Atos Dos Apóstolos
Atos Dos Apóstolos
Atos Dos Apóstolos
Propósitos
Os grandes historiadores da Antigüidade tinham o hábito de iniciar o segundo volume de suas
obras com uma sinopse da primeira e, logo em seguida, uma visão geral sobre o conteúdo abordado
na segunda. Lucas, portanto, resumiu em At 1.1-3 seu primeiro livro; o tema do segundo é apre-
sentado por meio de uma citação do próprio Senhor Jesus: “...recebereis poder quando o Espírito
Santo descer sobre vós, e sereis minhas testemunhas, tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia
e Samaria, e até os confins da terra!” (At 1.8).
O livro histórico de Atos dos Apóstolos nos permite acesso ao melhor e mais eloqüente registro
sobre a expansão da Igreja de Jesus Cristo e da religião cristã, desde o dia da descida do Espírito
Santo, no dia de Pentecoste (o qüinquagésimo dia após o sábado da semana da Páscoa, portanto
o primeiro dia da semana – Lv 23.15,16). A tradicional celebração judaica chamada “Festa das Se-
manas”, ou “Festa dos Primeiros Frutos”, é também conhecida como “Pentecostes” (Dt 16.10; Êx
23.16). O livro narra a saga da Igreja até a chegada de Paulo à capital do mundo da época: Roma.
Neste sentido, Atos é um longo documentário sobre as obras que Jesus Cristo, o Messias e Filho de
Deus, começou a realizar na Terra e, mais tarde, continuou através do Seu Espírito, agindo na vida
dos seus discípulos em todas as partes do mundo.
O mesmo Espírito Santo, que habitou a vida de Lucas, Paulo, Pedro, Estevão e todos os demais
servos do Senhor, habita o ser de cada crente sincero em nossos dias, e assim será até a volta glo-
riosa de Jesus, o Rei dos reis (1Tm 6.14,15).
Paulo em Roma, como o grande e terrível incêndio da capital do Império Romano e a conseqüente
perseguição aos cristãos (64 d.C.), o martírio de Pedro; e logo em seguida da prisão de Paulo, por
volta de 67 d.C., a profanação e destruição de Jerusalém no ano 70 d.C., profetizada por Jesus Cristo
quase 40 anos antes do ocorrido (Mt 24.2).
1 Lucas narrou seu Evangelho e o livro de Atos sob os auspícios de Teófilo. A ascensão de Jesus ocorreu 40 dias após a
ressurreição. Jesus viveu e pregou sob a direção do Espírito Santo do Pai (Jo 14.10). As declarações posteriores esclarecem que
as realizações dos apóstolos foram, igualmente, orientadas pelo Espírito Santo (vv. 4,5,8; Lc 24.49; Jo 20.22), cuja obra e o poder
de capacitar os cristãos fiéis, ainda hoje, são especialmente focalizados por Lucas (v. 8; Lc 2.4,17; 4.8,31; 5.3; 6.3,5; 7.55; 8.16;
9.17,31; 10.44; 13.2,4; 15.28; 16.6; 19.2,6).
2 As provas da vida e obra de Jesus, o Cristo, são indiscutíveis, pois não são especulativas ou teóricas, mas históricas e auten-
ticadas. Sem a realidade da morte e da ressurreição de Jesus não há cristianismo. O Reino de Deus não se refere apenas a um
lugar ou território, mas à soberania de Cristo (8.12; 28.23,31).
3 O sentido da palavra grega transliterada sunalizomenos tem a ver com uma expressão clássica do idioma, que significa:
“reunir-se”; que pode ser derivada de “als”, dando origem a expressão “comer sal” ou “cear em grupo”. A vinda do Espírito Santo
foi uma promessa de Deus (Jl 2.28-32; Jo 7.39; 14.16,26; 15.26,27; 16.12,13).
4 Enquanto o batismo de João (“com” ou “em” água) selava o arrependimento e preparava o coração das pessoas
(especialmente dos judeus) para receberem Jesus e Seu Reino, o batismo com (ou em) o Espírito Santo, que aconteceu dez dias
mais tarde, no Dia de Pentecostes (2.1-4), sela o crente de todas as raças e nações, no Corpo de Cristo, que é o sentido amplo
de Igreja (1Co 12.13; Gl 3.27,28).
5 Essa passagem é uma espécie do esboço geral do livro de Atos: Jerusalém é evangelizada (1.12 – 7.60). Toda a Judéia e Sa-
maria ouvem as Boas Novas (8.1-40). E o Evangelho avança sem parar por terras gentias até Roma (9.1 – 28.31). E até os “confins
da terra”; chegando ao Novo Mundo (Américas) e a todas as partes do planeta, como acontece em nossos dias.
6 Todos os apóstolos eram galileus (menos Judas Iscariotes, que já estava morto). Os anjos (homens vestidos de branco, como
em Lc 24.4) afirmaram que Jesus voltará da mesma forma pela qual subiu ao céu: com um corpo ressurreto e em meio às nuvens
de glória (em hebraico: shekinah – a Presença de Deus – Êx 13.22; Dn 7.13; Mc 14.62; Mt 24.30).
vindo do monte chamado das Oliveiras, língua deles, essas terras passaram a se
que fica próximo a Jerusalém, à distância chamar Aceldama, que significa: Cam-
de cerca de um quilômetro.7 po de Sangue.10
13 Assim que chegaram, subiram a um 20 “Porquanto”, continuou Pedro, “está
grande aposento onde se hospedavam. escrito no Livro de Salmos:11 ‘Fique
Estavam presentes: Pedro e João, Tiago deserto o seu lugar, e não haja ninguém
e André, Felipe e Tomé, Bartolomeu e que nele habite’; e ainda: ‘Que outro
Mateus; Tiago, filho de Alfeu, Simão, o ocupe o seu lugar’”.
Zelote, e Judas, filho de Tiago.8 21 Sendo assim, é preciso que escolha-
14 Todos estes, perseveravam unânimes mos um dos homens que estiveram
em oração, juntamente com as mulhe- conosco durante todo o tempo em que
res, com Maria, mãe de Jesus, e com os o Senhor Jesus viveu entre nós,
irmãos dele.9 22 desde o batismo de João até o dia
15 Naqueles dias, sendo o número de em que Jesus foi elevado dentre nós ao
pessoas ali reunidas cerca de cento e céu. É fundamental que um deles seja
vinte, Pedro se levantou no meio dos conosco testemunha de sua ressurrei-
irmãos e declarou: ção.12
16 “Irmãos, era necessário que se cum- 23 Então, propuseram dois nomes: José,
prisse a Escritura que o Espírito Santo chamado Barsabás, também conhecido
predisse por meio da boca de Davi, como Justo, e Matias.13
acerca de Judas, que serviu de guia aos 24 E, orando, afirmaram: “Tu, Senhor,
que prenderam Jesus. que conheces o coração de todas as
17 Ele foi contado como um dos nossos pessoas, mostra-nos qual destes dois
e teve parte neste ministério”. homens tens escolhido
18 Com o pagamento que recebeu pelo 25 para assumir a vaga neste ministério
seu pecado, Judas comprou um campo. e apostolado, do qual Judas se desviou,
Ali caiu de cabeça, seu corpo partiu-se indo para o lugar que lhe era devido”.
ao meio, e as suas vísceras todas se der- 26 Em seguida, lançaram sortes quan-
ramaram. to a eles e a sorte caiu sobre Matias;
19 Todos em Jerusalém ficaram sabendo assim, ele foi acrescentado aos onze
desse fato; de maneira que, na própria apóstolos.
7 O jardim das Oliveiras (Olival) era, literalmente, a maior distância de caminhada permitida num sábado, conforme os preceitos
rabínicos (Êx 16.29; Nm 35.5; Js 3.4). Local da terrível agonia de Jesus (Lc 22.39); é o mesmo da grande exaltação, do triunfo
sobre a morte e do Glorioso Retorno do Senhor (Zc 14.4).
8 No segundo andar de uma grande casa que pertencia à mãe de Marcos (12.12), e onde se refugiaram temporariamente os
Onze com suas esposas (1Co 9.5) e outros discípulos e discípulas (Mt 27.55; Lc 8.2,3; 24.22), havia uma grande sala (cenáculo),
na qual Jesus celebrou a última Ceia com seus amados apóstolos (Mc 14.15).
9 Esta é a última vez que Maria, a mãe do Senhor, é mencionada nas Escrituras. Mulher virtuosa, humilde, sofrida, mas cheia
de graça (Lc 1.26-38,42); guardou tudo em seu coração e preferiu a discrição absoluta em perseverante oração com os demais
discípulos, até o fim. A conversão de Tiago, irmão de Jesus e autor da epístola, que traz seu nome e faz parte do cânon do NT,
é relatada em 1Co 15.7.
10 Esse é um momento histórico-cultural interessante. O aramaico (língua falada pelos jovens judeus) já havia substituído o
tradicional hebraico na Palestina daquela época.
11 Pedro recorre a duas passagens das Escrituras (Sl 69.25 e Sl 109.8) para explicar que Judas havia deixado uma vaga no
grupo apostólico que precisava ser preenchida. Pedro usa a palavra “episcopado”, que, em grego, descreve a função pastoral.
12 A qualificação humana para o apostolado era ter conhecimento íntimo da vida terrestre de Jesus Cristo e ser testemunha
ocular de Sua ressurreição. A qualidade divina era ser escolhido pelo Espírito de Deus. Aqui, conforme a tradição judaica, se
deu por meio de sorteio (1Cr 26.13-16; Ne 11.1; Pv 16.33; Jn 1.7). Entretanto, essa é a última vez que o lançamento de sortes é
mencionado na Bíblia.
13 Barsabás significa, em hebraico, “filho do Sábado”, e era irmão de Judas, profeta judeu-cristão da igreja primitiva em Jeru-
salém e que foi enviado a Antioquia juntamente com Silas (15.22,32). O nome grego (helenístico) de José era “Justo”. Quanto a
Matias, seu nome é uma contração do nome hebraico Matatias, o macabeu.
1 O qüinquagésimo dia após o sábado da semana da Páscoa, e, portanto, domingo, era considerado o Dia de Pentecoste (Lv
23.15,16). Pentecostes é o nome que se dava à Festa das Semanas, também chamada Festa da Colheita ou, ainda, Festa dos
Primeiros Frutos (Dt 16.10). Nessa passagem, apóstolos e discípulos estavam no Templo, também chamado de “a Casa” (7.47),
pois é sabido que os apóstolos reuniam-se constantemente no Templo, orando, ministrando e louvando ao Senhor (Lc 24.53).
2 O vento impetuoso e estrepitante é símbolo do Espírito de Deus: poderoso, soberano e absolutamente livre (Ez 37.9,14; Jo 3.8).
A expressão “línguas” é uma metáfora usada para explicar aquela situação inusitada, chamada de experiência extática, ou seja, de
grande êxtase. Haja vista, que por milagre, uma multidão de pessoas, de nações, culturas e línguas totalmente diferentes umas das
outras, puderam ouvir a Palavra de Deus, em sua própria língua materna, por meio da pregação dos apóstolos. O “fogo” é um outro
símbolo metafórico da presença divina (Êx 3.2), também freqüentemente associado ao Juízo (Mt 3.2; Lc 3.16 e 1Ts 5.19).
3 A Igreja de Cristo estava em formação. Unida e esperançosa quanto à volta do Senhor, passou pelo batismo do Espírito,
conforme a promessa de Jesus (1.5), e dedicou-se à oração, comunhão e evangelização segundo as Escrituras. O Pentecostes
significa para a Igreja: 1) A presença e ação do Espírito Santo habitando (tabernaculando) a alma do crente (Jo 14.17), e não
apenas influenciando os aspectos religiosos e exteriores (Jz 6.34; 15.14; Ez 36.26); 2) O Espírito passa a ter presença contínua
ao invés de eventual como foi no AT; 3) O Espírito veio para habitar toda a Igreja, não apenas alguns indivíduos especialmente
selecionados para determinadas obras e ministérios como no AT (1Co 3.16; 12.12,13); 4) Ter coragem para confrontar esse
mundo caído, com amor e sem medo (v.14); ganhar almas para o Reino de Cristo (v.41) e operar milagres, sinais e maravilhas,
de acordo com a vontade e instrução do Espírito (v.43). Sendo assim, há apenas um batismo da Igreja (o Corpo vivo de Cristo)
e de cada indivíduo, membro da Igreja; mas repetidas plenitudes para a adoração, o serviço cristão (Ef 5.18) e o exercício dos
dons do Espírito (1Co 12.7-11). O dom de línguas (em grego transliterado: heterais glõssais, que significa “línguas diversas”) foi
um milagre que se deu no âmbito da expressão dos apóstolos e da audição das pessoas de várias línguas e dialetos naquele dia
e local (1Co 14.23). Estas línguas “estrangeiras” anteciparam a chegada do Evangelho em toda nação, povo, raça, tribo e língua,
unindo o mundo todo em torno do Senhor Jesus, num flagrante contraste com o julgamento em Babel (Gn 11.7-9).
4 Houve quatro classes de judeus da Dispersão: 1) Orientais ou babilônicos (região onde hoje se situa o Iraque). 2) Sírios; 3)
Egípcios; 4) Romanos, que a exemplo do apóstolo Paulo, eram cidadãos do império, embora não originários de Roma, assim
como a província romana da Ásia, citada no v.9, é a atual região da Turquia.
5 Algumas versões trazem simplesmente a expressão “estão embriagados!”. Entretanto, o texto original grego (aqui
traduzido literalmente) enfatiza que os zombadores estavam acusando jocosamente os apóstolos de terem apressadamente se
embebedado com os primeiros vinhos da colheita que se dava no mês de agosto e que produzia um “vinho doce”, ainda em
processo de fermentação.
15 Estes homens não estão embriagados, 25 A respeito dele afirmou Davi: ‘Eu sem-
como pensais. Até porque são apenas pre via o Senhor diante de mim. Porque
nove horas da manhã.6 está à minha direita.
16 Muito diferente disto. O que está ocor- 26 Por esse motivo, o meu coração está
rendo foi predito pelo profeta Joel: alegre e a minha língua exulta; o meu
17 ‘Nos últimos dias, diz o Senhor, que corpo também repousará em esperança,
derramarei do meu Espírito sobre todos 27 porque tu não me abandonarás no se-
os povos, os seus filhos e as suas filhas pulcro, nem permitirás que o teu Santo
profetizarão, os jovens terão visões, os sofra decomposição.8
velhos terão sonhos.7 28 Tu me fizeste conhecer os caminhos
18 Sobre os meus servos e as minhas ser- da vida e me encherás de alegria na tua
vas derramarei do meu Espírito naqueles presença’.
dias, e eles profetizarão. 29 Caros irmãos, concedei-me a licença de
19 Mostrarei maravilhas em cima, no céu, falar-vos com toda franqueza que o pa-
e sinais embaixo, na terra: sangue, fogo e triarca Davi morreu e foi sepultado, e o seu
nuvens de fumaça. túmulo está entre nós até o dia de hoje.9
20 O sol se tornará em trevas e a lua em 30 Todavia, ele era profeta e sabia que
sangue, antes que venha o grande e glo- Deus lhe prometera sob juramento que
rioso Dia do Senhor. colocaria um dos seus descendentes em
21 E todo aquele que invocar o nome do seu trono.
Senhor será salvo!’. 31 Antevendo isso, profetizou sobre a
22 Israelitas, escutai estas palavras: Jesus ressurreição do Cristo, que não foi aban-
de Nazaré, homem aprovado por Deus donado no sepulcro e cujo corpo não
diante de vós por meio de milagres, feitos sofreu decomposição.
portentosos e muitos sinais, que Deus por 32 Deus ressuscitou este Jesus, e todos
meio dele realizou entre vós, como vós nós somos testemunhas deste fato.
mesmos bem sabeis, 33 Exaltado à direita de Deus, Ele recebeu
23 este homem vos foi entregue por pro- do Pai o Espírito Santo prometido e
pósito determinado e pré-conhecimento derramou o que vós agora vedes e ouvis.
de Deus; mas vós, com a cooperação de 34 Porquanto, Davi não foi elevado aos
homens perversos, o assassinaram, pre- céus, mas ele mesmo declarou: ‘O Se-
gando-o numa cruz. nhor disse ao meu Senhor: Senta-te à
24 Contudo, Deus o ressuscitou dos mor- minha direita
tos, rompendo os laços da morte, porque 35 até que Eu ponha os teus inimigos
era impossível que a morte o retivesse. como estrado para os teus pés’.10
6 Os judeus costumavam tomar o desjejum às dez horas da manhã e no sábado, ao meio dia. Ainda mais num dia de festa
religiosa como o Pentecoste, nenhum judeu se atreveria a quebrar o jejum às nove horas da manhã (literalmente em grego: “a
terceira hora do dia”).
