ao dialogar com eles, seu receio será também muito
menor, já que conhece algo de suas crenças, terminologias e
práticas.
Lembro-me de uma experiência que tive certa vez no metrô
em São Paulo. Ao entrar, percebí ao meu lado um homem que
usava o contra egun (trança de palha amarrada no braço para
afastar os espíritos dos mortos). Perguntei-lhe se era do can-
domblé, quem era o santo da sua cabeça, quem era o juntó (orixá
auxiliar), qual era sua dijina (novo nome do filho-de-santo após
sua iniciação) e quais eram suas quizilas (proibições quanto
a comer certos al imentos ou fazer certas coisas). Depois de res-
ponder com detalhes, perguntou-me se eu também era filho-
de-santo. Disse-lhe que não, mas que me interessava muito pelo
assunto, e que já havia pesquisado os livros de vários autores
de renome dentro da cultura afro, tais como Pierre Verger, Ed-
son Carneiro, Artur Ramos, Roger Bastide, Nina Rodrigues
e outros.
158 O Império das Seitas IV

Com isso, estabeleceu-se uma ponte para o evangelismo,


ele sentiu-se à vontade, e até perguntou-me o que eu achava
do candomblé. Disse-lhe que não tinha a intenção de estragar
o nosso diálogo, mas já que me perguntou, dei-lhe a minha opi-
nião à luz da Bíblia. Estou certo de que as informações que
lhe passei o fizeram pensar muito. Esse episódio mostrou-me
como é importante estar devidamente preparado para comuni-
car a outros as boas novas do evangelho. Por outro lado, pre-
cisamos estar sempre lembrados que nenhum argumento, ne-
nhuma informação substituirá a atuação do Espírito Santo, É
somente ele quem pode convencer uma pessoa e revelar-lhe
Jesus como Senhor e Salvador. Não há dúvida de que o Espírito
Santo pode também usar as informações e o conhecimento que
temos no momento de testemunhar.
III. Origens
Os cultos afro-brasileiros tiveram a sua origem no Brasil
com a chegada dos africanos. Com a colonização do Brasil após
a sua descoberta no ano de 1500, faltaram braços para a lavoura.
Com isso, os proprietários da terra tentaram subjugar o índio
pensando empregá-lo no trabalho agrícola. Entretanto, o índio
não se deixou subjugar, o que levou os colonizadores a vol-
tarem-se para a África em busca de mão-de-obra para a lavoura.
Começa assim um período vergonhoso da História do Brasil.
O sofrimento dessa gente é descrito pelo poeta Castro Alves
em suas poesias “ Navio Negreiro” e “Vozes D’Africa”. Em seu
livro, Latiu America: An Interpretative History, Burns apresenta
alguns dados importantes sobre o tráfico de escravos africanos
para o Brasil:
“Acredita-se que os primeiros escravos africanos chegaram
ao primeiro mundo já em 1502. Provavelmente, os primeiros
carregamentos de escravos chegaram em Cuba em 1512 e no
Brasil em 1538 e isso continuou até que o Brasil aboliu 0 trá-
fico de escravos em 1850 e a Espanha finalmente encerrou o
tráfico de escravos para Cuba em 1866. A maioria dos três mi-
Ihões de escravos vendidos à América Espanhola e os cinco
milhões vendidos ao Brasil num período de aproximadamente
très séculos, vieram da costa ocidental da África.“ '
Era muito cruel o tratamento imposto aos escravos desde
o momento da partida da África e durante a viagem nos navios
chamados “tumbeiros”, que podia se estender a cerca de dois
A Bíblia e os Cultos Afro-Brasileiros 159

meses. Os maus tratos continuariam depois, para a maioria de-


les até a morte. Edson Carneiro informa que o tráfico trouxe
escravos de três regiões: da Guiné Portuguesa, do Golfo da Guiné
(Costa da Mina) e de Angola, chegando até Moçambique. Os
africanos chegaram divididos em dois grupos principais: su-
daneses (os da Guiné e da Costa da Mina) e os bantos (An-
gola e Moçambique). Os da Costa da Mina desembarcavam
na Bahia, enquanto que os demais eram levados para São Luís
do Maranhão, Bahia, Recife e Rio de Janeiro, de onde se es-
palhavam para outras regiões do Brasil, como litoral do Pará,
Alagoas, Minas Gerais e São Paulo.‘
Chegando em solo brasileiro o africano trazia consigo, além
de sua religião e de seus deuses, uma vasta riqueza cultural ex-
pressa na música, na comida, nas artes e nos costumes. O vín-
culo familiar era quebrado devido à distribuição dos escravos
para as diversas regiões de trabalho. Isso também gerou uma
diversidade nas religiões africanas, como explica Abguar Bastos:
“Os cultos afro-brasileiros disseminados no Brasil, se to-
mam nomes diferentes, pouco se distinguem entre si pelos ri-
tos admitidos, pelas divindades ou categorias protetoras ou pe-
las finalidades a que se destinam. De maneira geral se
confundem. Por isso, o que é macumba no Rio é candomblé
na Bahia, Xangô em Pernambuco e Alagoas, canjerê em Mi-
nas, Pará no Rio Grande do Sul e babaçuê (Santa Bárbara) no
Norte... Encanteria, cabula, tambor de mina (Maranhão), cam-
binda e linha de mesa, sem falar em catimbó, misto, no Nor-
deste, de “pretos velhos” e “caboclos”... se destacam da ma-
cumba dois ramos de origens comuns, porém de objetivos
diferenciados: a umbanda e a quimbanda. Para a primeira, a
segunda é reunião para o malefício, trabalhando feitiços que
trazem danos às pessoas visadas.”
Até hoje, as formas e os rituais do culto afro variam de um
terreiro para o outro ou de uma região para outra, o que nos
leva a enfocar neste trabalho apenas o básico que possibilite
ao cristão compartilhar a sua fé com os devotos dos orixás.
IV. O Panteão Africano
A. Quem São os Orixás?
De acordo com Olga Cacciatore, os orixás são divindades
intermediárias entre Olórun (o deus supremo) e os homens.
Muitos deles são antigos reis, rainhas ou heróis divinizados,
160 0 Império das Seitas IV

os quais representam as vibrações das forças elementares da


natureza — raios, trovões, ventos, tempestades, água, fenôme-
nos naturais, como 0 arco-íris — atividades econômicas pri-
mordiais do homem primitivo — caça, agricultura — os mi-
nerais, como o ferro, que serviu tanto a essas atividades de
sobrevivência como às de extermínio — a guerra — e ainda
as grandes ceifadoras de vidas, as doenças epidêmicas, como
a varíola, etc."
B. A Origem Mitológica dos Orixás
Nina Rodrigues, respeitável autoridade sobre a religião afro-
brasileira, relata 0 seguinte quanto à origem dos orixás:
“ Do consórcio de Obatalá, o Céu, com Odudua, a terra,
nasceram dois filhos, Aganju, aterra firme, e Iemanjá, as águas.
Desposando seu irmão Aganju, Iemanjá deu à luz Orungan,
o ar, as alturas, o espaço entre a terra e o céu. Orungan concebe
incestuoso amor por sua mãe e, aproveitando a ausência paterna,
raptou-a e a violou. Aflita e entregue a violento desespero, le-
manjá desprende-se dos braços do filho, foge alucinada, des-
prezando as infames propostas da continuação às ocultas da-
quele amor criminoso. Persegue-a Orungan, mas, prestes a
deitar-lhe a mão, cai morta Iemanjá. Desmesuradamente cresce-
lhe o corpo e dos seios monstruosos nascem dois rios que adiante
se reúnem, constituindo uma lagoa. Do ventre enorme que se
rompe, nascem: Dadá, Xangô, Ogum, etc.”
C. Os Orixás
Ninguém melhor do que Pierre Fatumbi Verger para nos
informar sobre os orixás. Fotógrafo, etnólogo e historiador, Ver-
ger nasceu em Paris em 4 de novembro de 1902, vindo para
o Brasil em 1946. Em seu livro Orixás, Deuses lorubás na África
e no Novo Mundo, um clássico da religião afro-brasileira, le-
mos que a partir de 1948 ele passou dezessete anos viajando
pelas regiões ocidentais da África, em terras iorubás. Tornou-
se babalaô (sacerdote de Ifá, o orixá da adivinhação) em keto,
por volta de 1950 e foi por essa época que recebeu do seu mes-
tre Oluwo o nome de Fatumbi: “Aquele que nasceu de novo
(pela graça de) Ifá”.” Vejamos alguns dos orixás mais impor-
tantes, segundo Verger:
Exu: é um orixá de múltiplos e contraditórios aspectos. Gosta
de suscitar dissensões e disputas, de provocar acidentes e ca-
lamidades. É astucioso, grosseiro, vaidoso, indecente, de tal
A Bíblia e os Cultos Afro-Brasileiros 161

maneira que os primeiros missionários o compararam ao diabo


da teologia. Pode revelar o seu lado bom se for tratado com
consideração. Se não lhe forem feitos sacrifícios e oferendas,
as catástrofes aparecem. Seu dia é a segunda-feira e suas cores
são o preto e o vermelho.
Ogum: temível guerreiro que brigava sem cessar contra os
reinos vizinhos. Como orixá, é o deus do ferro, dos ferreiros
e de todos aqueles que utilizam esse metal. As pessoas consa-
gradas a Ogum usam colares de contas de vidro azul-escuro
e, algumas vezes, verde. O seu dia da semana é terça-feira. Seu
nome é sempre mencionado por ocasião de sacrifícios dedica-
dos aos diversos orixás no momento em que a cabeça do animal
é decepada com uma faca — da qual ele é o senhor. Quando
Ogum se manifesta no corpo em transe de seus iniciados, dança
com ar marcial, agitando sua espada.
Oxóssi: o deus dos caçadores, teria sido o irmão caçula ou
filho de Ogum. Protege os caçadores, dando-lhes caça abun-
dante. Seus iniciados usam colares de contas azul-esverdeadas
e seu dia é a quinta-feira.
Ossain: é a divindade das plantas medicinais e litúrgicas.
Nenhuma cerimônia pode ser feita sem a sua presença, pois
ele é o detentor do axé (o poder), imprescindível até aos pró-
prios deuses. Seus seguidores usam colares de contas verdes
e brancas e seu dia da semana é o sábado.
Xangô: é viril e atrevido, violento e justiceiro; castiga os
mentirosos e malfeitores. O raio é considerado um de seus ins-
trumentos de punição. O carneiro, cuja chifrada tem a rapidez
do raio, é o animal que lhe sacrificam. Seus fiéis usam colares
de contas vermelhas e brancas, e quarta-feira é o seu dia.
Oiá-Iansã: é a divindade dos ventos e das tempestades. Foi
a primeira mulher de Xangô e tinha um temperamento ardente
e impetuoso. Os fiéis de Iansã, seu nome mais conhecido no
Brasil, usam colares de conta de vidro grená. A exemplo de
Xangô, a quarta-feira é o seu dia. Ela se manifesta através de
seus iniciados usando uma coroa semelhante à dos reis africa-
nos, cujas franjas de contas escondem o seu rosto; suas danças
são guerreiras. Recebe sacrifícios de cabras e oferendas de aca-
rajés.
Oxum: é a divindade do rio de mesmo nome que corre na
Nigéria. Era, segundo dizem, a segunda mulher de Xangô. As
mulheres que querem ter filhos dirigem-se a Oxum, pois ela
162 O Império das Seitas IV

controla a fecundidade. Seus adeptos usam colares de contas


de vidro de cor amarelo-ouro e numerosos braceletes de latão.
O seu dia é o sábado e recebe sacrifícios de cabras.
Oxumaré: é a serpente-arco-íris, a mobilidade, a atividade
e dirige as forças que produzem 0 movimento. Oxumaré é, ao
mesmo tempo, macho e fêmea. Essa dupla natureza aparece
nas cores vermelha e azul que cercam 0 arco-íris. As pessoas
de Oxumaré usam colares de contas de vidro amarelas e ver-
des, e seu dia é a terça-feira. As oferendas são de patos e pratos
de comida onde se misturam feijão, milho e camarões cozidos
no azeite-de-dendê.
Obaluaê ou Omulu: deus da varíola e das doenças conta-
giosas. Seus iniciados dançam inteiramente revestidos de palha
da costa, curvados para frente, como que atormentados por do-
res, coceiras e febre. São-lhe oferecidos milho cozido, carne
de bode, galos e pipocas. Seus adeptos usam colares de contas
marrons com listas pretas e seu dia é a segunda-feira.
Oxalá: “O Grande Orixá” ou “O Rei do Pano Branco” é
o mais importante e o mais elevado dos deuses iorubás, de ca-
ráter obstinado e independente. Foi 0 primeiro a ser criado por
Olodumaré, o deus supremo. Seus iniciados usam colares de
contas brancas, vestem-se de branco, e seu dia é a sexta-feira.
No candomblé, mesmo os adeptos de outros orixás se vestem
de branco na sexta-feira, tal é o prestígio de Oxalá.
lemanjá: seu nome significa “ mãe cujos filhos são peixes”
e é representada com seios volumosos, símbolo da maternidade
fecunda e nutritiva. O fato de possuir seios mais que majesto-
sos — ou somente um deles, segundo outra lenda — foi a causa
de desentendimentos com seu marido. Seus iniciados usam co-
lares de contas de vidro transparentes e vestem-se de azul claro,
lemanjá recebe sacrifícios de carneiros e oferendas de pratos
preparados à base de milho branco, azeite, sal e cebola. Ie-
manjá é o orixá das águas e do mar; o seu dia é o sábado. É
uma divindade muito popular no Brasil e em Cuba.‫״‬
lemanjá é festejada várias vezes no ano. A data tradicional
de sua festa é oito de dezembro, mas há festas durante o mês
todo, principalmente nos fins de semana. Entretanto, é por oca-
sião da última noite do ano que ela recebe grandes homena-
gens. Obabalorixá (pai-de-santo) Jamil Rachid, um líder muito
respeitado dentro da umbanda no Brasil, explica por que as pes-
soas vão à praia homenagear lemanjá:
A Bíblia e os Cultos Afro-Brasileiros 163

