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Imperialismo

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Imperialismo, neopentecostais e sionistas: a que se remete e a

quem serve essa unidade?

Post on: 24 de fevereiro de 2019 

 Ideias de Esquerda  

Ilustração: Juan Chirioca

Por Simone Ishibashi

No fundo da tela, vê-se nitidamente uma grande bandeira de Israel,


enquanto a ministra Damares Regina, pastora da Igreja Batista da
Lagoinha,, proferia a sua sentença sobre quais cores meninos e meninas
deveriam vestir, uma das declarações que a tornou célebre. Na cerimônia
de posse de Bolsonaro, era comum ver pessoas enroladas nas bandeiras
de Israel e dos Estados Unidos ao mesmo tempo em que saudavam “Brasil
acima de tudo” – sem qualquer autoironia, infelizmente. Nas igrejas
evangélicas, tem sido cada vez mais comum ver os símbolos judaicos, e na
política, após a ascensão do governo reacionário atual, a defesa dos
interesses do Estado de Israel.

A defesa de tudo o que o Estado de Israel quer passou ser a marca da


agenda do governo atual. Uma das primeiras medidas em política externa
anunciadas por Bolsonaro, ao lado da eterna vociferação e atual posição
provocativa em relação à Venezuela, foi o anúncio de transferência da
embaixada brasileira para Jerusalém. Depois, mostrando os laços de
amizade com o atual governo, o exército israelense veio ao país em uma
midiática missão logo nos primeiros dias após o crime capitalista da Vale
em Brumadinho. Estavam munidos de seus equipamentos de alta

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tecnologia capazes de captar calor, que de nada serviram. Os corpos das
vítimas da Vale já estavam frios.

Que Bolsonaro quer colocar o país cada vez mais à mercê do imperialismo
estadunidense não é segredo para ninguém. Israel, enclave imperialista no
coração do Oriente Médio, surge assim como mais um amo ao qual o
atual governo brasileiro quer prestar loas. No entanto, existem também
motivações internas que estão relacionadas com a proximidade cada vez
maior entre neopentecostais e sionistas, como se expressou de forma
patente no pequeno teatro de Damares, cujas cenas descrevemos acima.

Marx afirmava que a “religião é apenas um sol fictício que se desloca em


torno do homem enquanto este não se move em torno de si mesmo”
(MARX, s/p). Tal ficção tem fornecido motivações religiosas para legitimar
intenções políticas, como ocorre na história. O uso da escatologia sionista
pelos pentecostais  e neopentecostais tem servido como instrumento
para legitimar junto a um setor cada vez mais expressivo de fiéis
interesses caros à geopolítica imperialista. Isso não é novo e teve origem
no próprio imperialismo norte-americano. Retomaremos aqui breves
elementos sobre como a ligação entre sionistas e cristãos
dispencionalistas, que influenciaram os evangélicos no país.

A proliferação e perfil das igrejas evangélicas no Brasil  

A importância das igrejas neopentecostais, pentecostais e dos evangélicos


em geral tem se elevado ao ponto de se constituírem como um dos
poderes de fato no sentido gramsciano, atuando na política do país, e se
instalado em parte expressiva da classe trabalhadora. A vitória de
Bolsonaro, que é da igreja Batista, não teria se dado da mesma forma sem
a atuação da bancada evangélica não apenas no parlamento, mas antes de
tudo com a ação das igrejas como verdadeiros comitês eleitorais.

Os comumente denominados como evangélicos são parte da religião que


mais cresce no país. Em censo do IBGE de 2010, um em cada cinco
brasileiros se identificava como evangélico, o que totalizava a quase dez
anos 38.146.539 pessoas. Já em 2017, de acordo com o Datafolha, três
em cada dez (29%) brasileiros com 16 anos ou mais se declaram
evangélicos, “dividindo-se entre aqueles que podem ser classificados
como evangélicos pentecostais (22%), em maior número e frequentadores
de igrejas como Assembleia de Deus, Universal do Reino de Deus,
Congregação Cristã e Quadrangular do Reino de Deus, e 7%, como
evangélicos não pentecostais, pertencentes a igrejas como Batista,
Presbiteriana e Metodista, entre outras. Haveria hoje cerca de 1.000
denominações de igrejas consideradas evangélicas.

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A parcela com renda familiar mensal de até 2 salários mínimos representa
53% dos evangélicos, ante 49% entre os brasileiros. Uma fatia de 33%
tem renda entre 2 e 5 salários (no Brasil, 36%), e 9% obtém mais do que 5
salários (na população, são 10%). Dos que se declaram evangélicos, 34%
pertencem atualmente à Assembleia de Deus, e num patamar abaixo
aparecem, na sequência, Igreja Batista (11%), Universal do Reino de Deus
(8%), Congregação Cristã no Brasil (6%), Quadrangular (5%), Deus é Amor
(3%), Adventista (3%), Presbiteriana (2%), Internacional da Graça de Deus
(2%), Mundial do Poder de Deus (2%), entre outras menos citadas.

