Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Intimação 1 1

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 21

TJRN

PJe - Processo Judicial Eletrônico

07/05/2021

Número: 0820533-15.2021.8.20.5001
Classe: AÇÃO POPULAR
Órgão julgador: 4ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal
Última distribuição : 25/04/2021
Valor da causa: R$ 1.000,00
Assuntos: Abuso de Poder
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? SIM
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Partes Procurador/Terceiro vinculado
JEAN PAUL TERRA PRATES (AUTOR) MARINA MELO ALVES SIQUEIRA (ADVOGADO)
PREFEITURA DE NATAL (RÉU)
ALVARO COSTA DIAS (RÉU)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
68511 07/05/2021 11:50 Intimação Intimação
643
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
4ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal
Rua Doutor Lauro Pinto, 315, Candelária, NATAL - RN - CEP: 59064-250

Processo: 0820533-15.2021.8.20.5001
AUTOR: JEAN PAUL TERRA PRATES

RÉU: PREFEITURA DE NATAL, ALVARO COSTA DIAS

DECISÃO

JEAN PAUL TERRA PRATES, qualificado à inicial, por advogados, promove ação popular, sob
invocação da CF, art. 5º, LXXIII, e Lei nº 4.717/65, contra o MUNICÍPIO DE NATAL e ÁLVARO
COSTA DIAS, na condição de Prefeito Municipal, argumentando, em síntese, o seguinte:

Que o Prefeito de Natal, Álvaro Costa Dias, várias vezes foi às redes de comunicação apresentar o uso do
remédio Ivermectina como meio substitutivo ao uso da vacina para imunização contra Covid-19, em claro
atentado à saúde coletiva, uma vez que está cientificamente comprovado que não existe alternativa
terapêutica aprovada e disponível para prevenir ou tratar a doença causada pelo coronavírus em
substituição ao uso de vacina. Cita entrevistas daquela autoridade municipal nos dias 19/01/21 e
20/01/2021 em programas jornalísticos locais transmitidos por rádio e televisão onde aconselha usar o
fármaco. Diz que a conduta do alcaide foi amplamente noticiada. Afirma que a Secretaria de Saúde do
Município continua a distribuir a Ivermectina para tratar a Covid-19, e o Prefeito defende o uso do
remédio publicamente. Sustenta que a disponibilização desse remédio onera os cofres públicos, conquanto
não tem eficácia comprovada, podendo a continuidade do ato gerar danos imprevisíveis.

Defende o cabimento da ação popular para o caso narrado, discorrendo sobre a legitimidade ativa e
passiva, asseverando que os réus são responsáveis pelo ato ilegal, lesivo ao patrimônio público, nos
termos do art. 6º da LAP. Aduz que o ato administrativo narrado pode estar em conformidade com a lei,
mas contraria o princípio da moralidade, devendo, então, ser anulado. Discorre sobre a moralidade
administrativa e o uso da ação popular para combater seus desvios. Tece considerações sobre a pandemia
de Covid-19, mencionando ausência de estudos científicos que comprovem a indicação de uso do
vermífugo Ivermectina para o tratamento da Covid-19. Invoca o direito à saúde, defendendo que o
tratamento da moléstia tem que ser testado e identificado, e menciona posições da ANVISA, da FDA

Num. 68511643 - Pág. 1


(autoridade sanitária do EUA), OPAS, Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), e ainda
da Farmacêutica Merck, fabricante do remédio, no sentido de que a Ivermectina não é indicada para o
tratamento da Covid-19. Em suma, defende que não existem evidências científicas que indiquem o uso do
fármaco para o tratamento da referida doença.

Afirma ser necessário evitar má destinação de dinheiro público com o uso e dispensação do remédio, e
para tanto é necessária a concessão de tutela de urgência, mediante medida acautelatória (liminar na
forma do § 4º do art. 5º da LAP ou tutela provisória a teor do art. 294, parágrafo único, CPC), para que “
seja determinado ao Prefeito Municipal que se abstenha de divulgar, seja por meio de propaganda
institucional, seja por meio de pronunciamento do Prefeito e/ou Secretário de Saúde, a utilização de
Ivermectina como medicamentos eficazes (sic) ao tratamento de COVID-19; e, seja determinada,
imediatamente e inaudita altera pars, que o Sr. Prefeito Municipal se abstenha de distribuir, utilizar
e/ou adquirir medicamentos de eficácia não comprovada, especialmente a Ivermectina, para utilização
na rede pública de saúde do Município de Natal na profilaxia de combate a COVID-19, bem como a
revisão da Nota Técnica “Orientações no novo contexto de casos suspeitos da Covid-19 para a atenção
primária à saúde de Natal/RN. Versão 2. Fevereiro de 2021”, retirando o tópico 8 e todos aqueles
referentes ao uso de Ivermectina.” Juntou documentos.

Foi determinada a intimação dos requeridos para ofertarem manifestações sobre o pedido de liminar, no
prazo de 72 horas.

Com relação ao demandado Álvaro Costa Dias observa-se que a intimação será realizada por mandado,
expedido em 27/04/2021. Não há nos autos nenhuma informação sobre o cumprimento do mandado de
intimação.

O autor fez juntar petição avulsa com cópia de uma decisão em questão similar, alegando que já foi
superado o prazo assinalado aos requeridos, que não se manifestaram, pedindo conclusão dos autos para
decisão.

O Município de Natal veio aos autos na data de 07/05/2021, ofertando manifestação sobre o pedido de
liminar, aduzindo, em síntese, que sobre o tema posto o STF já deixou assentado que compete aos entes
público – leia-se, os Poderes Executivos – de forma cooperativa, escolherem a maneira de enfrentamento
da pandemia, consoante ADI 6341-MC, j. 15/04/2020. Defende que não cabe ao Judiciário imiscuir-se
nessa seara administrativa, tampouco dimensionar se tal ou qual medida é factível. Diz ainda que existe
decisão da 6ª Vara da Fazenda de Natal no mesmo sentido, e não cabe ao juiz determinar medidas como

Num. 68511643 - Pág. 2


as que requeridas pelo autor. Com relação à tutela de urgência, defende não estarem presentes os seus
requisitos, posto que o autor não trouxe provas das alegações e apenas alega a ineficácia da política
pública em questão, e que não houve tempo suficiente para que a SMS enviasse os dados técnicos
relacionados ao tema, e pede ao final que seja a liminar indeferida ou concedido maior prazo para quer a
SMS possa fornecer os dados técnicos.

É o relatório.

Inicialmente, observo que com relação ao demandado Álvaro Costa Dias, constata-se a expedição de
mandado para intimação pessoal, que até o momento não foi devolvido, não havendo, pois, notícia do seu
cumprimento. Como se sabe, está havendo restrições a cumprimentos de mandados de citações e
intimações pessoais, em razão da pandemia. No caso, a diligência pode demandar atrasos na apreciação
da tutela de urgência buscada pelo autor popular, que envolve, inclusive, o tema da pandemia de
Covid-19. Embora o § 4º do art. 5º da LAP não mencione expressamente a oitiva antecedente da parte
demandada para fins de deliberação de medida liminar, pode ser aplicado, no caso, o disposto no § 2º do
art. 300, CPC, que também trata das tutelas de urgência mediante liminar, admitindo a sua concessão
antes de justificação prévia, isto é, antes da oitiva da parte. No caso, entendo que a manifestação prévia do
demandado, embora já determinada, poderá ser postecipada, diferida para momento adiante, sem que isso
venha a significar cerceamento de defesa, e a eventual manifestação será apreciada, inclusive com a
possibilidade de reanálise da presente decisão interlocutória. Assim, mesmo sem a manifestação do
demandado, passo a análise do pedido de liminar.

Analiso as alegações do Município de Natal para o alongamento de prazo para a manifestação sobre a
liminar. Indefiro o pedido, posto que, embora reconhecendo a exiguidade de tempo para se debater uma
questão tão complexa em tutela de urgência, observo que é mesma questão de fundo ser analisada em
julgamento de mérito, ou seja, a possível lesão ao princípio da moralidade administrativa pela
recomendação e distribuição, pelo Município de Natal, do medicamento Ivermectina para trato da
Covid-19. Portanto, tal questão poderá ser melhor esclarecida pela defesa, aparelhada com as informações
que forem concedida pela SMS, e que o ente público poderá apresentar ao longo do processo, ou mesmo
logo após a presente decisão, se assim desejar e entender.

