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A Origem Das Espécies

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A Origem das Espécies

A Origem das Espécies (em inglês: On the Origin of


Species), do naturalista britânico Charles Darwin, apre-
senta a Teoria da Evolução. O nome completo da pri-
meira edição (1859) é On the Origin of Species by Means
of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Ra-
ces in the Struggle for Life (Sobre a Origem das Espécies
por Meio da Selecção Natural ou a Preservação de Ra-
ças Favorecidas na Luta pela Vida). Somente na sexta
edição (1872), o título foi abreviado para The Origin of
Species (A Origem das Espécies), como é popularmente
conhecido.
Nesse livro, Darwin apresenta evidências abundantes da
evolução das espécies, mostrando que a diversidade bi-
ológica é o resultado de um processo de descendência A transmutação das espécies, popularizada pelo livro Vestiges of
com modificação, onde os organismos vivos se adaptam the Natural History of Creation.
gradualmente através da selecção natural e as espécies se
ramificam sucessivamente a partir de formas ancestrais, espécies, mas que não apresentava uma explicação para
como os galhos de uma grande árvore: a árvore da vida. tais mudanças. Darwin ressalta que A Origem das Espé-
A primeira edição, publicada pela editora de John Murray cies é somente um resumo de suas ideias.
em Londres no dia 24 de Novembro de 1859 com tiragem
de 1250 exemplares, esgotou-se no mesmo dia, criando “Não tenho dúvidas de que a visão que a
uma controvérsia que ultrapassou o âmbito académico. maioria dos naturalistas possui, e que eu pre-
Um exemplar da primeira edição atinge hoje mais de 50 viamente também tinha, de que cada espécie
mil dólares em leilão.[1] foi criada independentemente, é errônea. Es-
tou totalmente convencido de que as espécies
A proposta de Darwin que as espécies se originam por
não são imutáveis; mas que aquelas que perten-
processos inteiramente naturais contradiz a crença religi-
cem ao que chamamos do mesmo gênero são
osa na criação divina tal como é apresentada na Bíblia, no
descendentes diretas de alguma outra espécie,
livro de Génesis. As discussões que o livro desencadeou
geralmente extinta, da mesma forma que as va-
se disseminaram rapidamente entre o público, criando o
[2] riedades reconhecidas de qualquer espécie são
primeiro debate científico internacional da história.
descendentes daquela espécie. Além disso, es-
tou convencido que a Seleção Natural é o meio
principal, mas não exclusivo, de modificação.”
1 Conteúdo
1.2 Capítulo I – Variação no estado domés-
1.1 Introdução tico
Darwin começa por falar da importância de sua viagem • Diferentes variedades domésticas são produzidas
ao redor do mundo a bordo do navio HMS Beagle, prin- pelo homem através da seleção, a partir da variação
cipalmente suas observações sobre a distribuição das es- individual das espécies.
pécies na América do Sul e as relações geoléogicas dos
• Há mais variação no estado doméstico do que no es-
habitantes atuais e passados desse continente. Darwin
tado selvagem.
também menciona a importante contribuição de Alfred
Russel Wallace, co-descobridor do mecanismo da seleção • O processo pelo qual ocorre a domesticação de es-
natural, e a apresentação conjunta desse mecanismo na pécies e a seleção das características de interesse é
Sociedade Lineana de Londres por Charles Lyell e Joseph extremamente lento e gradual.
D. Hooker em 1858. Darwin critica o livro Vestiges of
the Natural History of Creation, um best-seller publicado Darwin já suspeitava que os gametas sofressem ação de
anonimamente em 1844, que falava da transformação das fatores geradores de variabilidade. Apoiava esse ponto

1
2 1 CONTEÚDO

cendentes.
Além disso, Darwin comentou que nem todas as caracte-
rísticas eram adaptativas nas raças domésticas, mas sele-
cionadas pelo homem para seu próprio benefício. Po-
rém, salientou que apenas nos últimos tempos a sele-
ção tornou-se uma prática metódica, sendo que antes
disso não passava de um hábito inconsciente de escolher
os indivíduos com as características mais interessantes.
Darwin já percebia a influência do tamanho populacional
na oferta de variabilidade das características a serem se-
lecionadas e afirmava que o processo pelo qual ocorria a
domesticação de espécies e a seleção das características
de interesse era extremamente lento e gradual. As ideias
centrais contidas nesse capítulo continuam atuais, apesar
dos grandes progressos em relação ao entendimento dos
mecanismos pelos quais esses processos acontecem.[4]

1.3 Capítulo II – Variação na natureza

• Existe um contínuo de variação na natureza e as va-


riedades têm as mesmas características gerais que
as espécies, não podendo sempre as distinguir facil-
mente.

• As menores diferenças entre as variedades tendem


a aumentar até se transformarem nas grandes dife-
A pomba Columba livia ilustrada por John Gould. renças entre espécies.

de vista nas observações de alterações nos aparelhos re-


produtores de alguns animais em cativeiro. Porém, ele
percebeu que havia mais variação no estado doméstico
que no estado selvagem. Enunciou também que o hábito
influenciava as características presentes nos organismos,
que alguns caracteres sofriam reversão ao estado ances-
tral quando os indivíduos retornavam ao estado selvagem
e que alguns caracteres apareciam sempre de forma cor-
relacionada nos indivíduos, mesmo entre caracteres sem
muita relação morfofuncional (como o aumento nos ta-
manhos do bico e dos pés em pombos).
Alguns trabalhos da época defendiam que as espécies e
raças de cada animal doméstico descendem de várias es-
pécies ancestrais, uma para cada espécie ou raça atual.
Darwin acreditava que uma ou poucas espécies teriam
dado origem as espécies atuais, pois considerava pouco
provável que todos aqueles ancestrais das espécies atu-
ais tivessem se extinguido simultaneamente e sem dei- Os tentilhões de Galápagos ilustram quão vaga e arbitrária é a
xar registros. Ele salientou também a dificuldade de distinção entre espécies e variedades.
povos semi-civilizados realizarem várias domesticações
bem sucedidas. O modelo escolhido para embasar seu Embora Darwin tenha dado à sua obra o título “A Origem
raciocínio foi o pombo e suas diversas variedades.[3] Ele das Espécies”, neste capítulo ele demonstrou sua postura
acreditava que todas as raças descendiam de apenas uma descrente em relação a este conceito. A exemplo disso,
única espécie selvagem, a pomba-das-rochas (Columba mencionou que diferentes taxonomistas atribuem um nú-
livia), e observou isso também através de cruzamentos mero diferente de espécies a um mesmo gênero, de modo
entre as várias linhagens de pombos, onde algumas ca- que o grau de variabilidade que permite conferir o sta-
racterísticas ancestrais vinham à tona nas gerações des- tus de variedade ou espécie é subjetivo. A inexistência
1.5 Capítulo IV – Seleção Natural 3

de um critério infalível para distinguir espécies de va-


riedades mais pronunciadas também é observada atra-
vés de gêneros maiores, que frequentemente possuem es-
pécies com reduzida quantidade de diferenças entre si,
assemelhando-se ao que seriam classificadas como vari-
edades de certas espécies incluídas em gêneros menores.
Há mais variação nas espécies:

1. comuns, de distribuição geográfica maior e mais di-


fundidas dentro de uma mesma área, pois os indiví-
duos da espécie estão sujeitos a diferentes condições
físicas e porque entram em concorrência com dife-
rentes seres orgânicos;

2. de gêneros maiores em cada habitat, porque supõe-


se que onde se formaram muitas espécies do mesmo
gênero, muitas continuarão a se formar, pois se “a
fabricação de espécies foi muito ativa, deve-se ainda
encontrar a fábrica em movimento”.

