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Rizzi Corrigida

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André Renato Rizzi

Um Mágico entre Bruxas:

Uma Perspectiva Psicossocial sobre Leitura Fria e Práticas Divinatórias

Dissertação apresentada ao Instituto de


Psicologia da Universidade de São Paulo,
como parte dos requisitos para a obtenção do
grau de Mestre em Psicologia

Área de Concentração: Psicologia Social

Orientador: Prof. Dr. Leonardo Breno Martins

São Paulo

2021

1
2
Um Mágico entre Bruxas:
Uma Perspectiva Psicossocial sobre Leitura Fria e Práticas Divinatórias

André Renato Rizzi

Versão Corrigida

Banca Examinadora

Nome: ____________________________________________________________
Assinatura: _________________________________________________________

Nome: ____________________________________________________________
Assinatura: _________________________________________________________

Nome: ____________________________________________________________
Assinatura: _________________________________________________________

Dissertação defendida e aprova em: ___/___/___

3
Resumo

Práticas divinatórias, leituras psíquicas e relatos de comunicações com os mortos se

fazem presentes em diversas épocas e contextos socioculturais, fundamentando-se

em crenças mágicas e sobrenaturais acerca da natureza do mundo. Para a

compreensão de tais práticas, é necessário investigar os mecanismos subjacentes às

perspectivas que alicerçam tais fenômenos e métodos como a leitura fria, com os

quais os indivíduos conseguiriam criar a ilusão dos fenômenos paranormais que

emergem em tais práticas. Devido à escassez de material sobre o assunto na língua

portuguesa, a primeira parte da pesquisa consiste em uma revisão bibliográfica e na

análise de publicações cientificas relacionadas à temática. A segunda parte consiste

em uma pesquisa etnográfica em meio a praticantes de artes divinatórias, adeptos da

bruxaria moderna.

Palavras-chave: leitura fria; leitura psíquica; adivinhação, bruxaria; mágica.

4
Abstract

Divination practices, psychic readings, and reports of communication with the dead

are present in different ages and socio-anthropological contexts based on magical and

supernatural beliefs about the nature of the world. For a better elucidation of such

practices, it is necessary to understand the mechanisms underlying the perspectives

that underscore alike phenomena and methods such as cold reading, which

individuals could build the illusion of paranormal phenomena that emerge in such

practices. Due to the scarcity of material on the subject in the Portuguese language,

the first part of the research consists of a bibliographic review and the analysis of

scientific publications related to the theme. Last but not least the second part consists

of ethnographic research among practitioners of divination arts and adherents of

modern witchcraft.

Keywords: cold reading; psychic reading; divination, witchcraft; magic.

5
Sumário

Apresentação ..............................................................................................................9

Justificativa e Objetivos .............................................................................................14

Metodologia e Procedimentos ...................................................................................14

Parte 1 - Revisão Bibliográfica e Referenciais Teóricos

Capítulo 1 - Introdução ..............................................................................................16

Capítulo 2 - Psicologia da Mágica ..............................................................................23

Capítulo 3 - Leitura Fria .........,...................................................................................36

Capítulo 4 - Práticas Divinatórias ...............................................................................71

Parte 2 – Pesquisa Etnográfica

Capítulo 5 - Um Mágico entre Bruxas ........................................................................84

Capítulo 6 – A Clarividência Através da Bola de Cristal ...........................................100

Considerações Finais ..............................................................................................121

Referências .............................................................................................................124

Anexo.......................................................................................................................134

6
Dedicatória

A Carolina Tsukishiro, que me enfeitiçou...

7
Agradecimentos

Aos Profs. Fátima Regina Machado e Wellington Zangari, pela fonte de inspiração e

oportunidade de estudar um assunto que faz meu coração pulsar.

Ao Prof. Dr. Leonardo Breno Martins, pelos importantes comentários e sugestões

ericksonianas.

Ao Prof. Dr. Marco Gubitoso pelas dicas perspicazes e bem humoradas.

Ao Prof. Dr. José Luís Ortega pelas sugestões e críticas construtivas.

Ao mágico Cláudio Décourt pela elucidativa aula sobre a história do tarô.

Aos colegas do Inter Psi: Beatriz, Camila, Douglas, Fábio, Gabriel, Guilherme,

Mateus, Mônica, Raquel e Ricardo.

Às bruxas que me acolheram, em especial Alline.

À minha família, pelo apoio e incentivo.

Aos amigos que me auxiliaram a manter a tranquilidade durante o processo.

À minha vizinha, que carinhosamente orou por mim quando soube que eu estava

envolto por bruxas.

À professora de teatro que, certa vez, disse que eu parecia mágico e não psicólogo.

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Apresentação

Minha pesquisa de mestrado envolve duas antigas paixões: mágica – em

especial o mentalismo – e os fenômenos por vezes considerados paranormais como

telepatia, clarividência e precognição, que são objetos de estudo da psicologia

anomalística e da parapsicologia, e que estariam envolvidos em leituras psíquicas e

práticas divinatórias.

O primeiro efeito de mágica que ganhei foi a urna dos dados, quando tinha

aproximadamente 12 anos. Por meio dele, comecei a realizar pequenas adivinhações

sobre o futuro, as quais foram se tornando gradualmente mais complexas no decorrer

dos anos graças ao meu peculiar interesse em tal temática. Recordo-me de que,

alguns anos depois, eu conseguia adivinhar, com relativa frequência, em qual das

mãos uma pessoa escondia uma moeda por meio de métodos que viria a estudar

posteriormente em minhas interações em meio a médiuns e videntes.

Paradoxalmente, não previ que um dia faria uma dissertação de mestrado em uma

universidade de alto prestígio a respeito do assunto.

Aos 16 anos, depois de duas experiências próximas à morte, decorrentes de

complicações cirúrgicas posteriores a um procedimento médico, algumas de minhas

crenças e comportamentos se modificaram. As poucas crenças religiosas que eu

alimentava esvaneceram-se, dando lugar a uma busca por experiências meditativas

que me propiciavam uma estranha sensação de paz e vazio semelhante às que

vivenciei nos períodos que antecederam a urgência médica. Anos depois, viria a

descobrir que tais experiências se aproximavam das descrições sobre experiências

9
místicas apresentadas por William James e que as mesmas poderiam também ser

alcançadas por meio de plantas psicodélicas ou práticas como a respiração

holotrópica, e não apenas por meio de longos períodos de disciplina dos retiros de

meditação.

Por volta desse período, a consciência de um ludíbrio viria a influenciar a

maneira como eu perceberia o mundo: Uri Geller, o pretenso paranormal que

entortava talheres e lia mentes não era genuíno como eu, ingenuamente, acreditava.

Ao que investigações apontaram, ele utilizava artifícios parecidos aos que eu mesmo

utilizava na urna dos dados e na adivinhação da moeda, porém não se apresentava

como um artista, ou pelo menos não da maneira como outros ilusionistas se

apresentavam, o que o distanciaria dos mesmos e o colocaria numa categoria distinta.

O fenômeno, no entanto, parecia mais complexo: recordo-me de que uma professora,

pela qual eu nutria um grande respeito, me havia relatado que ela mesma tinha

entortado um garfo anos antes enquanto assistia Uri Geller na TV. Estaria ela, assim

como diversas pessoas que relatavam experiências parecidas e que viriam a fazer

parte do que se conheceria como “fenômeno Geller”, apenas mentindo ou estariam

envolvidas em um fenômeno mais complexo do qual as mesmas não teriam ciência?

Comecei então a questionar outras crenças mágicas. Seriam os efeitos

relatados pelos yogis indianos que me inspiravam (e ainda me inspiram) apenas

truques e ilusões? Teria sido Jesus Cristo um grande mágico? As irmãs Fox,

iniciadoras do Espiritismo nos Estados Unidos, realmente se comunicavam com os

mortos ou estavam trapaceando?

Meu ambiente familiar era constituído por crenças e práticas católicas

permeadas por uma influência espírita. Tais características me aproximaram, no

10
período da adolescência, aos fenômenos espirituais típicos a tais contextos, como as

sessões mediúnicas que, por vezes, eram realizadas na residência dos meus pais.

Nesse ambiente, conheci uma pessoa que viria a despertar em mim um grande

interesse por tais fenômenos. Dora é uma senhora negra, de baixa estatura, sorriso

discreto, olhar profundo, com aproximadamente 90 anos. Ela era vidente e médium,

e, ainda quando atuava, as sessões mediúnicas aconteciam regularmente, sob sua

orientação. A seu convite, cheguei a participar de uma sessão dentre as muitas para

as quais eu sempre era estimulado a participar por minha família, mas sempre

recusava. “Se ele quisesse, se tornaria um grande médium, mas ele nunca fará isso.

Ele vê de outra forma”; com tais palavras, Dora ganhou minha admiração. Mas foi a

revelação de um conteúdo pessoal e significativo do qual, aparentemente, ela não

teria como ter conhecimento por meios convencionais que me fez considerar a

possibilidade de que alguns fenômenos extrassensoriais poderiam ser, de fato,

genuínos. No momento em que escrevo tais palavras, duas décadas depois, ainda

me recordo da experiência emocional desencadeada por tal acontecimento e, mesmo

com os conhecimentos que tenho atualmente a respeito dessas questões, não sei

explicar por meios convencionais o que ela, naquele momento, aparentemente fez.

Embora eu não acreditasse no pressuposto espiritualista de que os fenômenos

“paranormais” que lá ocorriam eram decorrentes de seres sobrenaturais, considerava

que, se tais fenômenos fossem reais, eles seriam decorrentes de habilidades

humanas. Meu interesse por assuntos como telepatia e precognição aumentava, e eu

me via em meio a livros e artigos de psicologia e parapsicologia. O contato que tive

com os livros do conhecido padre Quevedo me despertou duas impressões: o espanto

ao me deparar com a existência de pesquisas cientificas sobre tais assuntos, algumas

das quais favoráveis ao paranormal, e o descontentamento com o discurso por vezes

11
falacioso do mesmo. Por qual motivo a levitação de mesas em sessões espíritas

seriam falsas, ou mesmo psicopatológicas, mas as levitações dos santos católicos

seriam reais? O meu ceticismo em relação a tais fenômenos começou então a se

estender para a própria dita ciência na qual tais fenômenos eram objetos de estudo.

Foi então que me deparei com alguns artigos e vídeos produzidos pela

professora Fátima Machado e pelo professor Wellington Zangari. A partir de então,

decidi retornar ao curso de psicologia, que havia trancado anos antes, com o intuito

de compreender, sob uma perspectiva científica, tais fenômenos.

No entanto, tais assuntos não eram, de maneira alguma, abordados no curso

de psicologia, condição que me levou ao estudo da hipnose, assunto pelo qual já me

interessava e que aprendera por meio da leitura de livros de mágica, e que utilizava

para controlar os meus episódios de migrânea, com efeitos por vezes melhores que

os medicamentos prescritos pelo neurologista. Quando, no terceiro ano do curso,

comentei com uma professora sobre minha intenção de realizar o trabalho de

conclusão de curso sobre hipnose, ela se recusou veementemente. Seis meses

depois, no entanto, a professora Lucilena Vagostello aceitou ser minha orientadora.

Durante esse período, uma experiência pessoal, da qual não gosto de me

recordar, levou-me então a questionar também minha própria (des)crença. Depois de

uma prática de meditação habitual, duas imagens extremamente perturbadoras

surgiram em minha mente: um cérebro sangrando e a cena do velório do meu pai.

Durante as semanas seguintes, uma espécie de pressentimento que algo ruim iria

acontecer me acompanhou. Um ano mais tarde, meu pai teve um tumor cerebral e

viria, infelizmente, a falecer 18 meses depois.

12
Tal acontecimento me levou a ponderar que tais experiências, ilusões ou não,

podem exercer uma influência muito significativa na vida do sujeito que as vivencia,

fator que, a despeito da existência ontológica ou não de tais fenômenos, não deve

ser menosprezado e deveria ser também objeto de estudo da psicologia.

No ano de 2014, conheci pessoalmente os professores Wellington e Fátima em

uma palestra sobre hipnose e, desde então, comecei a frequentar alguns dos grupos

organizados pelo Inter Psi – Laboratório de Estudos Psicossociais, do qual viria a me

tornar membro posteriormente.

A partir daquele momento, comecei a resgatar minhas antigas anotações sobre

leitura fria e a procurar por pesquisadores que haviam estudado tal temática sob a

perspectiva científica. Com exceção das pesquisas de Ray Hyman e Chris Roe, são

escassas as publicações internacionais sobre o assunto, enquanto, no Brasil, são

aparentemente inexistentes.

O estudo da leitura fria se mostra necessário também por essa técnica estar

relacionada a fenômenos como leituras psíquicas, práticas divinatórias e mediúnicas

que se fizeram e ainda se fazem presentes em praticamente todas as culturas e

épocas. Considero que tais práticas não se reduzem simplesmente a ilusões

deliberadas, mas estão fundamentadas em crenças e práticas muito antigas e

refletem uma visão mágica sobre o mundo. O trabalho que se segue, portanto, é

consequência dessas vivências, interesses, crenças e descrenças, e uma tentativa

de aprofundamento ainda maior, sistemático e rigoroso, do que sempre foi matéria-

prima de profundas e significativas experiências de vida.

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Justificativa e Objetivos

Dada a escassez de publicações sobre a temática, um dos objetivos desta

pesquisa foi o desenvolvimento de um referencial teórico sobre o assunto, que

propicie condições para a realização de futuras pesquisas experimentais na área.

O presente estudo se mostra pertinente para a psicologia social ao propiciar

uma análise crítica sobre os mecanismos psicossociais envolvidos em leituras

psíquicas e mediúnicas, que possuem uma prevalência significativa no âmbito

nacional, e ao incitar o estudo acadêmico da psicologia da mágica no Brasil,

contribuindo para o desenvolvimento do saber científico desenvolvido pelo Inter Psi –

Laboratório de Estudos Psicossociais: Crença, Subjetividade, Cultura & Saúde.

Metodologia e Procedimentos

A primeira parte da dissertação consiste em uma pesquisa documental, que

utilizou como método a revisão bibliográfica e a análise de publicações científicas

relacionadas ao assunto. O estudo se baseia na leitura de obras clássicas sobre a

temática e na pesquisa de publicações científicas, por meio das bases de dados Web

of Science e PsycNet, com as palavras chave “cold reading, psychic reading,

psychology of magic”.

A segunda parte da dissertação consiste em uma pesquisa etnográfica, que foi

realizada junto a adeptos de bruxaria moderna que praticam artes divinatórias. Como

método, foi utilizada a observação participante em meio às atividades relacionadas à

temática, além de uma entrevista, que foi transcrita.

14
Parte 1

Revisão Bibliográfica e Referenciais Teóricos

15
1. Introdução

A mágica, ou Ilusionismo, que, dentre inúmeras concepções, pode ser

entendida como a arte da ilusão ou do mistério, é uma arte que pode alterar a

percepção que temos da realidade e pode revelar muito sobre o funcionamento do

cérebro, da mente e do que conhecemos como realidade.

A palavra mentalismo, de acordo com uma perspectiva psicológica, refere-se

a uma teoria que propõe que fenômenos mentais, como pensamentos e sentimentos,

não podem ser reduzidos a fenômenos físicos (APA, 2010). No entanto, dentro da

arte mágica, mentalismo se refere a uma categoria do ilusionismo que simula

habilidades psicológicas ou efeitos comumente considerados paranormais

(Annemann, 1983; Corinda, 1996) e que recebem a denominação de psi dentro da

psicologia anomalística (Cardena, Lynn & Krippner, 2013).

Nas últimas décadas, diversos pesquisadores, como Peter Lamont, Richard

Wiseman, Stephen L. Macknik, Susana Martinez-Conde, Amir Raz, Jay A. Olson,

Matthew Tompkins, Alice Pailhès e Gustav Kuhn vêm estudando a interação entre

mágica, neurociência e psicologia, e chegando a interessantes conclusões a respeito

dos mecanismos relacionados a atenção, memória, percepção, sistemas de crenças

e bem-estar.

O mentalismo, como o presente trabalho pretende mostrar, não se restringe

apenas a espetáculos cênicos realizados por artistas. Ilusões mágicas, além de se

mostrarem excelentes meios para compreensão de nosso funcionamento psíquico,

podem estar entremeadas a praticas ocultistas e espiritualistas em nossa cultura,

constituindo alguns dos aspectos da nossa realidade cotidiana.

16
Quando um mentalista aparentemente entorta uma colher com o poder da sua

mente, ou adivinha o que um indivíduo está pensando, dois fatores podem ser

considerados: o método e o efeito. O efeito é aquilo que percebemos, como o entortar

da colher ou a adivinhação mental. O método se refere às inúmeras maneiras como

o ilusionista de fato produz tais efeitos, os quais, em geral, não temos consciência.

Um exímio ilusionista direciona nossa atenção para que percebamos o efeito, mas

não notemos o método, o que recebe a denominação de misdirection (Lamont &

Wiseman, 2008).

O mentalista, por meio da sua arte, pode criar a ilusão de possuir habilidades

paranormais que podem ser divididas em duas categorias:

• extramotoras: referem-se à suposta habilidade da influência da mente sobre a

matéria, como entortar um talher, parar os ponteiros de um relógio, ou

movimentar um objeto à distância, simulando fenômenos psicocinéticos. Essas

ilusões se processam através de mecanismos neuropsicológicos e visuais

específicos.

• extrassensoriais: dizem respeito à suposta habilidade de conhecimento por

meios não convencionais, como adivinhar um pensamento ou prever um

acontecimento futuro criando a ilusão de fenômenos telepáticos e

precognitivos, respectivamente. Aqui entram em jogo mecanismos

relacionados a ilusões cognitivas, como memória e atenção.

O mentalista pode utilizar também outras habilidades psicológicas, mas que

pertencem a uma categoria distinta da descrita acima, por não se tratarem de

“truques” no sentido estrito do termo (Banachek, 2010; Brown, 2007, 2011), dentre

elas:

17
• hipnose: não são poucos os mentalistas que a utilizam em suas rotinas em

meio aos métodos mágicos como, por exemplo, ao dar sugestões de

alucinações, para que o indivíduo deixe de perceber um objeto à sua frente, ou

de amnésia, para que ele se esqueça de uma carta escolhida.

• leitura fria: através dessa intrincada técnica psicológica, o mentalista cria a

ilusão de ter conhecimento sobre o passado, presente e futuro de um indivíduo

desconhecido. A leitura fria pode estar associada ou não à leitura quente, que

se refere à utilização de informações pessoais obtidas previamente, sem que

o indivíduo tenha consciência. Alguns mecanismos psicológicos, como o efeito

Forer, a busca por padrões, o viés de confirmação, a percepção e a memória

seletivas, a expectativa e a sugestão nos fornecem bases para compreensão

dos mecanismos envolvidos na leitura fria e em práticas similares.

Ao ser percebido como um indivíduo possuidor de poderes sobrenaturais, o

mentalista pode também ser confundido com um charlatão ou com um genuíno

paranormal. A figura mais polêmica envolvendo essa questão é o israelita Uri Geller,

um ilusionista que, por vários anos, alegou ser um verdadeiro paranormal, alcançando

fama mundial nas décadas de 70 e 80.

No entanto, existe uma sutil e, ao mesmo tempo, enorme diferença entre um

mágico e um falso paranormal: o ilusionista, embora oculte seus métodos, diz

(implicita ou explicitamente) que tais feitos são ilusões, em oposição ao charlatão,

que alega realmente possuir poderes sobrenaturais, podendo se valer disso para

manipulação e ganhos pessoais (Lamont & Wiseman, 2008).

18
Cabe ressaltar que o fato de tais fenômenos paranormais poderem ser

realizados por ilusionistas através de seus métodos não invalida necessariamente a

possibilidade de existência real de tais fenômenos, como propõem alguns céticos.

A pesquisa sobre a existência de genuínos fenômenos psi existe há décadas,

com resultados e interpretações inconclusivas (French & Stone, 2014). Alguns

pesquisadores negam a existência real de tais fenômenos, reduzindo as experiências

com psi a ilusões, fraudes, interpretações equivocadas ou a decorrências do acaso

(Lamont, 2017; Wiseman, 2017). Por outro lado, existem pesquisadores, dentre os

quais mágicos, que, descartando a hipótese de fraudes pelo conhecimento que

possuem de tais métodos, sugerem evidências favoráveis a psi (Bem, 2011; Cardeña,

2018; Radin, 1997, 2008, 2013; Tressoldi & Storm, 2010), mantendo essa polêmica

questão em aberto.

Um ponto interessante a ser considerado é que tais perspectivas favoráveis e

desfavoráveis em relação a psi podem levar os pesquisadores a encontrarem ou a

criarem os resultados que buscam, uma vez que o próprio cientista também pode

estar sujeito ao viés de confirmação, como sugere o chamado efeito cabra-ovelha.

Desse modo, um indivíduo que acreditasse em percepção extra-sensorial (chamado

de “ovelha”, na gíria do campo) poderia obter resultados acima do esperado pelo

acaso em um teste que buscasse demonstrar a existência dos mesmos e, ao

contrário, um indivíduo que não acreditasse em percepção extra-sensorial (chamado

de “cabra”) poderia obter resultados abaixo do esperado pelo acaso (Parker &

Brusewitz, 2003). Embora não seja a intenção desta pesquisa investigar a existência

ou a inexistência ontológica de tais fenômenos, a exposição de tal hipótese se mostra

necessária por estar relacionada aos fenômenos criados por meio do ilusionismo.

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Dentre os inúmeros relatos de fenômenos sobrenaturais na história da

humanidade, a adivinhação do futuro e o contato com o além estão entre os que mais

exercem impacto na vida das pessoas, por permear alguns dos aspectos mais

essenciais da existência humana: a incerteza e a transitoriedade da vida. Por conta

disso, tais fenômenos existiram, ainda se fazem presentes e talvez seja possível

prever que continuem existindo em todas as épocas e culturas.

A palavra manteia, em grego, significa adivinhação e dá origem ao sufixo

mancia em muitos métodos divinatórios, como em cartomancia. Existem centenas de

métodos de leitura da sorte e/ou adivinhação do futuro, que vão das linhas das mãos,

como na quiromancia, até literalmente as estrelas, como na astrologia (Raphals,

2014; Struck, 2016.). Uma pesquisa sobre experiências anômalas na vida cotidiana

verificou em sua amostra que 16,7% dos participantes havia consultado um médium,

clarividente ou paranormal, 15,7% um cartomante ou tarólogo, 8,2% um astrólogo,

4,9% um quiromante e 4,6% consultaram um jogador de búzios. Dentre os

respondentes, 63% relataram que tais práticas influenciaram ou modificaram alguma

decisão importante em suas vidas (Machado, 2009).

A morte, seja através da perda de entes queridos ou do contato com nossa

própria finitude, tende a ser uma experiência angustiante para os indivíduos, e tal

sentimento pode ser um dos alicerces de muitas crenças religiosas (Becker, 2018).

Desse modo, o pretenso contato com o além seria a evidência da existência de uma

vida após a morte, e tal ideia pode se tornar uma fonte de felicidade e sentido para a

vida para de muitas pessoas (Weisberg, 2005).

20
Harry Houdini, após a morte da sua mãe, consultou médiuns em uma tentativa

de obter comunicação com o além e aliviar seu sofrimento pela perda. No entanto,

ele ali constatou fraudes deliberadas e, a partir desse evento, iniciou um processo de

exposição de tais charlatães que continua pelo mundo até hoje, com figuras como o

recém-falecido James Randi (Houdini, 2011).

As Irmãs Fox ficaram mundialmente conhecidas ao propiciar supostas

comunicações espirituais com os mortos, através de perguntas que eram respondidas

com sinais como batidas em uma mesa de madeira. A partir delas, outras formas de

comunicações foram sendo desenvolvidas, como o tabuleiro ouija, que, por sua vez,

deram origem a diversos movimentos espiritualistas ao redor do mundo. No entanto,

uma das Irmas Fox afirmou tais fenômenos não passavam de uma brincadeira que

era realizada pelas mesmas através de um simples truque (Weisberg, 2005).

Considerando a possibilidade dos fenômenos produzidos pelas Irmãs Fox

terem sido, de fato, uma fraude e que a própria realidade e o mundo em que vivemos

é um constructo sociocultural (Berger & Luckmann, 2013), teríamos um exemplo de

como um movimento espiritualista que influência milhões de pessoas ao redor do

mundo e, em especial, no Brasil poderia ter se originado de uma ilusão mágica.

O estudo da arte mágica também pode suscitar uma questão feita há séculos

por filósofos e cientistas: o que é a realidade? Comumente definimos como real aquilo

que existe, em oposição à ilusão, entendida como aquilo que não existe. Tais

concepções são fundamentadas nas percepções que obtemos do mundo através dos

nossos sentidos. No entanto, se considerarmos o fato de que nossos sentidos podem

ser facilmente iludidos, como nos mostram os mágicos, chegaremos à inquietante

21
conclusão de que o que percebemos na vida cotidiana e a realidade em si podem não

ser de fato a mesma coisa.

22
2. Psicologia da Mágica

2.1 Conceitualização

A palavra mágica na língua portuguesa é ambígua. Ela designa, por um lado,

um sistema de crenças e práticas ancestrais que dariam ao indivíduo a habilidade

e/ou poder de modificar o mundo segundo seus desejos utilizando-se para isso de

métodos não usuais, como encantamentos, feitiços e poções (Davies, 2012;

Kieckhefer, 2000; Ralley, 2010).

Por outro lado, a palavra mágica também é utilizada para se referir à arte

performática e cênica realizada por ilusionistas que criam deliberadamente a ilusão

de fenômenos psicológicos, paranormais e/ou sobrenaturais (Harada, 2018; Kuhn,

2019).

O dicionário Houaiss (Houaiss, 2009) define mágica como:

1: magia

2: ilusão fantástica por meio de truque, ilusionismo

Suas raízes etimológicas remetem à:

1: mágica: do latim, magia; derivado do grego, mageia: “doutrina ou arte dos

magos”

2: magos: sábio e sacerdote persa; casta sacerdotal detentora de todas as

ciências, inclusive as ocultas.

A palavra magia, por sua vez, é definida (Houaiss, 2009) como:

23
1: arte, ciência ou prática de produzir, por meios ocultos, fenômenos

inexplicáveis ou que parecem inexplicáveis

2: por extensão, o efeito dessa arte, ciência ou prática

3: fascínio, encanto

4: ilusionismo, mágica

A magia, poderia ser dividida em duas categorias distintas (Houaiss, 2009):

1: magia branca: a que ajuda a proteger as pessoas de forças malignas, da má

sorte ou de um inimigo

2: magia negra: prática mágica cuja intenção é causar danos, como destruir ou

ferir alguém

De acordo com Ricardo Harada (Harada, 2018), mágica é:

“Uma arte performática pela qual se materializam acontecimentos

impossíveis, por meio de ilusões construídas artisticamente a partir de

técnicas secretas muito complexas. Tais técnicas combinam a destreza

do performer, as ferramentas das ciências e as sutilezas da mente

humana. Seu objetivo final é causar o sentimento de espanto e mistério

diante de um feito impossível, cuja ocorrência rompe com a lógica e a

concepção ordinária de mundo, no território da realidade da vida” (p. 76).

Desse modo, para que a (ilusão) mágica exista, o indivíduo precisa ter a

experiência do mistério ou do impossível, que por sua vez depende de seu

conhecimento e sistema de crença (Kunh, 2019). O mágico que contempla o efeito

de um outro mágico talvez não tenha uma experiência mágica caso conheça o

mecanismo por meio do qual tal efeito seja criado. Da mesma forma, um indivíduo

24
que acredita na existência da percepção extrassensorial, especialmente se tal

fenômeno lhe parecer corriqueiro ou ordinário, talvez não experiencie o feito realizado

por um mentalista como impossível, ou mágico. A experiência mágica ocorre quando

vivenciamos algo que, de acordo com nosso sistema de crenças pessoal ou

experiência sensoperceptiva, é considerado impossível (Harada, 2018; Kuhn, 2019).