7 Pedro cita e interpreta a passagem profética de Joel 2.28-32 como uma referência específica aos dias da nova aliança (Jr
31.33,34; Ez 36.26,27; 39.29) e inaugura a “cidade messiânica”. Pedro adverte também sobre os acontecimentos apocalípticos
que serão os grandes sinais do iminente e glorioso retorno de Jesus Cristo e do Juízo final (Is 2.2; Os 3.5; Mq 4.1; 1Tm 4.1; 2Tm
3.1; Hb 1.1; 1Pe 1.20; 1Jo 2.18).
8 Algumas versões traduzem a palavra grega hades (que se origina da expressão hebraica: sheol) por “morte, profundezas, ou
ainda, inferno”. Entretanto, o Comitê de Tradução da Bíblia King James decidiu usar aqui seu sentido mais literal: “sepulcro” (túmulo).
Davi refere-se, em última análise, ao fato de o corpo de Jesus, o Messias, não ter experimentado “deteriorização” alguma (v.31).
9 O túmulo de Davi podia ser visto em Jerusalém e ainda continha seus restos mortais. Mas em relação a Jesus Cristo, ninguém
podia apontar para um sepulcro onde seu corpo estivesse depositado. As palavras de Davi no Sl 16.8-11 aplicam-se mais
completamente, e de forma profética, ao próprio Senhor Jesus. A expressão hebraica “Messias” corresponde à palavra “Cristo”,
em grego, e ambas significam “Ungido”.
10 Na expressão “O Senhor disse ao meu Senhor” (Sl 110.1), o primeiro “Senhor” traduz a palavra hebraica Yahweh (o nome
sagrado e impronunciável de Deus), e o segundo Ãdõn (Senhor). Sendo assim, o Senhor (Deus) disse ao meu Senhor (o Filho
de Davi, o Messias). De acordo com Pedro, Davi dirigiu-se ao seu descendente com o mais elevado respeito, pois Davi, por meio
da inspiração do Espírito Santo, reconhecia a absoluta divindade desse descendente (Mt 22.41-45). Porquanto, além da sua
36 Sendo assim, que todo o povo de Israel 41 Assim, todos quantos aceitaram a sua
tenha absoluta certeza disto: Este Jesus, palavra foram batizados; e naquele mes-
a quem vós crucificastes, Deus o fez Se- mo dia juntaram-se a eles cerca de três
nhor e Messias!”.11 mil pessoas.
ressurreição da morte (vv. 31,32), também seria exaltado à direita de Deus, com todas as honras de Filho e Rei (vv. 33-35). E sua
excelsa presença estava ali revelada na pessoa do Espírito Santo, que chegara conforme prometido (v.33; Jo 7.39; 14.16,26; 16.7
de acordo com Sl 68.18).
11 Esta afirmação corajosa de Pedro constitui-se no mais antigo Credo da Igreja de Jesus Cristo (Rm 10.9; 1Co 12.3; Fp 2.11).
12 A mensagem de João Batista, o grande precursor do Reino, é reenfatizada por Pedro e será a marca das principais
mensagens evangelísticas dos apóstolos para o recebimento de perdão e o novo nascimento (Mc 1.4; Lc 3.3). O mesmo
destaque foi dado pelo próprio Jesus (Mc 1.5; Lc 13.3; Lc 24.47). Da mesma forma, o batismo era importante para João, Jesus
e na Igreja primitiva sob direção dos apóstolos, pois esta ordenança sempre esteve associada à fé, à aceitação da Palavra, ao
arrependimento e à busca de uma vida de adoração a Deus (Mt 28,19; At 8.12; 18.8). O ato do batismo em si não é capaz de
perdoar o pecado original ou qualquer outro. O perdão total e definitivo dos nossos pecados ocorre por meio da graça de Deus
que converte o coração humano e faz germinar a fé cristã (Rm 6.3,4). Depois do sacrifício de Jesus, duas dádivas são concedidas
aos que crêem: o perdão dos pecados (22.16) e o Espírito Santo. A promessa do Espírito Santo de habitar no interior do ser
humano é um presente e selo (marca divina) de Deus, garantido a todos os cristãos sinceros, indistintamente de suas posições
teológicas ou doutrinárias (8.9-11; 1Co 12.13). No v.39, Pedro refere-se aos que estão longe, os gentios, e aos filhos dos judeus
presentes, às futuras gerações judaicas (Ef 2.13).
13 O ensino ou doutrina dos apóstolos incluía tudo o que o próprio Jesus ensinara (Mt 28.20), sendo o mais importante o Evan-
gelho, o qual se firmava em sua vida e obra, morte e ressurreição (v.23,24; 3.15; 4.10; 1Co 15.1-4). A ministração dos apóstolos
era incomparável por ser inspirada por Deus e estar revestida de toda autoridade a eles outorgada pelo próprio Senhor Jesus
(2Co 13.10; 1Ts 4.2). Em nossos dias, esse mesmo ensino dos apóstolos está à nossa disposição nas páginas das Escrituras
Sagradas, especialmente do NT. O livro de Atos ressalta a importância da oração diária na vida dos cristãos, tanto em particular
quanto em público (1.14; 3.1; 6.4; 10.4,31; 12.5; 16.13,16).
14 O temor (estado de adoração contínua) que existia no coração dos crentes daquela época era uma mistura de pavor, êxtase
e perplexidade diante da presença majestosa de Deus, operando milagres, prodígios e sinais maravilhosos entre a multidão dos
que iam sendo convertidos pelo Espírito Santo e acrescentados à Igreja.
15 A união e o amor com que os convertidos viviam a vida cristã era um testemunho poderoso em Jerusalém e em muitas
outras partes. Além das diversas operações de milagres e curas realizadas pelos apóstolos todos os dias, a Igreja não permitia
que a ninguém faltasse o necessário para viver. As colaborações eram voluntárias e generosas, regadas com muita oração,
manifestações de louvor e satisfação. A alegria deve ser o estado de ânimo do crente, não apenas uma euforia eventual
e passageira, como é próprio dos que não depositam sua fé e a própria vida aos cuidados do Senhor (16.34). A união e
o compartilhar da Igreja são frutos do Espírito Santo. Muitos filósofos e pensadores, ao longo dos séculos, idealizaram
comunidades e nações inteiras, cujos povos socializariam seus recursos humanos e materiais. Contudo, não obtiveram sucesso.
Sem a plenitude do Espírito Santo, o homem tende ao pecado e ao engano (erro).
16 Judeus e gentios convertidos pelo Espírito a Jesus Cristo começavam a formar e desenvolver a Igreja primitiva. Os cultos
47 louvando a Deus por tudo e sendo a andar. Logo em seguida, entrou com
estimados por todo o povo. E, assim, a eles no pátio do templo, andando, sal-
cada dia o Senhor juntava à comunidade tando e louvando a Deus.3
as pessoas que iam sendo salvas. 9 Quando todo o povo o viu andando e
adorando a Deus,
A cura de um aleijado 10 reconheceu que era ele, aquele mesmo
que reuniam os crentes em Jerusalém se realizavam diariamente no Templo (Lc 24.53). Entretanto, a Ceia em memória ao
Senhor Jesus, que na época coincidia com uma refeição de confraternização, era realizada nas casas dos cristãos em meio a
uma celebração chamada “Agapẽ” (Festa do amor fraternal), na qual os irmãos exerciam a “comunhão” (em grego: koinonia),
que tinha um sentido muito maior do que apenas aquecer a amizade: expressava a própria “vida de Cristo”, de uns para com os
outros, com suas vitórias e desafios, alegrias e tristezas. A “koinonia” solidificava a intimidade espiritual dos crentes com o próprio
Jesus (por meio do Espírito Santo) e entre si.
Capítulo 3
1 Pedro, João e Tiago (irmão de João) naturalmente passaram a liderar o grupo dos apóstolos e discípulos por causa da íntima
comunhão que tiveram com Jesus (Mc 9.2; 13.3; 14.33; Lc 22.8; Gl 2.9). O judaísmo antigo obedecia a três horários fixos de
oração: no meio da manhã (terceira hora, ou nove horas); a hora em que se oferecia o sacrifício vespertino (hora nona, ou quinze
horas) e ao pôr-do-sol.
2 Esse portão, também chamado de “Porta Formosa” ou “Portão de Nicanor”, era todo revestido de bronze fino (coríntio) e
principal acesso para o átrio do templo, oferecendo passagem entre o pátio dos gentios e o das mulheres.
3 Do pátio exterior entraram no pátio das mulheres (onde ficavam as caixas coletoras de ofertas – Mc 12.41-44), e depois pas-
saram para o pátio de Israel. Desde o pátio exterior, foram atravessados nove portões até os pátios interiores.
4 O Pórtico de Salomão ficava ao longo do lado interno do muro que cercava o pátio exterior, com fileiras de altas colunas de
pedra de nove metros de altura e um teto todo trabalhado em cedro maciço (Jo 10.23).
5 Em sua soberana vontade de glorificar seu Filho Jesus, Deus não se limita, no exercício de seu poder, às virtudes ou
capacidades humanas. Pedro fez questão de proclamar sua condição de servo e render glória a Deus. Relembrou as profecias
que anunciavam a vinda do Servo Sofredor (Is 52.13-53.12 com Mt 12.18; At 4.27,30). Pedro aproveita o momento de atenção
e fala de irmão para irmão com seus compatriotas. Corajosamente, lhes revela a gravidade do erro cometido. Eles negaram
Deus ressuscitou dentre os mortos. E nós Deus restaurará todas as coisas, confor-
somos testemunhas deste fato.6 me já decretou há muito tempo, por
16 Pela fé em o Nome de Jesus, o Nome intermédio dos seus santos profetas.8
curou este homem que aqui vedes e bem 22 Porquanto declarou Moisés: ‘O
o conheceis; sim, a fé que vem por meio Senhor Deus levantará dentre vossos
de Jesus deu a este, agora, saúde perfei- irmãos um profeta como eu; a Ele
ta, como todos podem observar. ouvireis em tudo que vos ordenar.9
17 Contudo, irmãos, eu sei que o que 23 E acontecerá que toda pessoa que
vós e vossos líderes fizeram com Jesus não ouvir esse profeta será exterminada
foi sem o perfeito conhecimento do que dentre o povo’.
estavam praticando. 24 Em verdade, todos os profetas, de Sa-
18 Entretanto, foi desta forma que Deus muel em diante, um por um, pregaram
cumpriu o que tinha predito por todos e predisseram estes dias.10
os profetas, anunciando que o seu Cris- 25 E vós sois os herdeiros dos profetas
to haveria de sofrer.7 e da aliança que Deus estabeleceu com
19 Arrependei-vos, portanto, e conver- vossos antepassados. Ele declarou a
tei-vos para que assim sejam apagados Abraão: ‘Por meio da sua descendência,
os vossos pecados, todos os povos da terra serão aben-
20 de modo que da presença do Senhor çoados’.
venham tempos de refrigério, e Ele en- 26 Sendo assim, tendo Deus ressuscitado
vie o Cristo, que já vos foi previamente o seu Servo, enviou-o primeiramente
designado: Jesus. para vós, a fim de abençoá-los, conver-
21 É necessário que Jesus permaneça tendo cada um de vós das vossas vidas
no céu até que chegue o tempo em que pecaminosas”.11
o Senhor votando por sua condenação, desprezaram-no e se recusaram a reconhecê-lo como o Messias, mesmo diante do
poder dos ensinos de Jesus, dos seus sinais miraculosos e de sua vida absolutamente consagrada ao Pai. O próprio procu-
rador romano, Pilatos, não viu motivo para condená-lo e tentou soltá-lo, mas os judeus ensandecidos exigiram a crucificação
de Jesus (Jo 19.12).
6 Os apóstolos foram testemunhas oculares da vida santa e poderosa do Filho de Deus e da sua injusta condenação e morte.
A maioria dos discursos em Atos repete esse tema: “vós matastes Jesus. Deus o ressuscitou dentre os mortos” (At 2.23,24; 4.10;
5.30-32; 10.39-41; 13.28,29 de acordo com 1Co 15.1-4). Pedro enfatiza que Jesus é inculpável (Santo e Justo) em relação a Deus
e aos homens.
7 A expressão “seu Cristo” também significa “seu Ungido ou seu Messias”, numa clara referência ao Sl 2.2 (conforme At
4.25,26). Era indispensável que os judeus se rendessem às evidências quanto à necessidade dos sofrimentos expiatórios do
Messias, claramente preditos ao longo de todas as Escrituras Sagradas (Is 53.7,8 com At 8.32,33; Sl 22.1 com Mt 27.46 e 1Pe 1.11
com Lc 24.26,27). Entretanto, até nossos dias, a cruz de Jesus continua sendo escândalo para os judeus (1Co 1.23).
8 O arrependimento verdadeiro é a radical mudança de idéia e de vontade proveniente de um profundo sentimento de
reconhecimento e tristeza pelos erros cometidos, motivando total transformação no caráter e estilo de vida (comportamento).
Em conseqüência do arrependimento (repúdio ao pecado e a tudo que é errado) e da consagração ao Senhor (obediência a
Deus pela fé em Jesus), todos os pecados são destruídos, cancelados e anulados em seus efeitos (Rm 8.18-25; 12.1-2). A total
restauração da humanidade e de toda a terra ocorrerá com a segunda vinda de Cristo, quando as grandes bênçãos prometidas,
e ainda não plenamente usufruídas, serão derramadas sobre todo o povo de Deus. Por isso, devemos orar e trabalhar pela
conversão dos judeus e evangelização do mundo. E, assim, apressarmos o glorioso retorno do Senhor (2Pe 3.12; Rm 11.25).
9 Jesus Cristo é o cumprimento das profecias feitas no tocante a Moisés, Davi e Abraão. O Messias seria um profeta semelhante
a Moisés. Previsto nas pregações de Samuel a respeito de Davi, o Ungido, traria bênçãos sobre todos os povos da terra, de
acordo com as promessas feitas a Abraão (vv. 25,26). Os primeiros sermões de Pedro em Atos revelam que Jesus é o sucessor
de Davi e Moisés, cumprindo as profecias do AT desde Abraão.
10 O profeta Samuel ungiu a Davi para ser rei e declarou que seu reino seria estabelecido (1Sm 16.13; conforme 12.14; 15.28;
28.17). A palavra de Natã, em última análise, é uma profecia messiânica (2Sm 7.12-16; At 13.22,23,34; Hb 1.5).
