Apostila Introdução Aos Estudos Literários 1
Apostila Introdução Aos Estudos Literários 1
Apostila Introdução Aos Estudos Literários 1
GUARULHOS – SP
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 4
2 O QUE É LITERATURA?....................................................................................... 5
5.2 O que diferencia a leitura da literatura da leitura de outros tipos de texto? ....... 36
2
8.1 Autor, narrador e narratário ............................................................................... 56
3
1 INTRODUÇÃO
Prezado aluno!
4
2 O QUE É LITERATURA?
A literatura (do latim littera, que significa “letra”) é uma das manifestações
artísticas do ser humano, ao lado da música, dança, teatro, escultura, arquitetura, dentre
outras. Ela representa comunicação, linguagem e criatividade, sendo considerada a arte
das palavras.
Trata-se, portanto, de uma manifestação artística, em prosa ou verso, muito antiga
que utiliza das palavras para criar arte, ou seja, a matéria prima da literatura são as
palavras, tal qual as tintas é a matéria prima do pintor.
De tal maneira, o conceito de literatura também pode compreender o conjunto de
histórias fictícias inventadas por escritores em determinadas épocas e lugares, sejam
poemas, romances, contos, crônicas, novelas.
Os textos literários possuem uma função muito importante para o ser humano, de
forma que provocam sensações e produzem efeitos estéticos os quais nos fazem
entender melhor nós mesmos, nossas ações bem como a sociedade em que vivemos.
Segundo o crítico literário Afrânio Coutinho:
5
2.1 Função da Literatura
6
Gênero Narrativo: possui um caráter narrativo, ou seja, envolve
narrador, personagens, tempo e espaço, por exemplo, os romances,
contos e novelas.
Gênero Dramático: possui um caráter teatral, ou seja, são textos para
serem encenados, por exemplo, tragédia, comédia e farsa.
(MUNIZ,2019)
Fonte: www.gestaoeducacional.com.br
A literatura é definida como uma expressão artística realizada por meio da palavra,
no entanto, é preciso tomar um cuidado: nem todo texto é considerado literário.
Basta se lembrar que a finalidade da literatura / de obras literárias é entreter o
leitor. Se determinado texto não tiver como fim o entretenimento, ele não será
considerado literário.
7
De modo geral, um texto não literário se caracteriza por ter as seguintes
características de maneira marcante e facilmente identificáveis:
Texto literário
“QUADRILHA
8
Texto não literário
INFORMAÇÕES AO PACIENTE
Fonte: www.textoinstructivosextobasico.com.br
9
3 A LINGUAGEM LITERÁRIA
Dado ser impossível captar a realidade por via direta, só resta conhecê-
la por meio de um sinal que a represente, não como tal, visto ser impossível, mas
como pode ser expressa, ou seja, enquanto se submete à expressão: assim,
conhecemos a representação da realidade, não ela própria. Mas fazê-lo implica
“mentir”, “fingir” a realidade que se mostra, de modo que a realidade espelhada
na representação não é a que se deseja conhecer, mas como aparece na mente
10
do artista; ou seja, como se reflete na sua imaginação. Daí a concluir que
Literatura é ficção, ou imaginação.
“Mentir” e “fingir” aqui não são empregados em sentido pejorativo, mas com o
propósito de mostrar que a literatura não é a realidade, e sim uma representação
(metafórica, multissignificativa, subjetiva) desta, que se vale das potencialidades da
linguagem para produzir novos sentidos. Tal conceito está ancorado na ideia aristotélica
de mimese, ou seja, a arte literária como imitação da realidade, com meios próprios
(linguagem) e também como possibilidade, como imaginação daquilo que poderia
acontecer. Nesse sentido, toda imitação é criação, não cópia.
Outro ponto que você deve considerar em relação à constituição da literatura é
seu caráter de fruição, ou seja, seu componente lúdico, sua capacidade de seduzir o
leitor, de dar-lhe prazer, de fazê-lo experimentar outras situações, esquecendo-se, muitas
vezes, da realidade. Isso não significa, de modo algum, que a literatura aliena. Pelo
contrário, é também por meio da experiência de leitura que o homem descobre a si
mesmo, o mundo e a sua relação com ele. Nesse processo, o texto literário assume uma
função essencial, de redimensionamento da realidade, de valores, de organizações
sociais, levando o leitor, inclusive, a posicionar-se criticamente. (Flach, 2018).
3.1 Literariedade
Para compreender o que é um texto literário, ou seja, o que o distingue dos demais
tipos de linguagem, é interessante retomar o conceito de literariedade. Como você já viu,
diante de um objeto de estudo tão amplo e diversos quanto a literatura, não se pode
atribuir a um aspecto único (pontual e concretamente expresso) o ser literário. Trata-se,
portanto, de um conjunto de características, expressas com mais ou menos evidência na
constituição do texto literário.
O termo literariedade é bastante amplo e parece dar conta da necessidade teórica
de se estabelecer um objeto de estudo. Ele surgiu entre os formalistas russos, mais
11
especificamente referido por Roman Jakobson, em 1919. O termo surge pela
necessidade de se analisar a literatura por meio da identificação de seus traços poéticos.
Isso não significa que os traços definidores da literariedade sejam os mesmos para todos
os textos, nem que não mudem ao longo do tempo. Pelo contrário, é justamente a ampla
variabilidade inventiva e as várias formas de expressão que tornam possível pensar a
literatura como um objeto de análise tão singular. Para compreender um pouco mais
sobre os traços que podem constituir a literariedade e como a compreensão desse
conceito variou ao longo da história, considere os dois textos reproduzidos a seguir.
Texto 1
Com os descobrimentos, a Nação vai tornar-se consumidora de bens produzidos
fora dela, ou da riqueza que através desses bens consegue. Isso explica que o início do
período das grandes navegações coincida com o termo do período das guerras civis. A
expansão passa a constituir desde então uma espécie de grande projeto nacional, ao
qual todos aderem porque todos esperam vir a ganhar com ele. E explica também que a
política de expansão ultramarina tenha repercutido tão profundamente sobre tantos
aspectos da vida portuguesa (SARAIVA, 1979, p. 132-133).
Texto 2
MAR PORTUGUÊS Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram, quantos filhos em vão rezaram! Quantas
noivas ficaram por casar para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena
se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da
dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deram, Mas nele é que espelhou o céu (PESSOA,
2008, p. 82).
12
é escrito por ele pertence ao campo da literatura. O título das obras das quais os textos
foram retirados também já dá pistas de quais são seus enquadramentos.
No entanto, do ponto de vista teórico, as distinções são mais complexas,
envolvendo uma observação mais atenta. O Texto 1 possui uma linguagem referencial,
ou seja, visa a apresentar um fato, descrever uma situação com a maior especificidade
possível, sendo, portanto, um texto informativo, não ficcional. O Texto 2, busca
representar as impressões e sensações decorrentes da percepção artística acerca do
mesmo fato descrito pelo Texto 1. Pode-se afirmar que há, entre ambos, propósitos
distintos e, portanto, ações diferentes entre seus autores.
No caso do texto de história, para que seja validado como tal, deve haver uma
correspondência clara entre o que é dito e a realidade. Qualquer “invenção” ou “exagero”,
nesse caso, tornaria autor e obra desacreditados, um grande problema para a história, o
que não significa que um texto histórico não esteja sujeito a mais de uma interpretação
ou a equívocos em relação a fatos e narrativas. O historiador, em seu compromisso com
a verdade, busca evitar ao máximo esse tipo de ocorrência.
Fernando Pessoa (2008), por sua vez, na condição de poeta, ao compor o verso
“Por te cruzarmos, quantas mães choraram”, não precisa apresentar provas de que isso,
de fato, aconteceu. No entanto, o leitor percebe a legitimidade disso, na medida em que
aceita a ideia da separação como uma fonte de saudade. O mar, no poema, adquire
múltiplas significações, sendo, ao mesmo tempo, motivo de dor (composto de lágrimas,
abismo, perigo) e glória (“Mas nele é que espelhou o céu”). A partir da leitura, você pode
notar certa contradição entre a grandeza do mar e do futuro de Portugal ao desbravá-lo,
por um lado, e a dor da separação que essa audácia implica, por outro.
Ou seja, o texto de Pessoa é um modo poético de expressar a ideia do historiador
José Saraiva (1979) de que a conquista marítima “[...] tenha repercutido tão
profundamente sobre tantos aspectos da vida portuguesa”. Sob outro enfoque, o Texto 1
refere-se a uma realidade estanque, concreta, a um período específico da história. Já o
Texto 2, justamente por sua literariedade, não se encerra em si mesmo, nem se fixa em
um ponto específico. Para confirmar isso, basta você lembrar-se de quantas vezes leu
ou ouviu a expressão “Tudo vale a pena se a alma não é pequena” aplicada a diversos
contextos de comunicação. Inclusive, é possível ouvir esse trecho num contexto
13
qualquer, sem qualquer referência ao seu autor ou ao contexto português no qual o
poema se insere. Isso explicita outros dois aspectos da linguagem literária: sua
atemporalidade e sua universalidade. Ao contrário da linguagem cotidiana, de emprego
puramente comunicativo (como no caso de um texto de história), a linguagem literária
possui significação aberta, adapta-se, recebe novos sentidos, estimula reações e usos
até mesmo nem pensados por seu criador.
O poeta e crítico mexicano Octavio Paz (2012a, p. 46) afirma que “[...] a criação
literária tem início como violência sobre a linguagem”, na medida em que há o “[...]
desarraigamento das palavras”. Ou seja, a palavra literária, por ser empregada em
sentidos e formas diferentes daqueles convencionais, provoca, causa estranheza,
desperta admiração, choca. Daí que essa “violência” esteja associada à ideia de “desvio”,
de quebra de expectativas.