O processo do pensamento envolve dois sistemas: o tipo 1 e o tipo 2. O sistema

1 é mediado por pensamentos rápidos e intuitivos, enquanto o sistema 2 envolve o

pensamento racional e é predominantemente mais lento que o tipo 1, e pode corrigir

possíveis equívocos que o processamento do tipo 1 possa cometer (Kahneman,

2011).

Quando vemos um mágico transformar, por meio de um passe mágico, uma

carta do tarô em uma carta distinta temos uma experiência mágica que é mediada

pelo sistema do tipo 1. O processamento do tipo 2 entra em cena quando analisamos

posteriormente a experiência mágica em busca de uma explicação e, na possibilidade

de encontrarmos o mecanismo por meio do qual tal fenômeno ocorrera, a experiência

mágica (ironicamente) desaparecerá.

Segundo a Associação Americana de Psicologia (APA, 2010), magia é:

“Sistema de prática na qual seres humanos tentam manipular forças

naturais e sobrenaturais, através de meios como rituais, encantamentos

e feitiços. Pode-se dizer que rituais mágicos diferem dos rituais religiosos

na medida que envolvem uma tentativa direta de controlar certos fatos

físicos, em oposição a uma súplica a uma força ou força superiores” (p.

571).

25
A distinção linguística é ainda mais tênue em outras línguas, como o inglês e

o espanhol, em que existe apenas uma palavra – magic e magia, respectivamente –

para designar tais conceitos e práticas distintas.

Podemos então conceber a mágica como uma experiência subjetiva frente a

um fenômeno que transcende a compreensão e/ou limites habituais do sujeito que a

vivencia, seja ela uma ilusão ou sistema de pessoal de crenças e práticas sociais

(Harada, 2018; Kuhn, 2019).

2.2 Magia

A concepção de magia é encontrada em obras clássicas de história e

antropologia como A Religião e o Declínio da Magia (Thomas, 1971), Bruxaria,

Oráculos e Magia entre os Azande (Pritchard, 1976), O Ramo de Ouro (Frazer, 1976),

Magia, Ciência e Religião (Malinoswik, 1978), Magia, Ciência e Civilização

(Bronoswik, 1986), e Esboço de uma Teoria Geral da Magia (Mauss & Hubert, 1904).

As distinções e semelhanças entre as concepções de magia e sua relação com o

domínio da religião discutidas em tais obras e autores se encontra além do objetivo

da presente exposição.

A magia em geral é concebida como uma prática humana onde o indivíduo

manipularia a natureza por meio de sua vontade, utilizando por vezes elementos da

própria natureza. A magia se distinguiria da religião uma vez que na concepção

religiosa existiria uma intervenção sobrenatural como deuses ou agentes não-

humanos que intermediariam as ações e/ou desejos humanos. (Davies, 2012;

Kieckhefer, 2000; Raley, 2010).


26
Desse modo, frente a uma dificuldade em relação à colheita ou a uma doença

familiar, o mago manipularia as forças ocultas existentes na própria natureza para

produzir o fenômeno desejado, enquanto o religioso oraria para os deuses (ou faria

outro tipo de ritual, como um sacrifício de animais) para que os mesmos

intercedessem aos seus pedidos e produzissem os fenômenos desejáveis. Dessa

forma, magia e religião seriam maneiras distintas, ainda que historicamente

conectadas, utilizadas pelos indivíduos para obter efeitos que estariam além das suas

capacidades humanas.

A distinção entre magia e religião pode se tornar mais obscura e tênue dentro

de determinadas tradições como a Wicca ou a bruxaria moderna, em que, por vezes,

seres sobrenaturais são invocados durante a realização de rituais mágicos.

Mesmo que tais práticas não produzam necessariamente os fenômenos

almejados, elas podem produzir efeitos psicológicos por vezes benéficos ao indivíduo

que recorre a tais fontes, diminuindo assim suas ansiedades em meio as

imprevisibilidades da vida e de situações que se encontram além de seu controle

(Malinowski, 1978). No entanto, da mesma maneira que o efeito nocebo (i.e., o efeito

nocivo de algo originado pela expectativa), a magia também poderia produzir efeitos

indesejáveis em indivíduos que compartilhem de seu sistema simbólico,

especialmente quando vinculadas às práticas supostamente maléficas como a

bruxaria (Lévi-Strauss, 2017).

Crenças e práticas mágicas podem ser encontradas em todas as culturas e

épocas, e, ao contrário do que Keith Thomas (Thomas, 1991) propôs no título de sua

clássica obra, ela ainda continua viva em muitos contextos.

27
O movimento “new age”, surgido na América do Norte em meados da década

de 70, propiciou o ressurgimento da magia no ocidente (Grant, 2017). Figuras como

Aleister Crowley voltaram a conquistar uma miríade de fãs junto a figuras

contemporâneas como Rhonda Byrne, que ultrapassou a marca de 25 milhões de

cópias vendidas de sua principal obra sobre o pensamento mágico.

Eventos sobre misticismo e ocultismo também se tornam populares e

conquistam um significativo número de adeptos em todo o mundo. A “Convenção de

Bruxas e Magos”, que ocorre anualmente no Brasil desde o ano de 2003, é o maior

segmento do gênero na América Latina e reúne aproximadamente 10 mil praticantes

modernos de magia e práticas correlatas, de acordo com os organizadores do evento.

Algumas religiões de origem pagãs explicitamente se legitimam da magia em

suas práticas e sistemas de crença, como a Wicca. Outras religiões, embora não

reconheçam algumas de suas práticas como mágicas, poderiam ter alguns de seus

ritos classificados como tal, como o ritual da transubstanciação dentro da igreja

católica, ou os rituais de exorcismos realizado nas igrejas neopentecostais. (USP,

1996).

Não é apenas dentro de contextos religiosos que práticas mágicas sobrevivem.

Em nossa vida cotidiana, por vezes também tentamos influenciar os acontecimentos

da vida fundamentados por meios não habituais quando, por exemplo, desejamos

que a face da moeda caia segundo nossa aposta, ou quando realizamos um desejo

ao assoprar a vela no bolo de aniversário. No entanto, com algumas exceções, não

reconhecemos esses hábitos como resquícios de crenças e práticas mágicas e

tendemos a nos considerar indivíduos puramente racionais.

28
Em sua mais recente obra, o parapsicólogo Dean Radin (Radin, 2018) propõe

a teoria de que a magia seria real e utiliza como evidência controversos dados

parapsicológicos favoráveis à existência do paranormal. Dentro dessa perspectiva, a

influência que o mago teria sobre o ambiente seria decorrente do fenômeno de

psicocinese, enquanto adivinhações realizadas por bruxas seriam fenômenos

precognitivos.

O pensamento mágico, como alguns teóricos propõem (Subbotsky, 2010,

2018), coexiste junto ao pensamento racional, atuando em dimensões distintas, mas

não necessariamente antagônicas. O indivíduo pode recorrer a aptidões racionais

para a resolução de um problema, desde que tenha controle sobre a circunstância, e

utilizar-se do pensamento mágico (ou religioso) como meio para influenciar aquilo que

está além de seu controle.

2.3 Mágica

Historicamente a arte mágica (ilusionismo) aos poucos se distanciou das suas

raízes ligadas à trapaça por um lado, e ao oculto e sobrenatural, por outro, para se

cristalizar em meados do século XIX por meio da figura de Robert-Houdin em uma

arte performática e cênica em que a maioria dos mágicos, implícita ou explicitamente,

se apresentava como artistas que realizavam (ilusões) mágicas (Lamont, 2018).

Questões envolvendo a intersecção entre ilusionismo e magia –, como o marco

histórico em que os ilusionistas se apropriaram da palavra mágica até então ligada ao

sobrenatural e começaram a utilizá-la como sinônimo de ilusão, e se tal feito foi

deliberado ou não – são um assunto não completamente elucidado mesmo em obras

de especialistas no assunto (Harada, 2018; Lamont & Steinmeyer, 2018). No entanto,

29
a compreensão dos contextos socioculturais em que tais práticas emergem podem

contribuir no processo de elucidação da problemática.

O ilusionismo possui várias categorias, como a magia clássica, a cartomagia,

e o mentalismo. O mentalismo, se ocupa da criação da ilusão de fenômenos

psicológicos (super memória e habilidade de ler emoções) que ultrapassam os

conhecimentos estabelecidos pela psicologia; paranormais, como a psicocinese

(influência da mente sobre a matéria), e a percepção extrassensorial (telepatia,

clarividência e precognição); e sobrenaturais (comunicação com os mortos, ou

entidades não humanas) (Annemann, 1983; Corinda, 1996). O mentalista, com suas

habilidades performáticas e cênicas, consegue criar a ilusão de entortar talheres com

o poder de sua mente, adivinhar pensamentos alheios, prever o futuro, se comunicar

com os espíritos dos mortos ou até mesmo com o demônio, caso assim quisesse e

lhe fosse interessante na criação de tais ilusões mágicas.

O mentalismo é considerado como “a arte do mistério” por Bob Cassidy e

Richard Osterlind e, por vezes deixa obscura essa já sutil e tênue fronteira entre ilusão

e o sobrenatural, criando reações distintas e por vezes antagônicas mesmo dentro da

comunidade mágica. Para tais autores, um ilusionista que diz estar se utilizando de

ilusões para a criação de seus efeitos elimina o mistério envolvendo seus feitos, de

modo que a mencionada ambiguidade entre a ilusão e o sobrenatural teria um papel

a desempenhar no mentalismo.

Enquanto alguns ilusionistas se opõem a tal feito, outros se valem dele para

criar a sensação de deslumbramento em seu público, que tende a ter o mentalismo

como a categoria preferida de ilusionismo, e, muitas vezes, como um fenômeno

plausível. Se, por um lado, são poucos os indivíduos que acreditam que um coelho

30
possa aparecer magicamente dentro de uma cartola, não são poucos os que

consideram possíveis fenômenos como a telepatia ou precognição, uma vez que

experiências paranormais possuem uma grande prevalência em todas as culturas e

épocas.

Em meados do século XIX, não era incomum a indistinção entre mentalistas e

médiuns. Ambos, por vezes, poderiam realizar os mesmos fenômenos, como a

comunicação com os mortos para feitos mentais como a adivinhação, ou feitos físicos

como a levitação de mesas (Tompkins, 2019).

Enquanto alguns mentalistas se apresentavam como ilusionistas, outros diziam

(ou acreditavam) que seus feitos eram decorrentes de influências sobrenaturais.

Personagens enigmáticos ligados a esse universo como Anna Eva-Fay, Irving Bishop,

Daniel Dunlgas Home, Claude Alexander Conlin e as irmãs Fox contribuíram,

deliberadamente ou não, para a cristalização da crença no paranormal e sobrenatural.

Anna Eva-Fay a princípio intitulava-se médium e apresentava seus feitos de

leitura de mentes e comunicação com os mortos em teatros. Posteriormente Eva-Fay

veio a confessar a Harry Houdini, que, na época, realizava um trabalho de exposição

de falsos médiuns, que ela era uma ilusionista. A convite de Houdini, Eva-Fay seria a

primeira mulher a adentrar no Magic Circle, uma prestigiada organização britânica

dedicada à arte mágica (Wiley, 2005).

Washington Irving Bishop, que, em um primeiro momento era assistente de

Eva-Fay, viera a criar seu próprio ato, em que realizava incríveis adivinhações por

meio de leitura muscular, sendo reconhecido como o maior representante de tal

habilidade. Após sua controversa morte, Bishop teve seu cérebro dissecado em uma

autópsia em busca de uma anomalia que explicasse suas habilidades (Wiley, 2005).

31
Daniel Dunglas Home foi considerado por muitos como o primeiro grande

paranormal da história. Supostamente, Home produzia fenômenos incríveis de

levitação em meio a céticos e investigadores da época. Relata-se que ele chegara a

levitar com seu piano sobre sua casa. Mas, a exemplo do clássico truque da corda

indiana, tal feito talvez nunca tenha existido da forma como fora relatado (Lamont,

2005; 2004).

Claude Alexander Conlin, conhecido como “o homem que sabe” ou “o vidente”,

utilizava-se por vezes de uma bola de cristal na realização de leituras psíquicas,

utilizando-se de técnicas de leitura fria. Alexander alegava que possuía poderes

paranormais, era adepto da bigamia e envolvido com extorsão e contrabando, além

de ter confessado quatro assassinatos. (Charvet & Pomeroy, 2004).

Um dos maiores exemplos dentro desse contexto se refere às irmãs Fox,

precursoras do movimento espiritualista nos Estados Unidos, que confessaram, no

final de suas vidas, que as supostas comunicações com os mortos que realizavam

não eram reais, mas sim truques (Weisberg, 2004). No entanto suas confissões

parecem ter sido ignoradas pelos adeptos do movimento espiritualista.

Cabe ressaltar que o fato de mentalistas conseguirem criar a ilusão de

fenômenos sobrenaturais, como comunicações com os mortos, ou paranormais,

como telepatia, não significa necessariamente que tais fenômenos sejam quiméricos.

No entanto, é imprescindível que o pesquisador de tal temática tenha conhecimento

dos mecanismos mágicos que poderiam criar a ilusão dos fenômenos os quais são

objeto de seu estudo.

32
2.4 Ciência da Mágica

Os mecanismos neuropsicológicos envolvidos nas ilusões mágicas vêm sendo

objeto de estudo da psicologia da mágica, área de estudo que vem crescendo nas

últimas décadas na Europa e América do Norte, também possuindo representantes

no Brasil.

A psicologia da mágica propicia valiosos conhecimentos sobre o

funcionamento da mente e cérebro humanos, e demonstra que ilusões psicológicas

não se restringem apenas a espetáculos cênicos, podendo estar presentes também

em muitos aspectos da vida cotidiana.

Em 1900, o psicólogo Norman Triplett escrevera o primeiro artigo dedicado à

psicologia da mágica. Em The Psychology of Conjuring Deceptions, Triplet (Triplet,

1900) expõe uma taxonomia dos efeitos mágicos e propõe a hipótese de que

trapaças, enganos e ilusões teriam uma função psicossocial e até mesmo evolutiva.

Uma criança, por exemplo, aprenderia em algum momento de sua vida que por meio

do fingimento ela poderia conseguir algo que não ganharia caso não fingisse. Do

mesmo modo, um animal poderia enganar seu predador e permanecer vivo se

utilizasse o truque de parecer estar morto. Embora tais truques não sejam sinônimos

da concepção de mágica enquanto arte, eles podem ser elucidativos para a

compreensão de alguns fenômenos psicossociais relacionados à arte em si.

Para que a experiência mágica aconteça, é necessário que o indivíduo

desconheça o método por meio do qual tal efeito é produzido, o que depende, em

parte, da habilidade do ilusionista em criar o misdirection, a chave psicológica para a

experiência mágica.

33
O misdirection sob uma perspectiva psicológica pode ser compreendido como

um processo cognitivo que manipula as crenças e experiências subjetivas da

experiência mágica, de modo a encobrir algum elemento essencial da artimanha que

possibilita o efeito mágico (Kuhn, 2019).

A experiência mágica ocorre porque, ao contrário do que nossa experiência

subjetiva por vezes nos leva a crer, não temos total consciência das experiências que

vivenciamos, sejam elas mágicas, paranormais ou mesmo cotidianas (Kuhn, 2019).

No momento em que escrevo tais palavras, estou inconsciente do quanto meu

cérebro preenche as lacunas dos estímulos sensoriais que compõem a minha

experiência perceptiva. Percebo as palavras em meu notebook como palavras e não

como inputs elétricos. No entanto, é justamente minha experiência subjetiva que me

permite continuar dissertando sobre o assunto.

A mágica pode ser a experiência- chave ao demostrar que, a exemplo de

ilusões artísticas, o que percebemos cotidianamente e o fato em si são, por vezes,

coisas distintas uma vez que nossa percepção é constituída por dados sensoriais e

também por nossa própria subjetividade (Harada, 2018; Khun, 2019).

Nosso sistema de crenças é constituído, dentre outras condições, pelas

experiências que vivenciamos intermediadas pelo sistema sensório perceptivo que,

como diversas pesquisas sobre psicologia da mágica demonstram, pode facilmente

ser iludido (Kuhn, 2019) e contribuir para o desenvolvimento de crenças equivocadas

sobre a natureza do mundo.

A psicologia da mágica também demonstra que determinados aspectos

subjetivos a partir do qual constituímos nossa realidade intrapsíquica são capazes de

se tornar eventualmente consequência de complexas ilusões cognitivas.

34
A memória, por exemplo, a partir da qual constituímos dentre outras coisas

nosso senso de identidade apresenta-se como um processo mais maleável e

subjetivo do que usualmente cremos (Kunh, 2019). Falsas memórias podem propiciar

uma experiência anômala durante uma demonstração de leitura fria e também

contribuir para o estabelecimento de determinada perspectiva sobre o mundo.

Nosso senso de livre arbítrio, por meio do qual temos a sensação de realização

de escolhas individuais também pode ser uma (inquietante) ilusão psicológica. Como

pesquisas sobre psicologia da mágica apontam, um ilusionista pode nos levar a crer

que realizamos determinada escolha quando de fato fomos manipulados por meio de

um método que desconhecemos (Kuhn, 2019).

A pesquisa sobre psicologia da mágica também demonstra que a mágica

aumenta nosso senso de bem estar, apresenta-se como uma ferramenta de

aprendizado, podendo contribuir no processo de resolução de problemas cotidianos.

Portanto, ela é capaz de propiciar ao indivíduo a percepção de novas perspectivas

sobre si mesmo e sobre o mundo (Kuhn, 2019).

Considerando que diversos aspectos de nossa vida cotidiana são decorrentes

de um complexo constructo sociocultural (Berger & Luckman. 2014) e que tal

processo é intermediado por nossa percepção, por vezes equivocada do mundo, é

plausível considerarmos que determinados aspectos de nossas vidas poderiam estar

fundamentados em uma ilusão, deliberada ou não. Desse modo, uma ilusão mágica

poderia criar uma experiência dita paranormal a qual, por sua vez poderia contribuir

para o estabelecimento de um sistema de crenças e práticas que reforçaria a si

mesmo, culminando em uma realidade psicossocial tão tangível quanto uma xícara

de chá.

35
3. Leitura Fria

3.1 Conceitualização

A pesquisa envolvendo leitura fria apresenta a priori alguns desafios, como o

fato de não haver um consenso entre os pesquisadores e autores do assunto sobre

sua definição, e suas delimitações em relação a outras práticas como a adivinhação

e as leituras psíquicas. (Roe & Roxburgh, 2013).

O conceito de leitura fria foi publicado pela primeira vez na obra “The Dead do

Not Talk”, escrita pelo Mágico Julien J. Proskauer, na qual o autor discorre sobre os

métodos utilizados por médiuns e videntes. O termo “frio” refere-se ao fato do vidente,

ou médium, não ter conhecimento prévio sobre o consulente antes da leitura,

diferenciando-se do que comumente é denominado leitura quente, na qual tal

conhecimento é obtido anteriormente à leitura, sem que o sujeito tenha consciência

de tal feito. Em tal obra, o autor considera que os adeptos de tais práticas são

trapaceiros e vigaristas ou, na melhor das hipóteses, ingênuos indivíduos desprovidos

de um raciocínio crítico (Proskauer, 1946).

Tal perspectiva ainda predomina entre mágicos que desconsideram diversos

fatores psicológicos, históricos e socioculturais que fundamentam tais práticas

divinatórias e espiritualistas, e incorrem em hipóteses simplistas sobre o

funcionamento de tal fenômeno psicossocial, como eu a princípio também

ingenuamente fazia.

O psicólogo e mágico Ray Hyman, em seus trabalhos (Hyman, 1977, 1981,

2007), compreende a leitura fria como uma relação diádica entre cliente e leitor, que

36
se utiliza da perspicácia e feedback interacional (verbal e não-verbal) para a criação

da ilusão psicológica de haver ali alguma habilidade paranormal.

O mentalista Ian Rowland, em sua obra (Rowland, 2012, p. 13), define leitura

fria como “um conjunto de estratégias, relacionadas com a psicologia da

comunicação, que lhe permitem influenciar o que os outros pensam, sentem e

acreditam”. De acordo com o mentalista Brad Henderson (Henderson, 2017), leitura

fria, fundamentalmente:

não é sobre conteúdo; dificilmente o conteúdo torna-se o resultado de uma


técnica efetiva de leitura. Leitura fria é sobre uma relação entre leitor e
consulente; como tal relação é desenvolvida; e como o conteúdo derivado é
comunicado pelo leitor e interpretado pelo consulente (p. 15)

Proponho definir leitura fria como um método que utiliza técnicas psicológicas

para obtenção e revelação de informações aparentemente inescrutáveis por meios

convencionais, culminando na ilusão de um fenômeno aparentemente paranormal.

Tal definição propõe uma nova possibilidade de conceitualização sobre a temática,

procurando defini-la dentro de um contexto especifico que seja passível de interação

com conceitos, como leituras psíquicas e leituras mediúnicas.

O segundo ponto diz respeito à escassa publicação de materiais sobre a

temática. As poucas publicações científicas encontradas pertencem quase

exclusivamente a dois únicos pesquisadores: Chris Roe, com seis publicações (“A

Overview of Cold Reading Strategies”, “Cold Reading Strategies”, “Belief in the

Paranormal and Attendance at Psychic Readings”, “Pseudopsychics and the Barnum

Effect”, “Subjects Evaluations of a Tarot Reading” e “Client´s Influence in the

Selection of Elements of a Psychic Reading”) e Ray Hyman, com três publicações

(“Cold Reading: How to Convince Strangers that You Know All About Them”, “Talking

37
with the Dead, Communicating with the Future and Other Myths created by Cold

Reading” e “Psychic Reading”). Também existem algumas raras, mas importantes,

contribuições de autores influentes dentro do meio cético e paranormal, como os

psicólogos Richard Wiseman (Wiseman, 2017), Michael Shermer (Shemer, 2005) e o

mágico James Randi (Randi, 1981).

Destes, o trabalho do ilusionista James Randi tem especial importância.

Embora tenha publicado apenas um artigo exclusivo sobre leitura fria, ele dedicou

boa parte de sua vida ao trabalho de desmascarar falsos paranormais, como Uri

Geller e Peter Popoff, e foi idealizador do Projeto Alpha. Nesse experimento, os

mentalistas Banachek e Mike Edwards conseguiram enganar, por mais de dois anos,

cientistas que estudavam fenômenos paranormais em condições aparentemente

controladas dentro de seus próprios laboratórios. O experimento terminou apenas

quando os mesmos revelaram ser ilusionistas, e que não tinham poderes

paranormais. Peter Popoff, por sua vez, é um evangelista americano que se denomina

mensageiro de Deus e realiza cultos espirituais. Seus cultos se tornaram muito

conhecidos na década de 80 por causa dos seus aparentes dons espirituais. Popoff

alega que Deus fala em seus ouvidos e revela informações pessoais sobre os

indivíduos que participam de seus cultos. James Randi expôs ao vivo o método

utilizado por Popoff: a voz de Deus em seus ouvidos era, na verdade, a voz da sua

esposa, que lhe repassava, através de um ponto eletrônico, informações coletadas

por terceiros. Ironicamente, muitas pessoas não deram ouvidos a James Randi e

continuam até hoje sendo enganadas por Popoff, que continua muito popular.

Também são escassos os materiais técnicos sobre o assunto, como alguns

textos dos mentalistas Corinda, Max Maven, Bob Cassidy, Richard Osterlind,

Banachek, Luke Jermay e Derren Brown, além de duas obras dedicadas

38
exclusivamente à temática: “The Full Facts Book of Cold Reading”, de Ian Rowland,

e “The Dance”, de Brad Henderson. Tais publicações foram desenvolvidas por

mágicos para mágicos, o que dificulta que o público geral e também os pesquisadores

tenham acesso a tal conhecimento de forma tangível.

Dentre as inúmeras técnicas de leitura fria, considero o método intitulado “The

Systematic Seer”, desenvolvido pelo mágico Ken de Courcy, o mais simples e criativo.

Tal método permite que o mentalista crie leituras individuais improvisadas de acordo

com o nome do consulente, evitando, dessa maneira, a utilização de frases prontas

e, por vezes, clichês como as utilizadas no efeito Forer, que serão abordadas em um

capítulo posterior.

Dentre as publicações cientificas acima citadas, destaca-se o “A Overview of

Cold Reading Strategies” de Chirs Roe em parceria com Elizabeth Roxburg (Roe &

Roxburg, 2013). Nele, os autores elaboram um modelo hierárquico sobre a estrutura

de uma leitura, demonstrando como, através da crescente interação entre vidente e

consulente, as informações reveladas vão deixando de ser vagas e ambíguas para

se tornarem cada vez mais precisas, utilizando o próprio consulente como meio.

39
Figura 1: Estágios da leitura fria: O processo se inicia por meio de uma linguagem vaga e ambígua,

que mediada por pistas ambientais e feedback interacional, se torna acurada e precisa.

Os autores propõem que uma leitura fria “real” acontece através de um

processo de feedback não verbal do consulente e citam a relação proposta por Hyman

de tal processo ao fenômeno do Clever Hans, em que, supostamente, um cavalo teria

sido treinado para o desenvolvimento e realização de habilidades intelectuais (como

operações aritméticas), mas que eram decorrentes do processo de linguagem não

verbal que acontecia entre ele e seu treinador (Hyman, 1981). Através desse

processo, pistas sutis seriam detectadas de maneira subliminar ou mediada por

40
processos não conscientes e constituiriam o conteúdo da interação entre leitor e

consulente.

A perspectiva que irei adotar no decorrer desta dissertação será a de discorrer

sobre leitura fria sob a perspectiva do mentalismo, em que a mesma pode ser utilizada

por ilusionistas, em meio a outros métodos, com o intuito de criar a ilusão de

fenômenos paranormais em seus atos e espetáculos. Sob tal perspectiva, é possível

compreender que um mentalista, através de seus métodos, consegue produzir

fenômenos similares aos criados por médiuns em contextos espiritualistas e videntes

em contextos psíquicos, sem presumir, a priori, que se tratam do mesmo fenômeno.

A relação entre leitura fria e leituras psíquicas e mediúnicas será tratada em

outro capítulo, em que procurarei traçar paralelos e diferenças entre as práticas

utilizadas por mentalistas e videntes e/ou médiuns, tomando a precaução de não as

considerar necessariamente idênticas, como fazem alguns autores, uma vez que tal

perspectiva pode incorrer em um raciocínio falacioso e distorcer a compreensão de

tais fenômenos.

O fato de concluir a priori que todos os médiuns e videntes utilizem leitura fria

apenas porque mentalistas conseguem criar a ilusão de tais feitos através dessas

técnicas pode ser equivocado da mesma maneira que deduzir que o fenômeno da

psicocinese inexiste apenas porque ilusionistas conseguem simular tais feitos. Em

termos estritamente lógicos, um ponto não implica necessariamente o outro.

Considero que a existência da psicocinese, assim como da percepção

extrassensorial, devem ser questionadas por outras razões e critérios, mas não por

meio do referido argumento.

41
Outra hipótese defendida por alguns autores, e que pode se mostrar

equivocada, diz respeito a considerar que videntes e médiuns utilizam técnicas de

leitura fria de maneira “inconsciente”. O problema com tal perspectiva é o fato que a

hipótese não é refutável, uma vez que tais pressupostos dificilmente podem ser

verificados ou testados. Não optarei também por classificar tais sujeitos através da

denominação “shut-eyes”, em que os praticantes estariam necessariamente

envolvidos em um processo de autoilusão, como proposto com alguns autores,

presumindo que aqueles utilizariam técnicas de leitura fria sem que tenham

conhecimento de tal feito, uma vez que tal denominação implica, sob minha

perspectiva, uma atitude equivocada por parte do pesquisador antes de comprovar

de fato tal hipótese.

