JFD e NB - Arguido e Defensor 2020
JFD e NB - Arguido e Defensor 2020
JFD e NB - Arguido e Defensor 2020
NUNO BRANDÃO
Coimbra
2020
2
Este estudo toma por base o 2.º Capítulo (“O arguido e o seu defensor”) da Parte II (“Os
Sujeitos Processuais”) da obra Direito Processual Penal publicada pelo primeiro
subscritor em 1974, aqui revisto e atualizado pelo segundo subscritor.
NUNO BRANDÃO
3
ÍNDICE
ABREVIATURAS ............................................................................................................................. 4
III. O direito ao respeito pela decisão de vontade do arguido (em especial, o direito à
não autoincriminação) ............................................................................................... 38
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................. 77
4
ABREVIATURAS
Pertencem ao CPP os preceitos legais indicados em texto sem menção expressa do diploma a que se referem.
5
PARTE I
O ARGUIDO
6
§ 1. CONCEITO E TERMINOLOGIA
1
Diversamente do Código anterior, que, no art. 251.º, definia arguido como “aquele sobre quem recaia
forte suspeita de ter perpetrado uma infração, cuja existência esteja suficientemente comprovada” – cf.
FIGUEIREDO DIAS, DPP, 1974, p. 425 e ss.
7
2. O sistema da nossa lei actual dá ensejo a que se distinga o arguido – tal como
acaba de ser juridicamente caracterizado – do simplesmente suspeito, ou seja, de “toda a
pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um
crime, ou que nele participou ou se prepara para participar” (art. 1.º, e)); numa indiciação,
em todo o caso, sem força bastante para que possa considerar-se que sobre tal pessoa recai
já uma suspeita fundada, nos termos previstos pelos arts. 58.º/1/a) e 59.º/2. De todo modo,
não se pode deixar de assinalar que o n.º 2 do art. 59.º permite ao simples suspeito requerer
que passe a ser tratado, no processo, como verdadeiro arguido; a ideia aqui latente – a de
assim obviar a que, através de uma recusa ou demora na formal constituição de arguido,
se encurtem ilegitimamente os direitos e as garantias que devem ser dados materialmente
a quem vê dirigir-se contra si um processo penal – merece incondicional aplauso.
2
JOSÉ ANTÓNIO BARREIROS, “O arguido detido e o seu interrogatório”, in: Liber Discipulorum para
Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora 2003, p. 1273 ss.
3
Cf. MARQUES DA SILVA, I2, p. 304, nota 2.
4
Cf. FIGUEIREDO DIAS, DPP, 1974, p. 58 e ss.
8
Assim se compreende que – dentro dos limites consentidos pelo primitivismo das
instituições processuais penais – o estatuto do arguido no nosso direito processual penal
do tempo da reconquista lhe fosse favorável, até ao ponto de permitir a Dias da Silva6
afirmar que neste período “a autoridade defendia menos os particulares contra os
delinquentes, do que os delinquentes contra os particulares ofendidos”.
Foi intenção primacial das reformas processuais do séc. XIX, operadas sob o
influxo das ideias revolucionárias, ligar a investigação da verdade material aos
pressupostos do Estado de Direito, limitando-a assim pela observância escrupulosa dos
5
No sentido preciso das considerações que se seguem, HENKEL2 § 38 II.
6
MANUEL DIAS DA SILVA, Estudo sobre a Responsabilidade Civil Connexa com a Criminal, I,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1886, p. 51.
7
Sobre tudo isto pode ler-se ANTÓNIO JOSÉ SARAIVA, Inquisição e Cristãos-Novos, Editorial Inova,
1969, III (esp. p. 108 ss.: “o processo inquisitorial e o processo comum”).
8
Cf. as Notícias reconditas do modo de proceder da Inquisição com os seus presos (ca. de 1673),
referidas em A. J. SARAIVA, cit., p. 107. Para uma caracterização paralela da situação do arguido no
processo inquisitório, CAVALEIRO DE FERREIRA, I, p. 143 s.
9
2. Afirmar-se pois, como agora se afirma, que o arguido é sujeito e não objeto do
processo significa, em geral, ter de se assegurar àquele uma posição jurídica que lhe
permita uma participação constitutiva na declaração do direito do caso concreto, através
9
FIGUEIREDO DIAS, DPP, 1988, p. 199 e ss.
10
Assim, logo JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, “La protection des Droits de L'Homme dans la procedure
penale portugaise”, BMJ, n.º 291, 1979, p. 167, e agora, pela generalidade da doutrina nacional, MARQUES
DA SILVA / HENRIQUE SALINAS, Constituição Portuguesa Anotada, I2, Art. 32.º, XVII.
11
Lapidar, o Ac. do TRP de 25-02-2009 (Proc. n.º 0846910): “Sem desconsiderar, em absoluto, no
caso, a posição processual do arguido, o Ministério Público, na 1.ª instância, não pode presumir que os
esclarecimentos que o arguido pudesse vir a pedir ou a nova perícia que pudesse vir a requerer seriam
irrelevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa. Na posição “fechada” de se ater à
acusação deduzida, no desprezo dos contributos que, em resultado da iniciativa do arguido, pudessem
chegar ao processo, o Ministério Público, na 1.ª instância, deixou de ter em atenção que, na sua atuação, se
deve orientar por critérios de legalidade e objetividade, sempre visando a descoberta da verdade e a
realização do direito”.
10
Não quer isto dizer que o arguido não possa, em termos demarcados pela lei por
forma estrita e expressa, ser objeto de medidas coativas e constituir, ele próprio, um meio
de prova12. Quer dizer, sim, que as medidas coativas e probatórias que sobre ele se
exerçam não poderão nunca dirigir-se à extorsão de declarações ou de qualquer forma de
autoincriminação, e que, pelo contrário, todos os atos processuais do arguido deverão
ser expressão da sua livre personalidade.
12
ROXIN / SCHÜNEMANN, Strafverfahrensrecht28, § 25, 1.
13
É neste sentido, claramente, que deve tomar-se a igualdade referida, e já não no de igualdade
concreta de toda e qualquer manifestação do direito de defesa, que pode efetivamente (e legitimamente)
variar consoante o particular condicionalismo processual de que se revista a posição do arguido — v. g.
estar presente ou ausente, ser imputável ou inimputável, ser ou não surdo-mudo, etc.
14
JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, “Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal”,
in: CEJ (org.), Jornadas de Direito Processual Penal: o Novo Código de Processo Penal, Coimbra,
Almedina, 1988, p. 26 e ss., e agora também MARIA JOÃO ANTUNES, DPP2, p. 39 e ss.
11
15
Em termos semelhantes, PAULO DÁ MESQUITA, Comentário Judiciário do CPP, I, Art. 58.º, § 10.
Em direção contrária, JOSÉ LOBO MOUTINHO, Arguido e Imputado no Processo Penal Português, Univ.
Católica Editora, 2000, p. 64 e ss.
12
seu se, como também em relação ao seu quando: verificado o circunstancialismo de que
depende a sua concretização, ela deve ter imediatamente lugar (cf. o proémio do n.º 1 do
art. 58.º: “é obrigatória a constituição de arguido logo que”).
O CPP prevê três vias através das quais um suspeito adquirirá a qualidade de
arguido no processo: de forma automática, ope legis, no caso de ser visado por uma
acusação ou por um requerimento de abertura da instrução (art. 57.º/1); por decisão de
uma autoridade judiciária ou de um órgão de polícia criminal, legalmente imposta no caso
de se verificarem determinadas circunstâncias (arts. 58.º/1 e 59.º/1); e a pedido do próprio
suspeito (art. 59.º/2). Fora destes casos, não haverá razão nem base legal para que alguém
seja constituído arguido no processo.
I. Constituição de arguido
16
Exigência introduzida na revisão de 1998 do CPP e revista em 2007, impondo-se, desde então, que
“correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime
é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la”.
17
LOBO MOUTINHO, Arguido e Imputado no Processo Penal Português, p. 53.
13
asseguramento efetivo dos direitos de defesa que cabem ao arguido. Em tais situações,
sobreleva o risco de uma autoincriminação inadvertida ou enganosamente induzida.
Consciente desse risco, o legislador fulmina com uma terminante proibição de prova as
declarações prestadas pelo suspeito que não foi constituído arguido quando o deveria ter
sido ou que, embora constituído arguido, não tenha sido devidamente informado dos
direitos e deveres processuais inerentes a essa qualidade (art. 58.º/5)18. Proibição de prova
esta que é reveladora de que a proteção do princípio da proibição da autoincriminação,
em especial na sua vertente do direito ao silêncio, é uma preocupação central nesta
matéria e que confirma que o regime legal de constituição de arguido se encontra em larga
medida teleologicamente conformado em função de um propósito de tutela dessa garantia
fundamental.
18
Nesta direção, no domínio do CPP de 1929, já FIGUEIREDO DIAS, DPP, 1974, p. 446 e ss., e no
quadro atual, MANUEL DA COSTA ANDRADE, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra
Editora, 1992, pp. 88 e s. e 126, PINTO DE ALBUQUERQUE, CPP4, Art. 58.º, 12., HENRIQUES GASPAR, CPP
Comentado, Art. 58.º, 2., PAULO DÁ MESQUITA, Comentário Judiciário do CPP, I, Art. 58.º, § 26 e ss., e
SANDRA OLIVEIRA E SILVA, O Arguido como Meio de Prova contra si mesmo, Almedina, 2018, p. 362 e ss.
E na jurisprudência, v. g., o Ac. do STJ de 04.01.2007 (Proc. n.º 3111/06).
14
Visa-se, por esta forma, viabilizar e garantir uma efetiva liberdade de declaração
da pessoa contra quem o processo corre: quer a liberdade positiva, isto é, de prestar
declarações sobre os factos objeto do processo; quer a liberdade negativa, isto é, de, pura
e simplesmente, não falar sobre eles. Uma vez constituído arguido, o visado deverá ser
informado dos factos que lhe são imputados antes de ser interrogado sobre eles (arts.
61.º/1/c) e 141.º/4/d), aplicáveis aos vários tipos de interrogatórios que podem ter lugar
durante o inquérito) e, em regra, deverá poder consultar o processo (arts. 86.º/1, 86.º/6/c)
e 89.º/1). Decorrendo o interrogatório perante uma autoridade judiciária, será obrigatória
a assistência do defensor (art. 64.º/1/b)); e decorrendo perante um órgão de polícia
criminal, não estando o arguido detido, deverá ser informado, antes de iniciado o
interrogatório, de que tem o direito a ser assistido por advogado (art. 144.º/4). Tudo o
que, naturalmente, favorecerá um exercício informado e esclarecido da sua liberdade de
declaração, positiva e negativa.
19
PEDRO CAEIRO, “Legalidade e oportunidade: a perseguição penal entre o mito da «justiça absoluta»
e o fetiche da «gestão eficiente» do sistema”, RMP, n.º 84, 2000, p. 32.
20
GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, CRP Anotada4, I, Art. 32.º, IV.
21
JORGE DE FIGUEIREDO DIAS / NUNO BRANDÃO, Sujeitos Processuais Penais: o Tribunal, FDUC,
2015, p. 55 e ss.