Quanto mais esses aspectos de ruptura chamam a atenção, mais perceptível é o
trabalho de criação e o efeito estético da obra. Essa ideia inicia com os formalistas, para
quem a literatura envolveria traços diferenciais entre um discurso e outro. Portanto, não
seria uma característica perene ou inerente, como explica Terry Eagleton (2006).
A intenção dos formalistas, por essa razão, não era definir “literatura”, mas
“literaturidade” (ou “literariedade”), “os usos especiais da linguagem, que não apenas
podiam ser encontrados em textos ‘literários’, mas também em muitas outras
circunstâncias exteriores a ele” (EAGLETON, 2006, p. 20). O problema disso, para
sustentar uma definição estável de literatura, é que essas características especiais (por
exemplo, o uso de figuras de linguagem, como metáforas) também podem ser
encontradas em outros textos não literários, como a fala cotidiana.
Mesmo assim, para os formalistas, a “essência” do literário era sua estranheza,
ou seja, o impacto que causa no leitor. Mais uma vez, porém, outros tipos de escritas
também poderiam ser considerados “estranhas”, e nem por isso seriam percebidas como
literárias. Ainda assim, um dos elementos que permanece como característica do literário
é o predomínio da linguagem conotativa em oposição à linguagem denotativa, que
caracteriza a linguagem comunicativa. No caso desta última, há um vínculo maior entre
o que está sendo dito/escrito e a realidade.
14
Já na linguagem conotativa predomina a representação da realidade, implícita,
figurativa, interferindo, de certa forma, no sentido denotativo. Como exemplo, considere
a palavra “mar”. No poema de Fernando Pessoa indicado previamente, a palavra faz
referência a um significado conhecido por todos (sentido denotativo): uma extensão de
águas salgadas. No entanto, vai além dele. O “mar” de Pessoa é “humanizado”, o eu
lírico dialoga com ele, faz perguntas, o que coloca essa palavra em um plano de
significação para além do seu sentido geográfico. Assim, o mar passa a envolver o
mistério, a grandiosidade, o abismo. O sentido conotativo do texto requer que o leitor
recorra a conhecimentos que estão além do domínio da estrutura da língua.
Envolve questões culturais, míticas, filosóficas, entre outras. Assim, o texto literário
torna-se atemporal na medida em que é sempre ressignificado no tempo (um mesmo
leitor pode ler um texto em momentos diferentes de sua vida e construir sentidos diversos,
assim como leitores diferentes em momentos diferentes). O texto literário também visa
ao universal, já que os temas e a linguagem são comuns a várias culturas. Pense em
como os temas amor, viagem e guerra são tratados na literatura mundial desde os tempos
mais remotos.
São assuntos prontamente reconhecíveis, que impactam diretamente o leitor, em
qualquer lugar ou época, ainda que constantemente recriados pela linguagem. Daí aquilo
que Ezra Pound (2006, p. 33) infere: “Literatura é novidade que permanece novidade”.
Você deve, ainda, considerar a ficcionalidade e a verossimilhança. Na medida em que a
literatura é representação, figuração, é produto de uma imaginação (ficção). Por mais que
um romance, por exemplo, seja histórico, não se pode exigir dele “verdade”, fidelidade
aos fatos, e sim uma equivalência da verdade, a verossimilhança. Por verossimilhança
entende-se a impressão que o texto passa de poder ser verdade, pode acontecer, mesmo
que a história seja fantástica ou sobrenatural.
O texto literário requer uma coerência interna. Ou seja, a pertinência e a
consistência do texto seguem a lógica da imaginação proposta pelo autor. Assim é que,
como leitor, você aceita que um homem seja transformado em inseto, como Gregor
Samsa, em A metamorfose, de Kafka. Afinal, pela lógica interna do texto, você entende
como isso se dá. Sobre essas questões, no entanto, também há questionamentos.
Mesmo os textos históricos partem também de pontos de vista, ainda que possam ser a
15
reunião de muitos pontos de vista convergentes, e sua “verdade” pode ser contestada.
(Flach, 2018).
Além disso, há textos que não necessariamente nasceram como literatura, mas
foram assim considerados posteriormente (como é o caso de “Os sertões”, de Euclides
da Cunha, identificado também como jornalismo literário). Na literatura, de qualquer
modo, exaltam-se a liberdade de expressão e a criatividade do autor em ressignificar e
reestruturar a linguagem referencial, dando forma à linguagem literária. Por conta dessa
liberdade e dessa criatividade, há certa dificuldade para se descrever o texto literário ou
para se prescrever como fazê-lo, já que os limites de criação inexistem. Logo, as
expressões literárias são incontáveis.
O poeta pode ou não se valer das convenções e buscar ressignificá-las, reordená-
las. Na tentativa de classificar ou descrever esses muitos modos de literatura, pense em
quantos estilos literários há, agrupados conforme o tema ou o público leitor (literatura
infantil, gótica, de aventura), ou conforme a época (medieval, barroca, romântica). Mesmo
se você considerar apenas uma dessas subcategorias, há diferentes usos da linguagem.
Considerando todas as características apontadas acima, é possível perceber que
nem sempre todas estão presentes em todas as obras literárias. Há obras que nascem
como literatura, e outras que apenas se tornam literatura depois de um tempo. Há obras
que visam o belo e outras que são consideradas “marginais”. Há um uso especial da
linguagem literária, mas outras linguagens podem por vezes utilizar os mesmos recursos.
Assim, a identificação de um texto como literatura depende também do modo como
alguém o lê, e do valor que lhe é dado. Podemos concluir disto que a literariedade como
conceito passou por transformações ao longo da história. Para Antônio Candido, por
exemplo, na Formação da literatura brasileira, a literatura é um sistema, ou seja, a
literariedade também não dependerá de fatores imanentes à obra, mas sim de sua
relação com a sociedade, partindo de uma tradição e gerando um público leitor.
Nesse sentido, o sistema literário seria constituído por autor, obra e público.
Qualquer desses aspectos que faltasse não geraria um sistema, mas sim apenas uma
manifestação literária. Houve respostas a essa teoria, como a de Haroldo de Campos,
em O sequestro do Barroco na formação da literatura brasileira, em que o autor
argumenta contra a noção de história defendida por Candido e discute a importância do
16
Barroco para a literatura brasileira, que teria sido excluído do cânone nacional a partir da
teorização de Candido.
Recentemente, estudiosos como Terry Eagleton (2006) chamam atenção para o
fato de que, na seleção de um conjunto de obras consideradas literárias, entra em jogo
também juízos de valor e ideologias. Antoine Compagnon, em Literatura para quê? Por
exemplo, assim define o conceito de literariedade: “qualidade da forma que estabelece a
literatura como literatura mais que a função cognitiva, ética, pública da literatura” (2009,
p. 24). Assim, reafirma que a forma é fundamental na composição do literário, mas
também aponta que essa arte está além de outras funções, como a cognitiva ou a ética,
talvez justamente por ser poética.
Ela não se limita, portanto, a uma só função ou definição, mas é uma combinação
de fatores e escolhas. Tudo o que você viu até aqui converge para a conclusão de que a
literatura reúne elementos diversos e não um grupo homogêneo de características
definitivas. Porém, apesar desses traços serem variáveis, é importante descrevê-los e,
mais ainda, discuti-los e questiona-los. A seguir, você vai ver que há diferenças em
relação ao modo como os textos são organizados e aos seus efeitos. Em especial, notam-
se caminhos específicos para a poesia e para a prosa.
Fonte: www.youtube.com.br
17
3.2 Linguagem literária — poesia e prosa
Poesia
Ainda que não seja regra, na poesia, tem-se uma linguagem mais “aberta”, ou seja,
mais sugestiva. A própria organização em versos leva a isso. Na prosa, por outro lado,
inclusive pela extensão do texto, as ideias são construídas de modo mais detalhado. Na
poesia, de modo geral, o aspecto estético e visual, o ritmo e os recursos sonoros são
mais evidentes.
Já na prosa essa disposição das palavras e dos sons para fins de apreciação por
si só pode ser secundária ou até dispensável, conforme o estilo. Como você já viu, em
textos mais modernos, essas características específicas tendem a se mesclar. Em textos
mais clássicos, as distinções entre prosa e poesia são mais evidentes. Nota-se, por
exemplo, a organização do texto poético em estrofes, a preocupação intensa com o ritmo,
18
com o tamanho do verso, com a rigidez formal. No poema a seguir, de Alberto de Oliveira,
é clara a preocupação do poeta com a métrica, a rima e o emprego do soneto: forma
clássica de composição poética.
Horas mortas
Breve momento após comprido dia
De incômodos, de penas, de cansaço
Inda o corpo a sentir quebrado e lasso
Posso a ti me entregar, doce Poesia.
Além de ser possível, pela leitura, imaginar o espaço, a casa, percebe-se, ainda,
o cansaço do eu lírico, a expectativa do repouso e da escrita. A Poesia (personificada,
escrita em letra maiúscula) remete a uma ausência, a uma saudade, a alguém que o eu
lírico não esquece. O próprio título apresenta uma simbologia interessante, tanto se
referindo à noite (horas mortas), ao final do dia, quanto a um estado de espírito de
desistência, de inutilidade, de desperdício. O poema constrói-se, então, a partir de vários
19
sentidos. Retomando a ideia da circularidade, proposta por Octavio Paz, você pode
perceber que o poema se volta para si mesmo, ou seja, centra-se na figura do “eu” e em
sua percepção sobre a vida, no seu modo particular de sentir e representar.
O poema parte de uma descrição mais concreta (fim do dia, descanso, casa) e
avança até um sentido mais aberto, remetendo a uma grande possibilidade de
interpretações (“Um verso, um pensamento, uma saudade”). (OLIVEIRA, 1967).