Denominarei como “intuitivos” os praticantes de leituras psíquicas e

mediúnicas que desenvolveram técnicas similares à leitura fria de forma natural e

espontânea em suas práticas. Tal denominação não está isenta de problemas, uma

vez que a palavra “intuição”, em alguns contextos, pode ser interpretada como uma

habilidade extrassensorial, distanciando-a do significado original de percepção ou

entendimento imediato que se daria por meios distintos ao raciocínio lógico

(Gigerenzer, 2008; Mlodinow, 2013.).

Um vidente pode, de fato, utilizar técnicas de leitura fria ou métodos similares

em suas leituras divinatórias sobre o futuro, assim como médiuns em suas

comunicações com os mortos. Mas considerar a priori que eles assim o fazem,

excluindo outras possibilidades, pode se mostrar uma perspectiva tendenciosa frente

a compreensão de tais fenômenos.

42
Com concepção oposta aos autores céticos estão os autores defensores da

hipótese psi (Radin, 2008, 2018; Targ, 2010, 2014), que também incorrem em erro ao

considerar previamente que leituras psíquicas e mediúnicas envolvam de fato

fenômenos extrassensoriais como telepatia, clarividência e precognição, sem

considerar que tais fenômenos podem ser decorrentes de ilusões deliberadas ou não,

e que podem ser explicadas por outros processos psicológicos como expectativa,

motivação, sugestão, percepção e memórias seletivas, pareidolia, viés de

confirmação e efeito Forer, que serão abordados em capítulos posteriores.

Dentre as maneiras de verificar se, de fato, fenômenos extrassensoriais como

a telepatia, clarividência e precognição (May & Marwaha, 2015) estariam presentes

em leituras psíquicas e mediúnicas, estão a análise conversacional e psicologia

discursiva (Wooffitt, 2020). Por meio de tai métodos é possível analisar, sob uma

perspectiva agnóstica, a linguagem que é utilizada por médiuns e videntes e que

constitui a interação presente em leituras psíquicas e mediúnicas.

Tendo como premissa o princípio da Navalha de Occam, que prioriza hipóteses

mais simples entre as disponíveis e equivalentes, devemos considerar hipóteses

complexas como a presença de percepção extrassenorial em leituras psíquicas e

mediúnicas apenas depois que hipóteses mais simples, como processos psicológicos

básicos, foram consideradas e não se mostraram suficientes para a compreensão de

determinado fenômeno.

Também se faz necessário considerar que aspectos como a ansiedade em

relação a eventos que estão além do nosso controle, a consciência e a angústia frente

à própria finitude podem servir de alicerce para o desenvolvimento de crenças

paranormais que sustentam práticas como leituras psíquicas e mediúnicas (Lamont,

43
2017; Machado, 2009). Tais práticas são encontradas em, eventualmente, todas as

culturas e épocas, e, muitas vezes, podem propiciar sentido e significado para a

existência de pessoas que encontram nelas maneiras de lidar com suas angústias e

sofrimentos (Struck, 2016)

A construção de um saber através da perspectiva fenomenológica acontece

quando nos aproximamos do fenômeno que buscamos conhecer da maneira como

ele se apresenta, buscando, na medida do possível, suspender quaisquer

pressupostos que possamos ter a a priori, com o intuito de percebê-lo em sua própria

instância. A perspectiva fenomenológica não exclui a dimensão ontológica e

tampouco diz respeito a uma ingênua subjetivação dos fenômenos, mas constitui um

método que utiliza a própria subjetividade em relação ao fenômeno para sua

compreensão.

Considero importante uma reflexão a respeito do conceito de ceticismo antes

de prosseguir com a exposição, uma vez que boa parte da discussão dessa

dissertação estará fundamentada em tal conceitualização. Etimologicamente, a

palavra ceticismo significava observação e reflexão, e dizia respeito a uma atitude de

questionamento perante o mundo e não descrença ou negação como em alguns

meios tal conceito é utilizado (Sagan, 2006).

Os antigos gregos denominados céticos, que deram origem a tal conceito,

questionavam inclusive se o conhecimento real sobre algo poderia de fato ser obtido.

Como exemplo, consideremos as perspectivas distintas sobre o universo defendidas

pelos epicuristas e estoicos, contemporâneos dos céticos no período helenístico. Para

os primeiros, o universo era concebido como um caos onde fenômenos seriam

decorrentes do acaso, enquanto, pelos segundos, o universo era visto como um

44
logos, com uma ordem subjacente aos fenômenos (Reale, 2015, 2017). Uma

concepção cética, no entanto, questionaria ambas as perspectivas, uma vez que

nenhuma das duas poderiam, de fato, ser verificadas. Epicuristas e estoicos teriam

então crenças distintas a respeito da natureza do universo, mas ambos não saberiam

de fato qual a natureza do universo, o que traçaria uma importante distinção entre

crença e conhecimento.

A negação a priori de determinado fenômeno apenas porque o mesmo

contraria a perspectiva que tenho sobre a natureza das coisas pode se mostrar uma

atitude tão tendenciosa quanto a aceitação a priori do mesmo fenômeno apenas

porque ele corresponde a minha própria perspectiva sobre o mundo.

Desse modo, ceticismo diz respeito à observação de determinado fenômeno,

à analise através de métodos condizentes com o que se procura conhecer, e apenas

posteriormente à uma reflexão a respeito do mesmo.

3.2 Técnicas e Estratégias de Leitura Fria

O presente capitulo terá como objetivo introduzir algumas das técnicas e

estratégias utilizadas em leitura fria, e terá como fundamento a estrutura proposta por

Ian Rowland na obra “The Full Facts book of Cold Reading” (Rowland, 2012). Tal

escolha justifica-se pelo fato de (a meu ver) a referida obra ser a mais completa

sistematização técnica sobre a temática.

Os exemplos utilizados são decorrentes da minha experiência pessoal

realizando leituras frias e das interações situacionais que vivenciei com médiuns e

videntes no decorrer dos anos.

45
Alguns elementos antecedem o início formal de uma leitura fria. O primeiro

deles tange a escolha do sistema, ou prática, no qual o leitor fundamentará sua leitura,

sendo que tal escolha pode ser decorrente de preferências pessoais, ou parte de uma

estratégia deliberada (Henderson, 2017). Uma leitura fundamentada nas cartas do

tarô difere de uma leitura baseada nas linhas das mãos, de uma leitura na bola de

cristal, de uma leitura mediúnica, ou de uma leitura puramente intuitiva. A escolha por

um sistema, como cartomancia ou quiromancia, possui a vantagem de apresentar

uma estrutura a partir da qual a leitura se desenvolverá, que poderá ser utilizada para

contornar possíveis erros que possam ocorrer por parte do leitor durante o processo.

Consideremos tais exemplos:

Em uma leitura de cartomancia, depois do consulente embaralhar e cortar as

cartas, o leitor retira três cartas do tarô representando o passado, o presente e o

futuro. As cartas que se apresentam são, respectivamente, a lua, a morte e a estrela.

A leitura se configurou em uma estrutura básica a partir de uma aleatoriedade, e se

desenvolverá por meio da interpretação do leitor.

“As cartas refletem um período de mudanças... Aspectos relacionados ao


passado, representados pela carta da lua, já não fazem mais sentido para você,
embora ainda exista alguma relutância de sua parte em deixar certas coisas
para trás... Talvez você não esteja conseguindo controlar certas circunstâncias
da vida... A carta da estrela na posição final, no entanto, é um excelente indício,
e sugere momentos favoráveis em breve.”

A leitura de quiromancia difere-se da cartomancia por não apresentar o

elemento aleatório, mas também se desenvolve a partir de uma estrutura básica que

são as linhas das mãos. Em tal sistema, a mão é considerada uma estrutura

microcósmica do universo onde o passado, o presente e o futuro se mostrariam

46
representados, cabendo ao leitor o reconhecimento dos sinais para a posterior

interpretação.

“Linhas profundas e marcantes... possui uma alma peculiar. Vejo em sua linha
do coração uma tendência a se deixar dominar eventualmente pelas
emoções... Sua linha da mente, no entanto, parece refletir um pensamento, por
vezes, crítico demais. Existe uma ligação tênue entre as duas... Você deve
equilibrar tais ambiguidades. Terá muito tempo para tanto, a julgar pela
característica da sua linha da vida.”

Em uma leitura psíquica ou mediúnica, são raras as vezes nas quais um

consulente pode discordar de uma afirmação que o leitor faz em relação ao seu futuro,

uma vez que tal possibilidade não pode ser verificada pelo mesmo. Mas imaginemos

uma situação em que o consulente discorda da afirmação que o leitor faz a respeito

do seu passado, a partir da interpretação realizada da carta da lua ou da sua linha da

vida. O leitor pode reafirmar sua fala reestabelecendo o sistema de crença do sistema,

ao dizer, por exemplo, que as linhas das mãos refletem tendências e que seu papel

é dizer o que ele vê ou então realizar uma reinterpretação da carta afirmando, por

exemplo, que a carta da lua representa aspectos que se podem se fazer

despercebidos ao consulente uma vez que são inconscientes.

O segundo elemento diz respeito a estabelecer o sistema de crença junto ao

consulente e propiciar um contexto que encoraje sua cooperação, sem que o mesmo

tenha consciência de tal feito, diminuindo, dessa maneira, condições desfavoráveis e

tornando o processo de leitura mais fácil (Henderson, 2017).

Como exemplo consideramos o contexto em que o leitor se apresenta como

clarividente e vale-se apenas de sua intuição.

47
“Eu espero te ajudar, mas devo te lembrar que por vezes, as visões que tenho
não são muito claras e que elas podem não fazer muito sentido para mim...
Vou precisar que você se abra para a experiência, e que me auxilie dando
significado para aquilo que eu vejo, para construirmos a experiência juntos ...
Estou vendo relógio antigo. Isso faz sentido para você? O que isso pode
significar?”

Dentro de um contexto espiritualista, tal processo pode ocorrer da seguinte

maneira:

“Você deve saber que esse processo não ocorre com facilidade, e que por
vezes, ele independe de nossa vontade... Preciso que você relaxe e seja
receptivo... Estou sentido uma presença... É uma mulher...uma mulher
idosa...ela está sorrindo para você, mas não disse seu nome. Me pergunto
quem ela é... Ela disse que sente sua falta e sempre está ao seu lado, mesmo
nos momentos em que você não se recorda dela...”

A leitura por meio da bola de cristal combina elementos estruturais e intuitivos,

além de envolver fatores psicológicos e neurológicos, como absorção e alucinação.

Tal método será abordado com especial atenção em um capítulo posterior.

Outros fatores como o contexto sociocultural no qual o leitor e o consulente

estão inseridos também são de especial importância, e exercem uma influência

significativa no processo de leituras psíquicas e mediúnicas. Um leitor perspicaz pode

se valer de tais aspectos dentro do processo de leitura como, por exemplo, ao utilizar

supostas comunicações com os mortos em uma cultura onde existem religiões que

servem de alicerce para a sustentação de tais crenças, ou se abster das mesmas em

culturas onde tais crenças inexistem. É interessante notar que mesmo crenças

similares como o contato com o além adquirem diferentes expressões em culturas

distintas, como as leituras mediúnicas em países como o Brasil e os Estados Unido.

Enquanto no Brasil as comunicações tendem a acontecer dentro em espaços

privados, nos Estados Unidos não são incomuns as demonstrações de leituras em

48
programas de TV e reality shows, transformando determinados médiuns em

celebridades.

Por vezes, uma leitura é validada por meio do impacto emocional que essa

causa no consulente e não por meio de uma análise racional feita pelo mesmo. Em

várias situações, o que indivíduos buscam em leituras divinatórias com médiuns e

videntes são conselhos sobre como lidar e resolver problemas cotidianos. Tais fatores

psicológicos também impelem os indivíduos a buscar e a iniciar um processo

psicoterapêutico com psicólogos (Larson, 2018).

Um bom leitor sabe como evocar tais sentimentos e sensações no consulente

durante o processo por meio de técnicas psicológicas similares à hipnose. As mesmas

palavras podem evocar respostas muito diferentes a depender do contexto onde

ocorrem e de características como tom e ritmo da voz, pausas de silêncio que podem

ser deliberadamente utilizadas, assim como aspectos relacionados a comunicação

não verbal, como ritmo da respiração e direcionamento do olhar.

Consideremos, como exemplo, a frase: “Vejo mudanças em sua vida...”

Imaginemos que tais palavras foram proferidas durante uma leitura informal por meio

da borra do café, no fundo de uma xícara, no período da manhã. Ao dizer as palavras

ao consulente o leitor olha em seus olhos, respira profundamente, sorri, e em seguida

volta a beber seu café. Consideremos então, que as mesmas palavras foram

proferidas a noite, dentro de uma residência, enquanto os mesmos bebiam chá.

Depois de dizer as palavras, o leitor suspende a respiração, permanece em silêncio

por alguns momentos, desvia o olhar e em seguida se retira. Em situações contextuais

distintas como as descritas anteriormente, não é difícil inferir que as mesmas palavras

49
poderão desencadear pensamentos, sentimentos e ações muito diferentes no

consulente.

Outros aspectos também influenciam um processo de leitura. Princípios

imprescindíveis em um processo psicoterapêutico como demonstrar empatia e ser um

bom ouvinte podem, em uma leitura divinatória ou mediúnica, ser mais significativas

do que realizar adivinhações propriamente ditas, ou de fato se comunicar com o além

(Larson, 2018).

Aspectos como idade, traços da personalidade, carisma e autoconfiança do

leitor também podem exercer uma significativa influência em como o consulente

recebe a leitura, assim como a qualidade dos utensílios que são utilizados na leitura.

Um baralho de tarô antigo, com figuras evocativas, que permanece dentro de uma

caixa dourada, envolto a um pano preto, pode evocar uma experiência diferente de

um baralho que é encontrado em uma livraria do aeroporto.

3.3 Elementos da Leitura Fria

Ian Rowland (Rowland, 2012) sistematizou dezenas de elementos que ocorrem

em um processo de leitura fria, dividindo-os nas seguintes categorias: elementos

sobre personalidade, elementos sobre fatos e eventos, elementos de extração de

informações e elementos de predição do futuro.

Embora tal sistematização possa se mostrar uma excelente maneira de

compreender teoricamente o processo de leitura fria, devemos ter em mente que

durante uma prática de leitura fria, tais elementos por vezes se misturam e não

ocorrem de uma maneira linear.

50
Brad Henderson, sugere em seu livro “The Dance”, (Henderson, 2017) que a

leitura fria está mais próxima da arte do que de uma ciência, e que o fator mais

importante em uma leitura fria é a relação que se estabelece entre os indivíduos. O

mentalista Luke Jermay (Jermay, 2014), possui sua própria metodologia, mas

aconselha os leitores a aprenderem leitura fria de maneira intuitiva diferentemente do

aprendizado de outras técnicas de mágica.

3.3.1 Elementos sobre Personalidade:

Esse elemento diz respeito a afirmações sobre traços de personalidade e

características psicológicas do indivíduo. Em um capítulo subsequente, o efeito Forer,

que constitui uma das bases para sua compreensão (ainda que não a única) será

objeto de discussão.

• Tática do arco-íris: consiste em descrever um traço de personalidade e seu

oposto: “Percebo em você um grande senso de humor, no entanto, em alguns

momentos, você tende a levar certas coisas muito a sério”.

• Lisonja: refere-se ao fato de tecer elogios os quais o consulente dificilmente irá

negar, mesmo que não sejam verdadeiros: “Noto, pela sua mão, que você

possui muita coragem, e tende a enfrentar situações que teme”.

• Dons paranormais: é uma aplicação específica da lisonja, que pode favorecer

a aceitação de crenças paranormais: “Você possui uma intuição aguçada.

Tende a perceber muitas coisas, antes que a maioria das pessoas venham a

se dar conta”.

• Torrão de açúcar: refere-se a afirmações que convidam o indivíduo a ter uma

mente aberta e a entrar no processo da leitura: “A clarividência é uma

51
experiência que acontece apenas quando o indivíduo se mostra receptivo para

tal fenômeno. Percebo tal característica em você...”

• Declarações dos ritos de passagem: diz respeito a experiências relacionadas

aos vários estágios da vida: “Percebo que você abriu mão de alguns dos

sonhos que nutria em tempos passados”.

• A grama mais verde: refere-se à tendência a desejarmos o que não temos:

“Você possui uma grande dedicação para a vida familiar, mas noto que, em

seu íntimo, você gostaria de desfrutar de uma liberdade, que tais

responsabilidades não permitem”.

• Declarações Barnum: são afirmações vagas, genéricas e ambíguas que

podem ser aplicadas a maioria das pessoas. Constituem a base do efeito

Forer, que será abordado posteriormente em outro capítulo: “Alguns dos seus

sonhos tendem a ser um pouco irrealistas”

3.3.2 Elementos relacionados a Fatos e Eventos

Nessa categoria se enquadram declarações relacionadas a conteúdos

externos ao indivíduo e que ultrapassam as características individuais, como as

experiências vividas pelo consulente.

• Fato difuso: inicia-se com uma afirmação vaga, que transformará em algo mais

específico: “Sinto uma sensação na região do coração... como ele morreu

querida?”

• Adivinhação fácil: refere-se a declarações que possuem boas chances de

estarem corretas: “Existe um objeto antigo em sua sala de estar, não é

mesmo?”

52
• Adivinhação por acaso: refere-se a fazer adivinhações contando com a sorte.

Essa técnica costuma ser utilizada com precaução por parte do leitor, uma vez

que é decorrente de um puro acaso. Se a declaração se mostrar verdadeira, o

consulente terá a impressão de uma verdadeira percepção extrassensorial.

Caso a mesma esteja errada, o leitor poderá alterá-la com outras técnicas de

leitura fria: “Vejo uma presença ao seu lado... cabelos grisalhos... vestido

escuro... o nome dela é Aparecida... você a conhece?”

• Estatística: diz respeito a declarações fundamentadas em dados estatísticos e

demográficos: “Percebo que você tende a passar um bom tempo do dia

utilizando seu smartphone, o que, por vezes, pode te distanciar de algumas

relações”.

• Trivialidades: refere-se a fatos triviais, relacionados ao cotidiano: “Percebo que

aprecia relembrar momentos do passado... por vezes permanece

contemplando fotos antigas, relembrando momentos especiais em sua vida”.

• Tendências culturais: refere-se a declarações consistentes com o contexto

sociocultural do consulente: “Vejo que você é uma pessoa politicamente

engajada. Questiona-se muito sobre a situação atual do país”.

• Memórias da infância: como o nome sugere, são declarações a respeito de

fatos comuns relacionados ao passado: “Durante a infância você costumava

se maravilhar com experiências simples, as quais, hoje em dia, tende a não

valorizar”.

• Sabedoria popular: refere-se a uma combinação de fatos comuns, permeados

com otimismo: “Sinto que experienciou coisas difíceis no passado, não é

mesmo? Mas, percebo, que elas o tornaram uma pessoa mais forte”.

53
• Toque sazonal: são declarações consistentes com as estações e épocas do

ano: “Prefere uma boa companhia e um chocolate quente a sair para a rua a

noite”.

• Jogo de opostos: diz respeito a declarações sobre alguém com o qual o

consulente não possui uma boa relação interpessoal. A estratégia é descrever

um indivíduo com características opostas as características do consulente:

“Vejo alguém em sua vida, cuja companhia não te agrada... É uma pessoa...”

• Empurrão: é uma estratégia arriscada utilizada por alguns leitores e requer

uma grande confiança por parte do mesmo. Refere-se a declarações que o

leitor provoca deliberadamente uma rejeição inicial por parte do consulente,

com o objetivo posterior de criar a impressão de que primeiro tem consciência

de algo que o segundo não se recordava. Tal técnica está relacionada aos

mecanismos de criação de falsas memórias: “Vejo um momento em seu

passado... um quarto escuro... você era pequeno e por algum motivo estava

sozinho... um objeto redondo cai próximo a você... você sente medo e tenta se

esconder...É uma memória muito antiga... Pode ser que você tenha escondido

essa experiência de si mesmo, por muito tempo...”

3.3.3 Elementos sobre Extração de Informações

Esse elemento refere-se a metodologia utilizada por leitores para obtenção de

informações para sua subsequente utilização dentro do processo de leitura fria.

Consiste em sutis técnicas psicológicas, que o consulente, em geral, não tem

consciência de estarem ocorrendo. Por meio dela, o leitor cria a ilusão de revelar

informações que, na verdade, foram expressas pelo próprio consulente. Os

54
mecanismos de percepção e memória seletivas, que estão relacionados a tal

elemento, serão abordados posteriormente.

• Questionamento direto: trata-se de uma pergunta direta ao consulente: “Sinto

uma angústia em seu coração. O que te aflige?”

• Questionamento incidental: refere-se a questionamentos que parecem fazer

parte de uma afirmação: “Tenho a impressão que você teve uma perda

significativa nos últimos dois anos. Isso faz sentido?”

• Questionamento velado: diz respeito a frases em que o leitor parece estar

dando alguma informação, quando, na verdade, está extraindo uma

informação: “Percebo que você se relaciona e tem contato com muitas

pessoas... Isso diz respeito a sua carreira profissional, ou a vida pessoal?”

• Questionamento desviado: refere-se à utilização de informações que o leitor

conseguiu por meio de um método anterior e que serão utilizadas

posteriormente de uma maneira diferente. Como exemplo, consideremos que

no questionamento velado, o consulente diz ser professor: “A sua linha da vida

apresenta uma estreita interação com a linha da mente. Isso sugere que de

alguma forma sua carreira profissional está relacionada ao conhecimento”

• Jargão técnico: diz respeito a questionamentos que utilizam pressupostos do

sistema onde a leitura está fundamentada: “A carta do mágico em meio, a lua

e a roda do destino, parece indicar que você é uma pessoa muito criativa e que

tende a ter pensamentos muito originais...No entanto, a carta da lua invertida,

parece indicar que existe uma questão em seu íntimo que você prefere não

ver... Como você relaciona esses aspectos?”

• Desaparecimento negativo: refere-se a um questionamento ambíguo que pode

ser utilizado de maneiras distintas, dependendo da resposta do consulente:

55
“Você não possui animal de estimação, possui?” “Sim, eu sinto que possui um

afeto grande por ele” ou “Não, eu disse que você não possuía”

• Estratégia do Sherlock: refere-se a busca por pistas sutis no consulente que

digam algo sobre ele, e que podem se fazer despercebidas para a maioria

indivíduos e, por vezes, para o próprio consulente. Consideremos que o leitor

veja, de relance, a palavra em grego “ataraxia” tatuada na parte posterior do

pescoço da consulente antes da mesma soltar o cabelo e se sentar à frente.

Caso o leitor tenha conhecimento do significado de tal palavra, poderia dizer

em algum momento durante a leitura: “A maioria das pessoas se deixa afetar

muito pelas circunstâncias externas, no entanto percebo em sua alma uma

qualidade rara... Você parece buscar e cultivar em seu íntimo um estado de

paz de espírito, que valoriza muito mais do que as coisas materiais”

• Boneca russa: diz respeito a declarações que podem ter desdobramentos

distintos e que são construídas durante o processo de interação:

“Sinto a presença da sua vó ao seu lado...”


“Mas minha vó está viva... quem morreu foi minha mãe”
“Uhum...eu sei... Acho que você não me entendeu muito bem, o que disse é
que sinto o afeto que sua vó sente por você nesse momento tão difícil para
vocês dois... Vocês estão mais próximos desde a partida da sua mãe, não é
mesmo?

3.3.4 Elementos sobre Predição do Futuro

Nessa categoria estão enquadrados os conteúdos referentes ao futuro, que,

paradoxalmente, são mais simples dentro de um processo de leitura fria comparados

aos relacionados ao passado. Uma vez que declarações a respeito do futuro, por sua

própria natureza estão relacionadas a conteúdos que o consulente não tem

conhecimento elas não podem ser negadas quando bem formuladas.

56
• Predições Peter Pan: consiste em previsões sobre o que o consulente deseja

ouvir: “Uma imagem está se formando em minha mente... está um pouco

difusa... Ah sim, agora vejo claramente... você irá encontrar alguém muito

especial em sua vida, junto ao qual vivenciara um verdadeiro amor”

• Pérolas de Pollyana: refere-se a previsões positivas relacionadas a área onde

o consulente está vivenciando algum problema: “Os planetas em seu mapa

indicam que as dificuldades que você está tendo em relação ao dinheiro serão

solucionadas nos próximos meses, não se preocupe”

• Predições certeiras: diz respeito a previsões que não podem falhar: “As cartas

indicam mudanças em sua vida, nos próximos meses...”.

• Cara ou coroa: refere-se a previsões onde existem apenas duas

possibilidades: “Vejo em sua mão que você será mãe de uma menina”

• Predições prováveis: refere-se a previsões que possuem uma grande chance

de acontecerem: “Tenho uma forte impressão de que você irá reencontrar uma

pessoa do seu passado, nas próximas semanas”

• Predições improváveis: consiste em fazer previsões que possuem poucas

chances de ocorrerem: “Vejo em minha mente que você irá encontrar um

relógio perdido por uma pessoa desconhecida...”

• Fatos pactos: refere-se a previsões que podem ocorrer à prazo indeterminado:

“Uma imagem surgiu no fundo da xícara...você irá ganhar algo inesperado”

• Predições autorrealizadoras: consistem em fazer sugestões disfarçadas de

previsões, induzindo o consulente a realizá-las, confirmando a previsão do

leitor: “Vejo mudanças em sua alma... começará a dedicar mais atenção a si

mesmo... se afastará de situações e hábitos que te prejudiquem... e irá realizar

57
melhores escolhas...Você notará isso em breve, e se surpreenderá que tais

mudanças estão acontecendo naturalmente, independente da sua vontade...”

• Nevoeiro: diz respeito a previsões vagas e ambíguas: “Encontrará algo

significativo em sua vida”

• Predições inverificáveis: refere-se a previsões que o indivíduo não tem como

verificar: “A situação a qual você está vivenciando tem raízes profundas. São

frutos de sementes foram plantadas em sua vida passada...Você irá renascer

na Inglaterra”

• Predições parcialmente verificáveis: referem-se a previsões que apenas

podem ser verificadas caso ocorram: “Sinto que você possuiu um admirador

que deseja expressar seus sentimentos a você, mas está com receio de não

ser correspondido”

3.3.5 Estratégias para Reformulação de Equívocos

Tais técnicas e estratégias são utilizadas por leitores quando algumas de suas

declarações possam vir a ser rejeitadas ou negadas por alguns de seus consulentes.

Dessa forma, dependendo do domínio que o leitor possua de tais habilidades

dificilmente tal feito será percebido como suspeito durante o processo de leitura fria.

• Foco: consiste em direcionar o discurso da leitura para os acertos parciais

contidos na declaração:

-O nome Amanda me vem em mente... isso faz sentido? Tenho a impressão


que pode ser sua irmã...
-De fato, conheço uma Amanda, mas não se trata da minha irmã... É minha
namorada.
-Uhun... a impressão que eu tive é que a Amanda é uma pessoa a qual você
possui um grande laço afetivo”.

58
• Consciência: refere-se a reafirmar a declaração negada pelo consulente,

incluindo a ideia de que a negação é decorrente de um desconhecimento por

parte dele:

-Sinto um certo temor em seu coração.


-Isso não faz sentido... não sei sobre o que você está se referindo.
-Por vezes, escondemos de nós mesmos certos aspectos aos quais preferimos
não olhar, mas inconscientemente eles continuam nos influenciando.

