Uni 2 - Ficha de Avaliação Formativa 3 (C.soluções)
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«Famílias desavindas»
NOME: N.º: TURMA: DATA:
GRUPO I
Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.
A
Leia o texto. Se necessário, consulte as notas.
Houve muitos candidatos ao cargo de semaforeiro, embora um equívoco tivesse levado à exigência
de que os concorrentes soubessem andar de bicicleta. A realidade corrigiu o dislate porque acabou por ser
escolhido um galego chamado Ramon, que era familiar do proprietário dum bom restaurante e nunca tinha
pedalado na vida. Mas Ramon era esforçado, cheio de boa vontade. A escolha foi acertada.
5 Durante anos e anos o bom do Ramon pedalou e comutou. Por alturas da Segunda Grande Guerra foi
substituído pelo seu filho Ximenez, pouco depois da revolução de abril pelo neto Asdrúbal, e, um dia destes,
pelo bisneto Paco. A administração continua a pagar um vencimento modesto, equivalente ao de jardineiro.
Mas não é pelo ordenado que aquela família dá ao pedal. É pelo amor à profissão. Altas horas da madru‑
gada, avô, neto e bisneto foram vistos de ferramenta em riste a afeiçoar pormenores. Fizeram questão de
10 preservar a roda de trás e opuseram‑se quase com selvajaria a um jovem engenheiro que considerou a roda
rua. Sou um cidadão livre e desimpedido.» Ramon entristeceu. Não gostava que interferissem com o seu
trabalho e, daí por diante, passou a dificultar a passagem ao doutor. Era caso para inimizade. E eis duas
famílias desavindas. Felizmente, nunca coincidiram descendentes casadoiros. Piora sempre os resultados.
Ao Dr. Pedro sucedeu o filho João, médico muito modesto. Informava sempre que o seu diagnóstico
25 era provavelmente errado. Enganava‑se, era um facto. Mas fazia questão de orientar os pacientes para um
colega que desse uma segunda opinião. Herdou o ódio ao semáforo e passava grande parte do tempo à
janela, a encandear Ximenez com um espelho colorido.
Já entre o jovem médico Paulo e Asdrúbal quase se chegou a vias de facto. O médico passava e ros‑
nava «Sus, galego». E Asdrúbal, sem parar de dar ao pedal: «Xó, magarefe!» Uma tarde, Asdrúbal levantou
30 mesmo a mão e o doutor encurvou‑se e enrijou o passo.
Este Dr. Paulo era muito explicativo. Ouvia as queixas dos doentes, com impaciência, e depois impunha
silêncio e começava: «As doenças são provocadas por vírus ou por bactérias. No primeiro caso, chamam‑se
viróticas, no segundo, bacterianas.» E estava horas nisto, até o doente adormecer. Colegas maliciosos sustenta‑
vam que ele praticava a terapia do sono. Mas a maioria dos doentes gostava de ouvir explicar. Alguns até faziam
35 perguntas. Após a consulta, muito à puridade, o Dr. Paulo pedia aos clientes que passassem pelo homem do
semáforo e lhe dissessem: «Arrenego de ti, galego!» Isto foi assim com Asdrúbal e, mais recentemente, com Paco.
Mário de Carvalho, «Famílias desavindas», in Contos vagabundos, Lisboa, Editorial Caminho, 2000.
NOTAS
dislate (linha 2) — engano. magarefe (linha 29) — carniceiro; (popular) mau cirurgião; (figurado) patife.
comutou (linha 5) — trocou. à puridade (linha 35) — em segredo.
2
1 Explicite os aspetos que ligam o Dr. João Pedro Bekett e Ramon.
B
Leia a composição. Se necessário, consulte as notas.
NOTAS
fea (verso 1) — feia.
ora (verso 3) — agora.
fazer um cantar (verso 3) — dedicar uma cantiga.
loarei (verso 4) — elogiarei.
toda via (verso 4) — de qualquer modo.
sandia (verso 6) — louca; tola.
atam gram coraçom (verso 8) — tão grande desejo.
em esta razom (verso 9) — sofrimento amoroso.
meu trobar (verso 14) — minha cantiga.
pero (verso 14) — ainda que.
«Famílias desavindas»
Escreva, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
Leia o texto.
O número de pessoas que acreditam que o humor tem muito poder parece ser bastante elevado.
É certo que, normalmente, são pessoas sem grande sentido de humor, como ditadores ou jornalistas, mas
ainda assim é muita gente. Costuma dizer‑se que o humor é a arma dos fracos. Não admira: os fracos não
costumam ter acesso às outras armas. É precisamente por isso, aliás, que são fracos. E não é o facto de
5 recorrerem ao humor que os torna fortes.
