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20 Fela Moscovici

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TENDÊNCIAS

e perspectivas

Líder-mulher
ou líder-homem?
Existe diferença entre a liderança feminina e a
masculina? Qual a mais produtiva nos dias atuais,
no contexto globalizado e/ou local?

Por Fela Moscovici

metido a programas de capacitação para poder

H
O
exercer a liderança de forma efetiva nos vários
interesse pela liderança feminina níveis hierárquicos.
tem sido crescente. As mulheres
Conquanto participando do mesmo progra-
estão ocupando funções superio-
ma de desenvolvimento, os desempenhos
res de comando e poder na gestão de empresas,
individuais posteriores variam, mostrando
no governo e na sociedade em geral.
a influência da personalidade no comporta-
A velha indagação “O líder já nasce feito” ou mento profissional. Atributos inatos e adqui-
“é possível treinar/desenvolver alguém para ridos naquela cultura específica diferenciam
ser líder”? mostra-se recorrente. Quem ocupa os líderes de forma positiva ou negativa. A
função de chefia/comando geralmente é sub-

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personalidade feminina ou masculina, ou
constelação de atributos “femininos” ou
“masculinos”, pode caracterizar um certo
estilo de liderança. Popularmente isso é re-
conhecido nas referências informais à chefia O Quadro 1 exibe a distribuição das respon-
“de mãe” ou “pai-carrasco” etc. dentes por faixa etária.

Os programas de desenvolvimento gerencial


propõem-se a dotar o participante de conhe-
cimentos técnicos genéricos e específicos QUADRO 1
para o exercício da liderança em determinado FAIXA ETÁRIA FREQUÊNCIA
contexto e nível. Em geral, os conteúdos téc- 20-29 anos 5
nicos são enfatizados, enquanto os aspectos 30-39 anos 22
humanos ficam em segundo plano. A defa- 40-49 anos 30
50-59 anos 20
sagem decorrente entre competência técnica
60 anos ou mais 5
e competência interpessoal é frequentemente Sem indicação 20
observável nas situações de trabalho.
No = 102
O SEBRAE-PR desenvolveu, em 2010, um
programa pioneiro de capacitação de lide-
ranças chamado “LÍDER-MULHER – buri­
lando o diamante” voltado para questões
intrigantes da liderança feminina no Brasil, Resultados
na Argentina e no Paraguai. Como parte do A ordenação (ranking) das respostas possibi-
referido programa, um Encontro Interna- litou visualizar o contínuo das 20 dimensões
cional foi realizado em Foz do Iguaçu, do interpessoais. Os extremos, que indicam os
qual a autora, como representante do Brasil, quatro pontos mais fortes e os quatro pontos
participou de sessão de debates com duas mais fracos na percepção das participantes, são
líderes governamentais da Argentina e do apresentados no Quadro 2.
Paraguai. Durante esse Encontro foi realizada
uma pesquisa exploratória de percepções das
participantes sobre dimensões interpessoais.
Foi usado o questionário “Dimensões Inter- QUADRO 2
pessoais” da autora, o qual tem sido aplicado,
sistematicamente, em programas de desen- PONTOS MAIS FORTES PONTOS MAIS FRACOS
volvimento de executivos/gestores, desde sua
primeira utilização-piloto na década de 1970.1 1. Competição 1. Reação a feedback
1. Independência 2. Resistência a estresse
Amostra 2. Experimentação 3. Persuasão
3. Saber ouvir 4. Espontaneidade
O grupo que respondeu ao questionário era
3. Apoio catalisador 4. Lidar com conflito
constituído de 69 brasileiras, 23 argentinas e 4. Sensibilidade
10 paraguaias, totalizando 102 participantes.