“O mês de dezembro é o mês da espiritualidade, quando


todos os guias-chefes dos templos [de umbanda] pedem para
que todo o corpo mediúnico esteja presente à Terra Sagrada,
que é o mar. Mas, por que os guias pedem?
“Justamente, o mês de dezembro é o último mês do ano,
os presidentes espirituais levam presentes a lemanjá... a todas
as falanges e legiões de espíritos das águas. E nesse contato
do médium com a natureza — ou seja, o mar sagrado [Kalunga]
— ele recebe os fluidos benéficos para limpeza do corpo flu-
ídico, recebendo maiores vibrações para mediunidade.
“ [É para prestar homenagem) a esse grande orixá que co-
manda as maiores falanges de caboclos, de caboclas, crianças,
que se manifestam na maioria dos terreiros de todo o território
nacional. Esse orixá, que é conhecido em todo o mundo, é a
nossa rainha lemanjá, mãe de todos os orixás.”
Quanto às oferendas que se fazem a lemanjá, Zora Seljan diz:
“Os presentes são amontoados num imenso cesto: sabão,
perfumes, flores naturais ou artificiais, lenços de renda, cortes
de fazenda, figurinos, colares, braceletes, dinheiro. Tudo é
acompanhado de cartas, súplicas dos fiéis, que pedem uma
graça. É lançado ao mar. Para que ele seja aceito por lemanjá,
deve mergulhar nas águas. Se boiar é sinal de recusa e descon-
tentamento. Será preciso fazer novos sacrifícios e novas oferen-
das para atrair sua proteção.”
D. Os Orixás e o Sincretismo
A presença dos africanos no Brasil logo provocaria o sur-
gimento de um fenômeno conhecido como sincretismo reli-
gioso, que é a união dos opostos, um tipo de mistura de cren-
ças e idéias divergentes. Os escravos não abririam mão de seus
cultos e seus deuses. Devido a um doutrinamento imposto pe-
lo catolicismo romano, os africanos começaram a buscar na
igreja, santos correspondentes aos seus orixás. Aqui estão al-
guns exemplos:
Exu — diabo
Ogum — São Jorge
Oxóssi — São Sebastião
Ossain — São Benedito
Xangô — São Jerônimo
Iansã — Santa Bárbara
Oxum — Nossa Senhora das Candeias
Oxumaré — São Bartolomeu
164 0 Império das Seitas IV

Omulu — São Lázaro


Oxalá — Senhor do Bonfim
Iemanjá — Nossa Senhora da Imaculada Conceição
Além dessas, ainda há outras entidades presentes nos cultos
afro-brasileiros que representam o espirito de pessoas falecí*
das: caboclos (espíritos de índios), pretos-velhos (espíritos de
escravos africanos), Erê ou Ibêji (espírito infantil), além de ma-
rinheiros, boiadeiros, ciganos, etc.
Os Cultos Afros à Luz da Bíblia
A. Verdade ou Mito
Quando alguém passa a estudar os cultos afros, uma das
coisas que observa é a impossibilidade de se fazer uma análise
objetiva sobre a origem ou a atuação dos orixás, devido a tantas
informações divergentes e contraditórias. Existem muitas len-
das que tentam explicar o surgimento dos deuses africanos e
as informações variam muito de um terreiro para o outro, de
uma região para a outra e de um pai-de-santo para o outro. Os
próprios adeptos dos orixás admitem isso. Veja o que dizem
Ronaldo Linares e Diamantino Trindade no livro fernanjá/Ogum:
“São muitas, e não raras vezes conflitantes, as lendas sobre
os orixás africanos, fato justificado pela transmissão oral de
fatos reais ou fantasiosos, ocorridos em tempos imemoriais.
Desta forma, é preciso que ao analisá-los, nos lembremos da
mitologia greco-romana, com a qual, aliás, às vezes se confunde
e outras se parece, e onde os personagens divinos se apresen-
tam com hábitos, costumes e necessidades humanas.”
Pierre Verger também está ciente dessas discordâncias. Em seu
livro Orbcást ele considera como hipóteses extravagantes as infor-
mações sobre diferentes aspectos dos orixás, fornecidas por diver-
sos autores. O próprio Verger não tem certeza se Iemanjá possuía
seios mais que majestosos — ou somente um deles, segundo outra
lenda. Aliás, o termo lenda é frequentemente usado por Verger ao
descrever diferentes aspectos da vida e das atividades dos orixás.L"
O mesmo pode ser observado nos escritos de Nina Rodri-
gues. Ele apresenta Xangô como filho de Iemanjá, para em se-
guida afirmar:
‘‘Lendas diversas se referem a Xangô, um dos orixás mais
afamados dos iorubanos... Em vez de nascer de Iemanjá, como
no mito precedente, Xangô seria um filho de Obatalá ”
A Bíblia e os Cultos Afro-Brasileiros 165

O dicionário Aurélio define lenda como tradição popular,


narração escrita ou oral, de caráter maravilhoso, na qual os fia-
tos históricos são deformados pela imaginação popular ou pela
imaginação poética. Já o mito é definido como a representação
de fatos ou personagens reais, exagerada pela imaginação po-
pular, pela tradição, etc. Pode ser também uma idéia falsa, sem
correspondente na realidade, coisa inacreditável, fantasiosa, ir-
real, ou mesmo uma imagem simplificada de pessoa ou acon-
tecimento, não raro ilusória, elaborada ou aceita pelos grupos
humanos, e que representa significativo papel em seu compor-
tamento.
É interessante observar também como a Enciclopédia de
Bíblia, Teologia e Filosofia define o mito:
“A palavra portuguesa “mito" vem do grego, m úthos, que
indica qualquer idéia expressa somente por palavra oral, em
contraste com érgon, “trabalho”, “ação”. Assim, um mito é
algo sobre o que os homens falam, mas sem base na realidade...
Uma estória apresentada como histórica, relacionada a tradições
cosmológicas e sobrenaturais de um povo com seus deuses,
sua cultura, seus heróis, suas crenças religiosas, etc. (WA.) Um
mito é uma ficção popular, contada como se fosse histórica e
real.” '7
Por outro lado, vale a pena observar que a Bíblia Sagrada
há cerca de dois mil anos tem resistido a toda a sorte de ataques
e críticas. Sua autenticidade tem sido verificada pela análise
histórica, geográfica, literária e arqueológica. Escrita durante
um período de mais de 1.500 anos por mais de 40 autores, sendo
que a maioria deles nunca esteve junta, ela trata de diversos
assuntos, pessoas e datas sem se contradizer, revelando uma
linguagem progressiva e harmoniosa.
Além das provas arqueológicas, históricas e geográficas,
a quantidade de manuscritos da Bíblia existentes hoje faci-
lita uma verificação objetiva e satisfatória, fortalecendo a con-
fiabilidade dos textos do Antigo e do Novo Testamento. Josh
McDowell, conhecido apologista norte-americano, declara:
“Atualmente sabe-se da existência de mais de 5.300 manus-
critos gregos do Novo Testamento. Acrescentem-se a esse nú-
mero mais de 10.000 manuscritos da Vulgata Latina e, pelo me-
nos, 9.300 de outras antigas versões, e teremos hoje mais de
24.000 cópias de porções do Novo Testamento. Nenhum outro
documento da História antiga chega perto desses números e
166 O Império das Seitas IV

dessa confirmação. Em comparação, a Ilíacla de Homero vem


em segundo lugar, com apenas 643 manuscritos que sobrevi-
veram até hoje.‫*‘ ״‬
O teólogo R. C. Sproul, presidente do Centro de Estudos
de Ligonier (Pennsylvania, E.U.A.), afirma:
“A área da investigação histórica, mais que qualquer outra,
nos tem dado motivos para encararmos com otimismo a questão
da confiabilidade das Escrituras... Descobertas levadas a efeito
no século XX, como as de Ugarite, Cunrâ e Ebla, foram muito
úteis no sentido de aprofundar nosso conhecimento da
antigüidade. As lâminas Nuzi e Amarna resolveram inúmeros
problemas do Velho Testamento. A obra de Ramsey, investi-
gando as viagens de Paulo como registradas por Lucas, com-
provou de tal forma a exatidão de Lucas como historiador, que
os historiógrafos seculares modernos o chamaram de melhor
historiador da antigüidade. Os historiadores bíblicos suporta-
ram melhor o escrutínio e a crítica do que outros dos tempos
antigos, como Josefo e Heródoto.”
As descobertas arqueológicas têm fornecido também
grande credibilidade às narrativas bíblicas. Alguém até já
disse que “cada vez que os arqueólogos abrem um buraco no
Oriente é mais um ateu que sepultamos no Ocidente”. Entre
muitos exemplos, citamos aqui um comentário de Norman Geis-
ler, sem dúvida, um dos maiores apologistas (defensores da fé
cristã) vivos da atualidade. Geisler e Thomas Howe fazem 0
seguinte comentário sobre a destruição da cidade de Jericó por
Josué, o sucessor de Moisés:
“ Num trabalho publicado no Biblical Archaeology Review
(março/abril de 1990). Bryant G. Wood, professor convidado
para o departamento de Estudos do Oriente Próximo na Uni-
versidade de Toronto, tem apresentado evidência de que 0 re-
lato bíblico é correto. Sua pesquisa detalhada forneceu as se-
guintes conclusões:
1. Que a cidade que um dia existiu naquele lugar era for-
temente fortificada, correspondendo ao relato bíblico em Jo-
sué 2.5,7,15; 6.20,21.
2. Que as ruínas dão evidência de que a cidade foi atacada
depois da colheita, na primavera, de acordo com Josué 2.6;
3,15; 5.10.
3. Que os seus habitantes não tiveram a oportunidade
de fugir com seus bens do exército invasor, de acordo com
Josué 6.1.
4. Que o cerco foi breve, não permitindo aos habitantes con­
A Bíblia e os Cultos Afro-Brasileiros 167

sumir a comida que estava guardada na cidade, de acordo com


Josué 6.15.
5. Que os muros foram rebaixados de tal maneira a facilitar
o acesso à cidade para os invasores, como em Josué 6.20.
6. Que a cidade não foi saqueada pelos invasores, de acordo
com as instruções de Deus em Josué 6.17,18.
7. Que a cidade foi queimada depois dos muros serem des-
truídos, exatamente como em Josué 6.24.”
Há muitas outras descobertas arqueológicas que confirmam
a autenticidade da Palavra de Deus, não havendo aqui espaço
suficiente para tratar de várias delas. É possível também haver
uma variedade de interpretações sobre diferentes aspectos dou-
trinários da Bíblia. Por outro lado, é simplesmente impossível
ouvir ou ler informações contraditórias sobre os fatos estabe-
lecidos pela narrativa bíblica.
A Bíblia relata, por exemplo, que foi Noé quem construiu
a arca para escapar da destruição do dilúvio (Gn 6.13-22; Hb
11.7). Jamais um líder cristão dirá que foi o apóstolo Pedro quem
a construiu, nem outro dirá que foi Abel ou Salomão. O mesmo
não acontece no culto afro, onde um pai-de-santo diz uma coisa
e outro diz outra coisa, com base numa informação que lhes
foi passada oral mente. Felizmente, a fé cristã conta com a Bí-
blia Sagrada, uma obra de referência de todo confiável.
B. O Relacionamento com Deus
Devemos considerar também a posição dos orixás no culto
afro, onde eles desenvolvem o papel de mediadores entre o Deus
supremo e os homens. Novamente, pode-se observar aí uma
divergência em relação à Bíblia. Escrevendo a Timóteo, o após-
tolo declara: “ Porquanto há um só Deus e um só Mediador en-
tre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem” (1 Tm 2.5). Veja
Romanos 5.1: “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com
Deus, por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo”.
É somente pela obra redentora do Calvário que somos re-
conciliados com Deus como declara a Bíblia em Efésios
2.12,13,14,17: “ Naquele tempo, estáveis sem Cristo, separados
da comunidade de Israel, e estranhos às alianças da promessa,
não tendo esperança, e sem Deus no mundo. Mas agora, em
Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, fostes aproximados
pelo sangue de Cristo. Porque ele é a nossa paz, o qual de am-
bos fez um; e, vindo, evangelizou a paz a vós outros que está-
168 O Império das Seitas IV