Esta variação, ainda que seja de pequeno interesse para


o taxonomista, é de extrema importância para a teoria
da evolução, pois ela fornece a matéria-prima para que a
seleção natural atue e as acumule, originando o que de- A obra de Thomas Robert Malthus sobre o crescimento popu-
lacional inspirou tanto Darwin quanto Alfred Russel Wallace a
nominamos de variedades, subespécies e, finalmente, es-
pensar na luta pela sobrevivência.
pécies.
Atualmente, o conceito de espécie ainda está sujeito a
diferentes entendimentos e interpretações, dependendo, pela existência e apenas aqueles mais adaptados ao ambi-
inclusive, do grupo de organismos considerado.[5] Ape- ente onde vivem conseguirão se reproduzir e passar essas
sar disso, a entidade que chamamos de espécie tem sido características para frente.
considerada real pela maioria dos biólogos. Outra observação importante de Darwin acerca das po-
pulações na natureza é a grande variabilidade entre os
indivíduos, mesmo para aqueles pertencentes à mesma
1.4 Capítulo III – Luta pela existência espécie. Se, por acaso, numa população qualquer surgir
uma variação vantajosa, por menor que seja, essa vari-
• A luta pela existência é a causa de toda a variabi- ação fornecerá a seus portadores uma maior chance de
lidade existente entre as variedades biológicas, as sobrevivência.
espécies, os gêneros… É ela que explica como vari-
edades se transformam em espécies distintas e como Levando em consideração que apenas aqueles seres por-
os táxons de maior nível hierárquico são formados. tadores das características mais adaptativas conseguirão
chegar à fase adulta e se reproduzir, cada vez mais as no-
• Essa explicação está diretamente relacionada ao vas gerações acumularão variações vantajosas para viver
processo de seleção natural. naquele ambiente específico. Populações separadas, vi-
vendo em ambientes diferentes, poderão com o tempo se
O pensamento do Darwin acerca desse fato para ele in- transformar em espécies, em decorrência da acumulação
dubitável – a luta pela existência – começa quando ele de diferentes características.
observa o grande potencial biótico de todas as espécies Darwin chama a atenção para a grande complexidade das
de seres vivos. Qualquer organismo é capaz de produzir relações entre os seres vivos, mostrando que a luta pela
uma descendência muito numerosa, a ponto de as popu- existência não representa apenas uma competição direta
lações tenderem a aumentar muito em pouco tempo. No entre indivíduos que exploram os mesmos recursos, con-
entanto, o que se observa na natureza é que tais popula- sistindo de interações bem mais complexas.
ções não variam muito em tamanho estando o ambiente
em equilíbrio.
Se as populações em condições naturais não variam muito 1.5 Capítulo IV – Seleção Natural
em tamanho, espera-se que vários dos novos indivíduos
acrescidos a essas populações não cheguem a sobreviver • Indivíduos dotados de alguma vantagem teriam
até a fase adulta. Deve haver, então, entre eles uma luta maior probabilidade de sobreviver e reproduzir seu
4 1 CONTEÚDO

mais abundante for uma espécie, maior a probabilidade


de produzir variações favoráveis que serão selecionadas.
A seleção natural conduziria à divergência dos caracteres,
o que em longo prazo pode levar a formação de novas
espécies, e à extinção completa das formas intermediárias
e imperfeitas. A seleção natural também seria capaz de
modificar um dos sexos no que se refere às suas relações
funcionais com o sexo oposto, e a isso Darwin chamou de
seleção sexual. As diferenças entre machos e fêmeas da
mesma espécie seriam causadas pela seleção sexual.

1.6 Capítulo V – Leis da Variação


Diagrama representando o princípio da divergência das espécies,
única figura da edição original de A Origem das Espécies. • Os principais componentes da variação são os efei-
tos das condições externas, os efeitos do uso e de-
suso, aclimatação e a correlação de crescimento.
tipo.
• A variação é um processo lento e de longa duração.
• Mudanças nas condições de vida são favoráveis à
seleção natural, porque criam condições propícias
Darwin tinha a consciência de que muito pouco se sabia
para o surgimento de variações vantajosas.
sobre as leis que geravam variação entre os seres vivos.
Contudo, inferiu que tais leis poderiam produzir tanto
Analisando a seleção artificial, Darwin começou a ques- pequenas diferenças entre indivíduos da mesma espécie,
tionar que isso também poderia acontecer na natureza, quanto grandes diferenças existentes entre gêneros. As
e passou a observar diversos casos onde a seleção natu- características específicas – que se diferenciam depois
ral se aplica. Darwin afirmou que assim como o homem que as espécies de um mesmo gênero se separaram de
selecionava características nas produções domésticas, a seu antepassado comum – são mais variáveis que do que
natureza agiria dia a dia, agindo sobre toda variação sur- as características genéricas – herdadas anteriormente e
gida, mesmo a mais insignificante, rejeitando a nociva, que ainda não se diferenciaram.
preservando e ampliando o que for útil, trabalhando de
modo lento e imperceptível, no sentido de aprimorar os
seres vivos no tocante às suas condições de vida orgâni-
cas e inorgânicas. Desta forma, Darwin propõe que na
natureza os indivíduos dotados de variações vantajosas
têm mais chances de vencer na luta pela sobrevivência
e de legar aos seus descendentes as mesmas variações,
as quais tornam-se mais comuns em gerações sucessi-
vas de uma população de organismos, enquanto as varia-
ções desvantajosas ou nocivas tornam-se menos comuns.
Quanto às variações que não são vantajosas nem nocivas,
Darwin explica que elas não são afetadas pela seleção na-
tural, permanecendo como uma característica oscilante,
tais como as que talvez se possam verificar nas espécies
denominadas polimorfas.
Na época em que propôs a seleção natural, Darwin só po-
dia observar que existiam variações e que algumas destas
eram herdadas, mas nunca pode explicar corretamente
Variação na forma do crânio de pombos.
o processo. Isto só foi possível com o desenvolvimento
da genética moderna na primeira metade do século XX. A variabilidade geralmente está relacionada ao hábito de
Mesmo sem entender de onde surgiam as variações, um vida de cada espécie durante várias gerações sucessivas.
dos maiores avanços na teoria evolutiva de Darwin foi a Darwin discute os efeitos do uso e desuso, que ele pensava
compreensão dos mecanismos de hereditariedade, que o “não haver dúvida de que uso nos animais domésticos re-
naturalista considerava central, mas que desconhecia. força e desenvolve certas partes, e que o desuso as atrofia,
Segundo Darwin, as diferenças individuais seriam a ma- e que tais modificações eram passadas às gerações futu-
téria prima para o surgimento das variações, e um alto ras” e que este fato também poderia ser aplicado na natu-
grau de variabilidade hereditária e diversificada seria um reza. Ele aceitava uma versão da herança dos caracteres
campo favorável à atuação da seleção natural. Quanto adquiridos (que, após sua morte passou a ser chamado
1.7 Capítulo VI – Dificuldades da teoria 5