• Subjetividade: diz respeito a argumentar que a negação acontece porque o

consulente não percebe os aspectos subjetivos envolvidos em tal declaração:

-Sinto a presença de sua vó aqui comigo... Não faz muito tempo que ela
partiu...
-Na verdade, já se passaram 10 anos...
-Entendo seu ponto de vista, mas da perspectiva espiritual isso é pouco
tempo comparado a eternidade...

• Tempo: refere-se a reafirmar a declaração negada, utilizando o argumento de

que ela ocorrerá no futuro:

-Os planetas sugerem uma mudança de residência recentemente...


-Não, na verdade faz um bom tempo que moro no mesmo local...
-A influência é clara... isso provavelmente irá acontecer em breve.

• Metáfora: consiste em argumentar que a declaração negada ocorre porque o

consulente a interpretou erroneamente:

-Essa carta sugere uma longa viagem...


-Hm não sei ao certo. Não pretendo realizar nenhuma viagem, muito menos
uma viagem longa..
-A viagem a qual a carta se refere diz respeito a uma viagem interior... ao
encontro de si mesmo...

59
• Aplicabilidade: refere-se a redirecionar a declaração negada, a alguém que

pertence ao convívio do consulente:

-Sinto uma sensação relacionada a região coração...


-Não tenho nenhum problema do coração...
-Talvez essa sensação esteja relacionada a alguém muito próximo a você...
Não está claro para mim...

• Medição: refere-se a afirmar que a declaração está correta a depender do

critério utilizado em relação a ela:

-Vejo a imagem de um grande relógio em sua parede...


-De fato tenho um relógio, mas ele é pequeno...
-Hmm...na verdade ele é grande comparado ao meu...

• Intepretação: consiste em utilizar o argumento de que a declaração negada

está correta quando interpretada corretamente:

-Vejo ela agora aqui ao seu lado...ela também diz que o ama muito...e que
sente falta de dormir ao seu direito na cama...
-É muito bom confortante ouvir isso... mas isso não faz muito sentido, ela
sempre dormia ao lado esquerdo da cama
-Hmm... agora faz sentido... eu havia entendido errado...quando ela disse lado
direito eu entendi que se tratava do seu lado direito, mas na verdade ela, era da
perspectiva dela... ela sorriu e acenou com a cabeça quando você disse que ela
dormia ao lado esquerdo...

• Repetição: diz respeito a insistir que a declaração negada está correta,

persuadindo o consulente a mudar de opinião:

-Sinto que você é uma pessoa emotiva...


-Não, não. Eu sou uma pessoa racional e, por vezes, fria. Consigo controlar
minhas emoções
-Sinto isso... em seu coração...

60
-Você está errado
-Talvez você não esteja reconhecendo essa característica em você. Tenho uma
forte impressão que você vivencia sentimentos intensos em seu íntimo... Mas
talvez escolha não os demonstrar para não expor suas vulnerabilidades... Pode
ser que você esteja fazendo isso comino nesse momento...
-Talvez...
-Talvez?
-De fato, isso ocorre as vezes...

• Aceitação: em determinadas situações depois de utilizar-se de várias

estratégias para uma releitura o leitor pode, por vezes, admitir alguns de seus

erros e dependendo da maneira como isso acontece, pode favorecer ainda

mais o vínculo junto ao consulente:

-Essa é a impressão que eu tenho, minhas intuições costumam ser precisas,


mas como eu disse antes da leitura, por vezes, tais fenômenos não estão sob
meu total domínio, e devo admitir que, como todo ser humano, eu também
cometo alguns erros as vezes...

3.4 Aspetos Psicológicos

Diversos fatores psicológicos estão envolvidos na prática da leitura fria, leituras

mediúnicas e práticas divinatórias, como o efeito Forer, o viés de confirmação,

desejos pessoais, pareidolias, crenças mágicas, percepções e memórias seletivas,

expectativa, sugestão e sentimentos relacionados ao medo e à ansiedade frente às

imprevisibilidades e à finitude da vida.

Tais fatores psicológicos não eliminam a possibilidade de supostos fenômenos

paranormais ou mágicos ocorrerem dentro de tais práticas, como muitos de seus

praticantes acreditam. Adivinhos, videntes e médiuns, por vezes, não excluem

fenômenos e princípios psicológicos em suas leituras psíquicas, mas consideram que

tais perspectivas naturalistas não seriam suficientes para compreender tais práticas.

61
As hipóteses sobre as habilidades extrassensoriais dos videntes como;

telepatia, clarividência e precognição, ou de que sistemas como o tarô possuem

propriedades mágicas a partir das quais poderiam ser obtidos conhecimentos de

maneira anômala podem ser consideradas dentro uma pesquisa, depois que os

mecanismos psicológicos básicos forem considerados e, eventualmente, não se

mostrarem suficientes para a compreensão de tais fenômenos. De acordo com tal

princípio, denominado navalha de Occam, devemos preferir a hipótese que envolve

menos suposições às que pressupõem hipóteses mais complexas para a elucidação

de determinado fenômeno como as leituras psíquicas.

No entanto, antes de considerarmos tais hipóteses devemos considerar que

tais aspectos psicológicos muitas vezes oferecem explicações naturalistas que se

mostram suficientes para a compreensão de muitas dessas práticas sem precisarmos

recorrer a explicações sobrenaturais para sua compreensão.

3.4.1 Efeito Barnum ou Forer

O efeito Barnum, também chamado de efeito Forer, refere-se ao processo de

validação subjetiva frente a descrições vagas e ambíguas sobre características de

personalidade e traços psicológicos (Bunchaft, 2006). Em outras palavras, é a

tendência de tomar como profundamente pessoal, particular, descrições e termos

genéricos.

Descrições vagas e ambíguas sobre nosso modo de ser são comuns em

diversos contextos como leituras mediúnicas, práticas divinatórias e algumas práticas

psicológicas que utilizam testes psicológicos sem fundamentação cientifica (Wood,

Nezworski, Lilienfeld & Garb, 2003).

62
Quando estamos diante de uma descrição psicológica realizada por médiuns,

cartomantes ou psicólogos e não dispomos de recursos metodológicos objetivos para

sua verificação valemo-nos de nossa experiência subjetiva para a aceitação ou

rejeição de tais afirmações. Tal processo subjetivo pode se mostrar correto em

determinados contextos, mas também pode falacioso e equivocado como diversas

pesquisas sugerem (Bunchaft, 2010).

Tal tendência psicológica foi denominada pelo psicólogo Paul Meehl como

“efeito Barnum”, em referência ao artista circense Phineas Taylor Barnum (1810-

1891) que realizava “leituras psicológicas” vagas e ambíguas durante seus

espetáculos, mas que eram percebidas como precisas e objetivas pelos indivíduos

que participavam de tais demonstrações (Meehl, 1971).

Em 1979, a partir de um experimento envolvendo estudantes de psicologia,

replicado diversas vezes por distintos pesquisadores, o psicólogo Bertram Forer

demonstrou nossa tendência psicológica a aceitar descrições psicológicas ambíguas

e vagas e reconhecê-las como descrições personalizadas sobre o modo de pensar,

sentir e agir (Forer, 1979).

A descrição de personalidade apresentada por Forer (1979) como derivada de

um teste psicológico e validada pelos estudantes, foi criada, na realidade, por meio

da compilação de leituras astrológicas e continha 13 itens:

• Você tem grande necessidade de que as outras pessoas gostem de você e o

admirem;

• Você tem tendência a ser crítico quanto a você mesmo;

63
• Você dispõe de grande capacidade não utilizada e que não tem empregado

em seu proveito;

• Embora tenha algumas fraquezas de personalidade, é geralmente capaz de

compensá-las;

• Seu comportamento sexual já causou problemas para você;

• Aparentemente autocontrolado e disciplinado, tende a ser inseguro em seu

íntimo;

• Por vezes tem dúvidas quanto a ter tomado a decisão correta ou feito a coisa

certa;

• Prefere mudanças e variedades, e fica insatisfeito quando está limitado por

restrições;

• Tem orgulho da capacidade intelectual e não aceita afirmações alheias

facilmente;

• Constatou que não é prudente se revelar excessivamente aos demais;

• Por vezes é extrovertido, afável e sociável, enquanto, em outros momentos, é

introvertido, receoso e reservado;

• Algumas de suas aspirações tendem a ser irrealistas;

• Segurança é um de seus maiores objetivos da vida.

O efeito Forer pode elucidar os resultados das pesquisas de Michel Gauquelin

sobre astrologia. Em um de seus experimentos, os participantes se identificaram com

as caraterísticas descritas em um mapa astral que acreditavam ter sido desenvolvido

com base em suas informações pessoais. No entanto, o referido mapa astral fora

desenvolvido por um astrólogo tendo como base as informações pessoais de um

assassino francês (Gauquelin, 1985).

64
No entanto, nem todas as afirmações que ocorrem em leituras psíquicas

podem ser explicadas por meio do efeito Forer, uma vez que tal efeito se refere a

descrições vagas e ambíguas sobre traços psicológicos e não necessariamente a

acontecimentos externos que também ocorrem em leituras mediúnicas e práticas

divinatórias.

Minha hipótese é que efeito similar também ocorre com afirmações envolvendo

memórias de acontecimentos vivenciados pelo indivíduo. As seguintes descrições

foram elaboradas pelo autor da presente pesquisa tendo como base as afirmações

utilizadas por Forer no estudo original e adaptadas ao contexto situacional.

• Você teve alguns problemas de relacionamento com um de seus pais;

• Experimentou situações desagradáveis que lhe marcaram profundamente;

• O término de uma relação amorosa propiciou mudanças em seu modo de ser;

• Você não superou totalmente a perda de um ente querido;

• Você gostava de desenhar e brincar com cores quando criança;

• Você aprecia os detalhes de lugares ao conhecê-los pela primeira vez;

• Mudou de trabalho diversas vezes até encontrar sua real vocação;

• Teve problemas de saúde que fizeram com que você mudasse alguns hábitos;

• Uma professora do passado exerceu uma grande influência em sua vida;

• Perdeu um brinquedo do passado que gostava muito;

• Tinha um medo irracional decorrente de uma experiência desagradável;

• Você possui uma verdadeira amizade que perdura desde sua infância;

• Não se recorda conscientemente de que um objeto caiu em você quando era

bebê, mas, por vezes, tem uma sensação estranha de que algo aconteceu com

você.

65
Para verificar se a hipótese de que o processo de validação subjetiva frente a

afirmações vagas e ambíguas sobre acontecimentos e fatos relacionados ao passado

poderia ser falacioso de modo similar às descrições a respeito da personalidade, se

faz necessária a realização de experimentos científicos que confirmem ou rejeitem tal

possibilidade. Este trabalho, portanto, pretende também servir de modesto estímulo

à tal empreitada futura, uma vez que até o presente momento não tenho

conhecimento de alguma pesquisa dedicada a testar tal hipótese.

3.4.2 Outros Fatores Psicológicos Envolvidos

Em nosso cotidiano, quando percebemos ou pensamos sobre algo agimos a

partir de uma perspectiva subjetiva que pode estar enviesada sem que estejamos

conscientes de tal processo. Tais vieses cognitivos podem modular nossos

pensamentos e comportamentos que buscam na experiência a confirmação para o

próprio sistema de crença (Alcock, 2012; Hood,2010; Lamont, 2017; Shermer, 2012).

Quando temos uma experiência anômala, mágica ou sobrenatural em

contextos como adivinhações realizadas por videntes, médiuns ou ilusionistas,

também o fazemos a partir de uma perspectiva pessoal que pode por meio de

processos não conscientes encontrar na própria experiência uma confirmação que

sustente seu próprio sistema de crença a respeito do que ocorreu (French, 2014;

Kuhn, 2019; Wiseman, 2017).

Nossa expectativa também pode modular nossas percepções e experiências,

seja em contextos cotidianos ou em contextos associados ao sobrenatural. Podemos

perceber algo como mágico ou sobrenatural porque desejamos que tal experiência

aconteça quando estamos diante, respectivamente, de um ilusionista ou de um

66
paranormal que realize adivinhações sobre nosso futuro (French, 2014; Kuhn, 2019;

Wiseman, 2017).

Por mecanismos similares, que é potencializado pelo fato de a memória ser um

processo de reconstrução dinâmica, podemos nos recordar de uma experiência que

não aconteceu, uma vez que nossas memórias podem ser influenciadas por meio de

mecanismos sugestivos (como expectativas, desejos, receios etc.) sem que

estejamos conscientes de tal processo. Do mesmo modo, podemos nos recordar

apenas de experiências que confirmem nosso próprio sistema de crença e nos

esquecer de experiências que o contradigam (Lynn, Rhue & Kirsch, 2010).

Nosso cérebro possui uma habilidade inata para reconhecimento de padrões,

que propiciou vantagens evolutivas na história humana. No entanto, tal função por

vezes pode ser falaciosa, fazendo como que percebamos padrões em contextos onde

elas inexistem, seja na identificação de formas em nuvens ou na correlação entre

cartas retiradas aleatoriamente de um baralho de tarô e aspectos de nossas vidas

(Blackmore, 1994; Ramachandran, 2011).

Tendemos a buscar estratégias de enfrentamento frente a situações que nos

causam angústia e medo com o intuito de diminuir nosso sofrimento psíquico. Tais

estratégias podem incluir a utilização de drogas licitas ou ilícitas, o estabelecimento

de relações sociais, a psicoterapia, recursos relacionados à arte e ao manejo de

nossas próprias crenças a respeito do mundo e de nossa natureza humana (André,

2010).

Quando vivenciamos situações sobre as quais não temos controle tendemos a

criar estratégias, mesmo que ilusórias, que ocasionem a sensação de que possuímos

67
tal controle. Essa sensação de controle aumenta nosso bem estar e pode auxiliar a

lidar com adversidades (Langer, 1975).

Dentre as situações que nos causam mais angústia e medo se encontram a

morte e a consciência da nossa própria finitude e dos seres que amamos. A partir

dessa constatação, podemos nos valer de recursos psicológicos como crenças

religiosas e sobrenaturais que amenizem nosso desconforto frente a tal fenômeno

(Becker, 2018).

Existindo ou não vida após a morte, tais crenças podem dar sentido à nossa

vida e à perda de um ente querido. Tais crenças podem nos impelir, por mecanismos

não conscientes, a práticas como a necromancia (em tradições neopagãs) e as

leituras mediúnicas (em tradições espiritualistas), que podem oferecer a confirmação

de tais possiblidades sobrenaturais (Kurtz, 2000).

Historicamente, tais fenômenos psicológicos no campo das crenças têm sido

percebidos há algum tempo. O famoso mágico Harry Houdini (1874-1926) relata que

buscou a ajuda de médiuns para se comunicar com sua falecida mãe em busca de

um alívio para seu sofrimento. No entanto, constatou que os médiuns aos quais

recorrera eram, na verdade, impostores e charlatães que se valiam de artifícios

mágicos e da leitura fria para explorar indivíduos em condições de fragilidade

emocional (Houdini, 2016).

Embora alguns indivíduos acreditem que apenas sujeitos imaturos ou crédulos

são susceptíveis de tais fenômenos psicológicos envolvidos em leituras mediúnicas

ou práticas divinatórias, tal perspectiva pode mostrar-se equivocada uma vez que

mesmo indivíduos cultos, inteligentes e até céticos podem ser iludidos por técnicas

de leitura fria caso desconheçam seus mecanismos e métodos.

68
O brilhante pioneiro da psicologia norte-americana William James (1842-1910)

relatou que acreditara na vivência de uma autêntica demonstração de percepção

extrassensorial ou comunicação com os mortos em uma interação pessoal com uma

médium, mesmo com todo o conhecimento que possuía sobre psicologia e ciente da

existência de charlatães em contextos espiritualistas (James, 1890; James 1886).

Se tal médium de fato se comunicava com os mortos ou se valia de técnicas

de leitura fria para a obtenção e revelação de informações, isso é uma questão que

dificilmente pode ser elucidada, uma vez que tal experiência não acontecera em

circunstâncias controladas em que tais variáveis pudessem ser abordadas por

métodos científicos.

No entanto, nem todos os videntes e médiuns possuem a habilidade de ler

pessoas, como um estudo envolvendo leitura dos olhos demonstrou. Por outro lado,

tais indivíduos demonstraram níveis elevados de empatia, o que pode explicar alguns

dos fenômenos envolvidos em leituras psíquicas, pois tais interações compartilham

dos aspectos básicos das relações humanas (Dziobeck et al., 2005).

Algumas pesquisas sugerem que certos médiuns parecem obter informações

anômalas sob condições cientificas (Beischel et al., 2015; Kelly & Arcangel, 2011;

Paraná et al., 2019), enquanto outros estudos não confirmam tal possibilidade

(Enoksen & Dickerson, 2018; Jensen & Cardena, 2009; O´Keefe & Wiseman, 2005).

Cabe ressaltar que, mesmo que alguns indivíduos de fato obtivessem informações

por meios anômalos, isso não confirma necessariamente a existência da vida pós

morte, uma vez que existem outras hipóteses que explicariam como tais feitos

poderiam acontecer como percepção extrassensorial e acasos excepcionais.

69
Em uma de minhas experiências com médiuns, eu me recordo da condição

afetiva que me acometeu quando tal indivíduo relatou que estava tendo uma visão do

meu falecido avô. Pessoalmente, não acredito que tal médium estava tentando me

enganar uma vez que eu conhecia sua integridade moral. E as descrições que ela

fizera sobre meu avô não me surpreenderam, pois eu tinha consciência do fato dela

ter conhecido meu avô enquanto estava vivo. No entanto, mesmo não acreditando

que tal médium estava, de fato, se comunicando com meu avô eu me recordo de que,

em meu íntimo, eu desejava acreditar que aquela experiência fosse real.

Em suma, frequentemente acreditamos em algo não por motivos plenamente

racionais, mas por processos cognitivos complexos envolvendo emoções,

expectativas, sugestão etc. (Alcock, 2012; Hood,2010; Lamont, 2017; Shermer 2012).

Como nos recorda William James, por vezes acreditamos porque queremos acreditar

(James, 1896). E algumas de nossas crenças podem fazer com que, em alguns

momentos, não sejamos iludidos propriamente por outros, mas por nós mesmos

(Wiseman, 1997).

70
4. Práticas Divinatórias

4.1 Conceitualização

De acordo com a Associação Americana de Psicologia (APA), adivinhação é:

A arte ou prática de identificar eventos futuros ou fatos ocultos por


meio sobrenaturais. As numerosas formas de adivinhação incfluem
astrologia, presságio, cristalomancia, lecanomancia, necromancia,
numerologia, oniromancia, quiromancia e rabdomancia. (APA, 2010).

Suas raízes etimológicas (Cunha, 2015) remetem às palavras ad-divinare, que

significam descobrir, predizer, vaticinar; e divinus, que remete a adivinho, inspirado

na divindade, divino, relativo aos deuses.

As práticas divinatórias seriam uma forma de comunicação entre humanos e o

sobrenatural, e uma maneira de lidar com as imprevisibilidades da vida. Tais práticas

estão intimamente ligadas a outras similares, como a magia e bruxaria (Segal &

Stuckrad, 2015).

As adivinhações poderiam ser divididas em duas categorias: naturais e

indutivas. A primeira categoria envolveria uma direta recepção de informações por

meios anômalos como estados de transe, sonhos ou comunicação com os mortos

(necromancia). Dentro dessa categoria, a adivinhação estaria relacionada a

fenômenos extrassensoriais como telepatia, clarividência e precognição. A segunda

envolveria a observação de sinais a partir dos quais um significado seria inferido,

como, por exemplo, o voo e sons dos pássaros ou outros elementos da natureza

(Segal & Stuckrad, 2015).

71
A ênfase em uma categoria ou outra é influenciada por questões históricas,

socioculturais e psicológicas. Enquanto os gregos preferiam práticas naturais

envolvendo estados alterados de consciência, os romanos utilizavam-se de práticas

indutivas como observação de padrões encontrados na natureza (Tedlock, 2006).

As práticas divinatórias clássicas eram reconhecidas como uma válida forma

de conhecimento por grandes filósofos como Platão e Aristóteles, e refletiam uma

perspectiva de mundo compartilhada pelos estoicos, na qual os acontecimentos

refletiriam uma ordem subjacente. Tal ordem se expressaria em sinais que poderiam

ser observados e inferidos para antecipar eventos futuros, em contraste com a

perspectiva epicurista, em que os acontecimentos seriam regidos pelo acaso. (Struck,

2016).

As práticas divinatórias que envolvem EACs poderiam ser comparadas ao

conceito de intuição, ou conhecimento intuitivo, e se distinguiram de práticas

contemporâneas de adivinhação como o tarô, que estaria fundamentada em uma

perspectiva distinta da concepção clássica.

Intuição, de acordo com a Associação Americana de Psicologia, pode ser

compreendida como (APA, 2010):

Entendimento ou percepção imediata, em contraste com raciocínio ou


reflexão consciente. As intuições têm sido caracterizadas
alternativamente como experiências quase místicas ou como
produtos do instinto, sentimentos, impressões sensoriais mínimas ou
forças inconscientes (p. 531).
Etimologicamente (Cunha, 2015), intuição deriva de intuitio e significa ato de

ver, percepção de verdade sem raciocínio, visão beatífica. Tal concepção ortodoxa

difere de concepções contemporâneas ligadas à literatura new age (Buckland, 2004;

72
Cunningham, 2018), na qual o conceito de intuição, em geral, é compreendido como

um “sexto sentido”, aproximando-se do conceito de percepção extrassensorial.

As práticas divinatórias, independentemente de serem ou não um método

válido de conhecimento, refletem antes de tudo, um sistema de crenças e uma

perspectiva sobre o funcionamento do mundo. (Flower, 2009; Tedlock, 2006). Práticas

divinatórias também possuem funções psicológicas como o manejo de sentimentos

de ansiedade frente às incertezas, e a busca de sentido em um mundo por vezes

desprovido do mesmo (Larson, 2018).

Tais indivíduos, mantis ou videntes, que realizam feitos divinatórios possuíam,

por vezes, uma destacada função e reconhecimento social na cultura greco-romana

(Flower, 2009). A função social dos videntes persiste até os dias atuais em muitos

contextos socioculturais em que tais indivíduos exercem funções similares (embora

fundamentadas em premissas distintas) às realizadas por psicólogos em processos

psicoterapêuticos. Por vezes, o essencial em um processo divinatório não se refere à

adivinhação em si, mas à busca por orientações para a resolução de problemas e

situações adversas que o indivíduo está vivenciando (Larson, 2018).

4. 2 Estados Alterados de Consciência

4.2.1 Transe

Correlações entre estados alterados de consciência (EAC) e fenômenos

extrassensoriais como telepatia, clarividência e precognição que poderiam estar

presentes em algumas práticas divinatórias não são incomuns. Muitos pesquisadores

da temática sugerem que as referidas experiências anômalas aconteceriam com

maior frequência em estados de consciência não habituais (May & Marwaha, 2015).
73
De acordo com a Associação Americana de Psicologia (APA, 2010), EAC pode

ser compreendido como:

estado de funcionamento psicológico significativamente diferente dos


estados comuns de consciência, caraterizado por níveis alterados de
autoconsciência, afeto, teste de realidade, orientação no tempo e
espaço, vigília e responsividade a estímulos externos ou memória ou
por uma sensação de êxtase, ausência de limites ou unidade com o
universo. EACs superficiais – tais como perder-se em devaneios,
absorver-se profundamente na leitura de um livro ou um filme e falta
de consciência devido a atividades monótonas e repetitivas - são
tipicamente acompanhados por um senso temporal perturbado,
constrição da percepção ou um sentimento de envolvimento profundo
e prazeroso. Alguns indivíduos, relatando a ocorrência de EACs mais
profundos – como na meditação, hipnose, privação sensorial ou
alguns estados induzidos por substâncias - percebem a experiência
de sentimentos místicos, tais como ser um só com o universo, ter um
entendimento maior ou completo das coisas ou sentir a presença do
divino. Os relatos de vivência de EACs são extremamente subjetivos,
mas o fenômeno é suscetível a certo grau de estudo cientifico.
Embora, em alguns casos, os EACs sejam sintomáticos de transtorno
mental (p.ex., a psicanálise tende a considera-los fenômenos
regressivos), em outros contextos, como em algumas filosofias
orientais e na psicologia transpessoal, eles são vistos como estados
de consciência superiores e, frequentemente, indicativos de um nível
de evolução pessoal e espiritual mais profundo (p. 372).

O Oráculo de Delfos, dedicado ao culto do deus Apolo, foi historicamente a

mais influente prática divinatória Ocidental. A busca de respostas divinas não se

limitava a determinados círculos sociais, e consultas oraculares eram realizadas tanto

para pessoas comuns que buscavam respostas para problemas cotidianos, como

também para pessoas da realeza que buscavam em suas respostas a resolução de

problemas sociopolíticos, onde tais práticas exerciam uma grande influência cultural

(Giebel, 2013).

As respostas divinas dentro do templo de Delfos ocorriam por mediação de

uma sacerdotisa (pítia), que levava uma vida de castidade e recolhimento, e era

74
considerada um receptáculo divino por meio do qual o deus se expressava. Durante

o ritual divinatório, a sacerdotisa sentava-se sobre uma trípode na qual vapores

naturais emergiam das fendas das rochas e propiciavam estados alterados de

consciência. A pítia poderia exprimir-se ora em versos, ora em prosa, e não era

incomum em seu discurso, palavras vagas e ambíguas características do efeito Forer.

Tal estado de possessão, por vezes, era considerado uma espécie de “loucura divina”

e por vezes era reconhecida como uma forma de conhecimento superior a razão

humana (Giebel, 2013).

Além das habilidades supostamente divinatórias, as pítias também

demonstravam perspicácia e habilidades psicológicas em suas interações com

céticos que, porventura, tentassem enganá-las, como sugerem alguns textos

preservados. Conta-se que um sujeito, com o intuito de enganar a pítia, levara um

pássaro entre as mãos e questionara:

“- o que tenho em minhas mãos; vive ou não?”

A depender da resposta da pítia, o sujeito apresentaria o pássaro da maneira

oposta contradizendo sua previsão. No entanto, a pítia respondeu:

“- ele está como quiseres apresentá-lo – tu o tens nas mãos, vivo ou morto.”

(Giebel, 2013)

4.2.2 Sonhos

Os sonhos e o sono também são considerados estados alterados de

consciência comparados ao estado habitual de vigília (Dalgalarrondo, 2008) e

possuem funções fisiológicas e psicológicas imprescindíveis, como influência no

75
sistema imunológico e no processo de aprendizagem (Walker, 2017). Crenças de que

fenômenos divinatórios poderiam ocorrer por meio dos sonhos são encontrados em

diversas culturas e épocas, desde descrições bíblicas até literatura parapsicológica

contemporânea.

Os sonhos poderiam ser compreendidos tanto como uma forma natural como

indutiva de divinação, uma vez que o conhecimento oculto poderia se revelar de uma

maneira direta como visões ou por meio de conteúdos simbólicos que deveriam ser

interpretados para que o conhecimento fosse revelado (Struck, 2016).

De acordo com o filósofo e filólogo Ambrósio Teodósio Macróbio, os sonhos

poderiam em classificados em: visium, insomnium, visio, oraculum e somnium. As

duas primeiras categorias referem-se, respectivamente, a aparições oníricas e a

pesadelos, e não possuiriam caráter premonitório. Já as três últimas se referem,

respectivamente, à clarividência, profecias e sonhos simbólicos, e possuiriam

características supostamente divinatórias (Sidarta, 2019).

4.3 Práticas Divinatórias

A adivinhação é um elemento constituinte de muitas tradições neopagãs, como

a Wicca e comunidade de bruxaria moderna. Tais práticas foram a temática da

Convenção de Bruxas e Magos do ano de 2018, que acontece desde o ano de 2003

e reúne anualmente aproximadamente 10.000 participantes.

