A Dimensão Estética
A Dimensão Estética
A Dimensão Estética
01 17:26 Página 8
5 A DIMENSÃO ESTÉTICA
Análise e compreensão da experiência estética
Capítulo 12. A experiência e o juízo estéticos, 9
Capítulo 13. A criação artística e a obra de arte, 39
Capítulo 14. A arte: produção e consumo, comunicação
e conhecimento, 67
Carpe Diem (1992), de Baltazar Torres (n.1961). Será que ao olharmos para este
quadro temos uma experiência estética? E o que distingue essa experiência de outro
tipo de experiências? Será que a minha avaliação desta pintura é subjectiva? E como se
avalia uma obra de arte? E o que justifica o valor da arte? O que faz deste quadro uma
obra de arte? Estes são alguns dos enigmas da estética e da filosofia da arte.
1-38 2007.04.01 17:26 Página 9
Capítulo 12
A experiência e o juízo
estéticos
Secções
1. Estética e filosofia da arte 1. Estética e filosofia da arte, 9
2. A experiência estética, 11
Num certo sentido, todos sabemos o que á a arte, pois 3. A justificação do juízo estético, 23
conhecemos várias formas de arte, como a música ou a
pintura. Se bem que algumas obras de arte não sejam be- Textos
las, a beleza é um aspecto importante da arte. Por sua vez, 26. O Desinteresse, 19
Immanuel Kant
a beleza está relacionada com a estética.
27. A Atitude Estética, 20
É muito comum ver o termo «estética» em expressões
Jerome Stolnitz
e frases como as seguintes: 28. O Mito da Atitude Estética, 22
George Dickie
• Instituto de estética. 29. O Padrão do Gosto, 33
David Hume
• Cirurgia estética.
30. Razões Objectivas, 34
• Escolhi este telemóvel em vez do outro por razões Monroe Beardsley
estéticas.
Objectivos
Compreender o significado filosófico do
Em qualquer destes casos estamos a pensar simples-
termo «estética».
mente na beleza física – a aparência das pessoas e os Caracterizar e discutir a noção de
cuidados a ter com isso, bem como o aspecto visual das experiência estética.
coisas. Trata-se de algo estritamente relacionado com o Compreender o problema da justificação
que é agradável à vista. do juízo estético.
Em filosofia, o termo tem um significado diferente, Tomar posição sobre as respostas
subjectivista e objectivista ao problema da
tratando-se da disciplina que estuda os problemas relati- justificação do juízo estético.
vos à própria natureza da beleza – seja qual for o tipo de
beleza – e das artes. Trata-se de tentar responder a per- Conceitos
guntas como «o que é a beleza?» e «como sabemos que Estética, experiência estética, atitude
algo é belo?», ou como «o que é arte?» e «o que faz a arte estética, juízo estético, desinteresse.
ter valor?». Contemplação, juízo de gosto, juízo
Em sentido filosófico, o adjectivo «estético» é também cognitivo, subjectivismo estético.
usado para qualificar certo tipo de experiências, de objec- Padrão de gosto, objectivismo estético,
propriedade estética.
tos, de propriedades, de juízos, de prazeres, de valores e
de atitudes.
9
1-38 2007.04.01 17:26 Página 10
O termo «estética» foi pela primeira vez usado em sentido filosófico pelo alemão Ale-
xander Baumgarten (1714-1762) para designar a disciplina que estuda o conhecimento
sensorial (conhecimento obtido pelos sentidos). Baumgarten considerava que o conheci-
mento sensorial era autónomo e diferente do conhecimento racional. Segundo Baumgar-
ten, os mais perfeitos exemplos de conhecimento facultado pelos sentidos são as belezas
que podemos observar directamente na natureza, na arte e em outros artefactos (objectos
concebidos ou criados por seres humanos).
Esta ideia acabou por ser adoptada e desenvolvida pela generalidade dos filósofos do
séc. XVIII. Estes filósofos falavam mesmo de uma faculdade sensível especial, responsá-
vel pela apreensão da beleza e do sublime, a que chamavam «faculdade do gosto».
A estética tornou-se, assim, a disciplina filosófica que estuda a beleza e o sublime, onde
quer que se encontrem, sendo a beleza artística e a natural as mais importantes. As ques-
tões relativas à arte eram encaradas, por alguns destes
filósofos, como questões especializadas da estética,
pois considerava-se então que todos os objectos de arte
eram belos.
Todavia, o desenvolvimento artístico posterior acabou
por tornar inadequada, aos olhos de muitos filósofos, a
Filosofia
Estética ideia de que toda a arte é bela, levando muitos a conce-
da Arte
ber a estética e a filosofia da arte como disciplinas dis-
tintas, embora com alguns aspectos em comum. A maior
parte dos filósofos contemporâneos reconhece que ape-
sar de algumas obras de arte serem belas, uma boa par-
te delas não o são, seja qual for o sentido de beleza que
Alguns filósofos defendem que a estética e
a filosofia da arte são disciplinas diferentes, se tenha em mente. Dado que a estética se ocupa da be-
embora com aspectos em comum. leza, isto quer dizer que a filosofia da arte ultrapassa o
domínio da estética.
10
1-38 2007.04.01 17:26 Página 11
2. A experiência estética
O que queremos dizer quando qualificamos uma experiência como estética? Como se
distingue algo que é estético, seja uma experiência ou outra coisa qualquer, de algo que
não é estético?
Kant e o desinteresse
Uma das primeiras e mais importantes tentativas para distinguir o que é do que não é
estético foi levada a cabo pelo filósofo Immanuel Kant (1724-1804) Este filósofo começa
por referir a experiência estética para caracterizar o juízo estético, sendo impossível desligar
uma noção da outra. Kant defende que um juízo só é estético se for determinado por um
prazer desinteressado. Quando fala de prazer, Kant está a referir um determinado sen-
timento de que temos experiência. E quando caracteriza essa experiência como desin-
teressada, está a diferenciá-la de outros tipos de experiência. O facto de o juízo estético se
referir a um sentimento e não a um objecto indica-nos que se trata de um juízo subjectivo.
Assim, Kant pensa que o juízo estético assenta num determinado tipo de experiência, que
ele identifica como um sentimento de prazer desinteressado. Mas o que é exactamente
um prazer desinteressado? Será um prazer a que não damos importância ou a que não
prestamos muita atenção?
Para esclarecer melhor a noção de desinteresse, Kant confronta os juízos estéticos
com os juízos cognitivos (ou juízos de conhecimento).
Kant defende que os juízos cognitivos, como os expressos pelas frases «A relva é ver-
de» ou «Os metais dilatam quando são aquecidos», resultam da colaboração entre a sensi-
11
1-38 2007.04.01 17:26 Página 12
Kant pensa que o belo não é um objecto, pelo que não pode ser referido através de con-
ceitos. Porém, pensa que as nossas faculdades cognitivas intervêm na mesma nos juízos
estéticos. A diferença é que essas faculdades estão agora livres de qualquer finalidade
cognitiva, dado que não é o conhecimento de objectos que está em causa. Referindo-se
apenas ao nosso sentimento de prazer, as faculdades entram numa espécie de jogo com-
pletamente livre, sem qualquer propósito ulterior. Por isso, o entendimento nunca chega a
aplicar qualquer conceito, devolvendo a matéria recebida à imaginação – uma faculdade
intermédia entre a sensibilidade e o entendimento – num processo que se repete
continuamente. Kant pensa que é este livre jogo das faculdades, decorrente da ausência
de qualquer finalidade cognitiva ou outra, que nos coloca perante a simples representação
12
1-38 2007.04.01 17:26 Página 13
Portanto, ambos são determinados por algum tipo de interesse – Kant pensa que a stis-
fação de desejos é a satisfação de um interesse pessoal.
Em suma, Kant pensa que a experiência estética é desinteressada, mas não por não
ser importante ou valiosa; é desinteressada porque é completamente livre e independente
dos nossos desejos, necessidades ou conhecimentos. Tudo o que conta para a experiên-
cia estética é a própria experiência.
Revisão
1. Como distingue Kant um juízo estético de um juízo cognitivo?
2. Qual é, segundo Kant, o papel do entendimento no juízo cognitivo?
3. Por que razão pensa Kant que o juízo estético é subjectivo?
4. Kant defende que no juízo estético há um livre jogo das faculdades cognitivas.
O que significa isso?
5. Como caracteriza Kant um prazer desinteressado?
6. Que outros tipos de prazer estético há, segundo Kant, além do prazer do belo?
13
1-38 2007.04.01 17:26 Página 14
Discussão
7. Kant defende que quando temos uma experiência estética nem sequer pro-
curamos satisfazer qualquer desejo pessoal. O que nos leva, então, a percorrer
centenas de quilómetros para assitir a um concerto do nosso músico prefe-
rido? Justifique.
14
1-38 2007.04.01 17:26 Página 15
Assim, Stolnitz pensa que a atitude prática é uma forma de dirigir a nossa atenção
para os objectos em função de certos fins, pensando sempre na sua utilidade, ou seja,
encarando os objectos como meios.
Stolnitz pensa que a atitude estética, por sua vez, exclui qualquer tipo de interesse,
levando-nos a concentrar a atenção exclusivamente no objecto: nas formas, linhas e
cores de um quadro, na forma como os sons estão organizados numa peça musical, na
estrutura de um romance, etc. Stolnitz pensa que são estes aspectos do próprio objecto
que, quando temos uma atitude estética, nos absorvem completamente, originando em
nós um estado de pura contemplação activa. A contemplação é activa (e não passiva)
porque exige uma atenção perspicaz, capaz de dar conta dos mais pequenos pormenores
no objecto. Este é o significado do desinteresse que Stolnitz pensa que caracteriza a
atitude estética.
A noção de atitude estética permite explicar de um modo mais simples do que Kant
por que razão algumas pessoas têm experiências estéticas acerca de certos objectos e
outras não. Nos exemplos seguintes torna-se claro por que razão nenhuma das pessoas
em causa tem experiências estéticas e por que razão os seus juízos não são estéticos:
15
1-38 2007.04.01 17:26 Página 16
O Tigre e o Dragão (2000), • O Luís diz que o filme O Tigre e o Dragão, de Ang
de Ang Lee. Apesar de ter sido
um sucesso, há quem considere
Lee, não é bom porque nada se aprende com ele.
que não passa de um exercício
de estilo sem grande conteúdo.
Será que esta opinião poderia Em todos estes casos, a atitude adoptada é prática e
ser partilhada pelo defensor da interessada: interesses económicos, psicológicos, morais
teoria da atitude estética?
e cognitivos, respectivamente. E nunca os objectos são
encarados esteticamente, isto é, em função de si próprios.
Outra das vantagens da noção de atitude estética, relativamente à teoria de Kant, é
explicar por que razão podemos ter experiências estéticas acerca de praticamente qual-
quer objecto, independentemente de ser arte ou não e até de ser belo ou não. A expe-
riência estética deixa de estar associada à beleza, tornando possível descrever como
estéticas certas experiências acerca de coisas que, em condições normais, não são dignas
de atenção e que até consideramos feias. Neste sentido, qualquer coisa pode ser um
objecto estético e proporcionar experiências estéticas, desde que tenhamos uma atitude
estética em relação a ela.
Revisão
1. Como caracteriza Stolnitz a noção de atitude?
2. Como caracteriza Stolnitz a atitude prática?
3. Como caracteriza Stolnitz a atitude estética?
4. Dê um exemplo do que Stolnitz considera uma atitude prática relativamente a
objectos de arte.
5. Stolnitz pensa que podemos ter experiências estéticas acerca de qualquer
objecto. Porquê?
Discussão
6. Será que tudo pode ser encarado esteticamente? Justifique e dê exemplos.
7. Quando encaramos algo esteticamente não podemos encarar a mesma coisa
sem ser esteticamente? Porquê? Dê exemplos.
16
1-38 2007.04.01 17:26 Página 17
17
1-38 2007.04.01 17:26 Página 18
Revisão
1. De que maneira procura Dickie mostrar que não há atitude nem experiência
estéticas?
2. Por que razão pensa Dickie que é um erro afirmar que a Joana tem uma atitude
diferente do Luís quando estão a ouvir música?
3. Por que razão pensa Dickie que a Carla não observa de modo interessado a
pintura do seu avô?
Discussão
4. Será que não há realmente experiências estéticas? Justifique e dê exemplos.
18
1-38 2007.04.01 17:26 Página 19
Texto 26
O Desinteresse
Immanuel Kant
Chama-se «interesse» ao prazer que ligamos à representação da existência de um objec-
to. Por isso, um tal interesse envolve sempre ao mesmo tempo referência à faculdade de
desejar, quer como seu fundamento, quer como necessariamente vinculado ao seu funda-
mento de determinação. Ora, se a questão é saber se algo é belo, então não se quer saber se
a nós ou a qualquer outra pessoa importa, ou possa importar, algo da existência da coisa,
mas antes como ajuizamos essa coisa na mera contemplação (intuição ou reflexão). [...]