No caso da prosa, com seu caráter progressivo, que avança, como afirma Octavio
Paz, outros aspectos são mobilizados. A prosa de ficção está relacionada à narrativa.
Romance, conto e novela são alguns exemplos da ficção em prosa, distintos entre si
conforme a extensão e a ênfase dada a um ou mais episódios narrativos. Em comum, há
o fato de que, diferentemente do que ocorre na poesia, focada nas percepções do eu
lírico, tem-se, na prosa, a presença de um narrador. Esta é uma instância que organiza
o discurso literário a partir de um ponto de vista, que pode ser mais ou menos pessoal,
conforme o tipo de narrador (primeira pessoa, terceira pessoa). O texto narrativo parte
de uma situação-problema.
Em torno dela se desenvolve a história, pela ação de personagens e pela
progressão no tempo e no espaço. A ênfase do texto em prosa não é na sonoridade das
frases ou mesmo na sugestão de ideias: é na apresentação de um caso por meio de
narrativa e descrição. Nesse sentido, a verossimilhança adquire importância maior do
que na poesia. É necessário ter maior atenção à coerência interna do texto. O conto a
seguir, de Moacyr Scliar, exemplifica bem a linguagem do texto em prosa.
Mílton e o concorrente
Mílton ainda não abriu a sua loja, mas o concorrente já abriu a dele; e já está
anunciando, já está vendendo, já está liquidando a preços abaixo do custo. Mílton ainda
está na cama, ao lado da amante, desta mulher ilegítima, que nem bonita é, nem
simpática; o concorrente já está de pé, alerta, atrás do balcão. A esposa fiel companheira
de tantos anos está a seu lado, alerta também. Mílton ainda não fez o desjejum
20
(desjejum? Um cigarro, um copo de vinho, isto é desjejum?) O concorrente já tomou suco
de laranja, já comeu ovo, torrada, queijo, já sorveu uma grande xícara de café com leite.
Já está nutrido. Mílton ainda está nu, o concorrente já se apresenta elegantemente
vestido. Mílton mal abriu os olhos, o concorrente já leu os jornais da manhã, já está a par
das cotações da bolsa e das tendências do mercado. Mílton ainda não disse uma palavra,
o concorrente já falou com clientes, com figurões da política, com o fiscal amigo, com os
fornecedores.
Mílton ainda está no subúrbio; o concorrente, vencendo todos os problemas de
trânsito, já chegou ao centro da cidade, já estar solidamente instalado no seu prédio
próprio. Mílton ainda não sabe se o dia é chuvoso, ou de sol, o concorrente já está
seguramente informado de que vão subir os preços dos artigos de couro. Mílton ainda
não viu os filhos (sem falar da esposa, de quem está separado); o concorrente já criou
as filhas, já as formou em Direito e Química, já as casou, já tem netos. Milton ainda não
começou a viver. O concorrente já está sentindo uma dor no peito, já está caindo sobre
o balcão, já está estertorando, os olhos arregalados, já está morrendo, enfim (SCLIAR,
1979, p. 44-45).
O aspecto que mais se destaca nesse conto é o ritmo. Ao contrário da poesia mais
tradicional (verso, rima, sonoridade), aqui o ritmo (rápido) se dá pelo encadeamento das
ações, pelas frases curtas, pela síntese narrativa e pelo grande número de ações
expresso em um curto espaço de tempo.
A comparação entre as ações de Mílton e do concorrente e a rapidez da narrativa
(ritmo) estão a serviço do sentido do texto: levar a uma reflexão sobre modos de vida e
escolhas, sobre a efemeridade do tempo. Observe a extensão dos dois primeiros
parágrafos (ritmo acelerado) e a extensão dos dois últimos (desaceleração). Ainda que
seja improvável, no mundo real, que alguém (como o narrador) possa saber exatamente
o que duas pessoas fazem no mesmo momento (note a sincronia entre suas ações), no
plano literário isso é verossímil. Ou seja, há uma coerência interna ao texto que possibilita
aceitar o domínio que o narrador tem sobre as personagens. Além disso, o leitor aceita
que aquilo que acontece a uma e outra personagem é crível, poderia acontecer no mundo
real.
21
3.4 Ficção e discurso
22
duas flores vizinhas pelos invólucros ou pelos pecíolos, Mucambés ou Muçambas, planta
medicinal da família das Caparidáceas, e brincando aqui e ali com uma Jurueba, da
família dos Psitacídeos, que vivem em regiões justafluviais, ou seja, à margem dos rios.
Chapeuzinho Vermelho andava, pois, na Floresta, quando lhe aparece um lobo, animal
selvagem carnívoro do gênero cão e... (Um parêntese para os nossos pequenos leitores:
o lobo era, presumivelmente, uma figura inexistente criada pelo cérebro superexcitado
de Chapeuzinho Vermelho. Tendo que andar na floresta sozinha, natural seria que, volta
e meia, sentindo-se indefesa, tivesse alucinações semelhantes.).
Chapeuzinho Vermelho foi detida pelo lobo, que lhe disse: (Outro parêntese; os
animais jamais falaram. Fica explicado aqui que isso é um recurso de fantasia do autor e
que o Lobo encarna os sentimentos cruéis do Homem. Esse princípio animista é
ascentralíssimo e está em todo o folclore universal.) Disse o Lobo: "Onde vais, linda
menina?" Respondeu Chapeuzinho Vermelho: "Vou levar estes doces à minha avozinha
que está doente. Atravessarei dunas, montes, cabos, istmos e outros acidentes
geográficos e deverei chegar lá às treze e trinta e cinco, ou seja, a uma hora e trinta e
cinco minutos da tarde". Ouvindo isso o Lobo saiu correndo, estimulado por desejos
reprimidos (Freud: "Psychopathology Of Everyday Life", The Modern Library Inc. N.Y.).
Chegando na casa da avozinha ele engoliu-a de uma vez o que, segundo o conceito
materialista de Marx indica uma intenção crítica do autor, estando oculta aí a ideia do
capitalismo devorando o proletariado e ficou esperando, deitado na cama, fantasiado com
a roupa da avó (FERNANDES, 1967, p. 31).
Para a compreensão do texto, o leitor recorre ao conhecimento prévio da história
de Chapeuzinho Vermelho. O autor, por sua vez, reforça a trama conhecida a menina na
floresta, a visita à avó, o encontro com o lobo. Porém, no caso da obra de Millôr, tem-se
um desvio desses sentidos morais da fábula conhecida.
E o desvio se dá justamente pela presença de várias vozes além do discurso do
narrador. Aliás, o próprio narrador reproduz a voz “tradicional” do narrador da fábula (“Era
uma vez...”) em associação com um narrador intruso, que comenta o próprio processo
de composição do texto, o que é perceptível por meio do discurso entre parênteses
(“admitindo-se aqui o tempo como uma realidade palpável, estranho, portanto, à fantasia
23
da história”). Além disso, o narrador intruso projeta outros sentidos não diretamente
inferidos (discurso científico, marxismo, teorias freudianas).
Você pode notar também a intertextualidade, aspecto que contribui para a
expressão de múltiplas vozes do texto: fábula de Perrault sobre Chapeuzinho Vermelho,
Freud, Marx. Essas múltiplas vozes também se expressam na percepção de leitores
diferentes (criança, adulto, interessados na fábula, interessados na desconstrução do
discurso fabular): Um parêntese para os nossos pequenos leitores”; “monstruosidade
botânica que consiste na soldadura anômala de duas flores vizinhas pelos invólucros ou
pelos pecíolos”.
A referência ao discurso do provável autor (“indica uma intenção crítica do autor,
estando oculta aí a ideia do capitalismo devorando o proletariado”) também cria a
percepção do outro (autor referencial, nesse caso, já que é o próprio criador). A descrição
das personagens, a interação de Chapeuzinho com o lobo, o modo como as ações são
interpretadas também contrastam com as falas do narrador. As interações entre as
personagens ora se dão em discurso direto (uso do travessão), ora indireto, o que
destaca o caráter “híbrido” do texto. O texto, assim, é formado por várias vozes. Note a
constante referência ao outro (dialogismo), a presentificação do discurso do outro
(intertextualidade, falas das personagens, manifestações do narrador), bem como a
coexistência, sem sobreposição, desses vários discursos (polifonia). O trabalho do leitor
é identificar essas camadas, perceber os desvios que essa construção propõe e apreciar
a novidade dessa criação única. (Flach, 2018).
Fonte: www.enem.com.br
24
4 NATUREZA E FUNÇÕES DA LITERATURA
Hannah Arendt comenta que o interesse que é dado ao artista não se limita ao seu
individualismo subjetivo, mas principalmente ao fato de ser ele, afinal, “o autêntico
produtor daqueles objetos que toda a civilização deixa atrás de si como a quintessência
e o testemunho duradouro do espírito que a animou” (1988, p. 252). A relação entre arte
e literatura passa pela leitura das diversas “imagens” que as compõem.
Segundo Octavio Paz, “La imagen es cifra de La condición humana” (1970, p. 98).
Essa noção apresentada por Octavio Paz nos deixa mais atentos para o que é, o que não
é e o que deveria ser... A arte e a literatura entendida como tal têm esse papel: de
desencontrar o homem para reencontrá-lo consigo mesmo. Imaginemos, com Octavio
Paz, a seguinte frase: “Piedras son plumas” e embarquemos em uma leitura que poderá
fazer com que pensemos de forma diferente sobre as definições que nos cercam.
25
Quem não conhece aquela pergunta capciosa: “O que pesa mais: um quilo de
pedra ou um quilo de penas? ”. A redução ao aspecto científico (quilo) que reduz duas
coisas diferentes a uma mesma instância é algo difícil quando tentamos ver cada coisa
com sua própria característica. Ao dizer que pedras são plumas de maneira mais direta,
sem o atenuante científico, caminhamos na direção de entendermos a realidade de outra
forma. Aqui reside não a utilidade de uma obra de arte, mas o seu valor. (OLIVEIRA,
1967).