15
2.2 O art. 58.º/1/a) vale também ainda fora de um ambiente formal de tomada de
declarações em sede de interrogatório. Pode suceder que, logo numa fase embrionária da
investigação, sejam recolhidos elementos e informações que, objetivamente, permitam
formar um juízo de suspeita fundada da prática de crime por pessoa determinada. Em tais
situações, quando haja uma abordagem, mesmo que informal, a tal pessoa, com vista a
averiguar uma sua eventual participação nos factos sob averiguação, por parte de quem
materialmente conduz a investigação, deverá a indagação que se pretenda realizar com a
sua colaboração ser precedida da sua constituição como arguido24. Só deste modo se
garante que a cooperação eventualmente recebida do investigado representa um exercício
esclarecido da sua liberdade de declaração e uma expressão real do seu direito de
autodeterminação pessoal. Recaindo suspeita sobre pessoa determinada, vale aqui um
22
JORGE DE FIGUEIREDO DIAS / NUNO BRANDÃO, “Uma instrução inadmissível”, RPCC, 2009, p. 666
e ss.
NUNO BRANDÃO, “Colaboração probatória no sistema penal português: prémios penais e
23
25
Ac. do BGH de 28.02.1997 e KLAUS ROGALL, “Vernehmung eines Beschuldigten als Zeugen”,
NStZ, 1997, p. 399.
26
ROXIN / SCHÜNEMANN, Strafverfahrensrecht28, § 25, 11.
27
A situação ora em consideração distingue-se das chamadas conversas informais, nas quais estão em
causa informações recolhidas por órgãos de polícia criminal através de conversas travadas, num ambiente
de informalidade, com aquele que já foi formalmente constituído arguido. Pronunciando-se, com razão,
pela inadmissibilidade da utilização de tais informações como prova, pela generalidade da doutrina e
jurisprudência, respetivamente, J. M. DAMIÃO DA CUNHA, “O regime processual de leitura de declarações
na audiência de julgamento (arts. 356º e 357º do CPP)”, RPCC, 1997, p. 422 e ss., e o Ac. do STJ de
04.01.2007 (Proc. n.º 3111/06).
28
Cf., não obstante, o Acórdão STJ de 22.04.2004 (Proc. n.º 04P902), adotando um inaceitável critério
formalista. Na direção que se defende em texto, cf. a posição do TEDH no caso Aleksandr Zaichenko v.
Rússia (Ac. de 28.06.2010), 42. e 52 e ss.
29
ROXIN / SCHÜNEMANN, Strafverfahrensrecht28, § 25, 11, e GRIESBAUM, KK-StPO8, § 163a, nm. 2.
Desenvolvidamente, SANDRA OLIVEIRA E SILVA, O Arguido como Meio de Prova contra si mesmo, p. 524
e ss.
17
O Código não esclarece esta questão, não existindo disciplina que regule a
inquirição daquele que, sendo alvo de suspeita (objetivamente, não fundada), é chamado
a prestar declarações no inquérito que contra si corre. Na ausência de uma regulação sobre
a matéria, disseminou-se, sobretudo a partir da revisão de 2007 do CPP, a prática de ouvir
o suspeito como testemunha34, com o que fica ele obrigado a prestar juramento quando
ouvido por autoridade judiciária (132.º/1/b)) e a responder com verdade às perguntas que
30
LOBO MOUTINHO, Arguido e Imputado no Processo Penal Português, p. 97 e ss.
31
Cf. GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, CRP Anotada4, I, Art. 32.º, V.
32
Um perigo para o qual alertou logo MANUEL DA COSTA ANDRADE, “Bruscamente no Verão
Passado”, a Reforma do Código de Processo Penal, Coimbra Editora, 2009, p. 76 e s., e de que dá conta
também PINTO DE ALBUQUERQUE, CPP4, Art. 58.º, 3.
33
Critério que se aproxima do que valia na vigência do CPP de 1929, cujo art. 251.º (Definição de
arguido) prescrevia “é arguido aquele sobre quem recaia forte suspeita de ter perpetrado uma infração, cuja
existência esteja suficientemente comprovada” – cf. FIGUEIREDO DIAS, DPP, 1974, p. 425, e MARIA JOÃO
ANTUNES, DPP2, p. 38.
34
Nesta direção, MARQUES DA SILVA, I2, p. 308.
18
Estando prevista e até definida no Código a figura do suspeito (art. 1.º/e)) é a ela
que se deverá recorrer nestes casos: não devendo ser interrogado como arguido, por sobre
ele não incidir suspeita fundada, o visado deverá ser ouvido como suspeito. Nessa
qualidade, assistir-lhe-ão certos direitos processuais, como, por exemplo, os inerentes ao
princípio da proibição da autoincriminação, de que é titular não só o arguido como
também o suspeito36/37, o de ser assistido por advogado, o de aceder ao processo nos casos
em que o acesso pode ser facultado ao arguido e o de ser notificado do despacho de
encerramento do inquérito38.
35
ANTÓNIO ALBERTO MEDINA DE SEIÇA, O Conhecimento Probatório do Co-Arguido, Coimbra
Editora, 1999, p. 26 e ss.
36
Nesta direção, LOBO MOUTINHO, Arguido e Imputado no Processo Penal Português, p. 170 e ss.,
PINTO DE ALBUQUERQUE, CPP4, Art. 57.º, 22., PAULO DE SOUSA MENDES, Lições de Direito Processual
Penal, p. 123 e ss. Contra SANDRA OLIVEIRA E SILVA, O Arguido como Meio de Prova contra si mesmo, p.
531 e ss.
37
Cf. o art. 7.º (Direito de guardar silêncio e direito de não se autoincriminar) da Diretiva (UE)
2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 09.03.2016, relativa ao reforço de certos aspetos da
presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal: “1. Os Estados-
Membros asseguram que o suspeito ou o arguido têm o direito de guardar silêncio em relação ao ilícito
penal que é suspeito de ter cometido ou em relação ao qual é arguido. 2. Os Estados-Membros asseguram
que o suspeito ou o arguido têm o direito de não se autoincriminar”.
38
Para mais exemplos, PINTO DE ALBUQUERQUE, CPP4, Art. 57.º, 22.
19
como assistente) presta declarações que implica a formação de uma suspeita fundada da
sua participação num crime. Quando tal suceda, deverá a entidade que procede ao ato
suspendê-lo imediatamente e proceder à constituição do depoente como arguido, para
salvaguarda, sobretudo, do seu direito à não autoincriminação.
39
Contra, limitando o âmbito do art. 59.º/1 à fase de inquérito, PAULO DÁ MESQUITA, Comentário
Judiciário do CPP, I, Art. 59.º, § 3.
40
A remissão constante do art. 59.º/3 deve considerar-se feita para os n.ºs 4 e 5 do art. 58.º, por ser
manifesto o lapso do legislador: não atualizou a redação do art. 59.º/3 quando, na revisão de 2007 do CPP,
introduziu no art. 58.º o seu atual n.º 3, passando o anterior n.ºs 3 a n.º 4 e por aí fora,
41
As exceções, previstas nos n.ºs 3 a 5 do art. 192.º, foram introduzidas pela Lei n.º 30/2007, com o
intuito de viabilizar a imposição de medidas de garantia patrimonial sem contraditório prévio do visado.
Sobre o regime anterior à Lei n.º 30/2007, MANUEL DA COSTA ANDRADE / MARIA JOÃO ANTUNES, “Da
natureza processual penal do arresto preventivo”, RPCC, 2017, p. 137 e ss.
20
42
Cf. INÊS HORTA PINTO, “O significado de informar «imediatamente e de forma compreensível» no
art. 27º, n.º 4 da Constituição”, ROA, 2006, III, p. 1313 e ss.
21
43
LOBO MOUTINHO, Arguido e Imputado no Processo Penal Português, p. 136 e ss.
44
Diversamente, PAULO DÁ MESQUITA, Comentário Judiciário do CPP, I, Art. 58.º, § 10 e Art. 59.º,
§ 5 e ss.
22
1. Determina o art. 57.º/1 que “assume a qualidade de arguido todo aquele contra
quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal”. A aquisição da
qualidade de arguido por esta via só ocorrerá naqueles casos em que o visado pela
acusação ou pelo requerimento de abertura da instrução não haja sido já antes, no decurso
do inquérito, constituído arguido, nos termos, analisados supra, do art. 58.º ou do art. 59.º
45
HENRIQUES GASPAR, CPP Comentado, Art. 58.º, 2. Contra, PAULO DÁ MESQUITA, Comentário
Judiciário do CPP, I, Art. 57.º, § 4.
23
em que não foi possível chamar o suspeito para ser interrogado, mas também naqueles
em que o Ministério Público considerou essa diligência desnecessária46.
Não tendo o suspeito sido constituído arguido durante o inquérito, por exemplo,
em virtude de impossibilidade de notificação para interrogatório, tal não constituirá
obstáculo à dedução de acusação, sendo esta o meio através do qual o acusado passará a
ser arguido no processo. Conseguindo-se a notificação da acusação, dever-lhe-á ser
comunicado que passou a deter a qualidade de arguido no processo, passando o processo
a correr contra ele nos mesmos termos que correria se tivesse sido constituído arguido
durante o inquérito. Não sendo possível notificá-lo da acusação, o processo é remetido
para julgamento (art. 283.º/5), ficando em aberto a possibilidade de acionamento do
mecanismo da contumácia (art. 335.º e ss.), designadamente, se o tribunal não lograr
notificá-lo da data marcada para a audiência de julgamento nos termos previstos nos arts.
313.º/3 e 113.º/1/2.
Dado que supõe não ter havido uma prévia constituição do suspeito como arguido
durante o inquérito, a aquisição da qualidade de arguido por esta via sucederá, em regra,
naqueles casos em que o visado não chegou a ser objeto de uma suspeita fundada, sendo
precisamente essa a razão pela qual o Ministério Público acabou por arquivar o inquérito.
Se o assistente reagir a esse arquivamento, requerendo a instrução contra essa pessoa,
passa ela a deter a qualidade de arguido no processo, para que possa defender-se da
imputação que lhe é dirigida pelo requerente da instrução. Só assim não será se o juiz de
instrução vier a arquivar o processo, por inadmissibilidade do procedimento ou da própria
instrução, não abrindo a instrução, caso em que o requerido não chega a assumir a
46
No sentido da inaplicabilidade do disposto no art. 272.º/1 ao processo abreviado, pela jurisprudência
maioritária, Ac. do TRL de 14.11.2007 (Proc. n.º 5100/2007-3); em direção contrária, PEDRO SOARES DE
ALBERGARIA, “Os processos especiais na revisão de 2007 do Código de Processo Penal”, RPCC, 2008, p.
483, nota 30.
47
FIGUEIREDO DIAS / NUNO BRANDÃO, “Uma instrução inadmissível”, p. 662 e ss
24
Resta, porém, saber por que razão o juiz de instrução não está envolvido na
realização do ato de constituição de arguido. É assim não porque a aquisição dessa
qualidade e a concomitante prestação do termo de identidade e residência não assumam
relevo na esfera dos direitos fundamentais do visado49, sendo por isso desprovido de
caráter jurisdicional, mas antes porque a obrigatoriedade da constituição do suspeito
como arguido está prevista em situações em que aquele se confronta com o Ministério
48
Contra, numa posição minoritária, no sentido da competência exclusiva do juiz de instrução, LOBO
MOUTINHO, Arguido e Imputado no Processo Penal Português, p. 93.