O que se quer saber é somente se a mera representação do objecto em mim é acompanhada
de prazer, por indiferente que eu possa ser em relação à existência do objecto desta repre-
sentação. É claro que se trata do que faço dessa representação em mim mesmo, e não daqui-
lo em que dependo da existência do objecto, para dizer que ele é belo e para provar que
tenho gosto. Todos temos de reconhecer que o juízo sobre a beleza ao qual se mistura o
mínimo interesse é muito faccioso e não é um juízo de gosto puro. Não se tem de sim-
patizar minimamente com a existência da coisa, mas, pelo contrário, tem de se ser comple-
tamente indiferente a esse respeito para, em matéria de gosto, desempenhar o papel de juiz.
Esta proposição, que é de importância primordial, não pode ser cabalmente explicada a
não ser contrapondo ao puro prazer desinteressado do juízo de gosto aquele juízo que está
aliado a algum interesse.
Immanuel Kant, Crítica da Faculdade do Juízo, 1790, trad. adaptada de António Marques et al., § 2
Interpretação
1. O que é o interesse e o que ele envolve, segundo Kant?
2. O que é preciso, segundo Kant, para dizer que algo é belo e provar que se tem
gosto?
3. Por que razão pensa Kant que «o juízo sobre a beleza ao qual se mistura o míni-
mo interesse é muito faccioso e não é um juízo de gosto puro»?
Discussão
4. Será que há juízos de gosto puros? Justifique e dê exemplos.
5. Kant defende que tudo o que interessa para julgar algo belo é a mera represen-
tação e não a existência real dos objectos. Concorda? Porquê?
19
1-38 2007.04.01 17:26 Página 20
Texto 27
A Atitude Estética
Jerome Stolnitz
[…] Em parte alguma a percepção é exclusivamente «prática». Por vezes, prestamos
atenção a uma coisa simplesmente para desfrutar do seu aspecto visual, ou da forma como
nos soa, ou como se sente ao tacto. Esta é a atitude «estética» da percepção. Encontra-se
onde quer que as pessoas se interessem por uma peça de teatro, por um romance, ou ouçam
atentamente uma obra musical. [...]
Definirei «a atitude estética» como «a atenção e contemplação desinteressadas e com-
placentes de qualquer objecto da consciência apenas em função de si mesmo». [...]
São muitos os tipos de «interesse» que são excluídos do estético. Um deles é o interesse
em possuir uma obra de arte por orgulho ou prestígio. É frequente um coleccionador de
livros interessar-se exclusivamente pela raridade e valor comercial de um manuscrito
antigo, ignorando o seu valor como obra literária. (Há coleccionadores de livros que nunca
leram os livros que têm!) Outro interesse não estético é o interesse «cognitivo», isto é, o
interesse em obter conhecimento acerca de um objecto. A um meteorologista não interessa
a aparência visual de uma impressionante formação nebulosa, mas as causas que a geraram.
Analogamente, o interesse que o sociólogo ou o historiador têm por uma obra de arte [...]
é cognitivo.
[...] A atitude estética «isola» o objecto e concentra-se nele: a «aparência» das rochas, o
som do mar, as cores da pintura. Por isso, o objecto não é visto de maneira fragmentária,
ou de passagem, como acontece na percepção «prática», ao usarmos uma caneta para
escrever, por exemplo. Toda a sua natureza e carácter são considerados demoradamente.
Quem compra um quadro apenas para cobrir uma mancha no papel de parede não vê a
pintura como um padrão aprazível de cores e formas. [...]
A palavra «complacentes», que ocorre na definição de «atitude estética», refere-se ao
modo como nos preparamos para reagir ao objecto. [...] Qualquer um pode rejeitar um
romance, por lhe parecer que entra em conflito com as suas crenças morais ou a sua
«maneira de pensar». [...] Não lemos o livro esteticamente, porque interpusemos entre ele
e nós reacções morais, ou outras, que nos são próprias e lhe são estranhas. Isto perturba a
atitude estética. Nesse caso, não podemos dizer que o romance é esteticamente mau, porque
não nos permitimos considerá-lo esteticamente.
[...] A «atenção» estética não significa apenas concentrar-se no objecto e «agir» em
relação a ele. Para apreciarmos completamente o valor específico do objecto, temos de pres-
tar atenção aos seus pormenores, frequentemente complexos e subtis. A atenção perspicaz
a estes pormenores é a discriminação. [...]
Assim, e depois de termos compreendido que a atenção estética é vigilante e vigorosa,
poderemos usar com confiança uma palavra que tem sido aplicada com frequência à expe-
riência estética: «contemplação». De outro modo, haveria o perigo de esta palavra sugerir
20
1-38 2007.04.01 17:26 Página 21
um olhar impávido e distante que, como vimos, não é consentâneo com os factos da expe-
riência estética. Na realidade, a «contemplação» nada acrescenta de novo à nossa definição,
limitando-se a resumir ideias que já discutimos. Significa que a percepção é dirigida ao
objecto em função de si mesmo, e que o espectador não está preocupado em analisá-lo ou
em fazer perguntas acerca dele. Além disso, a palavra conota uma absorção e interesse
totais, como quando falamos de uma pessoa «perdida em contemplação». [...]
A atitude estética pode ser adoptada relativamente a «qualquer objecto da consciência».
[...]
[A] coisa mais feia da natureza em que consigo pensar neste momento é uma certa rua
de casas miseráveis, onde se realiza um mercado ao ar livre. Se a percorrermos ao princípio
de uma manhã de Domingo, como faço às vezes, encontramo-la conspurcada de palha,
papéis sujos e outros detritos típicos de um mercado. A minha atitude normal é de aversão.
Quero afastar-me dali [...]. Mas, por vezes, verifico que [...] o cenário se distancia abrupta-
mente de mim e se eleva ao plano estético, pelo que posso examiná-lo de maneira muito
impessoal. Quando isso acontece, parece-me que aquilo que estou a apreender tem uma
aparência diferente: tem uma forma e uma coerência que anteriormente lhe faltavam e os
pormenores tornam-se mais claros. Mas [...] não me parece que tenha deixado de ser feio
e se tenha tornado belo. Posso ver o feio esteticamente, mas não posso vê-lo como belo.
Jerome Stolnitz, Estética e Filosofia da Crítica de Arte, 1960, trad. Vítor Silva, pp. 46-59
Interpretação
1. Que exemplos dá o autor para mostrar que a percepção não é exclusivamente
prática?
2. Por que razão pensa Stolnitz que os interesses cognitivos estão excluídos do
estético?
3. Stolnitz pensa que não temos uma atitude estética quando rejeitamos um
romance por entrar em conflito com a nossa maneira de pensar. Porquê?
4. Como caracteriza Stolnitz a atenção desinteressada?
5. Como caracteriza Stolnitz a contemplação estética?
6. Stolnitz defende que podemos ter experiências estéticas acerca de qualquer
objecto. Como é isso possível?
Discussão
7. «Posso ver o feio esteticamente, mas não posso vê-lo como belo.» Concorda?
Porquê?
8. Será que quando apreciamos um objecto de arte nada mais conta a não ser o
que está diante de nós para ser contemplado? Justifique.
21
1-38 2007.04.01 17:26 Página 22
Texto 28
Interpretação
1. Por que razão pensa Dickie que a atenção do dramaturgo não é diferente da
atenção de outro espectador qualquer?
2. Dickie pensa que a noção de atitude estética desempenhou um papel impor-
tante. Qual?
3. Por que razão pensa Dickie que a atitude estética não tem qualquer valor teórico?
Discussão
4. Será que a atitude do dramaturgo é mesmo igual à de qualquer espectador?
Porquê?
5. «Se não há atitude estética, não há experiência estética. E se não há experiên-
cia estética, também não há juízo estético. Logo, não faz sentido distinguir en-
tre juízos estéticos e juízos não estéticos.» Concorda? Porquê?
22
1-38 2007.04.01 17:26 Página 23
Há duas teorias rivais que procuram responder a esse problema: o subjectivismo esté-
tico e o objectivismo estético.
Subjectivismo estético
Para simplificar, pensemos apenas no caso particular do chamado «juízo do belo» – um
dos vários juízos estéticos. O subjectivismo estético é a perspectiva acerca da justificação
do juízo estético que defende basicamente que a beleza resulta do que sentimos quando
observamos as coisas; ou seja, a beleza está nos olhos de quem a vê.
23
1-38 2007.04.01 17:26 Página 24
Achar algo bonito ou feio é, segundo esta teoria, uma questão de gostos ou preferên-
cias pessoais. Um dos heterónimos de Fernando Pessoa resume bem esta perspectiva
nos seguintes versos:
Assim, os objectos são belos ou feios de acordo com os sentimentos de prazer ou des-
prazer que fazem surgir em nós. Os juízos estéticos não são, neste caso, objectivos. Ou
seja, o que está em causa não são as propriedades dos objectos, mas antes os senti-
mentos que tais objectos despertam em nós. Por isso se diz que são juízos de gosto.
Dizer «O Guardador de Rebanhos é belo» é, para o subjectivista, o mesmo que dizer
«Gosto d’O Guardador de Rebanhos». De maneira que se alguém perguntar a um subjec-
tivista que razões tem para dizer que O Guardador de Rebanhos é belo, ele dirá que sente
prazer ao lê-lo. Ou, mais simplesmente, que gosta desse poema.
Subjectivismo radical
Uma forma extrema de subjectivismo defende que, na medida em que traduzem aquilo
que cada um sente, os gostos não se discutem. Mas esta forma de subjectivismo levanta
quatro problemas óbvios. Vejamos quais.
24
1-38 2007.04.01 17:27 Página 25
Contudo, há filósofos subjectivistas que não defendem esta forma radical de subjecti-
vismo. É o caso de Hume e Kant. Estes filósofos procuram evitar as objecções anteriores
e resolver o chamado «problema do gosto».
A resposta de Kant é que os juízos de gosto, apesar de subjectivos, são universais – algo
que não é fácil de compreender. Vejamos antes a resposta de outro dos grandes defen-
sores do subjectivismo: David Hume (1711-1776).
25
1-38 2007.04.01 17:27 Página 26
paratada a opinião das pessoas que acham os romances de Rita Ferro melhores que os
de Eça de Queirós, as canções do Tony Carreira mais belas que as dos Beatles ou as escul-
turas de João Cutileiro mais interessantes que as de Auguste Rodin. É também por isso
que Hume pensa que há acordo generalizado entre as pessoas de bom gosto: nenhuma
pessoa de bom gosto tem dúvidas que Camões é melhor poeta que António Aleixo, Ridley
Scott melhor realizador que Joaquim Leitão e Veneza mais bonita que Aveiro. Isto mostra
que, ao contrário do que defende o subjectivismo radical, nem todos os gostos se equi-
valem e que os gostos não são indiscutíveis. Hume pensa que uma frase como «Gosto
de X» deverá ser correctamente entendida não simplesmente como «X é belo» mas como
«X é belo, de acordo com o padrão do gosto».
Hume defende que o padrão de gosto tem dois aspectos fundamentais:
Contudo, isto não explica tudo, pois Hume não pretende afirmar que toda a gente gosta
das mesmas coisas. O facto de haver um padrão de gosto não significa que todas as
pessoas gostem das mesmas coisas. Como explica Hume a divergência de gostos, apesar
da existência do padrão do gosto?
Hume pensa que há duas razões principais:
26
1-38 2007.04.01 17:27 Página 27
Revisão
1. Em que consiste o problema da justificação do juízo estético?
2. Qual é a tese central do subjectivismo estético?
3. Por que razão se diz que os juízos estéticos são, para os subjectivistas, juízos
de gosto?
4. Qual é a tese que define a posição dos subjectivistas radicais?
5. Explique a objecção ao subjectivismo radical segundo a qual este não tem
em conta a forma como realmente falamos quando usamos a expressão «X
é belo».
6. Explique a objecção ao subjectivismo radical segundo a qual esta teoria
implica que os juízos estéticos são autobiográficos.
7. Explique a objecção ao subjectivismo radical segundo a qual esta teoria torna
impossível a comunicação.
8. Explique a objecção ao subjectivismo radical segundo a qual esta teoria torna
qualquer discussão estética racionalmente vazia.
9. Em que consiste o chamado «problema do gosto»?
10. Em que se baseia Hume para defender o subjectivismo estético?
11. Em que consiste o padrão de gosto?
12. Como usa Hume a noção de padrão do gosto para responder ao problema do
gosto?
13. Como justifica Hume a existência do padrão do gosto?
14. Nem todas as pessoas gostam das mesmas coisas, apesar do padrão do
gosto. Como explica Hume este facto?
