Almerindo Afonso
Almerindo Afonso
Almerindo Afonso
* Este texto surgiu na sequência do convite que me foi dirigido para participar, em dezem-
bro de 2009, em Campinas, no II Seminário Brasileiro de Educação – “Os desafios con-
temporâneos para a educação brasileira e os processos de regulação”. Nesta ocasião, em que
foram comemorados os 30 anos de existência do Centro de Estudos Educação e Sociedade
(CEDES ), pude aproveitar de momentos muito ricos de aprendizagem e de convívio pessoal
e intelectual com renomados colegas brasileiros e estrangeiros. Por estas e outras razões, sou
grato ao CEDES e seu colegiado, não podendo deixar de referir, de modo particular, o traba-
lho decisivo, expressivo e militante da profª Ivany Pino, tanto na coordenação deste im-
portante projecto institucional, como da prestigiada revista Educação & Sociedade.
** Doutor em Sociologia da Educação e membro do Centro de Investigação em Educação
(CIEd) da Universidade do Minho (Portugal). E-mail: ajafonso@ie.uminho.pt
Notas
1. É no século XIX “que o capitalismo se torna no modo de produção dominante nos países
centrais e que a burguesia emerge como classe hegemónica. Daí para a frente, o paradigma
da modernidade fica associado ao desenvolvimento do capitalismo” (Santos, 2000, p.
129).
2. Sigo aqui de perto a concepção de Boaventura de Sousa Santos que, em diferentes traba-
lhos, tem relacionado os princípios do Estado, do mercado e da comunidade com o pilar
da regulação.
3. Como escreve Norberto Bobbio (1990, p. 33), “Na linguagem política de hoje, a expres-
são ‘sociedade civil’ é geralmente empregada como um dos termos da grande dicotomia so-
ciedade civil/Estado (...). Negativamente, por ‘sociedade civil’ entende-se a esfera das re-
lações sociais não reguladas pelo Estado”.
4. Evidentemente, estas afirmações são genéricas porque há especificidades que só podem ser
atendidas e consideradas numa análise mais aprofundada e num período histórico mais
longo.
5. Mas, se há uma concepção neoliberal de sociedade civil que se confunde com o terceiro sec-
tor e que pode, também por isso, ser posta em questão (cf. Montaño, 2002), há também
outras concepções que sugerem alternativas de revalorização desse mesmo terceiro sector, no
sentido de ser possível, em determinadas condições, a “reinvenção solidária e participativa
do Estado” (Santos, 2006, p. 317-349).
6. E concluem: “En vez de defender la clase de iniciativas de vuela a la regulación de arriba
abajo que simplesmente reinstalan la hegemonía financiera, lo que se necesita es sondear –
intelectual, cultural, así como políticamente – si esta crisis podría proporcionar una
oportunidad de renovación del tipo de perspectiva radical que anticipa una alternativa
sistémica al capitalismo global” (Panitch & Konings, 2009, p. 78).
7. De acordo com Clive Belfield e Henry Levin, a “privatização educativa” (em sentido am-
plo) pode ser feita utilizando uma ou mais das seguintes estratégias: aumento da partici-
pação de operadores privados, aumento do financiamento directo por parte dos usuários,
e aumento do controlo e da escolha das escolas pelos pais. Através destas medidas, em vez
da privatização total, ocorre antes a criação de um “semimercado”, em que a competição en-
tre o público e o privado não é motivada pelo lucro, sendo instrumentos deste
semimercado os cheques-ensino (vouchers) ou outras formas de financiamento, a
desregulamentação da escola pública, a contratação de serviços específicos, não directamente
educativos, de organizações privadas (serviço de cantinas, limpeza, segurança, transportes
ou mesmo a gestão), bem como os benefícios fiscais e subsídios às famílias e a atribuição
de bolsas para a frequência de escolas privadas, entre muitas outras estratégias possíveis (cf.
Belfield & Levin, 2004).
8. A afirmação é inspirada em Dale (1995, p. 140-141), quando refere que “o termo mer-
cado é muito mais conotativo do que denotativo”, uma vez que, no contexto político anali-
sado por este autor, ele “opera como uma metáfora ou slogan mais do que um guia explí-
cito e detalhado de ação”. Por analogia, parece-me que a observação é também válida, em
determinadas situações, no que diz respeito ao quase-mercado.