Trata-se de ação popular movida pelo cidadão Jean Paul Terra Prates, Senador da República, eleitor (ID
67983838), onde busca provimento judicial via liminar prevista na LAP ou tutela de urgência, via CPC -
assim está na inicial -, para fins de determinar que o demandado Álvaro Costa Dias, Prefeito de Natal
(e/ou o Secretário de Saúde do Município, conforme lê-se na inicial), se abstenha de divulgarpor sua
própria voz ou por meio de propaganda institucional a utilização de Ivermectina como medicamento

Num. 68511643 - Pág. 3


eficaz no tratamento da Covid-19, e ainda proibir o Município de Natal adquirir, distribuir e utilizar
medicamentos de eficácia não comprovada, especialmente o citado fármaco, na rede pública municipal de
saúde para o combate ao coronavírus, bem como para determinar a revisão de Nota Técnica mencionada
na inicial, que contém orientações da Secretaria de Saúde do Município para o trato de casos suspeitos da
Covid-19, inclusive no que se refere à distribuição de remédios para o tratamento preventivo e profilático.

Inicialmente, entendo necessário averiguar o cabimento da presente ação popular para os fins nela
perseguidos, bem como a legitimidade ativa. O autor popular afirma na inicial que a presente ação visa
anular ato lesivo à moralidade administrativa, e que consistiria em utilização e distribuiçãopelo
Município de Natal, com apoio do seuPrefeito, do medicamento Ivermectina, para tratamento deinfecções
pelo coronavírus,causador da Covid-19, que vem provocando a pandemia desde o ano de 2020, dizimando
a vida de milhares de pessoas no Brasil e em todo o planeta. O autor comprovou queé eleitor
regularmente inscrito, preenchendo o requisito legal do § 3º do art. 1º da Lei nº 4.717/65 (LAP) em
relação à legitimidade.

Quanto à admissibilidade da presente ação popular para os fins previstos na CF e na LAP, a pretensão
deduzida tem por elemento fático ação administrativa do ente público Município de Natal (Orientações –
Versão 2 – Fevereiro 2021)e manifestações, mediante entrevistas,do Prefeito de Natal, no sentido de
recomendar o uso do fármaco Ivermectina para tratar Covid-19e informar suadisponibilizaçãona rede
pública de saúde municipal, sem que exista amparo científico para tal recomendação, e uma vezque se
está diante de uma pandemia não pode tal tratamento ser substituto da vacina, sendo, pois, tal proceder,
malferidordo princípio da moralidade administrativa. Embora tenha sido controvertido nos debates
doutrinários durante largo período de tempo o tema da admissibilidade da ação popular para tal fim, o que
se tem em concreto nos dias atuaisa partirdas construções jurisprudenciais é a posição consolidadado
Supremo Tribunal Federal, adotada no RE nº 824.781com Repercussão Geral, onde se admitiu o manejo
do instrumento constitucional da açãopopular para o combate à lesão (ou tentativa)à moralidade
administrativa. Tem-se, portanto, superada por construção da jurisprudência, antigasdivergências que
existiam acercado manejo da ação popular paracombater ato lesivo à moralidade administrativa.

O que se sustentaatravés da presente ação é, segundo a inicial, ao menos em tese,o cometimento de ato
lesivo à moralidade administrativa, por parte do ente público Município de Natal como também pelo seu
Prefeito, Álvaro Costa Dias. Neste momento de análise perfunctória e de juízodemera delibação para fins
de averiguação dos requisitos de admissibilidade,em que pese a ausência de indícios de dolo de uma
conduta lesiva, a refluir da própria narrativa da inicial e dos documentos que a acompanham – até mesmo
em razão da questão postaser altamente controvertida nos próprios meios médicos e científicos– penso
que deve a ação ser recebida e se lhe emprestar seguimento, para que se possa avaliar, em melhor
momento e em cognição exauriente, a tese esboçada pelo autor popular e a legitimidade de um eventual
juízo meritóriosobre ocontroversotemapostoem debate. De se lembrar aqui, de início, que o fato da Carta

Num. 68511643 - Pág. 4


da Repúblicade 1988 ter alargado o âmbito da ação popular1, seguindo-se do pronunciamento afirmativo
dos tribunais sobre essaabrangência, chancelando-a também para o combate de atos lesivos à moralidade
administrativa, não importa em dizer que todo e qualquer comportamento administrativo seja sindicável
na via judicial mediante esse instrumento processual. No entanto, no caso em apreço, e até mesmo como
forma de compor melhor o debate a envolver tema controverso na própria seara da ciência e damedicina,
penso ser melhor caminho admitir a presente ação, deixando a controvérsia ser solvida na análise do
mérito no momento oportuno.

Contudo, umaquestão processual inicial precisa ser resolvida neste momento. O autor coloca em seu
pedido de liminar (ou tutela de urgência), determinação judicial paraque se abstenha o Prefeito de Natal
“e/ou Secretário de Saúde”de divulgar a utilização da Ivermectina no trato da Covid-19. Percebe-se
claramente que a referência a“Secretário de Saúde” deve ser o do Município de Natal, cargo
administrativo ocupado, como é publico é notório, por agente público com nome, profissão, endereço, etc.
Essa autoridade administrativa municipal - que se designou como“Secretário de Saúde”– não foi
colocada pessoal e nominalmenteno polo passivo da demanda. Não se pode pura e simplesmente tomar
uma medida judicialcontra aautoridade administrativa quesequer foi nominada eque, diga-se de passagem,
teria profundo impacto no exercício de suas funções, através da presente ação popular, sem que ela tenha
sido posta na condição de parte demandada. Para fins de ação popular o agente eventualmente
responsável por ato lesivo que se busca combater deve ser identificado e qualificado.

Pretender que seja essaautoridade (não nominada)impedida de sepronunciar sobre qualquer questão a
envolver o tema posto em debate na inicial não seria legítimo, dado não ser a mesma parte demandada,
e seria ainda medida flagrantemente inconstitucional, pois não se ofertou qualquer acusação de prática de
ato lesivo ao tipo de bem jurídico para cuja proteção se manejou a presente ação popular. Portanto,nos
termos do art. 6º da LAP constata-se que na ação popular a autoridade administrativa deve ser
individualmente identificada equalificada, e isso, como se sabe, é uma regra básica de todo e qualquer
processo de responsabilizaçãono nosso ordenamento jurídico. Portanto, não havendo nenhumamenção,
referência, indicação, nominação,acusação, identificação,ou coisa que o valha, na inicial, em face de ou
em razão de ato da autoridade administrativa que se designou como“Secretário de Saúde” de Natal, afasto
essa figura administrativa, que não foiidentificada e qualificada, do âmbito da presente ação
popular.

Passo à análise do pedido de liminar. Antes, contudo, observo que o autor popular busca a tutela do
aparato judicante estatal sob invocação de dois fundamentos legais de ordemprocessual: o § 4º do art. 5º
da Lei 4.717/65, e oart. 294, parágrafo único, do CPC. Tratando-se de ação especial como é a ação
popular, a pretensão acautelatória deve ser analisado sob a égide do § 4º do art. 5º da Lei nº 4.717/65, que
trata da suspensão liminar do ato lesivo impugnado. O CPC será aplicado ao andamentoda ação, até por
força do disposto no art. art. 7º da LAP.

Num. 68511643 - Pág. 5


Pretende o autor a obtenção de medida liminar que impeça o Prefeito de Natal, Álvaro Costa Dias,de
“divulgar, seja por meio de propaganda institucional, seja por meio de pronunciamento do Prefeito
e/ou do Secretário de Saúde, a utilização de Ivermectina como medicamentos eficazes (sic) ao
tratamento de COVID-19” e ainda paraque “se abstenha de distribuir, utilizar e/ou adquirir
medicamentos de eficácia não comprovada, especialmente Ivermectina, para utilização na rede pública
de saúde do Município de Natal na profilaxia de combate a COVID-19”, e finalmentepara que seja
revisada pelo Município de Natala Nota Técnica “Orientações no novo contexto de casos suspeitos da
Covid-19 para a atenção primária à saúde de Natal. Versão 2. Fevereiro de 2021.”