15. O que é o refinamento do gosto?
16. Por que razão pensa Hume que nem todos os gostos valem o mesmo?
27
1-38 2007.04.01 17:27 Página 28
Discussão
17. Será que a beleza é apenas uma questão de gosto? Justifique.
16. Discuta a seguinte afirmação: «Gostos não se discutem.»
19. Será que a existência do padrão do gosto nos obriga a ser conservadores e
conformistas? Justifique.
20. O seguinte caso real começou a ser noticiado no Verão de 2001:
Na cidade de Viana do Castelo há um edifício de habitação junto ao rio Lima
que se destaca do resto do casario pela sua altura. O edifício, conhecido como
Edifício Coutinho, é relativamente novo e é habitado por cerca de trezentas
pessoas. Trata-se de um edifício referido por muitas pessoas como uma
«aberração estética». Elas consideram que o edifício não se harmoniza com o
resto do casario. Mas há quem pense que não; que o edifício, embora seja
mais alto do que os outros, até nem é feio e fica ali muito bem. Acrescentam
que casos assim há-os em muitas cidades sem que alguém se incomode. En-
tre os que assim pensam estão, naturalmente, os próprios moradores.
Entretanto, a polémica agudizou-se quando o Presidente da Câmara decla-
rou que o edifício iria ser demolido, estando previstos cerca de vinte e cinco
milhões de euros para compensar adequadamente os actuais moradores.
Os moradores não aceitam e têm-se manifestado firmemente contra aquilo
que consideram um atentado ao direito de propriedade. Um dos moradores
argumentou perante as câmaras de televisão: «O que aqui está em causa é
um conflito entre duas coisas: os direitos dos proprietários e o valor estético
do edifício. Ora, os direitos de propriedade são algo de objectivo e que até
é protegido por lei, ao passo que o valor estético do edifício é algo de sub-
jectivo. Afinal o que é subjectivo, nas decisões de quem manda nesta cida-
de, prevalece sobre o que é objectivo?»
1) Concorda com o argumento deste morador? Porquê?
2) Entretanto, o Presidente da Câmara propôs a realização de um referendo
à população, coisa que os moradores rejeitam. Caso o referendo fosse
realizado (o que não irá acontecer, pois o tribunal deu razão aos moradores)
e a maioria das pessoas achassem o edifício digno de ser demolido, consi-
dera que os moradores ficariam sem argumentos? Porquê?
Objectivismo estético
A teoria oposta ao subjectivismo estético é o objectivismo. Chama-se por vezes «rea-
lismo estético» a esta teoria, mas esta designação é enganadora.
O objectivismo estético defende que os objectos são belos em virtude das suas
propriedades intrínsecas e independentemente do que sentimos quando os obser-
vamos.
As propriedades intrínsecas dos objectos são independentes dos sentimentos ou
das reacções de quem os observa.
28
1-38 2007.04.01 17:27 Página 29
29
1-38 2007.04.01 17:27 Página 30
Até ao séc. XVIII a maior parte dos filósofos identificavam-se naturalmente com o objec-
tivismo estético. Acreditavam que havia critérios ou regras gerais acerca das caracterís-
ticas que os objectos tinham de possuir para terem valor estético. E até os artistas tinham
em consideração essas regras – a que se dava o nome de «cânones» – quando criavam
as suas obras. Assim, era a própria arte a conformar-se aos princípios do objectivismo es-
tético. Não admira, pois, que o desacordo entre os críticos de arte da altura fosse bastante
reduzido. O objectivismo parecia ser um ponto de vista perfeitamente natural e bastante
razoável para a época.
Contudo, a arte contemporânea é muito diferente da arte dos séculos anteriores. Mesmo
assim, o objectivismo estético não é uma doutrina historicamente ultrapassada. Continua ainda
a ser defendido por filósofos contemporâneos, como Monroe Beardsley (1915-1985).
Características estéticas
Específicas
Gerais
Relativas às diferentes
Encontram-se em qualquer
formas de arte ou a certo
tipo de objectos.
tipo de objectos.
1. Unidade
Variam consoante
2. Complexidade
os casos.
3. Intensidade
30
1-38 2007.04.01 17:27 Página 31
Elogiar um filme porque não tem momentos mortos ou cenas despropositadas, é elo-
giá-lo pela sua unidade. Elogiar uma peça musical porque utiliza vários ritmos, instrumen-
tos e tonalidades é elogiar a sua complexidade. Censurar uma pintura pela falta de con-
traste, é censurá-la por falta de intensidade.
Uma obra de arte pode exibir um conjunto de características específicas e gerais que
mais nenhuma exibe. As combinações de características específicas e gerais são tantas e
em graus tão diferentes que a diversidade é grande e quase inevitável. É por isso que os
juízos dos críticos de arte não se limitam a declarar simplesmente que um objecto é belo
(ou não é belo), mas a explicar por que razão esses objectos são belos (ou não).
A teoria objectivista de Beardsley tem o mérito de procurar uma justificação racional
para os juízos estéticos. Mas não elimina desacordos: continua a haver pessoas a ver uni-
dade onde outros notam a sua falta ou que vêem intensidade onde outros vêem apenas
um enorme vazio. A resposta de Beardsley para isso é que não basta apreciar as coisas
de qualquer maneira. Nem todos os pontos de vista são iguais. Uma obra de arte, por
exemplo, pode ter muitas outras propriedades além das estéticas. Mas para formarmos
um juízo estético sobre a obra há que olhar para ela sob certas condições; as obras de arte
devem ser observadas em condições ideais. O que quer isso dizer?
Quer dizer que Beardsley defende que a obra de arte deve ser avaliada do ponto de
vista correcto: o ponto de vista estético – uma noção semelhante à de atitude estética.
Uma mesma obra pode ser apreciada do ponto de vista político, histórico, moral, etc. As
opiniões divergem porque as obras nem sempre são avaliadas do mesmo ponto de vista.
Há quem as avalie do ponto de vista moral, por exemplo. Mas as propriedades morais que
eventualmente uma obra tenha são irrelevantes para avaliar esteticamente essa obra.
É, pois, possível avaliar esteticamente uma obra em termos objectivos, mas é preciso
contar com as dificuldades decorrentes do facto de muitas pessoas assumirem pontos de
vista errados ou de serem insensíveis à beleza.
SUBJECTIVISMO OBJECTIVISMO
A beleza depende do que A beleza resulta de certas
sentimos quando observamos propriedades dos objectos: há
os objectos: a beleza é uma critérios de beleza objectivos.
questão de gosto. (BEARDSLEY)
SUBJECTIVISMO MODERADO
SUBJECTIVISMO RADICAL
A beleza é uma questão de gosto, mas
Os gostos valem todos
nem todos os gostos valem o mesmo,
o mesmo: gostos não
pois existe o padrão do gosto, que inclui
se discutem.
princípois gerais de justificação. (HUME)
31
1-38 2007.04.01 17:27 Página 32
Revisão
1. Qual é a tese central do objectivismo estético?
2. Que papel pensam os objectivistas que os gostos pessoais desempenham
na formação dos juízos estéticos?
3. Exponha o argumento central dos objectivistas a favor da sua posição.
4. Que vantagens se podem encontrar na existência de critérios objectivos de
beleza?
5. Como explicam os objectivistas a existência de desacordos entre as pessoas
acerca da beleza ou fealdade?
6. Por que razão o objectivismo parecia um ponto de vista natural para os filóso-
fos até ao séc. XVIII?
7. Quais são, segundo Beardsley, as propriedades estéticas gerais?
8. Beardsley pensa que, para formar um juízo estético de uma determinada
obra, é preciso observá-la do ponto de vista correcto. O que significa isso?
9. Como explica Beardsley o facto de os juízos sobre a mesma obra serem fre-
quentemente divergentes?
10. Beardsley conta o seguinte caso: quando o presidente de uma conhecida edi-
tora israelita recusou publicar em Israel o romance Exodus, do escritor Leon
Uris, disse: «Se é para ser lido como história, é grosseiro. Se é para ser lido
como romance, é banal». O que se pode concluir daqui, na perspectiva de
Beardsley?
Discussão
11. Será que a beleza está mesmo nos objectos? Justifique.
12. Um objecto pode ser bom do ponto de vista estético e mau do ponto de vista
moral, sugere Beardsley. Concorda? Porquê?
13. Um objecto pode ser bom do ponto de vista estético e mau do ponto de vista
cognitivo, sugere Beardsley. Concorda? Porquê?
14. Concorda que há pessoas que são sensíveis à beleza e outras não, como os
objectivistas defendem? Porquê?
32
1-38 2007.04.01 17:27 Página 33
Texto 29
O Padrão do Gosto
David Hume
[...] Mas na verdade a dificuldade de encontrar o padrão do gosto mesmo em casos par-
ticulares não é tão grande como se pensa. Embora especulativamente possamos admitir um
certo critério na ciência e negá-lo no sentimento, na prática é muito mais difícil avaliar a
questão no primeiro caso do que no segundo. As teorias da abstracta filosofia e os sistemas
da profunda teologia dominam uma época, mas no período seguinte são totalmente desa-
creditados – o seu absurdo foi detectado. Outras teorias e sistemas ocupam o seu lugar, que
uma vez mais dão lugar aos seus sucessores. E nada se conhece que esteja mais sujeito às
revoluções do acaso e da moda do que essas pretensas decisões da ciência. Não se passa o
mesmo com as belezas da eloquência e da poesia. Há a certeza de que, após algum tempo,
as justas expressões da paixão e da natureza conquistam o aplauso público, mantendo-o
para sempre. […]
Embora as pessoas com gosto refinado sejam raras, facil-
mente as distinguimos em sociedade pela solidez do seu enten-
dimento e pela superioridade das suas faculdades relativamente
ao resto da humanidade. O ascendente que adquirem faz preva-
lecer a viva aprovação com que acolhem quaisquer obras de
génio e torna-a geralmente predominante. Entregues a si pró-
prios, muitos homens têm apenas uma vaga e duvidosa
percepção da beleza, mas ainda assim são capazes de se deleitar
com qualquer obra de qualidade que se lhes aponte. Todo
aquele que se converte à admiração do verdadeiro poeta ou ora-
dor é a causa de uma nova conversão. E embora os preconceitos
possam prevalecer durante algum tempo, nunca se unem para
rivalizar com o verdadeiro génio – acabam por ceder perante a
força da natureza e o justo sentimento. Assim, embora uma
nação civilizada possa enganar-se facilmente ao escolher o seu
filósofo de eleição, nunca erra prolongadamente na sua afeição
por um autor épico ou trágico favorito.
Mas apesar dos nossos esforços em fixar um padrão do
gosto e em reconciliar as discordantes impressões das pessoas,
restam ainda duas fontes de diversidade, as quais não são sufi- David Hume Tower, em Salisbury
Crags (Escócia). Alguns críticos deste con-
cientes para eliminar todas as fronteiras entre beleza e deformi- testado edifício disseram que o filósofo esco-
dade, embora sirvam frequentemente para produzir diferenças cês se revirou na sepultura ao saber que de-
ram o seu nome a uma torre que ofende o
no grau de aprovação ou censura. Uma reside nas diferenças de bom gosto. Como sabemos se têm razão?
humor de cada pessoa; a outra nos costumes e opiniões pró-
prios da nossa época e do nosso país. Os princípios gerais do gosto são uniformes na na-
33
1-38 2007.04.01 17:27 Página 34
tureza humana: sempre que as pessoas divergem nos seus gostos, pode-se geralmente
apontar algum defeito ou perversão nas suas faculdades, que tem origem ou no pre-
conceito, ou na falta de prática, ou na falta de sensibilidade. E há assim boas razões para
aprovar uns gostos e condenar outros. Mas onde quer que haja tal diversidade, a qual se
mostre completamente irrepreensível, tanto na estrutura interna como na situação externa,
deixa também de haver lugar para dar preferência a um gosto em detrimento do outro;
nesse caso, uma certa diversidade no juízo é inevitável, e é em vão que procuramos um
padrão que permita reconciliar os sentimentos contrários.
David Hume, «Do Padrão do Gosto», 1757, trad. adaptada de João Paulo Monteiro et al. §§ 26-28
Interpretação
1. «A dificuldade de encontrar o padrão do gosto mesmo em casos particulares
não é tão grande como se pensa», afirma Hume. Porquê?
2. Quais são, segundo Hume, as duas fontes de diversidade de opiniões?
3. Em que casos a diversidade no juízo é, segundo Hume, inevitável?
Discussão
4. «Embora as pessoas com gosto delicado sejam raras, facilmente as distin-
guimos em sociedade pela solidez do seu entendimento e pela superioridade
das suas faculdades sobre o resto da humanidade.» Concorda? Porquê?
5. «Há pessoas que têm bom gosto e outras que têm mau gosto.» Concorda?
Porquê?