49
Afirmando também esse relevo, GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, CRP Anotada4, I, Art. 32.º,
V.
25
50
JORGE DE FIGUEIREDO DIAS / NUNO BRANDÃO, “O controlo pelo juiz de instrução das invalidades
e proibições de prova durante a fase de inquérito”, Homenagem ao Prof. Doutor Germano Marques da
Silva, II, Univ. Católica Editora, 2020, p. 1164 e s.
51
Admitindo este controlo, Acs. do TRL de 15.04.2010 (Proc. n.º 56/06.2TELSB-B.L1-9) e de
20.02.2018 (Proc. n.º 5340/17.7T9LSB-A.L1-5).
52
FIGUEIREDO DIAS / NUNO BRANDÃO, “O controlo pelo juiz de instrução…”, p. 1162 e ss.
53
PAULO DÁ MESQUITA, Comentário Judiciário do CPP, I, Art. 58.º, § 29.
26
segundo o n.º 4 desse mesmo artigo, “implica a entrega, sempre que possível no próprio
ato, de documento de que constem a identificação do processo e do defensor, se este tiver
sido nomeado, e os direitos e deveres processuais referidos no artigo 61.º”. Com o
cumprimento destas formalidades, fica claro, por um lado, que o processo corre contra a
pessoa constituída arguido e assegura-se, por outro lado, que o visado fica ciente da
qualidade que passa a deter no processo e dos direitos e deveres que lhe assistem em
virtude disso. Assume especial importância o dever de indicação, acompanhada de
explicação, se necessário, do direito à liberdade de declaração, positiva e negativa.
54
Por último, MARIA JOÃO ANTUNES, Processo Penal e Pessoa Coletiva Arguida, Almedina, 2020, e
FLÁVIA NOVERSA LOUREIRO, “A insustentável ausência de normas processuais penais para pessoas
coletivas”, Homenagem ao Prof. Doutor Germano Marques da Silva, II, Univ. Católica Editora, 2020, p.
893 e ss.
27
seu gerente)55, mas, não sendo de excluir que pessoa coletiva e os seus representantes
legais possam ter interesses conflituantes ou divergentes no processo56, deverá admitir-se
a possibilidade de representação por pessoa especialmente mandatada para esse efeito57.
I. O direito de defesa
1. O direito de defesa constitui uma categoria aberta à qual devem ser imputados
todos os concretos direitos, de que o arguido dispõe, de codeterminar a decisão final do
processo, incidindo tanto sobre a questão de facto como sobre as questões de direito que
no processo se discutem58. Direito que, segundo o art. 60.º, é assegurado ao arguido logo
que adquira essa qualidade.
55
Circular n.º 4/11, de 10.10.2011, da PGR.
56
COSTA ANDRADE, “Bruscamente no Verão passado”, p. 99 e ss.
57
MARIA JOÃO ANTUNES, Processo Penal e Pessoa Coletiva Arguida, p. 73 e ss., e ANTÓNIO GAMA,
Comentário Judiciário do CPP, II, Art. 140.º, § 20. e ss. Sobre a solução espanhola (art. 119.1, a) da Ley
de Enjuiciamiento Criminal: “La citación se hará en el domicilio social de la persona jurídica, requiriendo
a la entidad que proceda a la designación de un representante, así como Abogado y Procurador para ese
procedimiento”), FERNANDO GASCÓN INCHAUSTI, “Los desafíos del proceso penal frente a personas
jurídicas en la legislación y en la praxis española: representación y derecho a no autoincriminarse”, RPCC,
2019, p. 104 e ss.
58
FIGUEIREDO DIAS, “Sobre os sujeitos processuais…”, p. 28.
28
59
Cf. art. 8.º (Direito de comparecer em julgamento) da Diretiva (UE) 2016/343 – sobre o regime
português do julgamento penal de ausentes e a sua compatibilidade com o preceituado na Diretiva, MARIA
JOÃO ANTUNES / JOANA FERNANDES COSTA, “Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho
relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em tribunal em
processo penal (COM(2013) 821 final)”, in: Pedro Caeiro (Org.), A Agenda da União Europeia sobre os
Direitos e Garantias da Defesa em Processo Penal: a “segunda vaga” e o seu previsível impacto sobre o
direito português, 2015, p. 38 e ss.; JOÃO MIGUEL CABRAL, “Da validação dos julgamentos in absentia em
face do mandado de detenção europeu”, RPCC, 2020, p. 126 e ss.; e BÁRBARA CHURRO, Julgamento na
Ausência. Contributo para uma Revisão do Regime do Código de Processo Penal à Luz da Directiva (UE)
2016/34, Almedina, 2020.
60
Sobre o direito ao recurso constitucionalmente garantido ao arguido pelo n.º 1 do art. 32.º da CRP,
MARIA JOÃO ANTUNES / NUNO BRANDÃO / SÓNIA FIDALGO, “A reforma do sistema de recursos em processo
penal à luz da jurisprudência constitucional”, RPCC, 2005, p. 609 e ss., e MARQUES DA SILVA / HENRIQUE
SALINAS, Constituição Portuguesa Anotada, I2, Art. 32.º, VII e ss.
61
Cf. ainda MARIA JOÃO ANTUNES, DPP2, p. 39 e ss.
29
62
FIGUEIREDO DIAS, DPP, 1974, p. 148 e ss.
63
FRITZ BAUR, “Der Anspruch auf rechtliches Gehör”, Archiv für die civilistische Praxis, n.º 153,
1954, p. 397 ss.
64
Este aspeto das coisas é particularmente evidenciado por HANS-MARTIN PAWLOWSKI, “Aufgabe
des Zivilprozesses”, Zeitschrift für Zivilprozess, n.º 80, 1967, p. 358 ss., numa via que se aproxima da
traçada no texto.
30
administração da justiça pelos tribunais não se relaciona apenas, como durante muito
tempo se pensou, com a proteção de situações jurídicas substantivas, mas também e
diretamente com a da posição processual daqueles que sejam afetados pela decisão65; e
disto mesmo é expressão o direito de audiência.
Importará só precisar ainda a ideia que, em nossa opinião, deve constituir o elo
íntimo de toda esta argumentação e servir para demonstrar a autonomia do direito de
audiência perante os temas com que historicamente se conexionou. Só apreenderemos
verdadeiramente o fundamento e sentido que buscamos quando tomarmos por base a ideia
de que, nem relativamente à sentença, nem relativamente a qualquer outra decisão que
tenha de tomar no decurso do processo, encontra o juiz o sentido dela previamente inscrito
e fixado na lei. Mais ainda: não se trata, na obtenção de qualquer daquelas decisões, de
uma concretização lógica de normas jurídicas abstratas aplicáveis, mas, verdadeiramente,
de um desenvolvimento normativo de tais normas e de uma comprovação autónoma da
sua aplicabilidade ao caso concreto; nisto se traduz exatamente a “declaração do direito
do caso penal concreto” e o processo “criador” através do qual se efetiva.
65
Assim também HENKEL, § 61, I, 2.
66
Sobre o sentido destas concepções cf. FIGUEIREDO DIAS, DPP, 1974, p. 72 e ss.
31
pronunciar sobre a decisão a tomar. Quantas vezes isso haja de acontecer é coisa que
depende da concreta situação do processo, sendo em todo o caso seguro que não basta
que lhe seja dada tal oportunidade antes da decisão final, mas sim antes de qualquer
decisão que o possa afetar juridicamente. Não basta, por outro lado, uma qualquer
oportunidade: tem de tratar-se de uma oportunidade, já se disse, efetiva e eficaz, o que
supõe em princípio que seja dado ao interessado i) conhecimento tempestivo do lugar,
tempo e objeto do debate, ii) concreta possibilidade de se preparar para a intervenção e
iii) efetiva possibilidade de intervir67. Claro é, porém, que já não interessa ao princípio o
uso que o titular faça da oportunidade que lhe é conferida, inclusive o seu não uso.
67
Assim, GAETANO FOSCHINI, RIDPP, 1963, p. 1041 e ss.
32
diversas fases processuais, atos e meios através dos quais o arguido pode materializar o
contraditório e o seu direito a ser ouvido.
68
Ac. do STJ n.º 1/2006. Qualificando o vício como nulidade insanável prevista no art. 119.º/c),
JOSÉ LOBO MOUTINHO, “O arguido no processo preparatório, revisitado em 2008”, in: Tratado Luso-
Brasileiro da Dignidade Humana, 2.ª ed., Almedina, 2009, p. 709 e s., e PAULO DE SOUSA MENDES, Lições
de Direito Processual Penal, p. 128.
33
consagradas, tal conhecimento não poderá nunca ficar aquém dos factos essenciais a
verter ou vertidos em tal peça processual (acusação), sob pena de violação das
enunciadas garantias”69.
Durante o inquérito, além de dever ser informado sobre a suspeita de que é alvo e
ser interrogado sobre ela, o arguido poderá, em regra, consultar o próprio processo e obter
uma cópia dele. Será assim nos processos que corram sob o signo da publicidade (art.
86.º/6/c) e 89.º/1) e até mesmo ainda naqueles nos quais tenha sido aplicado o segredo de
justiça, mas o Ministério Público não se oponha (art. 89.º/1) ou já não se possa opor a um
tal acesso (art. 89.º/1/6).
Pelo que vem de se ver, durante o inquérito, o contraditório poderá ser oferecido
pelo arguido no âmbito do interrogatório a que seja sujeito e através do carreamento para
o processo de provas que deponham em sua defesa, sendo-lhe, além disso, permitida,
tanto no inquérito como nas fases processuais subsequentes, a apresentação de
exposições, memoriais e requerimentos sobre a matéria objeto do processo (art. 98.º/1).
Sendo o inquérito encerrado com uma acusação, o conteúdo desta deve ser um tal
que viabilize um exercício cabal e efetivo dos direitos de defesa e de audiência por parte
do arguido. Para esse efeito, a acusação deve conter, sob pena de nulidade, antes de mais,
“a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de
uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a
69
Na linha desta jurisprudência, vd. o Ac. do TRE de 10.10.2017 (Proc. n.º 127/16.7GCPTM.E1).
34
motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer
circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”. Na
linha do que é sustentado pelo Supremo Tribunal de Justiça, a imputação de factos tem
de ser precisa e não genérica, concreta e não conclusiva, recortando com nitidez os factos
que são relevantes para caraterizar o comportamento penalmente relevante70. De modo a
possibilitar o contraditório, a acusação deve ainda especificar as disposições legais
aplicáveis e as provas relevantes para o julgamento (art. 283.º/3/c)/d)/e)/f)).
70
Parafraseamos o Ac. do STJ de 06-11-2008 (Proc. n.º 08P2804), tirado em sede
contraordenacional. Na mesma direção, HENRIQUES GASPAR, CPP Comentado, Art. 61.º, 5. Ainda neste
sentido, o Ac. do STJ de 21.02.2007 (Proc. n.º 3932/06).
71
NUNO BRANDÃO, “A nova face da instrução”, RPCC, 2008, p. 244 e s.