Não desconhece este julgador que o STF proclamou que compete também aos entes federados Estados e
Municípios, pelos seus Poderes Executivos, a adoção de providências e as escolhas das políticas públicas
que julgarem melhores e mais adequadas para combater a pandemia da Covid-19. Este Juízo mesmo já
decidiu nesse sentido algumas vezes, podendo-se consultar, por exemplo, o Processo
0811958-18.2021.8.20.5001, mas nenhuma delas versava sobre o debate da eficácia ou não de um fármaco para o combate
à Covid-19, mas sim sobre não intervir o Judiciário em situações em que o Executivo adota e decreta políticas públicas de
impacto econômico geral, sobre a questão de lockdown, sobre liberação de aulas em escolas privadas, venda de bebidas
alcoólicas, abertura do comércio,etc. Nessas questões mantenho-me convicto que não deve o Judiciário intervir. Mas a questão
versada na presente ação popular é diversa, e assaz tormentosa, porque se trata de sindicar se um remédio, a Ivermectina, é ou
não eficaz para combater uma doença terrível como a Covid-19, e se, em razão de inexistência de eficácia, pode ser distribuído
para tal fim pelo Município de Natal e ser objeto de um ato administrativo de recomendação do seu uso e distribuição pela rede
pública municipal de saúde, consoante consta nas Orientações – Versão 2 – de fevereiro de 2021, da Secretaria Municipal de
Saúde, e se isso lesiona ou poder lesionar a moralidade administrativa.

O argumento principal do autor popular para suspender o ato administrativo do Municípioé que o fármaco
Ivermectina não tem indicação e não tem eficácia para combater os males causados pelo vírus da família
coronavírus (Sars-CoV-2), causador da doença conhecida como COVID-19, que vem afetando todo o
mundo desde o início doano de 2020, provocando uma pandemia (assim declarada pela OMS),
asseverando destacadamente o autor que areferida doença não tem tratamento precoce definido, de sorte
que não podem os réus – Município e Prefeito de Natal – divulgar, ofertar ou distribuir, recomendar, ou
mesmo se referir por qualquer meio institucional ou pessoal à Ivermectina como medicamento eficaz no
tratamento da doença. Destaca ao autor que o Prefeito de Natal, Álvaro Costa Dias, já concedeu
entrevistas em rádio e TV onde afirmou que “eu estou protegido, porque tu tomo ivermectina, então eu
posso deixar pra tomar a vacina posterior, sem nenhum problema” (Jornal das Seis, “ao vivo”,
programa na Rádio 96 FM, 19/01/2021), e afirmou também “aproveito aqui a oportunidade para
aconselhar toda a população, quem não tiver acesso a vacina continue tomando a ivermectina de 15
em 15 dias na dosagem recomendada que estará devidamente protegido contra o coronavírus”

Num. 68511643 - Pág. 6


(Programa RN no Ar, TV Tropical, 20/01/2021). Diz o autor que a conduta do Prefeito foi amplamente
noticiada e é de extrema gravidade, pois orientouprescrever o remédioenquanto meio substitutivo à
vacina, e também como formade tratamento quando da contaminação daCovid-19, medicamento que a
própria indústriafarmacêutica fabricante atestou não possuir eficácia alguma para o fim que o gestor
propaga.

Dessa informação da exordialjá se poderia concluir que a fala do alcaide, divulgada nos dias 19 e 20 de
janeiro de 2021, não mais representaria perigo algum sob a ótica doquesito da demora (periculum in
mora), elemento caracterizador e afiançador da concessão das medidas liminares. Pelo decurso de tempo
é bem possível que tal fala tenha maiorrepercussão na comunidade natalense no momento atual,até
porque foi exatamente a partir domês de janeiro que teve início, no Brasil, a vacinação contra a Covid-19,
e em Natal começou exatamente no dia 20 de janeiro de 2021,ou seja, data da fala do Prefeito,
conforme se constata em simples pesquisa na internet.2 Difícil crer, aliás,que tenha mesmoinfluenciado
fortemente todauma comunidade, ou parte dela, ou alguns cidadãos, ou mesmo profissionais da área
médica, no sentido deadotarem ou prescreverem, como regra, o uso do fármaco Ivermectina para
tratamento precoce ou para tratamento profiláticodos contaminados pelo vírus, mormente após o início do
amplo processo de vacinação em massa que vem ocorrendo desde janeiro/2021, mesmo com osatrasos em
razão da tumultuada gestão da crise sanitária peloGoverno Federal,fato público e notório.

O que não se pode fazer – e tal pretensão já afasto antecipadamente através desta decisão– é imprimir
medida acautelatória no sentido de obstar – leia-se, proibir– a falade quem quer que seja, de qualquer
cidadão, de qualquer autoridade, em público ou em privado – a respeito de uso ou não de algum remédio
para prevenção outratamento da Covid-19, pois isso seria uma decisão arbitrária, lesiva ao livre direito de
manifestação albergado em sede constitucional (CF, art. 5º, IV), ecomo já proclamado pelo STF a
liberdade de expressão “é um dos mais preciosos privilégios dos cidadãos em uma república fundada
em bases democráticas” e é desse direito à livre manifestação que se irradiam “os direitos de crítica, de
protesto, de discordância, e de livre circulação de ideias”.(ADPF 187, Rel. Min. Celso de Mello, DJE
29/05/2014).Diga-se, seria manifestamenteinconstitucional proibir qualquer falade quem quer que seja
sobre usarou não esse ou aquele remédio para tratamentoprecoce ou nos sintomas da doença provocada
pelo coronavírus. De logo concluo que imprimir medida liminar para determinar que“se abstenha de
divulgarpor meio de pronunciamento do Prefeito–enesse tópico reside a gravidade de uma proibição
como a quese pretende, que, em suma,consistiria em censura grave– a utilização da Ivermectina como
medicamento eficaz ao tratamento da Covid-19”é medida que não encontra foros de constitucionalidade,
não devendo, pois, ser concedida.

Evidente, por outro lado,que – e isso é de conhecimento público e notório, diga-se – nenhuma
propaganda institucionalpoderá ser usada para divulgar a fala do gestor, seja qual for o assunto
abordado. Isto porque a norma do § 1º do art. 37, CF, proíbe que haja identificação entre a publicidade e

Num. 68511643 - Pág. 7


os titulares dos cargos públicos, podendo ser veiculada publicidade de caráter educativo, informativo, de
orientação social, mas sem ser feita no nome pessoal da autoridade, mas sim emnome doente público.
A falado Prefeito de Natal, referida na inicial, mediante entrevistas em rádio e TV, defendendo o uso da
Ivermectina para o tratado da Covid-19, não representa, ao nosso sentir neste juízo primário próprio das
liminares, uma propaganda institucional do Município de Natal. É, sim, uma opinião pessoaldo alcaide,
levada a cabo num momento em que persistiam (e ainda persistem)muitas dúvidas sobre como proceder
no tratar da Covid-19, salvo, evidentemente para os que acreditam, como este julgador, na orientação da
ciência e apostamna vacina para prevenção eerradicação desse terrível mal que é a Covid-19. Penso, pois,
ser inadmissível a pretensão deduzida para fins dese proibir, mormente por provimento liminar,
pronunciamento e opiniãopessoalda autoridade municipal referida, Prefeito de Natal,sobre usarou não
esse ou aquele remédio, inclusive a Ivermectina,para tratar a Covid-19 ou outra qualquer doença.

Vê-se, porém, que a fala do gestor, sua opinião pessoal, não pode ser confundida com a emissão do ato
administrativo lavrado na Nota Técnica – Versão 2, emitida em fevereiro de 2021. Neste ponto, penso ser
cognoscível a presente ação popular, sendo possível sindicar se o Município de Natal – e não o Prefeito
de Natal, por seus pronunciamentos em público ou em privado– pode valer-se de propaganda
institucional para divulgaresse ou aquele medicamento como adequadoparatratamento precoceno combate
ao vírus, podendo, assim, na via judicial,ser tal propaganda institucional suspensa liminarmente se
antevista possibilidade de lesão à moralidade administrativa. Ou seja, trata-se de sindicar o
comportamento do ente público Município de Natal, e não esse ou aquele pronunciamento do seu
Chefe do Executivo sobre o uso do remédio.Como ésabença geral, aqui e alhures, o agente público não
pode realizar ou ser partícipe de propaganda institucional. Essa é a regra, ditada pela Constituição
Federal. Mas proibir gestor público de emitir sua opinião pessoal, seu entendimento, mesmo que sobre
tema tão tormentoso e controversocomo o tratamento preventivo ou profiláticoda Covid-19, não pode ter
o beneplácito judicial,pois não cabe ao Estado – e seus juízes – definir com antecipação, previamente, o
que pode ou o que não pode ser dito, falado ou escrito pelos indivíduos, sejam agentes públicos ou
não.