Texto 30
Razões Objectivas
Monroe Beardsley
O método afectivo de avaliação crítica consiste em ajuizar a obra pelos seus efeitos psico-
lógicos, ou pelos efeitos psicológicos prováveis, sobre o próprio crítico ou outros. Como
mais adiante se tornará patente, não considero irrelevantes as razões afectivas para a avalia-
ção dos objectos estéticos [...] Neste momento, apenas defenderei que as razões afectivas, só
por si, são inadequadas, porque não são informativas em dois aspectos importantes.
34
1-38 2007.04.01 17:27 Página 35
35
1-38 2007.04.01 17:27 Página 36
Mesmo que agora nos confinemos às razões objectivas, continuamos a dispor de uma
ampla diversidade, pelo que é natural perguntar se poderão fazer-se mais subdivisões.
Penso que se inspeccionarmos bem as razões presentes nos juízos críticos, podemos inseri-
-las, sem grande dificuldade, em três grupos principais. Em primeiro lugar, há razões que
parecem ser suportadas pelo grau de unidade ou falta de unidade da obra:
Interpretação
1. Em que consiste, segundo Beardsley, o chamado método afectivo de avaliação
crítica?
2. Beardsley pensa que as razões afectivas são, só por si, inadequadas. Porquê?
3. Por que razão pensa Beardsley que não adianta muito dizer que o referido
Quarteto de Cordas, de Beethoven, nos dá prazer?
4. Por que razão pensa Beardsley que dizer que uma obra é boa porque conduz a
uma forte reacção emocional é, só por si, pouco importante?
5. Como caracteriza Beardsley uma razão objectiva?
6. Dê um exemplo de um juízo crítico que, segundo Beardsley, refira a unidade de
uma obra.
36
1-38 2007.04.01 17:27 Página 37
Discussão
9. Será realmente possível saber se uma obra tem unidade ou complexidade ou
intensidade? Porquê?
Estudo complementar
Almeida, Aires e Murcho, Desidério (2006) «Estética» in Textos e Problemas de Filo-
sofia. Lisboa: Plátano, Cap. 5.
@ Hospers, John (s.d.) «A Atitude Estética», trad. de Pedro Galvão in A Arte de Pensar,
http://www.didacticaeditora.pt/arte_de_pensar/leit_expestetica.html.
37
1-38 2007.04.01 17:27 Página 38
39-66 2007.04.01 17:29 Página 39
Capítulo 13
A criação artística
e a obra de arte
1. O problema Secções
1. O problema, 39
Neste capítulo vamos estudar a filosofia da
2. Arte e imitação, 40
arte. Um dos problemas mais discutidos nesta
3. Arte e expressão, 46
disciplina é o de saber o que é arte. Este é um
4. Arte e forma, 53
problema que naturalmente nos colocamos
5. A arte pode ser definida? 60
quando nos deparamos com certas pinturas,
esculturas, poemas ou peças musicais. Ao lon-
Textos
go dos tempos, vários filósofos têm procurado 31. A Arte é Imitação, 45
responder a esse problema, propondo diferen- Platão
tes definições de arte. 32. A Arte é Comunicação de Sentimentos, 51
Definir explicitamente a arte implica identifi- Leão Tolstoi
car as características comuns a todos os objec- 33. A Arte é Forma Significante, 58
Clive Bell
tos de arte: as condições necessárias para algo
34. A Arte Não Pode Ser Definida, 63
ser arte; e as características que só esses objec- Morris Weitz
tos têm: as condições suficientes para algo ser
arte. Objectivos
Ao propor uma definição explícita de arte, Compreender o problema da definição de arte.
muitos filósofos procuram saber qual é a sua Compreender e avaliar a teoria da arte como
essência; procuram as características intrínse- imitação.
cas que determinados objectos possuem e os Compreender e avaliar a teoria da arte como
fazem ser arte, permitindo-nos distinguir o que é expressão.
Compreender e avaliar a teoria formalista da arte.
arte do que não é.
Compreender e discutir a teoria de que a arte não
Neste capítulo vamos discutir as seguintes
pode ser definida
respostas à questão de saber o que é a arte:
39
39-66 2007.04.01 17:29 Página 40
2. Arte e imitação
Uma das mais antigas teorias da arte foi defendida pelos filósofos gregos Platão
(c. 427-347 a. C.) e Aristóteles (384-322 a. C.). Ambos defendiam que a arte é imitação.
Chama-se teoria da arte como imitação ou mimese a esta teoria. A palavra portuguesa
«mimese» tem origem na palavra grega mimesis, que significa imitação.
Porque pensava que a arte era imitação, Platão encarava a arte de forma negativa, ao
contrário de Aristóteles. Platão achava que qualquer imitação era digna de censura, porque
não nos mostrava a verdade: substituir o modelo original pela sua cópia é o mesmo que
fechar os olhos à verdade. Ainda por cima, pensava que a realidade que os artistas imita-
vam era por sua vez uma pálida imitação da realidade suprema, que só existia para lá do
mundo dos sentidos.
Aristóteles, contudo, pensava que as pessoas podiam aprender com as imitações. Este
filósofo classificou e caracterizou os diferentes tipos de imitação, consoante os meios
utilizados para imitar, as coisas imitadas e os modos de imitação:
Os artistas aceitaram durante séculos a ideia de que toda a arte é imitação. Por isso,
procuravam sempre imitar algo quando criavam as suas obras. A arte era encarada como
um espelho que os artistas colocavam diante das coisas e no qual a natureza se reflectia.
Quanto mais perfeita fosse a imitação, mais valor artístico teria. Zeuxis (464-398 a. C.), um
pintor grego antigo, tornou-se famoso pela perfeição das suas imitações, nomeadamente
ao pintar uvas com um tal realismo que até os pássaros tentavam comê-las.
Esta teoria, apesar de muito antiga, continua a ser muito popular. Ouvimos frequente-
mente opiniões como as seguintes:
• Mas isto é arte? Não vejo nada neste quadro a não ser riscos e manchas de tinta.
• O livro que acabei de ler não é um romance nem é nada, não tem a ver com coisa
alguma.
• O filme que acabei de ver é uma grande obra, pois mostra bem a futilidade da so-
ciedade dos anos 80.
A qualquer destas opiniões está subjacente a ideia de que a arte é imitação. As três
primeiras sugerem, directa ou indirectamente, que o quadro, o romance e a escultura não
merecem ser chamados «arte» por não se perceber o que imitam. A última opinião atribui
valor artístico ao filme por apresentar uma imitação fiel de algo, mais precisamente da
sociedade dos anos 80.
40
39-66 2007.04.01 17:29 Página 41
Em bom rigor, esta não é uma verdadeira definição, pois apenas se apresenta a con-
dição necessária para X ser arte. Uma definição explícita tem também de apresentar a
condição suficiente (ou condições suficientes). A expressão «se…, então…» indica que o
que vem depois do «então» é uma condição necessária. Se fosse condição necessária e
suficiente, tería de se utilizar a expressão «se, e só se» ou uma expressão análoga. Assim,
a definição afirma que toda a arte imita (que a imitação é condição necessária para que
algo seja arte), mas não afirma que toda a imitação é arte (que a imitação é condição
suficiente para que algo seja arte).
Aristóteles sabia que nem toda a imitação é arte. Por exemplo, não estamos perante
uma obra de arte quando vemos os jovens a imitar os mais velhos. Isto significa que a
imitação não é uma condição suficiente da arte.
Apesar de reconhecerem que há imitações que não são arte, os defensores da teoria
da imitação pensavam que todas as obras de arte tinham de imitar algo. Ou seja, defen-
diam que a imitação era uma condição necessária para que algo fosse arte.
Mas será que a imitação é Sem Título (2006), óleo sobre tela de António Castelló (n. 1972). De acordo
mesmo uma condição necessá- com a teoria da imitação, a arte é como um espelho que se coloca diante das
ria da arte? coisas.
41
39-66 2007.04.01 17:29 Página 42
Imitação e representação
Podemos ficar surpreendidos ao descobrir que inteligências tão
penetrantes como as de Platão e Aristóteles se tenham enganado
desta maneira e seja, afinal, tão fácil refutá-los. Mas a verdade é que
a arte do seu tempo não era como a arte dos nossos dias. A teoria
da imitação era plausível naquela época e aplicava-se a praticamente
tudo o que os artistas criavam. Por isso, o que durante muito tempo
as pessoas procuravam na arte era sobretudo a verosimilhança (a
semelhança com o que se passa na realidade). E era isso que acaba-
vam por encontrar, uma vez que os contra-exemplos óbvios só mais
tarde surgiram.
Ainda assim, houve quem não abandonasse completamente a
teoria, procurando melhorá-la, de modo a resistir a contra-exemplos
como os anteriores. Nesse sentido, alguns filósofos argumentaram
que o conceito de imitação tinha de ser substituído pelo conceito
mais abrangente de representação. A imitação é apenas um caso
entre outros de representação: toda a imitação é representação, mas
há representações que não são imitações. Exemplos de representa-
ções que não são imitações são as cinco quinas e o emblema do
YKB 2 (1961), de Yves Klein (1928-
-62). O título deste quadro monocro- Benfica. O primeiro representa Portugal e o segundo o Benfica. Mas
mático (de uma só cor) é a referência nenhum deles imita seja o que for. Dizer que uma coisa A representa
da cor do catálogo do próprio artista. uma coisa B significa simplesmente que A está em vez de B.
Significa Yves Klein Blue n.º 2. Este
quadro representa algo? Assim já se torna possível classificar como arte coisas que a
teoria da imitação excluía. O conceito de representação é mais abran-
42
39-66 2007.04.01 17:29 Página 43
gente do que o de imitação. Pode até incluir obras de arte abstracta, que reconhecida-
mente não imitam seja o que for. Mesmo que as cores, linhas e manchas das pinturas
abstractas de Kandinsky (ver p. 54) não possam imitar a morte, a vida, a dor ou a alegria,
podem contudo representá-las. Foi isso que o próprio artista afirmou. A tese passa, então,
a ser:
Ainda assim, esta nova versão da teoria não parece imune a contra-exemplos, pois con-
tinua a haver pinturas abstractas que dificilmente se consegue mostrar que representam
algo. O que representam, por exemplo, as pinturas monocromáticas de Yves Klein? E obras
de arquitectura, como a casa da cascata de Frank Lloyd Wright? O mesmo se pode dizer
da música, pelo menos da maior parte da música instrumental. Parece, pois, que a teoria
da representação também acaba por não incluir tudo o que desejaríamos que incluísse
para se tornar aceitável.
Mas o defensor da arte como representação pode ainda melhorar a sua teoria. Pode
alargar o alcance do conceito de representação e dizer que entende por representação
algo ainda menos preciso. Pode dizer que uma obra representa desde que tenha um
assunto qualquer: se uma obra tem um assunto, então representa algo. O facto de qual-
quer obra de arte poder ser interpretada mostra precisamente que todas as obras de arte
têm um assunto e que, portanto, referem algo. Mesmo que o assunto seja a própria obra
ou a arte em geral. Teríamos então a seguinte versão:
43
39-66 2007.04.01 17:29 Página 44
Revisão
2. Por que razão a teoria da imitação não apresenta uma verdadeira definição ex-
plícita de arte?
5. Por que razão a teoria da arte como imitação foi aceite como verdadeira sem
discussão durante muito tempo?
44
39-66 2007.04.01 17:29 Página 45
Discussão
12. «Que vaidade a da pintura, que atrai a admiração pela semelhança com coisas
que não despertam por si admiração!», exclama o filósofo francês Blaise Pas-
cal. Concorda? Porquê?
13. Será que a obra O Nascimento de Vénus, de Botticelli (ver p. 77), imita ou re-
presenta mesmo o nascimento de Vénus? Justifique.
14. Há quem defenda que se a arte tivesse de imitar ou representar sempre algo,
o artista teria já deixado de ser criativo. Concorda? Porquê?
Texto 31
A Arte é Imitação
Platão
– Mas vê lá agora que nome vais dar ao seguinte artífice.
– A qual?
– Ao que executa tudo o que cada um dos artífices sabe por si executar.
– É habilidoso e espantoso o homem a que te referes!
– Ainda é cedo para o afirmares [...]. Efectivamente, esse artífice não só é capaz de
executar todos os objectos, como também modela todas as plantas e fabrica todos os seres
animados, incluindo a si mesmo, e ainda faz a terra, o céu, os deuses e tudo quanto existe
no céu e [...] debaixo da terra.
– É um sábio de espantar, esse a que te referes.
– Duvidas? Ora diz-me lá: parece-te que não pode existir, de modo algum, um artífice
desses, ou que, de certo modo, pode existir o autor disso tudo, mas de outro modo não
pode? Ou não te apercebes de que, de certa maneira, tu serias capaz de executar tudo isso?