Dentre as inúmeras formas de adivinhação utilizadas dentro dessas

comunidades mágicas encontramos (Buckland, 2004; Cunningham, 2018), dentre

outras, as seguintes mancias:

76
• Abacomancia (por meio da poeira)

• Acultomancia (por meio de agulhas)

• Aeromancia (por meio da atmosfera)

• Ailuromancia (por meio de gatos)

• Aleuromancia (por meio de biscoitos)

• Alfitomancia (por meio da cevada)

• Alueromancia (por meio de sons)

• Ambulomancia (por meio do caminhar)

• Amniomancia (por meio da membrana amniótica)

• Antomancia (por meio das flores)

• Antaromancia (por meio do carvão queimado)

• Apantomancia (por meio de objetos aleatórios na mão)

• Aritomancia (por meio de números)

• Aromomancia (por meio da escapula do bode)

• Aspidomancia (por meio de um círculo traçado no chão)

• Astragalomancia (por meio de ossos das mãos)

• Astromancia (por meio dos astros)

• Austomancia (por meio do vento)

• Automancia (por meio de alfinetes)

• Axiomancia (por meio do crânio)

• Batracomancia (por meio de sapos)

• Belomancia (por meio de arcos)

• Bibliomancia (por meio de livros)

• Botamancia (por meio de plantas)

• Brontomancia (por meio de trovões)


77
• Capnomancia (por meio da fumaça)

• Cartomancia (por meio de cartas)

• Catoptromancia (por meio do espelho)

• Causimancia (por meio do fogo)

• Ceraunomancia (por meio de raios)

• Ceromancia (por meio da cera)

• Caomancia (por meio do ar)

• Cronomancia (por meio do tempo)

• Clamancia (por meio das lagrimas)

• Cleidonomancia (por meio de palavras aleatórias ouvidas por desconhecidos)

• Cleidomancia (por meio do chá)

• Cleromancia (por meio de desenhos)

• Critomancia (por meio da palha de metal)

• Cromniomancia (por meio da cebola)

• Cristalomancia (por meio de cristais)

• Cubomancia (por meio de dados)

• Ciclomancia (por meio de rodas)

• Ciliomancia (por meio de copos com água)

• Dactilomancia (por meio da de anéis)

• Dafonomancia (por meio da folha de louro)

• Demonomancia (por meio de demônios)

• Dentromancia (por meio das arvores)

• Dridimancia (por meio do sangue utilizado em rituais)

• Escatomancia (por meio das fezes)

• Esquedomancia (por meio da aparência)


78
• Espasmatomancia (por meio do espirro)

• Espodomancia (por meio das cinzas)

• Falomanica (por meio do pênis)

• Floromancia (por meio de flores)

• Gastromancia (por meio das vísceras)

• Gelomancia (por meio da gargalhada)

• Geomancia (por meio da terra)

• Grafomancia (por meio da escrita)

• Halomancia (por meio do sal)

• Hieromancia (por meio de objetos sagrados)

• Hidromancia (por meio da água)

• Knissomancia (por meio do incenso)

• Labiomancia (por meio dos lábios)

• Lampadomancia (por meio de lâmpadas)

• Litomancia (por meio de pedras)

• Logomancia (por meio de palavras)

• Lunomancia (por meio da sombra do gato refletida pela lua)

• Maonlomancia (por meio de pontos)

• Margaritomancia (por meio de pérolas)

• Meconomancia (por meio do sono)

• Metagnomancia (por meio de visões em transe)

• Meteromancia (por meio de meteoros)

• Miomancia (por meio de ratos)

• Narcomancia (por meio de visões nos sonhos)

• Necromancia (por meio dos mortos)


79
• Neciomancia (por meio de espíritos malignos)

• Oculomancia (por meio dos olhos)

• Odontomancia (por meio dos dentes)

• Oinomancia (por meio do vinho)

• Omofalomancia (por meio do cordão umbilical)

• Oneiromancia (por meio dos sonhos)

• Onomancia (por meio das letras do nome)

• Oomancia (por meio de ovos)

• Ofidomancia (por meio de serpentes)

• Ornistomancia (por meio dos sons dos pássaros)

• Onranomanica (por meio das estrelas)

• Pedomancia (por meio dos pés)

• Pessolomancia (por meio de folhas)

• Piromancia (por meio do fogo)

• Quiromancia (por meio das mãos)

• Retromancia (olhando para trás sobre os ombros)

• Rabdomancia (por meio de gravetos)

• Rapsodomancia (por meio de poemas)

• Sciomancia (por meio de fantasmas)

• Selenomancia (por meio da maneira de vestir)

• Taromancia (por meio do taro)

• Teomancia (por meio da inspiração divina)

• Tiromancia (por meio do queijo)

• Tiptomancia (por meio de batidas)

• Urinomancia (por meio da urina)


80
• Xenomancia (por meio das ações de estranhos)

4.3.1 Tarô

Embora esteja além do escopo dessa pesquisa realizar um estudo sobre

cada um dos métodos divinatórios citados acima, é importante ressaltar que

existem perspectivas distintas, e por vezes antagônicas sobre cada um desses

respectivos métodos.

Uma das mais controversas é o tarô. A primeira teoria propõe a ideia de

que o tarô teria propriedades mágicas e uma origem mística (Bem-Dov, 2020;

Houdouin, 2013), e apresenta o tarô como um método divinatório. Dentro dessa

concepção, as cartas do tarô possuíram significados e simbolismos ocultos que

poderiam ser utilizados para funções divinatórias.

A segunda teoria propõe que que o taro fora criado inicialmente como um

jogo de cartas e não com propósitos divinatórios, mas que posteriormente por

influência de movimentos ocultistas e mágicos começara a ser utilizado para tais

fins (Dummett, 1980). Embora alguns autores influentes no meio reconheçam que

o tarô seja desprovido de propriedades mágicas, utilizam-no como um recurso

artístico, poético e até mesmo como um recurso simbólico para o processo de

conhecimento (Enriquez, 2011).

Os registros históricos sugerem que o tarô teve origem na cidade de

Ferrara, na Itália, em meados do ano de 1442, e era utilizado como um jogo de

cartas. Em meados do século XV o jogo era conhecido como “carte da trionfi” e

em XVI como “tarocco”. A princípio, as cartas eram constituídas apenas por

figuras, sendo que a numeração e a designação das mesmas foram incluídas

apenas posteriormente, no século XVIII. O tarô como jogo de cartas, alcançou a

81
Suíça, Áustria e sul da França, mas não chegou à Inglaterra, Espanha e Estados

Unidos, que o conheceram apenas posteriormente como um método divinatório

(Dummett, 1980).

A utilização do tarô como prática divinatória caiu em esquecimento por

quase um século, mas continuou a ser utilizado como um jogo de cartas em

algumas regiões da Europa. Tais atribuições divinatórias ressurgiriam

posteriormente nos séculos XIX e XX, por meio de figuras como o bruxo Aleister

Crowley; da ordem Aurora Dourada surgida na Inglaterra em 1887; e do

movimento Nova Era que emergiu em meados da década de 1970 nos Estados

Unidos.

Parafraseando o mágico Claudio Décourt: a história oculta do tarô não

possui relação com o ocultismo, mas com fatos históricos desconhecidos por

muitos dos seus adeptos.

Os métodos divinatórios, desde os clássicos até os contemporâneos,

refletem uma perspectiva sociocultural e um sistema de crenças (por vezes

mágico) sobre o funcionamento do mundo. Dentro desse modelo, tais práticas

poderiam ser utilizadas como um método de conhecimento sobre aspectos

relacionados ao passado, presente e futuro. Dentro da arte mágica, as práticas

divinatórias podem ser utilizadas em interação a leitura fria, como recurso artístico

com o intuito de criar a experiência do mistério e do paranormal (Jermay, 2014;

Maven, 1992). Tal utilização ocasiona reações antagônicas dentro da comunidade

mágica onde alguns de seus membros, por vezes, se apresentam como videntes

enquanto outros, ironicamente, não veem tal feito com bons olhos.

82
Parte 2

Pesquisa Etnográfica

83
5. Um Mágico entre Bruxas

5.1 Introdução

O intuito original desta pesquisa era incluir um estudo de caso envolvendo

leitura fria dentro do âmbito do espiritualismo, onde leituras mediúnicas ocorrem

frequentemente dentro do nosso contexto sociocultural. No entanto, a possibilidade

de realizar uma pesquisa etnográfica envolvendo leituras psíquicas dentro do

contexto da bruxaria moderna demonstrou-se interessante pela tênue e sutil interação

entre tais práticas mágicas e o mentalismo, e por nenhuma pesquisa – até onde

sabemos – ter sido realizada até então a respeito.

A interação entre mágica e bruxaria aparece na obra “The Discovery of

Withcraft”, primeiro livro publicado sobre mágica, no ano de 1584. Nele, o autor expõe

alguns truques e métodos utilizados nesses contextos, com o intuito de descontruir a

crença de que tais fenômenos eram reais e evitar que tais indivíduos acusados de

bruxaria fossem executados (Scott, 1972).

Por sua vez, a etnografia é concebida pela American Psychological Association

(APA, 2010) como “o estudo descritivo das culturas ou sociedades baseado na

observação direta e (idealmente) algum grau de participação” (p. 392).

Sendo utilizada comumente em pesquisas antropológicas, a etnografia possui

concepções distintas na referida área de conhecimento, podendo ser entendida como

arte, fonte de comparação ou teoria etnográfica, e não apenas como método em

autores clássicos como Evans-Pritchard, Radcliffe-Brown e Malinowski,

respectivamente (Peirano, 2014). A pesquisa etnográfica é uma maneira de

elaboração e transmissão de conhecimentos adquiridos por meio da vivência direta


84
do pesquisador junto ao contexto sociocultural que ele estuda, e pode ser percebida

como um método de produção de saber cientifico nas ciências humanas distinto do

modelo positivista (Schmidt, 2006). A observação participante rompe com o método

clássico de produção de conhecimento científico próprio de outras áreas cientificas,

em que existe uma clara delimitação e separação entre o pesquisador e seu objeto

de pesquisa e em que se busca sustentar uma (suposta) neutralidade do observador

em contextos socioculturais (Spink, 2007).

No entanto, embora a pesquisa etnográfica não se enquadre no modelo

positivista de ciência e não ocorra sob condições laboratoriais de controle, ela

também se demonstra um método de construção de conhecimento que utiliza o

pensar crítico em condições nas quais os fenômenos observados costumam ocorrer

espontânea e naturalmente.

5.2 “No Creo em Brujas, pero que Las Hay, Las Hay”

Recordo-me que, durante a infância, minha mãe acreditava que uma das nossas

vizinhas era “do mal”. Seu temor não se referia a algum malefício concreto que tal

mulher pudesse realizar, como uma agressão física ou verbal, mas a algum malefício

oculto. Recomendava que eu e meu irmão não olhássemos para os olhos dela, pois

isso poderia nos fazer mal, e não foram poucas as vezes que desviávamos o caminho

de volta para casa para não encontrarmos tal mulher. Se, porventura, isso

acontecesse, éramos levados à outra vizinha, que era benzedeira, para que ela

retirasse a suposta energia negativa com que havíamos entrado em contato.

No sistema religioso que eu fui criado, existiriam dois seres sobrenaturais, deus

e o diabo, que representariam, respectivamente, o bem e o mal. Dentro desse modelo

85
dualista, por existirem representantes do bem em nosso mundo, também é possível

conceber que existam representantes da contraparte maléfica. E, se seria possível

fazer o bem para outros por meio de orações, também seria possível fazer o mal por

meio de práticas análogas, utilizando o mesmo raciocínio. Nessa perspectiva, a

personificação do mal, por vezes, pode ser utilizada pra explicar a existência do mal

no mundo, uma vez que tais feitos seriam inconcebíveis como decorrentes da

contraparte benéfica que, por sua própria natureza, seria benevolente.

Não me recordo de minha mãe utilizar a palavra bruxa para designar essa

vizinha. No entanto, tal mulher compartilhava de várias características, físicas e

psicológicas geralmente atribuídas a tal figura ao longo da história em diversas

culturas: era velha, feia, sozinha e teria o poder de fazer o mal aos outros por meios

não convencionais como feitiços e/ou encantamentos.

Embora eu tivesse lido um livro sobre bruxaria na minha adolescência, o

primeiro contato real que tive com tal temática aconteceu no ano de 2018, em uma

convenção de bruxas e magos que ocorre anualmente na grande São Paulo. De

acordo com os organizadores do evento, a convenção, que acontece anualmente

desde o ano de 2013, reúne aproximadamente 10.000 participantes em cada edição.

A participação em tal evento, que propiciou uma estranha experiência, motivou

a realização de uma pesquisa bibliográfica a respeito do tema. Após encontrar dois

livros esgotados sobre história da bruxaria em um site que reúne sebos de todo o

país, entrei em contato com a vendedora por e-mail, questionando se conseguiria um

desconto na aquisição dos dois. A vendedora me respondeu que me daria de

presente outro livro, que até então desconhecia, caso eu retirasse os livros em mãos.

86
Agradeci a oferta e combinamos um dia para que eu retirasse os livros em sua

residência.

Ao chegar notei que a antiga casa não possuía campainha, e precisei realizar

uma ligação para comunicar que estava aguardando. Uma senhora de

aproximadamente 70 anos me recebeu com os dois livros em mãos e solicitou que eu

a acompanhasse até a garagem, onde seu marido estava para buscar o livro que me

daria de presente. A garagem continha centenas de livros empilhados, a maioria

relacionada a bruxaria, ocultismo e magia, que viria a descobrir que eram assuntos

pelos quais o casal de professores aposentados nutria interesse. Antes de entregar o

terceiro livro, que, de acordo com os mesmos, era melhor em comparação aos dois

que eu havia adquirido, perguntaram o porquê do meu interesse em bruxaria.

Comentei que tal temática se tornara objeto de minha pesquisa de mestrado

sobre psicologia da mágica e então realizei uma pequena adivinhação de palavras

utilizando o livro que acabara de receber. A reação de espanto dos mesmos acabou

também por me espantar. Insistiram para que então eu entrasse na (sombria) casa e

tomasse um chá, que era a especialidade da sua esposa. A insistência fora tão grande

que tive uma incomoda sensação de que algo ruim poderia acontecer caso aceitasse

tal convite, levando-me a recusar o chá, agradecer o presente e sair da garagem.

Refletindo posteriormente sobre a experiência, eu me dei conta de uma

dissonância entre minhas crenças implícitas e explícitas. Embora não acreditasse

conscientemente que o casal de velhinhos pudesse fazer algum mal contra mim, uma

parte em meu íntimo me fez sentir medo e evitar tal situação, levando-me a considerar

que as crenças que compartilhei em minha infância poderiam ainda me influenciar por

87
algum processo não consciente. O impacto dessa experiência e a curiosidade a

respeito estão entre os pilares que motivaram esta pesquisa.

5.3 Bruxaria

Considerar a bruxaria um assunto trivial que não mereça ser objeto de estudo

da psicologia é ignorar que aproximadamente 110 mil pessoas foram torturadas, e

cerca de metade desse número foi morta em decorrência de tal acusação entre os

séculos XV e XVII, e que tais fatos históricos eram influenciados por questões de

interesse da psicologia, como crenças religiosas, mágicas e sobrenaturais, além de

outros aspectos socioculturais (Durrant & Bailey, 2012; Russell & Alexander, 2019).

Três das principais habilidades atribuídas às bruxas se referem ao

conhecimento herbal, a magia (seja na forma de feitiços ou encantamentos) e a

adivinhação. Tais práticas estão fundamentadas na perspectiva de que o cosmo é um

todo e que, por meio do conhecimento das ligações ocultas que conectam todos os

fenômenos, seria possível modificá-los de acordo com nosso desejo (Davies, 2016;

Russel & Alexander, 2019).

Outra característica central no conceito de bruxaria diabólica se refere à figura

judaico-cristã do diabo, com a qual as bruxas cultivariam relações íntimas e seriam

suas representantes maléficas (Clark, 2006). A personificação do mal na figura do

diabo é um elemento constituinte do imaginário cristão (Nogueira, 200) e, por vezes,

tentativas de desconstrução de tal conceito (e.g., Quevedo, 1989) não são bem vistas

por adeptos de tais credos religiosos.

A suposta bruxaria diabólica – ou seja, a ideia de que as bruxas cultuavam o

diabo em seus rituais mágicos, em que realizavam, dentre outros feitos, infanticídios,
88
levitações, profanações do cristianismo e orgias sexuais – está fundamentada em

complexos fenômenos culturais que antecedem o surgimento da figura do diabo:

feitiçaria, religiões pagãs, folclore e heresia cristã (Durrant & Bailey, 2012; Russell &

Alexander, 2019).

Embora tais elementos culturais que culminaram no fenômeno da bruxaria

tenham se constituídos em meados do século XIV, o fenômeno da caça às bruxas

aconteceu no período da Renascença e da Reforma, e não da Idade Média, como

popularmente se acredita, e chegaria ao fim entre 1650 e 1750 (Durrant & Bailey,

2012; Russell & Alexander, 2019).

Os acusados de bruxaria eram, em sua grande maioria, mulheres, refletindo

conceitos misóginos presentes na época e na célebre obra “Malleus Maleficarium”,

que serviria de base para o processo de inquisição e de caça às bruxas. Nele se

encontram as crenças de que as mulheres são volúveis, levianas, frágeis, estúpidas,

supersticiosas e sensuais, sendo, por isso, presas fáceis do diabo, que encontraria

nelas uma maneira de agir no mundo (Kraemer, 2017). Para a filósofa e feminista

Silvia Federeci, o movimento de caça às bruxas foi a expressão cultural de um

movimento político de controle e geração do capital. Tal controle social aconteceu por

meio da opressão de gênero e controle da natalidade, uma vez que tais mulheres

acusadas de bruxaria possuíam conhecimentos herbais que permitiram às mesmas

o controle da natalidade (Federeci, 2018, 2019).

O fenômeno de caça às bruxas não ficou restrito apenas à Europa, alcançado

também a América, tendo como destaque o caso das famosas Bruxas de Salém, em

Massachusetts, nos Estados Unidos, em no final do século XVII. O fenômeno

sociocultural das bruxas de Salém se iniciou por meio de duas garotas, de

89
aproximadamente 10 anos, que realizaram adivinhações que haviam aprendido com

uma serva denominada Tituba.

Após as práticas divinatórias, as garotas começaram a apresentar sintomas

psicológicos e neurológicos que foram interpretados pela família religiosa das garotas

como sinais de possessão demoníaca. Tais comportamentos extravagantes

começaram a acontecer com outras garotas e foram considerados sinais de feitiçaria

por religiosos, e como sintomas decorrentes de transtornos mentais por médicos da

época. Outras hipóteses sugerem que tais fenômenos seriam consequências de uma

intoxicação causada pelo fungo esporão do centeio (a partir do qual o LSD seria

sintetizado) que teria acometido o vilarejo por, ou até mesmo como uma brincadeira

maliciosa. Embora não exista um consenso a respeito dos fatores que teriam causado

tais fenômenos, ele desencadeou o processo de caça às bruxas culminando na morte

de 19 pessoas (Durrant & Bailey, 2012; Hutton, 2019).

Uma parcela significativa dos adeptos da bruxaria moderna se identifica como

wiccanos, designação relacionada à religião Wicca, surgida na Inglaterra em meados

da década de 1950. A Wicca teve como percursor Gerald Gardner e tem como

alicerces: crenças no animismo/panteísmo/politeísmo, feminismo, ausência do

conceito de pecado; e a lei da reciprocidade. (Gardner, 2018; 2019).

Etimologicamente, a palavra Wicca está relacionada a “enfeitiçar” ou

“encantar” e, de acordo com Gardner, a Wicca seria uma tradição ligada a um culto

ancestral de bruxaria que antecedia a tradição cristã pela qual fora por oprimida,

permanecendo oculta por séculos até seu ressurgimento, fato que não é corroborado

por evidências históricas (Hutton, 2019; Russel & Alexander, 2019).

90
A Wicca é uma religião neopagã, mágica e de culto à natureza, ao feminino e,

por vezes, a deuses e deusas (Gardner, 2018, 2019). O pensamento de Gerald

Gardner foi influenciado pelas teorias de Margaret Alice Murray (Murray, 2001; 2003),

Robert Graves (Graves, 2000), Charles G. Leland (Leland, 2016) e Jules Michelet

(Michelet, 1992), além da figura controversa de Aleister Crowley, com quem teve

contato pessoal em suas práticas mágicas (Hutton, 2019).

5.4 A Convenção das Bruxas

Em decorrência das pesquisas sobre leitura fria, tive conhecimento, por meio

das redes sociais, que a Convenção de Bruxas e Magos, realizada em

Paranapiacaba, do ano de 2018 seria dedicada às práticas divinatórias. Após analisar

o conteúdo programático das palestras, cursos e práticas que ocorreriam nos dois

dias do evento, fiz minha inscrição. Selecionei especialmente 3 conferencistas com

temáticas que atraíram minha atenção: uma bruxa que praticava clarividência com a

bola de cristal, uma bruxa que praticava necromancia e um bruxo ganhador de um

reality show sobre paranormalidade.

Como os referidos conferencistas apresentar-se-iam apenas no segundo dia

do evento, aproveitei o primeiro dia para participar de outras palestras sobre métodos

divinatórios e práticas ritualísticas de bruxaria. A grande maioria dos participantes se

vestia de roupas pretas e adereços como capas, anéis, colares e, por vezes, varinhas

mágicas. Eram predominantemente mulheres, de faixa etária diversificada:

adolescentes caracterizadas ao estilo da série “Salém” e mulheres elegantes e

charmosas que contribuem no processo de desconstrução da imagem popular da

bruxa como uma figura velha e feia.

91
Além de bruxas, encontrei magos que possuíam olhares peculiares e que, em

geral, não se vestiam tão elegantemente como as mulheres, além de alguns

participantes caracterizados como outros personagens do imaginário sobrenatural,

como duendes, elfos (alguns dos quais possuíam modificações corporais) e um

dragão que me lembrava o mágico Piff, The Magic Dragon.

Na chegada do evento, entrei em uma aconchegante cafeteria e me sentei à

mesa com duas bruxas, mãe e filha, que estavam no local. Comentei com elas que

era mágico, além de psicólogo, e fui questionado sobre a linhagem de magia que eu

pertencia, o que suscitou uma interessante discussão sobre magia e ilusionismo. De

acordo a perspectiva das praticantes, eu deveria me intitular “ilusionista” e não

mágico, uma vez que tal denominação se refere a praticantes de magia e, não a quem

realiza truques. Esse episódio ressalta a importância da contextualização do uso dos

termos, já que, em outros contextos, é corrente o uso intercambiável de mágica e

ilusionismo.

A seu pedido, realizei uma adivinhação com algumas moedas. Pedi para que

a garota escondesse uma moeda em uma das mãos e, por meio de leitura muscular,

acertei as três vezes. Lembro-me da expressão de maravilhamento no rosto da filha,

mas, para minha surpresa, a mãe não se surpreendeu com o efeito, o que me fez

pensar que o misdirection não havia sido realizado da maneira adequada. No entanto

ela comentou que estava habituada a ver fenômenos paranormais, alguns dos quais

a própria filha também realizava. Sugeri que a garota tentasse fazer a mesma

adivinhação e, para minha surpresa, ela também adivinhou por três vezes em qual

das mãos eu havia escondido a moeda.

92
Questionei a garota quais feitos ela conseguia realizar e ela respondeu que

“apenas coisas básicas de bruxas” (sic) como adivinhações e feitiços, mas que,

muitas vezes, ela não possuía controle sobre os mesmos. Questionado sobre os

mecanismos que poderiam estar envolvidos em tais fenômenos, recomendei a leitura

de alguns livros de psicologia anomalística e de parapsicologia, para que comparasse

distintas perspectivas com o seu modo de perceber e pensar o mundo, e solicitei

indicações de leituras a respeito de bruxaria.

A convenção possuía duas grandes áreas de exposição de livros e produtos

relacionados a magia e ocultismo, diversos locais (entre casas, museus e teatros)

dedicados a palestras, workshops e rituais espalhados pelo vilarejo, cafeterias e

restaurantes, além de um local dedicado a práticas divinatórias e a leituras psíquicas.

O evento se iniciava às nove horas e terminava às vinte e uma horas, e muitas

palestras e workshops ocorriam simultaneamente em locais distintos, impossibilitando

a participação em boa parte dos eventos. A programação incluía palestras de história

da bruxaria, fundamentos das práticas mágicas, manipulação dos elementos da

natureza, paranormalidade e necromancia.

Dentro do teatro, havia diversos estandes de produtos divinatórios e livros

sobre adivinhação, onde comprei um tarô. No final da tarde, retornei à cafeteria com

o baralho e uma bruxa que tomava chá questionou a minha preferência por aquele

método de adivinhação. Comentei que desejava uma bola de cristal, mas como não

havia encontrado uma bonita, comprara o tarô para praticar uma técnica que havia

aprendido anteriormente em um livro de mágica. Mas, dessa vez, eu me apresentei

como mentalista e não como mágico.

93
Ao ser questionado quanto ao significado de mentalismo, respondi se tratar de

uma combinação de psicologia e ilusionismo e questionei se ela gostaria de ser lida.

A praticante respondeu que nunca havia sido lida por um ilusionista, mas aceitou

prontamente, deixando sua xícara de lado. Questionei então seu nome e, a partir dele,

realizei uma leitura baseada no método “Systematic Seer” desenvolvido por Ken de

Courcy. Ao término da leitura, pedi para que a mesma escolhesse mentalmente uma

carta do baralho do tarô e li sua mente deixando-a visivelmente impressionada.

Perguntei se ela poderia me ler e, o que o fez prontamente segurando minhas mãos.

Depois da leitura, explicamos os métodos que havíamos utilizado em nossas

respectivas leituras. A bruxa relatou que nunca tinha ouvido falar em leitura fria, mas

ressaltou que “a diferença é que você estava me enganando (...), eu realmente digo

o que sinto ou vejo em minha mente (...), às vezes minha intuição falha, mas eu não

uso truques como você”.

Consenti que existiam diferenças em nossas respectivas práticas, mas

discordei quanto ao fato de estar enganando-a, uma vez que não disse que possuía

habilidades paranormais, mas iria utilizar de princípios e técnicas psicológicas com o

intuito de criar uma experiência mágica.

A experiência na cafeteria reflete algumas distinções entre leituras realizadas

por bruxas e mágicos, e permite estabelecer alguns critérios para a diferenciação

entre as respectivas artes mágicas. Bruxas e mágicos consideram seus feitos como

arte mágica em sentido distintos: para as primeiras leituras psíquicas se fundamentam

em princípios mágicos verdadeiros, enquanto para os segundos leituras psíquicas se

fundamentam em ilusões mágicas.

94
Quando realizei a leitura, estava deliberadamente utilizando técnicas de leitura

fria, com o intuito de criar a ilusão de uma leitura psíquica em que tal conhecimento

emergiria de um “sexto sentido”. Quando a referida bruxa realizou a leitura, não

parecia estar utilizando técnicas de leitura fria da maneira interacional como a

concebo. Ela estava, de fato, lendo as cartas do tarô que estavam espalhadas na

mesa sem levar em consideração minhas possíveis reações favoráveis ou

desfavoráveis à sua fala. A impressão que tive é que ela poderia realizar a leitura de

olhos vendados, ignorando minha presença, que não seria imprescindível para seu

processo.

No entanto, tal distinção não corrobora necessariamente a ideia de que a

leitura realizada pela bruxa possua elementos mágicos ou paranormais. O fato de a

bruxa ler as cartas do tarô sem se preocupar se o discurso faria sentido ou seria

confirmado por mim sugere que ela, de fato, acredita que sua prática divinatória

contenha elementos mágicos por meio dos quais seria possível obter conhecimento

sem a colaboração do consulente.