As igrejas evangélicas cresceram compartilhando ideologicamente o


discurso de que não haveria nenhum valor redentor na pobreza. Muito
pelo contrário: o que prima é a noção de que enriquecer é o sinal de que
o pastor é um excelente fiel e foi agraciado; por isso não há
questionamento por parte dos fiéis sobre o enriquecimento absurdo dos
fundadores, como Edir Macedo ou Silas Malafaia, pois não seria amoral
que eles ganhassem “a graça divina da riqueza” mesmo com dízimos
arrancados de desempregados, trabalhadores precários, etc. De acordo
com o perfil elaborado pelo Datafolha, 28% dos evangélicos, “as pessoas
pobres, em geral, não têm fé em Deus, e por isso não conseguem sair
dessa situação”, sendo que 20% deles concordam totalmente com essa
afirmação, e 8%, em parte. Ademais do dízimo, criou-se um mercado
religioso que conta com uma indústria cultural gospel, que só em 2015
ganhou cerca de R$ 21 bilhões. Dessa maneira, os pastores das grandes
congregações detêm empresas, investimentos e negócios que não ficam
detrás de CEOs de diversas corporações.

Mas um aspecto importante a ser ressaltado é a diferença entre


conservadorismo, que abarca a maioria dos evangélicos em graus
diferentes entre si com alas mais tolerantes, e o extremismo, que é o
elemento que tem se elevado, sobretudo entre as matrizes
neopentecostais que buscam conformação de um Estado cristão. Assim,
por se tratar de um contingente enorme da população brasileira, e da
classe trabalhadora, deve-se considerar que há uma série de
posicionamentos distintos. Uma demonstração disso é a distinção entre a
posição contrária da maioria da população brasileira, da qual fazem parte
os evangélicos, sobre a reforma da previdência. Assim, mesmo a unidade
entre a bancada evangélica e sua base pode ser quebrada diante de
ataques profundos como essa medida.

Consenso de Washington e o cristianismo sionista

Mas a relação entre política imperialista, correntes evangélicas e sionismo


nasce nos Estados Unidos, e é exportada para o Brasil. Para apreender

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alguns elementos de modo a lançar luzes sobre essa relação, é preciso
retomar aspectos contidos no movimento de organizações de cristãos
pré-milenistas nos Estados Unidos, onde se deu a unidade entre esses
setores e parte do movimento sionista político e religioso. Tais correntes
cristãs são conhecidas como dispencionalistas, tem como marca uma
escatologia marcada pela “distinção entre Israel e a Igreja, o
arrebatamento pré-tribulacionista, o retorno dos judeus para a Palestina,
a reconstrução do templo, a ascensão do Anticristo, os sete anos da
Grande Tribulação, a salvação nacional dos judeus, o retorno de Cristo
para Jerusalém e o reino de mil anos de Cristo na terra”. (WILKINSON, p.
13). Assim, a própria fundação do Estado de Israel em 1948 foi encarada
por esses setores como parte do cumprimento de profecias contidas em
sua escatologia, que já defendia a fundação de um Estado judeu na
Palestina pelo menos desde o fim do século XIX, quando William
Blackstone, um teólogo dispencionalista impulsionou um abaixo-assinado
em 1891 endereçado ao presidente norte-americano, Benjamin Harrison,
defendendo a imigração de judeus à Palestina. Após a Guerra dos Seis
Dias em 1967 os cristãos dispensacionalistas passaram a assumir para si
de maneira ainda mais evidente a defesa política do Estado de Israel e sua
agenda (REINKE, p. 76).  Desde então, se fortalece o lobby cristão-judaico
no interior dos Estados Unidos para eleger membros alinhados com suas
crenças, que traduzidas em política externa levaria ao realinhamento da
aliança entre o governo estadunidense e Israel, tendo seu ponto
culminante coincidido com a escalada neoliberal e o Consenso de
Washington. Durante o governo de Ronald Reagan, portanto, junto com o
auge dos ataques neoliberais contra os trabalhadores, os
dispensacionalistas encontraram uma via de acesso mais direta ao poder.
Cabe lembrar, inclusive, que Reagan por mais de uma ocasião usou a
retórica religiosa para realizar a ofensiva neoliberal ao longo de sua
campanha presidencial de 1980, mencionando que poderia fazer parte da
geração que veria o Armagedom.