veis longe, e paz também aos que estavam perto; porque, por
ele, ambos temos acesso ao Pai em um Espírito’’.
Não pode ser esquecido também que os filhos-de-santo, uma
vez comprometidos com os orixás, vão viverem constante medo
de suas represálias ou punições. Note um trecho de uma entre-
vista no livro de Reginaldo Prandi:
4,O P esquisador— Gostaria de perguntar o seguinte: desde
que há regras, quando a regra é quebrada, quem pune essa ação?
“M ã e Ju ju — O próprio santo, ou a mãe-de-santo: “Olha,
você não venha mais aqui, não venha fazer isto aqui que está
errado, quando você estiver bêbado, ou quando você estiver
bebendo, não venha mais dar santo aqui, não venha desrespei-
tar a casa”.
" O Pesquisador — Como é a punição do orixá? Será que
eu poderia resumir assim: doença, morte, perda de emprego,
perder a família, ficar sem nada de repente e sem motivo apa-
rente, enlouquecer, dar tudo errado, a própria casa-de-santo
desabar, isto é, todo mundo ir embora...?
" Todos — Isso.”51
Além do constante medo de punições em que vive o devoto
do orixá, ele deve ainda submeter-se a rituais e sacrifícios nada
agradáveis a fim de satisfazer os deuses. Quanto a isso, são im-
portantes as informações de Reginaldo Prandi, novamente:
“No candomblé, sacrifício diz respeito ao sacrifício da mor-
tificação do coipo, flagelação, abstinência e punições da lama
exigidas preceitualmente, O iniciado fica isolado do mundo
durante as obrigações, é submetido ao silêncio, anda de cabeça
baixa, tem a cabeça raspada e sofre incisões no couro cabeludo,
no alto da cabeça, por onde entrará o orixá no momento exato
da feitura... come com as mãos, dorme em esteiras no chão
duro... É obrigado a banhar-se com o abô, que é um líquido
putrefato, resultante da decomposição de folhas sagradas tri-
turadas em água, a que se acrescenta sangue dos sacrifícios,
e que se acredita conter o axé dos deuses. Quanto mais ver-
mes houver no abô, crê-se, tanto mais axé. Bebe-se também
deste abô. A permanência do iniciante nas dependências do
templo por ocasião das obrigações, que em São Paulo duram
21 dias na fase da feitura, tem de ser sustentada pelo próprio
iniciante. Uma quase interminável lista de despesas para quem
ganha tão pouco e vive tão mal e que só a crença justifica...”.
O relacionamento com o Deus da Bíblia é completamente
diferente. Ele é um Pai amável que “conhece a nossa estrutura
A Bíblia e os Cultos Afro-Brasileiros 169

e sabe que somos pó” (S! 103.14). Nenhuma pessoa é forçada


a seguir a Cristo, mas o faz espontaneamente. Depois da de-
sistência de muitos que já não o seguiam mais, Jesus perguntou
aos discípulos: “ Porventura quereis também vós outros retirar-
vos?” E Simão Pedro, mais que depressa, respondeu-lhe: “Se-
nhor, para quem iremos? tu tens as palavras da vida eterna; e
nós temos crido e conhecido que tu és o Santo de Deus” (Jo
6.67-69). Não é por medo que servimos a Cristo mas por amor,
pois a própria Biblia diz que Deus não nos deu espírito de medo,
mas de poder, amor e moderação (2 Tm 1.7).
Ainda que haja um fracasso na vida do cristão, ele não pre-
cisa ter medo de Deus, pois ele é grandioso em perdoar (Is 55.7).
O profeta Jeremias assim se expressou sobre a bondade de Deus:
“As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos con-
sumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-
se cada manhã” (Lm 3.22,23). E diz ainda: “ De longe se me
deixou ver o Senhor, dizendo: Com amor eterno eu te amei,
por isso com benignidade te atraí” (Jr 31.3). Em Oséias, apren-
demos que Deus nos atrai com laços de amor (Os 11.4).
Ao abrir o Novo Testamento, vamos encontrar o Senhor Je-
sus perdoando Zaqueu, o cobrador de impostos (Lc 19.1-10),
o ladrão na cruz (Lc 23.42,43) e muitos outros. No livro de
Hebreus está escrito que temos um sumo sacerdote que se com-
padece de nossas fraquezas (Hb 4.15). Paulo afirmou que “Se
formos infiéis, ele permanece fiel, pois de maneira nenhuma
pode negar-se a si mesmo” (2Tn12.13). João diz ainda que “Deus
é amor” (1 Jo 4.8). Esse é, de forma bem resumida, o perfil
do Deus da Bíblia — bem diferente dos orixás que, na maioria
das vezes, são vingativos e cruéis com os seus iniciados. Não
vale a pena servir um Deus tão bom assim?
C. O Sacrifício Aceitável
Um outro aspecto muito importante no culto afro é o sig-
nificado do “ebó”. Olga Cacciatore comenta:
“Oferenda ou sacrifício animal feito a qualquer orixá, no
sentido primitivo. Algumas vezes as oferendas são colocadas
ao ar livre... Termo mais comumente empregado para oferenda
especial a Exu, pedindo o bem ou o mal de alguém, ou agra-
decendo, colocada em encruzilhada, sendo vulgarmente cha-
mada “despacho”. Oferenda com finalidades maléficas, feiti-
çaria.”
170 0 Império das Seitas IV

Para justificar a matança de animais oferecidos aos orixás,


os adeptos do culto afro não hesitam em mencionar os sacri-
fícios de animais nas Escrituras Sagradas, como se pode obser-
var num livro de Donald Pierson:
“Somos tão cristãos quanto os católicos. Mas seguimos tam-
bém a lei de Moisés. Ele ordenou que os sacrifícios fossem
feitos com carneiros, cabras, bois, galinhas, pombos e assim
por diante. Não é verdade? Nós apenas obedecemos a seus
mandamentos.”

De fato, quando Salomão inaugurou o templo, milhares de


animais foram oferecidos em holocausto. Os sacerdotes tam-
bém sacrificavam todos os dias no templo, de manhã e à tarde.
Isso é uma verdade bíblica. Por outro lado, os que usam a Bí-
blia para justificar tais rituais hoje, se esquecem de que os sa-
crifícios de animais no Antigo Testamento apontavam para 0
sacrifício perfeito e aceitável de Jesus Cristo na cruz do Cal-
vário. O profeta Isaías o apresentou como a vítima perfeita para
o sacrifício ao declarar: “Certamente ele tomou sobre si as nos-
sas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o re-
putávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi
traspassado pelas nossas transgressões, e moído pelas nossas
iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pe-
las suas pisaduras fomos sarados. Ele foi oprimido e humilhado,
mas não abriu a boca; como cordeiro foi levado ao matadouro;
e, como ovelha muda perante os seus tosquiadores, ele não abriu
a sua boca” (Is 53.4,5,7).
Embora a Bíblia diga em Hebreus 9.22 que “sem derra-
mamento de sangue não há remissão”, ela é clara ao afirmar
também que “é impossível que o sangue de touros e de bodes
remova pecados” (Hb 10.4). Somente Jesus pode fazê-lo, pois
ele é “0 Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo
1.29) e que “o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo
pecado” (1 Jo 1.7). Em Hebreus 10.12, a Bíblia declara: “Jesus,
porém, tendo oferecido, para sempre, um único sacrifício pe-
los pecados, assentou-se à destra de Deus”, o que torna qual-
quer outro sacrifício de animais ou qualquer outro exercício
físico de auto-expiação, uma perda de tempo e algo detestável
aos olhos de Deus.
Moisés resumiu bem isto quando disse: “Sacrifícios ofere-
ceram aos demônios, não a Deus; a deuses que não conhece-
A Bíblia e os Cultos Afro-Brasileiros 171

ram, novos deuses que vieram a pouco dos quais não se estre-
meceram seus pais. Olvidaste a Rocha que te gerou; e te
esqueceste do Deus que te deu o ser” (Dt 32.17,18). O apóstolo
Paulo também nos exortou sobre esse assunto quando escreveu
aos cristãos de Corinto, dizendo: “Que digo pois? que o sacri-
ficado ao ídolo é alguma cousa? ou que o próprio ídolo tem
algum valor? Antes digo que as cousas que eles sacrificam, é
a demônios que as sacrificam, e não a Deus; e eu não quero
que vos torneis associados aos demônios. Não podeis beber
o cálice do Senhor e o cálice dos demônios; não podeis ser par-
ticipantes da mesa do Senhor e da mesa dos demônios” (1 Co
10.19-21).
D. Enfrentando a Morte
A sentença da morte dada aos primeiros pais no jardim do
Éden (Gn 3.19) e transferida a nós (Rm 5.12), continua sendo
ainda uma inimiga implacável. Não nos conformamos com a
morte e ela é sempre um assunto desagradável. Felizmente, de
acordo com a Palavra de Deus, temos a certeza de que ela um
dia desaparecerá: “ E lhes enxugará dos olhos toda a lágrima,
e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem
dor, porque as primeiras cousas passaram” (Ap 21.4).
Ao dialogar com os adeptos do culto afro ou ler suas pu-
blicações, percebe-se que os orixás têm medo da morte. Quando
um filho-de-santo está próximo da morte, o seu orixá pratica-
mente o abandona. Essa pessoa não entra mais em transe, pois
o orixá procura evitá-la. Roger Bastide diz o seguinte sobre esse
assunto:
“O orixá, com efeito, pode abandonar o indivíduo, voltar,
tornar a partir, sendo que abandona o corpo muitos dias antes
da morte, tanto se amedronta com os arrancos da agonia.”
Que pena! A pessoa passa grande parte de sua vida numa
dedicação total ao seu orixá, sacrificando-se tanto para cum-
prir suas obrigações, o que implica num investimento de tempo,
dinheiro e várias outras coisas, e no fim da vida, no momento
que mais precisa dele, é por ele abandonado. Bastide acrescenta:
“ Pois no momento da agonia, os orixás aterrorizados fo-
gern o mais longe possível.”
Na fé cristã passa-se exatamente o contrário. Jesus prome-
teu estar com os seus até o fim: ”... E eis que estou convosco
172 O Império das Seitas IV

todos os dias até a consumação dos séculos” (Mt 28.20). Ele


prometeu ainda: “De maneira alguma te deixarei, nunca ja-
mais te abandonarei” (Hb 13.5). O rei Davi, que viveu grandes
experiências com Deus e escreveu muitos salmos na Bíblia, disse
com segurança: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da
morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo: a tua
vara e 0 teu cajado me consolam” (SI 23.4). A Palavra de Deus
diz ainda: “ Preciosa é aos olhos do Senhor a morte dos seus
santos” (SI 116.15). O Deus da Bíblia não abandona seus filhos
em nenhum instante de sua vida, muito menos na hora da morte.
E. Salvação e Vicia Após a Morte
O assunto de salvação e vida após a morte no culto afro não
é bem definido e às vezes é até confuso. Aqui também as in-
formações são conflitantes, variando de um terreiro para o ou-
tro ou de um pai-de-santo para 0 outro. Na umbanda, devido
à influência kardecista, ensina-se a reencarnação. Já o candom-
blé parece não oferecer qualquer esperança de vida após a morte.
Observe o diálogo de um pesquisador com alguns pais-de-santo:
“O Pesquisador — Então a gente tem de ser feliz na terra?
"Pai A jaoci — É; porque no candomblé, morreu, morreu,
acabou. Todo o mundo derrama o egum dele.
" O P esquisador — Mas e no outro mundo? Depois que eu
morro eu não tenho contas a ajustar?
"Pai D ada — Isso é umbanda, é kardecismo, é catolicismo.
É uma bobagem. Um jeito de deixar pra depois.
" O Pesquisador — Mas e a alma, o egum? O egum não
é alguém que morreu? Que é cultuado inclusive no candom-
blé? Eu não reencarno para poder evoluir?
" Pai A ulo — Primeiro, eu não tenho esse conceito. Para
nós, morreu; você luta para voltar porque o bom é aqui. Aqui
você tem individualidade, o bom é aqui, o gostoso é aqui. Por
isso você reencarna, fica lá só sua memória da passagem,"
A Bíblia reflita claramente a idéia da reencarnação. No Salmo
78.39, ela declara: “ Lembra-se de que eles são carne, vento
que passa e já não volta”. E ainda em Hebreus 9.27: ”... aos
homens está ordenado morrerem uma só vez e, depois disto,
o juízo”. (Uma refutação bíblica da reencarnação já foi feita
no capítulo sobre o espiritismo kardecista deste volume.)
A vida eterna é a esperança máxima do cristão, tanto que
esse assunto está inserido no mais conhecido versículo da Bí-
A Bíblia e os Cultos Afro-Brasileiros 173