11 A palavra grega traduzida no v.22 por “levantará” é a mesma aqui traduzida por “ressuscitado”, o que reforça a idéia de Deus
haver providenciado nosso Redentor; e nem mesmo todos os pecados da humanidade e a morte poderiam detê-lo. Ao contrário,
na ressurreição de Cristo, o Senhor cumpre as profecias entregues aos pais (13.32-34). Em Jesus ressurreto, aquela bênção
prometida a Abraão, e dirigida a todas as nações (Gn 12.3), alcança seu pleno cumprimento.
1 Esses são sacerdotes que estavam servindo naquela semana no recinto do templo (Lc 1.23). O capitão (em grego sãgãn) era
membro de uma das famílias sacerdotais de destaque, e segundo oficial no poder político e religioso dos judeus depois do sumo
sacerdote (Lc 22.4,52; At 5.24,26). Os saduceus faziam parte de uma seita da elite religiosa judaica, seus membros provinham da
linhagem sacerdotal, eram cultos, ricos e governavam o templo. Não acreditavam na ressurreição dos mortos nem na vinda de um
Messias pessoal e Libertador, mas pregavam que Israel já vivia a época messiânica e cabia a eles instruírem os mestres da lei para
ensinarem o povo a edificar e preservar esse chamado “estado ideal”. O sumo sacerdote, um entre os demais sacerdotes (Mt 3.7;
22.23-33; Mc 12.18; Lc 20.27; At 5.17; 23.6-8), era escolhido para presidir o Sinédrio (Supremo Tribunal Judaico).
2 Os saduceus haviam tomado a liderança no plano para condenar e crucificar a Jesus (Jo 11.49,50) com a esperança de
que, eliminando o líder, aquela “nova seita judaica” que se esboçava viesse a desvanecer-se doutrinariamente e perdesse seus
adeptos. Precisamente os saduceus, que não acreditavam na ressurreição (23.6-8), têm agora que lidar com o Espírito do líder
ressurreto dos cristãos e com o dinamismo, alegria, poder e carisma dos seus seguidores.
3 Os primeiros cristãos enfatizavam em suas pregações e ensinos o cumprimento das profecias do AT sobre a vida e obra
redentora de Jesus Cristo, o Messias (Mt 21.42; 1Pe 2.7), de acordo com Rm 9.33; Is 28.16, o próprio Jesus havia citado Sl 118.22.
E sua ressurreição estabeleceu o novo Templo “construído sem mãos” (Jo 2.19; Mc 14.58) que é a habitação de Deus: o coração
do indivíduo salvo e a reunião dos crentes, que é a Igreja, o Corpo de Cristo (Ef 2.20).
4 Em comparação com os saduceus e os teólogos da época, Pedro e João eram literalmente “analfabetos” (como está nos
originais em grego agrammatos) e “leigos” (da mesma forma em grego idiotai). Entretanto, o Espírito Santo os capacitou de tal
maneira, que a coragem, eloqüência, poder e sabedoria de suas palavras fizeram os líderes judaicos deduzirem que aqueles
homens haviam estudado e convivido com Jesus (Mc 1.22; 3.14).
5 O “Ungido” (em grego: Christos, que é a tradução da palavra hebraica: Mãshïah, Messias). Na oração, os companheiros de
Pedro e João, referem-se ao batismo de Jesus quando Deus declarou: “meu filho amado” (Mt 3.17). Herodes Antipas (tetrarca da
Galiléia e Peréia) e Pôncio Pilatos (procurador romano na Judéia) são os reis e autoridades (príncipes) mencionados na profecia
do Sl 2.1,2 (de acordo com Lc 23.1-24). Santo Servo é novamente uma alusão às profecias de Isaías (Is 52.13 – 53.12).
6 A expressão “predeterminado” (conforme o original grego: prowvrisen) foi somente usada por Paulo e Pedro (1Pe 1.2,20:
2.4-6). O plano de Deus, contemplado e traçado antes da fundação do mundo (Ef 1.4; Ap 13.8), considera em seu contexto amplo
as boas e más ações da humanidade sem, contudo, diminuir qualquer responsabilidade pelos atos de cada indivíduo sobre a
terra. Deus não força o ser humano a agir de uma forma ou outra. Entretanto, o Senhor vê a história do universo como um todo
atemporal, sem os limites de tempos e épocas (passado, presente e futuro) e, portanto, tem o poder de usar os homens, com
seus progressos e tragédias, bem como as ações do Diabo, em prol da salvação final e eterna da humanidade, particularmente
de todos aqueles que depositarem fé sincera e absoluta em seu Filho Jesus, o Messias Salvador (Jo 1.12-13).
7 A exemplo do que ocorreu no AT, Deus fez tremer o lugar onde seus servos estavam reunidos em oração, como um sinal da
sua presença e aprovação (Êx 19.18; Is 6.4). Foi uma maneira através da qual o Senhor renovou nos apóstolos e discípulos, que
estavam iniciando a Igreja de Cristo, a experiência do dia do Pentecoste (ou semana do Pentecostes). É o Espírito Santo quem
nos capacita com força espiritual, generosidade, coragem (intrepidez), determinação, sabedoria e santidade para testemunhar-
mos da salvação que há – somente – em Jesus (8.13,33).
8 A expressão grega original: dunamis significa “poder” e também “milagre” (2.22). Em 2.47, a Igreja (o povo de Deus) recebeu
que por sua vez, o repartiam conforme a continuaria teu? E vendido, não estaria
necessidade de cada um. todo o dinheiro em teu poder? Como
pudestes permitir que tais idéias domi-
A oferta de José Barnabé nassem tua vontade?2
36 Então José, um levita natural de Chi- 5 Ao ouvir esta admoestação, Ananias
pre, a quem os apóstolos deram o sobre- caiu morto. Então, grande temor tomou
nome de Barnabé, que significa “filho da conta de todos os que souberam do que
consolação”, havia acontecido.
37 sendo proprietário de um campo, ven- 6 E, alguns jovens tomaram a iniciativa
dendo-o, trouxe o dinheiro da venda e o de cobri-lo, carregaram-no para fora e o
colocou junto aos pés dos apóstolos.9 sepultaram.
7 Cerca de três horas mais tarde entrou sua
A oferta de Ananias e Safira esposa, sem saber o que havia se passado.
5 Entrementes, um certo homem cha-
mado Ananias, com sua esposa Safira,
também vendeu uma propriedade.
8 E Pedro a questionou: “Dize-me, ven-
destes por este preço aquelas terras? Ela
confirmou: “Sim, por este preço!”.
2 Mas ele reteve parte do dinheiro da ven- 9 Então Pedro a repreendeu: “Por que vós
da para si, tendo conhecimento disso tam- entrastes em acordo para tentar o Espíri-
bém sua esposa. Ele levou a parte restante to do Senhor? Eis que estão aí à porta os
e a depositou aos pés dos apóstolos.1 pés dos que sepultaram o teu marido, e
3 Então, indagou-lhe Pedro: “Ananias, eles a levarão também”.
por que permitistes que Satanás encheste 10 Naquele mesmo instante, ela caiu
o teu coração, induzindo-te a mentir ao morta aos pés de Pedro. Então, aqueles
Espírito Santo para que ficasses com par- jovens entraram e, encontrando-a mor-
te do valor do terreno? ta, levaram-na e a sepultaram ao lado
4 Mantendo-o contigo, porventura não de seu marido.
“graça” (no original em grego charin) que significa: “favor, simpatia, apreciação”, da parte do povo. Neste trecho, a “graça” vem
de Deus e se constitui na fonte da generosidade e do serviço cristão (2Co 8.1,9).
9 José Barnabé (em grego: “filho de paraklẽsis” – “aquele que exorta, anima, consola”) era primo de João Marcos de Jerusalém
(Cl 4.10) e originário de uma família sacerdotal (levita) judaico-cipriota que vivia e possuía propriedades na ilha de Chipre (um país
localizado na parte leste do mar Mediterrâneo). Desde os tempos dos macabeus muitos judeus se estabeleceram em Chipre. Esta
é a maneira como Lucas apresenta aquele que virá a ser um dos melhores amigos e conselheiros de Paulo: um homem cheio do
Espírito e de bondade (9.27; 11.22,25; 13.1-4; 15.37,39).
Capítulo 5
1 A palavra “reteve” é a mesma expressão que aparece na tradução grega do AT (Septuaginta) quando narra o pecado de
Acã (Js 7.1-25). A mesma avareza, associada à hipocrisia (desejo de manter uma falsa imagem de santidade), gerou mentira,
afastamento de Deus e destruição. Veja os exemplos de Nadabe e Abiú (Lv 10.2) e Uzá (2Sm 6.7). Ananias e Safira foram os
primeiros exemplos de “falta de sinceridade no serviço cristão” ocorridos nos primórdios da Igreja de Jesus Cristo. Essa terrível
experiência demonstrou à Igreja em formação que “de Deus não se zomba” (Gl 6.7). Um grande contraste em relação ao bom
exemplo de José Barnabé (4.36).
2 O sentido geral da frase no original revela uma contínua atividade de Satanás, tentando sistematicamente, e por diversos
modos, persuadir o ser humano a cair em pecado. A palavra hebraica: sãtãn (Satanás) significa “adversário” e, por isso, foi
traduzida para o grego por diabolos. Em Jó 1.6 e Zc 3.1 e nos versos seguintes destas passagens, a palavra sãtãn corresponde
ao nome próprio de um anjo mal, cuja principal atividade é acusar os seres humanos diante de Deus e requerer destruição
sobre as nações. Essa pessoa absolutamente maligna domina o reino das trevas, possui filhos e anjos caídos a seu serviço;
que diuturnamente fazem oposição a Deus (Trindade), seu Reino, anjos e filhos (Mt 12.26; 25.41; 1Jo 3.10). Ainda que Satanás
conheça todas as fraquezas humanas e freqüentemente nos sugira maneiras de expressá-las em pecado, os cristãos contam
com a poderosa presença de Deus em suas almas, na pessoa do Espírito Santo, e podem – pela fé – rejeitar todos os ardis e
sugestões do Inimigo, vencendo as tentações. Os textos de 4.36,37 – 5.1,4 deixam claro que as ofertas e donativos eram atos
voluntários, segundo a generosidade de cada um. Os apóstolos não haviam pedido nada, foi o Espírito Santo quem moveu cada
pessoa a contribuir conforme a alegria do coração (2Co 9.7). Ananias e Safira não pecaram por ficar com parte do dinheiro da
venda de sua propriedade, mas sim por haverem mentido ao Espírito Santo (Deus) e suporem arrogantemente que é possível
ao ser humano pensar ou realizar qualquer coisa fora do pleno conhecimento do Senhor. A ofensa contra a Igreja, habitada pelo
Espírito, é insulto e pecado contra o próprio Deus (9.5).
3 Essa conseqüência drástica em relação ao pecado foi necessária, especialmente no momento em que a Igreja, como Corpo
de Cristo, começava a dar seus primeiros passos. Era fundamental que todos soubessem que o Espírito Santo é a própria pessoa
do Senhor habitando o corpo do crente, não um tipo de energia qualquer, e não pode ser logrado. Além disso, a Igreja de Jesus
Cristo não é uma empresa comercial, tampouco um negócio onde a hipocrisia, fraude ou corrupção possa ser aceita. A disciplina
na Igreja, em grande parte, depende da ação corretiva de Deus (1Co 11.30-32; Hb 12.5-11; 1Jo 5.16,17). O poder disciplinador
do Pai está em harmonia com sua capacidade de curar, ressuscitar e dar a vida eterna a seus filhos sinceros (Jo 1.12-13). Essa é
a primeira vez que a palavra “igreja” ocorre no livro de Atos. A expressão: ekklẽsia, nos originais em grego, era empregada para
designar as assembléias religiosas e políticas dos judeus, e os apóstolos passaram a usar a mesma expressão para convocar a
reunião dos primeiros cristãos (8.1; 11.22; 13.1; 19.32,40).
4 Lucas usa a expressão “ninguém de fora” para registrar que depois do fim vergonhoso e trágico de Ananias e sua mulher,
nenhuma pessoa filiou-se à comunidade cristã daqueles dias sem avaliar a sinceridade e a responsabilidade de tal compromisso
com Deus. O v.14 demonstra, entretanto, que muitos “corações convertidos” juntavam-se à Igreja todos os dias (1.14; 8.3,12;
9.2; 13.50; 16.1,13,14; 17.4,12,34; 18.2; 21.5). Essa é a primeira vez em que Lucas faz menção específica a uma quantidade de
mulheres convertidas que se tornaram membros da Igreja (v. 14).
5 Cumpre-se a segunda etapa da profecia de Jesus Cristo sobre a propagação do Evangelho: “em toda Judéia” (1.8).
6 Caifás era sumo sacerdote oficial e reconhecido por Roma. Contudo, os judeus consideravam Anás, o sogro de Caifás, o
verdadeiro sumo sacerdote, pois esse cargo era vitalício (4.1-6).
7 A expressão aramaica hayye significa “salvação” ou “vida” (13.26).
8 O Supremo tribunal dos judeus era composto de 71 homens (às vezes mais). Sentavam-se num semicírculo, tendo às suas
costas três fileiras de seguidores e aprendizes conhecidos como “discípulos dos sábios”. E, na frente, em pé ficavam os escrivães
do tribunal. Sinédrio e Senado são termos equivalentes (Mt 26.59-68).
9 A palavra “príncipe” (em grego archegon) pode ser também traduzida como “Autor” (3.15). A palavra hebraica “levantou”,
assim como as expressões: “Salvador” ou “Libertador” são as mesmas que aparecem em Js 3.9. O arrependimento é a condição
imposta pelo Príncipe (Autor) e salvação (remissão) é o galardão maior por Ele concedido aos cristãos sinceros.
10 O testemunho dos apóstolos era dirigido e confirmado pelo Espírito Santo, que convence o mundo mediante a Palavra e
é concedido a todos que correspondem ao amor e convite de Deus com a obediência que vêm pela fé (Rm 1.5). Em meio aos
muitos prodígios, maravilhas e conversões, cumpriu-se a promessa de Cristo (Jo 16.7-14).
11 Gamaliel pertencia a um partido popular judaico que dava ênfase à absoluta obediência da Lei como o caminho da Salvação.
Embora fariseu, representava a renomada escola de Hilel, que favorecia uma interpretação mais liberal e humanizante da Lei. Uma
das doutrinas características dos fariseus é que “Deus está acima de tudo e não precisa do auxílio de ninguém para cumprir seus
desígnios. O que é de Deus se estabelecerá, o que não é jamais se firmará”. Gamaliel era respeitado por sua devoção a Deus,
sabedoria e erudição. Foi mestre de Saulo que viria a se tornar o apóstolo Paulo (22.3).
12 Quando a Judéia foi reduzida à província romana, no ano 6 d.C., Quirino, procurador imperial na Síria, promoveu um re-
censeamento com o fim de calcular a soma do tributo a que a nova província estava obrigada a recolher para Roma. Foi quando
Judas, cidadão de Gamala e outros revolucionários, considerando isso um prelúdio de escravidão e uma desonra a Deus, o único
e verdadeiro Rei de Israel, desfraldou a bandeira da revolta. Esta foi esmagada, porém o partido dos Zelotes conservou-lhe vivo
os ideais (1.13; Mt 10.4).
13 Os apóstolos receberam a punição judaica de “quarenta açoites menos um” (2Co 11.24). Entretanto, consideraram tudo
isso como o cumprimento da “bem-aventurança” de padecer por amor a Jesus Cristo e pela proclamação do Evangelho (Mt
5.10-12; Lc 6.22,23).