35
72
Sobre a génese e a evolução do princípio, ALEXANDRA VILELA, Considerações Acerca da
Presunção de Inocência em Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 2000, p. 29 e ss.
73
Ainda no direito da União Europeia, merece especial referência a Diretiva (UE) 2016/343, do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da
presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal – cf. MARIA JOÃO
ANTUNES / JOANA FERNANDES COSTA, “Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu…”, p. 21 e ss.
74
RUI PATRÍCIO, O Princípio da Presunção de Inocência do Arguido na Fase do Julgamento no
Actual Processo Penal Português, AAFDL, 2004, p. 34 e ss. Cf., todavia, o Ac. do TC n.º 194/2017, tirado
em Plenário, que decidiu “não declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do
artigo 38.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.º 7/90,
de 20 de fevereiro, na parte em que determina a suspensão de funções por efeito do despacho de pronúncia
em processo penal por infração a que corresponda pena de prisão superior a três anos”, apreciando a questão
36
mas como se fosse inocente. Uma obrigação que pode ser estendida, por via legal, a certos
particulares, como é o caso dos jornalistas, que, por força do art. 14.º/2 do respetivo
Estatuto (Lei n.º 1/99, de 1/1), se encontram sujeitos ao dever de se abster de formular
acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência.
Se não obsta, per se, à aplicação de medidas de coação, este princípio determina
que só sejam aplicadas ao arguido “as medidas que ainda se mostrem comunitariamente
suportáveis face à possibilidade de estarem a ser aplicadas a um inocente”75. Na vertente
do tratamento que o arguido deverá receber no processo, o princípio da presunção de
inocência projeta-se assim numa absoluta proibição de utilização dessas medidas como
formas de sancionamento antecipado do arguido através do processo (nulla poena sine
culpa) 76 e na atribuição a essas medidas de finalidades punitivas77; bem como ainda numa
sujeição da sua aplicação aos corolários da necessidade, proporcionalidade e adequação
do princípio da proibição do excesso e ao princípio da precariedade, bem como numa
subordinação do respetivo procedimento ao critério de que “a comunicação dos factos
deve ser feita com a concretização necessária a que um inocente possa ficar ciente dos
comportamentos materiais que lhe são imputados e da sua relevância jurídico criminal,
por forma a que lhe seja dada «oportunidade de defesa» (artigo 28.º, n.º 1, da CRP)”78.
Deste princípio resulta igualmente os deveres para os agentes do Estado de se absterem
de emitir declarações públicas que se refiram ao arguido como culpado79 e de assegurarem
80
Art. 5.º da Diretiva (UE) 2016/343.
81
Sobre a ligação originária do princípio da presunção de inocência ao domínio da prova, RUI
PATRÍCIO, O princípio da presunção de inocência…, p. 26 e ss.
82
FIGUEIREDO DIAS, “La protection des Droits de L'Homme dans la procedure penale portugaise”,
p. 174, RUI PATRÍCIO, O princípio da presunção de inocência…, p. 37, e, na mesma linha, os Acs. do TC
n.º 179/2012 (9.), relativo ao crime de enriquecimento ilícito, e n.º 338/2018, julgando inconstitucional, por
apelo ao princípio da presunção de inocência, uma norma interpretada no sentido de estabelecer uma
presunção inilidível em relação ao autor da contraordenação, independentemente da prova que sobre a
autoria for feita em processo judicial.
83
Acs. do TC n.ºs 391/2015 e 521/2018.
84
Assim, de há muito, a jurisprudência constitucional espanhola – entre muitos outros, Acs. do TC
espanhol n.º 174/1985 (ECLI:ES:TC:1985:174) e 189/1998 (ECLI:ES:TC:1998:189) –, naturalmente
acompanhada pela jurisprudência comum. E, entre nós, o Ac. do TC n.º 521/2018 (9.), e SUSANA AIRES DE
SOUSA, “Prova indireta e fundamentação da decisão”, RPCC, 2019, p. 407.
38
insuperável, os factos que lhe sejam desfavoráveis devem ser dados como não provados
e os que lhe sejam favoráveis devem ser dados como provados.
III. O direito ao respeito pela decisão de vontade do arguido (em especial, o direito
à não autoincriminação)
85
Assim, v. g., mesmo uma simples pena de admoestação só “é proferida após trânsito em julgado
da decisão que a aplicar” (art. 497.º/1), só podendo ser proferida de imediato, ato continuo à leitura da
sentença, “se o Ministério Público, o arguido e o assistente declararem para a ata que renunciam à
interposição de recurso” (art. 497.º/2).
86
MARIA JOÃO ANTUNES, DPP2, p. 42 e s.
39
Com isto torna-se claro que a relação intercedente entre o arguido e a finalidade
de descoberta da verdade material que o processo penal visa se encontra como que
“cortada” — no sentido de que aquele não é obrigado a participar nesta finalidade através
das suas declarações e não é, portanto, destinatário próprio de um “dever de colaboração
na administração da justiça penal”89.
87
Na jurisprudência constitucional portuguesa, cf., entre outros, os Acs. do TC n.ºs 695/95,
304/2004 (4.), 155/2007 (12.1.5), 461/2011, 340/2013, 360/2016 e 298/2019.
88
JOANA FERNANDES COSTA, “O princípio nemo tenetur na jurisprudência do Tribunal Europeu
dos Direitos do Homem”, RMP, n.º 128, 2011, p. 117 e ss., e SANDRA OLIVEIRA E SILVA, O Arguido como
Meio de Prova contra si mesmo, p. 305 e ss.
89
Neste sentido, logo EDUARDO CORREIA, RDES, n.º 14, 1967, p. 38 e s.
90
Apontando nesse sentido, porém, SANDRA OLIVEIRA E SILVA, O Arguido como Meio de Prova
contra si mesmo, pp. 245 e 697
91
JORGE DE FIGUEIREDO DIAS / MANUEL DA COSTA ANDRADE, “Poderes de supervisão, direito ao
silêncio e provas proibidas (Parecer), in: Supervisão, Direito ao Silêncio e Legalidade da Prova, 2009, p.
40 e ss.
40
da dignidade da pessoa dela titular, sem que daí, todavia, se deva seguir uma sua
absolutização92. Tal como tantas outras liberdades fundamentais, com a liberdade
ambulatória à cabeça, que admitem amplas restrições, não obstante a sua íntima conexão
com a dignidade pessoal, também o princípio da proibição da autoincriminação não está
imune a limitações. Na linha do que vem entendendo o nosso Tribunal Constitucional,
será, enfim, de admitir que “o direito à não autoincriminação não tem carácter absoluto,
podendo ser legalmente restringido em determinadas circunstâncias”93.
92
Na direção, todavia, da sua consideração como um direito absoluto, MANUEL DA COSTA
ANDRADE, “Nemo tenetur se ipsum accusare e direito tributário. Ou a insustentável indolência de um
acórdão (n.º 340/2013) do Tribunal Constitucional”, RLJ, n.º 3989, 2014, p. 146 e ss., e SANDRA OLIVEIRA
E SILVA, O Arguido como Meio de Prova contra si mesmo, p. 688 e ss., na linha da conceção dominante na
Alemanha: por todos, o Ac. do TC federal alemão de 13.01.1981 (BVerfGE, ano 56, n.º 37, p. 49 e s.).
93
Ac. do TC n.º 340/2013 – com comentário crítico de COSTA ANDRADE, “Nemo tenetur se ipsum
accusare e direito tributário”, p. 121 e ss. –, neste ponto reiterado pelo Ac. do TC n.º 298/2019 (12.): “O
mesmo princípio, todavia, não tem um caráter absoluto”. Assim, também o TEDH, no caso Ibrahim e outros
c. Reino Unido (Ac. da Grande Chambre, de 13.09.2016): “the right not to incriminate oneself is not
absolute” (269.).
94
Sobre o critério, altamente controvertido, da atividade, COSTA ANDRADE, Sobre as Proibições
de Prova em Processo Penal, p. 127 e ss. Contra este critério, submetendo-o a uma crítica profunda,
SANDRA OLIVEIRA E SILVA, O Arguido como Meio de Prova contra si mesmo, p. 643 e ss.
95
Na jurisprudência do TEDH, por todos, caso Saunders c. Reino Unido (Ac. de 17.12.1996), 68.
96
Pela inclusão do engano no âmbito de proteção deste princípio, o TEDH no caso Allan v. Reino
Unido (Ac. de 05.11.2002, 50. e ss.), com acolhimento na jurisprudência alemã: Ac. do BGH de 26.07.2007
(BGHSt 52, 11). E, entre nós, o Ac. do TC n.º 304/2004 (4.), e SANDRA OLIVEIRA E SILVA, O Arguido como
Meio de Prova contra si mesmo, p. 515 e ss. Contra, na linha da doutrina alemã dominante, COSTA
ANDRADE, “Nemo tenetur se ipsum accusare e direito tributário”, p. 144 e ss. (nota 26).
41
Titular do direito à não autoincriminação será não apenas o arguido, mas também
o próprio suspeito99. Só assim se assegurará que o exercício das prerrogativas inerentes a
esta liberdade fundamental não fique dependente de um ato formal de constituição de
arguido, que está essencialmente nas mãos de quem investiga e é por isso vulnerável a
manipulações, e que possa ela servir a proteção de quem, sem disso ser informado, está a
ser investigado, face a condutas (enganosas) destinadas a obter uma sua colaboração
inadvertida.
97
Caso Saunders c. Reino Unido (Ac. do TEDH, de 17.12.1996), 69., seguido pelo Ac. do TC n.º
155/2007 (12.1.5), e art. 7.º/3 da Diretiva (UE) 2016/343. Em sentido divergente, AUGUSTO SILVA DIAS /
VÂNIA COSTA RAMOS, O Direito à Não Auto-Inculpação (Nemo Tenetur se Ipsum Accusare) no Processo
Penal Contra-Ordenacional Português, Coimbra Editora, 2009, p. 32 e ss.
98
SANDRA OLIVEIRA E SILVA, O Arguido como Meio de Prova contra si mesmo, p. 700.
99
Cf. novamente o Ac. do TEDH de 28.06.2010 no caso Aleksandr Zaichenko v. Rússia (42. e 52)
e o art. 7.º/1/2 da Diretiva (UE) 2016/343. Assim, também, AUGUSTO SILVA DIAS / VÂNIA COSTA RAMOS,
O Direito à Não Auto-Inculpação, p. 20, e PAULO DE SOUSA MENDES, Lições de Direito Processual Penal,
p. 123 e ss.
100
Acs. do TC n.ºs 461/2011, 340/2013, 360/2016 e 298/2019.
101
Cf. o Ac. do STJ n.º 14/2014, admitindo, não obstante, a restrição do princípio mediante a
imposição, sob cominação do crime de desobediência, de uma colaboração processual através da realização
de autógrafos.
102
AUGUSTO SILVA DIAS / VÂNIA COSTA RAMOS, O Direito à Não Auto-Inculpação, p. 24 e ss.
42
O silêncio a que o arguido se remeta não pode ser valorado, seja ele completo (art.