blia: “ Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu


o seu Filho unigênito, para que todo 0 que nele crê não pereça,
mas tenha a vida eterna”. Isso é tão importante que o próprio
Deus encarnou-se na pessoa de Jesus Cristo para efetuar tão
grande salvação, como declarou Paulo aos anciãos de Éfeso:
.. para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com
o seu próprio sangue” (At 20.28). Jesus sabia do valor de uma
alma a ponto de afirmar: “Que aproveita ao homem ganhar o
mundo inteiro e perder a sua alma?” (Mc 8.36.)
A Bíblia ensina que, para o cristão, estar ausente do corpo
é estar presente com o Senhor (2 Co 5.6). Paulo afirmou ainda
que a nossa cidade está no céu (Fp 3.20), e que para os cristãos
há um reino preparado desde a fundação do mundo (Mt 25.34).
Os santos do Antigo Testamento também tinham essa esperança,
pois o autor do livro de Hebreus escreveu sobre eles: “Mas
agora aspiram a uma pátria superior, isto é, celestial. Por isso,
Deus não se envergonha deles, de ser chamado o seu Deus,
porquanto lhes preparou uma cidade” (Hb 11.16). São muitos
os textos bíblicos que confirmam a felicidade futura e eterna
do cristão na presença de Deus.

F. A Verdadeira Liberdade
Sem dúvida muitas pessoas hesitam em abandonar os ter-
reiros, pois foi-lhes dito que se o fizerem, sofrerão consequências
desastrosas. Giselle Cossard-Binon confirma:
“ Pode acontecer que a fé da yawo vacile. Ela se cansa, não
observa mais as proibições, frequenta menos assiduamente o
terreiro, não comparece mais nos dias de festa, insurge-se con-
tra a autoridade absoluta de seu pai-de-santo. Corre então o
risco de ser cruelmente castigada.”
Certamente que qualquer pessoa que quiser desvencilhar-
se do jugo dos orixás para encontrar a liberdade espiritual e
uma nova vida em Cristo poderá fazê-lo sem qualquer temor,
pois a Palavra de Deus afirma: “ Para isto se manifestou o Filho
de Deus, para destruir as obras do diabo” (1 Jo 3.8). O próprio
Jesus disse: “ E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.
Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres”
(Jo 8.32,36).
Foi isso o que aconteceu com Georgina Aragão dos Santos,
ex-mãe-de-santo. Sua transformação foi contada pelo bispo Ro-
174 O Império das Seitas IV

berto McAlister, da Igreja Nova Vida, no Rio de Janeiro, no


livro Mãe-de-Samo*. Ao nascer, foi marcada com quatro cor-
tes de faca no braço direito. A parteira que a marcou, uma afri-
cana do candomblé, ainda fez a declaração: “ Esta menina tem
de ser mãe-de-santo. Não poderá fugir nunca a esse destino”
Aos nove anos de idade teve o seu primeiro contato com
o candomblé. Veio depois a iniciação, tornando-se mais tarde
mãe-de-santo e cartomante. Envolveu-se também com a um-
banda. Por muitos anos, viveu experiências incríveis e até mes-
mo repugnantes, impostas pelos guias. O encontro com Cristo,
a libertação, a paz e a alegria do Espírito Santo tornaram-se
realidade em sua vida quando passou a ouvir a Palavra de Deus
no auditório da A. B. I. (Associação Brasileira de Imprensa),
no centro da cidade do Rio de Janeiro. Ainda bem que Geor-
gina não é a única, pois são inúmeros os casos de pessoas que
passaram muito tempo escravizadas pelos orixás e hoje levam
uma vida feliz com Jesus,

1. Rcvisia Veja, 10/04/1991. p. 40.


2. Revista Isto É, 15/07/92. p. 42.
3. Revista Veja, 17/03/1993, p. 21.
4. Jornal O Globo, 22/03/1993, p. 4.
5. Burns, Latin America: An Interpretative History, citado no Crisis In
Latin America, An Evangelical Perspective, dc Emilio A. Nunes C. e Wil-
liam D. Taylor, Moody Chicago, EUA, p. 35.
6. Edson Carneiro, Candomblés da Bahia, Ediouro, Rio de Janeiro, 1961,
p. 57.
7. Abguar Bastos, Os Cultos Mágico-Retigiosos no Brasil, Editora Hu-
citcc, São Paulo, 1979, p. 29,30.
8. Olga Gudollc Cacciatorc, Dicionário de Cultos Afro-Brasileiros, Edi-
tora Forense Universitária, Rio dc Janeiro, 1977, p. 197.
9. Nina Rodrigues. Os Africanos no Brasil, Companhia Editora Nacio-
nal, São Paulo, 1977, p. 222.
10. Picrrc Fatumbi Vcrgcr, Orixás, Deuses Iorubás na África e no Novo
Mundo. Editora Corrupio, São Paulo, 1981, p. 5.
11. Ibidem, pp. 76, 79, 86, 94. 112, 113, 122, 123. 135, 140. 168, 170, 174,
176, 190. 191, 193, 206. 207. 2)2 . 216. 252. 259.
12. Jornal da Tanie, 06/12/75.
13. Zora A. O. Scljan, Aviiwj/«, Mãe dos Orixás, Editora Afro-Brasileira.
São Pauto. 1973. p. 32.
14. Ronaldo Antônio Linares c Diamantino Fernandes Trindade, lcmanjá
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15. Verger, pp. 169, 190, 191, 194 (nota n.° 5).
16. Nina Rodrigues, pp. 222, 223.
A Biblia e os Cultos Afro-Brasileiros 175

17. Russell N. Champlin c João M. Bcntcs. Enciclopédia de Biblia, Te-


ologia e Filosofia, Editora Candeia, Vol. 1, São Paulo, 1991, p. 320.
18. Josh McDowell, Evidência que Exige um Veredicto, Editora Candeia,
São Paulo, 1986, p. 20.
19. R. C. Sproul, Razão Para Crer, Editora Mundo Cristão, São Paulo,
1986, p. 20.
20. Norman Geister c Thomas Howe, When Cristics Ask, Victor Books,
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21. Rcginaldo Prandi, Os Candomblés de São Paulo, EDUSP, Editora
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22. Ibidem, pp. 156, 157.
23. Olga Cacciatorc. p. 107.
24. Donald Pierson, Brancos e Pretos na Bahia, Brasiliana, Companhia
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25. Roger Bastide, O Candomblé da Bahia, Companhia Editora Nacio-
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26. Roger Bastide, Estudos Afro-Brasileiros, Editora Perspectiva, São Paulo,
1983, p. 336.
27. Prandi, p. 149.
28. Giselle Cossard-Binon, OLOORISA, Escritos Sobre a Religião dos
Orixás, vários autores. Editora Ágora, São Paulo, 1981, p. 148.
29. Roberto McAlister, Mäe-de-Santo, Editora Carisma. Caixa Bastai 2734,
Rio de Janeiro, RJ, 20001, 1983.
------------------- 8 -------------------

As Seitas no
Campo
Missionário
Em nosso estudo de cada seita, mencionamos em que elas
sempre encontram melhor aceitação entre aqueles que já co-
nhecem o evangelho. Os crentes novos, os cristãos nominais
e os que possuem apenas um conhecimento superficial das
Escrituras aceitam com mais facilidade as doutrinas delas.
Nos Estados Unidos, elas se acham em evidência por toda
a parte. Seus adeptos realizam intensas campanhas de divul-
gação, ansiosos que estão para atingir o alvo que eles tanto
ambicionam: ter prestígio e ser reconhecidos como denomi-
nações cristãs. Contudo, no campo missionário, a situação
é bem diferente. E é disso que vamos nos ocupar agora.
Em meados de 1958, tive oportunidade de participar de uma
equipe de conferencistas que realizariam palestras nos campos
missionários, patrocinada pela Visão Mundial, então presidida
pelo Dr. Bob Pierce. O objetivo dessas reuniões era oferecer
ajuda a pastores, missionários e outros obreiros cristãos, na Ásia
e África. Nessas viagens, aprendi muito acerca dos métodos
empregados pelas seitas no exterior. Descobri que, ao contrário
do que acontece nos Estados Unidos, de modo geral, ao chegar
num lugar, elas preferem permanecer no anonimato, só se iden-
tifícando depois que já estabeleceram ali uma cabeça de ponte.
Essa medida é muito importante em locais onde o trabalho mis-
‫לי‬8 O Império das Seitas IV

MDuário é recente ou mesmo onde já é antigo. Além de se es-


forçarem para conquistar 0$ evangélicos, os promotores das sei-
tas procuram dirigir-se ao povo em sua própria língua. É nesse
ponto que as editoras da Torre de Vigia, dos Mormons e da
Escola de Unidade Cristã revelam maior eficiência. Os missio-
nários que se defrontam com Testemunhas de Jeová no Japão,
por exemplo, já sabem que vão encontrar exemplares de A Sen-
tinela e Despertai! publicados em japonês, enviados da sede
da seita em Brooklyn, Nova Iorque. Outro problema sério é a
falta de literatura cristã para combater esses movimentos. De-
vido à maneira como as seitas fazem sua divulgação, essa lite-
ratura precisaria ser impressa na língua do país em questão. Mas
ela praticamente inexiste.
Descobri, por exemplo, que as Testemunhas de Jeová es-
tavam tentando convencer as pessoas de que sua tradução da
Bíblia (Tradução do Novo Mundo) era a “ mais recente versão
americana”, e todos deveríam aceitar a exposição que ela faz
das doutrinas mais discutidas, pois era a “melhor e mais nova
versão feita a partir das línguas originais”.
É claro que um crente bem instruído sabe que a versão
da Torre de Vigia só é aceita por ela mesma e por aqueles
que não se acham a par de suas distorções. E a Torre de Vigia
prontamente oferece sua bíblia a todos que se interessarem,
crentes ou não, algo que a igreja cristã tem tido dificuldade
em fazer, mesmo no século XX.
Damos a seguir um gráfico do crescimento das Testemu-
nhas de Jeová nos últimos anos, que bem revela o perigo cres-
cente dessas seitas hoje em dia.

Quadro Comparativo dos Publicadores e Batizandos


das Testemunhas de Jeová:
Publicadores Relação Ano Batismos
Anterior
19S5 3.024.131 +6,9% 189.800
1986 3.229.022 +6,9% 225.868
1987 3.395.612 +5,7% 236.843
1988 3.592.654 +6,0% 239.268
1989 3.787.188 +5,6% 263.855
1990 4.017.213 +6,1% 301.518
As Seitas no Campo Missionário 179

O quadro da página anterior é desalentador para o traba-


lho de missões evangélicas. Os seminários, institutos bíblicos
e faculdades evangélicas precisam analisar as implicações de
crescimento tão rápido, já que muito pouco tem sido feito para
preparar pastores e missionários para enfrentar esses proble-
mas em seu país de origem ou no campo missionário.
E se lembrarmos que 33 % das Testemunhas de Jeová vi-
vem nos Estados Unidos enquanto que os outros 67% estão
nos outros países, o quadro se torna ainda mais grave. Só não
enxerga o problema quem não quer.
Em 1990, por ocasião do culto da Refeição Noturna das
Testemunhas de Jeová, que ficou conhecido como “ Memo-
rial’’, elas contavam com a presença de 9.950.058 em seus salões
do reino, o que denota um aumento de quase oito milhões
de presentes em relação aos 1.553.909 de 1961.
Não admira que muitos missionários e pastores nos Es-
tados Unidos comecem a dar mostras de desânimo. É dolo-
roso ver uma seita herética como essa obter cada vez mais
sucesso em seus esforços proseiitistas, principalmente na di-
vulgação de suas publicações, enquanto aqueles que pregam
o evangelho de Jesus Cristo encontram pouco ou nenhum apoio
em ponto tão vital como o evangelismo pela literatura.