Lamarckismo), porém, afirmava que algumas mudanças


que foram comumente atribuídas ao uso e desuso, tais
como a perda de asas funcionais em alguns insetos, po-
deriam ser produzidas pela seleção natural. Em edições
posteriores de A Origem das Espécies, Darwin expandiu
o papel atribuído à herança de caracteres adquiridos. Ele
também admitiu ignorância da fonte de variações herda-
das, mas especulou que poderiam ser produzidas por fa-
tores ambientais.
O problema da não aceitação da teoria darwiniana por
parte de cientistas obrigou Darwin a utilizar-se das ideias
de Lamarck quanto à adaptação ao meio. Sua teoria, no
entanto, passaria a ser aceita pelo meio científico apenas
no século XX, depois das descobertas de Mendel acerca
da transmissão hereditária de caracteres. Hoje, sabe-se
que a variação em populações surge aleatoriamente atra-
vés de mutação e recombinação genética e a seleção na-
tural é a responsável por fixá-las ou não. Os genes mu-
tantes determinam novas características nos organismos
e podem ou não ser úteis aos indivíduos que as possuem
face ao ambiente em que vivem. Quando úteis prevale-
cem e são transmitidas aos descendentes, acumulando-se
e contribuindo para o aparecimento de novas espécies.
Já a recombinação genética resulta em novos arranjos de
genes e geração de indivíduos com características dife- Fóssil de Archaeopteryx lithographica do Jurássico, uma forma
rentes que serão selecionadas. de transição dos dinossauros para as aves.

1.7 Capítulo VI – Dificuldades da teoria Seria inconcebível supor que o olho, sendo um órgão al-
tamente aperfeiçoado, seja formado por seleção natural.
Neste capítulo Darwin levanta pontos que poderiam tor- Darwin conclui que, se modificações benéficas aconte-
nar falha a sua teoria, no entanto, ele não acredita que tais cerem neste órgão de forma gradual e sucessiva, sendo
objeções possam ser fatais. As principais dificuldades e estas variações passadas por hereditariedade, não haverá
objeções tratadas neste capítulo são: problema em acreditar que órgãos perfeitos e complexos
são o resultado de um processo de seleção natural. Tam-
• Uma vez que as espécies descendem de outras, por bém podem acontecer alterações simultâneas, desde que
que não se encontram numerosas formas de transi- sejam lentas e graduais.
ção na Natureza? Darwin é bem enfático quando diz não ser possível com-
provar a existência de um órgão complexo sem ser for-
• Como acreditar que a Seleção Natural pode produ- mado por meio de pequenas modificações, sucessivas e
zir, de um lado, órgãos de pequena importância e, numerosas. Ele infere que existam modos de transição
de outro lado, órgãos de grande perfeição e comple- observando a existência de dois órgãos distintos que pos-
xidade? suam a mesma função. O surgimento de transições pode
ter sido facilitado pela necessidade de especialização de
A extinção e a Seleção Natural andam juntas, os or- um órgão que realizasse ao mesmo tempo diversas fun-
ganismos que se tornam mais aperfeiçoados entram em ções, ou de dois órgãos que realizassem simultaneamente
competição com os menos favorecidos e assim, podem a mesma função, com um deles assumindo gradualmente
eliminá-los. Dessa forma, se considerarmos que toda es- a responsabilidade total da mesma, enquanto o outro aos
pécie descende de alguma, pelo processo de aperfeiço- poucos perderia sua função auxiliar. Isso aconteceu com
amento, tanto os ancestrais quanto as variedades já de- a bexiga natatória que, inicialmente, era utilizada para
veriam ter sido exterminadas. De acordo com essa teo- flutuação, mas que era capaz de realizar trocas gasosas.
ria deveria existir um número grande de formas interme- Posteriormente a seleção natural atuou neste órgão já
diárias. Darwin aponta que essas formas intermediárias existente e há indícios de que este tenha se tornado o pul-
são muito escassas principalmente devido à imperfeição mão nos vertebrados superiores.
do registro geológico, já que são necessárias condições Darwin teve dificuldades em explicar a origem de órgãos
favoráveis e tempo adequado para que os fósseis sejam que aparentemente são pouco importantes e que são afe-
formados, tratando-se de um processo raro. tados pela seleção natural, uma vez que a seleção atuando
6 1 CONTEÚDO

no sentido de preservar indivíduos que possuem caracte- cies. Através deles inúmeras estratégias são criadas na
rísticas vantajosas e eliminando indivíduos que possuem tentativa de aumentar a chance de sobrevivência dos ani-
alguma característica desvantajosa, não teria como agir mais. Sob condições de vida modificadas, pequenas mo-
em estruturas muito simples que a princípio parecem não dificações (variações) nos instintos surgem. E essas mo-
conferir benefício algum ao indivíduo. Ele salientou que dificações quando benéficas para as espécies, serão con-
mesmo nos dias atuais, não sabemos muito a respeito da servadas e preservadas pela ação contínua da Seleção Na-
“economia natural” dos seres vivos e não temos como tural. A todo esse processo é que se deve a origem dos
concluir quais características conferem maior ou menor instintos mais complexos. Os instintos podem ser classi-
importância; órgãos que hoje parecem ser insignifican- ficados em duas categorias:
tes, podem ter sido de grande finalidade para um antigo
ancestral. Além disso muitas estruturas existentes e que • Domésticos são aqueles onde as tendências natu-
não possuem nenhuma relação direta com os hábitos de rais (qualidades mentais) dos animais são profunda-
vida atuais de determinadas espécies, estão ali por serem mente modificadas em função da domesticação (ca-
passadas através da hereditariedade, ou seja, por estarem tiveiro, hábito e seleção metódica contínua). São
presentes nos ancestrais e nestes conferir alguma vanta- menos estáveis que os instintos naturais, por serem
gem. afetados por uma seleção menos rigorosa e por se-
rem transmitidos há um curto intervalo de tempo
A teoria da seleção natural, como nos mostrou Darwin,
sob condições de vida menos estabilizadas. Seu alto
permite que compreendamos o significado da frase con-
grau de hereditariedade se dá em virtude do cruza-
siderada como um velho axioma da História Natural:
mento de diferentes raças.
Natura non facit saltum, a natureza não procede a saltos,
pois a seleção natural só pode agir tirando proveito de • Naturais, como o próprio nome diz, são aqueles em
variações ligeiras e sucessivas, de forma lenta e gradual. que o animal age de acordo com a sua natureza e,
portanto sem a influência do cativeiro hábito e se-
leção metódica. Neste caso as tendências naturais
1.8 Capítulo VII – Instinto dos animais são mantidas. E os instintos só serão
modificados através da interação entre os animais e
destes com o meio.