Os resultados sugerem aspectos culturais con-


dicionantes nas percepções individuais:

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Os resultados obtidos naquela ocasião cons-
Competição evoca a imagem do líder poderoso, tam do Quadro 3.
ativo, competente, de iniciativa, atento aos
outros, construída com características cultu-
rais ditas “masculinas” em nossa sociedade.
O controle das situações requer atitudes e QUADRO 3
comportamentos competitivos para alcançar
GERENTES BRASILEIROS (1975)
sucesso, chegar primeiro, superar o outro.
Independência reforça o exercício pleno do PONTOS MAIS FORTES PONTOS MAIS FRACOS
comando. Experimentação indica afastamento
1. Competição 1. Reação a feedback
voluntário da rotina, coragem de procurar
2. Independência 2. Espontaneidade
novos caminhos para alcançar resultados e de 3. Flexibilidade 3. Lidar com conflito
sair da sua “zona de conforto”. Interessante a 4. Autoconfiança 4. Resistência a estresse
autopercepção do item Saber ouvir sugerindo No = 297
uma postura de atenção a outros pontos de
vista, característica de liderança efetiva em Os Quadros 4 e 5 mostram os pontos fortes e
tempo real acelerado, em que a busca de in- os pontos fracos dos dois grupos pesquisados.
formações disponíveis nos outros não deve ser
desprezada nem minimizada.

Os pontos mais fracos parecem não sofrer


tanto a influência de imagem social, pois as QUADRO 4
carências explicitadas mostram justamente o PONTOS FORTES
lado menos exposto publicamente, os aspec-
LÍDER MULHER GERENTE
tos escondidos e até negados. Estes sugerem
deficiências, não aparentes nem reveladas, que BR/AR/PY BR
perturbam o líder em suas relações com os ou- 1.Competição 1. Competição
tros no âmbito de trabalho, sejam superiores, 1.Independência 2.Independência
2.Experimentação 3.Flexibilidade
pares, ou subordinados – e também familiares
3. Saber ouvir 4. Autoconfiança
e amigos em outro contexto. 3.Apoio catalisador
4. Sensibilidade
Os resultados sugerem também que as percep-

ções foram realísticas e traduziram uma auto- (2010) No = 102 (1975) No = 297
avaliação corajosa e honesta de facilidades e
dificuldades na interação com os outros, tanto
na área profissional quanto na familiar/social.

Comparação QUADRO 5
PONTOS FRACOS
Vale a pena examinar os resultados da pesqui-
sa original, feita pela autora com 297 gerentes LÍDER MULHER GERENTE
brasileiros do sexo masculino, e compará-los BR/AR/PY BR
com os atuais, decorridos mais de 35 anos.
1. Reação a feedback 1. Reação a feedback
Que aspectos caracterizam o exercício da 2. Resistência a estresse 2. Espontaneidade
liderança de homens e mulheres em termos 3. Persuasão 3. Lidar com conflito
de processos interpessoais? Qual o impacto 4. Espontaneidade 4. Resistência a estresse
da dimensão temporal? 4. Lidar com conflito

