COMAROFF o Retrato de Um Sul Africano Desconhecido
COMAROFF o Retrato de Um Sul Africano Desconhecido
COMAROFF o Retrato de Um Sul Africano Desconhecido
SUL-AFRICANO DESCONHECIDO
A IDENTIDADE NA ERA GLOBAL1
Jean Comaroff
Tradução do inglês: Sônia V. B. de Faria
RESUMO
O artigo discute o atual estatuto das questões sobre identidade, etnicidade e nação na era
global, em que se verificam rápidas transformações tecnológicas, na organização da produ-
ção, nas formas de intercâmbio e nos meios de comunicação. Toma-se como ponto de partida
da discussão a questão das formas de representação do povo sul-africano no Estado pós-
apartheid. Examinam-se as implicações sociopolíticas e culturais dos movimentos de eurona-
cionalismo e etnonacionalismo no contexto de perda de soberania do Estado-nação moderno
e de prevalência dos processos hegemonizantes de globalização e transnacionalidade.
Palavras-chave: identidade; etnicidade; nação; era global; África do Sul.
SUMMARY
This article examines the current state of the debate on issues concerning identity, ethnicity,
and nation in the global era, where rapid changes in technology, in the organization of
production, in forms of exchange, and in Communications have occurred. Focusing her
discussion on the forms of representation of the South African people in the post-apartheid
state, the author evaluates the sociopolitical and cultural implications of Euro-nationalism and
ethno-nationalism in a context where the modern nation-state loses its sovereignty and where
the hegemonizing processes of globalization and transnationality prevail.
Keywords: identity; ethnicity; nation-state; global era; South África.
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Jane Taylor (s/d, pp. 1-2), esse contraste transmite dois estilos opostos de se
imaginar um povo. O primeiro, expressando o ponto de vista da galeria com
relação à nova identidade cultural nacional sul-africana, representa o "povo"
como um elenco de retratos individuais inconfundíveis, identidades que
compõem um agregado multicultural. O segundo, fiel a um legado de luta
nacionalista, descreve um povo em suas formas ilustrativas — heróis,
mártires e cidadãos comuns —, todas elas produto de uma história política
específica. Foi uma justaposição desconfortável, que gerou a sua quota de
controvérsia.
O caso é instrutivo. Ele captura bem o problema que circunda o
relacionamento de pessoas e coletividades, "identidade" e "cidadania", em
um mundo em rápida mudança, um mundo que luta de maneira cada vez
mais aguda com o que Salman Rushdie (1996, p. 329) chamou de "Imperso-
nation"2, o processo da representação de uma nação sob uma forma (2) Pode ser traduzido por
"Personifica(na)ção" ou "En-
humana exemplar. car-nação" (N. f.).
Na "nova" África do Sul, o problema se apresenta de uma forma
rígida, altamente controversa: que nação? Com que face? Muitos vêem a
questão essencialmente como de identificação étnica, de diferenças
primordiais agora voluntariamente abraçadas, em vez de impostas pela lei.
Outros, criados na luta socialista, vêem o Estado pós-apartheid finalmente
como uma democracia: uma comunidade de novos cidadãos, com direitos
civis universalmente concebidos, cada qual como um membro de uma
"nação arco-íris" totalmente moderna, cujas unidades transcendem quais-
quer outras distinções. No entanto, enquanto escrevemos, a imagem de
uma identidade genérica compartilhada está sendo cada vez mais ques-
tionada; daí o caso da exposição dos "Retratos do povo" e os argumentos
que suscitou. De fato, uma das ironias da África do Sul contemporânea tem
sido a velocidade com que o seu povo começa a se mover ao ritmo de
outros países capitalistas avançados, adotando até uma política de di-
ferença que lembra as características mais divisionistas dos regulamentos
coloniais.
Por que isso estaria acontecendo, ainda mais em uma população
extremamente cônscia dos efeitos desumanizantes do racismo? Mais gene-
ricamente, por que a afirmação da etnicidade — como afirmação de uma
identidade exclusiva, coerente e sem ambigüidades — ocorre na era
translocal "pós-moderna", uma era em que a individualidade é suposta-
mente instável e as forças globais parecem roubar à vida local sua
singularidade e coerência? Como pode ser que o sentido de diferença se
manifeste em um mundo cada vez mais dominado por forças homogenei-
zantes, um mundo que assiste às mesmas notícias, toma a mesma Coca-
Cola, se movimenta ao mesmo pulsar eletrônico? Essa forma de diferença
surge de um "conflito entre civilizações"? Ou é uma dimensão integral da
própria ordem global emergente, de um sistema planetário ao mesmo
tempo unificado e dividido por identidade e nacionalidade, privação e
privilégio? Por que, na era de "Jihad versus MacWorld" (Barber, 1992), a
própria sociedade se tornou tão difícil de ser encarada como uma ordem
Continuidades e rupturas
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sem fronteiras — um lugar que não a América urbana, com freqüência mais
familiar aos consumidores dos outros lugares do que muita coisa de seus
próprios países. Às vezes essa mesma qualidade pode adquirir um caráter
libertador: a juventude sul-africana se baseou na cultura negra dos guetos
norte-americanos para imaginar um mundo além do alcance do apartheid.