Dentre os instintos naturais Darwin aponta o instinto de


abelhas construtoras de favos como sendo o mais notável
exemplo na natureza, onde as abelhas conseguem cons-
truir favos em formatos e dimensões corretas para per-
mitir o armazenamento da maior quantidade de mel com
o mínimo de gasto de energia possível. Esse instinto te-
ria sido selecionado pois o enxame que gastasse menos
mel para formar os favos seria beneficiado e transmiti-
ria esse instinto por hereditariedade, e seus descendentes
teriam maiores chances de enfrentar com sucesso a luta
pela existência.
Darwin considerava o instinto de abelhas construtoras de favos Um dos fatos que Darwin considera uma forte objeção
como um notável exemplo de eficiência na natureza. a sua teoria é a existência de insetos sociais estéreis. A
impossibilidade das formigas estéreis transmitirem suas
Segundo Darwin, os instintos e os hábitos são compará-
características para seus descendentes parecia não se con-
veis apesar de possuírem origem diferente. A semelhança
ciliar com a teoria da seleção natural. Darwin conclui
entre o que foi originalmente um hábito e que hoje é um
que essa característica tenha sido tenha útil para a comu-
instinto é muito grande, tornando algumas vezes difícil
nidade, por isso, os machos e fêmeas fecundos passavam
distinguir um do outro. Suas ações funcionam em uma
aos seus descendentes fertéis a tendência de produzir uma
espécie de ritmo e são praticadas de forma inconsciente e
classe de membros da sociedade estéreis.
em sentido contrário a vontade consciente. O Instinto ao
contrário do hábito é uma ação que não demanda de prá- Portanto, para Darwin hábitos e instintos sofrem cons-
tica e raciocínio para ser executada. É uma aptidão inata tantemente ação da seleção natural podendo ser transmi-
em relação a ações particulares. São padrões herdados tidos por hereditariedade aos seus descendentes lhes con-
de respostas a certos tipos de situações. É uma tendência ferindo uma maior vantagem na luta pela existência.
natural ou uma atividade automática e espontânea. Já os
hábitos por sua vez são ações, regras sociais ou aptidões
adquiridas que surgem pela experiência e prática prolon- 1.9 Capítulo VIII – Hibridismo
gada para reproduzir certos atos. • Origem da esterilidade: como não traz vantagens
Os instintos são importantes para o bem estar das espé- para o indivíduo, a esterilidade entre diferentes
1.10 Capítulo IX – Imperfeição dos registros geológicos 7

espécies não pode ter evoluído pouco a pouco atra- Mais adiante, Darwin retoma uma distinção feita no iní-
vés da Seleção Natural. cio do capítulo, entre a capacidade de cruzamento (i.e.,
de gerar um novo indivíduo) e a fecundidade ou esterili-
• A capacidade de entrecruzamento como conceito de dade da prole. Ele comenta que os dois fenômenos não
espécie: algum grau de esterilidade entre híbridos é são necessariamente correlatos; algumas espécies podem
a regra geral, mas não necessariamente universal. cruzar facilmente entre si, porém ter sempre prole estéril,
e vice-versa. Esta esterilidade estaria parcialmente re-
• A esterilidade é um acidente derivado da divergên- lacionada com a afinidade sistemática. Essa tendência
cia entre linhagens e depende em parte da afinidade também varia em cruzamentos recíprocos; isto é, pois às
sistemática, dos modos de vida e do histórico evolu- vezes é mais fácil cruzar o macho de uma espécie com
tivo. a fêmea de outra espécie, do que o contrário (um pensa-
mento que seria o embrião da regra de Haldane). Darwin
observa que, se a esterilidade entre as espécies fosse obra
O capítulo VIII busca responder a uma aparente dificul-
de uma criação especial, esperaria-se um grau semelhante
dade da Teoria da Seleção Natural levantada no capítulo
de esterilidade entre todas as espécies.
VI: Como explicar que as espécies, quando se cruzam,
fiquem férteis ou produzam descendentes estéreis, en- A visão de que o isolamento reprodutivo é uma con-
quanto as variedades, quando cruzadas entre si, mante- sequência natural do distanciamento filético é a visão pre-
nham sua fecundidade inalterada? Este problema existia, dominante atualmente. Para Darwin, no entanto, esse
segundo Darwin, porque a esterilidade não é vantajosa isolamento seria de certo modo acidental e imprevisível,
para o indivíduo, de modo que não poderia surgir grada- enquanto no paradigma atual, esse distanciamento tem
tivamente pela ação da Seleção Natural. um caráter um tanto inexorável (Teoria de Dobzhansky-
Muller). Atualmente é controverso se a Seleção Na-
tural pode ou não influir no isolamento reprodutivo,via
Reforço. Darwin chega a admitir a possibilidade do fenô-
meno do Reforço, mas descarta esta ideia.

1.10 Capítulo IX – Imperfeição dos regis-


tros geológicos

• Variedades intermediárias (sua ausência, natureza e


números)