Além da bruxa com quem eu trocara leituras na cafeteria, diversos adeptos e

praticantes demonstraram uma grande confiança em suas habilidades pessoais,

sistemas de crenças ou práticas mágicas. “Os céticos afirmam que nós dizemos

apenas coisas vagas e ambíguas, mas eu consigo dizer com exatidão o dia da morte

de qualquer pessoa por meio da leitura de suas mãos”, comentou o bruxo que

realizara a palestra sobre quiromancia.

“Não existe o acaso, tudo está interligado. As folhas do chá na xícara refletem

o passado, o presente e o futuro da pessoa (...) precisamos apenas interpretar”,

relatou a bruxa que realizara a palestra sobre teimancia.

95
“Tudo pode se revelar na escuridão. É questão de aprender a ver com olhos

da mente”, afirmou a bruxa que realizara a palestra sobre adivinhação por meio dos

espelhos negros.

Isso ilustra o antes dito: bruxas e bruxos fundamentam suas práticas

divinatórias em um sistema de crença mágico em que elementos e eventos da

natureza estariam interconectados, permitindo que aspectos relacionados ao futuro

possam ser inferidos a partir da observação de sinais como as folhas de chá ou

estados alterados de consciência induzidos por rituais ou determinadas plantas.

Por outro lado, eu, no papel de psicólogo social (e mágico), tendo a perceber

os mesmos fenômenos a partir de uma perspectiva naturalista fundamentada em

processos psicológicos básicos a partir dos quais processos sociais mais complexos

estariam fundamentados, constituindo uma perspectiva distinta sobre as referidas

práticas mágicas, apesar de intentar a epóche, ou redução fenomenológica.

A teoria de atribuição pode ser compreendida como o (APA, 2010):

“estudo dos processos pelos quais as pessoas atribuem motivo aos


comportamentos próprios e alheios. Os motivos atribuídos podem ser
internos e pessoais (atribuição deposicional) ou externos e
circunstanciais (atribuição situacional). Segundo o psicólogo social
norte-americano Harold H. Kelley (1921-2003), os observadores
escolhem entre dois tipos de atribuição com base em três fatores:
consistência (como o mesmo individuo [ator] se comportou na mesma
situação no passado?); singularidade (como o ator se comportou em
diferentes situações?); e consenso (como outras pessoas se
comportam na mesa situação?). Kelley também propôs três princípios
gerais de atribuição: o princípio da covariação, o princípio do
desconto e o princípio do acréscimo. O trabalho de Kelley e outras
teorias de atribuição proeminentes (p.ex., teoria da inferência
correspondente) evoluíram da psicologia “ingênua” ou “leiga”
desenvolvida em 1958 por Fritz Heider (1986-1988)” (p. 907).

Em uma leitura psicológica, a partir da teoria da atribuição de causalidade

(Coleta, 2006), as falas de tais adeptos e praticantes refletem uma perspectiva


96
pessoal e social sobre o funcionamento do mundo. Dentro desse sistema de crenças,

o mundo seria regido por princípios mágicos como a interconectividade, a partir da

qual poderiam ser obtidas informações de maneira não convencional e as

circunstâncias poderiam ser manipuladas por métodos ocultos.

Considero que, a exemplo de adeptos e praticantes de religiões que

genuinamente acreditam em suas perspectivas sobre o funcionamento do mundo

natural e sobrenatural, os adeptos e praticantes de sistemas mágicos também

possuem crenças genuínas a respeito do natural e do sobrenatural que podem dar

sentido a suas vidas e contribuir para a resolução de problemas pessoais.

Muitas crenças e práticas mágicas são permeadas por teorias

parapsicológicas, em que alguns adeptos e praticantes buscam fundamentar suas

práticas ritualísticas pessoais e práticas profissionais como as leituras psíquicas e

aconselhamentos espirituais. Entre os muitos exemplos, uma das videntes do evento

me relatou que fora testada por psicólogos e que possuía um relatório confirmando

suas habilidades parapsicológicas.

A referida bruxa conduziu uma oficina sobre psicometria (que dentro desse

contexto é compreendida como uma habilidade paranormal diferenciando-se da

concepção psicológica) onde ensinou os participantes a realizarem leituras psíquicas

utilizando objetos de pessoas desconhecidas e adivinhou, por meios que

desconheço, que uma das participantes possuía problemas nos ovários causando

sensação de espanto no namorado que a acompanhava.

Uma das principais conferências do evento teve a paranormalidade como tema

e foi realizada por um bruxo que se intitula paranormal. Ele é conhecido nesse meio

por ter sido vencedor de um reality show sobre a temática. Com discurso claro e

97
persuasivo, olhar magnético, vestuário impecável e carisma pessoal, o conferencista

criou um clima hipnotizante, remetendo-me aos feitos do magnetizador Mesmer em

sua interação com o público.

Franz Anton Mesmer (1734 – 1815) foi um médico vienense que viveu parte da

sua vida na França, onde alcançaria destaque social por meio de suas práticas pouco

convencionais e seu comportamento, por vezes, extravagante. Mesmer desenvolveu

o conceito de magnestimo animal, onde supostamente um fluído magnético invisível

que poderia ser emanado do corpo promovendo curas de sinais e sintomas físicos e

psicológicos. Embora a teoria de Mesmer não tenha prevalecido, suas práticas

exerceram grande influência na história da psicologia e no desenvolvimento da

hipnose (Neubern, 2009).

Embora o bruxo não tenha demonstrado suas habilidades durante o evento,

algumas de suas leituras e adivinhações podem ser vistas no youtube e em suas

redes sociais. Sua fama precedia sua apresentação, criando uma atmosfera mágica

antes do mesmo iniciar seu discurso sobre fenômenos paranormais que poderiam ser

desenvolvidos por meio de métodos específicos. Efeito semelhante ocorria, entre

outros tantos, justamente com Mesmer, cujos efeitos de sua presença eram

precedidos pela fama e seus resultados psicológicos.

O charme do bruxo exercia maior influência em sua interação com o público do

que suas próprias palavras, e não eram poucas as mulheres que pareciam estar

fascinadas com sua presença, relembrando o poder historicamente atribuído aos

praticantes de bruxaria de encantamento (por meio das palavras) e fascinação (por

meio do olhar) que poderiam exercer sobre os demais.

98
Considero sua tranquila confiança e sua habilidade de criar uma atmosfera

mágica em sua relação com o público um perfeito exemplo da aplicação prática do

conceito da “capa do mago”, que se refere a uma característica psicossocial que

transcende aspectos técnicos da arte, mas que se mostra essencial para propiciar

uma experiência mágica.

O bruxo mostrou-se disponível para uma entrevista quando me apresentei no

final de sua conferência, mas posteriormente não obtive resposta quando entrei em

contato com sua equipe para o agendamento.

A conferência sobre necromancia também atraiu diversos praticantes. A bruxa

responsável por tal temática também é psicóloga, e tinha conhecimento sobre muitos

aspectos relacionados à parapsicologia e à psicologia anomalística, além das práticas

mágicas. Ela possuía um olhar “magnético”, expressava-se com tranquilidade e

confiança, vestia-se elegantemente e parecia hipnotizar o público com suas palavras.

Demonstrou, a princípio, um grande interesse em participar da pesquisa, mas

posteriormente mudou de ideia em decorrência de uma questão pessoal.

99
6. A Clarividência Através1 da Bola de Cristal

6.1 Introdução

A oficina do final da tarde era dedicada à clarividência através da bola de cristal

e aconteceu em uma sala de aula na escola do vilarejo. Cheguei com antecedência

para me apresentar à conferencista e demonstrar meu interesse em tal enigmática, e

por vezes caricata, prática divinatória que, desde a adolescência, atraíra minha

atenção.

A bruxa que conduziu tal evento vestia-se de preto, possuía vários anéis e um

pingente de pentagrama, como a maioria dos participantes, mas diferenciava-se dos

demais por demonstrar bom humor, em contraste com os olhares sombrios de outros

conferencistas. Ela conseguia criar uma atmosfera mágica com suas palavras, a

exemplo dos demais praticantes, mas se mostrava mais acolhedora e empática aos

participantes, combinando um discurso enigmático com pitadas de bom humor. Isso

propiciava um clima descontraído oposto ao que eu vivenciei anteriormente na prática

envolvendo necromancia.

Participaram da oficina aproximadamente 20 pessoas, dentre bruxas e bruxos,

em sua grande maioria mulheres, algumas das quais possuíam suas próprias bolas

de cristal e tinham conhecimento e experiência prévia em tal prática. As cadeiras da

sala formavam um círculo em torno de uma mesa, onde havia diversas bolas de

tamanhos e cores variadas, além de outros utensílios utilizados em práticas mágicas,

como velas e caldeirões.

1 a palavra “através” é utilizada deliberadamente dentro desse contexto mágico.

100
Nos momentos iniciais, a conferencista fez uma exposição sobre a história,

conceitos básicos, rituais e a utilização da bola de cristal como instrumento de

clarividência e prática divinatória da bruxaria natural. Dentro de tal concepção, a bola

de cristal é vista como um artefato vivo conectado à natureza, que pode propiciar o

fenômeno da clarividência ao adepto da arte mágica que faz uso de tais técnicas e

cultiva uma relação pessoal com tal instrumento.

Ao término da exposição teórica, a bruxa propôs uma experiência prática de

clarividência através da bola de cristal. Solicitou que os olhos fossem fechados e

conduziu alguns exercícios respiratórios com o intuito de, em seus termos, acalmar e

focar a mente posteriormente no objeto de concentração – a bola de cristal que estava

no centro da mesa. Passados alguns minutos de fixação ocular, a concentração foi

interrompida quando uma participante derrubou seu celular no chão, apesar da

recomendação inicial de que as mãos deveriam permanecer livres durante a prática,

e utensílios pessoais deixados de lado. A conferencista habilidosamente direcionou

novamente a atenção para a bola de cristal como se nada tivesse acontecido, e

encerrou a prática alguns minutos depois do incidente, convidando-nos a compartilhar

nossas experiências com a bola de cristal.

A vivência se aproximou muito de práticas de concentração que eu estou

habituado a praticar por meio de práticas meditativas, com a diferença de que nunca

havia utilizado uma bola de cristal como objeto de fixação. Minha experiência se

resumiu a um cansaço e lacrimejar ocular, enquanto outras participantes relataram

experiências mais interessantes como visões e intuições, despertando minha

incredulidade.

101
Considero que os demais participantes poderiam de fato ter algum tipo de

experiência anômala mediada por processos psicológicos básicos como expectativa,

sugestão ou mesmo envolver algum fenômeno extrassensorial. No entanto, como eu

não compartilhava do mesmo sistema simbólico do grupo não acreditava que poderia

ter as mesmas experiencias que os demais. Minha descrença pode ter influenciado

minha experiência da mesma maneira como as crenças das bruxas podem ter

influenciado suas próprias experiências, como no já mencionado efeito cabra-ovelha.

Após duas semanas, combinei uma conversa individual com ela e nos

encontramos em uma cafeteria de um shopping. Expliquei a proposta da minha

pesquisa e realizei o convite para que ela participasse de uma parte do estudo

envolvendo a bola de cristal. A bruxa respondeu prontamente que participaria e me

convidou para conhecer sua escola de bruxaria, onde seria realizado em breve um

curso dedicado à clarividência através da bola de cristal. Além do referido curso, a

escola também oferecia cursos de feitiçaria e bruxaria, além de atendimentos,

práticas e rituais, como o de Halloween do qual participaria duas vezes.

O Halloween é um ritual de origem pagã relacionado à roda do ano e ao culto

à natureza. No hemisfério sul, o ritual acontece no período entre a primavera e o

verão, enquanto no hemisfério norte (onde ele tem origem) ocorre no período entre o

outono e o inverno, simbolizando a noite mais escura do ano, em que os mundos dos

mortos e dos vivos estariam mais próximos, e a comunicação entre os mesmos

poderia ser propiciada por rituais mágicos.

Nas duas vezes que participei do ritual, havia aproximadamente 70 pessoas,

todas praticantes e adeptas da bruxaria, uma vez que o ritual não é aberto ao público

em geral. Cada participante deveria levar um prato e uma bebida para a

102
confraternização, e velas pretas para serem utilizadas no ritual de invocação dos

mortos, além de vestir as clássicas roupas pretas características da bruxaria.

Além da bruxa que coordena a escola, outras bruxas auxiliavam durante o ritual

que se iniciava como um rito de purificação utilizando os quatro elementos da

natureza. Posteriormente os praticantes formavam um círculo de mãos dadas ao

redor do centro da sala, onde estavam dispostos utensílios mágicos como caldeirão,

castiçais e várias abóboras com faces fantasmagóricas esculpidas e que continham

velas em seu interior, que teriam a função de guiar os mortos em sua visita ao mundo

dos vivos.

Durante o ritual de invocação dos mortos (que acontecia na escuridão), todos

os participantes seguravam velas pretas que iluminavam a sombria escola de bruxaria

e repetiam em uníssono os encantamentos proferidos pela bruxa. Uma sensação de

arrepio percorria meu corpo enquanto minha mente era conduzida a um estado

alterado de consciência em meio a alguns gritos, risos e choros e alguns participantes

que estariam sendo visitados pelos mortos. Depois de alguns minutos dedicados à

vivência sobrenatural, aconteceu outro ritual conduzido com o intuito de separar os

mundos dos vivos e dos mortos, e conduzir os mortos de volta ao seu próprio mundo.

Embora eu não tenha tido a experiência de ver ou sentir algum ser sobrenatural, me

recordei vividamente de minha psicóloga, que havia falecido no ano anterior, e

algumas lágrimas escorreram lentamente de meus olhos.

A noite de Halloween se encerra com um momento de confraternização entre

os praticantes em meio a músicas, danças e gargalhadas (por vezes assustadoras),

doces e bebidas.

103
6.2 A Iniciação

Antes do início do curso, que ocorreria no mês de novembro, busquei

recomendações de uma psicóloga que utiliza, dentre outros recursos, cristais em sua

prática psicoterapêutica para encontrar um local onde eu pudesse adquirir uma

genuína bola de cristal, uma vez que a réplica que eu tinha era de acrílico e não

poderia ser utilizada com propósitos divinatórios, de acordo a bruxa.

Após adquirir a bola de cristal, procurei algum estudo ou base literária a

respeito de tal temática, frustrando-me ao constatar que praticamente nada havia sido

escrito a respeito, com exceção – até onde consegui apurar – de um artigo da Society

Psychical Research de 1889, intitulado “Recent Experiments in Crystal Vision” escrito

por uma autora anônima, além de alguns livros ocultistas e mágicos dedicados as

práticas divinatórias.

Embora estivesse ansioso para o início do curso, eu não nutria expectativa

quanto à possibilidade de desenvolver clarividência por meio da fixação ocular na bola

de cristal, mas acreditava que seria uma ótima experiência participar de um grupo de

práticas mágicas em que, além de compreender as crenças e práticas dos praticantes

de bruxaria a respeito das artes divinatórias, poderia desenvolver minhas práticas

pessoais de leitura fria.

Cheguei com antecedência de 30 minutos antes do início da primeira aula na

escola de bruxaria, localizada em um edifício comercial no bairro do Sacomã, em São

Paulo. Além da ministrante do curso, havia outras duas praticantes de bruxaria com

suas respectivas bolas de cristal sentadas nas almofadas espalhadas na ampla sala

de estudo e práticas. A escola também conta com uma pequena loja de produtos

104
mágicos, uma sala de atendimento, um banheiro e um cozinha onde há dezenas de

plantas medicinais armazenadas cuidadosamente em bonitos frascos de vidro.

Outras quatro participantes chegaram para participar do curso, que teria

duração de duas horas e ocorreria em cinco encontros semanais. Todas as

participantes eram adeptas da bruxaria e práticas mágicas, sendo que duas já

praticavam adivinhação na bola de cristal e desejam melhorar suas habilidades de

clarividência. A aula teve início com uma exposição teórica a respeito dos conceitos

fundamentais envolvendo a bola de cristal e de suas utilizações como instrumento

mágico pelas bruxas ao longo da história.

De acordo com muitas fontes em bruxaria, o fenômeno da clarividência poderia

ser propiciado pela contemplação e fixação ocular em superfícies reflexivas como a

água (método utilizado pelo lendário Michel de Nostredame), espelhos (como

representado no conto Branca de Neve) e através da bola de cristal que possuiria, em

decorrência de sua constituição, uma ligação direta com a natureza e com seus

aspectos ocultos.

A bola de cristal poderia propiciar clarividência até mesmo a indivíduos cegos,

que possuiriam habilidades psíquicas de maneira sui generis. A professora do curso

relatou conhecer um praticante com tais características peculiares que eu pretendia

entrevistar durante o percurso da pesquisa, mas que, infelizmente, não foi possível

em decorrência das circunstancias da pandemia da COVID-19.

O aspecto essencial para que o fenômeno da clarividência aconteça seria o

estabelecimento e o cultivo de uma relação pessoal com a bola de cristal. Tal

processo de interação inicia-se pelo ritual de nomear seu instrumento mágico e

105
perceber a bola de cristal como “uma velha amiga” (sic) que poderá mostrar (ou não)

aspectos não vistos do passado ou relacionados ao futuro.

Posteriormente foram realizados rituais de purificação utilizando os elementos

da natureza: água, fogo, terra e ar. Os rituais eram realizados individualmente antes

do início de cada aula e tinham como intenção despertar as características mágicas

da bola de cristas. Outras recomendações consistiam em deixar a bola de cristal

exposta à noite de lua cheia, e, quando ela não estivesse sendo utilizada, deveria ser

armazenada envolta a um pano negro.

Entre as maneiras sugeridas de desenvolver uma relação pessoal com a bola

de cristal estava dormir com ela por algumas semanas, segurá-la entre as mãos de

manhã e à noite; e estabelecer uma comunicação silenciosa com a mesma. Apenas

depois de perceber sua genuína atenção e intenção, a bola de cristal poderia começar

a revelar-se, uma vez que a relação se estabeleceria quando ambas as partes

desejam, diferenciando-se de outros métodos divinatórios como o tarô, em que as

cartas poderiam revelar algo oculto, mas não estão vivas.

Outra diferença entre a bola de cristal e outras artes divinatórias é que a

primeira refletiria algo de maneira direta e não por meio de símbolos que

necessitariam ser interpretados para uma posterior elucidação do significado. Na

cafeomancia, por exemplo, a borra do café que permanece na xícara após a ingestão

da bebida pelo consulente forma composições difusas em que símbolos que

possuiriam significados poderiam ser encontrados. A adivinhação por meio da bola

de cristal não consistiria na identificação de símbolos que poderiam ser encontrados

em bolas de cristal não translúcidas. As propriedades mágicas da bola de cristal

estariam relacionadas ao seu grau de translucidez. Ou seja, quanto mais translúcida

106
uma bola de cristal, maior seria sua capacidade de propiciar a clarividência, além do

seu evidente valor comercial.

A bola de cristal teria a capacidade de aumentar nossa intuição e poderia

revelar algo relacionado ao futuro, que é compreendido dentro do respectivo contexto

como algo incerto e passível de mudanças. As visões refletiriam tendências que

poderiam ocorrer em relação ao objeto na qual desejamos obter um conhecimento

por meio da prática mágica.

Como uma “velha amiga”, a bola de cristal revelaria aquilo que nós precisamos

saber e não aquilo que necessariamente desejamos saber, como – para citar um

exemplo de apelo popular – os números da Mega-Sena. Ainda de acordo com o

conteúdo do curso, o ritual de adivinhação da bola de cristal começa com uma frase

do tipo “Revele-me aquilo que eu preciso saber”. Em seguida, imaginamos a bola de

cristal preenchida por uma névoa que, ao evanescer, revelaria algo que não foi visto

do passado, ou algo que ainda estaria para acontecer no futuro.

Para que as visões aconteçam, o ambiente deve permanecer em penumbra e

a bola de cristal posicionada sobre um pano negro em uma das mãos na altura do

coração, enquanto repousamos os olhos em sua direção até que as imagens

comecem a se formar, processo que começa acontecer depois de alguns minutos de

fixação ocular.

Antes de iniciar o ritual de adivinhação, todos os participantes são convidados

a ingerir uma infusão herbal para facilitar o processo de clarividência através da bola

de cristal. Em seguida, o círculo onde os rituais iniciais foram realizados se desfaz e

cada praticante encontra um local onde deseje iniciar sua reclusa contemplação, para

apenas posteriormente realizar, de fato, uma leitura com um outro participante.

107
Minha “intuição” me dizia que eu não veria nada na bola de cristal e, a princípio,

ela estava a correta. Senti apenas cansaço, seguido de um ligeiro tremor muscular,

por permanecer segurando uma bola de 2.5kg na altura do coração por mais 10

minutos enquanto tentava permanecer imóvel. Meus olhos estavam ficando pesados

e, por vezes, lacrimejavam em decorrência do meu esforço para permanecer sem

piscar. Eu acreditava que, se fixasse meu foco visual por tempo suficiente, poderia

ter uma experiência alucinatória e ver algo da bola. No entanto, as únicas

experiências posteriores foram dor de cabeça, e uma total descrença ao ouvir os

relatos dos demais colegas quando o exercício chegara ao fim. Alguns dizeres dos

participantes ilustram o ponto: “As visões foram muito claras para mim”; “Vi apenas

algumas figuras abstratas, mas não sei o que significam”; “Vi um gato muito familiar,

embora nunca tenha tido um (...) tenho a impressão de que era em outra vida”.

Durante a semana, antes da próxima aula, tentei realizar o exercício em casa,

seguindo as recomendações da instrutora. Posicionei a bola em uma pequena mesa

na altura adequada, deixando os braços livres para evitar o desconforto que senti na

primeira vez. Após consideráveis minutos, minha mente começou a devanear,

encontrando padrões da estrutura interna da minha bola de cristal, que possui uma

espécie de arco íris em seu centro, motivo que me levou escolher essa dentre as

outras centenas que haviam na loja. Mesmo ciente de que estava vivenciando o

fenômeno da pareidolia, me permiti entrar na “viagem” e apreciar a experiência,

deixando de lado o senso crítico da mesma maneira que faço quando tenho

experiências hipnóticas.

A pareidolia (ou apofenia) é um fenômeno psicológico relacionado à percepção

de padrões em circunstâncias aleatórias nas quais tais padrões inexistem. Quando

contemplamos as nuvens no céu e percebemos a figura de um coelho, estamos

108
experienciando tal fenômeno, que não possui correlação com quadros

psicopatológicos, mas reflete uma tendência natural de nosso cérebro (APA, 2010).

Na segunda aula, nada de novo aconteceu durante os exercícios de fixação

ocular na bola de cristal. Deixei de me esforçar e tentar provocar alguma experiência

e apenas contemplei a bola de cristal como um exercício meditativo que estava

habituado a praticar. A instrutora me recomendou entrar na experiência de flow e

parar de bloquear a experiência com minha razão, uma vez que tais experiências

aconteceriam por outros mecanismos.

A experiência ou estado de fluxo (flow) refere-se a um intenso envolvimento

com a tarefa que estamos realizando (como ler um livro) ou a circunstância que

estamos vivenciando (como contemplar uma obra de arte). A experiência de fluxo

envolve habilidade técnica e motivação intrínseca. e o desempenho acontece de

maneira natural sem esforço consciente (APA, 2010).

Na terceira aula, ocorreu uma experiência diferente. Tive a impressão de que

eu realmente estava vendo um coelho dentro da bola de cristal, e a imagem de fato

não era estática ou tampouco era um padrão formado no interior da bola. O coelho

era animado como em um desenho infantil, o que me levou imediatamente a

considerar que a infusão que bebera minutos antes possuía algum componente

psicoativo. Mesmo consciente de que, provavelmente, estava tendo uma experiência

alucinatória, me dei conta de que poderia voltar a ela quando eu quisesse. Por vezes,

olhava ao entorno tentando ver se os outros participantes estavam tendo experiências

similares, mas conseguia voltar a ver o coelho se eu voltasse a contemplar a bola por

alguns segundos.

109
Quando questionada, a bruxa respondeu que a infusão de havíamos bebido

antes do início da prática era artemisia, uma planta que, de acordo com a bruxaria,

propiciaria a clarividência. A planta artemisia absinthium é uma planta com

propriedades terapêuticas e a base de uma bebida denominada “fada verde”, com

supostas propriedades alucinógenas e com potencial efeito neuro tóxico se ingerida

em grande quantidade (Saad, Léda, Sá & Seixlack, 2016).

Diversas tradições espirituais, além da bruxaria, fazem uso de plantas

enteógenas e/ou alucinógenas como a ayahuasca, o peiote e os popularmente

chamados cogumelos mágicos em rituais, com o intuito de propiciar estados alterados

de consciência e experiências espirituais (Schultes & Hofmann, 2010). Alguns

estudos sugerem que a psilocibina, principal componente dos cogumelos mágicos,

propiciaria experiências místicas e/ou espirituais como a sensação de transcendência

do eu e de fusão com a natureza (Griffiths, Richards, McCann & Jesse, 2006).

Antes da quarta aula, eu nutria a expectativa de que teria a mesma experiência

da aula anterior, na qual havia tido uma experiência anômala com a bola de cristal e

considerava que tal expectativa, aliada à sugestão, poderia exercer influência na

próxima experiência. No entanto, para minha frustração, a quarta aula aconteceu em

um formato diferente.

A professora separou os participantes em duplas, possibilitando praticarmos a

clarividência um no outro através da bola cristal, por meio da leitura psíquica.

Permanecemos frente a frente, e a bola de cristal (do leitor) era colocado entre nós,

enquanto mantínhamos uma de nossas mãos ao redor da bola sem tocá-la, com o

intuito de formar, nos termos adotados naquele contexto, um “círculo de energia” entre

os praticantes que favorecesse a clarividência. Depois de aproximadamente dois

110
minutos de contemplação, minha parceira na dupla começou a me relatar o que

estava vendo em sua bola de cristal:

“Vejo água... é uma praia... você está com uma prancha de surf”.

Tentei não demonstrar sinal ou feedback que pudesse confirmar ou negar as

visões que minha colega estaria tendo a meu respeito. Ao mesmo tempo, procurei me

manter aberto à experiência, sem qualquer tipo de julgamento a respeito da fala,

embora, em meu íntimo, eu tivesse consciência de que tais visões não faziam muito

sentido, considerando que não possuía nenhuma prancha de surf, e que eu

definitivamente não gosto de praias, preferindo montanhas a regiões litorâneas.

Encerrada sua leitura, foi minha vez de tentar adivinhar algo a respeito da

minha colega por meio da bola de cristal. Tentei não fazer uso de nenhum sinal ou

feedback que minha colega, deliberadamente ou não, poderia me dar a respeito das

informações que eu poderia lhe dar. Eu não tive qualquer visão na bola de cristal, e

senti um incômodo em não lhe dizer nada, mas escolhi manter o silêncio e dizer que

não estava conseguindo me concentrar.

Durante o processo de uma prática divinatória, o consulente espera algo do

adivinho da mesma maneira como um paciente espera algo do psicólogo em um

processo psicoterapêutico. Tal expectativa pode impelir o adivinho e/ou psicólogo a

oferecer ao consulente e/ou paciente aquilo que se busca em suas respectivas

práticas, seja o vislumbre do futuro ou a resolução para um sofrimento emocional.

Tal expectativa também acontece em uma apresentação de mágica: o público

espera que o mágico leia sua mente ou mova um objeto com a sua mente. O mágico

por sua vez é impelido a realizar tais feitos pois caso contrário não será mágico, uma

111
vez que sua identidade psicossocial é construída em sua interação com o meio social

no qual está inserido.

Esses fatores psicossociais poderiam influenciar ou impelir que leitores

psíquicos criem, deliberadamente ou não, experiências anômalas como visões e/ou

intuições em suas práticas divinatórias caso elas não aconteçam espontaneamente,

uma vez que é esperado que tais fenômenos e experiências aconteçam durante o

processo interacional com o consulente.