Mas o seu desengajamento das comunidades morais locais também tem se
provado resistente aos esforços do novo regime para conquistar seus
corações e mentes. Como isso sugere, na era pós-colonial os fluxos culturais
desenham mapas complexos cujas fronteiras desafiam os antigos esquemas
centro-periferia, e encontram-se mais no espaço eletrônico do que no
geográfico. Os novos centros são pontos pulsantes em redes complexas, ou
são locais de produção de imagens em escala mundial (Los Angeles, Atlanta,
São Paulo, Dacar), em vez das capitais dos Estados-nações.
A expansão de meios de comunicação como o correio eletrônico
exacerbou a produção de espaços com fronteiras virtuais (e, portanto,
virtualmente sem fronteiras). É verdade que o custo relativamente barato da
Internet e sua flexibilidade inspiraram vários tipos de uso comum e a
tornaram favorita entre políticos que tentam reconciliar a democracia com
o mercado livre. Vocês se lembram da Prefeitura Eletrônica? Porém, a
natureza desta mídia parece ser mais adequada aos sonhos de empreendi-
mentos que desejam escapar das restrições da censura ou regulamentação
do Estado (como o confirmam exemplos recentes de redes de milícias
neonazi de alta tecnologia).
Retornemos então diretamente para a reconstrução do mundo na era da
revolução. Como tentamos mostrar, a era do capital global presenciou a
erosão da legitimidade dos Estados soberanos e sua capacidade de localizar a
produção de valores e significados. À medida que a divisão do trabalho é
dispersada através da Terra, as economias e/ou Estados nacionais são
substituídos como terrenos tangíveis nos quais a produção, as trocas e o
consumo existem em estreita conexão uns com os outros. Portanto, aqui
reside a questão: o surgimento de uma discrepância palpável entre as
categorias com que nós no Ocidente pensamos sobre a "sociedade" e o modo
pelo qual a experimentamos atualmente; para as nossas categorias conceitu-
ais — nossas noções de comunidade moral, indivíduo e identidade — têm
origem na ascensão do Estado-nação e nos tipos de arranjos nele contidos. Na
percepção comum tendíamos a vislumbrar a sociedade ocidental (e também
as suas opostas, "não-ocidentais") em termos de economias políticas e
patrimônios intelectuais nacionais. E no âmbito das ciências sociais, também,
conceitos de "ordem social" e "cultura" têm sido em grande parte sinônimos
de Estados territorialmente definidos (cf. Gupta, 1992). Porém, por todos os
motivos apresentados, nenhum desses conceitos, moldados no berço da
euromodernidade, servirá mais. Nós mesmos e os nossos universos estamos
sob as garras de forças cujos contornos vemos somente de modo parcial,
forças que tornam ambíguas as categorias prevalecentes, mas ainda oferecem
poucas alternativas; pelo menos, poucas que liguem vastos mecanismos
impessoais com as pessoas e suas questões morais.
Globalização e Estado-nação
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uma explosão de formas étnicas e outras formas de política de identidade Appadurai, Arjun. "Disjunctu-
re and difference in the global
dentro e através de comunidades nacionais. São precisamente essas duas cultural economy". Public Cul-
ture, nº 2, 1990: 1-24.
tendências que colidem no retrato sul-africano. A questão de fundo, antes
. Identity, uncertain-
de mais nada, é: como chegaram a coexistir? ty, and secret agency: Ethnic
violence in the era of globali-
Várias respostas têm sido colocadas. Talvez a mais comum seja a de zation. Lecture delivered at
Chicago Humanities Institute,
que as expressões de diferença étnica e religiosa são afirmações de 28/11/95.
sentimentos primordiais persistentes entre aqueles cuja passagem à moder- Barber, Benjamin R. "Jihad vs
nidade racional foi de alguma forma impedida pela história, tais como os McWorld". The Atlantic Mon-
thly, 269(3), 1992: 53-65.
fundamentalistas, os tribalistas ou os sobreviventes do império soviético.