Dito de outro modo, não há abrigo constitucional para proibir judicialmente um agente público– pode ser
Presidente da República, Governador(a) de Estado, Prefeito(a) Municipal – de emitir sua opinião pessoal
sobre o uso desse ou daquele remédio – no caso presente, a Ivermectina – para tratamento da Covid-19.
Caberá às pessoas, mediante seu discernimento, conhecimento, crença na medicina e/ou nos médicos, ou
mesmo por outras motivações objetivas ou subjetivas,decidirem se aceitam ou não tomar umamedicação,
seja Ivermectina, seja umaoutra, prescrita ou não por médico, ou por iniciativa própria, sem seguir a bula
(off label, como se tem dito). Trata-se do exercício do livre arbítrio.E isso não pode ser imposto ou
modificadopor decisão judicial, segundo meu modesto entender, mormente via liminar, que, registre-se,
pode servir para muitas coisas, mas não serve para governar ou para impor fé, crença ou descrençaàs (e
nas)pessoas. E também convém lembrar que não se pode interferir na autonomia médica, que é um
princípio fundamental do Código de Ética Médica e está estampado em seu preâmbulo.3

Num. 68511643 - Pág. 8


Pode-se dizer, em suma, que não se pode impedir um Prefeito (ou mesmo um Secretário de Saúde, ou
qualquer autoridade), de falar se o uso de um remédio é bom ou ruim, seprevine ou não uma doença, se
cura ou não, assim como não se pode impedir que médicos receitem (ou não) o uso da Ivermectina para
tratar precocemente ou profilaticamente o coronavírus. Também não se pode impedir o Município de
fornecer gratuitamente o remédio se for recomendado eprescrito pelo médico e o paciente aceitar a
prescrição, pouco importando se o médico é ou não da rede pública de saúde,porque o ente público,
como integrante do Sistema Único de Saúde (SUS), tem obrigação constitucional e legalde fornecer o
remédio ou tratamento que for prescrito pelo médico do serviço público ou privadode saúde para uma
doença, mesmo que seja a Covid-19, em favordas pessoas que não possam comprar, ou mesmoque seja
para atenderprogramas e políticas públicas de saúde.O que não se pode é transformar essa livre vontade
das pessoas emum mote institucional, uma propaganda oficial, um proceder como regra pública
obrigatória ditada peloente público.

Em facedo momento que vivemos, de pandemia, nem tudo deve ser visto de modo absoluto quando se
está ainda diante do imponderável, da dúvida, da falta de umaconfirmação científica definitiva, como é o
caso dos tratamentos precoces ou mesmo hospitalares e ambulatoriais quando se trata da Covid-19. A
certeza que a humanidade tem hoje é que a ciência triunfou em tempo recorde na pesquisa,
elaboração, testagem e aplicação de vacinas cujas eficácias jáestão devidamente comprovadas.
Embora se possa criticar discursos que pregam tratamentos precoces, inclusive com o uso da Ivermectina,
não se pode proibir as pessoas de falarem sobre tal opção, nem mesmo derecomendá-la, de aceitá-la,
como, aliás, fazem médicos que defendem tal proceder, que recomendam eque receitam diariamente, nos
mais diversos lugares do Brasil e de outros países, o uso desse fármaco no trato da Covid-19. Sabe-se,
contudo, que exitemsériascontrovérsias sobre esse proceder, sobre a eficácia dessa conduta,sim, sendo
esse, penso, o ponto que importa na presente ação popular, pois sequestiona o tratamento com a
Ivermectina, adotadopelo serviço de saúde doMunicípio de Natal, inclusive com recomendação da sua
dispensação e distribuição na rede públicado Município, orientação que está contida no documento ID
67983836 – Orientações no novo contexto de casos suspeitos da Covid-19 para a atenção primária à
saúde de Natal/RN – Versão 2 – Fevereiro de 2021, exatamente por entender e defendero autorque não
existe comprovação científica de sua eficácia no trato da moléstia.

No referido documento pode-se ler o seguinte:

“8. QUIMIOPROFILAXIA. A quimioprofilaxia desempenha importante papel no controle e


enfrentamento de determinadas doenças infecciosas. Sua indicação deve estar fundamentada
em elementos como, o risco de exposição, a taxa de adoecimento e potencial de letalidade, assim
como a segurança do esquema profilático proposto. Estudos in vitro mostram que a
Ivermectina reduz a replicação de RNA viral do SARS-CoV-2. Considerando seu perfil de

Num. 68511643 - Pág. 9


segurança farmacológico, larga experiência de uso clínico em outras doenças, custo e
comodidade posológica, esse medicamento revela-se como uma opção a ser utilizada não
somente para tratamento, como também para a profilaxia, somada a outras intervenções não
medicamentosas. Esquema medicamentoso de quimioprofilaxia proposto: A- Profissionais com
elevado nível de exposição ao SARS-CoV-2*: Ivermectina –200mcg/kg/dose (1 comprimido a
cada 30 kg ou fração de meio comprimido para 15 kg), VO, no D1 e D2. Repetir 1 dose após 15
dias (D1). B- Indivíduos com Fatores de Risco para desenvolverem a forma grave da
COVID-19: Ivermectina –200mcg/kg/dose (1 comprimido a cada 30 kg ou fração de meio
comprimido para 15 kg), VO, APENAS no D1. Repetir 1 dose após 15 dias (D1). *Observações:
1-Esquema profilático com Ivermectina é sugerido para profissionais de elevado risco de
exposição (profissionais de saúde, profissionais da segurança, bombeiros, entregadores, etc.) e
para indivíduos com fatores de risco para desenvolverem a forma grave de COVID-19
(portadores de síndrome metabólica, obesidade, diabetes ou HAS isoladas, idosos, etc.).
2-Recomenda-se a avaliação da função hepática 30 dias após a 1ª dose e mensalmente, caso haja
a manutenção das doses profiláticas subsequentes. 3- A quimioprofilaxia pode ser repetida a
cada 15 dias a depender do curso da epidemia, devendo ser orientada por profissional médico.
4- O uso profilático em jovens saudáveis deve ser desestimulado para que se alcance a
imunidade de rebanho (coletiva) progressivamente. 5- A Ivermectina não está indicada para
nutrizes e gestantes.”

Esse documento foi emitido pela Secretaria Municipal de Saúde e, embora sem data, conclui-se ter sido
emitido no mês de fevereiro de 2021, estando assinado pela Secretária Adjunta de Atenção Integral à
Saúde, Rayanne Araújo Costa, sendo, pois, um ato administrativo que recomenda claramente o uso da
Ivermectina no que se denominou esquema medicamentoso de quimioprofilaxia no contexto dos casos
suspeitos de Covid-19. Penso que nesse ponto do citado ato administrativo, e somente nesse, reside o que
podemos chamar, neste momento de cognição sumária não exauriente, de presença de uma fumaça do
bom direito. Isto porque a utilização da Ivermectina como tratamento precoce, ou para profilaxia da
Covid-19 é, sem dúvida, uma questão extremamente controvertida. Embora se veja e se ouça nas redes
sociais e nos demais meios de comunicação defesas veementes do uso desse vermífugo para o combate da
Covid-19, também se tem visto e ouvido posições em sentido contrário, e essas parecem ter, aos olhos
deste julgador, maior e mais qualificado apoio científico e maior poder de convencimento. No caso da
presente ação, o autor popular deseja que o medicamento Ivermectina seja considerado sem eficácia
comprovada no tratamento precoce da Covid-19, e por tal razão, proibida a sua recomendação e
disponibilidade para tal fim pelo Município de Natal. Por óbvio, não tem o julgador conhecimentos
científicos e capacidade técnica para dizer com segurança se o fármaco tem ou não eficácia contra a
Covid-19, e por isso há que se valer do apoio dos pesquisadores e estudiosos do vírus e recorrer aos textos
científicos publicados, que já não são poucos na quadra atual, destaque-se.