– E que maneira é essa?
– Não é difícil [...] e é rápida de executar, muito rápida mesmo, se quiseres pegar num
espelho e andar com ele por todo o lado. Rapidamente criarás o Sol e os astros no céu, em
breve criarás a terra, a ti mesmo e os demais seres animados, os utensílios, as plantas e tudo
quanto há pouco foi referido.
– Sim, mas são objectos aparentes, sem existência real.
– Atingiste precisamente o ponto que eu precisava para o meu argumento. Com efeito,
entre esses artífices também conta, julgo eu, o pintor. Não é assim?
– Pois.
– Mas certamente vais dizer-me que o que ele faz não é verdadeiro. Contudo, de certo
modo, o pintor também faz uma cama. Ou não?
– Faz, mas que também é aparente.
45
39-66 2007.04.01 17:29 Página 46
[...]
– [...] Portanto, a arte de pintar está bem longe da verdade. E se, ao que parece, executa
tudo, é pelo facto de atingir apenas uma pequena porção de cada coisa, que não passa de
uma aparência. Por exemplo, dizemos que o pintor nos pintará um sapateiro, um car-
pinteiro e os demais artífices, sem nada conhecer dos respectivos ofícios. Mas nem por isso
deixará de ludibriar as crianças e os homens ignorantes, se for bom pintor, desenhando um
carpinteiro e mostrando-o de longe com a semelhança que lhe imprimiu de um autêntico
carpinteiro.
– Sem dúvida.
Platão, República, trad. adaptada de Maria Helena da Rocha Pereira, Livro X, 596c-598c
Interpretação
1. Explique como é possível a qualquer pessoa executar todos os objectos que
existem no céu e na terra, de acordo com Platão.
2. Por que razão pensa Platão que «a arte de pintar está bem longe da verdade»?
Discussão
4. «Se for bom, o pintor conseguirá ludibriar as crianças e os homens ignoran-
tes.» Isto mostra, segundo Platão, que a arte não tem valor. Concorda com
Platão? Porquê?
3. Arte e expressão
Vimos que a teoria da arte como imitação encarava a arte como um espelho que se
coloca diante da natureza. A arte estava centrada nos objectos e devia captar correcta-
mente as suas características.
Esta forma de ver as coisas começou a ser posta em causa no final do séc. XVIII e tor-
nou-se mesmo inaceitável para uma grande parte dos artistas do séc. XIX. Uma autêntica
revolução estava em curso. Era a revolução romântica.
Poetas, pintores, romancistas e músicos começaram a utilizar a arte como forma de
expressão das suas experiências individuais. Em vez de mostrarem a natureza, procura-
vam através das suas obras exprimir os seus sentimentos e o seu universo interior. A arte
tornou-se um veículo para exprimir emoções. Deixou de ser um espelho da natureza para
se tornar um espelho das experiências interiores do artista. Os românticos defendiam que
a tentativa de descrever objectivamente a natureza é tarefa da ciência. O interesse da arte
46
39-66 2007.04.01 17:29 Página 47
• Essa pintura não tem qualquer valor artístico, pois não transmite nada.
Há diferentes versões da teoria da arte como expressão. Uma das mais discutidas é a
do romancista russo Leão Tolstoi (1828-1910). É também essa que iremos discutir aqui.
Num famoso ensaio intitulado O Que é a Arte? Tolstoi escreve que «a arte começa
quando alguém, com o intuito de se unir a outro ou a outros num mesmo sentimento, ex-
pressa esse sentimento através de certas indicações externas». Tolstoi defende que não
há arte se não houver expressão de sentimentos ou se esse sentimento não contagiar
pessoa alguma. Assim, Tolstoi defende que a arte é uma forma de comunicação. Claro que
há formas de comunicação que não são arte como, por exemplo, uma notícia de jornal.
A diferença é que na arte se expressam sentimentos e não outra coisa qualquer. A arte é
um meio de unir as pessoas através desses sentimentos. Eis, pois, a definição de arte
proposta por Tolstoi:
47
39-66 2007.04.01 17:29 Página 48
5. O artista tem de ter a intenção de provocar emoções. Imagine-se que, por uma
razão qualquer, a Sandra está triste. Chega a casa e a mãe, vendo que está triste e a
chorar, pergunta-lhe o que se passa. A Sandra conta-lhe o que se passa e a mãe fica tam-
bém triste. Neste caso, a Sandra sentiu uma emoção, expressou-a através do choro, levan-
do a sua mãe a sentir o mesmo. Ninguém diria que isto é arte. Para ser arte, pensa Tolstoi,
o artista tem de provocar nos outros os mesmos sentimentos que teve, mas de forma
intencional. É a intenção expressiva que distingue a arte do que se passou com a Sandra.
A Sandra não contou o que se tinha passado à mãe para que esta ficasse triste, apesar de
ela ter ficado triste.
48
39-66 2007.04.01 17:29 Página 49
2. Explica a ligação emocional que temos com a arte. Dado que a arte exprime
emoções e sentimentos que são para nós importantes, isso explica a nossa profunda
ligação emocional à arte. A teoria expressivista está também em harmonia com a ideia ge-
neralizada de que para compreender a arte tem de se ser uma pessoa sensível.
3. É muito abrangente. A quantidade de coisas que podem ser abrangidas pela defini-
ção proposta pelos expressivistas é enorme. Qualquer obra, represente ou não algo, pode
sempre exprimir emoções.
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Na segunda quadra do mesmo poema, Fernando Pessoa põe também em causa a ideia
de que o artista e o público partilham os mesmos sentimentos:
Ana Karenina é um dos mais importantes romances do próprio Tolstoi, considerado por
muitos uma obra-prima da literatura. Aí somos confrontados com a angústia e o desespero
de Ana que, depois de abandonar o seu dedicado marido para fugir com Vronski, o amante,
deixando para trás os seus filhos, acaba por se atirar para a linha de comboio, morrendo
corroída pelo sentimento de culpa. Ainda que o próprio Tolstoi tenha tido os mesmos sen-
49
39-66 2007.04.01 17:29 Página 50
timentos, o que é bastante improvável, é falso que os leitores se sintam também culpados
e deseperados como Ana. A sentir alguma coisa, é mais provável que os leitores sintam
pena ou compaixão.
De acordo com a teoria expressivista, a expressão também envolve necessariamente
a intencionalidade: o artista transmite intencionalmente sentimentos. Mas há obras de arte
que não se destinavam sequer a ser publicadas, quanto mais a transmitir intencional-
mente sentimentos. As célebres Cartas Portuguesas que a freira Mariana Alcoforado
escreveu para o seu amante francês não se destinavam a ser publicadas; mas são larga-
mente apreciadas pelo seu valor literário. É certo que foram intencionalmente escritas
para serem lidas pelo seu amante. Pretendiam transmitir sentimentos a pelo menos uma
pessoa. Mas podemos perfeitamente imaginar que a freira só pretendia dar asas à sua
imaginação e que esse amante nem sequer existia, guardando para si, no maior dos se-
gredos, o resultado dos seus devaneios amorosos. Se isso tivesse acontecido e o acaso
nos fizesse descobrir as cartas, elas deixariam de ter interesse literário? Não se vê razão
para lhes recusar o estatuto de obra literária. A intencionalidade na transmissão de senti-
mentos não é, pois, uma condição necessária da arte. É perfeitamente possível haver ar-
tistas cujas obras são criadas sem ter em mente qualquer público.
Vimos também que Tolstoi pensa que o artista clarifica emoções, sendo essa outra das
condições necessárias da arte. Mas basta pensar em muita da música actual para vermos
que isso não é verdade. Não acontece com a música punk, que consiste numa libertação
de energia em estado bruto. E o mesmo se pode dizer de muita arte do séc. XX, que tenta
provocar de forma crua e brutal alguns dos sentimentos mais básicos, como a repulsa, a
fúria ou a cólera, chocando propositadamente as pessoas. Portanto, também não é ver-
dade que a clarificação de emoções é uma condição ne-
cessária da arte.
Será que, ao menos, toda a arte exprime sentimen-
tos? Mas nem isso podemos afirmar. Dificilmente pode-
remos dizer que sentimentos exprime a chamada mú-
sica aleatória do compositor americano John Cage. Na
música aleatória, nem o compositor nem os executan-
tes têm qualquer domínio sobre os sons produzidos,
sendo estes fruto do acaso. E também não se pode
dizer que sentimentos exprime muita da arte abstracta
como, por exemplo, a arte minimalista. Além disso, a
maior parte das obras de arte conceptual procura assu-
midamente transmitir ideias, e não sentimentos.
A teoria da arte como expressão, apesar de mais
abrangente do que a teoria da imitação, não é suficien-
John Cage (1912-1992) foi temente abrangente para incluir muitas das obras que
um dos compositores mais
desconcertantes do séc. XX.
são consideradas arte. Porém, muitas obras de arte são
expressivas.
50
39-66 2007.04.01 17:29 Página 51
Revisão
1. O que defendem os partidários da teoria da arte como expressão?
2. Para Tolstoi a arte é uma forma de comunicação. Porquê?
3. O que distingue a comunicação artística de outras formas de comunicação?
4. Uma obra pode, de acordo com Tolstoi, ser arte se o seu autor não for sincero
nos sentimentos que exprime? Porquê?
5. Os artistas provocam de forma intencional nos outros sentimentos que têm,
pensa Tolstoi. Porquê?
6. Os sentimentos do artista têm de ser individualizados. O que significa isto?
7. O artista clarifica as suas próprias emoções. O que significa isto?
8. Apresente um aspecto a favor da teoria da arte como expressão.
9. Apresente um contra-exemplo à teoria da arte como expressão.
Discussão
10. Há obras de arte colectivas (no cinema são quase todas colectivas) e há artis-
tas que produziram as suas obras sob o efeito de drogas e substâncias aluci-
nogéneas. Para os defensores da arte como expressão, os sentimentos que
os artistas transmitem têm de ser individualizados e intencionalmente trans-
mitidos. Poderá isso acontecer nestes casos? Porquê?
Texto 32
51
39-66 2007.04.01 17:29 Página 52
[...]
A arte começa quando alguém com o intuito de unir a si outro ou outros num mesmo
sentimento exprime tal sentimento através de certas indicações externas. [...]
Desde que os espectadores ou ouvintes sejam contagiados pelos mesmos sentimentos
que o autor sentiu, há arte.
[...]
O grau de contágio da arte depende de três condições:
3. Da sinceridade do artista, isto é, da maior ou menor força com que o próprio artista
sente o que é transmitido.
52
39-66 2007.04.01 17:29 Página 53
Interpretação
1. Em que se baseia, segundo Tolstoi, a actividade artística?
2. Por que razão o grau de contágio da arte depende da maior ou menor individua-
lidade do sentimento transmitido?
3. Por que razão o grau de contágio da arte depende da maior ou menor sinceri-
dade do sentimento transmitido?
4. Por que razão o grau de contágio da arte depende da clareza do sentimento
transmitido?
5. Como distingue Tolstoi a verdadeira da falsa arte?
Discussão
6. Acha que existe verdadeira arte e falsa arte? Justifique e dê exemplos.
7. Será que podemos sentir o que os artistas sentem quando criam as suas obras?
Justifique.
8. Haverá alguma razão para nos interessarmos pelos sentimentos individuais
dos artistas? Justifique.
4. Arte e forma
No princípio do séc. XX assistiu-se a uma grande revolução na arte, principalmente na
pintura. Foi a altura em que surgiu a chamada arte moderna. A pintura moderna chega a
opor-se radicalmente à ideia de representação. Representar o mundo exterior era uma
coisa que a fotografia fazia perfeitamente, pelo que alguns pintores acharam que deviam
procurar novos caminhos, que não o da representação. Um dos caminhos foi explorar as
possibilidades de composição, através da organização puramente visual de cores, linhas e
formas. A pintura abstracta começou a impor-se e com ela também a ideia da «pintura pela
pintura», daí resultando um conjunto de obras completamente diferentes do que era ha-
bitual.
A explosão da arte moderna veio, assim, mostrar que a diversidade de obras de arte é
bem maior do que as teorias da imitação e da expressão supunham. Foi neste contexto
que um conhecido crítico e filósofo da arte inglês, Clive Bell (1881-1964), apresentou um
livro intitulado simplesmente Arte, publicado em 1914. Neste livro, Bell defende a chama-
da teoria formalista da arte, a que por vezes também se chama «teoria de Bell-Fry», uma
vez que, além de Bell, o seu amigo, pintor e crítico de arte Roger Fry (1866-1934), foi outro
dos seus principais defensores. A teoria formalista da arte alcançou grande sucesso e veio
53
39-66 2007.04.01 17:29 Página 54
À primeira vista parece que Bell está próximo da ideia de arte como expressão, pois
diz que tudo começa com uma experiência pessoal, a que chama emoção estética. Só
que não haveria qualquer emoção estética se não houvesse na própria obra de arte alguma
característica responsável por tal emoção. Trata-se de uma emoção que não temos a não
ser quando estamos perante obras de arte. Sempre que temos uma emoção estética es-
tamos perante uma obra de arte. As obras de arte provocam em nós emoções estéticas
porque têm uma característica capaz de provocar tais emoções. A questão está, pois, em
saber que característica é essa.