O Crescimento Mundial da Sociedade Torre de Vigia

Relatório do trabalho de divulgação realizado em 1990,


na sede mundial, nos Estados Unidos

Pioneiros 536.508
Congregações 63.018
Total de horas gastas em estudos bíblicos 895.229.424
Valor gasto em manter pioneiros US$34.302.428,21
Revistas A Sentinela e Despertai!
Vendidas 621.120.000
Estudos bíblicos ministrados 3.624.091

Então, em tudo e por tudo, as Testemunhas de Jeová estão-


se transformando em crescente preocupação; em verdadeiro
desafio para os evangélicos que desejam levá-los a um conhe-
cimento de Jesus Cristo como Salvador pessoal e, assim, res-
ponder a todo aquele que lhes pedir a “ razão da esperança
180 O Império das Seitas IV

que há” neles. “Cristo em vós, a esperança da glória.” (1 Pe


3.15; Ci 1.27.)
Atividades Missionárias dos Mórmons
O trabalho missionário da Igreja de Jesus Cristo dos San-
tos dos Últimos Dias (Mórmon) também está-se desenvolvendo
rapidamente, ultrapassando até as Testemunhas de Jeová.
Gabando-se de um contingente de missionários que chega
ao redor de 40.000 obreiros de tempo integral, apoiados por
uma igreja cuja renda bruta anual é de mais de 5 bilhões de
dólares, a seita Mórmon avança em ritmo acelerado, princi-
palmente em seus novos campos missionários da América do
Sul e África.
Damos a seguir um gráfico do crescimento de seu movi-
mento missionário nos últimos anos. Ele serve para mostrar-
nos que as Testemunhas de Jeová não são a única seita que
compete, em larga escala com o Cristianismo nos campos mis-
sionários.
Crescimento da Igreja Mórmon
1900 268.331
1910 393.437
1920 526.032
1930 672.488
1940 862.664
1950 1.111.314
1960 1.693.180
1962 1.965.786
1975 3.700.000
1982 5.000.000
1988 6.659.000
1989 7.000.000
1990 8.000.000

As técnicas empregadas pelos missionários mórmons, em


muitos aspectos, são bem semelhantes às das Testemunhas
de Jeová. Também eles fazem visitas de casa em casa e se
mostram incansáveis em revisitar aqueles com quem eles pró-
prios ou os missionários que os precederam mantiveram con-
tato. Mas, diferentemente dos obreiros da Sociedade Torre
de Vigia, eles se apresentam bem aparelhados com diversos
As Seitas no Campo Missionário 181

tipos de recursos de comunicação e exemplares grátis dos seus


livros sagrados, que, segundo eles, dão uma “ interpretação
correta da Bíblia”. Entre outros citamos: o Livro dos Mór-
mons, Doutrina e Convênios, “A Pérola de Grande Valor”,
adotados em português. Eles tomam muito cuidado para não
mencionar que houve tempo em que discriminavam a raça
negra. Não ficaria bem que a “igreja restaurada de Jesus Cristo”
(mórmons) estivesse ativamente procurando promover as ra-
ças indígenas, divulgando seu mito arqueológico, e, ao mesmo
tempo, ignorasse a raça negra por causa da cor da pele e de
uma suposta maldição. Seria bom que, sempre que possível,
os missionários evangélicos mencionassem essa gritante in-
coerência, aliás muito conhecida na África, onde, até pouco
tempo atrás, a ausência do trabalho mórmon era comprome-
tedora e bastante notada. Durante grande parte da conturbada
existência dessa igreja, seus esforços missionários achavam-
se limitados às raças que, segundo ensinavam Joseph Smith
e Brigham Young, possuíam a qualificação necessária. Vendo-
a praticar tal discriminação racial, ninguém pode levar a sério
sua afirmação de que é a igreja de Cristo restaurada.
Os crentes que não estão informados sobre a verdadeira
natureza dos ensinos dessa seita podem até defender seus co-
nhecidos mórmons, que lhes parecem pessoas sinceras, boas,
espirituais e de vida irrepreensível. Falam do maravilhoso tra-
balho de assistência aos necessitados desenvolvido por eles;
elogiam sua operosidade e sucesso administrativo. Também
reconhecemos tais valores, que consideramos uma grande con-
tribuição para a sociedade. Isso nós não criticamos. Mas o
fato de alguém possuir essas virtudes por si só não o torna
cristão. Satanás fica muito satisfeito quando seus seguidores
se apresentam com uma bela fachada. Essas virtudes, repe-
timos, não têm valor algum no que diz respeito a ser aceito
por Deus, se o indivíduo não se curvar às revelações que Deus
faz acerca de seu Filho, Jesus Cristo. “Essas atitudes, na ver-
dade, são fruto da experiência cristã, e se o crente não as de-
monstrar em sua vida, não está realizando o propósito de Deus
para ele.” (Gordon R. Fraser, Is Mormonism Christian? —
O Mormonismo é cristão?)
Observaremos apenas que certas técnicas de trabalho pro-
selitista são comuns a todas elas. Será bom mencionar as prin-
cipais.
182 0 Império das Seitas IV

1. Eles não se identificam pelo nome com que são popu-


larmente conhecidos (Testemunhas de Jeová, Mórmons, Swe-
denborguianismo). Preferem títulos como Santos dos Últimos
Dias, Estudantes da Bíblia e Igreja da Nova Jerusalém. Ge-
ralmente só revelam sua origem histórica depois que o inte-
ressado já está sendo doutrinado.
2. Muitas seitas não colocam identificação em suas pu-
blicações, e por isso às vezes é difícil reconhecer a procedên-
cia de determinada literatura, devido à semelhança da ter-
minologia usada na exposição de seus ensinos.
3. Em seus cultos públicos, também, os missionários ra-
ramente se identificam dando o nome do grupo a que perten-
cem. Os Adventistas do Sétimo Dia, principalmente, adotam
essa prática, embora não sejam uma seita não-cristã. Mas o
fato de muitos deles relutarem em se dar a conhecer, demons-
tra que alguns dos seus métodos de proselitismo são desagre-
gadores. Parte da liderança adventista repudia tais métodos,
mas apesar disso, alguns continuam a empregá-los nos cam-
pos missionários.
4. Todas as grandes seitas citam bastante a Bíblia, quase
sempre fora de contexto. As Testemunhas de Jeová, por exem-
pio, chegam a oferecer exemplares de sua versão própria para
“ interpretar melhor as Escrituras”. (Os mórmons também pos-
suem sua “versão inspirada”.)
5. Quando insistimos em que eles definam seu conceito
de certas doutrinas históricas como a Trindade, a Divindade
de Jesus Cristo e a salvação pela graça, eles as negam.
6. Durante grandes campanhas evangelísticas, como a de
Billy Graham, por exemplo, eles procuram fazer 0 acompa-
nhamento e discipulado dos novos convertidos. Já fizeram isso
na Inglaterra e em outros lugares. Os Mórmons e Testemu-
nhas de Jeová são especialistas nessa tática. Alguns deles até
já foram vistos em salas de acompanhamento, após 0 apelo
evangelístico, para tentar um trabalho de proselitismo junto
aos decididos.
São essas, então, algumas das características dos métodos
empregados pelas principais seitas nos campos missionários.
Não há dúvida de que elas estão alcançando muito sucesso
e de que a igreja cristã precisa se levantar e enfrentar o pro-
blema enquanto ainda é tempo.
Desde os primórdios do Cristianismo, tanto os primeiros
apóstolos e discípulos, como todos os seguidores de Cristo
vêm enfrentando o problema da distorção da revelação que
Deus deu ao homem através da pessoa de Jesus Cristo. E não
apenas os ensinos de Cristo têm sido distorcidos, mas, tam-
bém, o que é pior; sua pessoa tem sido apresentada de forma
errada. E claro que se a doutrina de Cristo, isto é, de sua
pessoa, natureza e obra, for distorcida, a ponto de alterar a
identidade do doador da vida, então a vida que ele veio trazer
ao homem é da mesma forma negada. E é precisamente nesse
aspecto que, hoje, temos diante de nós o fenômeno que o após-
tolo Paulo menciona em 2 Coríntios 11.4, e que ele chama
de “um outro Jesus”.
A Natureza do Outro Jesus
Os fatos acerca da pessoa e da obra de Cristo constituem
o alicerce da fé cristã. Se forem desvirtuados e interpretados
fora de seu contexto, tornando-se o oposto de sua configuração
bíblica, toda a mensagem do evangelho sofre uma alteração
radical. Assim seu valor é reduzido. O apóstolo Paulo per-
cebeu isso claramente, como também João e Judas. Pôr essa
184 O Império das Seitas IV

razão, eles insistem em que se mantenha a identidade e o mi-


nistério do Jesus histórico, em contraste com as falsificações
de sua pessoa, que já começavam a surgir em seus dias.
O “outro” Jesus das falsas seitas daquele tempo (gnosti-
cismo e galacianismo) constituía uma ameaça às igrejas de
Colossos, Éfeso e Creta. Daí as veementes censuras e adver-
tências contidas nas cartas de 1 João, Gálatas e Colossenses.
Para compreender melhor como podemos aplicar esses tex-
tos em nossos dias, vamos examinar facetas desse “outro Je-
sus” sobre o qual a Bíblia tanto nos adverte. Assim entende-
remos bem toda essa questão.
1. O Jesus da Ciência Cristã
Como já mencionamos, a estrutura teológica da Ciência
Cristã não passa de uma versão moderna do gnosticismo, da
qual a Sr.a Eddy veio a ser o arauto no século XX. E ela diz
o seguinte acerca do seu Jesus:
,Ό cristão que crê no primeiro mandamento só pode ser
monoteísta. Assim ele realmente concorda com a crença dos
judeus em apenas um Deus, e não reconhece a Jesus Cristo
como sendo Deus, como o próprio Jesus Cristo declarou, mas
como Filho de Deus”. (Ciência e Saúde — Com a Chave das
Escrituras.)
E para que ninguém entendesse erradamente 0 que ela que-
ria dizer, explicitou ainda mais seu ponto de vista:
“O Cristo espiritual era infalível; Jesus, sendo um ho-
mem de carne e osso, não era o Cristo”. (M iscellaneous Writ-
ings — Obras miscelâneas.)
Ora, lendo atentamente 0 capítulo 16 de Mateus, vemos
que Jesus acatou a confissão feita por Pedro de que ele era
o Cristo, o Filho de Deus vivo. Por outro lado, seria tolice
defender a idéia de que ele não possuía um corpo de carne
e osso, já que o Novo Testamento revela que ele nasceu de
uma mulher, achava-se sujeito às mesmas limitações da na-
tureza a que nós estamos sujeitos, a não ser pelo pecado, e
que sofreu morte física, na cruz, em nosso lugar. O Jesus que
a Sr.a Eddy apresenta é um princípio ou ideal divino, que se-
ria inerente a todos os homens, e do qual Jesus seria a ma-
nifestação suprema. Como ela negava a existência do universo
material, negava também a realidade da carne e do sangue.
O Jesus das Seitas 185

Afirmava que o mundo físico era apenas uma ilusão da mente


mortal. Conclui-se daí que nem Cristo nem homem algum
possui um verdadeiro corpo de carne e osso. Para ela, por-
tanto, Jesus não veio em carne.
Em relação a essa questão, entendemos melhor as pala-
vras do apóstolo João, quando ele diz:
“Todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne
é de Deus; e todo espírito que não confessa a Jesus não pro-
cede de Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo,
a respeito do qual tendes ouvido que vem, e presentemente
já está no mundo”. (1 Jo 4.2b,3.)
Então essas palavras se aplicam perfeitamente ao Jesus da
Ciência Cristã e à sua profetisa, a Sr.a Eddy.
“Quem é o mentiroso senão aquele que nega que Jesus é 0
Cristo? Este é o anticristo, o que nega o Pai e o Filho.” (1 Jo 2.22.)
Creio não ser preciso ressaltar mais esse ponto. Está bem
evidente que o “outro” Jesus da Ciência Cristã é um Jesus
gnóstico, uma idéia, um princípio, mas não o Deus encar-
nado (Jo 1.14; Is 7.14; Mt 1.23). Portanto, embora os cientis-
tas cristãos e a Sr.a Eddy falem de Jesus e o citem em suas
publicações, o Cristo deles não é igual ao da Bíblia. Trata-se
de uma falsificação muito bem feita, acerca da qual o Espírito
Santo já advertiu claramente a igreja.
2. O Jesus das Testemunhas de Jeová
“As Escrituras verdadeiras podiam falar e falam do Filho
de Deus, o verbo, como “ um deus". Ele é “poderoso deus”,
mas não o Deus Todo-Ftoderoso, que é Jeová.” (Is 9.6.) 04
Verdade vos Tornará Livres.)
O Jesus das Testemunhas de Jeová, então, é um anjo que
se tornou homem. É um deus, mas não o Deus Filho, a se-
gunda pessoa da Santíssima Trindade. (Raciocínios à Base
das Escrituras, p. 219.)
Como já demonstramos amplamente em nossa análise das
Testemunhas de Jeová, a Bíblia refuta esse ensino e nega ta-
xativamente a cristologia da Torre de Vigia, pois ensina que
Jesus Cristo é o Verbo, o Deus unigênito (Jo 1.18, no grego),
e nada menos que o grande “ Eu Sou” de Êxodo 3.14 (com-
parar com João 8.58). É também o Primeiro e o Último, ci-
tado no Apocalipse e em Isaías, conhecido por todos os que
186 0 Império tias Seitas IV

estudam bem as Escrituras. (Comparar Apocalipse 1.16,17 com


Isaías 44.6.)
Como o Cristo da Sr.a Eddy é uma idéia abstrata e 0 das
Testemunhas de Jeová é um segundo deus, originariamente
um anjo, ambos se encaixam na descrição feita por Paulo de
um “outro’‫ י‬Jesus.