Comaroff, Jean. "Contentious
Outros sugerem o contrário, mas evocam a mesma lógica evolucionária; a subjects: Moral being in the
modern world". Suomen An-
economia global dissolveu as identidades locais em toda parte, mas, em vez tropologi, 19(2), 1994: 2-17.
de se regozijarem com uma civilização universal, muitos "se angustiam por Comaroff, John L. "Of tote-
mism and ethnicity: Consciou-
se tornar apenas mais uma parte intercambiável" do mercado mundial, e sness, practice and the signs of
manifestam um "novo 'tribalismo'" (Kurtzman, 1993, p. 214). Daí o floresci- inequality". Ethnos, nº 52, 1987:
301-323.
mento da consciência étnica em toda parte, desde a África oriental até a
. "Ethnicity, nationa-
Europa central e a América do Norte. lism and the politics of diffe-
rence in an age of revolution".
Nenhuma dessas posições é sustentável. Em primeiro lugar, ambas In: Comaroff, J. L. e Stern, P. C.
(eds.). Perspectives on natio-
tratam da afirmação étnica (com suas reivindicações de diferença) e da nalism and war. Luxemburgo:
Gordon & Breach, 1994.
disseminação da modernidade (com seus efeitos homogeneizantes) como
Comaroff, John L. e Comaroff,
se cada qual descrevesse uma fase da história diferente e exclusiva, um Jean. "Postcolonial politics and
estágio teleológico no desenvolvimento humano. No entanto, todas as discourses of democracy in
Southern Africa". Journal of
evidências mostram não só que ambas freqüentemente coexistem, mas que Anthropological Research,
1997.
são características reciprocamente definidoras do mesmo momento históri-
. Of revelation and
co. Isso implica que a consciência étnica não é a preservação do pré- revolution: Christianity, colo-
nialism and consciousness in
moderno: aqueles que assim pensam o fazem em termos padronizados e South Africa, vol. 2. Chicago:
University of Chicago Press (no
reconhecidamente modernistas — termos cuja moeda foi cunhada com a prelo).
marca do mundo contemporâneo. Isso sugere também que a etnicidade é Connelly, Matthew e Kennedy,
menos uma essência do que uma relação (J. L. Comaroff, 1987), comparti- Paul. "Must it be the Rest
against the West'". Atlantic
lhando fortes familiaridades com outras formas de distinguir a identidade em Monthly, dezembro de 1994.
sociedades capitalistas avançadas. Por conseguinte, não é a afirmação de Corrigan, Philip e Sayeer, De-
rek. Tbe great arch: English
uma resposta atávica à homogeneização. Poucas populações étnicas real- State formation as cultural re-
volution. Oxford: Basil Bla-
mente rejeitam a economia global; uma grande parte delas (como os ckwell, 1985.
seguidores do Zulu Inkatha, nacionalistas escoceses ou canadenses de Deane, Seamus. "Introducti-
Quebec) busca acesso mais independente e equitativo a ela. Longe de surgir on". In: Eagleton, T., Jameson,
F. e Said E. W. (eds.). Nationa-
de um senso de identidade que se alastra, sua autoconscientização deve-se lism, colonialism, and litera-
lure. Minneapolis: University
a um desafio particular e culturalmente situado à nova ordem mundial; of Minnesota Press, 1990.
desafio que tenta elucidar por que um mercado que é "livre" e direitos que Fernandez, James W. Bwiti: An
ethnography of the religious im-
são "universais" produzem tantas exclusões e desigualdades. gination in Africa. Princeton:
Princeton University Press,
Bem, por que o fazem? 1982.
A resposta já foi antecipada. Fussell, Paul. The Great War
and modern memory. Nova
Recordemos. O legado do Iluminismo sobre a liberdade, igualdade e York: New York University
cidadania subentendia uma comunidade moral sob a forma do Estado- Press, 1975.
nação, no âmbito do qual os direitos seriam exercidos e os erros corrigidos. Gupta, Akhil. "The song of the
nonaligned world: Transnatio-
A vinculação a essa comunidade seria investida de emoções "primordiais", nal identities and the reinscrip-
tion of space in late capita-
com freqüência designadas, ironicamente, como "tribais". Essas emoções, lism". Cultural Anthropology,
nº 7, 1992: 63-79.
além disso, foram inscritas, à moda de Foucault, nos corpos assim como nas
mentes, forjando uma ressonância profunda entre o "eu" e a sociedade. É Hannerz, Ulf. "Notes on the
global ecumene". Public Cul-
exatamente esse conjunto de conexões — entre comunidades nacionais e a lure, nº 1, 1989: 66-75.