Para o saber temos de ir além da emoção. É preciso, diz Bell, inteligência. Não há com-
preensão estética se não houver sensibilidade, mas também não há compreensão esté-
tica se só houver sensibilidade. Infelizmente, considera Bell, nem sempre a sensibilidade
e a inteligência andam juntas.
E o que deve a inteligência, despertada pela emoção estética, procurar nas obras de
arte? Deve procurar aquela característica comum a todas as obras de arte e que só nelas
existe. Ou seja, trata-se de uma característica individuadora, pois permite distinguir as
54
39-66 2007.04.01 17:29 Página 55
obras de arte das que o não são. Bell diz que identificar essa característica é o mesmo que
identificar a essência das obras de arte; é uma característica que todas têm e que não po-
deriam deixar de ter sem deixarem de ser arte. Essa característica terá de ser simultanea-
mente condição necessária e suficiente da arte. Como vimos, essa característica não pode
ser a representação nem a expressão, pois nenhuma delas é comum a todas as obras de
arte. Que característica é essa, então?
Numa palavra, é a forma. Quando fala da forma, Bell inclui não apenas linhas, mas tam-
bém cores. Não há cores sem forma nem linhas sem cor (o preto e o branco também são
cores). Se pensarmos na pintura – os exemplos de Bell são quase sempre da pintura – a
forma é entendida como «combinação de linhas e cores». Mas também se pode dizer que
a música, por exemplo, tem forma, na medida em que os sons estão temporalmente orga-
nizados de uma determinada maneira.
Só que, poder-se-ia objectar, muitíssimas coisas que não são arte têm forma também.
Contudo, Bell não se refere a uma forma qualquer. Bell pensa que um objecto só é arte se
tiver forma significante. A arte, de acordo com a teoria formalista de Bell, pode definir-se
assim:
Bell fala de forma significante e não simplesmente de forma. Isto porque praticamente
todas as coisas que vemos, como as pedras, as núvens, as cadeiras ou os livros têm for-
ma. No caso da pintura, por exemplo, a forma não é uma qualquer combinação de linhas
e cores, mas uma certa combinação de linhas e cores. Assim, se um objecto tem ou não
forma significante, é uma questão de ver se o objecto se destaca pela sua forma e se é
precisamente a forma que nos chama a atenção para o objecto. A forma significante é,
pois, aquilo que, num objecto, não pode ser alterado, simplificado ou adaptado sem perder
o seu interesse e o seu significado.
Mesmo assim, podemos pensar em coisas que têm forma significante mas que não
são arte. Há placas de sinalização de trânsito cuja forma é significante, pois o seu signi-
ficado depende exclusivamente da sua forma: o seu significado depende de serem trian-
gulares, redondas ou quadradas; se são azuis, vermelhos, etc. Todavia, não são arte. Mas
o formalista alega que há uma diferença importante entre os objectos de arte e as placas
de trânsito: estas têm como principal objectivo informar-nos de algo e não exibir a sua
forma, ao passo que exibir a sua forma é o objectivo primordial dos objectos de arte.
É principalmente com essa finalidade que as obras de arte são concebidas: para exibir a
sua forma.
O formalista pensa que a pintura pode até representar as coisas exteriores, mas
defende que não é por isso que é arte. Analisar esteticamente um quadro é, pensam os
formalistas, realçar a disposição das formas na tela, bem como a relação entre as linhas e
a utilização das cores, de modo a verificar se tudo isso se combina de forma significante.
Mesmo que o quadro represente algo, o que representa é esteticamente irrelevante.
Quaisquer outras finalidades, além da simples exibição da sua forma são, aliás, irrele-
vantes. É por isso que mesmo aqueles que não são religiosos estão em condições de
apreciar esteticamente a música religiosa de Bach. Que uma obra tenha fins religiosos,
morais, políticos ou outros é irrelevante, pensa o formalista.
55
39-66 2007.04.01 17:29 Página 56
Esta teoria parece ter uma enorme vantagem em relação às anteriores: pode incluir
todo o tipo de obras de arte, inclusivamente obras que exemplifiquem formas de arte ainda
por inventar. Desde que provoque emoções estéticas, qualquer objecto é arte, ficando
assim ultrapassado o carácter restritivo das teorias anteriores.
56
39-66 2007.04.01 17:29 Página 57
Revisão
2. Bell pensa que não basta haver emoção estética para se compreender esteti-
camente uma obra de arte. Porquê?
Discussão
10. As caixas de detergentes Brillo não são contra-exemplos à teoria de Bell. Afi-
nal, quando a caixa de Brillo é exposta numa galeria de arte tem a função de
exibir a sua forma, tornando-se deste modo uma obra de arte. Ao passo que
quando é exposta nas prateleiras de um supermercado tem a função de exibir
o detergente, não se tratando assim de uma obra de arte.» Concorda? Por-
quê?
57
39-66 2007.04.01 17:29 Página 58
Texto 33
58
39-66 2007.04.01 17:29 Página 59
admiração, mas não nos emocionam como obras de arte. A esta classe pertence aquilo a que
chamo «Pintura Descritiva» – isto é, pintura em que as formas não são usadas como
objectos de emoção, mas como meios de sugerir emoção ou veicular informação. Retratos
de valor psicológico ou histórico, obras topográficas, quadros que contam histórias e
sugerem situações, ilustrações de todos os tipos, pertencem a esta classe. Que todos
reconhecemos a distinção é evidente, pois quem não disse já que tal e tal desenho era
excelente como ilustração, mas sem valor como obra de arte? Claro que muitos quadros
descritivos têm, entre outras qualidades, significado formal, sendo, por isso, obras de arte;
mas muitos outros não. Eles interessam-nos; podem emocionar-nos também de uma
centena de maneiras diferentes, mas não nos emocionam esteticamente. De acordo com a
minha hipótese, não são obras de arte. Não afectam as nossas emoções estéticas porque não
são as suas formas, mas as ideias ou informação sugeridas ou veiculadas pelas suas formas,
que nos afectam. [...]
Que ninguém pense que a representação é má em si; uma forma realista pode ser tão
significante, enquanto parte do desenho, como uma forma abstracta. Mas se uma forma
figurativa tem valor, é como forma, e não como representação. O elemento figurativo numa
obra de arte pode ou não ser prejudicial; é sempre irrelevante. Pois para apreciar uma obra
de arte não precisamos de nos fazer acompanhar de nada da nossa vida, nem de nenhum
conhecimento das suas ideias e ocupações, nem de qualquer familiaridade com as suas
emoções. A arte transporta-nos do mundo da actividade humana para o mundo da exal-
tação estética. Por um momento, somos afastados dos interesses humanos; as nossas previ-
sões e recordações são aprisionadas; somos elevados acima do fluxo da vida.
Clive Bell, «A Hipótese Estética», 1914, trad. adaptada de Vítor Silva, pp. 28-41
Interpretação
1. Que importância tem, segundo Bell, a descoberta da qualidade comum e pe-
culiar a todos os objectos que provocam emoções estéticas?
3. Por que razão pensa Bell que a chamada «pintura descritiva» não é necessaria-
mente arte?
4. Bell afirma que «para apreciar uma obra de arte não precisamos de nos fazer
acompanhar de nada da nossa vida». Porquê?
59
39-66 2007.04.01 17:29 Página 60
Discussão
5. «Para apreciar uma obra de arte não precisamos de nos fazer acompanhar de
nada da nossa vida». Concorda? Porquê?
6. «O elemento figurativo numa obra de arte é sempre irrelevante». Concorda.
Porquê?
7. Como sabemos se um objecto tem forma significante? Justifique.
8. «Qualquer pessoa concorda que há uma emoção peculiar provocada pelas
obras de arte», diz Bell. Concorda? Porquê?
60
39-66 2007.04.01 17:29 Página 61
Isto significa que pode surgir um novo caso, ainda que apenas imaginado, que exija da
nossa parte uma decisão de alargar o uso do conceito. Por exemplo, antes do artista fran-
cês Marcel Duchamp, o conceito de arte não se aplicava a objectos que não fossem produ-
zidos pelo próprio artista. Os célebres ready-made de Duchamp obrigaram a alargar o con-
ceito de arte, cuja extensão passou a incluir objectos que antes não incluía.
Claro que nem todos os conceitos são abertos; há conceitos fechados. Uma vez que a
arte é inovadora e criativa, tem de admitir novos casos; por isso, o conceito de arte não
pode ser fechado.
Apesar de não haver características comuns a todos os objectos de arte e de este ser
um conceito aberto, não deixamos de saber aplicar o conceito de arte. Weitz defende que
acontece com os objectos de arte o mesmo que entre pessoas da mesma família. Numa
família, o filho pode ter os olhos parecidos com os do pai, o pai ter o nariz parecido com
o da irmã e a irmã ter a boca parecida com a do avô sem, no entanto, haver qualquer pare-
cença entre o filho e a avô. Mesmo não havendo qualquer característica comum a todos
os membros da família, somos capazes de ver que pertencem à mesma família. A esta
rede de parecenças chamava o filósofo austríaco Wittgenstein (1889-1951) parecenças
familiares, noção que Weitz também adoptou.
Com a arte passa-se exactamente a mesma coisa, defende Weitz. Começa-se com
uma obra que todos aceitam como arte, depois surge uma nova candidata a obra de arte
que tem algumas parecenças com a anterior e, por isso, é também classificada como arte.
Seguidamente aparece mais outra candidata que tem certas parecenças com a última;
também ela passa a ser arte. No final temos uma teia de parecenças familiares, mas ne-
nhum conjunto fixo de características comuns a todas. Eis a razão por que sabemos iden-
tificar obras de arte, mesmo sem haver condições necessárias para algo ser arte e, por-
tanto, sem dispormos de qualquer definição de arte.
61
39-66 2007.04.01 17:29 Página 62
3. O filósofo George Dickie defende que a noção de parecença familiar só por si não
permite usar competentemente o conceito de arte. Por um lado, argumenta Dickie,
as simples parecenças não chegam para incluir objectos diferentes na mesma famí-
lia, pois tudo acaba por se parecer com tudo em algum aspecto. Por exemplo, algu-
mas pessoas, apesar de serem muito parecidas, não pertencem à mesma família,
como sucede entre as vulgares caixas de Brillo e a obra de Warhol atrás referida.
Portanto, é preciso algo mais do que simples parecenças. Assim, a noção de pare-
cença familiar parece não ter grande utilidade quando se trata de classificar (ou não
calssificar) algo como arte.
Revisão
1. Por que razão pensa Weitz que as teorias anteriores falharam em definir arte?
2. O que pensa Weitz que devemos fazer em vez de tentar definir a arte?
3. O que é um conceito aberto?
4. Por que razão o conceito de arte é aberto?
5. Segundo Weitz, ainda que não se possa definir o conceito de arte, é possível
aplicá-lo correctamente. Como?
6. Alguns críticos de Weitz alegam que o facto de não encontrarmos proprieda-
des comuns a todos os objectos de arte não mostra que não haja condições
necessárias para um objecto ser arte. Porquê?
7. Exponha a crítica de Dickie à ideia de que aplicamos correctamente o conceito
de arte detectando parecenças familiares.
Discussão
8. Será que, de acordo com a teoria da parecença familiar, uma reprodução
fotográfica em tamanho real de uma pintura famosa é uma obra de arte? Por-
quê?
9. Betsy, uma chimpanzé do Jardim Zoológico de Baltimore, nos Estados Uni-
dos, conseguiu, com algumas tintas e papel que colocaram à sua disposição,
fazer vários produtos a que poderíamos chamar pinturas. Algumas das suas
pinturas foram expostas no Field Museum of Natural History, um museu de
história natural de Chicago. Será que as pinturas de Betsy são arte? Porquê?
10. A arte pode ser definida? Porquê?
62
39-66 2007.04.01 17:29 Página 63
Texto 34
[...]
63
39-66 2007.04.01 17:29 Página 64
O próprio conceito de arte é um conceito aberto. Novas condições (novos casos) surgi-
ram e continuarão certamente a surgir; aparecerão novas formas de arte, novos movimen-
tos, que irão exigir uma decisão por parte dos interessados, normalmente críticos de arte
profissionais, sobre se o conceito deve ou não ser alargado. Os estetas podem estabelecer
condições de similaridade, mas nunca condições necessárias e suficientes para a correcta
aplicação do conceito. Com o conceito arte, as suas condições de aplicação nunca podem
ser exaustivamente enumeradas, uma vez que novos casos podem sempre ser considerados
ou criados pelos artistas, ou mesmo pela natureza, o que exigirá uma decisão por parte de
alguém em alargar ou fechar o velho conceito ou em inventar um novo (por exemplo, «Isto
não é uma escultura, é um mobile.»)