• Intermitência das formações geológicas

• Aparecimento repentino de grupos no registro fóssil


Híbrido entre uma zebra e um burro.
• Período de tempo decorrido – Antiguidade da Terra
Na época da publicação do livro, já existia a noção de que
a capacidade de entrecruzamento seria um fator impor- Uma das principais objeções à Teoria de Darwin era o
tante na definição de espécies, mas Darwin observa que fato de as formas específicas serem, em sua maioria, dis-
os resultados dos experimentos de entrecruzamento che- tintas umas das outras, não interligadas por elos de tran-
gam a conclusões distintas dos naturalistas experientes sição. De fato, em sua época poucas eram as formas tran-
sobre o que são espécies. Híbridos de diferentes espécies sitórias conhecidas, como o fóssil de Archaeopterix. Se-
podem ser férteis, enquanto variedades de uma mesma gundo Darwin, a ausência de formas intermediárias atuais
espécie têm dificuldades de entrecruzamento. Ele tam- se daria porque as formas de transição seriam menos nu-
bém aponta questões metodológicas dos experimentos da merosas do que as formas extremas, sendo extintas du-
época que podem ter levado os autores a conclusões equi- rante o curso das modificações e aperfeiçoamentos ad-
vocadas a esse respeito. A sua conclusão é de que algum quiridos por estas por meio da Seleção Natural. Sobre a
grau de esterilidade entre híbridos é a regra geral, mas não ausência de formas de transição no registro fóssil Darwin
necessariamente universal. Na discussão sobre a forma- afirma: “Creio que a explicação se encontre na extrema
ção de espécies domésticas, Darwin expõe com bastante imperfeição dos registros geológicos”. Ele também co-
lucidez sua visão de que as espécies são definidas pela an- menta que essas formas não seriam diretamente interme-
cestralidade comum, a partir das modificações lentas de diárias entre duas espécies quaisquer: “O mais correto
variedades. Desse modo, a esterilidade não seria uma ca- seria procurar formas intermediárias que existem entre
racterística irremovível, mas uma peculiaridade que sur- cada uma delas e um ancestral desconhecido, comum a
gia à medida que as linhagens se diferenciavam; quanto ambas, que por sua vez deve ser diferente dos seus des-
mais diferentes, mais difícil seria o cruzamento. cendentes modificados”.
8 1 CONTEÚDO

1.11 Capítulo X – Da sucessão geológica


dos seres vivos

• As formas de vida nem sempre apresentam o mesmo


grau de modificação entre duas formações consecu-
tivas.

• A extinção de formas antigas e a formação de novas


formas estão relacionadas.

• A raridade precede a extinção.

• A fauna de cada período geológico possui caracte-


rísticas intermediárias entre a fauna anterior e pos-
Dentes fossilizados de cavalo encontrados por Charles Darwin terior.
em 1832.

Uma das características do registro geológico que de-


monstram sua própria imperfeição é a intermitência das
formações, ou as lacunas que existem entre as formações
sobrepostas. Darwin estava convencido de que todas as
antigas formações abundantes em fósseis teriam se for-
mado durante uma fase de subsidência. Em virtude da
dinâmica da Terra, com oscilações no nível do mar e do
soerguimento e rebaixamento da parte continental, nem
sempre se apresentava as condições necessárias à forma-
ção dos registros, daí sua imperfeição e também a escas-
sez das formas intermediárias.
Sobre a aparição repentina de alguns grupos no registro
geológico, Darwin comenta que, pelo fato de alguns gêne-
ros e famílias não terem sido encontrados abaixo de uma
determinada camada, não significa que eles não tenham
existido antes; tais grupos poderiam ter surgido muito
tempo atrás e se multiplicado lentamente. Além disso,
o grande intervalo de tempo entre formações consecu-
tivas permitiria a multiplicação das espécies a partir de
algumas formas ancestrais; dessa forma, na formação se-
guinte cada espécie pareceria ter sido criada de maneira
brusca.
Quanto à idade da Terra, Darwin, embasado em estudos
geológicos da época e influenciado pelas ideias gradua- Escala de tempo geológico de Richard Owen (1861)
listas, considerava que a história geológica da Terra teria
sido bem maior do que antes se conhecia, pois de outra Neste capítulo Darwin aborda basicamente sobre a diver-
maneira a Seleção Natural não teria tido tempo suficiente sidade de espécies no registro fóssil e a extinção no tempo
para dirigir as modificações orgânicas. Para Darwin a geológico. Ele introduz o capítulo dizendo que os fósseis
ideia de que a Terra era muito mais antiga do que se ima- impressos nas rochas têm uma sucessão geológica clara
ginava era tão importante que ele chega a dizer: “Quem que coincide com a “modificação lenta e progressiva por
teve a oportunidade de ler o tratado do Sr. Charles Lyell, via da descendência e da Seleção Natural”, refutando a
Princípios de Geologia,(…) e se mesmo assim não ad- imutabilidade das espécies e que gêneros e classes dife-
mitir que os períodos de tempo tenham sido inconcebi- rentes não se modificaram na mesma velocidade. Isso é
velmente extensos, poderá interromper neste momento a comprovado no registro fóssil pela presença de organis-
leitura deste livro”. mos atuais em meio a grupos de espécies já extintas.
1.13 Capítulo XII – Distribuição geográfica – continuação 9

Ainda sobre a velocidade de transformação das espécies,


Darwin afirma que “seres superiores modificam-se mais
rapidamente que seres inferiores”, pois acredita que as
espécies mais recentes são mais aptas por descenderem
de outras que já sofreram modificações. Darwin ainda
postulou que as formas “superiores” e terrestres se mo-
dificam em maior velocidade devido à maior interação
ecológica que as espécies sofrem entre si. Esta é uma
ideia ainda a ser discutida, pelo fato de se conhecer atu-
almente a infinita variedade de habitats que podem ser
encontradas no ambiente marinho.
Darwin não acreditava em extinção em massa, ou seja,
causada por algum evento catastrófico como várias erup-
ções vulcânicas ou um impacto de um meteoro, como é
pensado atualmente (e.g. Benton & Twitchett, 2003[6] ).
Ele afirma que, como a diversificação, a extinção é lenta
(talvez muito mais que a diversificação) e que a extinção
de formas antigas e a formação de novas formas estão re-
lacionadas. Precedendo a extinção, ocorre a raridade, na
visão de Darwin, que associa a raridade de algumas espé-
cies à sua futura extinção. Mas a atual raridade de uma
espécie pode significar uma expansão de sua distribuição O Grande Intercâmbio Americano que ocorreu no fim do Plio-
geográfica devido elas se beneficiarem da extinção de um ceno com a formação do Istmo do Panamá.
táxon irmão similar ecologicamente.[7] A extinção de es-
pécies, segundo ele, se deve à vantagem estabelecida pela
seleção natural às espécies novas, tornando-as mais com- continentes constituem barreiras ou aos animais terrestres
petitivas em relações às espécies já estabelecidas. Tam- ou aos marinhos, e relacionam-se diretamente às diferen-
bém já levantava a hipótese de extinções serem causadas ças entre a fauna de diversas regiões.
por ações humanas. Darwin explicou como uma ilha vulcânica formada a pou-
A fauna de cada período geológico possui característi- cas centenas de quilômetros do continente pode ser colo-
cas intermediárias entre a fauna posterior e anterior, in- nizada por poucas espécies do continente. Após a co-
dicando que se fosse possível ter ocorrido a preservação lonização, estas espécies tendem a ser tornar modifica-
de cada forma de vida no registro fóssil, ele seguiria a das com o tempo, mas permanecerão relacionadas às es-
evolução dos táxons. Por fim, destaca o fato da fauna de pécies encontradas no continente, padrão comum obser-
uma determinada região estar estreitamente relacionada vado por Darwin. Embora as espécies sejam distintas,
às espécies encontradas no registro fóssil da mesma re- há afinidades; estas afinidades nos revelam a existência
gião, o que pode ser facilmente explicado por sua teoria de um vínculo orgânico que prevalece através do espaço
de descendência com modificação. e do tempo. Sua explicação foi uma combinação de mi-
gração e descendência com modificação.
Mais à frente, Darwin discute meios pelos quais ocorre
1.12 Capítulo XI – Distribuição geográfica dispersão das espécies através dos oceanos para colonizar
ilhas, muitos dos quais ele investigou experimentalmente.
O capítulo XI trata das evidências biogeográficas, come- Nos continentes, as espécies poderiam ter migrado de um
çando com a observação de que as diferenças da flora e ponto original (centro único de origem) para os diversos
da fauna entre regiões separadas não podem ser explica- pontos distantes e isolados onde hoje se encontram. En-
das somente por diferenças ambientais. América do Sul, tão, as mudanças geográficas e climáticas que ocorreram
África e Austrália são três regiões com clima e latitude devem ter interrompido ou tornado descontínuas as áreas
similares. Mas, apesar de as condições ambientais terem de ocorrência de várias espécies.
paralelo no Novo e Velho Mundo estas regiões tem di-
ferentes plantas e animais. As espécies encontradas em
uma área de um continente são mais próximas de espé- 1.13 Capítulo XII – Distribuição geográ-
cies encontradas em outras regiões do mesmo continente, fica – continuação
do que de espécies encontradas em outros continentes.
Darwin notou que barreiras para a migração desempe- Neste capítulo Darwin continua a sua discussão sobre dis-
nharam um importante papel nas diferenças entre as es- tribuição geográfica. Numa primeira parte começa por
pécies de diferentes regiões. Cadeias de montanhas, descrever a distribuição das produções de água doce e
enormes desertos, grandes rios, ístmos ou oceanos entre suas formas de dispersão ocasional por meios acidentais,
10 1 CONTEÚDO