1 Há um intervalo de tempo considerável e impreciso entre o final do cap.5 e este momento no qual, devido ao gigantismo da
Igreja que continuava crescendo sem parar (5.14), problemas administrativos estavam ocorrendo, tanto dentro (6.1-7) quanto
fora da comunidade (6.8 – 7.60). Nesta altura dos acontecimentos, a Igreja era formada integralmente por judeus convertidos à
doutrina de Jesus Cristo e batizados com o Espírito Santo. Contudo, havia dois grupos bem distintos de judeus que conviviam
dentro da comunidade dos crentes: 1) Os judeus helenistas (essa é a primeira vez que esse termo é usado na literatura grega) ou
de fala grega, pois pertenciam a uma geração nascida em países fora da Palestina, cujos conceitos e hábitos eram mais gregos
que hebreus. 2) Os judeus hebreus pertenciam à geração nascida na Palestina e que falava o aramaico, uma língua derivada
do hebraico e muito popular entre os mais jovens. Eles aprendiam a ler a Bíblia hebraica e procuravam manter as tradições
e cultura judaicas. Entretanto, o zelo missionário partiu dos crentes helenistas menos tradicionais e mais comunicativos, pois
falavam grego, que era a língua franca em todo o Império Romano. As viúvas, tradicionalmente protegidas pela Lei, ficaram sob
os cuidados da Igreja (4.35; 11.28,29; 1Tm 5.3-16).
2 O vocábulo grego original: diakonein (diáconos) significa “servidores” ou “ministros”, e foi usado por Lucas para descrever o
trabalho de “servir às mesas”, ou seja, zelar e prover às viúvas o sustento de cada dia (Fp 1.1; 1Tm 3.6). Nesse momento da Igreja,
os apóstolos estavam sobrecarregados, pois eram responsáveis por toda a ministração da Palavra, curas e outros milagres; e
ainda cuidavam da arrecadação de ofertas, distribuição dos recursos entre as famílias da comunidade, ajuda às viúvas, órfãos
e demais necessitados.
3 A Igreja distingüiu homens cheios do Espírito Santo (v.5), e os Doze (como eram chamados pela Igreja) comissionaram os
Sete (21.8), escolhidos democraticamente pelos crentes (v.6). Desta maneira, foram nomeados para realizar seu “serviço cristão”
(ministério). Curiosamente, todos têm nomes gregos, mas somente Estevão e Filipe são citados novamente por Lucas (6.8 – 7.60;
8.5-40; 21.8,9). E havia um prosélito (um gentio convertido ao judaísmo) que era de Antioquia, cidade para a qual o Evangelho
seria levado dentro em breve, e se tornaria a “sede” da primeira grande campanha missionária de evangelização aos gentios.
4 A imposição de mãos tem uma simbologia e um significado muito amplo e profundo. No AT era usada para outorgar bênçãos
(Gn 48.13-20); para transferir a culpa do pecador para o sacrifício oferecido (Lv 1.4); e para comissionar uma pessoa a uma nova
responsabilidade ou desafio (Nm 27.23). No período do NT, as mãos eram colocadas sobre as pessoas que eram agraciadas com
curas e livramentos (28.8; Mc 1.41), na invocação de bênçãos (Mc 10.16), na ordenação ou comissionamento (6.6; 13.3; 1Tm
5.22), bem como na outorga de dons espirituais (8.17; 19.6; 1Tm 4.14; 2Tm 1.6).
5 Esse é mais um dos relatórios sobre o crescimento da Igreja apresentados por Lucas durante o livro de Atos (1.15; 2.41;
4.4; 5.14; 6.7; 9.31; 12.24; 16.5; 19.20; 28.31). Lucas ainda enfatiza a conversão de sacerdotes que, apesar do seu compromisso
vitalício com os serviços relativos ao cumprimento das ordenanças da antiga aliança, compreenderam o ensino dos apóstolos
quanto ao sacrifício vicário de Jesus Cristo, o qual tornou desnecessário qualquer outro tipo de sacrifício (Hb 8.13; 10.1-4, 11-14).
Além disso, movidos pelo Espírito Santo, passaram a obedecer de bom grado, aos princípios do Evangelho da Graça (Rm 1.5; Ef
2.8-10; Tg 2.14-26). Zacarias foi um exemplo, na época de Cristo, de sacerdote convertido a Jesus (Lc 1.5-6).
6 Até esse momento Lucas narrou exclusivamente os apóstolos realizando milagres e maravilhas (2.43; 3.4-8; 5.12). A partir de
agora, porém, após a imposição de mãos dos apóstolos, Estevão – pleno do Espírito e de fé – passa a ministrar sinais e prodígios
entre o povo. Mais adiante, veremos Filipe também operando milagres para a glória de Jesus Cristo e salvação dos crentes (8.6).
7 Os membros da sinagoga de “Libertos” eram descendentes dos judeus levados cativos para Roma pelo imperador Pompeu
(63 a.C.) e que logo foram libertos, junto com outros judeus das regiões mencionadas nessa passagem bíblica.
8 O templo era o lugar mais sagrado do mundo e centro do universo para os judeus por ser a habitação de Deus. A Lei oferecia
como único caminho para a salvação a obediência absoluta à Lei e aos sacrifícios no Templo. Evidentemente, que qualquer
insinuação contrária à Lei ou à reverência devida a Deus era considerada como blasfêmia (ultraje) e punida com a morte.
Contudo, a própria Lei previa um julgamento justo mediante várias testemunhas. Porém, os acusadores de Estevão usaram os
mesmos artifícios que já se haviam provado eficientes contra Jesus: falsos depoimentos, calúnias e incitação popular (Mc 14.56-
64). Os mesmos argumentos seriam usados contra Paulo e muitos mártires da Igreja (21.28).
9 Estevão, como os demais “servos” do Senhor, estava anunciando que a fé cristã não se conservaria dentro dos estreitos
e legalistas limites do judaísmo (Mc 7.18,19; Mt 23.25,26; Lc 11.39-41), e antecipa a nova e universal teologia, que seria
sistematizada por Paulo mais tarde.
10 A aparência radiante, poderosa e angelical de Estevão indica um fenômeno físico-espiritual de transfiguração na presença
de um acompanhante sobrenatural (2Co 3.18 de acordo com Êx 34.29 e Mt 17.2).
Capítulo 7
1 O primeiro chamado de Abraão ocorreu na cidade de Ur (Gn 15.7; Ne 9.7). Em Harã, houve uma renovação desta convocação
missionária (Jr 15.19-21). Estevão não estava preocupado em salvar-se a si mesmo, mas sim, tentou abrir o entendimento e o
coração dos líderes judeus para os erros que vinham cometendo ao rejeitar o chamamento de Deus e, por fim, seu próprio Filho,
o Messias. Estevão não se preocupa em responder diretamente às acusações feitas em 6.11-14. Em sua defesa apresenta uma
visão teológica universal do Evangelho: 1) Deus não limita seus encontros com a humanidade às congregações, (tabernáculos)
nem ao Templo. Por isso, chamou Abraão, José, Moisés e outros profetas. Além disso, as primeiras grandes revelações de Deus
aconteceram em terras gentias: Ur, Harã, Egito, Sinai. 2) Israel sempre foi insensível à voz de Deus e, em sua rebeldia extrema,
rejeitou os profetas do Senhor, finalmente crucificando o próprio Filho de Deus – Jesus, o Justo (52).
2 Israel peregrinou pelo deserto por 430 anos (Êx 12.40,41 e Gl 3.17). O povo de Deus não deve se apegar a sua casa, país ou
cultura. Somos cidadãos do Reino dos céus (Hb 11.8; 16).
após o seu nascimento. Mais tarde, Isaque Abraão ali comprara por certo preço em
gerou Jacó, e este os doze patriarcas.3 prata, dos filhos de Hamor.
9 Os patriarcas dominados por forte in- 17 Ao se aproximar o tempo em que Deus
veja de José, venderam-no como escravo cumpriria sua promessa a Abraão, nosso
para o Egito. Apesar de tudo, Deus estava povo cresceu em número e multiplicou-
com ele se no Egito.
10 e o livrou de todas as suas tribulações, 18 Então, outro rei, que não conhecia
dando a José graça e sabedoria diante a história de José, passou a governar o
do faraó, rei do Egito e de todo o seu Egito.
palácio.4 19 Ele agiu de forma traiçoeira contra
11 Mais tarde, sobreveio um tempo de nosso povo e oprimiu os nossos antepas-
fome em todo o Egito e em Canaã, o que sados, a ponto de obrigá-los a abandonar
trouxe grande sofrimento, e os nossos seus próprios recém-nascidos, a fim de
antepassados não encontravam o que que não sobrevivessem.
comer. 20 E foi naquela época que nasceu Moisés,
12 Porém, tendo ouvido que no Egito que era um menino extraordinário aos
havia trigo, Jacó enviou nossos antepas- olhos de Deus. Por três meses, ele foi
sados para lá pela primeira vez. criado na casa de seu pai.
13 E, na segunda viagem deles, José se 21 Entretanto, quando teve de ser aban-
revelou a seus irmãos, e a sua família foi donado, a filha do faraó o tomou e o
conhecida pelo faraó.5 criou como seu próprio filho.
14 E aconteceu que José mandou chamar 22 E assim, Moisés foi educado em toda
a seu pai Jacó e a todos os seus parentes: a sabedoria dos egípcios e tornou-se um
setenta e cinco pessoas.6 homem poderoso em palavras e obras.8
15 Assim, pois, desceu Jacó até o Egito e 23 Quando completou quarenta anos,
ali morreu ele e também nossos pais.7 Moisés decidiu visitar seus irmãos isra-
16 Seus corpos foram trasladados de volta elitas.9
a Siquém e depositados no túmulo que 24 Ao presenciar um deles sendo maltra-
3 As condições necessárias para a religião de Israel já haviam sido cumpridas muito tempo antes da construção do Templo e
dos costumes e rituais religiosos começarem a ser guardados pelos judeus da época de Estevão (Gn 35.23-26).
4 Estevão faz uma analogia entre a atitude de rejeição que os próprios patriarcas tiveram para com seu irmão José e a forma
cruel e injusta com que os judeus de sua época trataram o Messias prometido (seu irmão de carne, Rm 9.5). Sem usar o nome
de Jesus uma vez sequer, Estevão anuncia o Senhor por meio de tipos e figuras, destacando as pessoas de José e Moisés (20-
43). Deus concedeu a José a capacidade sobrenatural para interpretar sonhos. Este é o sentido da palavra “sabedoria”, neste
contexto, no original hebraico (Gn 39.21).
5 José e Moisés foram exemplos de profetas que visitaram “seus irmãos” pela segunda vez (23, 30). Jesus nos prometeu que
virá pela segunda vez e, nessa época, será reconhecido pelos judeus (Zc 12.10).
6 Estevão usou de grande precisão em seu relato histórico-teológico da vida de Israel. Embora a própria Bíblia Hebraica use o
número arredondado 70 (Gn 46.27; Êx 1.5; Dt 10.22), a tradução do AT para o grego (conhecida como Septuaginta) acrescenta
em Gn 46.20 o nome de um filho de Manassés, de dois filhos de Efraim e de um neto de cada um deles, completando exatamente
o número mencionado por Estevão: 75.
7 Jacó foi sepultado em Hebrom (Gn 49.29). José foi sepultado em Siquém (Js 24.32). Estevão usa de poucas palavras e de
uma retórica aguda para encaixar os dois acontecimentos numa só referência, assim como já havia feito em relação às duas
chamadas de Abraão. Estevão faz questão de marcar o fato de Jacó e os doze patriarcas não terem sido realmente sepultados
no Egito, mas sim, em Canaã. Isso pode parecer estranho aos leitores atuais, mais foi algo bem compreendido pelos ouvintes da
época (Gn 23.27,18; 25.9-11; 33.19; 35.29; 50.13; Js 24.32).
8 Mais uma vez, sem mencionar a Cristo, o discurso de Estevão revela claramente que Jesus, como Moisés, era “poderoso em
palavras e obras” (Lc 24.19). Ambos vieram como libertadores pacíficos (Ef 2.17). Entretanto, assim como os judeus escravizados
da época de Moisés não compreenderam a missão de Moisés, nem o aceitaram, da mesma forma, aqueles judeus, ouvintes de
Estevão e escravizados pelo pecado, não estavam percebendo que a salvação total e definitiva havia chegado na pessoa do Rei
Jesus, o Messias. Esse raciocínio de Estevão vale também para os nossos dias.
9 Moisés tinha 80 anos de idade quando foi enviado para profetizar diante do Faraó e exigir a libertação do povo de Israel (Êx
7.7) e 120 quando morreu (Dt 34.7). As palavras de Estevão estão de acordo com a tradição judaica, segundo a qual Moisés
teria deixado o Egito pela primeira vez aos 40 anos de idade. Fica aqui um estímulo ao início de novas empreitadas ministeriais e
missionárias em idade madura (a partir dos 50 anos).
tado por um egípcio, saiu em defesa da meu povo no Egito, ouvi os seus clamo-
vítima e vingou-se, matando o egípcio. res e desci para livrá-lo. Agora, portanto,
25 Moisés pensou que seus irmãos entende- vem, e Eu te enviarei ao Egito’.
riam que Deus o estava dirigindo para li- 35 Este é o mesmo Moisés a quem eles
bertá-los, mas eles não o compreenderam. haviam rejeitado com estas palavras:
26 No dia seguinte, Moisés dirigiu-se a ‘Quem te constituiu autoridade e juiz?’,
dois israelitas que estavam brigando, e Deus o enviou como líder e libertador,
tentou reconduzi-los à paz, argumentan- pela mão do anjo que lhe apareceu no
do: ‘Homens! Vós sois irmãos; por que espinheiro.
agridem um ao outro?’. 36 Foi este que o conduziu para fora, re-
27 Todavia, o homem que maltratava o ou- alizando feitos portentosos e sinais mara-
tro empurrou Moisés e exclamou: ‘Quem vilhosos no Egito, no mar Vermelho e no
te constituiu autoridade e juiz sobre nós? deserto por um período de quarenta anos.
28 Acaso queres assassinar-me, como 37 Este é o Moisés que disse aos israelitas:
fizeste ontem com aquele egípcio?’. ‘Deus vos levantará dentre vossos irmãos
29 Ao ouvir estas palavras, Moisés fugiu um profeta semelhante a mim’.
para Midiã, onde ficou vivendo como 38 Moisés esteve na congregação no de-
estrangeiro e foi pai de dois filhos.10 serto, com o anjo que lhe falava no mon-
30 Então se passaram mais quarenta anos, te Sinai, e com os nossos antepassados,
quando apareceu a Moisés um anjo no e recebeu palavras vivas, a fim de nos
deserto, próximo ao monte Sinai, em serem transmitidas.13
meio às labaredas de um espinheiro que 39 Todavia, nossos antepassados se recu-
queimava.11 saram a obedecer a Moisés; antes, o rejei-
31 Ao contemplar aquela cena ficou per- taram e, em seus corações, retrocederam
plexo. E ao aproximar-se para observar ao Egito,
melhor, ouviu a voz do Senhor: 40 clamando a Arão: ‘Faze-nos deuses que
32 ‘Eu Sou o Deus de teus pais, o Deus nos conduzam, pois quanto a este Moisés
de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de que nos tirou do Egito, não sabemos o
Jacó’. Moisés ficou trêmulo de medo e que lhe aconteceu!’.14
não ousava erguer seu olhar. 41 E, naquela época, eles produziram um
33 Então, o Senhor lhe ordenou: ‘Tira as ídolo em forma de bezerro. Ofereceram-
sandálias dos pés, porque o lugar em que lhe sacrifícios e realizaram uma grande
estás é terra santa.12 celebração em homenagem ao que suas
34 Tenho visto com atenção a aflição do mãos tinham produzido.
10 Rejeitado por seu povo e temendo a perseguição dos egípcios, Moisés se refugia nas terras de Midiã (Êx 2.15), que ocupava
os dois lados do golfo de Ácaba, onde nasceram seus dois filhos: Gérson e Eliézer (Êx 2.22; 18.3,4; 1Cr 23.15).