É nesse momento que o apoio aberto a Israel e a questão da embaixada


em Jerusalém se transforma em parte da agenda protestante, junto com a
ofensiva neoliberal. No ano de 1980, o parlamento israelense declarou
Jerusalém como capital de Israel. Mas a resposta da maioria dos países foi
a negativa em seguir a votação do parlamento israelense de transferência
das embaixadas para Tel Aviv, seguindo a Resolução 478 do Conselho de
Segurança das Nações Unidas, não vinculativa, votada com abstenção dos
Estados Unidos.

No entanto, isso não reverteu as intenções dos dispencionalistas em


apoiar a transferência das embaixadas para Jerusalém. Também no ano de
1980, no dia 30 de setembro, foi fundada a Embaixada Cristã

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Internacional em Jerusalém, com o intuito de seguir promovendo o lobby
sobre a questão. Desde então, várias organizações protestantes e
pentecostais e contrárias às demandas palestinas foram criadas para
defender os sionistas e a ida da embaixada dos EUA para Jerusalém ao
longo do final das últimas décadas. Dentre elas, podemos destacar a Unity
Coalition for Israel (Unidade de Coalizão por Israel) fundada em 1991, que
é um dos lobbies judaico-cristãos mais ativos,  Christian Friends of Israeli
Communities  (Amigos cristãos da Comunidade de Israela) fundada em
1995 e ligada a cerca de 40 igrejas estadunidenses, que apoiou a
expansão colonial israelense em territórios palestinos, levando para lá
mais de 220 mil judeus, a Christians for Israel (Cristãos por Israel) de 1979,
que publica artigos contrários à causa palestina, e a mais  recente e uma
das mais beligerantes Christians United for Israel (Cristãos Unidos por
Israel) fundada em 2006, que se autodefine como a maior congregação
pró-israelense dos EUA, e diz defender uma estratégia inspirada nas
forças militares de Israel para combater aqueles que consideram
oponentes de sua causa, como os palestinos e todos os povos árabes
oprimidos pela existência do Estado de Israel na região.

Desde então, a relação dos governos imperialistas estadunidenses com


essas organizações foi variada. O presidente George Bush foi
notoriamente próximo a esses setores e manteve uma política de
colaboração aberta em relação a Israel. Bill Clinton seguiu uma agenda de
apoio menos ruidoso, mas George Walker Bush retomou fortemente o
patrocínio às organizações protestantes pró-Israel. Já no governo de
Barack Obama, o apoio aberto foi menos evidente, porém as ações frente
à Síria e os conflitos regionais favoreceram Israel. Mas com o
presbiteriano Donald John Trump as relações americano-israelenses
retomaram sua proximidade histórica, como demonstra a recente retirada
norte-americana da UNESCO em apoio a Israel, e a consequente defesa
dessa mesma ação por parte do recentemente eleito governo brasileiro
de Bolsonaro, algo que na presente conjuntura anuncia uma renovada
autorização para o Estado de Israel seguir assassinando, oprimindo e
prendendo palestinos.

Breve conclusão

A formação das diferentes vertentes dos evangélicos no Brasil foi


diretamente influída pelas correntes norte-americanas. Assim, a adoção
da agenda defendida pelos dispencionalistas estadunidenses encaixa
perfeitamente no duplo movimento que o governo reacionário de
Bolsonaro procura fazer. Enquanto busca submeter o país ainda mais aos
Estados Unidos, em meio às renovadas tensões no sistema internacional
que envolvem diretamente o terreno latino-americano com a crise

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venezuelana, tenta ao mesmo tempo atender a sua base constituída pela
“bancada evangélica” que congrega 91 parlamentares, num aspecto
escatológico, enquanto prepara enormes ataques às condições de vida da
base dos trabalhadores frequentadores dessas igrejas. Ainda não
podemos prever até onde essa concatenação de interesses levará a uma
mudança concreta da agenda de política externa do Brasil. Mas os
elementos que antecipa sugerem que se acelera uma situação de crise, na
qual a instrumentalização de elementos da crença cristã sionista está a
serviço de garantir interesses totalmente alheios aos dos trabalhadores e
do povo, isto é, interesses imperialistas, opressores, como os palestinos
bem o sabem, e que se reverterão em mais crise e ataques em nosso país.
Desvendar essa ligação é, portanto, uma tarefa fundamental.

Referências

FIORI, José L. Geopolítica internacional: a nova estratégia imperial dos


Estados Unidos. Rio de Janeiro,  v. 42, n. especial 3, p. 10-17, novembro
2018.

MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. 1843. Disponível em


< https://www.marxists.org/portugues/marx/1844/critica/index.htm>.
Acesso em: 20.fev.2019

REINKE, André Daniel. O sionismo cristão e sua influência na cultura


protestante brasileira.  Disponível em
< http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:it-
j1B9nOrsJ:dspace.est.edu.br:8080/jspui/bitstream/BR-
SlFE/900/1/reinke_ad_tm343.pdf+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>.
Acesso em 20.fev.2019

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