consciência que elas produzem, entre os cidadãos corretos e incorporados Heidegger, Martin. The questi-
on concerning technology, and
e seus sentimentos primevos — que as forças globais estão gradualmente other essays. New York: Har-
per & Row, 1977.
minando. Nessas circunstâncias, as elites políticas tendem a fazer apelos
Hobsbawm, Eric J. The age of
cada vez mais emotivos e chauvinistas à herança nacional; apelos que, por revolution, 1789-1848. New
York: New American Library,
sua própria natureza, atenuam a sua posição de marginalidade. Que a 1962.
política da diferença, encorajada pela condição "pós-moderna", deva ser . "Ethnicity and nati-
mobilizada ao longo dessas cisões parece estar predeterminado: elas onalism in Europe today". An-
thropology Today, nº 8, 1992:
oferecem aos excluídos do imaginário nacional meios e fins alternativos, 3-8.
formas alternativas de comunidade moral, encaradas em termos igualmente Huntington, Samuel P. "The
clash of civilizations?" Foreign
viscerais (Appadurai, 1995). É por isso que os movimentos étnicos repisam Affairs, 72(5), 1993: 22-49.
os temas do nacionalismo moderno em um tom desafinado, desafiando os Jackson, Shannon. Youth cul-
lure, race and coloureds: An
Estados com suas próprias contradições reprimidas. investigation into the politics of
Frisemos como essa visão difere das mencionadas há pouco. Ao identity in South África. Chica-
go: Departamento de Antro-
insistir na modernidade das formas contemporâneas de etnicidade, obvia- pologia da Universidade de
Chicago, projeto de tese de
mente nos afastamos daqueles que explicam o fenômeno em termos doutorado, junho de 1995.
primordialistas. Nisso, convergimos com os argumentos de muitos outros — Jameson, Frederic. "Postmo-
dernism, or the cultura logic of
embora o primordialismo persista tanto no discurso geral quanto no late capitalism". New Left Revi-
ew, nº 146, 1984: 53-92.
acadêmico, talvez porque reverbere os sentimentos de muitos movimentos
Kaplan, Robert D. "The co-
étnicos. Mas isso não basta para proclamar que a etnia é meramente uma ming anarchy", Atlantic Mon-
construção social. Para dar conta de seu caráter corrente, é necessário que thly, fevereiro de 1994.
exploremos sua relação com as condições sociais e materiais prevalecentes; Kopytoff, Igor. "The internal
African frontier: The making of
porque, repetimos, se trata de um fenômeno relacional, um produto da African culture". In: Kopytoff,
Igor (ed.). The African fronti-
posição local de certos povos em um mundo populoso. Globalização e er. Bloomington: Indiana Uni-
versity Press, 1987.
"localização" são dois lados de uma mesma moeda, duas dimensões do
Kurtzman, Joel. The death of
mesmo movimento histórico, pois o fluxo internacional de mercadorias e money: How the electronic eco-
imagens demanda a domesticação de ambas, um processo pelo qual elas se nomy has destabilized the
world's markets and created
tornam relevantes para projetos provincianos e para a vida cotidiana. Como financial chaos. Nova York:
Simon & Schuster, 1993.
os antropólogos há muito insistem, não existe um símbolo ou ícone
Lawrence, Michael e Manson,
universal, não obstante o fato de que mais signos circulam pelo universo a Andrew. "The 'dog of the Bo-
ers': The rise and fall of Man-
cada dia. gope of Bophuthatswana".
Journal of Southern African
O significado é sempre traduzido em termos do vernáculo, mesmo Studies, 20(3), 1994: 447-461.
que o ato de traduzir modifique os termos em si. Isso foi compreendido Mandel, Ernest. Late capita-
lism. Londres: Verso, 1978.
pelos criadores dos chavões planetários, publicitários norte-americanos,
que descobriram há alguns anos que o slogan "Coca-Cola dá mais vida" se Robertson, Roland. Globaliza-
tion: Social theory and global
traduz em chinês como "Coca-Cola traz os ancestrais de volta do mundo dos culture. Londres: Sage, 1992.
mortos". A própria vivência da globalização cria e recria uma consciência Ross, Robert J. S. "The relative
decline of relative autonomy:
específica do local. É isso que dá consistência aos esforços para reconfigurar Global capitalism and the poli-
tical economy of State chan-
as comunidades morais; na verdade, para reconfigurar a natureza da própria ge". In: Greenberg, E. S. e
Mayer, T. F. (eds.). Changes in
sociedade. Isso explica por que os movimentos étnicos, longe de evitar os the State: Causes and conse-
quences. Newbury Park: Sage,
símbolos e produtos translocais, geralmente os arranjam, brilhantemente, 1990.