343.º/1) ou parcial (art. 345.º/1), não sendo legítimo, neste último caso, atendendo ao que
expressamente se prevê na parte final do art. 345.º/1, retirar quaisquer conclusões ou
presunções da falta de resposta a certas perguntas. Daquilo que não é dito pelo arguido
não pode ser extraída qualquer inferência para a comprovação dos factos objeto do
processo, devendo o silêncio ser considerado como um nullum jurídico103. Deste modo, a
falta de apresentação pelo arguido de explicações sobre uma certa circunstância ou
situação não deve ser tomada em consideração na tomada da decisão sobre a matéria de
facto.
103
COSTA ANDRADE, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, p. 128 e s. Em sentido
contrário, HENRIQUES GASPAR, CPP Comentado, Art. 61.º, 6., e PAULO DÁ MESQUITA, in: Comentário
Judiciário do CPP, I, Art. 61.º, § 9.
43
É isso que se prevê expressamente na parte final do n.º 1 do art. 343.º – “… e sem que o
seu silêncio possa desfavorecê-lo” – e que deve valer quaisquer que sejam os atos
processuais em que o arguido se prevaleça do direito a ficar calado. Destarte, o exercício
de um tal direito processual não pode ser valorado como indício ou presunção de culpa
(deparando-se aqui com uma nova e autêntica proibição de prova), nem tão-pouco, uma
vez provada a culpa, como circunstância relevante para determinação da medida concreta
da pena, nos termos do art. 71.º do CP, designadamente, no quadro do fator relativo à
conduta posterior ao facto (art. 71.º/2/e) do CP). A ausência de sinais de arrependimento
não pode, per se, ser valorada negativamente na graduação da pena, de modo algum
podendo invocar-se o silêncio a que o arguido se tenha remetido na audiência para agravar
a medida da pena que lhe é concretamente aplicada104. Como é evidente, esta proibição
de desfavorecimento vale ainda em quaisquer decisões a tomar no decurso do processo
que possam afetar o arguido, maxime as que se refiram à aplicação, substituição ou
revogação de medidas de coação.
Se o arguido não pode ser juridicamente desfavorecido por exercer o seu direito
ao silêncio, já, naturalmente, o pode ser de um mero ponto de vista fáctico, quando do
silêncio derive o definitivo desconhecimento ou desconsideração de circunstâncias que
serviriam para afastar a tipicidade, a ilicitude ou a culpa relativas à infração que lhe é
imputada105. Então, mas só então106, representará o exercício de tal direito um privilegium
odiosum para o arguido.
104
MARIA JOÃO ANTUNES, “Direito ao silêncio e leitura em audiência de declarações do arguido”,
Sub Judice, n.º 4, 1992, p. 26.
105
Ac. do STJ de 10.01.2008 (Proc. n.º 3227/07): “Tem entendido o STJ que o silêncio, sendo um
direito do arguido, não pode prejudicá-lo, mas também dele não pode colher benefícios. Se o arguido
prescinde, com o seu silêncio, de dar a sua visão pessoal dos factos e eventualmente esclarecer determinados
pontos de que tem um conhecimento pessoal, não pode, depois, pretender que foi prejudicado pelo seu
silêncio”.
106
Como notava já CAVALEIRO DE FERREIRA, I, p. 153.
44
com a justiça e o seu fim de descoberta da verdade, já se pretendeu concluir que ao arguido
caberia um verdadeiro direito a mentir107. Esta opinião deve, porém, ser repudiada108.
Nada existe na lei, com efeito, que possa fazer supor o reconhecimento de um tal
“direito”. As soluções legais em matéria de silêncio e de cessação do dever de colaboração
explicam-se perfeitamente pela oposição que assim se quer fazer à velha e odiosa ideia
inquisitória, segundo a qual o arguido, enquanto meio de prova, poderia ser obrigado –
inclusivamente através de meios de coação física e psíquica, sem excluir a própria tortura
– à prestação de declarações que o incriminassem. E sabe-se como todo o processo penal
“reformado” fez de uma tal oposição um dos seus propósitos mais salientes109.
Mas sendo assim, poderia pensar-se (e não faltam autores a lançarem-se, mais ou
menos profundamente, nesta via de compreensão das soluções legais) que, podendo o
arguido optar livremente entre o silêncio ou o prestar declarações, caso escolhesse esta
segunda possibilidade continuaria a recair sobre ele um dever de verdade — ou como
mero dever moral, ou mesmo como verdadeiro dever jurídico110. A verdade, porém, é que
do reconhecimento de um tal dever não ressaltam quaisquer consequências práticas para
o arguido que minta, uma vez que tal mentira não deve ser valorada contra ele, quer ao
nível substantivo autónomo das falsas declarações, quer ao nível dos direitos processuais
daquele (mesmo dos relacionados com a prisão preventiva)111.
Que concluiremos então? Não existe, por certo, um direito a mentir que sirva
como causa justificativa da falsidade; o que sucede simplesmente é ter a lei entendido ser
inexigível dos arguidos o cumprimento do dever de verdade, razão por que renunciou
nestes casos a impô-lo. Só não compreenderá esta solução quem esqueça que a
inexigibilidade não é apenas critério de culpa jurídico-penal, mas também critério apto a
decidir, com sentido, da própria ilicitude de um comportamento. E se tem de aceitar-se
que ela é princípio normativo para o juiz, quando este se ocupa com determinar a concreta
107
HENKEL2, § 39, IV, 3., nota 21.
108
Assim, entre nós, ANTÓNIO CASTANHEIRA NEVES, Sumários de Processo Criminal, 1968, p.
175 s. e CAVALEIRO DE FERREIRA, I, p. 152 s. Na Alemanha, cf. HENKEL2, loc. cit., e os que refere na nota
22.
109
Cf. FIGUEIREDO DIAS, DPP, 1974, p. 61 e ss.
110
Assim, CASTANHEIRA NEVES, Sumários de Processo Criminal, p. 175 (“dever moral e
processual geral de dizer a verdade”).
111
Admitindo, não obstante, a valoração da mentira no âmbito da graduação da medida concreta da pena,
ROXIN / SCHÜNEMANN, Strafverfahrensrecht28, § 25, 10.
45
112
Para uma ligação destas proibições de prova ao direito à não autoincriminação, SANDRA
OLIVEIRA E SILVA, O Arguido como Meio de Prova contra si mesmo, p. 373 e ss.
46
como prova das declarações prestadas pelo arguido em interrogatório realizado com
inobservância dos horários e limites definidos no art. 103.º/3/4.
desobediência; ou de falsidade de declaração (art. 359.º/2 do CP). Disto mesmo deve ser
o arguido advertido em qualquer interrogatório em que seja questionado sobre a sua
identidade. Esta solução justifica-se, até certo ponto, pelo facto de a comprovação da
identidade do arguido constituir questão básica de todo o processo penal, sem, todavia,
dizer diretamente respeito à culpa daquele. Se os atos processuais se dirigem contra
pessoa diversa da que é arguida no processo, falta a este um pressuposto processual; e a
comprovação destes pertence, oficiosamente, a todos os órgãos oficiais que atuam no
processo penal.
Com a redação dada ao atual art. 61.º/6/b) e ao art. 141.º/3 pela Lei n.º 20/2013,
deixou se prever a possibilidade de existência de previsão legal que impusesse ao arguido
o dever de responder sobre os seus antecedentes criminais, tendo a partir de então deixado
de ser possível questionar o arguido, no âmbito de interrogatórios realizados nas fases
preliminares do processo, “se já esteve alguma vez preso, quando e porquê e se foi ou
não condenado e por que crimes” 113. Uma proibição que valia já, e continua a valer, no
âmbito da audiência de julgamento desde 1995114. De modo que em momento nenhum
do processo pode o arguido ser perguntado sobre os seus antecedentes criminais; e se –
indevidamente – o for, não está obrigado a responder; nenhuma consequência para ele
advindo de uma falta de resposta ou de uma resposta não verdadeira sobre o tema. É ao
registo criminal, e não à memória do arguido, muitas vezes lacunosa e imprecisa, que as
autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal deverão recorrer para se inteirarem
do passado criminal do arguido.
113
Com a Lei n.º 20/2013 ficou, portanto, sem efeito a jurisprudência fixada pelo Ac. do STJ n.º
9/2007 - “O arguido em liberdade, que, em inquérito, ao ser interrogado nos termos do artigo 144.º do
Código de Processo Penal, se legalmente advertido, presta falsas declarações a respeito dos seus
antecedentes criminais incorre na prática do crime de falsidade de declaração, previsto e punível no artigo
359.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal” –, caucionada pelo TC no Ac. n.º 127/2007.
114
Decreto-Lei n.º 317/95, de 28/11. No sentido da inconstitucionalidade da disposição da versão
originária do Código que impunha ao arguido a revelação dos seus antecedentes criminais no início da
audiência de julgamento, MARIA FERNANDA PALMA, “A constitucionalidade do artigo 342º do Código de
Processo Penal (O direito ao silêncio do arguido)”, RMP, n.º 60, 1994, p. 101 e ss. e o Ac. do TC n.º 695/95.
Pela não inconstitucionalidade da imposição desse dever no âmbito dos interrogatórios realizados no
inquérito, Acs. do TC n.ºs 372/98 e 127/2007.
48
CP). Esta solução justifica-se formal ou processualmente pelo facto de a nossa lei, como
a generalidade dos sistemas continentais, não ver o arguido como testemunha ou
declarante em causa própria — como o faz o direito processual penal anglo-saxónico —
, antes sim como um meio de prova autónomo.
b) Em sentido formal, na medida em que o seu corpo e o seu estado corporal podem
ser objecto de exames (arts. 61.º/6/d) e 171.º e ss.) e de revistas (arts. 61.º/6/d) e 174.º)115.
Cumpre notar que tais “exames” participam de uma como que dupla natureza: ainda que
legalmente qualificados como meios de obtenção de prova, os exames, hoc sensu, não
deixarão de valer como meios de prova, enquanto neles se faça avultar o juízo que se
emite sobre as qualidades ou características de uma pessoa, isto é, enquanto neles se tenha
primacialmente em vista a sua mais ou menos acentuada natureza de “inspeção” ou de
“perícia”; na medida, porém, em que o objeto do exame seja uma pessoa, que assim se vê
constrangida a sofrer ou suportar uma atividade de investigação sobre si mesma, o exame
constitui um verdadeiro meio de coação processual – como claramente o inculca, de resto,
a parte final do n.º 1 do art. 172.º, ao estatuir que, para realização de um exame, “pode [o
visado] ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente” –, tendo por isso
de submeter-se aos princípios que estritamente demarcam a admissibilidade de tais meios
de coação, maxime o princípio da proibição do excesso.
115
SANDRA OLIVEIRA E SILVA, O Arguido como Meio de Prova contra si mesmo, p. 718 e ss.,
PATRÍCIA NARÉ AGOSTINHO, Intrusões Corporais em Processo Penal, Almedina, 2014, e JORGE DOS REIS
BRAVO, Corpo e Prova em Processo Penal: Admissibilidade e Valoração, Almedina, 2020.
50
PARTE II
O DEFENSOR
51
116
Cf. Ac. do TEDH no caso Poitrimol c. França (23.11.1993), § 34: “Although not absolute, the
right of everyone charged with a criminal offence to be effectively defended by a lawyer, assigned officially
if need be, is one of the fundamental features of a fair trial”.
117
Acs. do TC n.º 49/86 e 7/87 (2.5).