11 Mais quarenta anos haviam se passado quando Moisés, aos 80 anos de idade, foi chamado pelo Senhor no monte Sinai,
também conhecido como monte Horebe (Êx 2.11-23; 3.1-2; 7.7), e apresentou-se perante o faraó como profeta do Altíssimo Deus
(Dt 18.15). Segundo a interpretação judaica da época de Estevão, a Lei fora dada a Moisés por intermediação angelical. Ocorre
que esse arauto foi o próprio “Anjo do Senhor” (5.19). Ou seja, o próprio Deus falou com Moisés (Êx 3.2; Gl 3.19; Hb 2.2), como
fica claro nos versos 31 e 32.
12 Até hoje, no Oriente Médio, não se pisa sobre solo sagrado a não ser descalço, em sinal de respeito e despojamento diante
do Eterno.
13 A expressão grega original ekklesia tem o sentido de “congregação” e “igreja”. No contexto hebraico de Dt 18.16, aplica-se ao
povo de Israel congregado (reunido) para receber a Lei. Isso significa que a Igreja do AT dependia de Moisés, profeta de Deus (1Co
10.2). A Igreja do NT depende de Jesus Cristo, o Espírito de Deus (Hb 2.10-12) que a conduz ao verdadeiro shalom (descanso, paz).
A obediência a Deus (Lei) é o caminho da vida (Dt 4.1; Lv 18.5 conforme Gl 3.12). Por causa da Queda, a fraqueza humana (Rm 8.3)
fez com que a Lei de Deus se transformasse em documento de condenação e morte (Rm 3.10-12; 7.10). No NT, o Evangelho (Jesus
– o Logos, a Palavra, de Deus – Jo 1.1; 1Jo 1.1-2) é a própria “palavra da vida” (Fp 2.16; 1Pe 1.23 de acordo com At 5.20).
14 Enquanto Moisés estava ausente do acampamento, na presença de Deus no monte Sinai, recebendo a Lei, o povo deixou
sua fé se esfriar, e caindo em desânimo voltou à idolatria na qual vivia no Egito. Juntaram-se para construir um bezerro de ouro,
rejeitando explicitamente a Deus e a seu profeta (Êx 32.1).
42 Por isso, Deus se afastou deles e deixou trado dos meus pés. Que espécie de casa
que se entregassem ao culto dos astros, podereis me construir, diz o Senhor,
exatamente como foi escrito no Livro ou ainda, onde seria o lugar do meu
dos Profetas: ‘Foi a mim que oferecestes repouso?
sacrifícios e ofertas durante os quarenta 50 Ora, não foram as minhas mãos que
anos no deserto, ó Casa de Israel?15 criaram todas estas coisas?’.
43 Ao invés disso, erguestes o tabernáculo 51 Homens duros de entendimento e
de Moloque e a estrela do seu deus Ren- incircuncisos de coração e de ouvidos,
fã, ídolos que fizestes para adorá-los. Por vós sempre resistis ao Espírito Santo. Da
essa razão, Eu vos mandarei para o exílio, mesma forma como agiram vossos pais,
para além da Babilônia!’. assim vós fazeis também.17
44 Contudo, o tabernáculo da aliança 52 Que profeta vossos antepassados não
estava entre os nossos antepassados no perseguiram? Assassinaram até mesmo
deserto, que fora construído conforme a os que anteriormente anunciaram a
ordem de Deus a Moisés e de acordo com chegada do Justo, do qual agora vos tor-
o modelo que ele tinha visto. nastes traidores e homicidas.
45 Tendo-o recebido, nossos antepassados 53 Vós, que recebestes a Lei por ministra-
o levaram sob a direção de Josué, quando ção de anjos, porém não a obedecestes!”.18
tomaram posse da terra das nações que
Deus expulsou de diante deles. E esse A execução sumária de Estevão
tabernáculo permaneceu nesta terra até 54 Ao ouvir tais palavras, grandemente se
a época de Davi,16 lhes enfureceu o coração e rilhavam os
46 que recebeu graça da parte de Deus e dentes contra Estevão.
rogou que lhe fosse concedido edificar 55 Contudo, Estevão, cheio do Espírito
uma habitação para o Deus de Jacó. Santo, ergueu seus olhos em direção ao
47 Apesar disso, foi Salomão quem lhe céu e contemplou a glória de Deus, e
construiu a Casa. Jesus em pé, à direita de Deus,19
48 Todavia, o Altíssimo não habita em 56 e exclamou: ‘Eis que vejo os céus aber-
casas feitas por mãos humanas. Como tos e o Filho do homem em pé, à direita
revela o profeta: de Deus!’.20
49 ‘O céu é o meu trono, e a terra o es- 57 Então, eles taparam os ouvidos e, aos
15 No original grego a expressão: paredõken, é usada também por Paulo, em três ocasiões, indicando que Deus permitiu
que os pecadores seguissem o curso normal de suas escolhas e pagassem o preço de suas decisões insensatas (Rm 1.18-24).
Algumas versões usaram a forma “culto da milícia celestial” para referir-se ao “culto dos astros” (astrologia supersticiosa). Na
Bíblia Hebraica, os Doze profetas menores formam um só livro.
16 Estevão foi acusado de blasfemar contra o “Lugar Santo” (6.11-14) e, por isso, encerra seu depoimento com uma explanação
sobre o tabernáculo (santuário) e o Templo. Foi o tabernáculo o “Lugar” de adoração estabelecido por Deus (Hb 8.1-5). O Templo
foi a resposta a um pedido de Davi, todavia construído por seu filho Salomão e tolerado por Deus. Isaías afirmou que nem o
universo pode conter a Deus; como o poderia uma simples criação humana? É possível que deuses falsos tenham suas casas
entre os homens, mas o Altíssimo é onipresente: Ele está em toda parte, nada pode contê-lo, e habita o coração do crente por
amor à humanidade (Mc 14.58; At 17.24).
17 Embora os judeus fossem fisicamente circuncidados, agiam como os pagãos incircuncisos que estavam no meio da multi-
dão. Mantinham sua “cerviz endurecida”. Uma expressão hebraica muito usada no AT e tem a ver com o “enrijecimento proposital
e obstinado do pescoço”. Uma metáfora com base na teimosia do gado ao seguir seu instinto selvagem em detrimento de um
melhor caminho indicado pelo condutor do rebanho (Êx 33.5; Lv 26.41; Dt 10.16; Jr 4.4; 6.10).
18 “Justo” foi um dos primeiros títulos atribuídos a Jesus por seus amigos e seguidores (3.14; 22.14); mais tarde Tiago, o meio-
irmão de Jesus, passaria a ser chamado assim pelo povo. Estevão, é claro, acusou os judeus de traidores, pois não tendo autori-
dade para tirar a vida de Jesus, insistiram e persuadiram os romanos para que o crucificassem, traindo o seu próprio Messias.
19 Eis aqui um texto clássico sobre a ação da Trindade sustentando o cristão fiel: 1) O Espírito Santo o enche com paz e
verdadeiro amor (v.60; Gl 5.22); 2) A glória de Deus se manifesta evidente, trazendo firmeza e esperança assertiva (Jo 17.5,24;
1Pe 1.5-8); 3) Jesus Cristo, o Messias, é exaltado. E, “em pé”, assim como o Pai de muitos filhos pródigos, abre os braços e os
céus para os crentes (Mc 14.62).
20 Raramente outra pessoa (além do próprio Senhor) referia-se a Jesus como “o Filho do homem” (Mt 25.31; Mc 2.10; 8.31).
Esse era um dos títulos do Messias profetizado no AT (Dn 7.13-14; Ap 1.13).
berros, atiraram-se todos juntos contra invadindo casa após casa, arrastando ho-
ele. mens e mulheres para jogá-los ao cárcere.
58 E arrastando-o para fora da cidade, o
apedrejaram. As testemunhas deixaram A Igreja prega para todos
suas roupas aos pés de um jovem 4 Enquanto isso, os que haviam sido dis-
chamado Saulo.21 persos pregavam a Palavra por onde quer
59 Assim, enquanto apedrejavam Este- que fossem.2
vão, este declarava em oração: “Senhor 5 Indo Filipe para uma cidade de Sama-
Jesus, recebe o meu espírito!”. ria, ali lhes anunciava a Cristo.3
60 Então caiu de joelhos e clamou em 6 Assim que o povo ouviu a Filipe, e viu
alta voz: “Senhor, não lhes atribuas este os sinais e maravilhas que ele realizava,
pecado!”. E, tendo dito estas palavras, deu unânime e absoluta atenção ao que
adormeceu.22 ele ensinava.
7 Porquanto os espíritos imundos aban-
21 A palavra de Estevão, ao invés de gerar arrependimento, produziu mais ira e indignação, pois os argumentos foram
os mesmos que levaram Jesus à cruz. É lamentável como a humanidade repete seus erros mais terríveis e vai esgotando a
longanimidade divina. A expressão no original grego, aqui traduzida por “atiraram-se”, tem o sentido de “linchamento sumário”.
As “testemunhas”, isto é, as primeiras pessoas que acusaram Estevão de blasfemo tiveram a “honra” de arremessar as primeiras
pedras contra ele, e depositaram suas roupas aos pés do supervisor da execução: Saulo (22.20), membro do Sinédrio e que mais
tarde seria convertido pelo próprio Jesus, do qual se tornaria servo e pelo qual morreria em condições semelhantes a Estevão.
22 Estevão morreu seguindo o exemplo do seu mestre Jesus (1Pe 2.21-24) e teve o privilégio de nos legar a descrição
sumarizada do mais almejado momento na vida de um cristão: o seu encontro com o Senhor no céu (v 55,56). Diante do
sofrimento da morte e da glória que vislumbrava, Estevão buscou forças para suplicar a Deus pela salvação de muitos daqueles
que ali estavam (como Saulo, por exemplo), cujas mentes e corações estavam completamente embotados para a Verdade e o
Reino, mas que careciam de mais uma oportunidade a fim de que não perdessem a glória eterna que Estevão já podia contemplar
enquanto sua vida na terra se esvaía. Outro exemplo de Cristo (Lc 23.34).
Capítulo 8
1 A Igreja passou a exercer seu ministério de forma subversiva e subterrânea, fugindo da injusta e implacável perseguição
das autoridades judaicas e romanas. Por isso, a presença dos apóstolos em Jerusalém foi um marco de resistência e ânimo aos
dispersos e discípulos que eram sumariamente encarcerados. Neste momento da história, a maior perseguição era movida contra
os crentes helênicos (de origem grega), que como Estevão tiveram uma visão mais ampla do universalismo do Evangelho que
viria a substituir as tradições superadas do Judaísmo.
2 A Igreja estava em explosão. Inúmeros discípulos e testemunhas do Evangelho iam por todos os lugares, pregando as Boas
Novas: Jesus (11.19-20).
3 A cidade de Samaria, antiga capital da região de Samaria, teve seu nome alterado para Sebaste, ou em grego: Neápolis (atual
Nabius). Justino Mártir, um dos pais da igreja primitiva, afirma que Simão, o Mago, era natural de uma cidade chamada Gita, na
Samaria. Filipe, um dos Sete de Jerusalém (6.5) e que fora também disperso, recebeu o dom de evangelizar (21.8) e, cheio do
Espírito, pregava a Jesus, o Cristo (o Messias). Uma ótima preparação do coração dos samaritanos havia sido feita pelo próprio
Senhor (Jo 4) e multidões atenderam ao chamamento de Filipe. Os samaritanos e saduceus aceitavam apenas os livros de Moisés
como as Sagradas Escrituras.
4 Nos antigos escritos dos pais da Igreja (líderes e pensadores cristãos dos primeiros séculos), o bruxo (mago, feiticeiro) Simão
é apresentado como grande inimigo do Cristianismo e criador da doutrina herege gnóstica chamada “simoniana” que perdurou
até o século III. Simão alegava ser o principal representante de Deus na terra.
5 Simão identificou-se com o poder demonstrado por Filipe, e creu apenas intelectualmente na pregação do Evangelho. Ele
queria o poder de Deus e não o Deus do poder. Infelizmente, esse é um engano que vem ocorrendo até nossos dias. A maior e
mais difícil demonstração de conversão da alma de uma pessoa está na sua humilde e permanente obediência à Palavra. Pedro
percebe que Simão não havia permitido ainda que o Evangelho transformasse seu coração, e o exorta a buscar o perdão do
Senhor. Todos os crentes devem almejar viver em santidade, mas ao errar (Fl 3.14) devem arrepender-se sinceramente (1Jo 2.1-
2), voltando imediatamente ao Caminho (Jesus).
6 A Igreja em Jerusalém assumiu a responsabilidade de cuidar das novas congregações que surgiam a todo momento em
várias partes. Samaria completa a terceira onda na prometida expansão geográfica do Evangelho com destino aos confins
da terra (1.8; 5.16). João, filho de Zebedeu, amigo querido de Jesus, autor do evangelho que traz seu nome, e de três cartas
canônicas às igrejas e do livro de Apocalipse, aparece aqui pela última vez no livro de Atos (Gl 2.9). É interessante notar o
amadurecimento espiritual daquele que quis mandar fogo do céu sobre os samaritanos, mas que agora invoca sobre eles o
Espírito Santo (Lc 9.54).
7 Em Atos, o recebimento do Espírito Santo tem como evidência inicial a manifestação de algum dom do Espírito. Todos os que
pertencem a Cristo recebem o dom do Espírito Santo (Rm 8.9). Entretanto, o Espírito não havia ainda se manifestado aos cristãos
de Samaria, e, por isso, esse evento passou a ser conhecido como o “Pentecostes de Samaria” (10.44). É interessante notar que
a expressão grega transliterada: eis to onoma, e que significa: “em nome”, era uma maneira de formalizar um documento de
transferência de propriedade ou de recursos financeiros para “o nome” ou o domínio de alguém (Cl 1.13).
8 O estado de amargura apontado por Pedro em relação a Simão é uma expressão que tem origem no AT (Dt 29.18 e citado
em Hb 12.15). Nesse contexto, refere-se a um tipo de má influência que, uma pessoa envolvida em pecado passa a exercer sobre
todo o povo. Pedro não está dizendo que Simão cometeu um pecado imperdoável (Mt 12.32), mas sim que carecia de profundo
quebrantamento na presença do Senhor para apropriar-se do perdão divino. Infelizmente, a falta de humildade de Simão, o Mago,
era nítida (v.24).
9 Gaza foi uma das cinco grandes capitais dos filisteus. Entretanto, a frase “pelo caminho deserto” indica a velha cidade,
destruída por Alexandre Janeu em 93 a.C., e que ficava a 80 km de Jerusalém. A Etiópia correspondia, nessa época, à região
da Núbia, desde o alto do Nilo (da catarata de Assuã) até Cartum. A rainha mãe etíope recebia o título de “Candace”, e era
responsável pelos deveres seculares do monarca reinante (considerado demasiado sagrado para exercer esses serviços). Era
comum usar eunucos, como homens de confiança e oficiais, nos governos orientais. Irineu, um dos pais da igreja primitiva (180
a.C.), relata em seus escritos que esse eunuco se tornou dedicado missionário cristão entre os etíopes. Ler em voz alta era uma
forma de mostrar reverência ao texto sagrado na antigüidade.