O humorista americano Lewis Black foi uma vez confrontado com o facto de alguns académicos con‑
siderarem que os programas de sátira política determinavam comportamentos políticos. Black respondeu
à entrevistadora: «Bem, primeiro, diga a esses académicos que se vão lixar [ele opta por outro verbo]…
A sério, diga‑lhes que isso é uma treta… […] Se a sátira fosse de facto importante a esse nível, como um
10 modo de conseguir fazer coisas, então mais coisas estariam a ser feitas. Tudo o que produz é riso […].» Black
era colaborador frequente do programa The daily show. Jon Stewart, apresentador do programa, e Stephen
Colbert, outro colaborador regular, defenderam por diversas vezes a mesma ideia. Em 2006, Colbert disse à
revista Rolling Stone que o facto de o seu trabalho ser apreciado pelas pessoas não significava que tivesse
efeitos políticos. Stewart acrescentou: «Ou que tenha uma agenda de mudança social. Não somos guerrei‑
15 ros no exército de ninguém.»
O problema foi o seguinte: a certa altura, um jornalista noticiou que, de acordo com determinado
estudo, os jovens americanos obtinham toda a sua informação em programas como o de Jon Stewart. Na
verdade, não só o estudo dizia algo muito diferente disso, como vários estudos posteriores desmentiram
completamente essa ideia […]. Mas já não havia nada a fazer. O enorme poder político de Jon Stewart
20 estava decretado. Foi considerado o mais acutilante crítico de George W. Bush. Passou a ser incluído nas
listas das personalidades mais influentes do mundo da revista Time. A estação de televisão Fox tentou criar
um programa idêntico mas de tendência conservadora, para equilibrar o poder do liberal The daily show. Em
setembro de 2004, o comentador conservador Bill O’Reilly convidou Stewart para o seu programa e disse
‑lhe: «Sabes o que é assustador? Tu vais ter, de facto, influência nestas eleições.» Um mês e meio depois,
25 George W. Bush seria reeleito, obtendo mais dez milhões de votos do que na sua primeira eleição.
A semana que passou foi bastante reveladora quanto ao poder do humor e à possibilidade de contro‑
lar os seus efeitos. A cineasta Leonor Teles ganhou um Urso de Ouro para melhor curta‑metragem pelo
filme Balada de um batráquio, que fala de uma estratégia usada por alguns comerciantes: colocar um sapo
de porcelana à porta dos estabelecimentos, para afastar clientes ciganos. Depois de saber do prémio, Leo‑
30 nor Teles disse: «O melhor foi ver as pessoas a rirem‑se com o filme, a divertirem‑se. É bom sentir isso.»
A imprensa levou a mal. Um jornal perguntou: «Quer ter um papel numa eventual aproximação entre os
ciganos e o resto da sociedade?» Leonor Teles respondeu: «Eu não! Fiz o filme, o que há a fazer é as pessoas
irem vê‑lo e tirarem dele o que bem entenderem. Não me cabe a mim ter o papel de juiz.» E acrescentou:
«Nunca pensei que um filme tão parvo pudesse ganhar um prémio como este.» Inadmissível. O crítico Jorge
35 Mourinha corrigiu logo, no Público: «Mesmo que de parvo o filme não tenha nada.» E, noutro texto, reforçou:
«É mesmo por isso que Balada de um batráquio não é parvo nem tosco.» No DN, o editorial dizia: «Não, Leo‑
nor, parvoíce é o mínimo que se pode dizer de quem põe sapos nas montras para afastar seja quem for.»
E apontava Leonor Teles como um dos nomes que «não deixam para os mais velhos o desconcerto do
mundo e o impulso de fazer algo para mostrar, para mudar». De facto, as coisas mudaram. No dia seguinte,
40 o JN noticiava na capa: «Venda de sapos de loiça dispara.» Alguns comerciantes que ainda não sabiam que
os ciganos tinham uma superstição com sapos ficaram a saber pelo filme, e foram esgotar os stocks de
batráquios de porcelana. Um dia negro para quem acredita que os problemas sociais se resolvem à força
de curtas‑metragens humorísticas. Mas um bom dia para quem gosta de cinema, porque o filme é bom.
2
1 Com esta crónica, Ricardo Araújo Pereira pretende demonstrar que
( A) o humor é a única arma dos fracos.
(B) o humor pode influenciar escolhas políticas e comportamentos sociais.