Fonte: www.futuroeventos.com.br
26
4.2 Prazer e utilidade
Como vimos anteriormente, a literatura não tem a ver com o prazer por si só nem
com o viés utilitário, mas sim com o valor propiciado a partir de cada experiência reflexiva.
Ficamos muito atrelados ao condicionante imposto socialmente, ou melhor, definido por
leituras que nos antecederam e que comprometem, não raras vezes, nossa própria
possibilidade de ler de outra forma. O termo prazer deve ser lido com cuidado e atenção.
Todas as palavras possuem significados diversos e possibilidades igualmente
diversas. Vamos refletir sobre o seguinte pensamento: “Muitas vezes procurei prazer na
leitura, poucas vezes o encontrei”. Se nós entendermos que o prazer é sempre algo bom,
podemos ser induzidos a pensar que existe alguma coisa errada com a leitura ou com o
leitor. Que algo está errado com o texto ou até mesmo com o contexto. No entanto, se
pensarmos que toda a palavra possui aspectos positivos e negativos e que, se
encararmos o prazer como algo negativo, poderemos ter uma nova possibilidade de
leitura. Assim, não há nada de errado com a leitura ou com o leitor ou com o texto... a
leitura realizada não provocou o prazer como sinônimo de estagnação e limitação tal
como os efeitos entorpecentes de uma droga, mas sim exerceu seu papel mais
importante: ao contrário de estagnação, deu indignação, revolta, angústia, medo,
motivação, não conformismo com aquilo que nos cerca. “Poucas vezes encontrei na
leitura o conformismo e a estagnação que muitos procuram” talvez seja a resposta.
Muitos procuram o prazer pelo prazer, sem se aterem ao fato de que este pode ser o
problema.
Antes de avançarmos, é importante apresentarmos algumas perspectivas
advindas da psicanálise evidenciando sua relação com a arte ou, no mínimo, com as
possibilidades interpretativas que se abrem aos nossos olhos. Na virada do século XX, a
arte rompe, através da pintura, com a organização espacial tradicional, vigente desde o
Renascimento. Com Freud, é o sujeito representado por este olho que perde sua
estabilidade, sua posição central. Pois, após o conceito freudiano de inconsciente, o eu
deixo de ser o senhor de sua própria casa e passa a estar irremediavelmente dividido.
O espelho quebrado, oferecido pela arte e pela psicanálise, reflete apenas um eu
fragmentado (RIVERA, 2005). Essa fragmentação tem a ver com a noção de prazer, não
27
aquele prazer limitador, mas a compreensão deste como elemento impulsionador que
influencia e direciona o indivíduo. O prazer é a realização do desejo. E o desejo, segundo
Freud, é a instância na qual todas as tensões se exprimem. Pelo próprio fato de ficar
inconsciente e, portanto, mais ou menos recalcado, o desejo que não se pode satisfazer
ao nível do real transforma-se em permanente.
Permanece eternamente insatisfeito e exigente como se fosse intemporal.
Continuará indefinidamente a manifestar-se simbolicamente através de um disfarce. O
disfarce protege geralmente o indivíduo contra o perigo da angústia que se
desencadearia se o desejo se manifestasse abertamente. O recalcamento (repressão),
ou mesmo a repulsa, supõe que o desejo é condenado por uma parte do indivíduo e não
pode exprimir-se livremente. O desejo não pode ser verbalizado no diálogo com o outro.
O que interessa mais decisivamente à literatura é a originalidade do desejo humano, dos
interesses culturais que dele advêm e das consequências que podem produzir; o que a
sensibilidade humana pede não é efetivamente a satisfação de uma necessidade, é uma
relação com o outro: um diálogo e um intercâmbio. É a busca do desejo do companheiro
que responda ao desejo do sujeito. A fome, que é uma necessidade, tem como objeto
uma coisa, ao passo que o amor, que é um desejo, tem como objeto o desejo de um
outro.
O amor pede um outro desejo que corresponda ao seu. A diferença entre o desejo
e a necessidade é a tendência e a capacidade do desejo de ser dito a um outro, de ser
recebido por outro, de se exprimir e de se verbalizar. É pelo desejo que o homem acede
à palavra. (Flach, 2018).
Vamos começar pensando sobre os efeitos que podemos exercer sobre os demais
seres e dos efeitos de sentido que podemos lançar mão para dizermos o que ainda é
silêncio. Na originalidade do desejo humano somos capazes de pensar que a literatura é
o silêncio pleno de palavras. O homem se distingue do animal graças à capacidade de
“pensar que está pensando”. Isso o faz um ser sensível. A dor que ele sente é forte não
28
porque sente dor, mas porque sabe que está sentindo dor. O prazer que ele sente é
intenso não porque sente prazer, mas porque sabe que está tendo prazer.
O homem é, portanto, um ser inteligente, criativo e sensível graças à capacidade
de “pensar que está pensando”. E o instrumental que lhe permite isso é a linguagem.
Uma das manifestações da linguagem é a língua escrita. Ao escrever, o ser humano se
insere na matéria, imortalizando o seu pensar e o seu sentir. Escrever é, nesse sentido,
um ato de imortalidade, dado que o indivíduo é hoje o que foi ontem, e será amanhã o
que é hoje. Ao escrever o seu hoje, que amanhã será passado, ele continuará presente.
No entanto, a literatura, por mais difícil que seja aceitar, não se limita à escrita. As
manifestações orais advindas da tradição também fazem parte desse “processo cultural”,
dessa organicidade da qual a literatura é parte.
Mesmo assim, o privilégio da escrita da literatura entendida como essa
manifestação da linguagem por meio do código escrito faz parte do conjunto de valores
ideológicos que perpassam e integram nossa formação individual e coletiva. Nessa
perspectiva, talvez o elemento mais comumente aplicado para se entender o conceito de
literatura esteja calcado na noção de “literariedade”, ou seja, a literatura, segundo Terry
Eagleton, não é a escrita “imaginativa” nem tampouco se limita à distinção entre “fato” e
“ficção”, mas talvez seja “porque emprega a linguagem de forma peculiar” (2006, p. 03).
Essa definição de literário foi apresentada pelos formalistas russos, conforme esclarece
Eagleton:
29
É dessa noção que tiramos a maior parte do nosso referencial de “entrada” no
texto literário. Personagem, narrador, espaço, tempo, temática são alguns dos conceitos
científicos empregados até hoje. No entanto, essa se traduz como uma posição limitada
ao campo da análise da materialidade linguística presente no texto. Há várias outras
possibilidades sempre complementares e a partir dessa materialidade linguística que
colaboram tanto com o entendimento acerca do emprego de determinada forma de
escrita quanto com a compreensão do conteúdo presente nessa obra. Contextos
históricos de produção e de recepção necessitam ser percebidos como continuidade
dessa análise, fundindo-se a ela em uma busca interpretativa. Eagleton encerra a sua
introdução com a seguinte reflexão:
Fonte: www.oficiodescribir.com.br
31
5 LEITURA E LITERATURA
32
A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de
compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu
conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a
linguagem, etc. Não se trata de extrair informação, decodificando letra por letra,
palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de
seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível
proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai
sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de compreensão,
avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto suposições feitas
(BRASIL, 1988, p. 69–70).
Você pode perceber, portanto, a riqueza que é o trabalho com a leitura, que
mobiliza muito mais competências e conhecimentos do que simplesmente os de
decodificar letras, formando palavras. Fica evidente, dessa forma, a importância de se
trabalhar rotineiramente com a leitura em sala de aula.
A leitura pode ocorrer de diferentes formas e modalidades: a leitura realizada pelo
professor para os alunos; a leitura realizada pelos alunos de forma silenciosa ou em voz
alta; a leitura compartilhada; a leitura realizada para apresentar para os colegas. Cada
vez mais, a leitura tem ocupado um local privilegiado nos planejamentos dos professores
e nas aulas, servindo como base para inúmeros tipos de atividades.
Isso porque a leitura pode oferecer inúmeras possibilidades: a leitura para que o
próprio aluno reflita e critique, atribuindo um sentido a ela; para que debata um assunto
junto com os colegas e com o professor; para que releia e compare as conclusões da
primeira leitura com a segunda leitura; ler para ouvir o que os outros têm a dizer sobre o
texto; ler para comparar essa leitura com a leitura de outros textos; ler para apreciar.
(Flach, 2018).
Nesse sentido, é importante que o conceito de fluência leitora esteja claro, visto
que essa é uma das grandes reclamações dos professores: os alunos não leem ou
raramente leem; os alunos não leem com atenção; os alunos não compreendem o que
leem. Para definirmos a fluência leitora, devemos, ainda, discutir a questão do letramento.
Letramento, ao contrário da alfabetização, não pressupõe apenas um sujeito capaz de
decodificar letras e de, consequentemente, desvendar as palavras que formam um texto;
pressupõe um sujeito capaz de decodificar um texto, mas também de interpretá-lo, de
fazer inferências a partir dele e de perceber esse texto dentro do seu contexto.
33
Todo texto é produzido por um autor em uma determinada circunstância, e
entender e perceber como essas informações se relacionam com o conteúdo do texto é
tarefa de um leitor competente. Além disso, o leitor deve ser capaz de saber quando
utilizar determinados tipos ou gêneros de texto de acordo com as diferentes situações e
modalidades da língua e deve saber quais são as suas funções. Um leitor fluente deve
conseguir realizar todas essas etapas de leitura.