3. O Jesus cios Mórmons


Jesus, que segundo eles, antes de encarnar-se era o espírito-
irmão de Lúcifer, fora polígamo, tendo sido casado com as
Marias e com Marta. Por sua fidelidade, recebera o prêmio
de governar esta terra. (Veja, no vol. II de “O Império da
Seitas”, a sessão sobre o mormonismo.)
Em sua epístola aos Gaiatas, Paulo afirma que “ Deus é
um” (3.20). Além disso, há inúmeras passagens no Velho Tes-
tamento, que aliás mencionamos em nosso estudo dos Mór-
mons (vol. II), que demonstram como é falsa a idéia da mui-
tiplicidade de deuses, bem como a de que 0 homem possa
aspirar alcançar qualquer grau de divindade. Quanto à teoria
de que Jesus fosse polígamo e irmão de Lúcifer, não preci-
samos tecer maiores comentários sobre o assunto.
Existem muitas razões por que precisamos ter estudos como
este, mas vamos buscar na Bíblia os motivos básicos. Acre-
ditamos que, na Palavra de Deus, que é a fonte da nossa crença,
encontraremos as evidências de que é da vontade do Senhor
que façamos a defesa dessa fé.
Vamos começar lembrando que Jesus Cristo e seus após-
tolos estavam sempre advertindo seus ouvintes e leitores com
relação a falsos profetas e mestres.
Como dissemos no primeiro capítulo deste livro, no evan-
gelho de Mateus, capítulo 7, Cristo faz uma advertência bem
definida (vv. 15-23).
Nesse texto, ele fez revelações muito importantes. Ele nos
advertiu de que haveria falsos profetas, que se apresentariam
vestidos com pele de ovelhas, mas com um espírito, uma na-
tureza interior de lobos (v. 15). Ensinou também que pode-
ríamos reconhecê-los por seus frutos. Revelou-nos ainda que
eles profetizariam, expeliríam demônios e fariam milagres;
tudo em nome de Jesus (v. 16,22). E sabendo que eles fariam
todas essas coisas, o Senhor conclui: “Então lhes direi ex-
O Jesus das Seitas 187

plicitamente: Nunca vos conheci... os que praticais a iniqüi-


dade”. (V. 23.)
Mais adiante, no capítulo 24 de Mateus, o Senhor com-
pleta sua informação acerca deles quando fala de sua segunda
vinda. Diz ele: “ Porque surgirão falsos cristos e falsos pro-
fetas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se pos-
sível, os próprios eleitos”. (V. 24.)
Portanto, são bem claras as razões por que devemos res-
ponder a essas pessoas e mesmo evangelizá-las. A igreja tem
de fazê-lo porque o Senhor e seus apóstolos o ordenaram.
Embora essa prática seja impopular, todo cristão verdadeiro
precisa estar seriamente envolvido nela, se não por outra razão,
pelo menos por obediência ao Senhor.
Não há dúvida de que se nossa mãe, esposa, filhos, ou
mesmo nossa pátria fossem atacados ou difamados, procura-
ríamos defendê-los a qualquer custo, impelido pelo nosso amor
por eles. Quanto mais, então, o amor que temos por nosso
Redentor deve inspirar-nos a defender a ele e ao evangelho!
O Jesus das seitas é uma caricatura do Deus encarnado
apresentado no Novo Testamento. Além do imperativo de evan-
gelizar os que se acham envolvidos pelas seitas, temos a ne-
cessidade de responder a “todo aquele que vos pedir razão
da esperança que há em vós” (1 Pe 3.15). Essa esperança é
o Jesus da teologia e da história bíblicas. Assim que enxer-
gamos claramente a verdadeira natureza do Jesus das seitas,
será fácil desempenharmos nosso dever com fidelidade, e,
contrastando-o com a Bíblia, desmascarar, perante todos, não
somente a ele, mas ao seu inventor. Podemos resumir tudo
citando a grave advertência de Jesus, que disse incisivamente:
“Vede que vo-lo tenho predito”. (Mt 24.25.)
A Evangelizacão
das Seitas ‫י‬

Existem muitos crentes hoje, tanto da classe pastoral como


da liderança leiga, que estão repensando o conceito de evan-
gelização e de sua importância, se não para toda a igreja, pelo
menos para si mesmos. Um número cada vez maior de crentes
está começando a pensar mais em termos de evangelismo pes-
soai, em vez de evangelização de massa. É que, desde os pri-
mórdios do Cristianismo, o trabalho evangelístico bem-sucedido
e de resultados mais duradouros, é o evangelismo pessoal. Em-
bora seja fato que os grandes evangelistas conseguem atrair mui-
tidões de ouvintes, é verdade também que existe necessidade
do chamado “contato pessoal”. Um exemplo disso é o feto de
que Billy Graham, por diversas vezes, tentou suprimir de seu
programa de rádio “Hora da Decisão”, a conhecida frase de
encerramento: “ Deus o abençoe muito”, mas não o conseguiu,
porque os ouvintes, apesar de constituírem um grupo imenso,
gostam da sensação de relacionamento pessoal que a expressão
lhes proporciona.
Todas essas idéias nos levam a considerar uma questão de
grande importância. O que é evangelismo? Seria apenas reu­
190 0 Império das Seitas IV

niões de massa, onde as conversões a Cristo acontecem por


atacado? Ou quem sabe não seria função das igrejas promove-
rem uma ou duas semanas de conferências evangelfsticas ou
avivaiistas por ano? Quando falamos em evangelismo, será que
nos referimos principalmente à pregação pelo rádio e pela te-
levisão? Ou estará ele associado a todas essas formas de co-
municação do evangelho, e, ao mesmo tempo, a nenhuma de-
Ias? Será que o evangelismo deveria ser basicamente pessoal
ou individual (cada crente sentindo a responsabilidade de evan-
gelizar o seu próximo), constituindo então a raiz da qual se ali-
mentaria a árvore do evangelismo eclesiástico, e de massas, seja
em cruzadas ou em pregações pelo rádio e tevê? Para responder
a essas perguntas e enxergar na perspectiva correta a evange-
lização das seitas não-cristàs, vamos analisar atentamente o pa-
drão estabelecido no Novo Testamento.
As observações e técnicas que apresentamos a seguir são
muito proveitosas, se utilizadas num genuíno esforço cristão
para evangelizar os adeptos das seitas; não como uma panacéia,
mas como um método seguro de levá-los a uma fé pessoal em
Jesus Cristo. Aliás, esse é o objetivo certo de qualquer esforço
evangelístico, em qualquer época.
1. O E lem ento H um ano
Um dos primeiros pensamentos que se apresentam ao crente
que tenta evangelizar algum adepto de uma seita é o de que esse
indivíduo pertence a uma 44raça” especial, imune às técnicas
de evangelismo empregadas, além de bom conhecedor da Bí-
blia, preparado para confundir o crente comum, quando não
doutriná-lo. Trata-se de uma forte barreira psicológica, que existe
na mente de muitos crentes.
Embora haja alguns traços de verdade nessa imagem, o fato
é que nós a criamos com baseem alguma experiência anterior,
direta ou indireta, com 0 simpatizante da seita, na qual não nos
saímos muito bem. Muitas vezes somos derrotados, nos sen-
timos frustrados e envergonhados. De modo geral, isso nos deixa
reticentes, com receio de que a situação se repita,
A outra explicação para esse fenômeno é o temor de per-
mitir que tais indivíduos entrem em nossa casa, receio aparen-
temente gerado pelo ensino de 2 João 10:
“Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não
o recebais em casa, nem lhes deis as boas-vindas*’.
A Evangel ização das Seitas 191

Muitos pastores têm instruído suas ovelhas no sentido de


não abrirem a porta de sua casa aos partidários dessas seitas,
com base nessa passagem e em outros textos que tiram de con-
texto. O procedimento correto seria convidá-los a entrar e, se-
guindo a tradição do evangelisnio cristão, apresentar-lhes a men-
sagen! de Cristo. Não há nada na Bíblia que nos exima de nossa
responsabilidade como embaixadores de Cristo, e as seitas não
constituem uma categoria especial para o evangelismo.
Provavelmente estamos certos ao supor que a maioria dos
membros das seitas possui um conhecimento prático da Bíblia.
Muitos deles são bastante diligentes no estudo dela e da lite-
ratura de seu grupo. E talvez seja verdade também que os mais
doutrinados parecem imunes à pregação do evangelho e à de-
fesa que fazemos dele (quando necessário). Mas absolutamente
não constituem espécimes raros em cuja presença o crente seja
forçado a calar-se e o Espírito Santo fique sem poder algum.
É um grave erro pensar assim, e todo crente consciente deve
afastar essa idéia de sua mente.
Precisamos manter na lembrança que eles são almas pre-
ciosas, pelas quais Jesus Cristo se sacrificou; que são seres hu-
manos com lar, família, amigos, emoções, problemas, sonhos,
temores e frustrações como todos os outros. Eles são especiais
apenas no sentido em que se consideram “profundamente re-
ligiosos”, e por causa dessa noção são dos mais difíceis de ser
alcançados pelo evangelho de Cristo.
Ao abordar 0 problema do evangelismo de seitas, deve ser
lembrado que os seus membros, em seus respectivos sistemas
de teologia, são quase sempre por natureza dependentes de suas
formas, ou cerimônias, rituais, boas obras, uma vida correta
ou auto-sacrifício como um meio de agradar a Deus e obter
a justificação. Fundamentalmente então, a seita é uma forma
de auto-salvação, enfatizando libertação do pecado através do
esforço humano ou mérito em cooperação com o conceito que
eles têm da personalidade da deidade.
O cristão deve então, diante deste fato, mostrar com base
na Bíblia (desde que a maioria das seitas reconhecem sua au-
toridade, ou pelo menos em parte o fazem), o absurdo da auto-
justificação, justiça ou esforço humano como um meio de se
obter a redenção. Deveriamos sempre lembrar que arrependí-
mento, expiação, regeneração, ressurreição e retribuição no sen-
tido bíblico raramente faz parte do vocabulário do adepto de
192 0 Império das Seitas IV