Num. 68511643 - Pág. 10


O mundo tem acompanhado a dura e árdua batalha dos cientistas para descobrir uma cura ou um
tratamento de sucesso contra a terrível doença, e já alcançamos uma vitória marcante, que é a vacina. Mas
não se afastou ainda, em definitivo, o uso de alternativas de prevenção ou mesmo de profilaxia no trato da
doença. E muitos médicos, seja na rede pública ou privada, continuam adotando condutas que entendem
preventivas e combativas ao vírus, como a prescrição do uso da Ivermectina e outros fármacos, embora
outros tantos condenem tal proceder. Por tudo isso pode-se dizer que a questão posta em debate, nestes
autos, além de não ser fácil é de difícil resolução. Não é uma simples questão de tudo ou nada, ou isto ou
aquilo, mas de buscar uma alternativa que apresente uma colaboração mais interessante e mais segura,
convincente, da ciência, analisadas com a devida cautela. De lembrar que o magistrado não pode
pretender, porque não está apto, a criar ou formular uma teoria médica, ou científica, sobre tão tormentosa
questão. O que deve ele fazer é, em situação como a ora posta, é ter olhos na Constituição, confiança na
ciência, e valer-se dos seus relevantes ensinamentos para construir a sua hermenêutica jurídica mediante
argumentação.

É claro que no amplo espectro de debate dessa questão temos que ter presente o princípio maior, que é o
direito à saúde, sufragado pela CF como direito fundamental (art. 6º), e o dever do Estado de provê-la,
consoante garantia estampada no art. 126, da Norma Ápice. Assim, nesse amplo contexto, é preciso
pesquisar o julgador sobre a aceitação ou não, nos meios científicos, do uso da Ivermectina para
tratamento da Covid-19, para poder se posicionar. O autor diz que o medicamento não é validado por
protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, cita estudos da ANVISA (Brasil), do FDA (USA), da OPAS,
da SBPT, que não recomendam o uso do fármaco para tratar o coronavírus. Menciona, inclusive,
estudos da própria fabricante da Ivermectina, a empresa farmacêutica Merck, que emitiu comunicado
global afirmando não existir evidência científica de efeito positivo nos pacientes com Covid-19 que
fizeram uso do remédio citado. Contudo, existem outros artigos e outras vozes da área médica, e não são
poucas, que defendem a eficácia do remédio, aliás, praticamente desde o início da pandemia até o
momento atual. Tal situação nos faz meditar e afirmar que parece que estamos aqui diante daquilo que
poderia ser sintetizado assim: sei o que digo, não sei o que o outro escuta. Em outras palavras, trata-se de
acreditar, ou não, na ciência, que tenta vencer a cada dia o vírus por um caminho ou por outro. Como
julgador confio plenamente na ciência, até porque para o cientista impossível é o que não foi tentado. E a
crença na ciência neste momento é fundamental no contexto da saúde pública, aqui e no resto do mundo,
e devemos nos orientar pelo que consideramos ser a melhor ciência, a melhor pesquisa, os melhores
resultados.

Nesse ponto, penso que o argumento do autor popular deve ser considerado para fins de fundamento para
chancela parcial da medida acautelatória buscada. Se existe um dever constitucional e legal do Município
de Natal em fornecer tratamentos, distribuir remédios, disponibilizar hospitais, leitos, equipamentos e
profissionais, para cuidar da saúde coletiva (direito fundamental) especificamente em relação à Covid-19,
a fixação de um ato administrativo oficial, como é o caso das Orientações (Versão 2, de fevereiro de
2021), adotado quase como regra para o tratamento precoce ou profilático, pode resultar em lesão ao

Num. 68511643 - Pág. 11


interesse público, porquanto não há uma conclusão definitiva sobre eficácia do remédio no tratamento da
doença. Não são, no caso, repita-se, os discursos pessoais desse ou daquele gestor municipal, mas o ato
administrativo editado pelo ente público como pessoa jurídica, responsável que é também pela saúde
pública, que pode constituir, ao menos em tese, em lesão ao princípio da moralidade administrativa, acaso
se reconheça, em momento de cognição exauriente, a ausência de eficácia do fármaco e a desnecessidade
subsequente de sua distribuição pelo poder público municipal. Repita-se: a questão a ser sindicada é a
recomendação do remédio por ato administrativa e a sua distribuição por iniciativa própria do ente
público, o que, evidentemente, afasta a prescrição e dispensação por médico, pois isso o juiz não
pode proibir, mesmo que convencido pessoalmente de que o remédio não tem eficácia contra o vírus. D
eve, pois, se reconhecida a possibilidade do Município fornecer o remédio, já que integrante do SUS, se
for ele prescrito pelo médico e o paciente aceitar a prescrição. O que não pode, ao meu sentir, é o ente
público, mesmo que mediante mera recomendação administrativa, adotar e expandir a prescrição e o uso
do fármaco, não só por falta de uma demonstração mais efetiva e confiável de eficácia, mas até mesmo
por uma questão de ponderação diante do momento de dúvidas extremadas que vivenciamos sobre o
tratamento da doença.

Por isso a importância dos estudos científicos já publicados, e são muitos, sejam defendendo a ineficácia,
sejam tentando mostrar bons resultados no uso da Ivermectina. Num desses estudos,recentemente
publicado pelo JAMA - Journal of the American Medical Association, uma das mais importantes
publicações científicas do mundo, intitulado Effect of Ivermectin on Time to Resolution of Symptoms Among
Adults With Mild COVID-19 - A Randomized Clinical Trial4-JAMA – April, 13, 2021 – Volume 325,. Number 14,
importantes cientistas dedicados ao estudo e pesquisa da questão, chegaram à conclusão que “Among adults with mild
COVID-19, a 5-day course of ivermec-tin, compared with placebo, did not significantly improve the time to resolution of
symptoms. The findings do not support the use of ivermectin for treatment of mild COVID-19, although larger trials may
be needed to understand the effects of ivermectin on other clinically relevant outcomes.”5Esse estudo, de alto nível e
qualidade,convence este julgador, ao menos neste momento,que existem amplas perspectivas de demonstração deineficácia do
fármaco Ivermectina na prevenção ou cura da Covid-19, e, logo, me autoriza a dizerquenão deveser recomendado seu uso de
forma pública e expansivaatravés de ato administrativo do Poder Público, como política de saúde para tratar a Covid-19,pois pode
consistir, ao menos em tese, tal recomendação, lesão à interesse público e, por conseguinte, à moralidade administrativa. Se for
prescrito por um médico, pode ser aceitável, pois se trata de uma questão de foro íntimo, ficando a critério do paciente tomar ou
não o remédio, acreditar ou não na suaeficácia. Cuida-se, em suma, de uma questão deconvencimento,de crença ou fé do paciente
em sua relação com o médico. Nisso o juiz não pode penetrar enão pode sindicar.

Vê-se, pela quantidade de trabalhos já publicados, queestá longe e difícil e talvez nunca venha a existirum
consenso científico sobre o uso desse fármaco (e de outros) no tratamento da Covid-19. Assim, a pesquisa
do julgador deve trilhar por esses estudos, tanto a favor como contra o uso do fármaco,buscando se
convencer qual(is)o(s)melhor(es)dele(s), osmais qualificado, com maior e maisclaro rigor e resultado
científico que possamsedimentar os fundamentos de uma decisão. De lembrar aqui, por outro lado, que no
plano da legalidadeanossa própria Lei da Pandemia – Lei nº 13.979, de 06.02/2020 - editada logo após o
reconhecimento pela OMS da crise sanitária globalem razão da Covid-19, fixou alguns critérios que

Num. 68511643 - Pág. 12


devem ser aplicados na adoção de procedimentos para o combate à pandemia, dentre eles o da evidência
científica. Naquele momento foram apregoados vários tratamentos, alguns comprovadamente sem
eficácia e condenados pela comunidade científica.Mas não se combate apandemia nos dias atuais sem
ciência séria, sem pesquisasde qualidade. Por deve intelectual, entendo quedentre os muitos estudos já
publicados há que se buscar eoptar por aqueles considerarmos de melhor qualidade, e aos olhos deste
julgador os de melhor qualidade são os que apontam para a ineficácia do uso da Ivermectina para
tratamento precoce ou profilático da Covid-19. Claro que existem bons estudos defendendo o uso do
fármaco, mas na quadra atual me parece mais seguro o caminho indicado por estudos como o já citado
(publicado pela JAMA), que concluiu pela ausência de uma eficácia efetiva no uso da Ivermectina em
paciente com Covid-19.