Agora, é importante que você perceba quais são os fatores que determinam a
compreensão da leitura de um texto. Koch e Elias (2006) apontam dois elementos
fundamentais para refletirmos sobre o sucesso ou não de uma leitura: o autor/leitor e o
próprio texto. Primeiramente, o aspecto leitor/autor está relacionado ao “[...]
conhecimento dos elementos linguísticos (uso de determinadas expressões, léxico antigo
etc.), esquemas cognitivos, bagagem cultural, circunstâncias em que o texto foi produzido
[...]” (KOCH; ELIAS, 2006, p. 24). Leia o texto a seguir para perceber como isso funciona
na prática:
VIDE BULA
[...]. Muito se tem tentado com drogas tradicionais, ou novidades, porém até agora
nenhum teve o tão almejado efeito de curar este pobre enfermo. Há bem pouco tempo
foi tentada uma droga novíssima, quase não testada, mas que prometia sucesso total, a
“Collorcaína”, que, infelizmente, na prática de nada serviu, seus efeitos colaterais
extremamente deletérios (como a liberação da “Pecelidona”) quase acaba com o doente.
Porém, para o ano que vem, novos medicamentos poderão ser usados. Enquanto isso
não acontece, o doente consegue se manter com doses de “Itamarina” que é uma espécie
de emplastro que, se não cura, também não mata [...] (KOCH; ELIAS, 2006, p. 25).
Para que o leitor compreenda o texto, ele precisa lançar mão de conhecimentos
de mundo específicos, precisa conhecer a história recente do Brasil, principalmente no
que diz respeito à política e às eleições presidenciais. O autor inventou palavras, como
“Collocaína” e “Itamarina”, a partir de nomes de presidentes ao brincar com outro gênero
textual: a bula de remédio. O doente, no caso, é o Brasil, e os políticos são possíveis
remédios receitados para a cura do paciente. Dessa forma, o leitor deve levar em
34
consideração esses conhecimentos (sobre história e política no Brasil do século XX e
sobre o gênero textual bula) para compreender, de fato, o texto. Assim, as autoras
concluem:
36
Em seguida, é fundamental abordarmos a questão da subjetividade, uma das
principais marcas da literatura. A subjetividade pode se referir a, pelo menos, dois
fenômenos relacionados ao texto literário. O primeiro se refere ao fato de que, no texto
literário, nós podemos aprender muito sobre o seu autor. Mesmo que ele não escreva
sobre ele mesmo, mas sobre personagens fictícios, suas crenças e sua visão de mundo
acabarão aparecendo, nem que seja um pouquinho, em seu texto. Isso tem relação com
o fato de o texto literário ser um texto pessoal e não ter preocupação em ser isento, em
apresentar as informações de forma mais objetiva possível. (Flach, 2018).
Além desse primeiro aspecto da subjetividade de um texto literário, há outro ainda:
é possível afirmar que o sentido do texto literário nunca está dado, nunca está pronto. É
sempre o leitor quem definirá o que cada texto literário significará para si, o que tem como
consequência o fato de leitores diferentes, em diferentes tempos e em diferentes lugares,
lerem um mesmo texto de formas diferentes. Mais do que isso, um mesmo leitor, em
momentos distintos de sua vida, pode ler um mesmo texto de modos distintos.
Entretanto, isso não significa que possamos interpretar qualquer coisa a partir de
um texto. Apesar disso, as possibilidades de interpretação são várias. Uma outra marca
que diferencia os textos literários dos textos não literários é a preocupação com a forma.
Se o texto não literário se preocupa em passar uma informação, o texto literário está
muito mais preocupado com a forma como passará essas informações.
Podemos perceber isso a partir da leitura do trecho a seguir, fragmento do livro
Iracema, de José de Alencar.
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da
graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu
sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que
a corça selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava
sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava
apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas (ALENCAR, 1865,
documento on-line).
José de Alencar poderia ter afirmado, de uma forma muito mais simples e direta,
que Iracema era uma moça alta e esguia, com os cabelos negros, com um sorriso bonito
37
e belos lábios, que é bastante rápida na corrida. Se o desejo do escritor fosse o de passar
essas informações ao leitor, ele, com certeza, não teria escolhido a maneira correta de
fazer isso, em vez de um vocabulário mais simples, ele optou por outro, muito mais
rebuscado e cheio de metáfora (i.e., uma figura de linguagem em que se utiliza uma
palavra ou expressão com um significado pouco usual para estabelecer uma
comparação).
No fragmento, por exemplo, o narrador afirma que o talhe de Iracema era parecido
com o de uma palmeira. O que isso quer dizer? Pense na imagem de uma palmeira: elas
costumam ser árvores bastante altas, com um tronco mais fino. Portanto, Iracema
provavelmente é alta e magra. O desejo do escritor não é o de passar informações
diretamente, mas o de, justamente, causar sentimentos, emoções e possibilitar que o
leitor crie uma imagem mental do que está sendo descrito. Apesar de não ser fácil, atente
para a poeticidade do trecho de Iracema, aliás, Alencar começou escrevendo um poema
sobre essa índia virgem dos lábios de mel e depois acabou transformando-o em prosa.
Observe outros dois textos para ver, na prática, como textos literários se diferenciam de
textos não literários. O primeiro é a definição de literatura retirada de um dicionário:
Li·te·ra·tu·ra
(Latim litteratura, -ae)
Substantivo feminino
1. Forma de expressão escrita que se considera ter mérito estético ou
estilístico; arte literária.
2. Conjunto das obras literárias de um país, de uma região ou de determinada
época.
3. Disciplina que estuda obras, temas e autores literários.
4. Conjunto de escritores e poetas de uma determinada sociedade
(LITERATURA, 2019, documento on-line).
Aqui, fica claro o desejo de passar informações precisas, diretas e objetivas. Não
era a intenção de quem escreveu o verbete a de que cada leitor pudesse interpretá-lo de
38
uma maneira diferente, por isso a linguagem é direta e não aparece o uso de figuras de
linguagem.
Apresentam-se, dessa forma, quatro definições claras do que podemos considerar
como literatura. A partir de, por exemplo, “conjunto de escritores e poetas de uma
determinada época”, não é possível compreender de outra forma que não a de um grupo
de escritores produzindo em um mesmo tempo. Agora, observe um texto que também
define literatura, mas de uma forma completamente diferente da do verbete de dicionário
acima:
A vaca e o hambúrguer
Parece-me, às vezes, que a literatura funciona como as máquinas de picar carne.
No início está sempre uma vaca concreta e real. Depois mata-se a vaca, corta-se a vaca
e atiram-se os bocados para dentro da máquina trituradora. Do outro lado do aparelho
aparecem, ao fim de um bocado, hambúrgueres, almôndegas e carne picada. Mas não
tenho a certeza de que a vaca ainda seja capaz de se reconhecer se lhe for permitido
contemplar-se, já embalada, nas prateleiras do supermercado (TAVARES; MARMELO;
ASSUNÇÃO, 2016, p. 132).
Logo percebemos a diferença, pois ela fica evidente desde o título do livro:
“Verbetes para um dicionário afetivo”. Qual seria a diferença de um dicionário para um
dicionário afetivo? Essa condição do dicionário não foi evidenciada à toa. Precisamos
nos atentar para o título desse conceito em específico do dicionário: “A vaca e o
hambúrguer”. O que isso significa? Será que o autor se refere a vacas e a hambúrgueres
de verdade? Concretos? Percebemos que não quando ele abre o seu texto falando a
forma como, para ele, a literatura parece funcionar. Mas qual a relação entre vacas,
hambúrgueres e literatura? Aqui, é necessário um esforço extra do leitor para
compreender o texto, pois o sentido não é direto, como no anterior.
Podemos pensar que a vaca real e concreta é a realidade, e o hambúrguer e a
carne picada, a literatura. Isso porque a literatura pode se inspirar no real, mas não é
simplesmente a cópia deste. Há um trabalho do escritor em cima dos dados do mundo
concreto para transformá-los em texto literário. Outra possibilidade de leitura é a seguinte:
39
a vaca real é o texto literário, e o hambúrguer, a interpretação de cada um dos leitores,
que devem trabalhar e construir os sentidos do texto. Perceba, portanto, que o texto
metaforiza, a partir dos elementos vaca e hambúrguer, justamente o que é literatura.
Ele não apenas conceitua literatura, como igualmente é literatura, e a literatura
carrega elementos relacionados aos sentimentos, às emoções, aos sonhos, aos
devaneios e também como aponta o título da obra ao afeto é importante, dessa forma,
que o professor fique atento a essas marcas e características quando for trabalhar com
textos literários em sala de aula. Por essa natureza distinta, as atividades com o texto
literário também devem ser distintas. Deve-se colocar em destaque não só o conteúdo
dos textos (a história, a narrativa, as ações da história), mas também os recursos
linguísticos e estilísticos de que o autor lançou mão para escrever tais textos, visto que,
em um texto literário, como se conta uma história é tão ou mais importante do que a
história em si. É claro que um trabalho mais estruturado deve ser realizado com a
literatura, porém sem nunca perder de vista o caráter lúdico e prazeroso que a leitura
literária deve ter. Os alunos devem sempre estar cientes dessas diferenças, e um dos
papéis do professor é justamente o de salientá-las em sala de aula. (TAVARES;
MARMELO; ASSUNÇÃO, 2016, p. 132).
40
escrever no quadro a lista para os alunos copiarem. O texto escolhido pode ser o
seguinte:
Grêmio
Quando minha mãe morreu, eu acordava em Florianópolis. Na rodoviária de Porto
Alegre pedi ao taxista que me levasse depressa. A viagem atrasara. Ele disse que, como
o cemitério ficava perto do campo do Grêmio e tinha jogo naquela noite, o trânsito não
estaria fácil. Passamos pelo clarão do estádio. O motorista ostentava quase um
desconsolo, embora eu não tivesse confessado a qualidade íntima do velório. O padre
soube observar meu suor. Horas depois forcei a chave para entrar no apartamento dela.