(2010) No = 102 (1975) No = 297

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Comparando-se os resultados de aplicação
do mesmo instrumento de pesquisa ao grupo
de gerentes brasileiros e ao grupo de líde­ lina e feminina. Autoconfiança, como atributo
res-mulheres em épocas diversas, notam-se masculino de força e poder, estaria implícito
algumas semelhanças e algumas diferenças na imagem social de maior segurança mascu-
interessantes. lina. Saber ouvir, que abrange maior atenção
aos outros, transmitiria a imagem social de
Pontos fortes maior compreensão feminina.
Os pontos fortes permanecem iguais nas Saber ouvir para a mulher e Autoconfiança para
duas primeiras posições em ambos os grupos: o homem poderiam então reforçar a imagem
Competição e Independência. Poder-se-ia inferir social de maior compreensão feminina e maior
que estas são as características básicas da li- segurança masculina? Ainda mais com a adi-
derança em nossa cultura, tanto para homens ção de Apoio Catalisador e Sensibilidade da
quanto para mulheres? Competição remete mulher-líder. Esta poderia ser vista exercendo
à imagem de luta, agressividade, iniciativa, um papel “maternal” na liderança?
possivelmente ligada ao n achievement de Mc-
Clelland, característica do homem que busca Os pontos fortes indicados sugerem um
desafios e supera obstáculos para realizar-se. desenho de características de um perfil idea­
Independência é também um símbolo mas- lizado, um modelo de “comando”/liderança
culino de afirmação social, diferenciando-se de forte influência cultural – o líder “forte”,
da dependência, submissão feminina ou de competitivo, independente, produzido em
subordinados... nossa sociedade contemporânea globalizada,
onde vencer, lucrar, ultrapassar constituem
Nas duas posições seguintes figuram itens qualidades/valores essenciais para sucesso
diversos: para os homens, Flexibilidade e Au- profissional e até para sobrevivência no
toconfiança. Para as mulheres, Experimentação mercado. Esse perfil-modelo está condicio-
e Saber ouvir. nado a características “masculinas”.
Autoconfiança, como imagem de segurança Desde a infância os meninos são
interior que os outros procuram e invejam, treinados a desenvolverem carac-
terísticas “masculinas”, começando O Líder-Mulher, Progra-
também é socialmente valorizada como figu-
ma Internacional de For-
ra paterna, forte, superior, sem as fraquezas, pelos brinquedos e brincadeiras que
mação de Lideranças do
dúvidas, insegurança de filhos/subordinados/ formam um cenário primitivo de SEBRAE-PR, ajuda as
inferiores. O item Flexibilidade pode igual- aprendizagem de afirmação e ação. mulheres que desejam
mente fazer parte da imagem social do gestor/ Quem não aprendeu que “homem ampliar o poder de influ-
não chora”, que “choro é coisa de ência transformadora, nas
líder que se atualiza, não é rígido, não estagna,
organizações de repre-
aberto a inovações, bem apto a ajustar-se a mulher...” e “mulher, sim, pode
sentação empresarial.
mudanças. Em suma, a imagem mais valori- chorar à vontade”...?
zada do nosso tempo: o jovem. Nosso g rande poeta Gonçalves
Até que ponto Flexibilidade e Experimenta- Dias expõe esse condicionamento
ção teriam muito em comum, praticamente cultural no famoso poema I Juca
semelhantes por traduzirem maleabilidade, Pirama, de forma dramática e pun-
não rigidez, busca de mudanças? gente, quando diz:

Já os itens Autoconfiança e Saber ouvir pode-


riam mostrar diferenças na liderança mascu-

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(
ricana. Seria essa composição um diferencial
de sucesso da liderança feminina? A mulher

(
teria de desenvolver primeiramente os aspec-
tos masculinos como base e complementar
} Tu choraste em presença da morte? com atributos femininos que equilibrariam
Na presença de estranhos choraste? e realçariam o exercício efetivo da liderança?
Não descende o cobarde do forte; Esta é uma hipótese em aberto a ser verificada
Pois choraste, meu filho não és! ~ em pesquisas posteriores, estudando-se tam-
Gonçalves Dias bém a influência de atributos femininos no
desempenho do papel de líder bem-sucedido.

Na ordenação dos gerentes, os itens Saber


O condicionamento cultural de atributos ouvir, Apoio catalisador e Sensibilidade fica-
“masculinos” no comando/controle das situa­ ram nas posições 7, 5 e 6, respectivamente, em
ções organizacionais como se estes fossem os sequência semelhante. Isso significaria que
decisivos no desempenho do papel de líder são importantes características no exercício
traz implicações em outras áreas do compor- efetivo da liderança. Ou seja, a liderança, como
tamento humano. processo interpessoal, requer tanto atributos
Como decifrar o código de vestuário apropria- masculinos quanto femininos para sua pleni-
do para exercer um certo papel profissional? tude operacional.
A embalagem identifica e valida o produto? Esses três itens sugerem que a liderança femi-
Quem não entende a mensagem do famo- nina está mais voltada para as pessoas, para o
so “terninho” das executivas no dia-a-dia relacionamento. Atingir os objetivos e cumprir
das empresas? O uso de roupa mais as tarefas, sim, porém dando maior atenção e
“masculina” serve para transmitir e/ espaço para a relação humana.
ou afirmar status equivalente?
Saber ouvir constitui um caminho propício
Vale observar a predominância do con- para a empatia, para a comunicação bilateral
junto de atributos considerados “mas- efetiva. O líder que ouve os outros amplia seus
culinos” em nossa sociedade como os recursos quantitativos e qualitativos, conhece
mais frequentes tanto nas respostas de melhor seus colaboradores e tende a melhor
homens como nas de mulheres-líderes: relacionamento com eles. Pela comunicação
Competição, Independência, Experi- mais efetiva com o líder aumentam a confiança
mentação, Flexibilidade. e a segurança no grupo.
Quem ocupa função de
chefia/comando geral- Entretanto, as mulheres apresentam
mente é submetido a Apoio Catalisador é fator de segurança psico-
mais três atributos compondo a sua lógica que reforça a confiança e a comunicação
programas de capacita-
ção para poder exercer constelação de liderança: Saber ouvir, – sugere uma atitude de cuidado “maternal”
a liderança de forma Apoio catalisador e Sensibilidade, para o desenvolvimento da pessoa, como
efetiva nos vários níveis estes considerados “femininos” em acontece na infância. Significa encorajamento
hierárquicos. nossa cultura ocidental latino-ame- e ajuda quando necessário, na medida certa,
para a pessoa agir sozinha, sabendo que pode
contar com o outro a seu lado o tempo todo.
Sensibilidade traduz habilidade de perceber
necessidades e sentimentos dos outros – ca-