Contos
(C) os meios de comunicação social consideram que os humoristas têm muito poder e que isso
é falso.
(D) os meios de comunicação social consideram que os humoristas têm muito poder e que isso
é verdade.
3 Ricardo Araújo Pereira refere‑se a Lewis Black, Jon Stewart e Stephen Colbert
(A) apesar de discordar da visão destes humoristas norte‑americanos.
(B) porque pretende mostrar um ponto de vista diferente do seu sobre a importância do humor.
(C) porque estes norte‑americanos influenciaram a forma como o humorista português vê o humor.
(D) porque partilha da opinião destes humoristas norte‑americanos relativamente ao poder do humor.
6 Em «[a] imprensa levou a mal» (linhas 30 e 31), a forma verbal tem um valor aspetual
( A) perfetivo.
(B) imperfetivo.
(C) iterativo.
(D) genérico.
7 A frase «“[a] sério, diga‑lhes que isso é uma treta…”» (linha 9) tem um valor modal
( A) deôntico (com valor de obrigação).
(B) deôntico (com valor de permissão).
(C) epistémico (com valor de probabilidade).
(D) apreciativo.
10 Identifique a função sintática desempenhada pelo constituinte «pelas pessoas» (linha 13).
«Famílias desavindas»
profanador das regras do bom comportamento, do bom senso e do bom gosto. Apesar de termos inventado
as cantigas de escárnio e maldizer, apesar de termos tido um Camilo e um Eça e de sermos exímios praticantes
da má-língua no espaço privado, eis que no espaço público agimos como aquele monge que, no Nome da
Rosa, de Umberto Eco, queima o livro sobre o riso por este ser herético.»
Joana Emídio Marques, in «Livros que nos fazem rir, segundo Ricardo Araújo Pereira»,
http://observador.pt/especiais/livros-nos-fazem-rir-segundo-ricardo-araujo-pereira, 25 de janeiro de 2016.
Elabore um texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas
palavras, em que defenda um ponto de vista pessoal sobre as ideias expostas na citação acima apresentada.
Fundamente o seu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois argumentos e ilustre cada um deles com,
pelo menos, um exemplo significativo.
Observações:
1. P
ara efeitos de contagem, considera‑se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo quando esta
integre elementos ligados por hífen (ex.: /opôs‑se‑lhe/). Qualquer número conta como uma única palavra, independentemente dos
algarismos que o constituam (ex.: /2016/).
2. R
elativamente ao desvio dos limites de extensão indicados — entre duzentas e trezentas palavras —, há que atender ao seguinte:
— um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
— um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
Contos
A
1 s duas personagens são ligadas, em primeiro lugar, por um ódio recíproco: o Dr. João Pedro Bekett,
A
ansioso por tratar os transeuntes que lhe pareciam doentes, não gostava que o semaforeiro o impedisse
de atravessar a rua; Ramon, contrariado por o médico querer interferir no seu trabalho, «daí por diante,
passou a dificultar a passagem ao doutor».
Embora exerçam profissões muito diferentes e pertençam a estratos sociais distintos, apresentam em
comum uma paixão pelo trabalho que exercem, ao qual se dedicam inteiramente: Ramon (como
os seus descendentes semaforeiros), apesar do modesto vencimento, tinha um «amor à profissão»
e esmerava‑se na manutenção e na preservação do semáforo movido a pedal; e o Dr. João Pedro Bekett
«transbordava de espírito de missão», bem patente na pressa que muitas vezes tinha em atravessar a rua,
preocupado com a saúde de alguns transeuntes.
Por fim, ambos tiveram filhos e netos (e sabemos que, no caso do semaforeiro, também um bisneto)
que exerceram a mesma profissão que os pais: Ximenez, Asdrúbal e Paco, na família dos semaforeiros;
João e Paulo, na família dos médicos.
2 processo de caracterização das duas famílias é, de facto, diferente. Embora conheçamos os nomes
O
das várias gerações de semaforeiros, esta família é caracterizada de forma coletiva (excetua‑se uma breve
referência sobre Ramon no fim do primeiro parágrafo), como evidencia a descrição feita no segundo
parágrafo. Sabemos que todos os semaforeiros executam o seu trabalho com grande zelo, «pelo amor
à profissão», apesar do modesto vencimento, e que se preocupam em conservar o semáforo movido
a pedal, mas nada distingue os semaforeiros entre si.