Por que não tentar desde logo o que eu não ousara formular até ali? Virei-me. O cão
rosnava. Preparava sua fúria para me atacar (NOLL, 1999, documento on-line).
43
adivinhador das mortes. Na narrativa, surgem diversos neologismos, como observa-se
no trecho a seguir:
As palavras em negrito não estão dicionarizadas, mas, nem por isso, o leitor é
incapaz de compreender seus significados. Isso acontece porque essas expressões são
formadas a partir de regras de formação de palavras existentes no nosso idioma e a partir
de afixos e radicais igualmente existentes. Adivinheiro, por exemplo, é formado por
adivinhar com o sufixo “eiro”, que pode indicar o sujeito que pratica uma ação. Assim,
adivinheiro é aquele que adivinha.
Os alunos, portanto, depois de um trabalho de interpretação do texto em sua
íntegra, seriam convidados a refletir sobre essas palavras “estranhas” e sobre o motivo
de, apesar de elas não existirem no idioma, eles conseguirem compreender seus
sentidos. A partir dessa análise, o professor poderá falar sobre a formação das palavras.
Ao final, o professor deverá retomar o conto e questionar seu aluno: por que será
que o autor decidiu inventar essas palavras e não utilizar as que já existem na língua
portuguesa? Qual efeito que essas palavras podem causar no leitor? Essa ideia de
trabalho mostra que é possível utilizar textos literários para trabalhar com questões
linguísticas desde que esse não seja o único fim da leitura. Nesse caso, o estudo sobre
morfologia contribuirá para a ampliação da discussão sobre o conto e seus sentidos e
deve vir, é claro, acompanhada de um debate sobre o conto como um todo.
44
6 GÊNEROS DISCURSIVOS LITERÁRIOS
45
Função emotiva (expressiva): centra-se no remetente (no emissor),
visando à expressão de sua atitude com relação ao que está falando.
Essa função está ligada às emoções, a expressá-las ou provocá-las.
Função conativa (imperativa): centra-se no destinatário (no receptor),
visando a ter efeito ou influência sobre ele.
Função fática: centra-se no canal, visando ao prolongamento ou à
manutenção da comunicação.
Função metalinguística: centra-se no código, visando à verificação do
seu uso. É a linguagem usada para falar sobre a linguagem.
Função poética: centra-se na mensagem, própria à literatura e às
peças publicitárias. Ela visa ao apelo estético, ao que um uso especial
da linguagem pode evocar.
46
Além dessa perda de definição do código, há outra exploração do significado típica
da linguagem literária: a conotação. Diz-se que o significado de algo é conotativo sempre
que há uma atribuição de valor positivo ou negativo, e/ ou sentido figurado (isto é, um
significado metafórico). A conotação também envolve o aspecto cultural, diferenciando-
se da denotação (a grosso modo, sentido literal). Leia os excertos a seguir, do poema
Canção, de Cecília Meireles, retirado do site da Revista Bula (LEITE, 2018, documento
on-line):
47
Agora veja o trecho a seguir, retirado de It: A Coisa, de Stephen King (2014):
Música baixa e dardos de luz nos olhos. Ele se lembra dos dardos de luz porque
Richie tinha pendurado o rádio no galho mais baixo da árvore em que estava encostado.
Apesar de eles estarem na sombra, o sol refletia na superfície do Kenduskeag, batia da
frente cromada do rádio e, de lá, ia para os olhos de Bill.
Nos dois excertos, há exemplos de conotação e “quebras” de regras. O poema
Canção, de Cecília Meireles, fala sobre a perda. O sorriso se torna algo que, como objeto,
pode cair, ao mesmo tempo em que é tratado como algo vivo, que talvez ainda resista no
mar. É possível entender que essa perda tirou do eu lírico a alegria, representada pelo
sorriso.
Contudo, ainda há esperança (mesmo que remota) de um dia recuperá-la. Já no
segundo excerto, além de metáforas (dardos de luz), há quebra da estrutura frasal. Para
misturar passado e presente, King (2014) fez uso dessa quebra: uma frase que começa
no passado e termina no presente, tornando a passagem de um tempo para outro
orgânica. Esses também são casos de multissignificação. É difícil dizer “é isso que o
poema significa” ou “é isso que o autor quis dizer/provocar”. De fato, esse tipo de
constatação é até mesmo contra a natureza da linguagem literária. A beleza está na
possibilidade de diferentes níveis de significação, entendidos desde o sentido semântico
(polissemia) até aqueles significados a que remete, que podem ser inclusive emoções.
Essa característica torna a linguagem literária subjetiva, de um lado pela liberdade do
autor e, de outro, pela liberdade do leitor.
Isso não significa, claro, que se pode concluir qualquer coisa a partir de um texto
literário. Há sempre um limite do plausível dentro do universo constituído pela linguagem;
plausibilidade essa que se pode chamar de verossimilhança. Essa é a característica que
permite ao leitor acreditar ser possível existir, no mundo criado pelo autor, um alienígena
que se alimenta do medo e que gosta de aparecer como um palhaço, ou que o universo
foi criado por uma tartaruga que passou mal do estômago, por exemplo. Verossimilhança
é, portanto, uma coerência interna ao universo criado pelo autor.
Gêneros da prosa
50
Tempo: há classificação dupla para o tempo nas narrativas: psicológico e
cronológico. O tempo psicológico é subjetivo, “[...] interior e relativo, situado no âmbito da
experiência individual, que avalia a partir de padrões variáveis [...]” (PROENÇA JÚNIOR,
1986, p. 52). O tempo cronológico é objetivo, marcado por de horas, dias, meses, etc. A
história pode se desenvolver linearmente, do começo ou fim, ou não linearmente. Espaço:
é onde se passa a ação na narrativa.
A seguir, veja alguns gêneros literários:
Conto: é uma história curta, com um único núcleo dramático. Ele “[...]
oferece uma amostra da vida, através de um episódio, um fragrante ou
instantâneo, um momento singular e representativo [...]” (PROENÇA
JÚNIOR, 1986, p. 45). Exemplos: Felicidade Clandestina, de Clarice
Lispector, e Antes do Baile Verde, de Lígia Fagundes Telles.
Novela: a novela é mais longa do que o conto e mais curta do que o
romance, “[...] com uma trama simples, descrita sem demora na
caracterização dos ambientes, personagens e tempos de ação, com
apenas os elementos essenciais necessários à compreensão dos
acontecimentos narrados [...]” (CEIA, 2010, documento on-line).
Exemplos: A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, Um Copo de Cólera,
de Raduan Nassar, e O Alienista, de Machado de Assis.
Romance: é uma história longa, de trama complexa, com vários núcleos
dramáticos. Exemplos: Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, Dom
Casmurro, de Machado de Assis, e Concerto Campestre, de Luiz Antônio
de Assis Brasil.
Fábula: é uma história curta, de narrativa figurada, que apresenta uma
lição de moral. Exemplos: A Cigarra e Formiga e A Lebre e a Tartaruga,
de Esopo.
Apólogo: é um gênero alegórico que ilustra uma lição de sabedoria,
utilizando personagens de índole diversa, reais ou fantásticas, animadas
ou inanimadas (CEIA, 2009).
51
Gêneros do verso
52
Acróstico: é um poema em que a disposição de certas palavras permite
a formação na vertical de uma ideia, nome ou frase, geralmente por meio
da primeira letra de cada verso.
Soneto: tem forma fixa bem determinada. Os versos não são livres. O
soneto é organizado em quatro estrofes, dois quartetos (quatro versos)
seguidos de dois tercetos (três versos).
Ode: é um poema que visa à exaltação de algo ou alguém. Tem forma
bem estruturada.
Romance: na poesia, é a novela de cavalaria, em que se exalta a
coragem, a generosidade, a lealdade e o amor cortês. Como exemplo,
você pode considerar Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles.
Fonte: www.gestaoeducacional.com.br
53
Sua contribuição, entretanto, pode ser explorada também por meio de seus
recursos linguísticos para a escrita. Por meio da intertextualidade, é possível apresentar
outros argumentos para defender ou contrapor uma ideia, bem como dar exemplos. A
intertextualidade pode ocorrer de diferentes formas, como citação direta, na qual se usam
as palavras de outro exatamente como estão no original, ou indireta. Neste último caso,
é possível falar sobre algo do texto original, como o contexto em que foi lançado, a
sinopse, os nomes de personagens, etc. Além disso, também é possível fazer uma
paráfrase, em que é mantido o significado original, mas se usam palavras e estrutura
sintática diferentes. (COUTO, 2009, p. 189–197).
54
55
8 NARRATIVA LITERÁRIA
57
O clímax é o auge do enredo, vem depois da complicação, é como os personagens
reagem à situação perturbadora, o que eles pensam, falam, fazem, o que leva a história
ao seu estado final. Bronckart (1999) diz que, no desfecho, fase final da história, o
equilíbrio normalmente retorna, no entanto, é importante observar que, em muitas
narrativas, esse equilíbrio não é o mesmo do estado inicial e não precisa,
necessariamente, ser um estado final feliz. Entretanto, em narrativas literárias infantis
clássicas, como os contos de fadas, vemos que o desfecho representa, sim, um estado
final de equilíbrio em que a situação se estabiliza e o final é feliz para as personagens da
história narrada.
Em geral, os eventos acontecem em ordem cronológica nas narrativas literárias,
mas há também o tempo psicológico. Quando um fato que aconteceu anteriormente ao
tempo presente da história é lembrado pelo narrador e contado ao narratário em ordem
não cronológica, isto é, não sequencial, ocorre o tempo psicológico. A forma do texto e
os recursos formais da linguagem atuam sempre em conjunto com o conteúdo nos
diferentes gêneros textuais. Na narrativa, os tempos verbais utilizados ajudam o autor a
escrever a sua história. Um dos tempos verbais mais empregados em narrativas é o
pretérito imperfeito, utilizado para descrever o estado inicial da história, o cenário e as
personagens. Por exemplo, na tradicional introdução dos contos de fadas “era uma
vez...”, o verbo “ser” está no pretérito imperfeito.