9. Tendo como referência um trabalho de pesquisa, desenvolvido no Rio de Janeiro, cujo ob-
jecto é a “disputa por escolas públicas que não poderiam ser caracterizadas como ‘de elite’
ou ‘de excelência’”, Marco Costa e Mariane Koslinski escrevem: “Entre os amplos segmen-
tos da população desprovida de meios de acesso a essas escolas de elites, podemos encon-
trar renhidas lutas pela oportunidade de aceder a uma oferta escolar considerada de quali-
dade superior às demais dentre o espectro das que é plausível aspirar”. E continuam:
“Nossa pesquisa se dedica a investigar os processos de escolha e de acesso escolar em um
contexto que denominamos ‘quase-mercado oculto’. Isto é, pretende observar o caso brasi-
leiro – em contraste com locais onde há políticas deliberadas de escolha escolar – e, frente
à ausência de regulação, os mecanismos de segmentação que se manifestem em meio à
complexa hierarquia escolar existente nas redes ‘comuns’. Suspeitamos que, em nosso
caso, o silêncio e a quase ausência de regras para a disputa por vagas nas escolas que aten-
dem à imensa maioria da população promovem a desigualdade de oportunidades escola-
res de forma mais severa que a criticada pelos opositores de políticas de school choice. En-
fim, o processo parece acentuar características promotoras de desigualdade social, ampli-
ando as chances de quem já desfruta de algum benefício, frequentemente associado ao
patrimônio de relações sociais” (Costa & Koslinski, 2009, p. 2).
10. Uma das primeiras propostas de análise das mudanças nas políticas públicas, a partir do
conceito de quase-mercado, encontra-se no muito referenciado trabalho de Julian Le Grand
(1991).
11. Parecendo justamente incluir tanto a possibilidade do mercado, como a possibilidade do
quase-mercado, Barroso e Viseu (2003, p. 899) advertem: “(...) as forças e os interesses
em presença no processo de definição, coordenação e execução das políticas e acção
educativas são muito mais amplos e diversificados do que a dicotomia Estado-mercado
abrange (...). Na verdade, se a ‘livre-escolha’ da escola é um dos instrumentos mais po-
derosos para a criação de um mercado educativo (...) o certo é que há lógicas de interacção
e escolha que não se inserem, necessariamente, num modelo concorrencial de mercado”.
12. Como escreve Martins (2009), a gestão e promoção da imagem da escola pode ser uma
forma de substituir (ou de neutralizar) a consequência dos rankings, mantendo igualmen-
te, por este processo, a indução de efeitos de quase-mercado nas escolas públicas, mesmo
naquelas onde os próprios resultados dos alunos não são tão favoráveis como seria desejá-
vel. Por outro lado, no estudo de Antunes e Sá (2010, p. 141), “A publicitação de diver-
sas ‘ligas’ nacionais de escolas [rankings] constitui uma pressão adicional, face à qual as es-
colas, segundo os seus responsáveis, mobilizam parte dos seus recursos materiais e sim-
bólicos para alimentar uma imagem favorável e o marketing capaz de a potenciar”.
13. Este autor refere ainda a utilização crescente de uma “combinação de instituições estatais e/
ou privadas” através das quais os pais – “ser pai ou mãe é uma tarefa cada vez mais difícil,
exigente e profissionalizada” – viabilizam o acesso dos filhos a complementos educativos
pagos, serviços de consulta e acompanhamento psicológico, actividades de desenvolvimen-
to físico, frequência e acompanhamento de diferentes actividades de lazer e tempos livres,
entre muitas outras. O aumento da procura destas actividades não-formais, para além dos
tempos normais de escolarização, dentro ou fora da escola, tem vindo a acontecer também
em Portugal, de forma mais notória nos últimos anos. A este propósito, ver, por exemplo,
Palhares (2009).
14. Para um excelente trabalho sociológico sobre este tema – que reúne, em capítulos de auto-
ria diversa, algumas das dimensões mais expressivas sobre o fenómeno das explicações em
Portugal e noutros países –, ver Costa, Neto-Mendes e Ventura (2008).
15. Para uma abordagem de alguns dos traços mais marcantes do neoliberalismo na educação,
ver, por exemplo, Silva (2007).
16. Como refere Siqueira (2004, p. 145-146), “Os países mais ricos, com a maioria da po-
pulação escolarizada, uma taxa de natalidade decrescente e amplos sistemas educacionais
em funcionamento, estão se apresentando como um mercado restrito para a atuação de em-
presas no setor educacional. Por outro lado, os países em desenvolvimento – onde hoje se
encontra a maior parte da população em idade escolar e, portanto, onde há uma grande de-
manda potencial para a oferta de ensino nos vários níveis – são os alvos privilegiados des-
sa busca dos grupos empresariais por novos mercados”.
17. Como diz Ball (2004, p. 1121), “a privatização e mercantilização do setor público são
cada vez mais complexas e totalizadoras e ambas fazem parte de um acordo de política glo-
bal”. Para um leitura mais densa sobre estas questões, ver ainda Ball (2007).
Referências