por produções das planícies e terras secas adjacentes.


Darwin termina afirmando que todas as relações discu-
tidas sobre a ampla distribuição de algumas espécies, as
relações entre ambientes próximos e as relações entre es-
pécies distintas das ilhas e dos continentes não são con-
cordantes com a teoria comum da criação independente,
mas sim com a hipótese de colonização de uma fonte pró-
xima e subsequente modificação.

1.14 Capítulo XIII – Afinidades mútuas


dos seres vivos; morfologia; embrio-
logia; órgãos rudimentares
Principais ilhas do arquipélago de Galápagos.

afirmando que “seria uma circunstância inexplicável se as


aves aquáticas não transportassem as sementes de plantas
de água doce para locais muito distantes e se consequen-
temente a distribuição dessas plantas não fosse muito ex-
tensa”. O mesmo poderia suceder com ovos de animais
de água doce mais pequenos. Esses indivíduos que colo-
nizassem ambientes recentes seriam bem sucedidos, uma
vez que, como chegariam a locais desocupados, a luta
pela sobrevivência seria menos intensa.
Na segunda parte deste capítulo, Darwin dedica-se essen-
cialmente à colonização das ilhas oceânicas, começando
por dizer que não pode concordar com a teoria de For-
bes sobre as grandes extensões continentais, uma vez que
esta teoria não explica vários factos relativos às produções
insulares. A ausência de determinadas classes, como ba- Representação de embriões presente no trabalho de Haeckel de
tráquios e mamíferos terrestres e a sua substituição por 1866.
aves ápteras e répteis, só pode ser explicada pela suscep-
tibilidade destes animais à água do mar.
• Classificação da biodiversidade através da descen-
O arquipélago das Galápagos serviu de cenário para ex- dência;
plicar a existência de grande proporção de espécies endé-
micas nas ilhas relativamente a espaços continentais de • Utilização de um conjunto de características, in-
tamanhos semelhantes, através do exemplo de aves ter- cluindo embrionárias e rudimentares, para a recons-
restres características de cada ilha. Serviu também para tituição de filogenias;
explicar a afinidade entre os habitantes das ilhas com os
habitantes do continente mais próximo, uma vez que as Para Darwin, a classificação biológica seria mais fácil se
espécies deste arquipélago estão relacionadas com as es- todos os seres de um determinado grupo fossem adapta-
pécies da América e são completamente distintas das es- dos a viver no mesmo tipo de ambiente (terra, água, etc.).
pécies do arquipélago de Cabo Verde, com o qual partilha No entanto, os membros de subgrupos próximos filogene-
várias características climáticas e geológicas. Segundo a ticamente podem possuir hábitos e características adapta-
sua teoria espécies provenientes de locais próximos che- tivas diferentes. Normalmente, os gêneros mais diversos
gariam a estas ilhas por meios ocasionais de transporte são também mais dispersos, sendo, por isso, mais sujei-
ou por uma ligação terrestre outrora existente, estas es- tos a variações que podem resultar na origem de novas
pécies durante o seu estabelecimento teriam que compe- espécies. Neste capítulo, Darwin argumenta que a classi-
tir com outras espécies, ficando assim sujeitas a modifi- ficação biológica realizada segundo o Systema Naturae de
cações através da seleção natural, no entanto, através do Carolus Linnaeus não seria a mais adequada para agrupar
princípio de hereditariedade ainda é possível detetar as naturalmente as espécies, pois se baseia em poucos carac-
suas afinidades. teres que na maioria das vezes são adaptativos. Segundo
Este conceito de colonização de ilhas de um local pró- Darwin, características que determinam adaptação a cer-
ximo, pode ser aplicado a outros ambientes em formação, tos hábitos de vida não deveriam ser os mais importan-
como montanhas, lagos e pântanos, que seriam povoados tes para a classificação científica (biológica), pois podem
1.15 Capítulo XIV – Recapitulações e conclusões 11