Não pretendo aquiser autoral, nem conceitual, muito menos me arvorar em detentor qualificadode
conhecimentos científicos sobre tema tão tormentoso, masentendo necessárioadotar como julgadoro
enfoque mais pragmático possível – porque estamos lidando no dia a dia com apandemia e com
escolhas e decisões sobre otratamento dessagrave doença– afirmando queestou convencido pelos
estudos recentes e mais qualificados(e tambémem razão das dúvidas postas em outros estudos), de que
não há e dificilmente haveráconsenso que autorize pregar o uso da Ivermectina como profilático e
preventivo no combate ao coronavírus, pelo menos enquanto política pública a ser adotada pelos entes
públicos, como é o caso do Município de Natal. Recomendável, pois, que isso não seja uma política
pública como regra, e não se descarta que uma recomendação administrativapode acabar se tornando
uma regra duradoura. Me parece seguro dizer, no momento atual, que o critério hermenêutico a ser
adotado é aquele baseadonos textos científicos que entendo mais abalizados, como o citado acima, que
afirma não existir no momentoevidências científicas seguras de comprovação de eficácia da Ivermectina
na prevenção e na profilaxia da Covid-19. Claro que isso justifica afirmar que nesse campo científico
somos a razão do que não compreendemos ainda. Masmesmo que não haja comprovação científica de
eficácia de certas drogas, o espírito da ciência neste momento é mais importante do que qualquer outro
para a orientação decisiva do julgador.

Quem quiser defender ouso da Ivermectina no tratamento precoce da Covid-19, apregoar seus possíveis
efeitos preventivos, ou mesmo seus resultados profiláticos ou de cura, pode fazê-lo, em público ou
privado,pois isso não pode o julgador proibir, seja tal pregação feita por um político, por um médico, por
um jornalista, por um cidadão qualquer, sob pena de o fazendo,estar o juiz acometer um abusivo ato de
coibição da liberdade de manifestação e expressão. Daí porque não se pode conceder, comoquer o autor
popular, uma liminar para “abster”(leia-se, proibir) oPrefeitode Natal de falaremesmo defender o uso da
Ivermectina no trato ou prevenção da Covid-19. Também não se pode proibir a difusão pelos meios de
comunicaçãoda opinião pessoal da citada autoridade, favorável ou mesmose vier a sercontrária ao uso do
fármaco, poisisso atentaria flagrantementecontra a liberdade de expressão e comunicação e a liberdade de
informação. Seria uma imposição draconiana de censura aos órgãos da imprensa e às redes sociais. No
entanto, oque se pode suspender, ou mesmo proibir em definitivo após análise de mérito, é o uso de

Num. 68511643 - Pág. 13


propaganda institucional ou ato administrativopara difusão do remédio como eficaz e curador da
terrível doença Covid-19, que se alastrou pelo mundo e dizimoua vida de milhões, sem que exista uma
efetiva comprovação científica de que isso é verdadeiro. A recomendação contida na Orientação
Versão 2, da Secretaria de Saúde do Município de Natal (ID 67983836), embora não seja vinculante para
qualquer órgão público, nem para os médicos, nem para os cidadãos, pode sugerir uma política pública
de saúde que não está baseada em evidências científicas plausíveis e aceitáveis no consenso científico
atual, gerando mais incertezas do que certezas, devendo, pois, ser evitada.

Mas há, contudo, para além dessa razão pragmática, formatadaa partir detrabalhoscientíficos como o
mencionado anteriormente - eem vários outrosestudos sobre o tema, que podem ser encontrados na rede
mundial de computadores -uma regra que entendo apropriada à situação como a descrita na inicial, e que
é vivenciada por todos nos dias atuais, e que deve ser adotada: a da confiança. Não especificamentea
confiança na ciência, na medicina, na tecnologia, na farmacologia, mas a confiança do cidadão como
um valor íntimo, pessoal, subjetivo, insindicável judicialmente. Ou, dito de outro modo, a confiança
das pessoas no remédio que lhe for indicado ou prescrito pelo seu médico particular ou público, seja qual
remédiofor, inclusive a Ivermectina. É uma falsa dicotomia, um falso dilema, uma falácia lógica, querer
afastar da realidade social essa opção que as pessoas estão fazendo até o momento diante da realidade
proporcionada pela pandemia, no sentido de usar ou não usar determinados remédios, como a
Ivermectina, para prevenir ou mesmo tratar sintomas da Covid-19. Milhões ou milhares de pessoas
buscam esperanças nesses remédios, e não podemos considerar isso errado, muito menos afastar
esperança por decisão judicial. Pretender apagar essa luz para essas pessoas é tornar muito mais escura a
realidade nesse momento do que quando ela vier a se acender pela luz da cura definitiva do vírus.

Por isso entendo que se um médico, seja ele do serviço público ou da rede privada, ou médico particular
de um paciente, prescrever a Ivermectina para prevenir ou tratar a Covid-19, e o paciente aceitar, acreditar
na eficácia do fármaco, pode – e deve – o ente público, seja Estado ou Município, fornecer o remédio, se
o cidadão buscar o serviço público para obtê-lo, por não ter condições para comprar. O que não pode, ao
meu sentir, é haver uma política pública que sem se basear em evidências científicas aceitáveis e
razoavelmente consensuais nos dias atuais que recomende esse ou aquele remédio para tratamento
da Covid-19, oriente ou mesmo adote como regra a prescrição e dispensação do fármaco. A
Orientação Versão 2, de fevereiro de 2021, da SMS, embora não tenha nenhum caráter obrigatório, pode
sugerir no (in)consciente coletivo que o Município de Natal pode estar impondo, como regra, a
prescrição da Ivermectina para combater a Covid-19. Mesmo que isso não se afigure verdadeiro – a partir
do vernáculo do próprio texto da citada Orientação, que não dita uma imposição, mas orienta -, é possível,
contudo, dizer que as pessoas podem se sentir confusas com a divulgaçãodessas orientações, e isso não
podemos afastar da realidade, sendo, portanto, recomendável, no momento, suspender essa orientação, ao
menos até que se obtenha um seguroconsenso sobre algumaeficácia do fármaco no trato da Covid19.

Num. 68511643 - Pág. 14


Adotando, como disse acima, um olhar pragmático sobre o que posto como pretensão deduzidana
presente ação, também devoregistrar que aquilo que a administração pública recomenda, diante da
realidade atual, para efeitos de prevenção ou profilaxia em relação à Covid-19, a mais grave pandemia
dos últimos dois séculos6, como é o casoda Orientação Versão 2, do Município de Natal -quecomunica,
informa, divulga algo a respeito da doença, e esse algo pode confundir, pode sermesmo crucial na
formação de pré-juízos das pessoas – e uma vez que venham a seressas pessoas afetadas pelo vírus, sem
obterem sucesso no tratamento com o remédio Ivermectina (ou outros), ou venham a falecer, pode ensejar
demandas judiciais de responsabilização do ente estatal, possibilitandogerarconsequências para a própria
sociedade que, ao final, é quem arcarácom o pagamento decorrente de eventuaisdanos reconhecidos, o
que afeta a todos. Não podemos afastar essas possibilidades reais, e se não formos capazes de evitá-las,
preventivamente, estaremos nos afastando de umdever de lealdade constitucional, que é buscarconstruir
uma sociedade solidária e com a promoção do bem de todos (CF. art. 3º, I e IV). Daí porque entendo, na
situação posta, que é lícito ao Judiciário, mesmo diante das dúvidas científicas que existem – e não
podemos de forma alguma ignorá-las – frear ou mesmo impor à Administração Pública, no caso ao
Município de Natal, uma obrigação de fazer consistente na suspensão parcial da Recomendação Versão 2,
de fevereiro de 2021, especificamente no que se refere ao seu item 8, que indica a prescrição da
Ivermectina para prevenção e quimioprofilaxia da Covid-19.