uma seita, e nunca de sua experiência pessoal. O cristão deve


definir, aplicar e defender os significados históricos desses ter-
mos antes de ser possível proclamar efetivamente 0 evangelho.
Numa palavra, deve-se começar pelo início, repetir, enfatizar
e repetir. Isto é semear a semente que um dia, somente pela
graça de Deus, produzirá frutos para a vida eterna.
De modo geral, as pessoas que se agregam às seitas pos-
suem uma estrutura psicológica que faz delas vítimas de uma
ilusão de grandeza, muitas vezes aliada a um obstinado senti-
mento de orgulho pessoal. Esse sentimento contribui para criar
neles a ilusão de que possuem a verdadeira fé salvadora, e de
que são os guardiões e defensores da única verdade sagrada e
os ministradores da revelação divina para a humanidade que
se acha emaranhada num Cristianismo que foi deturpado por
teólogos e filósofos e, portanto, precisa ser restaurado por meio
dos esforços deles.
Em minha experiência, tenho percebido que quase todos
adotam a tese de que no fim, o grupo deles derrotará todos os
seus adversários, herdará 0 reino eterno e terá a satisfação de
ver seus inimigos sendo atormentados ou então destruídos. Esse
tipo de indivíduo apega-se à ilusão de que em breve será guin-
dado a uma posição de majestade ou de grandeza que, asso-
ciada aos seus conceitos acerca de sua capacidade pessoal e
supostos méritos perante Deus, resulta numa alucinação cole-
tiva, cercada de terríveis trevas espirituais,
A primeira reação do adepto da seita é colocar-se na defen-
siva. Eles se acham bem cientes da falta de união e amor fra-
ternal que caracterizam muitos movimentos ditos evangélicos.
Pelo que sabem, os evangélicos só se unem para fazer oposição
a eles. Assim, procuram ressaltar as várias divisões nos círcu-
los do cristianismo ortodoxo, isso sem mencionar a falta de cia-
reza no que diz respeito às doutrinas básicas da fé cristã. E nunca
se cansam de dizer: “Nós, pelo menos, somos unidos. Vocês
estão divididos, até mesmo em seus próprios grupos", Esse tipo
de acusação fere profundamente o cristão verdadeiro. Para res-
ponder a ela, vamos inicialmente reconhecer que de fato há di-
vergências de opinião, mas elas giram em torno de questões
de menor importância; em seguida iremos salientar que nos
achamos fortemente unidos nas doutrinas fundamentais do evan-
gelho, que todas as seitas negam, de uma forma ou de outra.
O crente precisa estar sempre lembrado de que os mais ins-
A Evangelização das Seitas 193

truídos dentre eles podem constituir-se em oponentes dificíli-


mos, pois gostam de citar textos, modificar termos e fazer in-
terpretações distorcidas dos textos que apresentarmos. Devemos
estar sempre vigilantes para não sermos levados a concordar
com algo que eles poderão dizer, mas que, mais adiante, uti-
lizarão para contra-argumentar, em detrimento do evangelho
e de nosso testemunho pessoal.
2. Bases Comuns
Antes de tentar evangelizar um adepto de uma seita, o crente
deve, sempre que possível, procurar uma base comum entre
ambos (de preferência a autoridade e inspiração das Escrituras,
ou o caráter de Deus), e continuar a conversa a partir daí.
Tenho de insistir na necessidade de iniciarmos sempre de
uma base comum, se é que desejamos conduzir de forma po-
sitiva a evangelização das seitas. Se não tivermos um ponto de
partida comum, uma base em que os dois estão de acordo, a
conversa terminará transformando-se em discussão, com acu-
sações de ambos os lados, amarguras, e assim se fecharão as
portas para novas conversas, e a alma daquela pessoa se per-
derá. Portanto uma atitude amistosa, uma manifestação franca
e sincera de amor cristão, e a disposição de debater pontos de
divergência muito contribuirão para afastar qualquer atitude
de suspeita que o outro possa abrigar, e criar boas oportuni-
dades para um testemunho eficaz e proveitoso.
Durante todo o tempo, o crente deve orar muito. Sempre
que possível, deve orar também na presença do adepto da seita
e orar com ele, para que este, pelas orações que ouve, possa
perceber que, pela nossa fé em Jesus Cristo, gozamos de um
relacionamento com aquele que é o Pai dos espíritos e nosso Pai.
3. Semeadura Subliminar
A indústria da publicidade nos Estados Unidos é a pioneira
em estudos sobre a motivação. Foram eles que nos ensinaram
que é possível implantar-se uma idéia na mente de um indiví-
duo sem passar pelo seu nível de consciência, isto é, sem que
ele esteja consciente disso. E de fato eles têm conseguido fazer
registros mentais no público, exercendo uma enorme influên-
cia sobre nossos pensamentos e atos. As vinhetas publicitárias
tocadas no rádio ou exibidas na televisão estão constantemente
levando as pessoas a adquirirem os produtos anunciados.
194 O Império das Seitas IV

Os crentes que desejam evangelizar discípulos das seitas he-


réticas podem tirar proveito desse tipo de descoberta no campo
da sugestão subliminar, com resultados notáveis.
Estou plenamente convicto de que a Palavra de Deus e a
oração dirigida ao Pai através do Espírito, constituem a mais
poderosa força motivadora do universo. E nós podemos lançar
mão dela, de forma subliminar, para a evangelização desses
indivíduos, implantando sementes de idéias acerca do evange-
Iho de Cristo, e até o próprio evangelho. Vou explicar como
se pode fazer isso, narrando experiências pessoais.
As Testemunhas de Jeová são os mais ativos e ardorosos pre-
gadores dentre as seitas. Toda vez que alguns deles me visitavam,
empregava com sucesso as medidas que descrevo a seguir.
Eu convidava o pessoal da Torre de Vigia para entrar em
minha casa, mas antes que eles começassem a falar de suas pu-
blicações, eu dizia que nunca conversava sobre a Bíblia ou so-
bre religião sem antes orar. E todos concordavam com a sugestão
feita. Então, imediatamente, abaixava a cabeça eorava, dirigindo-
me ao Senhor como “ Deus Jeová”. Todas as vezes que tratamos
com as Testemunhas de Jeová, precisamos ter o cuidado de
referir-nos a Deus como Jeová, senão eles não orarão, nem in-
cl inarão a cabeça. Ficarão a admirar os bibelôs e outros objetos
ornamentais da sala, ou a folhear a Bíblia, a abrir as pastas,
ou a fazer outras coisas esperando que terminemos a oração.
Se o leitor quiser saber como tomei conhecimento disso, devo
confessar que algumas vezes abria os olhos.
Quando mencionamos o nome “Jeová”, a maioria deles tam-
bém logo abaixa a cabeça. Assim que terminamos de orar, ini-
ciamos de imediato a conversa, não lhes dando tempo de orar
também. Dizemos mais ou menos 0 seguinte:
“Sobre 0 que desejavam mesmo falar?”
Depois de conversar durante algum tempo e de ouvir o má-
ximo que suportava das doutrinas do “pastor” Russell, men-
cionava para eles que a hora já ia adiantada, e sugeria que en-
cerrássemos com uma palavra de oração. Imediatamente
inclinava a cabeça eorava de novo. Falta-me explicar que, todas
as vezes que orava, para iniciar ou encerrar a visita, pratica-
mente pregava o evangelho para eles, ressaltando a divindade
de Cristo, sua morte para remissão de nossos pecados, a cer-
teza de que temos a vida eterna, pela fé nele, no presente, e
que obtemos a salvação apenas pela graça, independente de
A Evangel izução das Seitas 195

obras. Citava bastante as Escrituras, na verdade pregava um pe-


queno sermão de três minutos. Dessa forma, estava implantando
na mente deles a verdade do evangelho de Jesus Cristo. E tudo
isso, felizmente, sem ser interrompido. O fato é que nenhum
deles, nem mesmo 0 mais ardoroso seguidor do “pastor” Rus-
sell, ou de Joseph Smith e Brigham Young pode interromper
uma oração. Tenho observado que essa técnica produz um tre-
niendo impacto sobre as Testemunhas de Jeová ou membros
de outras seitas. É que, pelo menos durante seis minutos, temos
a oportunidade de apresentar-lhes a mensagem de Jesus Cristo
sem ser interrompido.
Devemos lembrar que a Palavra de Deus não voltará para
ele vazia, “ mas fará o que me apraz, e prosperará naquilo para
que a designei” (Is 55.11).
Como sabemos, os seguidores das seitas possuem seu vo-
cabulário particular. Por isso, é necessário que o crente faça
uma definição acurada dos termos que usa ao falar de sua con-
versão, o que ela significa e quais os seus efeitos sobre seu es-
pírito e mente. Este é o único argumento que não tem resposta:
uma vida transformada, corretamente alicerçada na autoridade
das Escrituras, motivada pelo amor a Deus e ao próximo. AI-
guns dos termos básicos que o crente precisa definir bem são:
novo nascimento, justificação, expiação, a divindade de Cristo
e sua ressurreição, perdão, graça e fé. É imprescindível que
se fale também acerca do castigo eterno, pois foi para salvar-
nos dele que Cristo morreu.
4. O Segredo da Paciência
Um dos aspectos mais importantes na evangelização das sei-
tas é a paciência que se deve ter com seus seguidores. Todos
os que já realizaram esse tipo de trabalho sabem que ele exige
do crente muita compreensão e graça. Muitas vezes o adepto
da seita (principalmente os Mórmons e Testemunhas de Jeová)
irritam o crente, tentando fazer com que perca a calma, justi-
ficando assim seus argumentos.
Se uma pessoa fosse atacada e duramente agredida por um
cego enfurecido, provavelmente, não somente o perdoaria, mas
teria paciência e compreensão para chegar a amá-lo, a despeito
da atitude dele. Afinal, tanto a razão como a lógica argumen-
tam que, sendo cego, num certo sentido, ele não é responsável
por suas ações.
196 0 Império üas Seitas IV

Definida a questão de que o veneno das seitas só pode ser


neutralizado eficazmente com 0 antídoto da sã doutrina, o passo
seguinte é “vacinar” todos os crentes contra os ensinamentos
delas. Encontramos a solução nas próprias páginas da Palavra
de Deus. É preciso que os crentes estudem 2 Timóteo 2.15; que
os pastores e professores ensinem 1 Timóteo 4.1, e que haja
a disposição de se começar dos preceitos básicos da doutrina,
como Cristo, depois de ressuscitado, instruiu os discípulos que
duvidavam. Precisamos rever as razões por que os cristãos creem
nesses preceitos. Recomendamos que se faça um estudo inten-
sivo, principalmente das seguintes doutrinas: a inspiração das
Escrituras. Trindade, Divindade de Cristo, pessoa e obra do
Espírito Santo, expiação, justificação pela fé, obras, a ressur-
reição corporal de Cristo, e a ressurreição do homem.
Todo mundo sabe que, para o antídoto de um veneno atuar
efícazmente, tem de ser ministrado na hora certa e com a do-
sagen! receitada por um médico competente. Assim também
deve ser com a doutrina cristã, Ela não deve ser ensinada de
maneira árida, como se faz muitas vezes. Temos de ministrá-la
em pequenas doses, durante um longo período de tempo. E o
tratamento precisa ser iniciado imediatamente, a partir das cias-
ses de crianças da escola dominical até nos seminários, quando
necessário.
A igreja cristã precisa entender, enquanto ainda há tempo,
que o ensino da sã doutrina não implica obrigatoriamente numa
ortodoxia morta. Quando entendemos correíamente a instrução
doutrinária e sua aplicação na prática, elas constituem gigan-
tescas pilastras de verdade sobre as quais nossa fé se assenta.
Os grandes líderes e obreiros cristãos que têm surgido através
dos séculos pregando 0 evangelho da graça são pessoas for-
madas nesse conhecimento.
A evangelização dos seguidores das seitas é tarefa da igreja
de Cristo, da qual todo cristão é membro, sendo parte integrante
do corpo de Cristo. Enquanto não reconhecemos isso, e os pas-
tores e líderes não insistirem com os cristãos para que resistam
aos atrativos de Hollywood, parem de adorar esse grande deus
que é a televisão, e passem a fazer visitas de casa em casa, anun-
ciando a um mundo perdido a boa-nova do amor de Deus em
Jesus Cristo, a evangelização das seitas continuará sendo uma
das grandes falhas da igreja cristã de nossos dias.
______________ 11 _________________