10 Várias passagens proféticas, como Is 52.13 a 53.12, são praticamente incompreensíveis para todos aqueles que desconhe-
cem a história de Jesus Cristo. Ao longo dos séculos, os judeus gradativamente foram se afastando da interpretação messiânica
original e atribuindo a antiga figura do Messias ao próprio povo de Israel, tanto no sofrimento quanto em sua futura exaltação.
11 Esse versículo não consta de vários manuscritos gregos. Entretanto, aparece em alguns originais como uma nota litúrgica
rabínica desde os tempos da igreja primitiva. E, por isso, consta das edições da Bíblia King James desde 1611.
12 Azoto era conhecida como Asdode, uma das cinco cidades da Filístia (1Sm 5.1). Situava-se a cerca de 30km de Gaza e a
100km de Cesaréia. O relato de Lucas deixa Filipe, nesse momento, na grande cidade portuária de Cesaréia, onde reaparece 20
anos mais tarde (21.8), exercendo seu dom de evangelista e cooperando com a liderança apostólica da Igreja. Todas as vezes
que Lucas usa a expressão: “cheio de júbilo” ou “pleno de alegria”, refere-se a um estado de plenitude espiritual produzido pela
presença abundante do Espírito Santo. É a alegria da salvação (16.34; Mc 10.22).
1 Um dos títulos de Jesus era “o Caminho” (Jo 14.6). Com o passar do tempo, as pessoas do povo foram se referindo aos
discípulos e seguidores de Jesus como “os do Caminho”. Essa expressão tornou-se um termo técnico, usado para denominar o
cristianismo. Foi o nome primitivo da religião cristã (16.17; 18.25,26; 19.9,23; 22.4; 24.14,22; 2Pe 2.2).
2 Saulo (em aramaico: shã’ül, Saul, que significa: “pedido de Deus”) surge para a história diante da morte do diácono Estevão
(nome grego que significa: “coroa”), executado sumariamente por apedrejamento (7.58). Somente os romanos praticavam a cru-
cificação dos condenados à morte. Saulo ouviu o discurso de Estevão e supervisionou sua condenação e linchamento, como de
costume (22.4; 26.10). Nascido na cidade grega de Tarso (judeu fariseu e cidadão romano) , estudou com o mais importante mestre
da época, Gamaliel (22.3; Fl 3.4-14). A conversão de Saulo é o mais importante fato histórico, desde o Pentecostes até nossos dias.
Essa luz, vinda do céu, ocorreu por volta do meio-dia (26.13). Saulo sabe que é uma voz divina que ouve em sua língua natal: o
aramaico, mas quer saber com quem fala da parte do Senhor. Pela tradição rabínica, possivelmente um anjo estivesse lhe trazendo
uma mensagem de Deus. Entretanto, ele ouve a voz de Jesus que lhe questiona a razão para tanto ódio e perseguição. Jesus deixa
claro que todo aquele que atentar contra a Igreja e seus discípulos, contra Ele próprio estará se indispondo.
3 Ananias (22.12) era um nome bastante comum e derivado da forma hebraica Hananiah, que quer dizer: “O Senhor demonstra
sua graça” (Dn 1.6). A rua Direita existe até hoje em Damasco, sendo uma longa e reta avenida que corta toda a cidade de leste a
oeste. Difere muito das demais ruas e avenidas da cidade que, em sua maioria, são sinuosas. Tarso, a cidade natal de Saulo, era
um grande centro universitário e capital da Cilícia.
4 Uma forma respeitosa e carinhosa de se referir aos discípulos de Cristo (o Justo – 7.52) era chamá-los de “santos” (esco-
lhidos, separados para Deus), pois, uma vez batizados com o Espírito Santo, todos os crentes passam a ser “santos”: povo
exclusivo de Deus (1Pe 2.9).
5 A expressão grega aqui traduzida por “instrumento” também pode ser interpretada como “vaso”. Neste sentido, podemos ob-
servar a ação de Deus, escolhendo “vasos” (pessoas) para consagrá-los ao seu serviço (2Tm 2.20-21); capacitados para agirem
em o Nome de Jesus (1Co 11.1); vazios de si mesmos e do poder do pecado, mas cheios do Espírito Santo (17; Gl 2.20).
6 Saulo que presenciou a morte e o sofrimento de tantos cristãos, sem compreender a loucura daquele suposto fanatismo,
agora se tornará o judeu, crente em Jesus Cristo, mais brilhante e dedicado da história da Igreja. Seu sofrimento será um teste-
munho de amor ao Senhor e luta pela salvação da humanidade (Cl 1.24; 2Co 11.23). Falará aos reis gentios como Agripa (26.1)
e o poderoso César em Roma (25.11-12; 28.19).
7 Jesus buscou pessoalmente a Saulo para nomeá-lo seu servo e apóstolo (em grego: apostellõ). E sobre este fato, Paulo
firmou toda sua vida de ministério apostólico, pois fora comissionado diretamente por Jesus Cristo (1Co 9.1; 15.8).
8 Saulo, devido a sua cultura rabínica, adotou o costume de Jesus de visitar as sinagogas e aceitar os convites normalmente
feitos aos mestres visitantes para pregar (13.5; 14.1; 17.1-10; 18.4-19; 19.8). A mensagem de Paulo falava diretamente ao coração
dos gentios e refletia sua experiência e convicção pessoal, que passara a ter após seu maravilhoso encontro com Cristo na estra-
da de Damasco. É interessante notar as ênfases doutrinárias de Paulo, quanto a Jesus ser o Filho Unigênito de Deus e o Messias
prometido; e de Pedro, quanto à sua proclamação de que Cristo é o Senhor.
9 A expressão no original grego é literalmente “quando se completaram dias consideráveis”. Entretanto, o próprio apóstolo Pau-
lo nos informa que após sua conversão e restabelecimento físico, retirou-se para o deserto da Arábia (na vizinhança de Damasco)
por quase três anos, onde se dedicou ao estudo, oração e ao seu desenvolvimento espiritual.
10 A fama de Saulo era tão horrível que os discípulos em Jerusalém temiam que ele apenas estivesse se fazendo passar por
crente a fim de capturar o maior número de fiéis possível. Todos os apóstolos estavam ausentes naquele momento, menos Pedro
e Tiago, o irmão de Jesus Cristo. Apesar de Tiago não ser oficialmente um dos Doze, tinha uma posição de autoridade espiritual
plenamente reconhecida em Jerusalém e comparável a de um apóstolo.
11 Essa é a primeira vez que a palavra grega “igreja” aparece no singular, significando a totalidade do Corpo de Cristo (Gl 1.22;
1Ts 2.14). A igreja ideal é edificada no amor e na Palavra (Rm 15.1-14); vive motivada e impulsionada pelo Espírito Santo (a palavra
“encorajamento” vem do original grego paraklesis, que quer dizer: “animar, exortar em amor indicando o melhor caminho”). O
Espírito Santo, além de nosso Advogado (guia e defensor) é nosso principal encorajador (Jo 14.16-26). Uma igreja assim sen-
te-se motivada a evangelizar (comunicar as Boas Novas aos semelhantes) e, portanto, cresce multiplicando-se em número (8.4).
Pedro ora por curas e prodígios com eles. Assim que chegou, levaram-no
32 Aconteceu que, viajando Pedro por ao aposento do andar de cima da casa.
toda parte, chegou também aos santos Todas as viúvas o rodearam, chorando
que habitavam em Lida. e mostrando-lhe os vestidos e outras
33 Ali encontrou um homem paralítico roupas que Dorcas havia feito para elas
que se chamava Enéias, e que estava enquanto estava viva.
prostrado numa cama fazia oito anos. 40 Pedro pediu que todos deixassem o
34 Então, Pedro lhe afirmou: “Enéias, quarto; em seguida, ajoelhou-se e orou.
Jesus, o Cristo, cura a ti. Levanta-te e Dirigindo-se à mulher morta, ordenou-
arruma a tua cama”. E ele se levantou no lhe: “Tabita, levanta-te!”. Ela abriu os
mesmo instante. olhos e, vendo a Pedro,13 sentou-se.
35 E viram-no todos os que moravam em 41 A seguir, ele lhe deu a mão e ajudou-a
Lida e Sarona, os quais se converteram a colocar-se em pé. Então, chamando os
ao Senhor. santos, principalmente as viúvas, apre-
36 Entrementes, havia em Jope uma sentou-a viva.
discípula chamada Tabita, que em grego 42 Este fato se tornou conhecido por toda
significa Dorcas; que se dedicava ao mi- a cidade de Jope, e foram muitos os que
nistério de boas obras e ajuda financeira passaram a crer no Senhor.
aos pobres. 43 Pedro ficou muitos dias em Jope, hos-
37 E aconteceu que naqueles dias ela fi- pedado na casa de um curtidor de peles
cou muito doente e morreu. Seu corpo chamado Simão.14
foi banhado e colocado em um quarto,
no andar superior da casa.12 A visão do centurião crente
38 Como a cidade de Lida ficava pró-
xima de Jade, quando os discípulos
ficaram sabendo que Pedro estava ali,
10 Havia em Cesaréia um homem
chamado Cornélio, centurião
do regimento militar conhecido como
logo enviaram-lhe dois homens com o italiano.1
seguinte pedido: “Não te demores em 2 Esse homem era piedoso e temente a
vir até nós!”. Deus, assim como toda a sua família. Ele
39 Então, levantando-se Pedro partiu era generoso em ajudas financeiras aos
12 Judeus e gregos tinham o costume de banhar os corpos em preparação (purificação) para o sepultamento. Em Jerusalém,
o corpo deveria ser sepultado no mesmo dia que a pessoa morresse; mas, fora dos muros da cidade, permitia-se um período de
até três dias para o sepultamento. Entretanto, o corpo deveria ser colocado num quarto ou andar superior da casa. Os discípulos
esperaram com fé pela chegada de Pedro.
13 Pedro havia estado presente nas ocasiões em que os evangelhos registram Jesus ressuscitando pessoas (Mt 9.15; Lc 7.11-
17; Jo 11.1-44). Ele cumpre sua comissão de Mt 10.38 e, assim como Elias e Eliseu no AT (1Rs 17.17-24; 2Rs 4.8-37), Pedro ora ao
Senhor e então ordena que Dorcas volte à vida. Diante dessa demonstração de que Jesus, por meio do Seu Espírito, continuava
a viver e a operar em seus discípulos, muitas pessoas de toda aquela região creram (Jo 11.41,42; 12.9-11). Jope situava-se cerca
de 60km de Jerusalém, sendo um grande porto marítimo da Judéia. Hoje é chamada de Yafo, uma importante comunidade
residencial de Tel Aviv. Lida ficava a cerca de 20km de Jope.
14 Um curtidor de couro trabalhava no tratamento das peles dos animais mortos e, por isso, segundo a tradição judaica,
tornava-se impuro e era desprezado pelo povo em geral. Ao aceitar a hospedagem de Simão, o curtidor, Pedro demonstra uma
forte disposição de rejeitar o antigo preconceito religioso judaico. Mais tarde, sua visão será ainda mais ampliada por Jesus, que
o enviará como missionário aos gentios.
Capítulo 10
1 Cesaréia ficava cerca de 50km ao norte de Jope. O centurião era um oficial romano que comandava uma unidade militar
composta de 100 homens (Lc 7.2). Uma legião romana (cerca de seis mil soldados) era dividida em dez regimentos ou cortes,
cada grupo adotava um nome. Esse era chamado de “Italiano” (assim como o que aparece em 27.1 se chamava “Imperial”). Cada
centurião tinha comando sobre a sexta parte de um regimento e, em geral, tinham boa formação (Lc 7.5). Nota-se a importância dada
à conversão deste primeiro gentio (veja os capítulos 10,11 e 15.7-14). Essa é uma época em que as tradições milenares judaicas se
misturam aos novos conceitos cristãos. Muitos pregavam que os pagãos convertidos a Jesus deviam se tornar membros irrepreen-
síveis na Igreja e guardar a Lei. E os judeus convertidos deviam aceitar os gentios e com eles ter plena comunhão.
2 Cornélio era um gentio monoteísta e que participava do culto na sinagoga, guardava o sábado e os ritos quanto à alimenta-
ção. Ele tinha todas as qualificações de um prosélito, menos a circuncisão e o batismo, cerimônias indispensáveis no testemunho
de conversão ao judaísmo. O texto no original sugere que Cornélio orava pedindo a Deus por uma revelação quanto ao verdadeiro
Caminho que deveria seguir, pois seu coração generoso ainda clamava pelo preenchimento do Espírito. A missão do anjo foi unir
rapidamente Cornélio e Pedro (8.26; 9.10).
3 A expressão literal “hora nona” corresponde às três horas da tarde (um dos horários de oração com incenso dos judeus) e de-
monstra o quanto Cornélio procurava cumprir as práticas religiosas judaicas (3.1). Na visão de Cornélio, apesar do susto natural,
não ocorreu qualquer espécie de êxtase, apenas a transmissão de um recado de Deus, enquanto aquele orava (v.30; 9.11).
4 Deus compara as orações de um coração fiel, sincero e generoso à porção da oferta dos manjares que era queimada diante
da Sua presença no AT, chamada: “memorial”. As orações de Cornélio assemelhavam-se aos sacrifícios dos judeus piedosos
esperando pelo Messias (Lv 2.2-16).
5 Eram comuns nas casas palestinas os telhados planos, em laje, com escadarias externas. O terraço superior (eirado) era usa-
do como lugar apropriado para momentos de reflexão, devoção e, em outras oportunidades, para reuniões sociais a céu aberto.
6 A expressão nos originais gregos, aqui traduzida por “êxtase”, revela que Deus produziu na mente de Pedro um estado
especial de consciência, por meio da qual poderia ver e ouvir perfeitamente a mensagem que o Senhor lhe desejava transmitir.
Não foi uma alucinação, nem tampouco imaginação, fruto de qualquer vertigem. A expressão “céu aberto” indica uma concreta
revelação divina (Lc 3.21). O meio-dia corresponde à forma literal: “hora sexta”.
7 A expressão: “toda espécie de quadrúpedes” significa: toda a criação, incluindo os animais puros e impuros (Lv 11), assim
como na tríplice divisão do mundo animal aparece em Gn 6.20.
8 A expressão original grega: thuseis significa mais que o simples ato de matar um animal para comer, seu sentido amplo
e correto é: “oferecer em sacrifício”. Essa é uma indicação clara de Deus para que Pedro (e todos os judeus) deixem de lado
todas as barreiras religiosas quanto ao estabelecimento de uma plena comunhão de mesa com os gentios de todas as nações
(Gl 2.12-21).
9 Jesus já havia preparado o caminho para que as ordenanças quanto aos alimentos religiosamente puros e impuros fossem
superadas por outros valores mais importantes do Reino (Mt 15.11; 1Tm 4.3-5). Pedro, como nós, parece sempre necessitar ouvir
algumas repetições da parte do Senhor.
10 Ao convidá-los a entrar e oferecer-lhes alojamento, Pedro está, humildemente, dando o primeiro passo em direção à acei-
tação dos gentios. Pois, pelas antigas leis judaicas, um judeu jamais poderia receber um gentio sob o mesmo teto. O Espírito
confirmou o significado surpreendente (para um judeu tradicional), mas evidente, da visão. Deus aboliu em Cristo qualquer
distinção entre judeus e gentios (Gl 3.28). Seis crentes judeus foram com Pedro na expectativa de participar de algum evento
importante (10.45; 11.12).