Ainda dentro desse espírito pragmático de enfrentamento da questão posta na presente ação popular, não
posso fugir, como julgador, dos efeitos e consequências dasabordagensque resultarão (ou não) desta
decisão. O julgador tem que pensar se suas decisões podem tornar melhor ou pior a vida daspessoas,
especialmente numa área tão sensível como a de saúde pública. E num momento tão dramático como o
que ora passamos no nosso país – mais de 410mil mortos pela Covid-19 no momento em que elaboro esta
decisão! - e milhões no mundo todo! Assim, nestemomento em que a pandemia que já dura mais de um
ano, período no qual os governos e as pessoas buscaram as mais diversas alternativas para prevenção e
tratamento, uma decisão judicial não pode ser uma simples gaze ou um simples esparadrapo a ser
colocado para prevenir ou tratar a moléstia, assim como não pode ser uma vacina de juridicidade que se
transforme em uma opinião imposta– ou, como queiram, uma imposição arbitrária– para “convencer” as
pessoas de que alguns remédios não funcionam, que não podem ser recomendadospelos médicos ou
mesmo distribuídos pela rede pública de saúde, se prescritos na forma da lei que rege as atividades
médicas.

O juiz precisa ter consciência disso. Ele não é um deus, muito menos dono da verdade, notadamente a da
ciência da saúde, e especificamenteda ciência médica,embora isso não oimpeça de dizer que é verdade
que ela não pode ser considerada propriamente uma ciência7. Mas o juiz não pode esquecer que ele não
pode fazer as vezes do médico ou substituir o seu livre arbítrioatravés de uma decisão judicial, mesmo
com todo o poder jurisdicional que tem de ditar comportamentos das pessoas nos estritos termos da lei
(CF, art. 5º, II). Esse poder do juiz, mesmo que muitas vezes erroneamente encarado como uma grandeza
a ser usada contra tudo ou todos, tem limites, e convém lembrar aqui o quedeixou registrado para a
história numa frase magistral o bardo William Shakespeare, numa frase que se encaixa à perfeição com a
visão deste julgador: “O mal da grandeza é quando ela separa a consciência do poder.”8 Essa frase

Num. 68511643 - Pág. 15


explica tudo o que este juizpoderia aqui deixar dito sobre a limitação da atividade jurisdicional,
especialmente num momento e numa situação tão tormentosa, duvidosa,dolorida, triste, mas também de
esperanças no porvir, como a que ora vivenciamos em razão da pandemia da Covid-19.

Adotando esse enfoque (e por que não dizer, esse espírito) pragmático, fico convencido, neste momento
de apertada delibação, com veniaspelaslongas considerações aqui expendidas, que não deve o Município
de Nataladotar uma conduta, porque suscitante de dúvidas, consideradas as exposições, pesquisas e
publicações da comunidade médica e científica que estuda a Covid-19, que possa induzir o sucesso de
um tratamento precoce ou de uma cura para a Covid-19 com o uso da Ivermectina. Todos nós
compreendemosa perplexidade das pessoas diante da pandemia do coronavírus, que exigiu confinamento
e afastamento sociale uma série de outros comportamentos aos quais não estávamos acostumados, e
agravando terrivelmente os sistemas de saúde público e privado, e que trouxe inúmeros outros problemas
de saúde. Todos nós passamos por esse momento de exílio social, que nos possibilitou pensarmos a
situação por todos nós vivida, vivenciar novos comportamentos que se nos foram impostos pela realidade,
experimentarsentimentos conflitantes de viver ou morrer, encarar conflitos íntimos, preocupações com um
futuro de incertezas e desconfianças para viver um “novo normal” após a pandemia. Tivemos que pensar,
meditar, conceber novos modelos de pensamentos, para tentar viver nessa nova realidade de um mundo
em uma profunda transformação.

E nessa realidade gerada pela pandemia da Covid-19, nenhum juiz poder afirmar que desconhece ou
ignora as críticas (e muitas delas duríssimas)que são dirigidas aos gestores públicos do Executivo, do
Legislativo e dopróprio Judiciário por posições adotadas em relação à crise sanitária que vivemos. Como
julgador, estou consciente das críticas dirigidas ao Judiciário, especialmente as que nos acusam de
chancelarmos posições políticas de uns ou de outros no trato da tormentosa questão do combate à
pandemia da Covid-19. Mas é deveras importante registrar, como o fez em obra lançada no Brasil em
novembro de 2020, com excelente tradução para o português por Amauri Feres Saad, RAN HIRSCHL,
professor de Ciência Política e de Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Toronto, no
Canadá, com foco no direito público e no constitucionalismo comparados, que uma parte do mundo – e,
surpresa, os países mais democráticos, ao que se concebe - que adotam um rol de direitos fundamentais,
como o Brasil, onde o direito à saúde é um dos principais, está adotando, a partir de inciativa dos demais
poderes (e do ambiente político momentaneamente vivenciado no Legislativo e Executivo) uma estratégia
de manutenção - que aliás considero legítima no nosso caso porque a CF assegurou o acesso ao Judiciário
como uma garantia inafastável – de sua hegemonia que foi aparentemente perdida nos últimos anos,
transferindo para os juízes a solução de problemas que são de sua alçada e competência. Isso aconteceu e
continua acontecendo entre nós desde o início da pandemia. Basta ver quantas demandas já foram
acionadas no próprio STF em relação à crise sanitária gerada pela pandemia desde 2020, e as milhares
aforadas na primeira instância diariamente, principalmente para vagas em UTI e fornecimento de
tratamentos e remédios.

Num. 68511643 - Pág. 16


Mas penso que seja neste momento ou após um mundo novo ou “novo normal”, como queiram ou
venham adenominar o momento histórico pós-pandemia, não podemos afastar a legitimidade e a
autoridade daqueles que foram eleitos para nos representar. Não podemos impedir suas falas, por mais
críticas que venhama merecer do próprio povo que os elegeu. São eles os responsáveis, queira-se ou não,
porque escolhidos pelo povo, por certas decisões políticas que não deveríamossindicar enquanto juízes.
No entanto, nesse ambiente político que vivenciamos e com essa cultura que criamos de tudo ser
judicializado, oque devemosfazer, no meu modesto entender, mormente em situações como a ora
apreciada, é avaliar se dentro da legalidade e dentro do espírito e espectro amplo da Constituição Federal
a decisão administrativa do Município de Natal lesiona ou potencialmente pode ferir alguma regra ou
princípio inserto no pacto social e político da sociedade brasileira que é a nossa Norma Fundamental
(CF/88), e mais especificamente o princípio da moralidade administrativa9. Há, nesse sentido, ao menos
neste momento de apertada síntese, uma fumaça do bom direito a recomendar suspender parcialmente
trecho da Orientação – Versão 2 - de fevereiro de 2021 – expedida pela Secretaria Municipal de Saúde.
Embora o ato seja de fevereiro de 2021, o que poderia afastar o perigo da demora (a ação só foi aforada
em 25/04/2021), há o concurso do fumus boni iuris, que autoriza a concessão parcial da liminar buscada.

Não há falar, no caso, de um periculum in mora inverso, no caso, pois outros meios de tratamento e outros
remédios que não a Ivermectina podem ser fornecidos pelo ente público, segundo as recomendações que
forem emitidas pelos órgãos de saúde pública, pelos médicos, enfim, pela ciência. Assim, precisamos
ponderar, à luz do que já posto nos melhores trabalhos científicos, na gestão da saúde pública, no
princípio da moralidade, nos reflexos que o fornecimento da Ivermectina pode trazer para a saúde das
pessoas e, por fim, considerando que qualquer que seja o tratamento que venha a ser incorporado à
política pública de saúde, municipal, mesmo que em caráter temporário, pelo tempo que perdurar a
pandemia de Covid-19, precisa estar baseado em evidênciasrazoavelmente aceitáveise acolhidas pela
comunidade científica e pelos órgãos de saúde pública, e em análises de informações estratégicas em
saúde, nos termos do que disposto na Lei nº 13.979/2020 (art. 3º, § 1º), é recomendável a suspensão do
item 8 das Orientações – Versão 2, da SMS de Natal/RN. Embora recomendação, o ato administrativo
pode evidenciar que o ente público está a adotar e incorporar, como regra, sem base em evidência
científica, um tratamento oficialpara a Covid-19, e que pode confundir ou gerar expectativas que resultem
frustrantes nas pessoas. Também pode sugerir que médicos possam se sentir induzidos, ou mesmo
obrigados, a receitar a Ivermectina, mesmo que entendamque pode não ser eficaz ou benéfico ao paciente,
com a possibilidade consequências à saúde do paciente,embora não possam ser responsabilizados por tal
conduta em razão da autonomia médica.