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pacidade de empatia – que também favorece
a comunicação e o relacionamento. O ranking
dessas três dimensões classifica as mulheres-
estar refletindo o impacto do condi-
lí­deres em posição vantajosa com relação à
cionamento cultural para guardar
competência interpessoal nos grupos.
segredo, não expor seus pensamentos
e sentimentos para não tornar-se vul-
Pontos fracos
nerável pela própria transparência.
Os pontos fracos são bastante semelhantes em
ambos os grupos. No grupo Líder-Mulher ainda apa-
rece a grande dificuldade de Persua­
O item mais fraco continua sendo Reação a são. Esta autopercepção estaria
feedback. Constitui esta a maior dificuldade relacionada ao seu ponto forte Saber
na comunicação humana, uma carência ob- ouvir? Traduziria uma tendência a A liderança, como proces-
servável em todos os níveis de gestão. Este ouvir mais do que falar, a não agir so interpessoal, requer
processo talvez seja o mais crítico da compe- impositivamente no sentido de tentar tanto atributos masculinos
tência interpessoal, responsável majoritário convencer os outros? quanto femininos para
pela qualidade da liderança, e uma das mais sua plenitude operacional.
árduas conquistas pessoais. O outro aspecto Embora algumas tendências carac-
interligado – Expressão de feedback – figura a terísticas tenham sido inferidas, os
seguir como quinto item fraco, o que sugere resultados ora descritos não devem
que o processo dual de dar e receber feedback ser generalizados. Como produtos de uma
ainda é negligenciado em termos de capacita- pesquisa exploratória, constituem um primei-
ção gerencial. Os dois processos conjugados, ro levantamento revelador de aspectos inter-
dar e receber feedback de modo inábil, provo- pessoais atuantes na dinâmica da liderança.
cando reações defensivas, formam a maior Variadas indagações podem ainda ser formu-
fonte de bloqueio de comunicação efetiva e ladas a partir desta análise inicial dos resul-
de desgaste de relacionamento. tados, o que poderá conduzir a interpretações
Os três itens seguintes coincidem em posi- sugestivas de novos ângulos sobre o tema
ções alternadas nos dois grupos: Resistên- quanto a peculiaridades da liderança feminina
cia a estresse, Espontaneidade e Lidar com em nossa cultura. ESPM

conflito. Revelam carências não trabalhadas


em programas de desenvolvimento gerencial
e que perturbam o desempenho efetivo do
gestor-líder.
NOTAS
Resistência a estresse retrata as variadas ESPM
1. MOSCOVICI, F., Desenvolvimento Interpessoal., 19.ed.,
pressões que o gestor sofre em seu trabalho Rio de Janeiro: José Olympio, 2010, p. 74-78.
cotidiano, sem ter recebido treinamento es-
pecífico para enfrentá-las. Lidar com conflito,
igualmente, requer capacitação adequada,
pois a interação humana pode gerar incom- FELA MOSCOVICI
preensões, divergências e desavenças entre as Psicóloga, M.A. em Psicologia Social, Univ. de
Chicago e Consultoria, NTL Institute, USA. Ex-­
pessoas. Espontaneidade, como carência, pode professora titular da EBAP, FGV/RJ. Fundadora e
Didata-Mestra da SBDG. Consultora de Empresas.
Conferencista. Autora de artigos e livros técnicos.

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