O pretérito perfeito, por sua vez, é utilizado para narrar os acontecimentos, o que
acontece na história que desestabiliza o estado inicial, bastante utilizado na complicação
e no clímax, mas que pode permear todo o texto para narrar as ações das personagens.
Por exemplo, em um final infeliz “o príncipe morreu”, “o príncipe virou sapo”, os verbos
“morrer” e “virar” estão no pretérito perfeito. Os pretéritos perfeitos e mais que perfeito
composto também são utilizados nas narrativas. Esses tempos verbais podem ser
empregados quando o narrador quebra a ordem cronológica dos acontecimentos e conta
ao leitor uma situação que ocorreu antes de outra situação no passado. Por exemplo,
quando o narrador da história lembra de algo: “A essa altura, José já tinha visitado Maria”,
“Quando a mãe chegou, Pedro já tinha sido levado”. As locuções verbais “tinha visitado”
e “tinha sido levado” estão no pretérito perfeito composto.
58
Fonte: www.resumoescolar.com.br
O narrador é uma parte central do gênero narrativo, pois é ele quem conta a
história. O narrador é diferente do autor da obra literária, pois ele é integrado ao texto e,
como veremos, muitas vezes, é uma personagem da narrativa também. Já o autor é o
ser humano da vida real, aquele que escreveu o livro e inventou, inclusive, o narrador. O
foco narrativo é estudado na literatura, pois pode mudar a compreensão da história,
dependendo do ponto de vista do narrador. (Ceia, 2009)
A divisão clássica dos tipos de narrador são os narradores de primeira pessoa e
os narradores de terceira pessoa. Quando a história é contada em terceira pessoa, o
narrador é onisciente e está de fora da história. Os narradores dos contos de fadas são
todos oniscientes, pois eles sabem a história e estão narrando os acontecimentos sem
participar deles. Eles não são, portanto, personagens. Quando a história é contada em
primeira pessoa, o narrador é também uma personagem e está contando a história ao
mesmo tempo que participa ou participou dela. Aqui, reside a importância do foco
59
narrativo, pois os narradores em primeira pessoa contam a história desde o seu ponto de
vista.
O narrador-personagem não é neutro, pois a história contada passa pelo seu
julgamento subjetivo. O gênero diário, que é um tipo de narrativa literária, é um exemplo
de narrador em primeira pessoa, pois o narrador é justamente quem está escrevendo o
diário e contando histórias de seu dia a dia. (COUTO, 2009, p. 189–197).
O narrador é sempre fictício, é criado pelo autor e é ele o emissor do discurso da
narrativa. Assim, pertence somente ao mundo interno da obra literária. Já o autor
pertence à realidade, ao mundo empírico, e é o escritor das obras literárias. Ele pode
criar quantos narradores quiser, um para cada livro ou conto, se assim desejar. Podemos
citar o escritor brasileiro Machado de Assis como exemplo. Como autor, escreveu mais
obras utilizando narradores em primeira pessoa, mas também escreveu obras nas quais
criou narradores em terceira pessoa. No romance Quincas Borba, Machado de Assis
utiliza um narrador em terceira pessoa. Nesse tipo de narrador onisciente, há um
distanciamento entre narrador e personagens, pois o narrador não participa da história.
No entanto, pode comentá-la, quando se trata de um narrador intruso.
Nos romances Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas, o escritor
Machado de Assis criou dois narradores que falam em primeira pessoa. Esses narradores
contam a história a partir de seus pontos de vista e também fazem parte dela, são
narradores-personagem. Esses dois romances de Machado demonstram a importância
do foco narrativo. Em Dom Casmurro, a história é contada pelo narrador-protagonista
Bento Santiago, Bentinho, que se transforma no velho Dom Casmurro. Bentinho é
supostamente traído por Capitu, sua esposa, e o ciúme permeia toda a história. No
entanto, os fatos e acontecimentos são todos narrados por Bentinho, impossibilitando o
leitor de ter certeza ao final da história se a traição realmente ocorreu, ainda mais porque
Bento Santiago era um homem extremamente ciumento. Ainda, Bento Santiago está
contando a história de maneira cronológica, mas Machado de Assis também utiliza o
tempo psicológico, pois Bento Santiago já é um homem maduro de 54 anos, advogado,
aristocrata, e está lembrando e contando a história que começou quando ele era jovem.
É interessante que, por muitos anos depois que o romance foi publicado, acreditou-se
que Capitu tinha traído Bentinho.
60
Somente com o passar dos anos, os pesquisadores e estudiosos atentaram para
o fato de o livro estar escrito em primeira pessoa e a história estar sendo contada pelo
narrador-personagem Bentinho. Dessa forma, o romance Dom Casmurro evidencia o
brilhantismo do autor Machado de Assis, que conseguiu, por meio do uso da técnica
discursiva do narrador-personagem em primeira pessoa, criar uma obra literária na qual
a dúvida do acontecimento principal da narrativa, a traição de Capitu, não fosse nunca
resolvida. (COUTO, 2009, p. 189–197).
Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis evidencia o seu
talento na escrita narrativa criando, pela primeira vez, um narrador-personagem morto.
Brás Cubas morre e começa a contar a sua história depois de morrer. É um narrador em
primeira pessoa, que conta a história e participa dela, ao mesmo tempo que já não está
mais vivo quando a história é narrada. É um bom exemplo de uso do tempo psicológico
como técnica narrativa.
O leitor tem também o seu papel na construção da narrativa literária. Leffa (1996,
p. 17) diz que “[...] ler é interagir com o texto”. O leitor é o receptor da mensagem da
narrativa, é o público-alvo do autor, escritor da obra literária. No entanto, ao contrário do
que se pode pensar, o leitor não é um ser passivo, pois a leitura não é um processo
passivo, visto que ler é atribuir significado ao texto.
A obra literária, sem seus leitores, não produz significado, não tem sentido. É o
leitor que dá sentido ao texto. Dessa maneira, é o leitor que faz a interpretação, a
compreensão da narrativa literária, completando-a com a sua visão de mundo. O mesmo
texto pode ter uma interpretação diferente se for lido por pessoas distintas. Uma obra
literária pode provocar reações diferentes em cada pessoa que a lê. E mais ainda, uma
mesma narrativa literária pode ter efeitos de sentido diferentes para uma mesma pessoa
dependendo da época que a leitura acontece. Se você ler Harry Potter com 14 anos e
depois relê-lo aos 45 anos, sua interpretação do texto, dos acontecimentos da história,
61
pode não ser a mesma. Isso porque a interpretação de um texto, literário ou não, depende
também do conhecimento prévio do leitor. As pessoas têm diferentes visões de vida, da
realidade e da sociedade.
As obras literárias trazem em si elementos sociais que são escritos pelos autores
com uma intenção, mas nem sempre a intenção do autor é captada pelo leitor. Ao
escrever um texto e publicá-lo, o autor coloca no mundo a sua obra aberta para
interpretações distintas, mesmo que alguma não seja especificamente a interpretação do
autor ao escrever esse texto. Se a linguagem utilizada, o enredo narrativo da história e a
característica das personagens dão margem à interpretação do leitor, a interpretação é
válida. Também não se pode esquecer que as obras literárias são escritas em uma certa
época, em determinado contexto social. Ao lermos hoje a obra Dom Quixote, escrita por
Miguel de Cervantes, na Espanha, em 1605, podemos não entender todas as nuances
pertinentes à época. Leffa (1996) nos ajuda a entender o papel do leitor na constituição
da obra literária comparando a leitura de uma narrativa à leitura de mundo:
Dessa forma, vemos, na explicação do autor, que é na relação entre leitor e texto
que se dá a interpretação. O leitor parte de um ângulo singular e, dependendo dos seus
objetivos, toma um posicionamento em relação ao objeto, neste caso, o texto. Não temos
como fazer a leitura de uma casa se não for de uma das posições possíveis. Entretanto,
fica claro, na explicação, que o leitor é dono de sua compreensão da obra literária, e a
faz de seu ponto de vista, com o seu conhecimento de mundo, completando a leitura com
a sua interpretação dos acontecimentos narrados, por exemplo. Precisamos identificar
os papéis do leitor na narrativa literária em específico.
Como vimos na seção anterior, o autor e o narrador não têm a mesma função.
Aqui, também, falando de quem recebe o texto, leitor e narratário não têm a mesma
62
função. O leitor é o público, a audiência do autor, a quem o autor destina o texto. É
extratextual, isto é, tanto o leitor quanto o autor estão fora do texto. O narratário, por sua
vez, está dentro do texto. O narratário é o destinatário do narrador, o narrador conta a
sua história para um narratário, que faz parte do texto em si, constituindo uma relação
intratextual.
Tanto o narrador quanto o narratário estão dentro do texto. O leitor, ser empírico,
é o receptor final do texto, quem atribui a ele uma interpretação. Em algumas narrativas
literárias, os autores, escritores habilmente utilizam o narratário como técnica discursiva
na composição de sua narrativa. O narratário aparece evidente no texto, quando o
narrador se dirige ao leitor diretamente. O romance Dom Casmurro, de Machado de
Assis, é um exemplo. Podemos ver que o narrador, Bentinho, se dirige abertamente ao
leitor. Esse leitor que faz parte da narrativa do narrador é, na verdade, o narratário, pois
ele está dentro do universo do texto. Assim, podemos ver que, às vezes, o narratário fica
explícito nas obras literárias. (Ceia, 2009)
Dom Casmurro é um bom exemplo para entendermos como Machado de Assis
utiliza a técnica discursiva do narratário para chamar o leitor para a construção do
significado dessa narrativa literária. Quem interpreta, compreende e completa a obra
literária é o leitor, receptor final da obra, pois dá sentido a ela. No entanto, o ser que
aparece explícito no texto é o narratário, pois é fictício e comum a todos os leitores.