Assim, aquilo que estou a defender é que o próprio carácter expansivo e empreendedor
da arte, as suas sempre presentes mudanças e novas criações, torna logicamente impossível
garantir um qualquer conjunto de propriedades definidoras. É claro que podemos escolher
fechar o conceito. Mas fazer isso com arte ou tragédia ou retrato, etc., é ridículo, uma vez
que exclui as próprias condições de criatividade na arte.
Morris Weitz, «O Papel da Teoria na Estética», 1956, trad. de Célia Teixeira, pp. 3-5
Interpretação
1. Explique em que sentido o conceito de jogo é comparável ao conceito de arte,
segundo Weitz.
2. Como sabemos, segundo Weitz, que um dado objecto faz parte da extensão
do conceito de arte?
4. Por que razão pensa Weitz que não faz sentido fechar o conceito de arte?
Discussão
5. Será que, de acordo com Weitz, tudo pode ser arte? Porquê?
6. Será que pelo facto de um conceito ser aberto, não pode ser definido? Justi-
fique.
64
39-66 2007.04.01 17:29 Página 65
Sim Não
É possível dizer quais as Não há condições necessárias
condições necessárias nem suficientes da arte. Arte é um
e suficientes da arte. conceito aberto. (Morris Weitz)
Estudo complementar
Almeida, Aires e Murcho, Desidério (2006) «Estética» in Textos e Problemas de Filo-
sofia. Lisboa: Plátano, Cap. 5.
D’Orey, Carmo (1999) «Teorias Essencialistas» in A Exemplificação na Arte. Lisboa:
Gulbenkian, Cap. III.
Graham, Gordon (1997), «Definir a Arte», in Filosofia das Artes: Introdução à Esté-
tica. Trad. de Carlos Leone. Lisboa: Edições 70, 2001, Cap. 8.
Hanslick, Eduard (1854) Do Belo Musical. Trad. de Artur Morão. Lisboa: Edições 70,
1994.
Warburton, Nigel (1995) «Pode a Arte ser Definida?», in Elementos Básicos de Filo-
sofia. Trad. de Desidério Murcho. Lisboa: Gradiva, 1998, Cap. 7.
65
39-66 2007.04.01 17:29 Página 66
67-83 2007.04.01 17:31 Página 67
Capítulo 14
A arte: produção e consumo,
comunicação e conhecimento
1. O problema
Secções
A arte ocupa um lugar importante em quase todos os 1. O problema, 67
povos e épocas. Mas o que leva as pessoas de diferentes 2. O valor intrínseco da arte, 68
povos e épocas a produzir e a consumir arte? Como se 3. O valor instrumental da arte, 71
explica que tantos artistas dediquem vidas inteiras a pro-
duzir objectos de arte e que um número ainda maior de
Textos
pessoas estejam dispostas a pagar bem para poder usu-
35. Forma e Beleza, 70
fruir deles? Por que razão a arte é assim tão importante? Oscar Wilde
Da resposta a estas perguntas depende em parte a solu- 36. Arte e Prazer, 78
ção para um dos principais problemas de filosofia da arte: Jeremy Bentham
o problema do valor da arte. Trata-se de saber o que tor- 37. Arte e Progresso Moral, 80
na a arte tão valiosa, a ponto de lhe dedicarmos uma parte Leão Tolstoi
substancial dos nossos recursos e energias. 38. O Valor Cognitivo da Arte, 81
Os filósofos divergem acerca do tipo de valor que os Nelson Goodman
objectos de arte têm. Alguns defendem que o valor da
arte é intrínseco, ao passo que outros defendem, pelo Objectivos
contrário, que é instrumental.
Compreender o problema do valor da arte.
Uma coisa tem valor intrínseco se é valiosa por si. Compreender e avaliar as teorias do valor
instrínseco da arte.
67
67-83 2007.04.01 17:31 Página 68
Esteticismo
Na segunda metade do séc. XIX a ideia da arte
pela arte acabou por ganhar adeptos também nas
Ilhas Britânicas, o mais destacado dos quais foi o
escritor Oscar Wilde (1854-1900). Esta posição pas-
sou então a ser conhecida como esteticismo, pois
os seus partidários enfatizavam a ideia de que o va-
lor das obras de arte dependia exclusivamente das
suas características estéticas internas: a beleza das
suas formas.
Os esteticistas, em geral, argumentam da se-
guinte maneira a favor do valor intrínseco da arte.
Por um lado, se o valor de uma obra de arte depen-
Nabuco (1842), cena da ópera de Giuseppe Verdi
(1813-1901), através da qual o compositor mani-
desse do seu conteúdo ou da mensagem a trans-
festou as suas fortes aspirações políticas naciona- mitir, estaríamos a valorizar não a própria obra mas
listas. Para o esteticista, a mensagem política que a mensagem. Mas, nesse caso, deixaríamos de ter
uma obra de arte eventualmente possa conter é
razões para nos interessarmos pela obra, uma vez
irrelevante para o seu valor artístico.
compreendida a mensagem transmitida. Não é, to-
68
67-83 2007.04.01 17:31 Página 69
davia, isso que acontece, até porque o nosso apego às obras de arte leva-nos a encará-las
como únicas e indispensáveis.
Por outro lado, se a finalidade de uma dada obra de arte puder ser alcançada por outros
meios, então a obra deixa de ser insubstituível. Mas as pessoas em geral consideram
insubstituíveis as obras de arte. Nada pode substituir a leitura de Os Maias, mesmo que
nos expliquem o que Eça de Queirós quis mostrar ao escrever esse romance. Portanto,
Os Maias tem valor intrínseco e só isso permite explicar o seu valor artístico.
Do mesmo modo, alega o esteticista, o facto de diferentes obras de arte terem um
conteúdo idêntico ou de transmitirem a mesma mensagem, não implica que tenham o
mesmo valor artístico. Logo, o seu valor artístico depende das suas características inter-
nas e não de qualquer propósito exterior que possam servir. Além disso, ter valor histórico,
moral, político ou comercial é muito diferente de ter valor artístico, que é o que importa
explicar.
Objecções ao esteticismo
Uma das críticas frequentes ao esteticismo é que se tudo o que conta para o valor
artístico de uma obra são as suas propriedades formais ou a sua estrutura interna, como
alega o esteticista, então uma obra pode ser profundamente imoral
sem perder, por isso, qualquer valor. Oscar Wilde chegou mesmo a
afirmar que toda a arte é imoral – tese conhecida como «decaden-
tismo». Mas isso parece inaceitável, pois as pessoas em geral não
atribuem o mesmo valor a obras dessas, que são frequentemente
repudiadas.
Outra crítica é suscitada pelos termos que muitos críticos de
arte utilizam para avaliar obras de arte. Algumas obras são especial-
mente valorizadas pela sua profundidade ou por serem iluminantes.
Outras são desvalorizadas por serem superficiais, ingénuas ou sen-
timentais. Ora, estes termos referem-se ao conteúdo veiculado por
essas obras e não às suas características formais ou estruturais. Oscar Wilde
Mas se excluirmos estes termos da crítica de arte, ficamos sem sa- (1854-1900).
Esteta, ensaísta
ber como explicar de forma convincente por que razão certas obras e romancista
têm mais valor do que outras. irlandês.
A chamada arte conceptual também levanta problemas ao esteti-
cismo, pois muitas vezes nestas obras os aspectos formais são manifesta e assumida-
mente secundários. Fonte, de Duchamp, é uma das mais célebres obras de arte do séc.
XX (ver imagem, pág. 43). Contudo, as suas características formais são exactamente iguais
às de muitos outros objectos que não têm qualquer valor artístico. Se o esteticista tivesse
razão, todos os urinóis com as mesmas propriedades intrínsecas da Fonte deviam ter valor
artístico. Mas ninguém acha que têm. Logo, o esteticista não tem razão.
69
67-83 2007.04.01 17:31 Página 70
Revisão
1. Formule o problema do valor da arte.
2. Distinga valor intrínseco de valor instrumental e dê um exemplo de cada.
3. Qual é a tese central das teorias autonomistas da arte?
4. Qual é a tese central das teorias instrumentalistas da arte?
5. O que é o esteticismo?
6. Reconstitua o argumento esteticista da indispensabilidade da arte.
7. Reconstitua o argumento esteticista da insubstituibilidade da arte.
8. Reconstitua o argumento esteticista sobre a diferença de valor artístico de
obras com conteúdo idêntico.
9. Explique a crítica ao esteticismo baseada nos termos que os críticos de arte
usam para avaliar obras de arte.
10. Apresente um contra-exemplo ao esteticismo.
Discussão
11. Acha que se o conteúdo de uma obra de arte for imoral, isso lhe retira valor
artístico? Porquê?
12. Concorda com o esteticista? Porquê?
Texto 35
Forma e Beleza
Oscar Wilde
[...] O verdadeiro artista é aquele que passa não do sentimento à forma, mas da forma
ao pensamento e à paixão. Não concebe primeiro uma ideia, dizendo depois para si mesmo
«Vou pôr esta ideia num complexo esquema métrico de catorze versos», mas, conhecendo
a beleza formal do soneto, concebe certos modos musicais e esquemas rimáticos, e é a
forma em si que sugere o que deverá preenchê-la e tornar intelectual e emocionalmente
70
67-83 2007.04.01 17:31 Página 71
completa. De vez em quando o mundo clama contra algum maravilhoso artista poético
porque, para usar uma frase tola e batida, ele «não tem nada a dizer». Mas se tivesse alguma
coisa a dizer provavelmente a diria, e o resultado seria aborrecido. É apenas porque não tem
qualquer mensagem nova que ele é capaz de produzir uma obra bela. Como qualquer outro
artista, adquire inspiração da forma, e unicamente da forma. Uma paixão verdadeira levá-
-lo-ia à ruína. O que acontece na realidade estraga-se para a arte. Toda a má poesia deriva
de um sentimento genuíno.
Interpretação
1. Explique o significado da seguinte afirmação: «O verdadeiro artista é aquele
que passa não do sentimento à forma, mas da forma ao pensamento e à pai-
xão.»
2. Por que pensa Oscar Wilde que é incorrecto acusar um artista por não ter nada
a dizer?
Discussão
3. Concorda que a frase «não tem nada a dizer» acerca do artista é tola? Porquê?
4. «Toda a má poesia deriva de um sentimento genuíno.» Concorda? Porquê?
1. Hedonismo
2. Moralismo
3. Cognitivismo
71
67-83 2007.04.01 17:31 Página 72
Assim, a justificação para o valor da arte encontra-se no prazer que dá. Esta teoria é
chamada hedonismo, pois os hedonistas defendem que a felicidade consiste apenas na
obtenção de prazer.
O raciocínio anterior é válido, mas serão as suas premissas ver-
dadeiras? Comecemos pela segunda premissa: «A arte proporciona
prazer». Para sabermos se é verdadeira precisamos de esclarecer
antes o que se entende exactamente por «prazer». Podemos dizer
que o prazer é aqui tomado no sentido de divertimento. Nesse caso,
a premissa é simplesmente falsa, pois há muita arte que não diverte,
exigindo até esforço e persistência da nossa parte. Por exemplo,
ninguém diria que Empire, um filme de oito horas sem som, de Andy
Warhol, diverte. Nem diríamos que o Requiem, de Mozart, é divertido.
E o mesmo se passa com muitas pinturas, romances, peças de teatro
e filmes que provocam em nós emoções negativas, como a tristeza,
a angústia e o medo.
Fotograma do filme Empire (1964), A primeira premissa também levanta problemas, pois há muitas
de Andy Warhol (1928-87). O filme coisas que divertem, como jogar às cartas ou pregar partidas aos
não tem som, dura oito horas e a amigos, mas que não têm um valor equiparável ao da arte. Há até for-
câmara está sempre parada a fil-
mar o edifício Empire State Build- mas de divertimento às quais em geral nem sequer se reconhece va-
ing de Nova Iorque. Será que este lor. Não deve, pois, ser esse o significado de «prazer».
filme é importante porque propor- Como vimos no Capítulo 9, um hedonista como John Stuart Mill
ciona prazer a quem o vê?
oferece uma perspectiva mais plausível e sofisticada do prazer. Se-
gundo ele, há dois tipos de prazeres: inferiores e superiores. Assim, o
prazer proporcionado pela arte seria um prazer superior. Neste caso, é razoável dizer que
temos prazer ao ouvir o Requiem, ainda que isso não nos divirta. Do mesmo modo, o
prazer de ler um romance triste e pessimista é um prazer intelectual e não sensorial.