Minha próxima componente de dupla possuía experiência prévia em leituras

psíquicas e cartomancia antes do curso de clarividência através da bola de cristal. Ela

demonstrava confiança, empatia e conseguiu estabelecer habilidosamente um clima

acolhedor e descontraído em poucos minutos de nossa interação. Senti-me à vontade

em sua presença e queria que ela, de fato, adivinhasse coisas a meu respeito.

“Talvez eu não consiga... já vou avisando... Estou aprendendo a utilizar a bola

de cristal da mesma maneira que você”, disse sorrindo.

“Algo grande... alto... uma torre, ou prédio... você respirando com várias

pessoas... tenho a impressão de que é algo do futuro relacionado a área profissional

... bom, é isso ... não sei se faz sentido ou não”, concluiu a bruxa.

A princípio, eu não teria como confirmar ou negar tais informações, uma vez

que elas supostamente se referiam a algo relacionado ao futuro. Penso que ela

poderia ter deduzido que eu era instrutor de meditação por meio de minhas tatuagens,

mas eu não possuía experiência no referido contexto a partir do qual ela dizia ter

intuído as visões. Aproximadamente seis meses depois, eu começaria a conduzir um

programa de controle de estresse em uma indústria farmacêutica, e, a partir de tal

112
acontecimento, consegui estabelecer uma relação entre suas palavras e tal

acontecimento.

A leitura na bola de cristal a respeito do meu futuro pode ter sido um fenômeno

envolvendo percepção extrassensorial como a precognição ou tenha propiciado uma

profecia autorrealizadora. Ou seja, a visão que a bruxa teve na bola de cristal pode

ter criado a expectativa em mim sobre a realização de tal acontecimento, e, a partir

de tal desejo, eu tenha realizado as ações que impeliram a realização de tal

acontecimento, pois recordo-me de que foi a partir de sua fala que considerei a

possibilidade da elaboração de tal projeto que viria a se tornar realidade.

Tal acontecimento vai de encontro com os dizeres da professora a respeito de

vislumbres sobre o futuro que a bola de cristal poderia propiciar, uma vez que o futuro

é compreendido como algo incerto e passível de modificação de acordo com nossas

ações, e que as práticas divinatórias mostrariam tendências e possibilidades que

poderiam acontecer ou não a depender de uma miríade de fatores, dentre os quais

aspectos psicológicos como o desejo que, para Wittigenstein (Arrington & Addis,

2001), seria a linguagem simbólica da magia.

“Sua vez. Me mostre como um mágico faz”, disse a bruxa com um sorriso

irônico.

Iniciei o exercício realizando um esforço consciente de abster-me da utilização

das técnicas de leitura fria, embora considere que, por algum processo não

consciente, dificilmente conseguira tal feito. Solicitei que ela posicionasse sua mão

ao lado da bola de cristal enquanto eu fazia o mesmo, e direcionava meu olhar

unicamente para o objeto entre nós, com a intenção de não ter qualquer sinal,

consciente ou não, que ela poderia me dar sobre a leitura que intentava sinceramente

113
realizar. Depois de alguns minutos de contemplação sem conseguir ver nada dentro

da bola de cristal, disse que poderia dizer as impressões intuitivas que emergissem

em minha mente. Ao consentir silenciosamente com a cabeça, fechei os olhos e

comecei a descrever quaisquer pensamentos que afloravam em minha experiência

subjetiva sem me importar se elas faziam algum sentido ou não para minha colega:

“Sou míope, mas vou tentar ser clarividente, disse ironicamente, em virtude do

humor aguçado da minha colega. Vejo você em minha mente... você e um homem

em relação intima... ele tem cabelo arrepiado... Vocês estão em um carro...”.

Abri os olhos e olhei em seu rosto em busca de algum sinal que demonstrasse

que seria interessante aprofundar minha leitura nessa impressão que surgira em

minha mente ou não. Embora ela não tenha consentido com a afirmação notei um

ligeiro sorriso em seu rosto, que interpretei como um sinal de que a temática de

relações amorosas era de seu interesse.

“Ah, mas isso não vale! Você está lendo minhas emoções. Isso não é

adivinhação”, comentou a perspicaz bruxa ao se dar conta do método que estava

utilizando para tentar inferir e deduzir informações a seu respeito. Confirmei sua

impressão e ressaltei que, de fato, não estava adivinhando coisas utilizando um sexto

sentido, mas utilizando o processo da sensopercepção e de uma posterior elaboração

racional das impressões que surgem em minha mente.

“A leitura psíquica, da maneira como a entendo, é um processo de

conhecimento que se cria a partir de uma interação interpessoal”, respondi a bruxa,

que me olhava com suspeita.

Nesse momento tive um insight de um modelo de leitura psíquica que seria

desenvolvido posteriormente no decorrer desta pesquisa, culminando no conceito de

114
Espiral Sensoperceptiva Psíquica (E.S.P.). O conceito foi elaborado a partir da ideia

inicial de um jogo de dardos, em que a pontuação se torna maior na medida em que

o dardo acerta as esferas concêntricas próximas ao núcleo. Dentro desse modelo,

uma afirmação vaga e ambígua teria valores baixos como dois ou três, mas uma

informação precisa teria uma pontuação alta comparada ao nove ou dez no jogo de

dardos. Nessa concepção, a pontuação aumentaria gradualmente na medida em que

afirmações vagas e ambíguas se tornam precisas em decorrência do processo

interacional.

O modelo inicial baseado no jogo de dardos não possuía um conceito que

poderia explicar razoavelmente bem o processo interacional da leitura fria, e a

inspiração para a elaboração do segundo modelo interacional emergiu a partir do

conceito de “espiral ascendente de complexidade” que propõe que fenômenos

psicossociais contraintuitivos são construídos a partir de experiências mais simples e

intuitivas, estruturando posteriormente experiências mais complexas (Martins, 2015).

Ou seja, crenças mais simples, como nas propriedades mágicas de uma semente,

preparariam o terreno para crenças mais complexas, como a de que os frutos de tais

árvores dariam poderes mágicos a quem os comessem.

No entanto, diferentemente do referido modelo, em que a espiral se amplia e

se torna excêntrica em decorrência dos processos socioculturais envolvidos, a

“espiral sensoperceptiva psíquica” teria o movimento oposto. Ela parte de uma

informação vaga e ambígua e, em decorrência do processo interacional de

conhecimento que é mediado pelo aparato sensoperceptivo, vai se constituindo

concentricamente. Mediada pelo processo interacional de obtenção e revelação de

informações, a E.S.P. pode criar a ilusão de algo paranormal, mas é fundamentada

em processos interacionais e psicológicos básicos.

115
Consideremos um exemplo em que o mentalista não possui conhecimentos a

priori do indivíduo a sua frente, mas que tal conhecimento se desenvolve em

decorrência do processo interacional. O feedback por meio do qual o conhecimento

é construído pode ocorrer por processos não conscientes criando a ilusão de que o

mentalista possuía a priori o conhecimento.

- Sinto uma presença feminina ao seu lado...(pontos bancos)

- Seria minha avó? (feedback verbal)

- Sim, sua vó está ao seu lado... Não estou conseguindo ouvir seu nome... letra

“a” ou “m”...(pontos cinzas)

- Isso mesmo, o nome dela é Carmen! (feedback verbal)

- Carmen disse que sente sua falta... (pontos pretos)

Consulente se emociona com as palavras (feedback não verbal)

- Sua avó Carmen diz que também o ama muito (hit)

A palavra “psíquica” foi escolhida deliberadamente em decorrência de sua

ambiguidade entre os domínios do parapsicológico e do psicológico, uma vez que a

leitura fria, como arte performática do mentalista intenta criar a experiência do mistério

e por vezes do paranormal.

Por sua vez, a sigla E.S.P. é uma referência ao conceito de “Extrasensory

Perception” (também representado pela sigla E.S.P.), relacionado aos fenômenos psi

116
como telepatia, precognição e clarividência que poderiam estar relacionados as

práticas divinatórias e leituras psíquicas.

Figura 2: Espiral Sensoperceptiva Psíquica (E.S.P.): Os pontos brancos (à esquerda) simbolizam o

início da a leitura fria com informações vagas e ambíguas que, mediadas pela interação

sensoperceptiva e pelo feedback (consciente e não consciente) se tornam escuros simbolizando

informações precisas que se aproximam do núcleo culminando em um hit (acerto).

A meu pedido, a bruxa que ministrava o curso incluiu na quinta e última aula

alguns exercícios em que poderíamos praticar a clarividência por meio da bola de

cristal tendo como parâmetro alguns dados objetivos que fossem passíveis de

verificação, comparados aos relatos pessoais que eram fundamentados em

experiências subjetivas das aulas anteriores.

Enquanto a professora organizava o salão para a atividade especial,

esperávamos na antessala próxima à loja de produtos mágicos relacionados a

117
bruxaria, onde existiam livros e alguns baralhos de tarô. Utilizando um método mágico

de influência mental por meio do qual é possível influenciar escolhas através de

processos não conscientes (Pailhés & Kuhn, 2020), transmiti um dentre os vinte e

dois trunfos (ou arcanos maiores) do baralho para minha última parceira de dupla da

prática realizada na aula anterior. Para a surpresa de todos, ela adivinhou que carta

eu segurava próximo ao meu coração. Ciente de que eu utilizara alguma técnica

psicológica a qual desconhecia, minha parceira de dupla comentou: “É... você parece

um dos nossos”.

Tive a impressão de que minha parceira percebia nossos respectivos mundos,

da bruxaria e da mágica, como distintos, embora pudessem, por alguns momentos,

se interpenetrar como os mundos dos mortos e dos vivos na noite de Halloween. No

entanto, a interação entre tais domínios propiciaria uma experiência psicossocial que

enriqueceria ambas as esferas, que permaneceriam distintas, mas não

necessariamente antagônicas, como eu anteriormente acreditava.

Sentados novamente nas almofadas dispostas no chão no formato de um

círculo, a professora disse que havia escondido uma pequena régua cor de rosa em

um local do salão. Solicitou que nos concentrássemos em nossas respectivas bolas

de cristal como de costume, com a intenção de identificar o local onde ela escondera

tal objeto. Embora estivesse contemplando a bola por alguns minutos, não acreditava

que conseguiria ver algo em seu íntimo. No entanto identifiquei uma espécie de

círculo que se formara em decorrência de alguma espécie de reflexo dentro da bola,

e encerrei o exercício logo em seguida aguardando que meus colegas também o

fizessem.

118
Os participantes relataram terem experienciados visões de almofadas,

cadeiras, velas e até mesmo a cozinha em suas respectivas bolas de cristal. Meu

relato, por outro lado, era vago e ambíguo como uma pífia leitura fria: um círculo.

Notei um sorriso no rosto da bruxa que conduzira o evento e tive a impressão de que

chegara próximo ao alvo. De fato, a pequena régua com desenhos de gatinhos estava

escondida atrás de uma esfera fixada a parede, que até então não havia notado. “Mais

uma vez”, comentou a professora.

Mesmo consciente de que minha visão poderia ter sido enquadrada em muitos

dos locais onde a régua poderia estar escondida, fiquei empolgado com a prática e

realmente decidi levar a sério o próximo exercício. A professora então saiu da sala e

retornou alguns minutos depois dizendo que havida colocado um objeto no caldeirão

da escola. “Concentrem-se!”, disse, animada.

Após alguns segundos de contemplação tive a nítida impressão de ter visto um

anel dentro da minha bola de cristal e, por algum motivo, senti uma pequena

taquicardia. Esperei em silêncio por aproximadamente 10 minutos até que os demais

colegas concluíssem suas respectivas práticas pessoais.

“Uma vela”, disse a primeira participante. “Um anel”, comentei seguindo a

disposição das almofadas. “Pentagrama”, “tarot”, “bruxinha”, disseram os próximos

participantes. Os demais relataram não ter tido nenhuma visão quando se

concentraram no interior do caldeirão mágico. Ao término dos relatos, a instrutora

solicitou que a acompanhássemos até o balcão da loja onde havia deixado o caldeirão

com o objeto em seu interior.

Antes da bruxa retirar a tampa de aproximadamente 45 centímetros do

caldeirão, senti novamente meu coração acelerar e notei que o objeto escondido era,

119
de fato, um anel. Por alguns minutos senti uma prazerosa sensação de euforia

enquanto notava que as demais bruxas me contemplavam assombradas, e não

conseguia (ou não queria) raciocinar criticamente sobre a situação que acabará de

ocorrer.

Alguns dias depois, refletia sobre hipóteses que poderiam explicar a

experiência anômala que eu vivenciei em meio as bruxas, priorizando as explicações

naturalistas e tentando não excluir possibilidade outras que não se encaixassem no

meu modo habitual de perceber e compreender o mundo. Tentei algumas vezes

repetir a experiência de adivinhação, mas não obtive resultados similares ao episódio

que acontecera na escola de bruxaria em tais tentativas.

Os dois anos em que convivi com bruxas me possibilitaram compreender um

pouco de suas crenças e práticas mágicas e me incitaram a procurar respostas para

questões que não surgiriam se tal interação não tivesse acontecido. Estar no mundo

das bruxas me propiciou uma maior elucidação sobre mim mesmo e sobre meu

próprio mundo, onde práticas mágicas possuíam um significado que até então era o

único que conhecia.

Um genuíno fenômeno extrassensorial propiciado pela bola de cristal, sorte ou

acaso probabilístico, hiperestesia, alucinação ou outro processo psicológico que

ocorrera de maneira não consciente, sugestão hipnótica ou algum truque de

mentalismo que eu não me dera conta: minha vivência pessoal entre bruxas

momentaneamente culminaria em uma experiência mágica.

120
Considerações Finais

Em “Assim falou Zaratustra”, Nietzsche expõe as três metamorfoses do espírito

por meio das figuras do camelo, do leão e da criança simbolizando a submissão, a

rebeldia e a inocência respectivamente. Dentro da perspectiva mágica aqui exposta

tais figuras poderiam simbolizar a ilusão, a desilusão e a magia. Considero que a

referida metáfora representa um pouco da minha história pessoal com a temática

discutida no decorrer da dissertação.

No período da adolescência, eu nutria a crença inabalável de que videntes e

médiuns possuíam habilidades e/ou características ditas paranormais como telepatia,

clarividência e precognição. Tais crenças incitaram-me o desejo pela compreensão

dos mecanismos envolvidos em tais fenômenos e levaram-me ao mundo da mágica,

em que descobriria a leitura fria, que viria a tornar-se (ironicamente) um balde de água

fria em minhas crenças. A partir desse momento, eu já não acreditava em médiuns

e videntes, e comecei a ver com desdém indivíduos que compartilhassem das crenças

que eu anteriormente possuía. Influenciado por figuras como Houdini e James Randi,

iniciei um processo de desconstrução e exposição de crenças e práticas de indivíduos

que agora eu considerava camelos a partir de uma compreensão que eu

ingenuamente julgava ser superior ou que refletiria a verdade. No entanto, no decorrer

dos anos em que tornei-me psicólogo (clínico e posteriormente social), comecei a ter

vislumbres de uma perspectiva distinta da credulidade da minha infância e da

incredulidade como mágico. A inocência da criança, sob uma perspectiva

fenomenológica, não se refere a uma ausência do sentir e do pensar, mas

121
representaria um estado de espírito por meio do qual poderíamos perceber e

experienciar o mundo sem os vieses do camelo, do leão e também do psicólogo que

acredita não possuir qualquer véu eclipsando sua visão.

Práticas divinatórias e leituras psíquicas são encontradas em diversas épocas

e contextos socioculturais, incluindo o Brasil, onde elas fazem-se presentes em

contextos espiritualistas e mágicos. Historicamente, indivíduos que realizam tais

feitos e práticas – entre eles os antigos mantis da tradição greco-romana, as bruxas

(ancestrais e contemporâneas) e médiuns espiritualistas – costumam possuir grande

reconhecimento e prestigio social ou então, por vezes, considerados charlatães.

A leitura fria refere-se a um método e a um conjunto de técnicas psicológicas

que ocorrem por meio de um processo interacional e que pode criar a ilusão de

fenômenos psicológicos e/ou extrassensoriais como telepatia, clarividência e

precognição, mas é fundamentado em mecanismos psicológicos básicos como o

efeito Forer, expectativa e sugestão, pareidolia e vieses cognitivos, percepção e

memória seletiva, ansiedade em relação às incertezas e a finitude da vida, desejos

pessoais, e crenças mágicas sobre a natureza e funcionamento do mundo.

A leitura fria é uma hipótese a ser considerada no processo de compreensão

e elucidação de leituras mediúnicas, práticas divinatórias e testes psicológicos. No

entanto, considero uma precipitação concluir a priori que leitura fria, práticas

divinatórias, e leituras psíquicas se referem ao mesmo fenômeno, ou que

experiências psi estariam ou não envolvidas em tais práticas. Antes de tal conclusão,

seria importante o estudo de tais fenômenos por métodos adequados como a análise

conversacional, que, devido às limitações desta pesquisa, não foram aprofundados.

122
Tradições e práticas mágicas como o ilusionismo e a bruxaria podem ser

excelentes maneiras de compreender processos psicológicos básicos como atenção,

memória e percepção, assim como processos sociais mais complexos como crenças

mágicas, religiosas e paranormais, que são objetos de estudos da psicologia

anomalística e da psicologia da religião. Este estudo pretendeu exemplificar tal

exercício de compreensão.

Outras limitações da pesquisa referem-se à circunscrita amostra que foi objeto

de estudo e ao uso exclusivo do método qualitativo, que, apesar de propiciar um

relevante conhecimento vivencial, não contempla aspectos quantitativos e

experimentais que podem também ser valiosos para a elucidação de fenômenos

como práticas divinatórias e leituras psíquicas. Estudos futuros, já em planejamento,

pretendem complementar tais limitações.

A presente pesquisa tem como proposta preencher a lacuna existente no Brasil

sobre a temática e ser uma fonte de inspiração para pesquisas futuras que possam

dela obter o alicerce para o desenvolvimento do saber cientifico sobre algo que parece

estar entremeado à história humana, mas que, ao contrário do que comumente se

pensa sobre mágicos e bruxas, não irá desaparecer: a mágica.

123
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133
ANEXO

Entrevista com a bruxa que ministra o curso


de clarividência através da bola de cristal

134
PESQUISADOR: Gostaria de agradecer a sua participação na pesquisa. Ela é
imprescindível para os resultados, e para tudo aquilo que foi pesquisado nestes
últimos anos. A primeira pergunta: eu gostaria que você comentasse sobre a
diferença entre a bruxaria antiga e a bruxaria moderna. Nos séculos 15, 16 e 17 às
mulheres eram acusadas de bruxaria, e muitas vezes executadas por conta dessas
práticas. Na bruxaria moderna, as mulheres se intitulam bruxas e se reconhecem
como esse personagem. Na sua perspectiva, qual a maior diferença?
BRUXA: Eu acredito que em algum momento, nós ganhamos um nome, e foi um nome
muito ruim, onde esse nome tinha um peso negativo, e que gerou tudo o que a
inquisição teve de resultar. Porque eu acredito que a bruxa ela sempre existiu
absolutamente... Mas não tinha esse nome, porque era tão natural que ela não
precisa se dar um nome “-Ah eu sou bruxa!”, não, eu sou o que eu sou e dentro do
que eu sou eu falo com a natureza, reconheço para que serve cada erva, eu entro em
uma conexão com ela, e ela me diz que aquilo é bom para o estômago, a outra é boa
para outra coisa. Então eu acredito que sempre fomos bruxas, mas não tinha um
adjetivo... É que bruxa não é meio um adjetivo, nós não tínhamos um nome. Num
dado momento surge o nome que intitula, ‘Ah é uma bruxa, então é do mal…” enfim.
E daí esse nome virou o nome bruxa, que se dá aquela que pontinhos, e aí virou o
nome pela qual começamos a ficar conhecidas, ou seja aquela que tem uma
habilidade; mais sensível de perceber as coisas, se conectar com a natureza, é uma
bruxa, por isso vai ser queimada. Então na verdade eu acho que foi como se eu
sempre soubesse de alguma coisa, e não soubesse o nome que isso tem, e daí você
chega pra mim e fala: ”Isso que você tá falando, é bruxaria!” E aí eu falo, ah então
sou bruxa. Então para mim, eu não me chamo de bruxa, eu não falo que eu sou bruxa
porque quero honrar aquelas que foram queimadas, eu só entendo que bruxaria é
sinônimo de quem tem uma conexão muito, muito profunda com a natureza, por isso
eu digo que sou bruxa, então é porque virou um sinônimo
PESQUISADOR: E a vinculação com o mal? Antigamente as bruxas eram... A crença
que se tinha, que as bruxas eram representantes do diabo da terra, isso ainda perdura
em alguns contextos? Ou você acha que não? Que essa ideia foi desconstruída?
BRUXA: Eu acredito que perdura, e posso dar algumas experiências próprias. Eu
tenho algumas pessoas que deixaram de trabalhar comigo quando descobriram que
eu era uma bruxa, por quê? A partir do momento que descobriu que eu era bruxa,
tem a certeza absoluta que pratica o mal, então eu acredito que perdura sim… Isso
eu estou falando de alguns poucos anos atrás, e mesmo em alguns casos que foi
desconstruído por conta de filmes infantis e cinema e filmes, às vezes é desconstruído
para um lado completamente fantasioso, então eu já vi professor de pós-graduação
me perguntar; “Como assim, Bruxa? Tem varinha?” Na hora eu virei o Harry Potter
para aquela pessoa, imediatamente. Ah, é o Harry Potter na minha frente em versão
feminina. Então eu acredito que há muita ligação com o negativo, sim e acredito que

135
algumas ligações não estão mais pro mal, mas sim estão para o lado Hollywoodiano
e se a gente somar com o que é ensinado, principalmente para as crianças. Eu tinha
uma bruxa na porta da minha casa e uma vez tocou a campainha e fui atender; uma
mãe com a criança, a criança olhou pra mim, a mãe olhou para a criança: “Fala para
ele que essa bruxa é do bem!” Porque a criança ia dormir aterrorizada, por saber que
no hall do elevador de onde ela mora, tinha uma bruxa. Então olha como isso ainda
tá no ar, então eu acredito que perdura sim. E daí eu falo dessa ideia Hollywoodiana
da varinha mágica.
PESQUISADOR: Como ela é utilizada na bruxaria de verdade? Com essa questão
mágica que tem no filme da Disney. Vocês usam a varinha mágica? Isso é
dispensável, isso é coisa simbólica, ela tem uma função?
BRUXA: Sim, a varinha tem uma função, a gente diz que alguns elementos, alguns
instrumentos da natureza são como extensão do nosso próprio corpo, nossa própria
energia. A varinha no contexto da bruxaria e da magia natural entra como uma
extensão do meu corpo é algo que eu defina que é energia que ela capta do meu
corpo e a energia que ela capta da natureza, é uma energia de benção. Então eu uso
a varinha como algo que uso da natureza para consolidar uma força de benção, para
um objeto, para um encantamento ou para uma pessoa. Então usa sim, algumas
escolas vão escolher o tipo de madeira, mas dentro da minha visão de bruxaria, que
é muito mais naturalista, a varinha é uma parte da natureza que a gente usa ao nosso
favor, e dá uma missão, pede um favor para aquele pedaço da natureza; uma benção,
então ela existe, ela tem um ritual específico, onde você passa essa sua vontade,
essa missão, essa propriedade de que aquela parte da natureza vai te ajudar, vai te
somar com a sua energia, isso é sua extensão e levar pela tua vontade pensam aos
seus encantamentos e às pessoas que ela toca.
PESQUISADOR: Já que entramos no assunto dos adereços e utensílios, o que mais
vocês usam? O caldeirão, por exemplo, a vassoura, o chapéu, a capa. O que isso
simboliza?
BRUXA: Simboliza, cada um tem um propósito. A capa é algo que é muito usado no
contexto de proteção. Mas por quê proteção? Dentro de uma visão naturalista, o que
é a capa? Todo mundo usa uma capa, quando você põe uma capa, como se você de
alguma maneira tirasse a sua individualidade no sentido dos seus defeitos, dos seus
problemas, dos seus medos, dos problemas que você tem na sua casa, então a capa
é um instrumento que te traz para um objetivo! Então quando você põe a capa, sei lá.
Eu pus a capa, então eu não sou mais “Bruxa”, eu sou A Bruxa, ou seja, toda parte
que não tem a ver com aquilo que vou fazer é como se ficasse descaracterizado
naquele momento, e daí, óbvio que vai me proteger, porque se naquele momento eu
consigo estar inteira, totalmente concentrada e direcionada no que estou fazendo, eu
não vou cometer deslizes, não relacionado aquilo; então vem como proteção no
sentido de algo que ajuda na minha entrega, no momento de um ritual ou magia.
Outro instrumento, o caldeirão; porque a gente precisa de um local para pôr fogo, a
gente precisa de um local para conter e aguentar a nossa magia; então as magias de
fogueira vieram para o caldeirão. As magias de cozinha vieram, ou seja, o caldeirão
o que é? Algo que eu uso, como na força de um grande útero que consegue conter

136
todos os ingredientes que preciso para que aqueles ingredientes misturados se
transformem num remédio ou na energia que eu preciso para meu feitiço.

PESQUISADOR: Por exemplo, o caldeirão dá para fazer num composto de ervas,


para o caso de dor? E para o caso de feitiço também? Sim ou não? O de ervas é mais
fácil de entender, eu misturo às ervas com água, ferve e beleza, faz-se o chá ou que
seja. No feitiço qual é o elemento que tem a mais que não tem na erva?
BRUXA: O feitiço é a soma de quantos elementos eu quiser colocar, então sem ser
um composto de ervas para um remédio, o que eu faço no meu caldeirão? Por
exemplo eu uso o poder transmutador do fogo para transformar uma dificuldade que
eu represento em um papel, uma folha, ou um objeto e coloco no meu caldeirão,
coloco fogo, dizendo: “Assim como o fogo acaba com aquele papel, o medo que eu
coloquei no papel também se acaba.” E então, por exemplo, esse é um feitiço de fogo
que eu uso dentro do caldeirão, porque eu faria em uma fogueira, se eu tivesse
espaço. Então a gente faz no caldeirão pela logística da vida moderna.
PESQUISADOR: Qual a diferença do feitiço e do encantamento? Existe diferença, ou
é a mesma coisa?
BRUXA: É um pouco variada a opinião, em minha opinião particular, o encantar tem
a ver com o canto, ou seja, tem muito mais haver com a expressão de palavras que
vão direcionar o meu feitiço e é mais tangível então. No feitiço é a erva, a pedra, são
os itens físicos que eu vou somar para obter a alteração de uma realidade, ou
execução de uma boa vontade. E o encantamento, é o canto que eu faço para que
aquilo se manifeste, na minha opinião essa seria a principal diferença. Mas no geral
se você diz que fez um feitiço ou um encantamento, para a maioria vai soar igual.
PESQUISADOR: E tudo isso tem a ver com a magia. O que é magia? Como vocês
veem magia? A palavra mágica e a palavra magia são ambíguas, elas designam
essas práticas ancestrais da bruxaria e por outro lado ela designa o ilusionismo, a
mágica como ilusionismo. Como vocês veem essa diferença, essa distinção?
BRUXA: Geralmente quando a gente se refere a parte do ilusionismo, do show, eu
costumo me referir que é uma mágica, não uma magia. Quando eu falo magia, jamais
estou me referindo ao show do ilusionista, que faz parecer o que eu quero que seja,
não o que é.
PESQUISADOR: Inclusive os ilusionistas usam varinha e capa também.
BRUXA: Sim, super herói também usa capa. Chapéu a gente não usa, chapéu na
minha opinião ele ganhou uma força dentro da bruxaria, por causa da necessidade
de colocar algo muito antiquado em uma bruxa, para que ninguém desejasse ser
aquilo… Por quê, quem quer usar um chapéu horroroso daquele? Mas é claro que
isso ganhou muita força, e a gente vai encontrar o chapéu como uma representação
muito forte da bruxa. Mas se a gente pensar em uma magia operativa, eu preciso
mexer no fogo, eu preciso pegar erva no mato, chapéu só me atrapalha, porque eu
vou abaixar a cabeça e ele vai cair, eu vou mexer no fogo ele vai queimar, eu vou

137
dançar para celebrar o meu objetivo alcançado ele vai cair, então o chapéu a gente
não usa. Mas eu fugi da pergunta.