resultar em agrupamentos artificiais baseados em carac-


terísticas com função semelhante, mas com origens dife-
rentes (homoplasias). Para Darwin, a melhor maneira de
classificar a biodiversidade seria através de um conjunto
de características complexas que representem afinidades
entre as espécies, o que poderia refletir sua ancestralidade
comum. Tais características evoluem lentamente em cer-
tos grupos e mais rapidamente em outros, deixando ves-
tígios do parentesco entre as espécies. As relações de
ancestralidade e descendência seriam a única maneira de
designar adequadamente as espécies, retratando agrupa-
mentos naturais.
O grupo de características utilizado para a classificação
deve incluir órgãos rudimentares e caracteres embrioná-
rios. Segundo Darwin, o desuso gradual e seleção natu-
ral lentamente reduziriam o órgão, e seu grau de atrofia-
mento corresponderia à idade da espécie em relação a seu
ancestral, sendo possível agrupar aquelas que possuem
esses órgãos em diferentes níveis de desenvolvimento.
Características embrionárias também devem ser avalia-
das na procura das relações de parentesco entre as es-
pécies, como proposto por Henri Milne-Edwards, Louis
Agassiz e Ernst Haeckel. Este último utilizava caracte- Charles Darwin aos 51 anos, na época da publicação da pri-
rísticas embrionárias e rudimentares homólogas para re- meira edição de A Origem das Espécies
constituir a filogenia entre os seres. Características de
formas embrionárias normalmente são mais parecidas en-
tre si do que entre estas com suas respectivas formas ções que ocorreram durante o processo de modelagem
adultas. Assim, as formas embrionárias podem refletir de uma característica, o estado de perfeição poderia ser
a forma que provavelmente era presente nos ancestrais. alcançado por meio de várias gradações intermediárias,
desde que cada uma delas seja útil e melhor que a prece-
Para representar o sistema genealógico, Darwin propôs dente. A teoria de descendência com modificação prevê
um diagrama em forma de árvore como a apresentada que todos os indivíduos de uma espécie, espécies de um
no capítulo IV desta obra. Nesse diagrama, formas ru- mesmo gênero e também grupos menos restritos devem
dimentares extintas poderiam representar grupos inter- ter um antepassado comum, e isso implica que indivíduos
mediários entre as formas vivas. Os processos de extin- mais próximos geograficamente devam ser mais aparen-
ção de alguns grupos e diversificação de outros a partir tados que aqueles situados em locais distantes. Porém,
de um ancestral comum seriam responsáveis pela separa- isso não explica espécies que apresentam ampla distri-
ção das espécies. Esses processos são consequências da buição geográfica ou uma distribuição disjunta ao longo
seleção natural, que resulta em modificações de estrutu- do globo terrestre. Para esses caso, Darwin sugere que
ras ao longo do tempo a partir das formas presentes nos eventos de migração, extinção de intermediários e mu-
ancestrais. Dessa forma, a visão criacionista de formas danças climáticas durante os períodos glaciais possam
de vida imutáveis é improvável. ter moldado essas distribuições aparentemente em desa-
cordo com sua teoria. Outra forte objeção à teoria da
seleção natural seria a falta no registro fóssil das formas
1.15 Capítulo XIV – Recapitulações e con- intermediárias que Darwin sugere terem existido. Ele po-
clusões rém argumenta que o registro fóssil é imperfeito e que
o processo de fossilização requer condições muito espe-
No último capítulo de seu livro Darwin faz uma recapitu- cíficas e até improváveis, sendo que muitos organismos,
lação às objeções e circunstâncias favoráveis à teoria da devido a sua estrutura corporal, jamais poderiam ser fos-
Seleção Natural. silizados.
Como principal objeção Darwin aponta a dificuldade em Durante o processo de seleção artificial, o homem atua se-
explicar como órgãos e instintos complexos poderiam ter lecionando as variabilidades que mais lhe interessa, po-
sido produzidos pelo processo de seleção natural. Em res- rém a ação do homem nada tem a ver com a produção
posta, ele sugere que essa dificuldade pode ser superada dessa variabilidade. Segundo Darwin, as leis que regem a
se se assumir que todos os órgãos e instintos são passíveis variabilidade são ligadas à correlação de crescimento, ao
de modificações e há uma luta pela sobrevivência onde uso e desuso e à ação direta das condições físicas, e essa
o vencedor preserva as melhores modificações. Apesar variação pode ser transmitida hereditariamente. Darwin
de admitir que seria difícil prever quais foram as grada- traça aqui um paralelo entre seleção natural e artificial,
12 2 VER TAMBÉM

sugerindo que na seleção natural quem seleciona é a na- segunda razão era a crença que o registro fóssil estava
tureza e não o homem. Há uma luta pela sobrevivência completo e que apenas aqueles organismos encontrados
uma vez que nascem mais indivíduos do que o ambiente foram os que já existiram e se extinguiram, sem fornecer
é capaz de suportar; sendo assim, a natureza seleciona os assim uma evidência dos intermediários entre as espécies.
mais aptos (com as melhores variações). Darwin ainda Darwin deixa a ideia de que a teoria de descendência com
cita a disputa entre machos pela posse de fêmeas e chama modificação pode abranger membros da mesma classe e
esse processo de seleção sexual, estabelecendo assim que mesmo reino, e ainda sugere a possibilidade de que to-
a seleção natural é a luta pela sobrevivência e a seleção dos os seres vivos tenham se originado a partir de uma só
sexual a luta pelo acasalamento. Em ambos os casos, ape-
forma principal.
nas aquele indivíduo que possuir a variação mais vanta-
josa vencerá a luta. Darwin sugere como a aceitação da Teoria da Seleção Na-
tural pode vir a influenciar os estudos de História Natural.
Ele prevê que não haverá uma definição satisfatória e unâ-
nime do conceito de espécie e que nossas classificações se
transformarão cada vez mais em genealogias onde serão
mapeados os caracteres herdados. Juntando informações
mais precisas de geologia, Darwin diz que seremos capa-
zes de recriar rotas migratórias seguidas pelos habitantes
do mundo. Poderemos ainda utilizar a soma das modifi-
cações nos fósseis encontrados em formações geológicas
consecutivas como medida relativa do tempo decorrido
entre essas formações. Darwin ainda prevê que a seleção
natural pode influenciar estudos de psicologia e auxiliar
no entendimento da origem do homem e de sua história.
Por fim, Darwin aponta que Hereditariedade, Variabili-
dade, Multiplicação dos Indivíduos, Luta pela Existên-
cia, Seleção Natural, Divergência dos Caracteres e Ex-
Fronstispício da 1a edição em inglês do livro A Origem das Es- tinção das Formas Menos Aptas são as principais leis res-
pécies de Charles Darwin (1859) ponsáveis por moldar as formas que conhecemos hoje no
mundo.
Em defesa a teoria da Seleção Natural, Darwin se dedica
a explicar por que espécies não podem ser atos indepen-
dentes de criação. Primeiro ele aponta que se as espécies
fossem independentes não deveria haver dificuldade para
2 Ver também
se definir o limite entre uma e outra, nem tampouco de-
veria haver tantas formas intermediárias entre elas. Ele • Árvore evolutiva
também cita que o axioma Natura non facit saltum (a Na-
• Charles Darwin
tureza não dá saltos) não deveria ser uma lei natural se
as espécies fossem criações independentes. Além disso • Especiação
ficaria difícil explicar a razão da criação de planos bioló-
gicos imperfeitos, como por exemplo o caso de aves que • Evidência da evolução
não voam, ou a abelha que morre ao utilizar seu ferrão.
O fato de duas áreas distantes apresentarem as mesmas • Evolução
condições de vida e habitantes completamente diferen-
• Filogenia
tes seria facilmente explicado pela teoria de modificação
com descendência, mas não pela criação independente. • Fósseis
A presença de morcegos e ausência de outros mamíferos
em ilhas oceânicas distantes do continente e a homologia • História da Biologia
entre os ossos da mão do homem, asas do morcego e bar-
batanas de baleias são outros exemplos que não poderiam • História do pensamento evolutivo
ser explicados pela teoria da criação independente.
• Introdução à evolução
Darwin acreditava que duas razões principais levavam
muitos naquela época a crer que as espécies eram imu- • Paleontologia
táveis. A primeira era a crença que a idade de criação
• Seleção artificial
da Terra fosse muito menor do que realmente é, não ha-
vendo assim tempo geológico suficiente para que todas • Seleção natural
as mudanças ocorressem de forma lenta e gradual, sendo
acumuladas até gerar os organismos como são hoje. A • Variabilidade genética
13

3 Referências
[1] G1 > Pop & Arte - NOTÍCIAS - Exemplar da 1ª edição
de “A Origem das Espécies” supera US$ 50 mil em leilão.
Visitado em 29 de Dezembro de 2010.