Em linhas de conclusão, na quadra atualoravivenciada, quando inclusive já sequestiona mais amplamente


nos meios científicos a farmacologia do medicamento Ivermectina como preventivo ou profilático para a
Covid-19, e sem que haja uma recomendação de órgão técnicos (como a ANVISA) para o seu uso e
distribuiçãodentro de política pública de combate ao vírus, e principalmente considerando que o próprio

Num. 68511643 - Pág. 17


Município de Natal vem cumprindo, e até com destaque, o calendário de vacinação contra a doença e, por
fim, considerando que as Orientações Versão 2, da SMS de Natal, em seu item 8. Quimioprofilaxia, não
foram revogadas pelo ente público, e a distribuição de medicamento sem eficácia cientificamente
comprovada para tratamento da Covid-19 pode comprometer a saúde das pessoas, enxergo presente a
plausibilidade parcial do direito alegado, e embora o ato tenha sido editado em fevereiro de 2021 e
somente agora questionado, é se deferir parcialmente a liminar buscada para suspender a referida
orientação e sua divulgação mediante propaganda institucional do ente público.

Não encontro amparo, por outro lado, conforme já assentado acima, para deferir a tutela buscada no
sentido de impedir o Prefeito de Natal de livremente se pronunciar em público e por qualquer meio de
comunicação, sobre a utilização do remédio citado para combate à Covid-19, pois isso representaria uma
odiosa censura à liberdade de expressão do agente público, assim como não enxergo plausibilidade na
pretensão de determinar que “o Sr. Prefeito Municipal se abstenha de distribuir, utilizar e/ou adquirir
medicamentos sem eficácia não comprovada, especialmente a Ivermectina, para utilização na rede
pública de saúde”, porque sabe-se aqui e alhures que não é o Prefeito que adquire ou distribui
remédio, mas sim o ente público, dentro das propostas de políticas públicas de saúde que adota.
Ademais, se os médicos eventualmente prescreverem o remédio como terapia específica para a doença, o
Município tem mesmo a obrigação de fornecê-lo, caso alguém busque o seu serviço de saúde para tal fim,
pois isso é um dever imposto pela CF e pela lei (SUS). O que não me parece salutar no momento é
divulgar, via propaganda institucional, sem um aprimoramento científico, e como se fosse quase uma
regra, o uso do referido remédio no combate à doença.

ISTO POSTO, defiro parcialmente a liminar pleiteada tão somente para suspender o disposto no
item 8 – Quimioprofilaxia - da Nota Técnica“ORIENTAÇÕES NO NOVO CONTEXTO DE
CASOS SUSPEITOS DA COVID-19 PARA A ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE DE NATAL.
VERSÃO 2. FEVEREIRO DE 2021”, da Secretaria Municipal de Saúde de Natal,bem como a
inserção dotexto do item citado em propaganda institucional do Município de Natal, exclusivamente
no que diz respeito ao fármaco Ivermectinapara o tratamento da Covid-19 em ambos os casos,
ficando assegurado ao ente público a dispensação desse e de outros medicamentos se e somente se
prescrito pelo médico do paciente e por ele aceito para o tratamento dessa ou de outras doenças.

Cite-se os réus para responder, no prazo legal. Se a resposta contiver matéria preliminar vistas ao autor
para se manifestar em 15 dias. Intime-se pessoalmente o Prefeito Municipal desta decisão e dê-se ciência
à Secretaria Municipal de Saúde, bem como ao Ministério Público.

Num. 68511643 - Pág. 18


1Art. 5º, LXXIII, CF. O dispositivo faz expressa referência à moralidade administrativa, mas isso não
significa dizer que toda e qualquer situação da realidade fática seja uma lesão ou tentativa de lesão ao
standard fixado no texto magno.

2Pesquisa realizada em 04/05/2021, sobre o início da vacinação em Natal/RN. Pode-se consultar, por
e x e m p l o :
https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2021/01/27/vacina-contra-covid-19-em-natal

3“VII - O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje,
excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente. VIII - O médico
não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam
prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho.”

4Em tradução livre: Efeito da ivermectina no tempo de resolução dos sintomas entre adultos com ensaio
clínico randomizado – Covid-19. Autores do trabalho: Eduardo López-Medina, MD, MSc; Pío López, MD; Isabel C. Hurtado, MD;
Diana M Dávalos, MD, MPH, DrPH;Oscar Ramirez, MD, MPhil; Ernesto Martínez, MD; Jesus A. Díazgranados, MD; José M. Oñate, MD;Hector
Chavarriaga, MD, MS; Sócrates Herrera, MD; Beatriz Parra, PhD; Gerardo Libreros, PhD;Roberto Jaramillo, MD; Ana C. Avendaño, MD; Dilian F. Toro,
MD; Miyerlandi Torres, DrPH; Maria C. Lesmes, MD;Carlos A. Rios, MD; Isabella Caicedo, MD.

5Em tradução livre: Entre os adultos com COVID-19 leve, um curso de ivermectinapor 5 dias, em
comparação com o placebo, não melhorou significativamente o tempo de resolução dos sintomas. Os
achados não apoiam o uso de ivermectina para o tratamento de COVID-19 leve, embora estudos maiores
possam ser necessários para compreender os efeitos da ivermectina em outros desfechos clinicamente
relevantes.

6Em 1918, quando o mundo vivia a Primeira Guerra Mundial, a humanidade testemunhou a ameaça
invisível e então desconhecida que espalhou a morte pelo mundo todo e que ficou conhecida para a
história como a Gripe Espanhola. Governos, pesquisadores e médicos buscaram medidas para combater
rapidamente a terrível pandemia, mas levou-se pelo menos dez anos para que a humanidade se livrasse
daquele mal. Mais de um século depois, o que nos ensina aquela tragédia é que em tempos de incertezas,
como a que vivenciamos com a pandemia da Covid-19, a arma mais importante e eficaz para combater as
dúvidas e até mesmo o pânico por elas gerado é a ciência e a comprovação e divulgação da verdade
científica. As lições daqueles tempos permanecem atuais no campo científico.

7Há um consenso na comunidade científica de que qualquer ciência baseada em evidências não pode ser
considerada puramente uma ciência exata. Evidente que a ciência médica trabalha com uma curva de
probabilidades. Pode-se trabalhar com uma mesma situação cujos resultados podem dar certo ou podem
dar errado, e isso restou comprovado empiricamente, ao nosso sentir, no atual momento de pandemia que
o mundo vive em razão da Covid-19. Estamos num momento em que existem dúvidas até mesmo sobre a
eficácia de vacinas que estão sendo aplicadas no Brasil e em outros países. Em resumo: tudo que se
relaciona à Covid-19 ainda está cercado por dúvidas e incertezas. Mas isso não deve nos fazer perder a fé
na ciência.

8William Shakespeare foi um poeta, dramaturgo e ator inglês, tido como o maior escritor da língua
inglesa e o mais influente dramaturgo do mundo.

9De lembrar que é um conceito amplo, portanto, interpretativo, ou, como afirma Dworkin, conceito sobre
o qual as pessoas controvertem e não pode ser interpretado sem o concurso de outros conceitos que o
justificam. Enildo Stein anota que é um conceito que não remete para objetos reais, mas sim para

Num. 68511643 - Pág. 19


representações que se resumem numa espécie de metaconceito. Apud OHLWEILER, Leonel Pires. Os
(Des)Caminho Hermenêuticos do Direito Administrativo: Historicidade e constitucionalização para
efetividade dos princípios jurídicos.Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2017, pp. 317-318.

NATAL /RN, 7 de maio de 2021.

CÍCERO MARTINS DE MACEDO FILHO

Juiz(a) de Direito

(documento assinado digitalmente na forma da Lei n°11.419/06)

Num. 68511643 - Pág. 20

Você também pode gostar