11 Pedro compreendeu que sua visão tinha um sentido mais profundo e abrangente do que apenas declarar a distinção entre
uma carne pura e boa para o consumo de uma imprópria; reconheceu que o grande obstáculo que por séculos separou os judeus
dos demais povos da terra, em Cristo, havia sido vencido (Ef 2.11-22). O fundamento do evangelho universal foi a base dos ideais
democráticos e abolicionistas (nenhum homem deve ser escravo de outro, por nenhuma razão).
12 Os judeus contavam parte de um dia como um inteiro. Portanto, foram quatro dias: o dia em que o anjo apareceu a Cornélio,
o dia que os mensageiros chegaram à casa onde estava Pedro, o dia em que a comitiva parte com Pedro de Jope e, o quarto dia,
em que chegam à casa de Cornélio. Alguns originais antigos e fiés em grego trazem a expressão “jejuando” ao lado do vocábulo
“orando” (como em Mt 9.15).
dades, recebe todo aquele que o teme e 42 E foi Ele mesmo que nos mandou
pratica a justiça. pregar a todas as pessoas e testemunhar
36 Esta é a Palavra que Deus mandou aos que foi a Ele que Deus constituiu Juiz dos
filhos de Israel, anunciando-lhes o evange- vivos e dos mortos.17
lho da paz, por intermédio de Jesus Cristo. 43 Todos os profetas testemunham sobre
Este, portanto, é o Senhor de todos.13 Ele, afirmando que qualquer pessoa que
37 Essa Palavra, vós muito bem conhe- nele crê recebe o perdão de todos os pe-
ceis, foi proclamada por toda a Judéia, cados, mediante o seu Nome”.
começando pela Galiléia, depois do ba- 44 E aconteceu que enquanto Pedro ain-
tismo pregado por João,14 da pronunciava estas palavras, o Espírito
38 e se refere a Jesus de Nazaré, de como Santo desceu de repente sobre todos os
Deus o ungiu com o Espírito Santo e que ouviam a mensagem.
poder, e como ele caminhou por toda a 45 Aqueles crentes judeus que vieram
parte realizando o bem e salvando todos com Pedro ficaram admirados de que o
os oprimidos pelo Diabo, porquanto dom do Espírito Santo estivesse sendo
Deus era com Ele. derramado inclusive sobre os gentios,18
39 E nós somos testemunhas de tudo o 46 porquanto, os ouviam se expressando
que Ele realizou na terra dos judeus, bem em línguas estranhas e exaltando a Deus.
como em Jerusalém, onde o assassinaram, Diante disso, exclamou Pedro:
suspendendo-o num madeiro.15 47 “Será possível que alguém ainda recuse
40 Deus, entretanto, o ressuscitou ao ter- água e impeça que estes sejam batizados?
ceiro dia e lhe concedeu que fosse visto, Eles, assim como nós, receberam o mes-
41 não por toda a população, mas por mo Espírito Santo!”.19
testemunhas que previamente escolhera 48 Em seguida, mandou que fossem
para este propósito, por nós que co- batizados em o Nome de Jesus Cristo.
memos e bebemos com Ele depois que Então, suplicaram a Pedro que permane-
ressuscitou dos mortos.16 cesse com eles por alguns dias.
13 A primeira mensagem dirigida aos gentios revela que Deus não é como um rei que dispensa favores aos seus favoritos. Essa
frase no grego é uma tradução do hebraico e se refere a um juiz parcial e interesseiro. Pedro não prega a salvação por méritos ou
obras, mas a aceitação de Deus, oferecida graciosa e misericordiosamente a todos os seres humanos de todas as nacionalida-
des. Nem raça ou rito religioso salvam. Somente o dom gratuito de Deus, que se revela a quem o busca com sinceridade (17.27).
Cristo não é somente o Messias nacional de Israel, mas o Rei do Universo. Só por meio de Jesus Cristo pode haver paz entre
Deus e os seres humanos (Is 52.17) e entre judeus e gentios (Ef 2.17).
14 Cesaréia ficava cerca de 35km de Nazaré. Portanto, era muito natural que as notícias sobre a vida e o ministério de Cristo
por toda a Galiléia houvessem chegado ao conhecimento do povo de Cesaréia, especialmente aos novos convertidos (judeus e
gentios). Pedro começa sua exposição bíblica, do mesmo modo que o esboço de Marcos, com o batismo realizado pelo profeta
João Batista e segue até a ressurreição de Jesus Cristo. Esse é um fato extremamente importante, uma vez que os pais da Igreja
primitiva consideravam Marcos como grande amigo, intérprete e escriba de Pedro.
15 O vocábulo “madeiro”, nos originais em grego: xulon, que significa: “mastro feito de árvore” ou “estaca de madeira”, é uma
expressão característica de Pedro (5.30 e 1Pe 2.24).
16 As pessoas que tiveram o privilégio de comer e beber com Jesus após sua morte e ressurreição, foram testemunhas oculares
das evidências inconfundíveis da sua ressurreição física (Lc 24.42-43; Jo 21.12-15; Ap 3.20).
17 Pedro refere-se à comissão dada aos apóstolos e a todo crente em Jesus (Lc 24.47-48; At 1.8). Jesus é o Juiz de vivos e
mortos (1Pe 4.5-6).
18 A expressão literal usada para descrever o advento do Espírito naquele momento foi: “caiu o Espírito”, cujo sentido está na
velocidade e amplitude do fenômeno, que num instante tomou por completo a cada um dos indivíduos presentes. Esse fato ficou
conhecido como o Pentecostes dos gentios (mesmo antes do batismo), confirmando assim a inclusão daqueles crentes na Igreja,
sem a necessidade de passar pelos ritos de conversão ao judaísmo.
19 Os primeiros cristãos judeus tinham grande dificuldade em aceitar que os gentios convertidos a Jesus tivessem os mesmos
direitos e participação nas bênçãos da redenção. Todavia, os gentios haviam recebido o mesmo dom (11.17) dos crentes judeus.
Os crentes gentios foram agraciados com a mesma visitação poderosa do Espírito de Deus e falaram em línguas, exatamente
como seus irmãos judeus no Dia de Pentecostes. Essa era uma evidência inquestionável de que o Reino estava pronto a receber
judeus e gentios. Portanto, o batismo – como marca e símbolo da união do crente com Cristo e Seu Corpo (a Igreja) – não pode,
de maneira alguma, ser jamais negado a todo aquele que, arrependido dos seus pecados, desejar unir-se a Jesus e viver eterna-
mente em Seu Reino (Rm 6.3-5; 1Co 12.13).
1 A repetição, em sua essência, da narrativa da conversão de Cornélio demonstra a importância que o assunto da admissão dos
não judeus (gentios) à plena comunhão da Igreja teve para Lucas e seus contemporâneos. Às vezes, a expressão “irmãos” é usa-
da em alusão aos que possuíam ascendência judaica em comum (2.29; 7.2). Contudo, nos contextos cristãos a mesma expressão
tem o sentido de “unidos em Cristo” (6.3; 10.23). Em questões mais complicadas ou polêmicas, os apóstolos preferiam não tomar
decisões isoladas. Embora a vontade divina oferecesse orientação clara e segura, e os apóstolos muito bem a interpretavam e
encorajavam sua contínua busca diante de Deus, o conselho e aprovação de toda a Igreja – como Corpo de Cristo – já era uma
atitude de sabedoria praticada por muitos deles (6.5; 11.1,22; 15.4 de acordo com 15.22).
2 Não demorou para que se formasse na Igreja primitiva grupos que defendiam politicamente certos pontos de vista. Os crentes
judaicos (circuncisos) que se opuseram à aceitação de gentios incircuncisos na Igreja, se constituíram no partido da circuncisão
ou judaizantes. Eles pregavam a manutenção da obediência completa e irrestrita a Lei, o cumprimento do ritual da circuncisão,
da guarda do sábado e dos alimentos puros, assim como da exclusividade dos judeus na comunhão da mesa (15.1-5; 21.20;
Gl 2.4,12).
3 A expressão “tu e toda a tua casa” não se refere apenas à família, mas de igual modo aos escravos, empregados e a todas as
pessoas que estivessem sob a autoridade e proteção de Cornélio (Gn 6.18).
4 Pedro e seis judeus crentes formaram as sete testemunhas que, especialmente para os judaizantes, era o número necessário
para garantir a veracidade de um relatório daquela natureza e importância (Ap 5.1). Os judeus interpretavam o advento do Espírito
Santo como uma bênção exclusiva para o povo de Israel. Pedro, inspirado pelo Espírito Santo, teve seu próprio preconceito
quebrado e sua visão do Reino ampliada. Por isso, com propriedade, colocou diante dos irmãos, especialmente do partido da
circuncisão, que ele não se via com autoridade para opor-se a uma ordem expressa de Deus. Qualquer impedimento à livre
participação dos crentes gentios na vida da Igreja, doravante, seria considerada como uma resistência à vontade soberana do
Altíssimo (Gl 5.1-4).
5 Os judaizantes ficaram sem argumento e se renderam intelectualmente à defesa de Pedro. Entretanto, emocionalmente ainda
não estavam plenamente convencidos, o que acarretaria sérios problemas futuros (At 15; Gl 2).
6 Antioquia era a terceira cidade mais importante do Império Romano na época (depois de Roma e Alexandria). Situava-se cerca
de 25km distante do litoral, no canto nordeste do Mediterrâneo. Aqui surgiu a primeira igreja constituída, em sua maioria, por
gentios convertidos. De Antioquia partiram as três grandes viagens missionárias de Paulo (13.1-4; 15.40; 18.23). Barnabé era de
Chipre (4.36), Lúcio de Cirene (13.1) e os filhos de Simão, bem conhecidos na Igreja primitiva (Mc 15.21; Rm 16.15). É interessante
notar que os fundadores das igrejas de Roma e Antioquia eram leigos. Jesus Cristo passa a ser apresentado aos gentios como
Senhor (em grego: kurios), pois o Messias e seu ministério estão mais relacionados a Israel e seu povo (2.36; 5.42; 8.5; 9.22).
7 A igreja adotava o princípio de enviar líderes “cheios do Espírito” (Estevão, Barnabé) para ensinar e encorajar os novos grupos
de crentes (igrejas) que iam espontaneamente se formando em vários lugares (4.36; 6.5; 8.14; 9.27). A origem do título: “cristãos”
para os crentes e seguidores de Jesus Cristo é nebulosa. Entretanto, quer tenha sido formulado pelos inimigos do Evangelho
como uma expressão de crítica, ou fruto da criação popular, o fato é que o termo, nos manuscritos gregos mais antigos e fiéis
significa: “aqueles que pertencem a Cristo”.
8 Os profetas do AT e NT eram carismáticos e comunicavam a Palavra pelo poder do Espírito Santo (1Pe 1.10-12). Nas listas
dos líderes da Igreja geralmente ocupam o segundo lugar, logo após aqueles que foram agraciados com o dom apostólico (1Co
12.28-29; Ef 4.11), com quem formam a base da liderança espiritual para servir à Igreja (Ef 2.20-21). A expressão: “todo mundo”,
como aparece em algumas versões, se refere a “todo o mundo dominado pelo Império Romano na época”. O imperador Cláudio,
governou Roma durante os anos 41 e 48 d.C. A história registra um terrível período de fome que se abateu sobre todo o Império,
principalmente no ano 46 d.C. Ágabo predisse também a prisão de Paulo (21.10). Em Atos, os profetas não apenas pré-anunciam
eventos importantes (v.27; 21.9-10), como também se ocupam do ensino e encorajamento do povo mediante a Palavra (15.32).
9 Na Igreja primitiva, era comum os membros mais ricos cooperarem com ofertas mais generosas, ainda que voluntárias (1Co
16.1). A decisão espontânea e unânime de ajudar os crentes necessitados da Judéia demonstra o verdadeiro sentido do amor
e da unidade da Igreja.
10 Aqui aparece a primeira referência aos presbíteros da Igreja (literalmente no original grego: “anciãos”). Esse era um termo
geral para os líderes das igrejas locais que formavam uma espécie de colegiado para liderança dos crentes, e que podia incluir
irmãos de vários dons: profetas, mestres, pastores (14.23; 20.28; Tt 1.5; 1Pe 5.2). Em Gl 2.1-2, somos informados de que essa
“visita” de Saulo e Barnabé contou com a presença de Tito e foi realizada “em obediência a uma revelação”.
1 Herodes Agripa I era filho de Aristóbulo, sobrinho de Herodes Antipas (que mandou decapitar João Batista e interrogou a
Jesus). Foi neto de Herodes o Grande (Mt 2; Mt 14.3-12; Lc 23.8-12). Quando Antipas foi exilado, Agripa recebeu a tetrarquia
(jurisdição) dele, bem como as de Filipe e Lisânias (Lc 3.1). Agripa foi educado em Roma; era amigo do terrível imperador Calígula
e apoiou a nomeação de Cláudio ao trono, que lhe retribuiu, em 41 d.C., com o acréscimo das regiões da Judéia e Samaria ao
reino que lhe havia sido concedido por Calígula. Conquistou a subserviência de muitos judeus (25.13).
2 Tiago e o apóstolo João eram os dois filhos de Zebedeu, primos e discípulos de Jesus (Mt 4.21; Mc 10.35-39). Como o Senhor
lhes havia profetizado, ambos beberam o cálice que lhes estava proposto (Mt 20.20-28). Tiago foi decapitado cerca de dez anos
após a ressurreição do Senhor.
3 A festa dos pães asmos (sem fermento) começava com as celebrações da Páscoa e durava oito dias. Neste momento
histórico, Pedro era o mais destacado líder espiritual da Igreja, o que levou muitos a pensar erroneamente que fosse uma espécie
de sucessor imediato de Jesus. O próprio Pedro jamais aceitou tal tipo de insinuação (10.24-26). Com o passar do tempo, ele
mesmo reconheceria a superioridade de Paulo (2Pe 3.15-16).
4 Os romanos dividiam a noite em quatro vigílias. Por isso, destacaram um grupo de quatro soldados para ficar acordados,
vigiando a Pedro, em cada turno.
5 Diante de obstáculos aparentemente intransponíveis, a oração é o mais poderoso canal de comunicação com Deus, que
sempre proverá uma solução. A expressão original grega: ektenõs significa “fervorosamente, ardentemente”, e foi usada por
Pedro em 1Pe 1.22 e 4.8 para descrever o verdadeiro amor cristão, que deveria ser a principal marca da igreja de Jesus Cristo
em todo o mundo.
6 Pedro estava preso numa das torres da fortaleza de Antonia, que se situava na região noroeste do Templo. Curiosamente, o
mesmo lugar onde, anos mais tarde, o apóstolo Paulo seria encarcerado (21.34 – 23.30). A luz que brilhou na prisão de Pedro
foi a glória do Senhor (Lc 2.9).