52
titular, bem como o seu conteúdo e a sua extensão e a forma processualmente adequada
de os exercer, pelo que, para a sua efetivação, é imprescindível a assistência do defensor.
O defensor está assim longe de se limitar a ser uma espécie de mero fiscal da legalidade
da atuação e das decisões das autoridades judiciárias e dos órgãos de polícia criminal no
processo118: bem mais do que isso, a ele cabe o essencial da materialização da defesa do
arguido no processo. A participação do defensor é ainda necessária para que o arguido
possa exercer o seu direito ao silêncio sem que daí resulte uma situação de indefesa:
dispondo de um defensor, o arguido, ainda que se remeta ao silêncio, terá quem fale por
ele, em sua defesa, e exerça o contraditório no seu interesse.
118
Nesta direção, todavia, KARL-HEINZ GÖSSEL, “A posição do defensor no processo penal de um
Estado de direito”, BFDUC, 1983, p. 275 e ss.
119
Sublinhando este ponto, o Ac. do TC n.º 49/86 (2.2).
120
Sobre isto, cf. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, “Para uma reforma global do processo penal
português”, in: Para uma Nova Justiça Penal, Almedina, 1983, p. 214.
53
b) Insuficiente – se bem que não inexata – parece ser por outro lado a
conceitualização da função do defensor como de assistência ao arguido. Compreende-se
e aceita-se que ela seja utilizada pela lei (art. 64.º do CPP) como terminus technicus126
capaz de caracterizar a situação coadjuvante que ao defensor pertence relativamente ao
arguido. Não parece, porém, que doutrinalmente devamos bastar-nos com ela.
Se, na verdade, por assistência quisermos entender uma mera função de auxiliar
processual do arguido, teremos então de opor que tal caracterização é inexata a partir de
121
FIGUEIREDO DIAS, “Sobre os sujeitos processuais…”, p. 11, e MARIA JOÃO ANTUNES, DPP2, p.
46 e s.
122
Cf., no entanto, entre nós, à luz da ideia de que o processo penal é, “formalmente, um processo
de partes”, EDUARDO CORREIA, Processo Criminal, n. 40.
123
Cf., por outros, GAETANO FOSCHINI, Sistema del Diritto Processuale Penale, I, 2.ª ed., Giuffrè,
1965, cap. XV: L’ufficio della difesa.
124
De novo GAETANO FOSCHINI, cit., p. 286 (cap. XV B. La difesa pubblica).
125
Assim, por outros, HENKEL2, § 33, II, 2, citando jurisprudência alemã.
126
Cf. HENKEL2, § 33, II, 3.
54
um duplo ponto de vista; pois nem o exercício da função de defesa está, como dissemos,
essencialmente subordinado às instruções ou à vontade do arguido, nem ele está
exclusivamente dependente do interesse subjetivo deste – v. g., o de obter uma absolvição
a todo o custo. Se, diferentemente, alargarmos o conceito de “assistência” até o fazermos
coincidir com uma colaboração autónoma na função da defesa, então ele revela-se exato;
só que, com isto, nada se acrescenta ou se tira à própria noção de defensor e em nada se
contribui para desenhar a verdadeira função que se lhe atribui em processo penal.
127
Assim, entre nós, logo CAVALEIRO DE FERREIRA, I, n. 47 e FIGUEIREDO DIAS, DPP, 1974, p.
469 e ss.; e posteriormente, a generalidade da doutrina nacional: v. g., RODRIGO SANTIAGO, “O defensor e
o arguido…”, p. 211 e ss., HENRIQUES GASPAR, CPP Comentado, Art. 62.º, 2., e MARIA JOÃO ANTUNES,
DPP2, p. 46 e s. E pela doutrina alemã dominante, ROXIN / SCHÜNEMANN, Strafverfahrensrecht28, § 19, nm.
11, e MEYER-GOßNER/SCHMITT, StPO62, antes do § 137, nm. 1.
55
128
E de se não poder então esperar que os arguidos dissessem sempre a verdade deles conhecida
aos seus defensores – o que seria desastroso do ponto de vista da política processual penal.
56
129
Sobre isto cf. infra, § 4.
130
Ac. do TC Federal alemão de 19.10.1977 (BVerfGE ano 46, n.º 202, p. 210), e MEYER-
GOßNER/SCHMITT, StPO62, § 140, nm. 1.
57
seria aceitável que o Estado abandonasse esta mole de arguidos à sua sorte, fazendo
descaso das dificuldades com que poderão deparar-se para constituir advogado e assim
deixando que o processo se desenrolasse com privação de uma defesa efetiva, em afronta,
portanto, dos direitos consagrados no n.º 1 do art. 20.º da CRP e do direito de defesa
constitucionalmente garantido (art. 32.º/1 da CRP).
É sobretudo a esta luz que se compreende a imposição constitucional, constante
da última parte do art. 32.º/3 da CRP, de que em certos casos e fases deverá ser legalmente
obrigatória a assistência por advogado. Uma exigência que se dirige aos casos de arguidos
particularmente vulneráveis e às situações e fases processuais especialmente críticas para
os direitos fundamentais do arguido, aquelas em que sobe de tom a necessidade de apoio
do defensor e da defesa técnica que a este está confiada. Assim, embora cabendo “no
âmbito de liberdade de conformação do legislador a seleção das situações em que a
assistência deve ser obrigatória”, é “constitucionalmente exigível que essa seleção seja
adequada à relevância dos diversos atos e fases do processo criminal”131.
O art. 64.º/1 concretiza esta injunção constitucional, determinando a assistência
do defensor132: a) nos interrogatórios de arguido detido ou preso; b) nos interrogatórios
feitos por autoridade judiciária133; c) no debate instrutório134 e na audiência; d) em
qualquer ato processual, à exceção da constituição de arguido, sempre que o arguido for
cego, surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor da língua portuguesa, menor de 21 anos135,
ou se suscitar a questão da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída; e)
131
Ac. do TC n.º 406/2004, que, todavia, não julgou inconstitucional a possibilidade de um arguido
detido ser sujeito a interrogatório policial sem assistência de defensor (situação agora contemplada no art.
64.º/1/a)). A não inconstitucionalidade da não obrigatoriedade legal de assistência por defensor, foi ainda
afirmada pelo TC em relação à prova por reconhecimento realizada perante órgão de polícia criminal (Ac.
n.º 532/2006) e à concordância dada à suspensão provisória do processo (Ac. n.º 67/2006, 8.).
132
Para uma análise desenvolvida, TIAGO CAIADO MILHEIRO, Comentário Judiciário do CPP, Art.
64.º, § 31 e ss.
133
A obrigatoriedade de assistência do defensor nos interrogatórios feitos por autoridade judiciária,
introduzida pela Lei n.º 20/2013, relaciona-se com a alteração feita pelo mesmo diploma ao art. 357.º, de
forma a permitir que as declarações prestadas pelo arguido perante autoridade judiciária durante o inquérito
e a instrução possam ser posteriormente reproduzidas ou lidas, na audiência de julgamento – cf. JORGE DE
FIGUEIREDO DIAS, “Por onde vai o Processo Penal português: por estradas ou por veredas?”, As Conferência
CEJ, Almedina, 2014, p. 67 e ss.
134
A obrigatoriedade parece cingir-se ao defensor do arguido que requereu ou contra quem foi
requerida a instrução, não abrangendo os defensores de coarguidos que não se encontram numa dessas
posições – assim, o Ac. do TRC de 29.10.2014 (Proc. n.º 810/12.6JACBR-E.C1).
135
Cf. o art. 6.º da Diretiva 2016/800/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio
de 2016, relativa a garantias processuais para os menores suspeitos ou arguidos em processo penal.
58
nos recursos ordinários ou extraordinários; f) nos casos a que se referem os artigos 271.º
e 294.º; g) na audiência de julgamento realizada na ausência do arguido; e h) nos demais
casos que a lei determinar.
A imposição de obrigatoriedade de assistência em alguns dos casos legalmente
especificados não se liga só ao referido intuito de proteção do direito de defesa do arguido,
podendo ser perspetivada ainda também a partir de interesses de outra ordem, que se
prendem com o escopo de realização da justiça penal. Mais concretamente, com o
interesse em que a defesa seja assegurada por um profissional forense independente, sem
um interesse pessoal na causa e sujeito a um estatuto deontológico consentâneo com a
sua consideração como órgão autónomo de administração da justiça136. E ainda com o
interesse de promoção da eficiência da justiça penal, contribuindo para viabilizar a
realização de julgamentos na ausência e prevenindo disfunções que poderiam afetar certas
diligências processuais se, por exemplo, se admitisse que o arguido cumulasse essa
qualidade com a de defensor de si próprio137.
136
Nesse sentido, considerou o Tribunal Constitucional, no Ac. n.º 461/2004, a propósito da
necessidade de os recursos penais serem da lavra de advogado, que tal exigência “visa garantir a intervenção
(no caso, perante um tribunal de recurso) de profissionais devidamente qualificados, assegurando a devida
preparação técnica e o respeito pelos princípios deontológicos da profissão, cujo cumprimento cabe à
Ordem dos Advogados assegurar, bem como, por outro lado, assegurar no recurso uma defesa, além de
tecnicamente preparada, desapaixonada, serena e desinteressada do arguido”.
137
Assim, o Ac. do STJ de 01.07.2009 (Proc. n.º 279/96.0TAALM.S1): “Impõe-se, pois,
claramente, uma demarcação entre o advogado arguido e o advogado defensor, funções que, confundindo-
se, gerariam dificuldades práticas de execução, o que sucederia por ex.º na tomada de declarações ao
ofendido ou inquirição de testemunhas arroladas pela parte contrária, tudo fonte de inextricáveis querelas
e disfunções sem resultado útil à vista”.
138
MARQUES DA SILVA I2, p. 336 e ss., e HENRIQUES GASPAR, CPP Comentado, Art. 64.º, 2.
139
Na jurisprudência comum, por muitos outros, logo o Ac. do STJ de 24.01.1939 (Colecção
Oficial dos Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 78, p. 15) e, no período mais recente,
os Acs. do STJ de 06.12.2001 (Proc. n.º 06/12/2001), de 24.09.2003 (Proc. n.º 1112/03) e 01.07.2009 (Proc.
n.º 279/96.0TAALM.S1). E na jurisprudência constitucional, os Acs. do TC n.ºs 578/2001 e 461/2004.
59
140
Ac. do TC n.º 578/2001 e Ac. do TRP de 05.12.2018 (Proc. n.º 497/14.1TASTS.P1).
141
Ac. do STJ de 06.12.2001, cit.
142
Ac. do STJ n.º 15/2016.
143
Cf. o Ac. do TC n.º 578/2001, relativo ao arguido, louvando-se no Ac. do TC n.º 252/97,
referente ao assistente; e do mesmo modo o Ac. do TRP de 05.12.2018 por referência ao Ac. do STJ de
18.04.2012 (Proc. n.º 172/11.9TRPRT-A.S1).
144
Com uma breve resenha do estado da questão no direito comparado, Ac. do TEDH no caso
Correia de Matos c. Portugal (Ac. da Grande Chambre de 04.04.2018), 81. e ss.: a autodefesa é admitida,
em via de princípio, em 31 Estados signatários da CEDH e é proibida, em regra, em 5 (Portugal, Itália,
Noruega, São Marino e Espanha).