PESQUISADOR: A magia. O que é a magia na bruxaria?


BRUXA: Na bruxaria a magia é a própria vida, na minha forma de ver. O que em
alguns lugares a gente vai ver como milagre da vida, a força que faz uma semente
brotar que permite que ela saia do meio de uma rachadura de um muro para procurar
pelo sol, então essa força que move a vida e à existência, é a magia, é uma magia na
visão da bruxa. Porque a bruxa sempre vai procurar as explicações do que ela quer
responder na natureza. Então porque eu sei que a lua crescente é boa para feitiço de
prosperidade? Porque eu olho para o céu e vejo um petrume na noite que tem luz, ou
seja, veio clarear a minha escuridão, e ela cresce todo dia um pouquinho no céu.
Como ela cresce, ela vem trazendo uma força de crescimento, então sempre pela
observação da natureza, a magia é a própria expressão da natureza que eu tento
aprender por observação e executar, pelas mãos quando eu quero criar uma vida
diferente e daí eu comentei, então nessa criação a bruxaria manipula essa força da
natureza. É exatamente isso, ou seja, porque eu compreendi que se a lua cresce no
céu, ela traz uma força de crescimento, eu uso essa observação para virar uma força
que eu manipulo quando eu preciso que a minha colheita cresça também para dar
uma força adicional.
PESQUISADOR: Qual seria a distinção entre magia branca e negra?
BRUXA: Vou dar o conceito que eu passo, e vou mencionar o ponto que estou sempre
a pensar. Magia branca é o que eu faço pela minha própria vontade sem interferir na
vida dos outros, magia negra é quando eu faço algo para os outros contra a vontade
dos outros, se você falar: ”Me dá a mão para eu atravessar a ponte…’’, eu dou, eu fiz
algo para você, mas não é magia negra, porque de alguma forma você quis, você me
deu a autorização. Se você não me dá autorização e mesmo assim eu faço, eu pratico
magia negra, porque eu estou te ignorando, ou deixando de te tratar com dignidade
ou respeito, para que você faça suas próprias escolhas, porque você tem todo o direito
de não querer atravessar a ponte, ou de querer levar um escorregão, então magia
negra no conceito da bruxaria, é aquilo que eu faço para o outro, sem que o outro
queira. O que é uma coisa que eu sempre penso? A separação entre uma coisa e
outra é muito tênue, se eu vivo no mundo, eu influencio o mundo o tempo todo,
inclusive quem está à minha volta. Então eu posso ter feito um feitiço para ir bem na
prova, eu estou influenciando de alguma maneira o ambiente, porque para não
influenciar, eu estou influenciando se o professor foi bom ou não, porque ele pode ter
sido péssimo, e eu vou passar na prova do mesmo jeito, porque eu fiz um feitiço que
me ajudava a acessar às respostas, o mistério ou alguma coisa. Então influenciamos
o tempo todo, então eu acho que qualquer atitude nossa influencia o outro, mesmo
que ele não tenha me autorizado, mas quando eu faço isso por bel-prazer, vou refazer
achei uma maneira mais perfeita de dizer: Eu diria que quando eu uso da manipulação
para ter um bem próprio que vai causar mal ao outro, eu estou fazendo uma magia
negra, se eu faço uma magia que obviamente fiz ao meu benefício, mas que não vai
tirar nada de ninguém diretamente, pelo menos não dentro do limite do meu

138
conhecimento, eu não estou praticando magia negra. Então se para ser rica eu te
deixo pobre, eu estou praticando magia negra, então é a interferência negativa que
conscientemente eu causo ao outro. Isso para mim é magia negra. Porque eu causo,
como eu influencio o tempo todo, eventualmente eu estou fazendo coisas que
prejudicam os outros, mas não conscientemente, então magia negra dentro da nossa
concepção, eu faço mal ao outro conscientemente, ou eu literalmente faço algo que
o outro não quer para vida dele.
PESQUISADOR: E nessa manipulação da natureza, vocês usam algo além da
natureza, alguma coisa sobrenatural, como Deusas, Deuses, espíritos? Ou não? É
uma manipulação da própria natureza?

BRUXA: Sobrenatural?
PESQUISADOR: Sobrenatural no sentido religioso, por exemplo na oração, uma
pessoa ora para um determinado deus ou deusa para conseguir algo, à colheita por
exemplo. Na magia parece-me que não há interseção de um agente sobrenatural,
parece-me que o mago ou a bruxa faz a colheita acontecer sem a intermediação dos
Deuses, ou na bruxaria também há isso?
BRUXA: Existem alguns segmentos da bruxaria que usam, cultuam ou honram
deuses e deusas, geralmente um panteão, pagão em geral, alguns gregos ou de
alguma região específica, mas na magia em si ou na bruxaria de maneira naturalista,
que é a que eu sigo, por observação da natureza, não. Não há uma intermediação,
não há ninguém que faça a comunicação por mim ou traduza o que eu estou pedindo,
ou me ajude, um ser que me ajude, não. Tudo tem vida, por isso que falei do milagre
da vida, tudo tem vida, e eu como bruxa que sou, ao conhecer daquela vida, eu
consigo usa-la dai sim manipular para um objetivo específico, então não há
intermediador, mas dentro de uma bruxaria moderna, posso dizer que sei que existe
uma energia de crença muito forte em São Francisco, mesmo que eventualmente eu
não acredito que São Francisco exista ou esteja aqui liberando pedidos para às
pessoas, mas ainda sim bruxaria moderna hein?! Eu tenho conhecimento da força do
amor que tanta gente tem por São Francisco, então se eu for fazer um feitiço para
proteger o meu animal de estimação, eu posso manipular essa energia gerada pela
crença e amor sobre São Francisco para que isso seja uma força potencializadora
naquela vela que acendi para proteção do meu animal de estimação, então tudo tem
vida, se tem vida tem energia, se tem energia eu posso usar, mas não que tenha um
Deus que eu precise agradar, tudo tem vida, e a vida merece respeito, porque existe
um ciclo muito natural de tudo, então toda vida merece respeito, mas não que eu
tenha que agradar para receber favores.
PESQUISADOR: No caso da bruxaria moderna como a Wicca, é mais uma religião.
Qual a diferença? Toda Wicca é bruxaria, o que diferencia?
BRUXA: Perguntar isso para um wiccano você vai obter uma resposta, se perguntar
para uma bruxa terá outra resposta, mas em geral o que a gente vai encontrar, é que
a Wicca é uma religião. Aí uma vez, eu posso contar? Uma aluna falou assim: Mas
eu não sou da Wicca, eu sou da bruxaria natural e quando alguém me pergunta qual

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a minha religião, eu digo que a minha religião e a bruxaria natural. Se a gente
considerar a religião como “religare” a bruxaria também é uma religião, tanto quanto
ao Wicca, porque ela é uma religação com aquilo que a gente acredita que é algo
mais sagrado, no caso da bruxa é a natureza, e a força que faz a natureza existir, que
é uma parte mais sutil, não tão tangível como a planta, mas o que faz a planta resistir.
Então como religare a bruxaria é uma religião, porque é uma religação nossa como
uma força especial, mas dentro do conceito de uma religião com uma estrutura que
tem regras, dogmas e divindades, a Wicca é uma religião, porque nos rituais da Wicca
você tem o culto do deus e da deusa, a natureza tem seus polos, suas forças, suas
forças mais masculinas, suas forças mas femininas e a união dessas duas forças que
geram outras forças, mas não é um culto na qual eu tenho uma representação de um
arquétipo ou de um corpo, de uma estátua que representa uma divindade, então
religião como uma estrutura que cultua uma divindade a Wicca é, e a bruxaria não.
PESQUISADOR: Existe uma rivalidade entre wiccanos e bruxas?
BRUXA: Infelizmente, acho que existe rivalidade em tudo, acredito eu, infelizmente.
São pontos de vista de uma mesma realidade, eu acredito. Então tem a rivalidade da
bruxa, que a mãe era bruxa, e da bruxa que a mãe não era bruxa, mas que agora ela
é bruxa, então ela não é uma bruxa de família. Tem a bruxa que é da natureza, mas
não vem de nenhuma tradição, que talvez seja uma das principais rivalidades entre
alguns wiccanos e algumas bruxas, onde a Wicca tem uma tradição, seja de Gardner,
segue uma tradição. A bruxa não segue uma tradição, porque não é um ensinamento
que veio quadradinho, é uma observação da natureza, então falam: ‘fulano não é de
nenhuma tradição, ou não tem tradição”, como se fosse algo ruim, e daí vai encontrar
essa rivalidade sim.
PESQUISADOR: Você falou da questão da família. Qual a sua história pessoal com
a bruxaria?
BRUXA: A minha história pessoal é muito de encontro ao que eu acredito que todo
mundo é bruxa. Por que se eu começar ao perguntar para você chegaremos há algum
momento, onde na tua família tinha alguém onde remédio não existia na farmácia,
então alguém viveu na sua família na época que não tinha remédio na farmácia e
essa pessoa precisava cuidar da dor de barriga de algum jeito, que não era sair e
comprar o que ela precisava. Ou ela aprendia com a mãe, com a bisavó, que tal
matinho espremido e feito com fubá ajudava, então isso para mim é bruxaria. Isso é
manipular a força da natureza para o bem próprio, e benéfico e do bem, então assim
eu acredito, então eu não tenho na minha família que falasse como eu falo: “eu sou
bruxa”, e que eu vim de uma tradição, o que eu tenho na minha família, como história
pessoal, é que eu tinha uma avó que benzia e participou de todas as religiões que ela
encontrou no universo, então ela foi desde o momento que tinha envolvimento
esotérico do pensamento, da editora também, até centro espírita, até católica de todo
domingo. Então eu tenho uma avó que benzia, que muitas pessoas a procuravam
para pedir conselhos, uma indicação de uma reza, uma indicação de remédio. Eu
tenho um bisavô de Piraju que foi chamado de mestre e tinha uma balança com um
monte de pesinhos e ficava falando, fazendo os remédios que ele chamava de
solução para as pessoas, solução para isso, solução para aquilo. Infelizmente eu

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consegui resgatar pouquíssimo desse avô, das receitas que eu tinha, basicamente
era de ervas para cada tipo de problema. Então o que eu tenho na minha família, eu
tenho essas pessoas que usavam do conhecimento da natureza, cortavam o pão em
cruz, não sabiam muito bem o porquê, mas cortavam, que vem de muito tempo, e que
replicando o que aprendeu com o avô, bisavô e tataravô sobre a preservação da
natureza. A minha avó curava tudo com fubá, é uma manipulação da natureza, o fubá
que outra pessoa fazia não dava aquele mesmo resultado, então ela manipulava de
alguma maneira, não importa se é porque é a minha avó, se porque fazia por amor,
ou se era porque eu acreditava. A manipulação energética daquilo que dava o
resultado, e daí venho eu desde sempre adorando os assuntos místicos desde
criança eu adorava brincar de mexer com os matinhos do jardim, eu misturava e
lembro uma vez eu desejei que algo ruim acontecesse, misturei uns matinhos de uma
pessoa na escola que estava me incomodando em extremo, foi a minha primeira lição
da lei do retorno; uma vez falei: “bem que fulano podia cair”, levantei e cai, então eu
sempre gostei dessas coisas, mas obviamente a vida moderna me levou para outros
estudos, um outro trabalho, e daí passou um tempo eu entrei na mitologia, e comecei
a ler tudo sobre mitologia, comecei com egípcia e depois fui para a grega. E a parte
que sempre falava de um oráculo, de uma magia, de uma feiticeira, que era dado
como feiticeira naquela mitologia me encantava ao extremo, e daí acendeu a luz e eu
comecei a estudar, estudar, estudar. Então a minha história pessoal na verdade, eu
diria que, na minha família a gente encontra isso que seguramente a gente vai
encontrar em outras famílias, um pouco mais longe no tempo, um pouco mais perto
e uma vontade que começou mexendo na terra e no jardim e ganhou forma pela
mitologia e depois foi uma autodescoberta até achar aquele método, ou aquele
pensamento que fez todo sentido para mim, no caso a bruxaria.
PESQUISADOR: E além da manipulação das ervas, dos encantamentos e dos
feitiços. O que mais as bruxas fazem? Elas são muito conhecidas com as questões
das adivinhações. Como vocês veem os métodos divinatórios, as adivinhações?
BRUXA: Eu digo que são ferramentas que nos ajudam a compreender a vida, e que
se tornou absolutamente necessário a partir do momento que a gente passou a
questionar a vida e o que acontece com a gente na vida. Porque se a gente não
questionasse o que é a vida e como melhorar a cada dia, nós não precisaríamos dos
métodos divinatórios, mas a gente começou a querer entender para facilitar e criar
comportamentos no sentido de ações proativas etc e tal. E daí nesse momento da
história, lembra que bruxa para mim é aquela que observava a natureza e tirava dela
os ensinamentos, ou seja, chamada de bruxa ou não, sempre existiu, e daí chega um
momento onde a vida se torna mais complexa e eu sinto falta de compreender um
pouco mais do que está acontecendo na minha vida. Vêm os oráculos e as artes
divinatórias que dentro da bruxaria foi se modificando pela modernidade,
eventualmente a bruxa lá atrás, como eu conheci uma que tudo era borboleta. Então
qual era o método divinatório dela? Borboleta azul, ah problema, apareceu uma
borboleta azul, fulano vai me ligar.
PESQUISADOR: Ah! Ela utilizava borboletas, isso eu nunca tinha ouvido falar...

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BRUXA: Sim, ela usava borboletas. Era avó de uma aluna minha. Então às próprias
artes divinatórias do passado era a própria natureza dando sinais. A natureza
continua dando sinal o tempo todo, mas nós nos distanciamos da natureza, prédios,
asfaltos, etc e tal. O tempo exigiu que novas ferramentas divinatórias viessem a tona
e algumas ficaram mais, às práticas de algumas se tornaram mais fortes dentro do
conceito da bruxaria, então a gente tem um espelho negro, a gente tem a bola de
cristal e geralmente alguma arte divinatória de jogo, ou seja aquela bruxa vai buscar
o respaldo no tarô, nas runas nórdicas, o campo, o oráculo das árvores celtas, ou vai
buscar os cristais, que hoje nós conhecemos sobre o significado de cada pedra que
vira um jogo, que você põe tudo na sua mãos como o búzios, que quando você abre
ao mão ao forma como elas caem te traz uma interpretação divinatória. Então são as
ferramentas que hoje eu ensino e hoje está mais presente na bruxaria, mas tirando
essas que a gente pega das tradições, às artes divinatórias que a gente tem como
ferramentas principais seria a bola de cristal e o espelho negro, fora às ferramentas
internas que chamamos de intuição, aquilo que a gente sente ou mesmo visualiza em
alguém e de alguma maneira avisa ou toma como aprendizado.
PESQUISADOR: Qual a diferença de um espelho negro, para um espelho normal?
BRUXA: Se você perguntar isso para qualquer outra pessoa, o espelho negro é feito
de obsidiana negra, que é um cristal especifico e que possui suas propriedades
especiais, mas na minha experiencia espelho negro, na verdade é qualquer espelho,
é qualquer objeto ou instrumento que tenha reflexo, ou seja que você consiga se ver
nele e que você manipule para que ele sirva como espelho negro, ou seja tem mais
haver com o preparo que você faz daquele objeto, do que pelo material que ele é
feito, então no espelho negro você precisa de um reflexo, você precisa se olhar, você
precisa se concentrar para entrar em um estado mais profundo de consciência e usar
aquele espelho como uma porta, que ele te diz que o espelho negro é uma porta onde
você acessas outros lugares, outras dimensões, ou outros tempos.
PESQUISADOR: E qual a diferença do espelho para a bola de cristal para o espelho,
já que as duas são superfícies reflexivas.
BRUXA: A bola de cristal você não vai… O espelho negro começa com a sua imagem.
PESQUISADOR: Contemplando o próprio olhar?
BRUXA: Sim, você vai contemplar o seu olhar e essa é a porta, e aí você vai para
outras dimensões, então, por exemplo; deixa eu pegar um exemplo meu, nem vou
pegar um exemplo de aluno ou um exemplo de estudo, eu precisei, eu queria muito
lembrar uma situação, vou dar um exemplo ainda mais legal. Eu lia muito, há muito
tempo atrás sobre a dimensão onde vive a energia que habita a natureza, ou seja, a
dimensão onde vive os elementais da terra, a dimensão onde vive os elementais do
ar, o mundo deles, vai. Onde eles vivem e onde eles se manifestam quando os
mundos se mesclam, e eles se manifestam nas plantas aqui na minha dimensão, mas
que tem um lugar onde a energia deles existe, o mundo da energia antes de virar
planta, ou o que dá alicerce para a planta existir, então eu usei o espelho para ir até
lá, por isso a gente chama o espelho negro de porta. Então é como se eu conseguisse
me transportar a partir do espelho negro para outros lugares, com a bola de cristal

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isso não é possível, pelo menos eu não consegui e também não conheço ninguém
que tenha conseguido, o espelho tem uma interação. Por exemplo, vamos dizer que
eu tenho um arrependimento na minha vida, o espelho é uma porta onde eu vou até
a bruxa que ela fez o que ela se arrepende, e aí eu converso com aquela, como se
eu pudesse literalmente me transportar para o passado para o presente ou para uma
outra existência, para o mundo dos mortos, para o mundo dos anjos, então existe
uma interação como uma porta, eu abro uma porta e consigo interagir com o mundo
de lá. A bola de cristal não é uma porta, não me permite interação, ela é uma arte
divinatória onde eu consigo visualizar algo que aconteceu que é relevante para o que
eu quero saber, ou o futuro daquela situação que eu quero descobrir o que vai
acontecer, então isso é uma limitação de ver o tempo, ou seja passado, presente e
futuro, o espelho não, ele me permite ir para outros lugares.
PESQUISADOR: Às imagens que foram na bola muitas vezes são difusas. Como
você vê na bola de cristal?

BRUXA: Eu vejo como um cenário, na maioria dos estudos que eu encontrei na


bibliografia na época estudava bola de cristal, eles comparam com cafeomancia, ah
eu vi uma luz verde, mas ah o que significa verde? Se vai pela simbologia ou pelas
cores que se olham, ah eu vi uma charrete, mas o que significa uma charrete? Mas a
minha experiência com a bola de cristal nunca foi assim, nunca foi pela simbologia,
como se eu quisesse ver os desenhos que se forma nos veios ou inclusões do cristal
como muita gente usa a bola de cristal. Para mim, são como filmes mesmo, como se
eu ligasse uma televisão, então eu vejo sala, eu vejo cadeira, eu também vejo alguém
chegando, como se fosse um filmes mesmo e não por símbolos como acontece em
outras artes divinatórias.
PESQUISADOR: Essas imagens na bola, ou essas imagens em movimentos são
precisas ou etéreas? É possível adivinhar coisas objetivas com uma bola de cristal?
Como os números da Mega Sena?
BRUXA: Objetiva eu diria que sim, no sentido de ver uma enxurrada levando o seu
carro, para mim isso seria objetivo, mas os números da sena eu não diria que é
impossível, eu só não vi dar certo. Eu acho que possível é porque os números não
saíram ainda, ou seja, é o futuro, e se eu posso ver um carro sendo levado por uma
enxurrada, qual a diferença disso para os números que vão cair numa bolinha? Então
eu acredito sim que seja possível e que dá para chegar em uma exatidão muito
grande.
PESQUISADOR: Isso seria uma questão de treino?
BRUXA: Eu diria que é uma questão de treino, como diria, o homem é o exercício que
faz, eu ouvi isso em uma música do Raul Seixas, não sei se ele roubou isso de
alguém. Então o treino vai nos tornando bom naquilo que a gente faz, mas eu também
acredito que nesse caso existe uma série de outros fatores inconscientes que a gente
não tem domínio, o que nos impede de alguma maneira de nos acessar pelo menos
com facilidade essa história. Daí eu poderia divagar aqui dizendo que pode ser no
seu inconsciente há a crença de que isso é possível, ou talvez no fundo você acredite
que isso não e possível e isso é o seu próprio bloqueador ou ainda alguma coisa

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muito profunda que tem a ver com merecimento ou um padrão de dinheiro fácil vai
fácil ou seja uma série de coisas escondidas dentro de nós que de alguma maneira
para os números da mega sena tornam difíceis, realmente muito difícil de você
conseguir, mas eu não tenho nada que me faça acreditar que não seria possível.
PESQUISADOR: Nesse mundo das artes divinatórias, existe uma visão do senso
comum que muitos desses videntes são charlatães. Como a bruxa vê isso? Como
você, uma bruxa que por vezes utiliza esses métodos divinatórios, vê alguém que se
vale dos mesmos para enganar os outros?
BRUXA: Eu penso que existe uma... tudo está na linha da integridade nos valores
humanos, porque a partir do momento que eu ganho dinheiro com isso, vamos dizer,
eu tenho as minhas visões e você paga para que eu te diga às minhas visões, tudo
bem? A integridade está na medida que eu tenho as visões, eu falo, você paga e tudo
bem. Onde entra o charlatanismo, você veio aqui, você me pagar, mas hoje eu não
estou vendo nada, só que eu tenho conta para pagar, por exemplo, venceu hoje.
Então o que eu faço? Se eu falar para você que eu não estou vendo nada, você vai
embora, não me paga e eu não pago a conta. Então o charlatanismo vem na minha
opinião, de uma vinculação com a magia com um status porque eu vejo ou de posse
porque eu recebo por isso, e daí eu inverto, eu deixo de ter o objetivo de ter visões e
passo ter o objetivo de ganhar dinheiro ou ser famosa. Então na hora que virou se
tornou charlatanismo, ou seja alguém que tem visões que tem sensibilidade, ou de
alguém que simplesmente tem uma certa facilidade em fazer os outros acreditarem
nela, porque usa isso para ter poder ou dinheiro, então para mim o charlatanismo é
uma tentativa desesperada, porque para mim é um desespero do coração que inverte
o seu valor e daí você passa ao objetivar o dinheiro e o poder com aquilo, então para
mim é quando você não têm, não têm, não vê não vê e ao hora que você obedece
isso você vai no charlatanismo.
PESQUISADOR: E dentro da bruxaria qual a implicação disso? De uma pessoa que
está enganando os outros? O mágico também pode enganar os outros, mas ele está
dentro do contexto artístico e utiliza técnicas da mágica. Mas como uma bruxa vê
quem engana os outros com as mesmas técnicas, por exemplo o tarô, quem não é
bruxa e usa isso para enganar os outros?
BRUXA: Por exemplo você me diz: Eu queria muito um banho que tirasse os
invejosos, eu queria ficar invisível para os invejosos. Então dentro do que eu conheço,
eu sei que tem cinco ervas que combinadas num banho ajudam ao criar uma camada
energética que te protege, só que eu não tenho essas ervas aqui, no meu armário
não tem, mas você vai acabar comprando em outro lugar e o que seria à charlatã
nesse sentido? Eu pego outras ervas, já que você não sabe mesmo, eu misturo e falo:
‘são essas”, mas eu coloquei ervas que não tem nada a ver com isso, que possuem
outras propriedades e te engano nesse sentido. Eu poderia te enganar passando um
feitiço que você não vai ter condição de questionar que eu estou te ensinando errado,
eu poderia fazer isso por dinheiro ou poder. Numa arte divinatória quando eu paro de
falar o que eu realmente estou percebendo, intuindo ou lendo naquela ferramenta, eu
começo ao falar coisas por ego, ou seja, ou eu vou falar o que você quer escutar,
geralmente eu vou falar o que você quer escutar por mal ou por bem. Você vem aqui

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e eu percebo o que você quer que eu fale, que sua vida, sua empresa, seu emprego,
que estão todos querendo passar a perna em você, e aí você fala: -É verdade. E aí
você vai me amar, não é verdade? No fundo não tem nada a ver, eu não vi nada disso
naquela arte divinatória, ou seja, estou manipulando para te agradar porque eu quero
teu elogio, teu poder, e teu dinheiro. Então uma bruxa charlatã é aquela que
negligencia a real propriedade de um feitiço, ou a real visão de um oráculo ou arte
divinatória para causar o resultado que é bom para ela.
PESQUISADOR: Que conselho você daria para alguém que quer começar na
bruxaria ou na adivinhação? Que caminho ela deve percorrer? Você acha que a
bruxaria e a adivinhação são para todo mundo?
BRUXA: Eu de verdade... deixa eu pensar melhor para responder. Eu de cara, diria
que sim, e agora eu fiz um retrocesso aqui de pessoas que desistiram no caminho, e
fiz um paralelo na minha cabeça e o que eu diria é o seguinte. Que bruxaria é sim
para qualquer um que tenha o desejo de aprender ou de recordar, por que recordar?
Porque volta naquela história que bruxa para mim é aquela que sabe observar a
natureza. quem sabe observar a natureza? Quem tem olhos, então se você tem olhos
e permite ajustar às lentes dos olhos da vida que se apresenta ao cada segundo na
natureza por um brilho do sol, por uma semente que brota, então se você se permitir
ao ajustar os seus olhos para observar a natureza de alguma maneira você se conecta
com seus antepassados, os nossos antepassados que faziam isso naturalmente,
porque de alguma maneira isso está registrado na história da humanidade e você
começa ao acessar esse conhecimento, seja pelos livros que você começa a ler sobre
o assunto, seja uma escola bacana que você encontra de alguém que já passou por
esse caminho que então pode te ajudar com dicas e exemplos sobre como resgatar
esse conhecimento, partindo do princípio que a bruxaria é observação da vida por
trás de toda a natureza, qualquer um que tem olhos. Ah, então cego não pode? Aquele
que é um deficiente visual tem outras percepções, outras habilidades na verdade…
PESQUISADOR: Você comentou de um cego que advinha na bola de cristal.
BRUXA: Sim eu conheci um rapaz que era cego e que usava ao bola de cristal, ele
obviamente não usava ao bola de cristal para ver os cenários, muito menos símbolos
dentro dessa outra linha que eu mencionei, ele usava ao bola de cristal como uma
energia que o ajudava ao acessar pela própria instituição e visões que ele tinha, agora
ao bola de cristal em especial por ela ser feita de cristal e os cristais dentro da magia
serem considerados grandes arquivistas da história da humanidade e sabendo que
aquele que conhece o passado pode dizer o futuro, porque é tudo um ciclo, ao bola
de cristal serve energeticamente na magia, serve sim como uma ferramenta, mesmo
sem usar como bola de cristal para ter às visões, ela serve como uma conexão de
acesso ao informações, histórias da humanidade e era o caso deste rapaz. então ele
usava muito mais a propriedade mágica de um cristal, então eu arrisco dizer que nem
precisaria ser uma bola de cristal, ao invés de uma esfera poderia ser um formato
qualquer, porque ele usava a característica vibratória do cristal e não pela
possibilidade daquilo se transformar em visões. Na bruxaria qualquer um que se
permitir sentir pelos olhos, pela audição, pelo tato ou qualquer um dos sentidos, ou
mesmo a intuição que não está dentro dos cinco sentidos, a vida que está presente

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na natureza, aquele que se permitir vai acessar essa história das antepassadas e vai
se conectar com a história da natureza e vai resgatar todo esse conhecimento, então
eu acredito que a bruxaria é sim para qualquer um, independente da atual situação
física daquela pessoa.
PESQUISADOR: Muito obrigado!

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