Já a família dos médicos é caracterizada de forma individualizada: no quarto parágrafo, é feita a descrição
do Dr. João Pedro Bekett, «pai de filhos e médico singular», que chegara «de Coimbra com boa fama»
e «[a]ndava pelas ruas a interpelar os transeuntes»; no quinto parágrafo, a do seu filho, o Dr. João,
«médico muito modesto» que gostava de «encandear Ximenez com um espelho colorido»; nos sexto
e sétimo parágrafos, o narrador apresenta o neto, o Dr. Paulo, que «era muito explicativo» e que,
no fim das consultas, incentivava os clientes a acirrar o semaforeiro.
3 S ão exemplos de ironia:
• a referência ao processo de seleção do semaforeiro, em que fora escolhido «um galego chamado
Ramon, que era familiar do proprietário dum bom restaurante e nunca tinha pedalado na vida» —
sugerindo que, na escolha do candidato, não tinham sido considerados os requisitos necessários mas
o interesse em usufruir do «bom restaurante»;
• o comentário «[f]elizmente, nunca coincidiram descendentes casadoiros. Piora sempre os resultados»,
que alude às famosas histórias de amor que tiveram um final trágico, devido aos conflitos entre famílias,
como a de Romeu e Julieta, de Shakespeare, ou a de Simão e Teresa, de Amor de perdição;
• o comentário «[u]ma tarde, Asdrúbal levantou mesmo a mão e o doutor encurvou‑se e enrijou o passo»,
sugerindo alguma cobardia por parte do Dr. Paulo, apesar de este insultar e irritar Asdrúbal com um
espelho.
B
4 erante a crítica de uma mulher («dona») que se lamentara pelo facto de o trovador não a ter louvado à
P
maneira provençal («fostes‑vos queixar / que vos nunca louvo em meu cantar», vv. 1‑2), este responde‑lhe
dizendo que lhe dedicará, então, uma cantiga («mais ora quero fazer um cantar / em que vos loarei toda
via», vv. 3‑4). No entanto, o anúncio de que a vai elogiar é claramente irónico: em vez de a louvar numa
cantiga de amor, o sujeito poético, parodiando as convenções desse tipo de cantigas, zomba da «dona»,
que, por não apresentar características físicas e psicológicas que justifiquem o louvor, é descrita
repetidamente, de forma violenta e sarcástica, como «fea, velha e sandia».
2
5 o longo de toda a composição poética, em posição anafórica (no primeiro verso de cada estrofe),
A
a apóstrofe «dona fea» / «Dona fea» confere destaque ao alvo e destinatário da sátira. Tem especial
importância a ironia, presente nos terceiro, quarto e quinto versos de cada estrofe (quando o sujeito
Contos
poético anuncia que vai «louvar» a «dona»), valorizada pela utilização repetida de palavras da família
de «louvor» — «loaçom» (v. 11) e várias formas do verbo «louvar» («louvo», v. 2; «loarei», vv. 4 e 16; «loar»,
vv. 5 e 10; «loe», v. 9; «loei», v. 13) —, as quais acentuam o contraste entre o louvor que o sujeito poético
anuncia e a crítica agressiva e sarcástica que acaba por fazer no verso do refrão: «dona fea, velha e sandia!»
Neste, é de assinalar: o facto de o início do verso retomar a expressão «dona fea», que abre cada estrofe,
salientando o alvo da crítica e a sua fealdade; a tripla adjetivação, que realça os defeitos da «dona» criticada,
tanto no plano físico («fea» e «velha») como no plano psicológico («sandia»); a exclamação, que acentua
a agressividade e o sarcasmo da descrição da «dona».
GRUPO II
GRUPO III
Construção de um texto de opinião que respeite o tema, a estrutura e os limites propostos. Devem respeitar‑se
as principais características do género textual em causa:
• explicitação do ponto de vista;
• clareza e pertinência da perspetiva adotada, dos argumentos desenvolvidos e dos respetivos exemplos;
• discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
2 i e Georgina aparecem de forma progressiva, como retratos que vão sendo construídos, porque são
G
o resultado da imaginação de uma pintora («já com nome nos marchands das grandes cidades da Europa»).
No caso de Gi: «O rosto da jovem que se aproxima é vago e sem contornos, uma pincelada clara»,
e «[a]s suas feições ainda são incertas». Quanto a Georgina: «A figura vai‑se formando aos poucos como
um puzzle gasoso, inquieto, informe. Vê‑se um pedacinho bem nítido e colorido mas que logo se esvai
para aparecer daí a pouco, nítido ainda, mas esfumado.» e «uma senhora de idade, primeiro esboçada,
finalmente completa».