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Ética e Moral - Uma Distinção Indistinta

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Ética e moral: uma distinção indistinta

Ética e moral: Uma distinção indistinta (Desidério Murcho)


A pretensa distinção entre a ética e a moral é intrinsecamente confusa e não tem qualquer
utilidade. A pretensa distinção seria a seguinte: a ética seria uma reflexão filosófica sobre a moral. A
moral seria os costumes, os hábitos, os comportamentos dos seres humanos, as regras de
comportamento adotadas pelas comunidades. Antes de vermos por que razão esta distinção resulta
de confusão, perguntemo-nos: que ganhamos com ela?
Em primeiro lugar, não ganhamos uma compreensão clara das três áreas da ética: a ética
aplicada, a ética normativa e a metaética. A ética aplicada trata de problemas práticos da ética, como
o aborto ou a eutanásia, os direitos dos animais, ou a igualdade. A ética normativa trata de
estabelecer, com fundamentação filosófica, regras ou códigos de comportamento ético, isto é, teorias
éticas de primeira ordem. A metaética é uma reflexão sobre a natureza da própria ética: Será a ética
objetiva, ou subjetiva? Será relativa à cultura ou à história, ou não?
Em segundo lugar, não ganhamos qualquer compreensão da natureza da reflexão filosófica
sobre a ética. Não ficamos a saber que tipo de problemas constitui o objeto de estudo da ética. Nem
ficamos a saber muito bem o que é a moral.
Em conclusão, nada ganhamos com esta pretensa distinção.
Mas, pior, trata-se de uma distinção indistinta, algo que é indefensável e que resulta de uma
confusão. O comportamento dos seres humanos é multifacetado; nós fazemos várias coisas e temos
vários costumes e nem todas as coisas que fazemos pertencem ao domínio da ética, porque nem
todas têm significado ético. É por isso que é impossível determinar à partida que comportamentos
seriam os comportamentos morais, dos quais se ocuparia a reflexão ética, e que comportamentos
não constituem tal coisa. Fazer a distinção entre ética e moral supõe que podemos determinar, sem
qualquer reflexão ou conceitos éticos prévios, quais dos nossos comportamentos pertencem ao
domínio da moral e quais terão de ficar de fora. Mas isso é impossível de fazer, pelo que a distinção
é confusa e na prática indistinta.
Vejamos um caso concreto: observamos uma comunidade que tem como regra de
comportamento descalçar os sapatos quando vai para o jardim. Isso é um comportamento moral
sobre o qual valha a pena refletir eticamente? Como podemos saber? Não podemos. Só podemos
determinar se esse comportamento é moral ou não quando já estamos a pensar em termos morais. A
idéia de que primeiro há comportamentos morais e que depois vem o filósofo armado de uma palavra
mágica, a "ética", é uma fantasia. As pessoas agem e refletem sobre os seus comportamentos e
consideram que determinados comportamentos são amorais, isto é, estão fora do domínio ético,
como pregar pregos, e que outros comportamentos são morais, isto é, são comportamentos com
relevância moral, como fazer abortos. E essas práticas e reflexões não estão magicamente
separadas da reflexão filosófica. A reflexão filosófica é a continuação dessas reflexões.
Evidentemente, tanto podemos usar as palavras "ética" e "moral" como sinônimas, como
podemos usá-las como não sinônimas. É irrelevante. O importante é saber do que estamos a falar se
as usarmos como sinônimas e do que estamos a falar quando não as usamos como sinônimas. O
problema didático, que provoca dificuldades a muitos estudantes, é que geralmente os autores que
fazem a distinção entre moral e ética não conseguem, estranhamente, explicar bem qual é a
diferença — além de dizer coisas vagas como "a ética é mais filosófica".
Se quisermos usar as palavras "moral" e "ética" como não sinônimas, estaremos a usar o
termo "moral" unicamente para falar dos costumes e códigos de conduta culturais, religiosos, etc.,
que as pessoas têm. Assim, para um católico é imoral tomar a pílula ou fazer um aborto, tal como
para um muçulmano é imoral uma mulher mostrar a cara em público, para não falar nas pernas.
Deste ponto de vista, a "moral" não tem qualquer conteúdo filosófico; é apenas o que as pessoas
efetivamente fazem e pensam. A ética, pelo contrário, deste ponto de vista, é a disciplina que analisa
esses comportamentos e crenças, para determinar se eles são ou não aceitáveis filosoficamente.
Assim, pode dar-se o caso que mostrar a cara em público seja imoral, apesar de não ser contrário à
ética; pode até dar-se o caso de ser antiético defender que é imoral mostrar a cara em público e
proibir as mulheres de fazê-lo.
O problema desta terminologia é que quem quer que tenha a experiência de escrever sobre
assuntos éticos, percebe que ficamos rapidamente sem vocabulário. Como se viu acima, tive de
escrever "antiético", porque não podia dizer "imoral". O nosso discurso fica assim mais contorcido e
menos direto e claro. Quando se considera que "ética" e "moral" são termos sinônimos (e
etimologicamente são sinônimos, porque são a tradução latina e grega uma da outra), resolve-se as
coisas de maneira muito mais simples. Continuamos a fazer a distinção entre os comportamentos
das pessoas e as suas crenças morais, mas não temos de introduzir o artificialismo de dizer que
essas crenças morais, enquanto crenças morais, estão corretas, mas enquanto preferências éticas
podem estar erradas. Isto só confunde as coisas. É muito mais fácil dizer que quem pensa que
mostrar a cara é imoral está pura e simplesmente enganado, e está a confundir o que é um costume
religioso ou cultural com o que é defensável. Peter Singer, James Rachels, Thomas Nagel, e tantos
outros filósofos centrais, usam os termos "ética" e "moral" como sinônimos. Para falar dos costumes
e códigos religiosos, temos precisamente estas expressões muito mais esclarecedoras: "costumes" e
"códigos religiosos".
(Desidério Murcho. In: www.criticanarede.com. Copyright © 1997–2005 criticanarede.com.
ISSN 1749-8457)

QUESTÕES

1- Qual seria a pretensa distinção entre ética e moral? Ela é adequada? Justifique sua resposta.

2 - Quais são as três áreas da ética? Qual ganho de compreensão temos dessas três áreas quando
distinguimos ética de moral?

3- Por que a distinção entre ética e moral é uma distinção indistinta? Dê um exemplo.

4 - Dê algum exemplo de aplicação em que a ética e a moral são distintas.

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