Recuperando ο
Terreno Perdido

Na coleção O Império das Seitas, apresentamos um estudo


e análise das principais seitas não-cristãs, à luz do ensino da
Palavra de Deus. Elas têm sido um constante desafio ao tra-
balho missionário da igreja de Cristo. Todos os grupos que ana-
lisamossão, reconhecidamente, adversários do cristianismo his-
tórico. Então a pergunta que logo nos ocorre é: “Que medidas
a igreja pode tomar, tanto nas alas ecumênicas, como nas in-
dependentes, para enfrentar esse problema que são as seitas
modernas?”
Tenho a firme convicção de que, se a igreja adotasse as su-
gestões que damos a seguir e as pusesse em prática imediata-
mente, iria ter em mãos a solução para esse problema que cresce
a cada dia.
Primeiro Projeto: Coletar e Organizar Dados
Se quisermos oferecer a pastores, missionários, leigos ou
estudantes qualquer tipo de informação sobre as seitas, temos
de fazer um cuidadoso estudo da origem e das doutrinas de cada
uma delas. Já descobrimos que a maioria dos adeptos das seitas
está disposta a ouvir o que temos a dizer-lhe, principalmente
se o que dizemos contradiz os ensinamentos que recebeu, e desde
198 O Império üus Seitas IV

que os fatos apresentados sejam bem corretos e dignos de cré-


dito. Temos visto inúmeros Mormons e Testemunhas de Jeová,
por exemplo, resolverem fazer um segundo exame de sua re-
]igião após um contato com crentes que estudaram bem a questão.
Em segundo lugar, é preciso analisar os dados estatísticos
relacionados com o crescimento e desenvolvimento das seitas,
para apontarmos as áreas de maior crescimento e analisar os
fatores que contribuíram para ele em contraste com aquelas re-
giões onde ele não aconteceu.
Ainda outro recurso que poderá ser utilizado é estar atento
a anúncios de jornais e revistas dos principais centros urbanos
do mundo (os principais alvos das grandes seitas), para se ficar
a par de atividades delas, tais como convenções, conferências
missionárias, pregações especiais, etc. Para que um projeto de
pesquisa dessa magnitude e amplitude alcance seus fins, pre-
cisa da cooperação de todos os grupos evangélicos interessa-
dos, contribuindo com informações dessa ordem bem como
com suporte financeiro.
Segundo Projeto: Literatura Especializada
Assim como a função do primeiro projeto seria coletar, or-
ganizar e condensar dados e informações úteis, o segundo pro-
jeto seria uma espécie de passo seguinte. Falamos da publicação
e distribuição desse material em escala internacional, inclusive
com a tradução dele. Como bem sabem todos os missionários,
o valor de folhetos, panfletos e livros publicados e distribuídos
largamente nos Estados Unidos e em países onde as seitas estão
crescendo com grande rapidez, seria de valor inestimável.
Na América do Sul — onde as Testemunhas de Jeová e os
Mórmons vêm crescendo consideravelmente em número e em
influência — além das seitas espiritualistas e animistas naturais
da região, pesquisas preliminares indicam que quase noventa
por cento dos indivíduos consultados não apenas desejam lite-
ratura que os auxilie a refutar e evangelizar os adeptos das sei-
tas, mas também as solicitam com urgência.
Terceiro Projeto: Reavaliação da Educação
Desde que a cerca de duzentos anos, a atividade cristã mis-
sionária passou a ser realizada de forma mais ordenada, a pre-
gação do evangelho vem enfrentando muitos problemas. O que
mais tem contribuído para perturbar a obra de missões são as
Recuperando 0 Terreno Perdido 199

barreiras de língua, cultura, raça, nacionalismo militante e a con-


corrência entre missionários de linhas confessionais diferentes.
Para piorar a situação, algumas das principais seitas não-
cristãs, como o Islamismo, o Budismo, o Hinduísmo, o Ta-
oísmo, Xintoísmo, etc., fazem forte oposição aos missionários
cristãos, de modo que em muitas regiões o evangelho tem avanço
muito lento, e em algumas quase não é reconhecido.
E além de tudo, como já mencionei, aparecem as seitas
heréticas originárias dos Estados Unidos, muitas das quais já
estão estabelecidas em todo o mundo. Alguns desses movi-
mentos estão conseguindo ganhar adeptos em campos já tra-
balhados por outros, obtendo enorme sucesso. Utilizando os
mesmos métodos empregados pela igreja primitiva, elas pro-
curam observar os padrões de cultura dos povos que estão ca-
tequizando, oferecem publicações na língua deles, e de um modo
ou de outro, procuram sempre dar grande ênfase à Bíblia. Em
muitos casos, pregam abstinência de álcool, fumo, bem como
de outras práticas que chamam de mundanas ou pecaminosas.
É interessante observar que inicialmente eles procuram sem-
pre os cristãos. Raramente tentam pregar aos que ainda não
foram evangelizados, que deveriam ser o principal interesse
de um genuíno programa missionário.
As seitas estão sempre dando ênfase à Bíblia, mas a des-
peito dessa atitude, todas elas, sem exceção, se apresentam como
infalíveis intérpretes da Palavra de Deus. Tal dogmatismo só
é igualado pelo dos teólogos jesuítas. Em vez de apresentarem
a Bíblia como uma infalível regra de fé e prática, eles a rele-
gam a um segundo plano. E fazem isso de maneira tão sutil,
que o discípulo nem se apercebe que a principal fonte de au-
toridade de suas crenças não são as Escrituras, mas a inter-
pretação que sua própria seita faz do texto bíblico.
Embora os missionários e obreiros cristãos saibam disso
muito bem, ao que parece, esse conhecimento ainda não ehe-
gou aos seminários, faculdades teológicas e institutos bíblicos.
Aliás, nos Estados Unidos, menos de cinco por cento dessas
instituições ministram cursos sobre religiões comparadas e sei-
tas não-cristãs como matéria obrigatória em seus currículos.
Esse descaso nos deixa abismados quando pensamos nas in-
cursões que as seitas têm feito nas fileiras evangélicas.
Com base no que temos visto no passado, podemos afir-
mar com segurança que nesta década, se todas as condições
200 0 Império das Seitas IV

permanecerem inalteradas, as seitas deverão intensificar em


três ou quatro vezes mais a sua atividade de propaganda. E
a pergunta que fazemos é: Será que a igreja de Jesus Cristo
irá erguer-se para fazer frente a isso, enquanto ainda é tempo?
Ela precisa preparar-se para defender a afirmação escriturís-
tica, inspirada pelo Espírito Santo, de que só a Palavra de Deus
“é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão,
para a correção, para a educação na justiça” (2 Tm 3.16).
Quarto Projeto: Conferências Sobre as Seitas
Nossa última sugestão para o projeto de se realizar um es-
forço unificado no objetivo de fazer frente ao desafio das sei-
tas é promoverem-se séries de conferências focalizando exclu-
sivamente essas religiões. Isso poderia ser feito nas igrejas,
ou em escolas bíblicas e seminários, ou mesmo nos acampa-
mentos de jovens, com preletores competentes.
Essas conferências têm despertado grande interesse, já que
nelas mostramos os contrastes entre as seitas e o cristianismo
histórico. Se as conduzirmos de maneira ordeira, acadêmica,
sem contudo torná-las elitizadas, promovendo uma sessão de
perguntas e respostas ao final de cada palestra, elas poderão
atender a dois propósitos: ao mesmo tempo em que fazemos
a exposição dos ensinos divergentes das seitas, fortalecemos
a fé dos crentes nas grandes doutrinas fundamentais da fé cristã.
Estou engajado nesse ministério há vários anos, sempre obtendo
bons resultados. Mas ainda há muita coisa para se fazer. As
Escrituras nos dizem: “ Erguei os vossos olhos e vede os cam-
pos, pois já branquejam para a ceifa... mas os trabalhadores
são poucos. Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande tra-
balhadores para a sua seara”. (Jo 4.35; Mt 9.37,38.) O Instituto
Cristão de Pesquisas pode oferecer seminários com preletores
especializados. Contudo a oferta ainda é pequena em relação
à demanda, e precisamos atender a ela o mais breve possível.

Concluindo então nossas observações, a caminhada para


a recuperação não será nada fácil. Pelo contrário, será contur-
bada por problemas e conflitos. Mas se decidirmos enceta-
la, veremos ao final, e mesmo durante o percurso, que muitos
foram libertos das seitas, outros foram convencidos a não se
unir a elas e outros ainda foram evangelizados e fortalecidos
por um esforço positivo da igreja cristã de não apenas procla­
Recuperando 0 Terreno Perdido 201

mar a mensagem da graça redentora, mas também defender


os ensinos e as boas-novas de seu Salvador. Podemos obter
muito sucesso nesse esforço de recuperar o terreno perdido,
mas é preciso que comecemos logo.
B ibliografia

Bibliografia

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Bibliografia Recomendada

ESPIRITISMO E OCULTISMO haja recomentlaçúo implícita tlc outras


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Bibliografia de Estudo Para editora. A lg u n s d o s liv r o s c ita d o s
Obreiros Evangélicos a b a ix o e s tã o e s g o ta d o s , m a s p o d e m s e r
e n c o n tr a d o s c m s e b o s c b ib lio te c a s .
Preparada pelo Instituto Cristão de
Pesquisas (ICP), Caixa Postal 5011 LIVROS EVANGÉLICOS SOBRE
— AgCncia Central ESPIRITISMO E OCULTISMO
01051 São Paulo, SP BRASIL. Rev.
1 (2/89) Espiritismo e Ocultismo (Geral)

NOTA DOS COMPILADORES: Porque Deus Condena o Espiri-


É im p o rta n te c o n h e c e r ta n to a s d o u - tismo, J e ff e r s o n M a g n o C o s ta ( R io d e
tr in a s b íb lic a s c o m o a s h e r e s ia s p a ra J a n e ir o : C P A D , 1987; 2 4 7 p d g s .) .
e v a n g e l iz a r c a c o n s e lh a r c fc tiv a m c n ic Analisando Crenças Espiritas e
o s a d e p to s d e r e lig iõ e s o c u ltis ta s . E sta Umhaiulistas, D e le y r d e S o u z a L im a
b i b lio g r a f ia n ã o á e x a u s tiv a , m a s lh e (R io d e J a n e iro : J U E R P , 1979 12.* c d .] ;
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re s s o b r e e s s e s a s s u n to s . Ofato de tuna Parapsicologia, Espiritismo c P.si-
obra estar incluída nela ntlo significa copatologia, R o n a ld S c o tt B r u n o (S ã o
necessariamente que o /CP assegura P a u lo : C o r p o d e P s ic ó lo g o s c P s iq u i-
a precisão do seu conteúdo, nem que a tr a s C r i s tã o s , 1983; 61 p á g s .).
206 0 Império das Seitas IV

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LI COS SO BR E REENCARNAÇÃO
Satanás Está Vivo c Ativo no Pia-
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P á g s ·). R E S S O B R E K A R D E C IS M O E
Guerra Espiritual: Estratégias Mis- CULTOS AFROS
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Ocultismo, Demônios c Exorcismo, Espiritismo — Orientação Para os
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Bibliografia Recomendada 207

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Guerra de Orixá — Um Estudo de
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v e s V e lh o ( R io d e J a n e ir o : Z a h a r E d i-
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As Religiões Africanas no Brasil, O que é Umbanda, P a tr íc ia B ir-
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e no No\o Mundo, P ie r re F a tu m b i V er- Umbaiula, J o s é G u ilh e r m e C a n to r
g e r (S a lv a d o r: E d it o r j C o r m p io , 1981; M a g n a n i ( S ã o Pj i i Io : E d ito r a Á tic a /
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Umbaiula — Os Seres Superiores
C a n d o m b lé e U m b a n d a c os Ori.xás/Santos, V a ld c li C a r v a lh o
d a C o s ia ( S ã o P a u lo ; E d iç õ e s L o y o la ,
Candomblés da Bahia, E d is o n C a r- 1 9 8 3 ; 2 v o ls. 5 5 9 p á g s .) .
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tá s tic o , s e m d a ta ; 189 p á g s .). K lo p p c n h u r g ( P c tr õ p o lis : E d ito r a Vo-
Candomblé: Religião e Resistência z c s , 1961; 2 6 3 p á g s .).
0 IMPÉRIO DAS

Jesus sabia que nos últimos tempos surgiríam falsos


cristos, falsos mestres e falsos profetas, que enganariam a
muitos, "\fede que ninguém vos engane..." advertiu ele.
\bcê sabería reconhecê-los?
Como discernir o ensino falso do verdadeiro?
Por que as seitas se alastram tão rapidamente?
Como evangelizar quem está preso a uma delas?
O Império das Seitas é uma obra reconhecida
intemacionalmente como o que há de melhor no assunto.
Sem sacrificar a exatidão acadêmica de suas pesquisas, 0
Dr. Walter Martin escreve de maneira dara e interessante,
examinando cada seita sob três prismas:
• Análise histórica do seu surgimento.
• Exame teológico acurado dos principais ensinos.
• Comparação entre eles e 0 ensino bíblico, com ênfase
na exegese e na doutrina.
Dividida em volumes menores para facilitar a aquisição e
0 manuseio, O Império das Seitas é uma obra de
referência de valor inestimável tanto para o obreiro
quanto para 0 leigo.

Conferencista internacional com quatro doutorados,


0 Dr. Walter Martin é reconhecido como um dos grandes
apologistas da fé cristã em nossos dias. Foi também
o fundador do Instituto Cristão de Pesquisas,
organização que dirigiu até sua morte em 1989.

Betânia
Leitura para uma vida bem-sucedida
Caixa Postal 5010 — 31611-970 Venda Nova. MG 8‫ ש‬5

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