Uma vantagem óbvia da teoria hedonista é explicar por que razão as pessoas associam
arte a prazer, procurando mostrar que essa associação é algo mais do que acidental.
Objecções ao hedonismo
O hedonista alega que as pessoas procuram muitas vezes a arte para obter prazer e
que a arte que proporciona mais prazer é geralmente mais valorizada. Mas, mesmo que
seja verdade, isso não mostra que o valor da arte dependa do prazer que dá. Tirar boas
notas nos testes também é algo que geralmente dá prazer, mas não é por dar prazer que
72
67-83 2007.04.01 17:31 Página 73
Revisão
1. Apresente a tese central do hedonismo.
73
67-83 2007.04.01 17:31 Página 74
Discussão
6. «Uma obra de arte dá-me prazer, logo é boa». Concorda? Justifique e dê exem-
plos.
7. Será que podemos ter prazer com obras de arte que nos provocam tristeza ou
medo? Justifique e dê exemplos.
Arte e comunicação
A ideia de que a arte é uma forma de comunicação é muito comum. Muitas pessoas
referem-se à música, por exemplo, como uma espécie de linguagem universal que todos
podem compreender. Contudo, ser uma forma de comunicação não é, por si, uma boa
justificação do valor da arte. Há formas de comunicação às quais não se atribui um valor
tão elevado como o que geralmente se atribui à arte. As
cartas e as mensagens de correio electrónico são formas de
comunicação, mas não é por isso que merecem ser preser-
vadas e expostas em galerias e museus. O que importa é
aquilo que é comunicado. Assim, também não conseguimos
justificar o valor da arte dizendo apenas que é uma forma de
comunicação. Precisamos de mostrar que aquilo que a arte
comunica é algo realmente importante e valioso, merece-
dor de ser apreciado e preservado.
Nesse sentido, alguns filósofos alegam que a arte é uma
maneira de comunicar emoções. Mas, mesmo neste caso,
é ainda preciso mostrar por que razão comunicar emoções
é assim tão valioso. Afinal, também podemos comunicar
emoções através de mensagens de correio electrónico. Por-
tanto, dizer que através da arte se comunicam emoções é
ainda insuficiente para justificar o seu valor.
74
67-83 2007.04.01 17:31 Página 75
as pessoas e as impele a agir de acordo com eles. O que confere valor à arte é o tipo de
sentimentos que o artista exprime, os quais devem contribuir para o progresso e bem-
estar da humanidade. A arte serve, portanto, como elo de ligação e de união entre as
pessoas. Sem arte, o mundo seria moralmente mais pobre, pois as pessoas estariam mais
entregues a si mesmas, sem o sentimento de comunidade necessário ao progresso moral
da sociedade. Assim, a arte cumpre uma das funções mais nobres e elevadas que pode
haver. Daí o seu enorme valor.
É claro que Tolstoi sabia que havia romances e quadros onde não havia qualquer
intenção de transmitir emoções positivas e que não contribuíam para o progresso moral
da humanidade. Mas achava que essas obras não eram arte. Defendia, portanto, que não
havia boa e má arte: toda a arte é boa. Os maus romances e os maus quadros nem sequer
são arte.
Objecções ao moralismo
O moralismo conduz em geral ao seguinte dilema: ou a maior parte das obras de arte
é má, ou a maior parte das obras geralmente classificadas como arte nem sequer é real-
mente arte. Platão defendia a primeira alternativa do dilema: defendia que a maior parte
das obras de arte é má porque, ao imitar as coisas e apelar às emoções, nos afasta da ver-
dade e da razão, podendo mesmo ser perigosa. Tolstoi defendia a segunda alternativa do
dilema.
Mas se, por um lado, a maior parte das obras de
arte é má, não se percebe por que razão a arte em
geral tem valor. E se, por outro lado, a maior parte
das obras nem sequer é arte, então deixamos de
explicar o que queríamos explicar – o valor daquilo
que é geralmente classificado como arte. Em qual-
quer dos casos as consequências são inaceitáveis.
Confrontado com o facto de haver romances,
pinturas e peças musicais sem qualquer conteúdo
moral ou emocional, Tolstoi declara que se trata de
falsas obras de arte, ou de obras de arte falhadas.
Mas isso leva-o a incluir entre elas muitas obras con-
sideradas obras-primas, nomeadamente algumas pe-
ças de Shakespeare, pinturas de Miguel Ângelo,
óperas de Wagner e até os seus próprios romances O Nascimento de Vénus (1843), de Sandro Bot-
Guerra e Paz e Ana Karenina. Ora parece inaceitável ticelli (1445-1510). Será que esta obra-prima da pintura
não reconhecer qualquer valor a obras de arte que ocidental é valiosa porque tem uma função moral?
75
67-83 2007.04.01 17:31 Página 76
Revisão
1. Por que razão dizer que a arte é uma forma de comunicação não é suficiente
para justificar o seu valor?
2. O que é o moralismo?
3. Por que razão os romances imorais, de acordo com Tolstoi, não são arte?
4. Explique a crítica ao moralismo segundo a qual este nos coloca perante um
dilema.
5. Explique a crítica segundo a qual o moralismo de Tolstoi tem consequências
inaceitáveis.
6. Apresente um contra-exemplo ao moralismo.
Discussão
7. «Se um romance contiver ideias imorais, não tem qualquer valor artístico.» Con-
corda? Porquê?
76
67-83 2007.04.01 17:31 Página 77
Objecções ao cognitivismo
A mais importante objecção ao cognitivismo baseia-se no que já foi referido a favor do
esteticismo: se os cognitivistas tivessem razão, as obras de arte não seriam indispensáveis
e insubstituíveis. Por um lado, uma vez visto e aprendido o que têm para nos mostrar e
ensinar, as obras de arte tornar-se-iam dispensáveis. Por outro lado, há com certeza muitas
outras coisas com as quais podemos treinar e desenvolver as nossas capacidades de
percepção, levando-nos a novas formas de ver, ouvir e pensar. É o que acontece quando, por
exemplo, observamos com todo o interesse certos aspectos da natureza, como as subtis
cambiantes de cores das flores na primavera, os tons outonais das folhas e o contraste de
luz e sombra de um bosque, ou a gama de sons produzidos pelos pássaros numa floresta.
Estas experiências seriam, assim, substitutos adequados de muitas obras de arte.
Outra objecção é que muitas obras de arte são concebidas sem ter em vista qualquer
efeito cognitivo e sem pretender desenvolver as nossas capacidades de percepção. Por
exemplo, uma simples e delicada peça de cerâmica pode ser um belo objecto de arte, sem
ter nada realmente importante para nos ensinar.
77
67-83 2007.04.01 17:31 Página 78
Revisão
1. O que é o cognitivismo?
2. Indique uma das principais vantagens do cognitivismo.
3. De acordo com Goodman, em que sentido a arte pode fazer alargar o conheci-
mento?
4. Apresente a crítica da dispensabilidade e substituibilidade das obras de arte
apontada ao cognitivismo.
5. Apresente um possível contra-exemplo ao cognitivismo.
Discussão
6. «Podemos aprender com a arte mesmo sem saber o que aprendemos.» Con-
corda? Justifique.
7. «Dado que há arte, como a música instrumental, que não representa algo, nada
podemos aprender com ela.» Concorda? Justifique.
Texto 36
Arte e Prazer
Jeremy Bentham
Tomadas em conjunto, e consideradas na sua conexão com a felicidade da sociedade, as
artes e ciências podem ser arrumadas em duas divisões: 1) As do divertimento e curio-
sidade; 2) As da utilidade, imediata ou remota. [...]
Por artes e ciências do divertimento entendo as que são vulgarmente chamadas belas
artes, como a música, poesia, pintura, escultura, arquitectura, jardinagem ornamental, etc.
[...]
O hábito força-nos, de certa maneira, a fazer a distinção entre as artes e ciências do
divertimento e as da curiosidade. Não é, contudo, adequado olhar para as primeiras como
destituídas de utilidade; pelo contrário, nada há cuja utilidade seja mais incontestada. Ao
que há-de atribuir-se o carácter de utilidade, senão ao que é fonte de prazer? Tudo o que se
pode alegar para diminuir a sua utilidade é que se limitam à excitação do prazer: não
dispersam as núvens da tristeza e do infortúnio. São inúteis para aqueles que não estão
satisfeitos com elas; são úteis apenas para aqueles que retiram prazer delas, e só na medida
da satisfação que retiram.
78
67-83 2007.04.01 17:31 Página 79
Por artes e ciências da curiosidade entendo as que na verdade são aprazíveis, mas não
no mesmo grau que as belas artes, e às quais poderíamos à primeira vista ser tentados a
negar essa qualidade. Não é que estas artes e ciências da curiosidade não proporcionem
tanto prazer aos que as cultivam como as belas artes; mas o número daqueles que as estu-
dam é mais limitado. Desta natureza são as ciências da heráldica, das
medalhas, da pura cronologia, o conhecimento das línguas antigas e bár-
baras, as quais apenas apresentam colecções de palavras estranhas, e o estu-
do de antiguidades, já que não fornecem qualquer ensinamento aplicável à
moralidade. [...]
A utilidade de todas estas artes e ciências – falo tanto das do divertimento
como das da curiosidade –, o valor que têm, é exactamente proporcional ao
prazer que oferecem. Qualquer outra espécie de superioridade que se possa
tentar estabelecer entre elas é completamente fantasiosa. Preconceitos à
parte, o jogo das paciências tem igual valor ao das artes e ciências da música
e poesia. Se o jogo das paciências proporciona mais prazer, é mais valioso do
Jeremy Bentham
que qualquer das duas. [...] Se a poesia e a música merecem ser preferidas ao (1748-1832). Filósofo e
jogo das paciências, tem de ser porque estão concebidas de modo a agradar jurista inglês, fundador
do utilitarismo.
aos indivíduos a quem é mais difícil agradar. [...]
Assim é a espécie de utilidade que se encontra indiscriminadamente em todas as artes e
ciências. Fosse esta a única razão, seria razão suficiente para desejar vê-las florescer e rece-
ber a mais ampla difusão.
Jeremy Bentham, «A Recompensa Aplicada à Arte e à Ciência», 1825, trad. de Aires Almeida, pp. 149-151
Interpretação
1. Em que consiste, segundo Bentham, a utilidade das artes e ciências do diverti-
mento?
2. Por que diz Bentham que as artes e ciências da curiosidade não são aprazíveis
no mesmo grau que as belas artes?
3. Que justificação pode haver, segundo Bentham, para preferir a música e a poe-
sia ao jogo das paciências?
Discussão
4. «O jogo das paciências tem igual valor ao das artes e ciências da música e poe-
sia.» Concorda? Justifique.
5. «Se a arte dá prazer, então é útil. Se é útil, então tem valor. A arte dá prazer.
Logo, a arte tem valor.» Acha este argumento bom? Porquê?
79
67-83 2007.04.01 17:31 Página 80
Texto 37
Interpretação
1. Tolstoi diz que «a arte é um dos meios de as pessoas se relacionarem». Que
tipo de relação é essa e qual a sua função?
3. No último parágrafo Tolstoi indica várias coisas que a arte não é. Quais são as
teorias do valor da arte estudadas a que Tolstoi se refere?
80
67-83 2007.04.01 17:31 Página 81
Discussão
4. «A arte é um meio de união entre as pessoas.» Concorda? Porquê?
Texto 38
Contextualização
• Goodman defende que a arte é uma das formas de simbolização, pelo que toda
a arte é simbolização.
Interpretação
1. Qual é, segundo Goodman, o objectivo principal da simbolização?
2. Em que consiste na prática a função cognitiva da simbolização?
81
67-83 2007.04.01 17:31 Página 82
Discussão
3. O que conhecemos através da arte sente-se «nos ossos, nervos e músculos»,
diz Goodman. Acha que podemos chamar conhecimento a isso? Porquê?
4. A comunicação é secundária na simbolização da arte. Concorda? Porquê?
Estudo complementar
Goodman, Nelson (1968) «A Arte e a Compreensão» in Linguagens da Arte: Uma
Abordagem a Uma Teoria dos Símbolos. Trad. de Vitor Moura et al. Lisboa: Gradiva,
2006, Cap. III.
Graham, Gordon (1997) Filosofia das Artes: Introdução à Estética. Trad. de Carlos
Leone. Lisboa: Edições 70, 2001, Caps. 1-3.
Wilde, Oscar (1891) Intenções: Quatro Ensaios Sobre Estética. Trad. de António
Feijó. Lisboa: Cotovia, 1992.
@ Taylor, Paul (1998) «Arte e Verdade». Trad. de Paulo Sousa. Crítica, 2004,
http://www.criticanarede.com/html/arteeverdade.html.
82
67-83 2007.04.01 17:31 Página 83
83