145
RODRIGO SANTIAGO, “O defensor e o arguido…”, p. 233 e s., e PINTO DE ALBUQUERQUE, CPP4,
Art. 62.º, nm. 6 e s.
146
Cf. a decisão do TEDH de 15.11.2000 no primeiro caso Correia de Matos c. Portugal (Queixa
n.º 48188/99) e o mencionado Ac. do TEDH de 04.04.2018, no segundo caso Correia de Matos c. Portugal.
147
Cf. a Comunicação n.º 1123/2002, de 28.03.2006, do Comité de Direitos Humanos das Nações
Unidas que no caso Correia de Matos c. Portugal, concluindo existir violação deste preceito pelo Estado
português. Note-se, não obstante, que este direito foi aí tido como não absoluto, admitindo restrições: “7.4
The right to defend oneself without a lawyer is not absolute, however. Notwithstanding the importance of
the relationship of trust between accused and lawyer, the interests of justice may require the assignment of
a lawyer against the wishes of the accused, particularly in cases of a person substantially and persistently
obstructing the proper conduct of trial, or facing a grave charge but being unable to act in his own interests,
or where it is necessary to protect vulnerable witnesses from further distress if the accused were to question
them himself. However, any restriction of the accused's wish to defend himself must have an objective and
sufficiently serious purpose and not go beyond what is necessary to uphold the interests of justice”. Posição
adotada pelo CDH da ONU num dos seus Comentários Gerais ao PIDCP – cf. “General Comment No. 32
– Article 14: Right to equality before courts and tribunals and to a fair trial”, de 23.08.2007
(CCPR/C/GC/32), 37.
60
TEDH, numa votação muito dividida148, concluiu que a solução normativa que vem sendo
sufragada entre nós, de terminante proscrição da possibilidade de autodefesa e
concomitante dispensa de assistência de defensor nas situações previstas no art. 64.º/1 do
CPP, ao ponto de abranger arguidos tecnicamente habilitados a defender-se em juízo,
assenta em razões atendíveis149 e está dentro da margem de apreciação que deve ser
reconhecida aos Estados na limitação do direito de autodefesa, e por isso não viola o art.
6.º, n.ºs 1 e 3, al. c), da CEDH.
A imposição de defensor parece-nos, com efeito, justificada na generalidade dos
atos processuais enunciados no art. 64.º/1 quando os arguidos não sejam juristas. Dada
a sua falta de preparação técnica, esses arguidos não estarão, em geral, habilitados a
oferecer uma defesa efetiva em tais atos. Atos que, recorde-se, podem contender com
direitos fundamentais ou ter um relevo decisivo para o desfecho do processo e, portanto,
também, em regra, para a sua liberdade. Atendendo a estas circunstâncias, cremos que o
interesse (que também é público) de tutela efetiva do direito de defesa deverá sobrepor-
se à eventual vontade manifestada do arguido de se defender sozinho.
Tratando-se de arguidos que são juristas e profissionais do foro, tecnicamente
habilitados a atuar em juízo, parece-nos que a limitação do direito à autodefesa só se
justificará quando a cumulação de papéis de arguido e de defensor puder ser prejudicial
a uma regular tramitação do processo, em função do interesse público de que a justiça
penal seja realizada com eficiência150 – de que será exemplo a audiência de julgamento,
no âmbito da qual se procede ao interrogatório do arguido e por vezes há necessidade de
ouvir sujeitos e participantes processuais sem a sua presença. Não havendo razões para
temer que a autodefesa por arguido profissional do foro poderá vir a revelar-se
disfuncional, a sua proibição com o argumento de que é para seu bem, porque só terá a
ganhar com a intervenção de um terceiro que cuidará da sua defesa com a vantagem do
distanciamento, de forma desapaixonada, radica num paternalismo estadual que, neste
domínio, nos parece injustificado. Um argumento que as mais das vezes é convocado no
âmbito de recursos subscritos pelo próprio arguido e que pode redundar nesta situação
148
Dos 17 juízes que compuseram a Grande Chambre, 9 votaram a favor da posição vencedora e
8, incluindo o então juiz português Paulo Pinto de Albuquerque, votaram vencidos.
149
As razões encontram-se sumariadas nos pontos 147. e s. do acórdão.
150
Na linha, portanto, das restrições admitidas pelo CDH da ONU ao direito à autodefesa previsto
no art. 14.º/3/d) do PIDCP – “General Comment No. 32…”, cit., 37.
61
151
Recorde-se que “o arguido, ainda que em liberdade, pode apresentar exposições, memoriais e
requerimentos em qualquer fase do processo, embora não assinados pelo defensor, desde que se contenham
dentro do objeto do processo ou tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais” (art.
98.º/1).
152
Cf. infra, § 4, 3.
153
Assim, por exemplo, não estando o requerimento de abertura da instrução contemplado no
catálogo do art. 64.º/1, não se afigura aceitável a sua não admissão pelo facto de ser apresentado pelo
62
§ 3. A ASSUNÇÃO DA DEFESA
arguido e não pelo seu defensor – em sentido contrário corre, todavia, a jurisprudência dominante, que faz
depender a admissão do requerimento da sua ratificação pelo defensor: assim, v. g., os Acs. do TRL de
10.02.2009 (CJ, 2009, I), do TRG de 06.05.2013 (Proc. n.º 1508/09.8TAGMR.G1), do TRE de 24.09.2013
(Proc. n.º 599/09.6TAOLH) e do TRP de 05.12.2018, cit.
154
Arts. 30.º/1, 39.º/1 da LAD e art. 2.º e ss. da Portaria n.º 10/2008.
155
Cf. os arts. 61.º/1/e), 64.º/2/3/4, 66.º do CPP; e ainda os arts. 39.º/1 da LAD e 3.º e 4.º da Portaria
n.º 10/2008
156
Sobre a nomeação de defensor oficioso no âmbito do Sistema de Acesso ao Direito e aos
Tribunais, VÂNIA COSTA RAMOS / CARLOS PINTO DE ABREU / JOÃO VALENTE CORDEIRO,
“Confidencialidade da comunicação com o defensor como exigência de um processo penal justo e
equitativo”, Estudos em Homenagem ao Juiz Conselheiro António Henriques Gaspar, Almedina, 2019, p.
189 e ss.
63
157
Cf. arts. 8.º e ss. da LAD.
64
defensores oficiosos. Coisa diferente é a atenção que deve ser prestada pelas autoridades
judiciárias a possíveis carências de defesa efetiva de que a atuação (ou a falta dela) do
defensor dê sinais158: como é bom de ver, esse cuidado deve ser mais intenso nos casos
em que a defesa é confiada a um defensor oficioso do que naqueles em que é assegurada
por advogado constituído pelo próprio arguido.
2. Como se referiu já, não é qualquer pessoa e nem sequer qualquer jurista que
poderá assumir a função de defensor. Só advogados podem ser constituídos como
defensores ou ser como tal nomeados. É isso que se determina no art. 1.º/10 da Lei n.º
49/2004: “Nos casos em que o processo penal determinar que o arguido seja assistido por
defensor, esta função é obrigatoriamente exercida por advogado, nos termos da lei”.
Esta delimitação prende-se com a função de defesa técnica cometida ao defensor
e com a sua posição de órgão autónomo de administração da justiça, com os direitos,
prerrogativas e deveres que lhe devem ser inerentes: considerando a sua formação
jurídica, o estatuto deontológico que os rege e o papel na administração da justiça que
lhes é constitucional e legalmente reconhecido, só os advogados deverão admitidos a
assumir o lugar de defensor em processo penal. Não havendo, como atualmente parece
não haver, razões para recear que esta exigência seja inexequível ou coloque dificuldades
insuperáveis à tramitação processual de atos urgentes159, cremos não haver motivo para
que lhe possam ser estabelecidos desvios, mesmo que só pontualmente.
158
Infra, § 4, 3.
159
Cf. arts. 3.º (nomeação para diligências urgentes) e 4.º (escalas de prevenção) da Portaria n.º
10/2008.
65
160
A Lei n.º 47/2007 revogou o art. 40.º da versão originária da LAD, preceito no qual se dava
alguma margem de escolha ao arguido: “A autoridade judiciária a quem incumbir a nomeação disponibiliza
ao arguido listas de advogados para efeitos da escolha de defensor”.
161
Criticando também a presente solução legal, considerando-a violadora do princípio da
igualdade e das garantias mínimas de defesa, VÂNIA COSTA RAMOS / CARLOS PINTO DE ABREU / JOÃO
VALENTE CORDEIRO, “Confidencialidade da comunicação…”, p. 190 e s.
162
Ac. do TC n.º 196/2007.
66
163
Ac. do TRE de 10.04.2018 (Proc. n.º 40/18.3YREVR).
67
apenas importará a menção dos grandes pontos de vista que dominam toda a matéria do
estatuto do defensor no exercício concreto da sua função164, a par da referência a alguns
dos mais característicos e específicos problemas que neste domínio se suscitam.
164
Na síntese do TEDH, “the fairness of proceedings requires that an accused be able to obtain the
whole range of services specifically associated with legal assistance, pointing out that discussion of the
case, organisation of the defence, collection of evidence favourable to the accused, preparation for
questioning, support of an accused in distress and checking of the conditions of detention are fundamental
aspects of the defence which the lawyer must be able to exercise freely” (caso A. T. c. Luxemburgo, Ac. de
09.04.2015, 64.).
165
ROXIN / SCHÜNEMANN, Strafverfahrensrecht28, § 19, nm. 61.
166
Daqui justamente os designativos de counsel e de conseil, correntemente dados aos defensores
na linguagem jurídica inglesa e francesa.
68
167
Ac. do TEDH no caso Salduz c. Turquia, de 27.11.2008, 54. Para mais referências sobre esta
função, VÂNIA COSTA RAMOS / CARLOS PINTO DE ABREU / JOÃO VALENTE CORDEIRO, “Confidencialidade
da comunicação…”, p. 188.
168
Cf. sobre estes pontos HEIRICH ACKERMANN, “Die Verteidigung der schuldiger Angeklagten”,
NJW, 1954, p. 1385.
69
169
Circunstância esta que está na base da figura do advogado-detetive, vulgarizada pela ficção
policial, como a do conhecido Perry Mason criada por Erle Stanley GARDNER.
170
ROXIN / SCHÜNEMANN, Strafverfahrensrecht28, § 19, nm. 63.
70
declarações do arguido como meio de prova, que são indelegáveis (art. 138.º/1, ex vi art.
140.º/2)171, da aceitação da suspensão provisória do processo, da tomada de posição sobre
uma proposta condenatória em processo sumaríssimo, da manifestação da aceitação de
pena que dela careça (v. g., art. 58.º/5 do CP), da renúncia a estar presente no debate
instrutório, do pedido para ser julgado na ausência, entre outros172.
Em caso de discordância do arguido em relação a ato praticado pelo defensor,
poderá ele retirar eficácia a esse ato, desde que o faça por declaração expressa anterior à
decisão que sobre tal ato recaia (art. 63.º/2)173.