[2] Browne, J. 2007. A Origem das Espécies de Darwin: uma


Biografia. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro. ISBN 978-
85-7110-998-8

[3] Nichols, H. 2009. Darwin 200: A flight of fancy. Nature


457:790-791

[4] Mindell, D. 2006. The Evolving World: Evolution in


Everyday Life. Chapter 2, Domestication: Evolution in
Human Hands. Editorial UPR. ISBN 978-0-674-02191-
4.

[5] Cohan, F.M. 2002. What are bacterial species? Annual


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[6] Benton, M.J., Twitchett, R.J. 2003. How to kill (almost)


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[7] Boessenkool,S., Austin,J.J., Worthy,T.H., Scofield,P.,


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The nature of selection during plant domestication.
Nature 457:843-848.
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• (em inglês) Taylor, J.W., Jacobson, D.J., Kroken,


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Fisher, M.C., 2000. Phylogenetic Species Recog-
nition and Species Concepts in Fungi. Fungal Ge-
netics and Biology 31(1):21-32.
14 5 FONTES, CONTRIBUIDORES E LICENÇAS DE TEXTO E IMAGEM

5 Fontes, contribuidores e licenças de texto e imagem


5.1 Texto
• A Origem das Espécies Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/A%20Origem%20das%20Esp%C3%A9cies?oldid=41533991 Contribuido-
res: Manuel Anastácio, Muriel Gottrop, Mschlindwein, E2mb0t, Juntas, Rafael.afonso, NTBot, Thiago90ap, RobotQuistnix, Rei-artur,
Simoes, Leslie, OS2Warp, Chobot, Lijealso, Arnaldojrbr, YurikBot, Gpvos, MalafayaBot, Chlewbot, Flinguer, Marco Cristo, Luciano-
pinheiro, GoEThe, Thijs!bot, Alissonsoares, Yleite, Rei-bot, Escarbot, JSSX, Fabiobarros, JAnDbot, Andrelz, Dilesant, Rjclaudio, TXi-
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vedo, Alexbot, Ruy Pugliesi, SilvonenBot, Pietro Roveri, CarsracBot, Sergicunha, ChristianH, SantosBF, ThrasherÜbermensch, Luckas-
bot, Salebot, ArthurBot, Xqbot, Rubinbot, MisterSanderson, Nicolaevsky, Alch Bot, TjBot, Viniciusmc, Defender, EmausBot, ZéroBot,
Mmathias, LucasYahn, Stuckkey, WikitanvirBot, Colaborador Z, MerlIwBot, Antero de Quintal, Camponês Voador, Vagobot, DARIO SE-
VERI, Zoldyick, Jml3, Folifla, Makecat-bot, Leon saudanha, Rotlink, Legobot, PaulaMHV, Douglasmmsoares, Liziane Gabriel, Ixocactus,
Feenegreiros e Anónimo: 51

5.2 Imagens
• Ficheiro:Ancestors_2.gif Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/0c/Ancestors_2.gif Licença: GFDL Contribuido-
res: Obra do próprio Artista original: Michelet- (<a href='//commons.wikimedia.org/wiki/User_talk:Micheletb' title='User talk:
Micheletb'>talk</a>)
• Ficheiro:Archaeopteryx_lithographica_paris.JPG Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/45/Archaeopteryx_
lithographica_paris.JPG Licença: Public domain Contribuidores: took the foto on the “Muséum national d'Histoire naturelle, Paris” Artista
original: LadyofHats
• Ficheiro:Books-aj.svg_aj_ashton_01.png Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c2/Books-aj.svg_aj_ashton_01.
png Licença: CC0 Contribuidores: ? Artista original: ?
• Ficheiro:Charles_Darwin_aged_51.jpg Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/42/Charles_Darwin_aged_51.jpg
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• Ficheiro:Cquote1.svg Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/4d/Cquote1.svg Licença: Public domain Contribuido-
res: ? Artista original: ?
• Ficheiro:Cquote2.svg Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/1a/Cquote2.svg Licença: Public domain Contribuidores:
? Artista original: ?
• Ficheiro:Darlingtonia_californica.jpg Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/06/Darlingtonia_californica.jpg Li-
cença: CC-BY-SA-3.0 Contribuidores: ? Artista original: ?
• Ficheiro:Darwin’{}s_finches.jpeg Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/97/Darwin%27s_finches.jpeg Licença:
Public domain Contribuidores: From “Voyage of the Beagle” as found on [1] and [2] Artista original: John Gould (14.Sep.1804 - 3.Feb.1881)
• Ficheiro:Darwin.jpg Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d2/Darwin.jpg Licença: Public domain Contribuidores:
? Artista original: ?
• Ficheiro:Darwin_divergence.jpg Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/45/Darwin_divergence.jpg Licença: Public
domain Contribuidores: Ch. Darwin On the Origin of Species... Artista original: Charles Darwin, digital picture taken by Alexei Kouprianov
• Ficheiro:Darwin_pigeon_skulls.jpg Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/0b/Darwin_pigeon_skulls.jpg Licença:
Public domain Contribuidores: Darwin, Charles (1883) [1868] "Pigeons" in The Variation of Plants and Animals Under Domestication
(PDF), vol. 1 (Second editon, revised ed.), Nova Iorque: D. Appleton & Co, pp. p. 172 Retrieved on 15 de junho de 2009. Artista original:
Charles Darwin and Francis Darwin
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5.3 Licença 15

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Europe,<span>,&,</span>,action=edit,<span>,&,</span>,redlink=1' class='new' title='Category:John Gould:The Birds of Eu-
rope (página não existe)'>John Gould: The Birds of Europe</a>, vol. 4 pl. 3, <a data-x-rel='nofollow' class='external text'
href='http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b23000047/f3/'>Bibliothèque nationale de France</a> Artista original: Drawn from Nature and
on Stone by John and Elizabeth Gould.
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Artista original: John Linnell
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