Analisemos o exemplo de Dom Casmurro. Na obra, o narrador, que é o personagem
protagonista, Bentinho, cria uma relação muito peculiar com o seu leitor, o narratário, pois
ele conversa com o narratário no meio da narrativa. O narrador se dirige, assim,
explicitamente, ao narratário no meio do texto, com intuito de convencê-lo, de trazê-lo
para o seu lado. Assim, no romance Dom Casmurro, o autor Machado de Assis,
habilmente, dá um papel explícito ao seu leitor, o de juiz. Bentinho, como narrador, tenta
convencer o leitor de que Capitu o traiu, contanto situações e mostrando acontecimentos
dúbios.
O leitor, no entanto, tem de estar atento para o fato de que Bentinho é também
personagem da história, e a sua versão é uma das versões da história. É o leitor quem
decide, ao final, se acredita na traição de Capitu ou não. A seguir, temos um trecho dessa
63
obra, em que podemos ver a fala direta do narrador Bentinho com o seu narratário, que
ele chama, obviamente, de leitor:
Eu, leitor amigo, aceito a teoria do meu velho Marcolini, não só pela
verossimilhança, que é muita vez toda a verdade, mas porque a minha vida se casa bem
à definição. Cantei um duo terníssimo, depois um trio, depois um quatuor..., mas, não
adiantemos; vamos à primeira tarde, em que eu vim a saber que já cantava, porque a
denúncia de José Dias, meu caro leitor, foi dada principalmente a mim. A mim é que ela
me denunciou. Tudo isto me era agora apresentado pela boca de José Dias, que
denunciara a mim mesmo, e a quem eu perdoava tudo, o mal que dissera, o mal que
fizera, e o que pudesse vir de um e de outro. Naquele instante, a eterna Verdade não
valeria mais que ele, nem a eterna Bondade, nem as demais Virtudes eternas. Eu amava
Capitu! “Capitu amava-me” E as minhas pernas andavam, desandavam, estacavam,
trêmulas e crentes de abarcar o mundo (ASSIS, 2008, p. 213, grifo nosso).
66
O gênero narrativo literário tem características discursivas bem marcantes. A sua
tipologia textual é narrativa. Nas narrativas, necessariamente, se transmite uma
mensagem, que está inserida em um tempo específico, escrita de modo que o receptor
consiga entendê-la. Essa mensagem começa no estado inicial e termina no desfecho. A
mensagem é emitida pelo narrador, que conta a história, e captada pelo receptor do texto,
o narratário, mas só é compreendida e interpretada pelo leitor real, que faz a interpretação
dessa mensagem olhando o todo: o que foi enunciado e como foi enunciado. Entre o que
é enunciado, por quem e para quem e como, temos os níveis do discurso.
Émile Benveniste é o primeiro linguista, cientista da linguagem, a distinguir a língua
em si do emprego da língua. Benveniste introduz uma visão enunciativa da linguagem
com a Teoria da Enunciação, trazendo para análise o discurso, que é a língua posta em
ação pelo sujeito. Segundo Benveniste (1995), há dois tipos de signos, códigos utilizados
na linguagem: os que pertencem à sintaxe da língua e os que são característicos das
“instâncias do discurso”. Segundo o autor, “Instâncias do discurso” são “[...] atos discretos
e cada vez únicos pelos quais a língua é atualizada em palavra por um locutor”
(BENVENISTE, 1995, p. 277).
Os signos que são característicos às instâncias do discurso são os pronomes
pessoais eu e tu, que só existem na rede de indivíduos que a enunciação cria e se
produzem na e pela enunciação do locutor. Enunciação, para Benveniste, é o ato de se
apropriar da língua e colocá-la em prática no discurso. Cada eu tem sua referência própria
e corresponde cada vez a um ser único. Eu é o “[...] indivíduo que enuncia a presente
instância de discurso que contém a instância linguística ‘eu’” e tu é o “[...] indivíduo
alocutado na presente instância de discurso contendo a instância linguística ‘tu’”
(BENVENISTE, 1995, p. 279, grifo nosso).
Eu e tu não existem como signos virtuais, pois só existem à medida que são
atualizados nas instâncias de discursos, e são eles que marcam o processo de
apropriação do discurso pelo locutor. Benveniste ressalta que eles não remetem à
realidade nem a posições objetivas no espaço ou no tempo, mas remetem à enunciação,
cada vez única, que os contém.
67
Aqui, vemos que Benveniste amplia a visão de linguagem para uma linguagem
que é assumida como exercício pelo indivíduo, em contrapartida a uma linguagem vista
como um sistema de signo, códigos escritos, sem interação com o mundo. Dessa
maneira, é possível perceber a preocupação de Benveniste com o discurso, com a
enunciação e o sujeito, ressaltando a presença do homem na língua.
A comunicação intersubjetiva proposta por Benveniste se realiza no discurso. E
“[...] é no discurso atualizado em frases que a língua se forma e se configura. Aí começa
a linguagem” (BENVENISTE, 1995, p. 140), ou seja, “[...] o discurso como a linguagem
posta em ação e necessariamente entre parceiros” (BENVENISTE, 1995, p. 284). Para
Benveniste, o discurso é a língua assumida pelo homem que fala, sob a condição de
intersubjetividade, isto é, entre sujeitos, o que torna possível a comunicação linguística.
68
3. As personagens que dialogam entre si no interior do texto, nomeados de
interlocutor e interlocutário (FIORIN, 2007, p. 26).
Alguns dos elementos das narrativas literárias que vimos são recursos técnico
discursivos utilizados pelos autores na escrita da obra literária narrativa. O recurso mais
enfatizado neste capítulo foi o diálogo estabelecido na narrativa entre narrador e
narratário. O narrador é um importante recurso, pois pode tornar a narrativa mais
subjetiva ou mais objetiva. O narrador pode ser onisciente e contar os fatos, ou pode ser
uma personagem e contar a sua visão da história. Já o narratário, como vimos, é um
recurso utilizado pelos escritores para falar com o leitor, atingir o público, chamá-lo para
69
integrar a narrativa. Uma outra técnica discursiva que compõe as narrativas literárias são
os tipos de discurso utilizados pelo narrador para registrar as falas das personagens.
As personagens interagem na história, e o registro dessas falas é feito pelo
narrador. Há três tipos de discurso que são utilizados pelos narradores: o discurso direto,
o discurso indireto e o discurso indireto livre. O discurso direto é o registro direto da fala
da personagem, a transcrição ipsis litteris do que e do modo como o personagem falou.
Você pode identificar a fala dos personagens em discurso direto pelo travessão, pelos
dois pontos e pelas aspas. A fala direta dos personagens fica bem evidente nas narrativas
em que há diálogos, em que um personagem fala com outro diretamente, sem
intervenção do narrador. O discurso indireto é diferente do direto, pois nele temos a
interferência do narrador. (BENVENISTE, 1995, p. 277).
No discurso indireto, a fala do personagem é transmitida indiretamente, tendo o
narrador como intermediário, ou seja, o leitor não tem acesso à fala literal do personagem.
Assim, como leitores, somente lemos a voz do narrador, que passa a nós a mensagem
da fala do personagem. Nas narrativas, podemos ver falas indiretas dos personagens
quando o narrador utiliza verbos de introdução de discurso indireto, por exemplo: “Capitu
falou que...”, “Quincas Borba contestou o que foi decidido por.…”. O discurso indireto livre
é uma mistura do discurso direto e do indireto, é um meio termo entre a fala literal do
personagem e a voz do narrador. Normalmente, são falas típicas dos personagens,
expressões ou, principalmente, pensamentos que são mediados pelo narrador.
Quando lemos alguma expressão, como “droga! ”, por exemplo, no meio do texto,
é uma fala indireta de um personagem, mediada pelo narrador e transmitida para nós,
leitores, no texto da narrativa. Como vimos, a narrativa literária tem elementos
específicos, como narrador, personagens, tempo, espaço, enredo. Além disso, o gênero
narrativo é um gênero do discurso, e a narrativa possui técnicas discursivas específicas
a esse gênero. As técnicas discursivas são utilizadas pelos autores para criar o mundo
da narrativa e transmitir a mensagem da história ao leitor, seu receptor final. Os níveis do
discurso são importantes neste jogo de comunicação entre autor/escritor e leitor/receptor.
O Quadro 2, a seguir, apresenta os diferentes papéis discursivos das narrativas literárias
e esclarece quem são os sujeitos envolvidos nessas narrativas.
70
71
9 BIBLIOGRAFIA BÁSICA
OLIVEIRA, A. de. Horas mortas. In: RAMOS, P. (Org.). Poesia parnasiana (antologia).
São Paulo: Melhoramentos, 1967.
PAZ, O. O arco e a lira: o poema, a revelação poética, poesia e história. São Paulo: Cosac
Naify, 2012a.
KOCH, I. V.; ELIAS, V. Ler e compreender: os sentidos de um texto. São Paulo: Contexto,
2006.
72
LITERATURA. In: DICIONÁRIO Priberam da Língua Portuguesa. 2019. Disponível em:
https://www.priberam.pt/dlpo/literatura. Acesso em: 26 jun. 2019.
NOLL, J. G. Grêmio. Folha de S. Paulo, São Paulo, 17 jun. 1999. Disponível em: http://
www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq17069909.htm. Acesso em: 26 jun. 2019.
ASSIS, M. de. Dom casmurro. Cotia: Ateliê Editorial, 2008. BAKHTIN, M. Os gêneros do
discurso. In:
73