Se é certo que no exercício da função de assistência do arguido que ao defensor é
cometida tal atuação ocorre em representação daquele, ao ponto de a assistência e a
representação estarem de tal modo imbricadas que são praticamente indistinguíveis – não
havendo sequer necessidade de considerar de forma diferenciada essas facetas da ação do
defensor –, no papel que a lei processual adscreve ao defensor podem contar-se
atribuições em que aquela dimensão de representação é mais marcada e acaba por adquirir
autonomia em relação à assistência propriamente dita174. É o que se verifica,
nomeadamente, nas situações em que a notificação ou a presença do defensor fazem as
vezes da notificação ou da presença do arguido (cf., v. g., respetivamente os arts. 113.º/10,
373.º/3175 e 425.º/6176; e os arts. 300.º/3/4, 325.º/5, 334.º/4).
171
As declarações subscritas pelo defensor em peças processuais, alegando ou reconhecendo
factos, não são meio de prova, não substituindo nem podendo fazer as vezes de declarações do próprio
arguido, essas sim meio de prova (cf. art. 140.º e ss.).
172
PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, CPP4, Art. 63.º, nm. 2 e s., e MARIA JOÃO ANTUNES, DPP2,
p. 48.
173
Para mais desenvolvimentos, MARIA DO CARMO SILVA DIAS, Comentário Judiciário do CPP,
I, Art. 63.º, § 15 e ss.
174
Cf. RODRIGO SANTIAGO, “O defensor e o arguido…”, p. 218 e ss.
175
Ac. do TC n.º 378/2003.
176
Ac. do STJ de 10-05-2007 (CJ STJ, 2007, II, p. 178) e Acs. do TC n.ºs 59/99, 109/99 e
275/2006.
71
autos e dos meios de prova dele constantes); e por fim ainda dos que se ligam ao
relacionamento entre o arguido e o defensor.
Sob esta última perspetiva, pedra fundamental da consistência do direito de defesa
será o direito do defensor de comunicar, oralmente e por escrito, com o arguido177. A
possibilidade de diálogo entre um e outro é crucial para ambos, sendo essencial para o
exercício da defesa. Por isso, normas que imponham a um arguido privado da liberdade
um isolamento total, extensível ao próprio defensor, proibindo a comunicação entre
ambos, mesmo que só temporariamente, serão inconstitucionais, seja qual for o domínio
da criminalidade em que se inscrevam178. Assim, assiste sempre ao arguido o direito de,
mesmo quando detido, comunicar com o defensor – direito que é expressamente
reconhecido pelo art. 61.º/1/f).
177
FIGUEIREDO DIAS, DPP, 1974, p. 499 e ss., seguido pelo TC nos Acs. n.ºs 7/87 (2.5) e 417/98
(II., 2.).
178
Assim, o Ac. do TC n.º 7/87, concluindo pela inconstitucionalidade, por violação do disposto
no art. 32.º/3 da CRP, do art. 143.º/4 da versão originária do CPP, na medida em que previa a possibilidade
de, nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, o Ministério Público
determinar que o detido não comunicasse com pessoa alguma, incluindo o defensor, antes do primeiro
interrogatório judicial.
Já o TEDH, no caso Salduz c. Turquia (Ac. de 27.11.2008, proferido pela Grande Chambre), 37.
e 53., embora afirmando, a partir do direito a um processo equitativo (art. 6.º/1 da CEDH) e do direito à
assistência de um defensor (art. 6.º/3/c) da CEDH), que um arguido detido deve poder contactar o defensor
logo no período de detenção que preceda o primeiro interrogatório realizado na fase preliminar do processo
(direito enfatizado pelas opiniões concordantes dos juízes Bratza e Zagrebelsky), não deixa de admitir que,
em circunstâncias excecionais, se houver “razões imperiosas” para tal, o arguido poderá ser privado do
direito à assistência do defensor aquando da detenção e até mesmo dos primeiros interrogatórios (52. e 55.).
Ainda nesta linha, as decisões do TEDH nos casos John Murray c. Reino Unido (Ac. de 08.02.1996, 63.,
decidido pela Grande Chambre), Brennan v. Reino Unido (Ac. de 16.10.2001, 45.) e Dvorski c. Croácia
(Ac. de 20.10.2015, proferido pela Grande Chambre, 80.).
Um exemplo de denegação de acesso ao defensor tida por justificada é o do caso Ibrahim e outros
c. Reino Unido, no contexto de atentados terroristas levados a cabo em Londres em julho de 2005 (Ac. da
Grande Chambre, de 13.09.2016, 249. e ss.). Sem embargo, o TEDH tem ressalvado que “the rights of the
defence will in principle be irretrievably prejudiced when incriminating statements made during police
questioning without access to a lawyer are used for a conviction” (casos Salduz c. Turquia, 55., e Dvorski
c. Croácia, 80.). Esta posição de princípio não obstou, porém, à conclusão de que no referido caso Ibrahim
e outros c. Reino Unido não houve violação do direito de defesa (275.-294). Para os desenvolvimentos mais
recentes da jurisprudência do TEDH nesta matéria, cf. os casos Beuze c. Bélgica (Ac. da Grande Chambre
de 09.11.2018) e Doyle c. Irlanda (Ac. de 23.05.2019).
72
179
Para uma descrição e análise crítica destas dificuldades práticas, cf. o instrutivo estudo de
VÂNIA COSTA RAMOS / CARLOS PINTO DE ABREU / JOÃO VALENTE CORDEIRO, “Confidencialidade da
comunicação…”, pp. 187 e s. e 192 e ss.
180
Cf., não obstante, o art. 124.º/3 do CEPMPL: “O detido tem direito a contactar com o seu
advogado a qualquer hora do dia ou da noite”.
181
VÂNIA COSTA RAMOS / CARLOS PINTO DE ABREU / JOÃO VALENTE CORDEIRO,
“Confidencialidade da comunicação…”, p. 187 e s.
73
2.2 Seja quais forem as condições em que os contactos entre o arguido e o defensor
se estabeleçam, o conteúdo das comunicações mantidas entre ambos deve permanecer
reservado e imune a intromissões do Estado183. A garantia do sigilo das comunicações
entre arguido e defensor é absolutamente essencial para que aquele possa sentir-se seguro
de que as revelações que faça ao defensor não serão usadas contra si no processo.
Condição que, obviamente, é indispensável para que o arguido possa, com franqueza e
abertura, colocar o defensor a par de todos os factos que tenha por relevantes para que
este possa compreender o caso em toda a sua plenitude, o que é evidentemente
fundamental para a realização da defesa.
Deste modo, salvo quando as comunicações entre arguido e defensor ligadas à
defesa daquele num processo criminal em curso envolvam a prática de crimes, deverão
os órgãos do Estado abster-se de quaisquer tentativas de ingerência nessas comunicações
ou de tomada de conhecimento dos registos que delas existam184.
É com vista a assegurar essa proibição de ingerência que se prevê no art. 61.º/1/f)
que o direito à comunicação com o defensor reconhecido ao arguido detido deve poder
ser exercido em privado, acrescentando-se no n.º 2 desse art. 61.º que essa comunicação
em privado “ocorre à vista quando assim o impuserem razões de segurança, mas em
182
Cf. ainda a regra 61.1 das Regras de Mandela (Regras Mínimas das Nações Unidas para o
Tratamento de Presos): “Os presos devem ter a oportunidade, tempo e meios adequados para receberem
visitas e de se comunicaram com um advogado de sua própria escolha ou com um defensor público, sem
demora, interceptação ou censura, em total confidencialidade, sobre qualquer assunto legal, em
conformidade com a legislação local. Tais encontros podem estar sob as vistas de agentes prisionais, mas
não passíveis de serem ouvidos por estes”.
183
Cf. o art. 4.º da Diretiva 2013/48/UE: “Os Estados-Membros respeitam a confidencialidade das
comunicações entre suspeitos ou acusados e os respetivos advogados no exercício do direito de acesso a
advogado previsto na presente diretiva. Nas referidas comunicações incluem-se as reuniões, a
correspondência, as conversas telefónicas e outras formas de comunicação permitidas pela lei nacional”; e
de novo a regra 61.1 das Regras de Mandela.
184
Foi a violação deste dever que determinou a condenação do juiz espanhol Baltasar Garzón por
crime de prevaricação e a sua expulsão da magistratura, no caso Peláez, Crespo y Correa vs. Garzón, que
versou sobre a gravação, ordenada por aquele juiz, de conversas mantidas entre presos preventivos e os
seus advogados em locutórios do estabelecimento prisional em que aqueles se encontravam privados da
liberdade – STS n.º 79/2012, de 09.12.2012.
74
185
Normas que dão cumprimento ao disposto no art. 3.º/3/d) da Diretiva 2013/48/UE.
186
Sobre a questão, e no sentido do texto, VÂNIA COSTA RAMOS / CARLOS PINTO DE ABREU / JOÃO
VALENTE CORDEIRO, “Confidencialidade da comunicação…”, p. 211 e ss.
187
Cf., v. g., o caso Bogumil c. Portugal, Ac. do TEDH de 07.10.2008, 47. e s.
75
188
Acs. do BGH de 29.10.1992 (BGHSt 38, 372, 373) e de 12.01.1996 (BGHSt 42, 15, 21), e
FISCHER, KK-StPO8, Introdução, nm. 254.
189
HENRIQUES GASPAR, CPP Comentado, Art. 67.º, 3.
190
Cf. Acs. do TEDH de 13.05.1980, no caso Artico c. Itália, 33. e 36., e de 21.04.1998, no caso
Daud c. Portugal, 42. e s.
76
Quando a autoridade judiciária se depare com uma defesa exercida pelo defensor
de uma forma tal modo desastrosa, considerando os erros palmares de que padece, que
não seria reconhecível num advogado minimamente capaz e diligente, deverá tomar
medidas apropriadas à tutela do direito do arguido à assistência por defensor, por
exemplo, informando-o dos erros detetados e prevenindo-o para os riscos processuais
associados, para que ele possa acautelar os seus interesses191. Isto, sem prejuízo de
deverem ser adotadas medidas que colmatem a carência de defesa constatada, por
exemplo, reajustando a marcha processual de forma a viabilizar um exercício efetivo da
defesa192.
191
Cf. o Ac. do TEDH no caso Czekalla c. Portugal, de 10.10.2002, 68. Admitindo que, nos casos
de inércia manifesta e de erro do defensor, possa recair sobre o Tribunal o dever de dirigir ao arguido um
convite à retificação ou mesmo à substituição do defensor, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, CPP4, Nota
Prévia ao Art. 62.º, nm. 12.
192
Acs. do TEDH nos casos Czekalla c. Portugal, cit., 68., Bogumil c. Portugal, cit., 49, e
Panasenko c. Portugal (Ac. de 22.07.2008), 51.; e TIAGO CAIADO MILHEIRO, Comentário Judiciário do
CPP, Art. 64.º, § 11.
77
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81
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TC (Tribunal Constitucional) – salvo indicação noutro sentido, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt.
STJ (Supremo Tribunal de Justiça) e TRC/E/G/P/L (Tribunal da Relação de
Coimbra/Évora/Guimarães/Lisboa/Porto) – salvo indicação noutro sentido, disponível
em www.dgsi.pt.
TEDH (Tribunal Europeu dos Direitos Humanos): http://hudoc.echr.coe.int/.