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em defesa da tradição primordial, por que a roupa tradicional dos Andes é Rowe, John Carlos e outros.
The forces of globatization, Ca-
feita de fibra de poliéster importada (Tolen, 1995) ou por que o Gangsta Rap lifornia: Critical Theory Institu-
te, University of California, s/
se tornou um instrumento vibrante da política de identidade negra na d.
Cidade do Cabo (Simone, 1994; Jackson, 1995). Rushdie, Salman. The Moor's
A recém-avivada política de identidade, em outras palavras, é a soma last sigh. Londres: Vintage,
1996.
de uma nacionalidade comprometida — no mais das vezes patrioticamente
Said, Edward W. Represenlati-
na defensiva — e de um crescente senso de diferença local. Este último ons of the intellectual. Londres:
Vintage, 1994.
conjuga auto-afirmação com as contradições do Estado, assumindo tipica-
Simone, Abdou M. In the mix:
mente a forma do etnonacionalismo. Nem todos os movimentos étnicos são Retaking coloured identities.
Cidade do Cabo: Foundation
nacionalistas, é claro (Young, 1994), mas parece haver uma convergência for Contemporary Research,
1994.
crescente, no final do século XX, entre a conscientização étnica e as
reivindicações nacionalistas (cf. Hobsbawm, 1992, p. 4). Outras formas de Tambiah, Stanley. "Ethnic con-
flict and democratization". In:
identidade também tomam de empréstimo termos nacionais para se imagi- Tishkov, V. (ed.). Etnichnost'i
vlast' v polietnichnyh Gosu-
narem a si mesmas (Nação Queer, Nação Hip Hop, Nação do Islã). Isso darstvah [Ethnicity and power
in multiethnic States]. Moscou:
porque, por mais anacrônico que possa ser, o nacionalismo ainda é o idioma Nauka, 1994.
político prevalecente, o modo predominante de conceber as relações entre Taylor, Jane. People's portraits:
Some meditations on identity,
sujeito e sociedade em nosso mundo. O etnonacionalismo, no entanto, s/d.
difere do nacionalismo moderno europeu ou universal — como Tambiah Tolen, Rebecca J. Wool and
(1994) e outros já obervaram — em parte porque é com freqüência o synthetics, countryside and
city: Dress, race and history in
produto, pelo menos inicialmente, da luta contra a hegemonia (e ambigüi- Chimborazo, Highland Ecua-
dor. Chicago: University of
dades inerentes) do Estado-nação ocidental. É também um produto de Chicago, tese de doutorado,
1995.
condições sócio-históricas diferentes daquelas da Europa dos anos 1789-
Young, Crawford M. "The dia-
1848. O que ele objetiva, reiteramos, é uma modernidade alternativa, uma lectics of cultural pluralism:
Concept and reality". In:
modernidade tardia que busca incorporar as comunidades morais no Tishkov, V. (ed.). Etnichnost'i
mercado global. vlast' v polietnichnyh Gosu-
darstvah [Ethnicity and power
É possível que, como Deane (1990, p. 9) afirmou, todos os naciona- in multiethnic States]. Moscou:
Nauka, 1994.
lismos apresentem certo "essencialismo metafísico". Mas o euronacionalis-
mo, fruto de uma era marcadamente humanista, postula um Estado secular
territorialmente delimitado fundado em princípios supostamente universais
de cidadania e contrato social. As diferenças humanas — notadamente as de
raça e gênero — podem qualificar essas proposições universais, mas não as
invalidam de forma alguma. Embora tal cidadania tenha sido e seja uma
questão de comprometimento de corpos, até mesmo de almas, não é
necessário que se nasça um natural do país. É possível se tornar um seu
membro "naturalizado" por um ato voluntário de compromisso. (É claro que
os "postos avançados" coloniais sempre complicaram este imaginário, mas
isso é uma outra história.) O etnonacionalismo, em contraste, é principal-
mente uma questão de nascimento e sangue, e ocasionalmente de conver-
são e casamento. Os etnonacionalistas podem ou não se enraizar em terras
natais idealizadas: algumas dessas terras, como o Khalistan dos Sikh, são
territórios de uma imaginação esperançosa. A sua esfera de lealdade é
freqüentemente virtual, sujeita a diásporas fortes e ativas que se estendem
através de Estados e fronteiras existentes. O etnonacionalismo, acima de
tudo, celebra a particularidade cultural, que é com freqüência explicitamen-
te religiosa em inspiração e estatuto. Ironicamente, enquanto em geral
rejeitam proposições humanistas universais, esses movimentos ainda se
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Conclusão
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