7 Maria era mãe de João Marcos (autor do segundo evangelho), tia de Barnabé (Cl 4.10) e proprietária de uma grande casa,
onde Jesus realizou a última ceia com seus apóstolos (Mc 14.13-15; At 1.13). Agora, o cenáculo (uma espécie de grande sala de
jantar) era o local preferido para as reuniões de oração, compartilhar e ensino na Igreja em formação (4.31). É interessante notar
que os líderes da Igreja estavam ausentes neste evento (v.17).
alpendre, e uma serva chamada Rode eles haviam promovido uma reunião
veio atender. e buscavam uma maneira de serem re-
14 Assim que reconheceu a voz de Pedro, cebidos em audiência por ele. Havendo
tomada de grande alegria, ela correu de conquistado o apoio de Blasto, homem
volta, sem abrir a porta, e exclamou: “É de confiança do rei, pediram paz, pois
Pedro! Ele está lá fora, à porta!”. dependiam das terras do rei para obter o
15 Todavia, eles lhe replicaram: “Estás alimento de suas famílias.
fora de si!”. Mas, diante da forte insistên- 21 Assim, no dia marcado, Herodes,
cia da mulher em afirmar que era Pedro, vestindo trajes majestosos, assentou-se
ponderaram-lhe: “Ora, é possível que no seu trono e proclamou um discurso
tenhais visto o anjo dele”.8 ao povo.
16 Entretanto, Pedro continuou batendo 22 Então, a multidão começou a gritar:
e, quando, enfim, abriram a porta e o “Eis que é um deus e não um simples
viram, ficaram atônitos. mortal que nos fala!”.
17 Ele, por sua vez, fazendo-lhes sinais 23 Mas, considerando que Herodes
com a mão para que se calassem, expli- não ofereceu glória a Deus, no mesmo
cou-lhes como o Senhor o havia liber- instante um anjo do Senhor o feriu, e ele
tado do cárcere, e pediu-lhes: “Anunciai morreu comido de vermes.10
isso a Tiago e aos demais irmãos”. E, 24 Entretanto, a Palavra de Deus continu-
saindo, retirou-se para outro lugar.9 ava a espalhar-se por toda a parte, multi-
18 Assim que o dia raiou, houve enorme plicando-se.11
tumulto entre os soldados quanto ao que 25 E, havendo concluído sua missão,
teria ocorrido a Pedro. Barnabé e Saulo voltaram de Jerusalém,
19 Ordenando uma busca completa e não levando consigo João, também conhecido
o encontrando, Herodes submeteu todos por seu segundo nome, Marcos.12
os guardas a severo interrogatório e, por
fim, os mandou executar. Passados esses A primeira viagem missionária
acontecimentos, foi Herodes da Judéia
para Cesaréia e permaneceu ali durante
algum tempo.
13 Na Igreja em Antioquia havia pro-
fetas e mestres: Barnabé, Simeão,
conhecido por seu segundo nome, Niger,
Lúcio de Cirene, Manaém que era irmão
Herodes morre após aclamação de criação de Herodes, o governador, e
20 Herodes estava tomado de ira con- Saulo.1
tra o povo de Tiro e Sidom; todavia, 2 Enquanto serviam, adoravam e jejua-
8 Os judeus preservavam a crença milenar de que as pessoas são assistidas por seus anjos guardiões. O próprio Jesus lembrou
que, especialmente as crianças e aqueles que não podem cuidar de si mesmos, recebem essa graça de Deus (Mt 18.10; Hb 1.14).
Entre o povo se dizia que, algumas vezes e por certo motivo, um anjo podia assumir a aparência física do seu protegido.
9 Pedro refere-se aqui a Tiago, filho de José e Maria, e, portanto, irmão do Senhor Jesus. Escolhido como moderador da Igreja
em Jerusalém, após o Pentecostes, e autor da carta que traz seu nome (Gl 1.1; 1.19; 2.11), seus ensinos se assemelham em
muito ao estilo de Jesus. Uma comparação entre sua epístola e o Sermão do Monte, por exemplo, revela mais de doze claros
paralelismos. Em 108 versículos encontramos 54 mandamentos. Pedro não foi para Roma até o ano 55 d.C. (Gl 2.1; At 15.2).
10 Era comum naqueles tempos que o povo, inclusive alguns judeus (por intimidação ou adulação), atribuíssem divindade
a um rei, especialmente aos imperadores romanos. O historiador judeu Flávio Josefo registrou em sua obra Antiguidades os
detalhes horríveis da morte que sobreveio a Herodes no ano 44 d.C. Deus zela pela glória que somente a Ele pertence e castiga
severamente o homem arrogante e presunçoso.
11 Esse é o terceiro relatório resumido do avanço extraordinário da Igreja. Mais três ainda serão registrados em Atos (6.7; 9.31;
16.5; 19.20; 28.31).
12 João Marcos, agora adulto, era aquele jovem que fugiu assustado na noite em que Jesus foi preso (Mc 14.51-52) e, que
depois, mais maduro, serviu como missionário na primeira parte da viagem de Saulo e Barnabé (15.38-39); foi discípulo e grande
companheiro de ministério de Pedro, e deixou para a Igreja seu relato do Evangelho.
Capítulo 13
1 O dom de profeta capacitava homens de Deus – tanto no AT como no NT - para a exposição clara e corajosa da Palavra,
com o objetivo de levar as pessoas ao arrependimento sincero e, portanto, de volta à comunhão com Deus. Freqüentemente,
vam ao Senhor, o Espírito Santo lhes lo, homem de grande inteligência. Este,
ordenou: “Separai-me, agora, Barnabé mandou chamar Barnabé e Saulo, pois
e Saulo para a missão a qual os tenho desejava conhecer a Palavra de Deus.
chamado”.2 8 No entanto, Elimas, o mago - pois é as-
3 Diante disso, depois que jejuaram e sim que se traduz o nome dele - opunha-
oraram, lhes impuseram as mãos e os se a eles, tentando desviar o procônsul
enviaram.3 da fé.
9 Contudo, Saulo, que traduzido é Pau-
Saulo notabiliza-se como Paulo lo, cheio do Espírito Santo, olhando
4 Dirigidos, portanto, pelo Espírito San- atentamente para Elimas o repreendeu
to, desceram a Selêucia e dali navegaram dizendo:6
para Chipre.4 10 “Tu estás cheio de toda mentira e malig-
5 Chegando em Salamina, proclamaram nidade. Filho do Diabo, inimigo de tudo o
a Palavra de Deus nas sinagogas judaicas. que é justo. Quando cessarás de perverter
João Marcos os seguia para auxiliá-los.5 os retos caminhos do Senhor?7
6 Depois de atravessarem toda a ilha até 11 Para que saibas que a mão do Senhor
Pafos, encontraram um judeu, chamado é contra ti, ficarás cego a partir de agora,
Bar-Jesus, que praticava feitiçaria e era e não verás a luz do sol por algum tem-
falso profeta. po”. E, no mesmo instante, Elimas sentiu
7 Ele assessorava o procônsul Sérgio Pau- como se um nevoeiro o encobrisse e seus
recebiam o poder divino para prever o futuro e realizar sinais e maravilhas. Apesar de raramente honrados por todos, eram
temidos e invejados (Dt 18.18-20; 2Pe 1.21; At 2.17-18; 1Co 14.29-32; Ef 3.5). Os mestres recebiam especial capacidade divina
para o ensino e a instrução do povo, em teologia bíblica e nos princípios de vida cristã (11.26; 15.35; 18.11; 20.20; 28.31; 1Co
12.28-29; Ef 4.11). Barnabé foi o primeiro missionário cristão a ser enviado pela Igreja de Jerusalém à Antioquia. Sua missão foi
levar donativos e encorajamento espiritual (11.22; 12.25). Simeão Niger tinha antecedentes judaicos, mas era conhecido por um
segundo nome latino: “Niger” (em latim: “negro”), devido à cor negra de sua pele. Lúcio (outro nome latino), como alguns outros
pregadores, vinha de Cirene, capital da Líbia (6.9; 11.20). Manaém, em hebraico: “Menahem” (que significa: “consolador”), foi
irmão de criação de Herodes Antipas e, portanto, conhecia os pensamentos e motivações desse ardiloso e tresloucado monarca
judeu a serviço do Império Romano (Mc 6.14-28; Lc 3.19; 13.31; 23.7).
2 O texto informa que a primeira viagem missionária foi fruto da vontade expressa do Espírito Santo. Enquanto os líderes da
Igreja em Antioquia “serviam” (essa expressão no original grego é: leitourgeõ, que significa, em seu sentido lato, mais do que
simplesmente “liturgia”, e, sim, qualquer obra humana realizada em Nome do Senhor), comunicou-lhes o Espírito, por meio dos
profetas, que separassem os mais dedicados e melhor preparados homens de Deus para uma missão que o próprio Senhor havia
planejado para que seus servos executassem. Em algumas igrejas e organizações para-eclesiásticas, hoje em dia, parece que os
irmãos planejam ações ministeriais para que o Senhor as execute.
3 A imposição de mãos era um ato cerimonial que indicava o compromisso espiritual e material da Igreja para com a vida
dos missionários comissionados e enviados ao campo. Essa designação (comissionamento) era precedida de jejuns e orações
(14.23-26 de acordo com Lc 2.37).
4 Chipre, cidade natal de Barnabé. Grande ilha ao sul da Turquia. Na época, rica na prospecção e exploração comercial do
cobre. No AT era conhecida como Quitim.
5 Os missionários obedeceram ao mandato messiânico e ofereceram o Evangelho, primeiramente aos judeus (Rm 1.16). João
Marcos foi como “auxiliar” (no original grego: hupereten que significa: “ministros da Palavra”, como aparece em Lc 1.2). Esses
“auxiliares” eram professores (catequistas), autorizados pelos líderes da Igreja, que, como Marcos, foram testemunhas oculares
dos acontecimentos históricos da vida de Jesus Cristo.
6 O nome Saulo vem da expressão hebraica: shã’ül que significa “pedido a Deus”. Era costume se usar um nome recebido na
infância (no caso Saul, de ascendência judaica) e outro atribuído na fase adulta por algum motivo especial. Como Saulo também
era cidadão romano, passou a ser chamado de Paulo, um nome latino de origem grega, cujo significado é: “de baixa estatura” ou
“pequeno”. A partir de agora, em Atos, Saulo será chamado por seu segundo nome (ou sobrenome) Paulo, especialmente por
causa da sua atitude, cheia do Espírito, corajosa e persuasiva, na evangelização do oficial romano e governador de Chipre, Sérgio
Paulo. Essas características, bem como a visão e dedicação em pregar o Evangelho para os gentios em todo mundo, marcaram
a vida e o ministério de Paulo até sua morte.
7 Paulo usa um dos significados do nome de Elimas (que em hebraico pode ser traduzido como “sábio, mago ou feiticeiro”)
para fazer um jogo de palavras com o mesmo nome em aramaico “Bar-Jesus” (“Bar” quer dizer “filho de” e “Jesus”, que significa:
“Jeová Salva”, o mesmo nome de Cristo), para enfatizar que ele era a personificação da mentira. Pois que se fazendo passar por
“sábio” e “filho de Jesus” era, na verdade, “filho do Diabo” e, portanto, um enganador.
olhos ficaram em trevas. Então, tateando, entregou a terra em que habitavam como
rogou a quem o pudesse guiar pela mão. herança ao seu povo.
12 O procônsul, observando o que havia 20 Isso tudo levou aproximadamente
acontecido, creu, profundamente im- quatrocentos e cinqüenta anos, quando
pressionado com a doutrina do Senhor. então, lhes deu juízes até a época do pro-
feta Samuel.
Paulo prega Jesus na sinagoga 21 Mas o povo lhe rogou por um rei, e
13 De Pafos, Paulo e seus companheiros Deus lhes concedeu Saul, filho de Quis,
navegaram para Perge, que fica na Pan- da tribo de Benjamim, que reinou pelo
fília. Então, João Marcos os deixou ali e espaço de quarenta anos.
regressou a Jerusalém.8 22 Depois que tirou o reinado de Saul,
14 Eles, no entanto, seguiram para além deu-lhes Davi como rei, sobre quem
de Perge e chegaram a Antioquia da testemunhou: ‘Achei Davi, filho de Jessé,
Psídia. No dia de sábado, entraram na homem segundo o meu coração, ele fará
sinagoga e se assentaram. tudo conforme a minha vontade’.10
15 Logo após a leitura da Lei e dos Pro- 23 E, da descendência desse homem, Deus
fetas, os administradores da sinagoga levantou para Israel o Salvador Jesus, as-
mandaram que se lhes fosse feito o se- sim como prometera.11
guinte convite: “Irmãos, se tendes em vós 24 Antes, porém, da chegada de Jesus,
alguma palavra de encorajamento para primeiramente veio João, pregando um
nosso povo, dizei-a”.9 batismo de arrependimento para todo o
16 Então, Paulo, colocando-se em pé, fez povo de Israel.
sinal com a mão, solicitando a aten-ção 25 Quando estava por concluir seu
dos presentes, e declarou: “Caros israeli- ministério, proclamou João: ‘Quem pen-
tas e vós, gentios, que igualmente temeis sais vós ser eu? Não sou eu o Messias.
a Deus, ouvi! Entretanto, eis que vem após mim aquele
17 O Deus deste povo de Israel esco- cujas sandálias eu não sou digno sequer
lheu nossos antepassados e honrou sua de desatá-las dos seus pés’.
gente durante o tempo em que, como 26 Irmãos, descendentes de Abraão e vós
estrangeiros, caminharam pela terra do não-judeus que temeis a Deus, a nós foi
Egito, de onde os libertou com braço enviada esta mensagem de salvação.
poderoso. 27 Pois, as pessoas que habitam em Jeru-
18 O Senhor zelou por eles com paciên- salém e seus governantes não reconhe-
cia, no deserto, durante cerca de quaren- ceram a Jesus, contudo, ao executá-lo,
ta anos. cumpriram as palavras dos profetas, que
19 Ele destruiu sete nações em Canaã e são lidas todos os dias de sábado.
8 Perge ficava na costa sul da região que atualmente pertence a Turquia, onde havia alta incidência de malária. Para alguns
estudiosos ligados ao Comitê Internacional de Tradução da KJ, esse foi o “espinho na carne de Paulo” (2Co 12.7). Uma região
mais saudável, na época, encontrava-se em Antioquia da Psídia, localizada cerca de mil metros acima do nível do mar. A razão
pela qual Marcos deixou a companhia dos missionários e decidiu voltar à Igreja em Jerusalém jamais ficou clara, mas desagradou
a Paulo (15.37-39).
9 O culto (serviço) religioso em uma sinagoga se dividia em algumas partes fundamentais: O Shema, uma espécie de convoca-
ção solene do povo à adoração do Senhor (Dt 6.4); oração pelo líder; leitura de partes selecionadas do Pentateuco (no shabbãth
– sábado – lia-se também partes dos Profetas); sermão por um membro idôneo da congregação (Lc 4.16) e/ou mestre (rabino)
visitante. Os administradores ou chefes das sinagogas eram responsáveis pela escolha e convite aos leitores e pregadores;
planejamento e organização dos cultos e outros serviços religiosos; manutenção da ordem e reverência.
10 Coincidentemente, o pregador também se chamava Saul e era da tribo de Benjamim (Fp 3.5). Como Davi foi incapaz de
cumprir toda a vontade de Deus, o texto refere-se imediatamente à sua descendência: Jesus (Jo 17.4). Paulo enfatiza que Davi é
o grande vulto do AT (1Sm 13.14), que antecipa a vinda do Senhor Jesus, o único Rei capaz de oferecer ao seu povo (todos os
seres humanos), a herança prometida do Reino de Deus (Gl 5.21; Cl 1.13).
11 Ao invés de “trouxe”, como em algumas versões, os melhores originais trazem a palavra “levantou” ao descrever a inter-
venção de Deus na ressurreição de Jesus (3.26), pois, foi ao ressuscitar dos mortos que Jesus Cristo consumou sua obra como
Salvador de todas as raças, povos e tribos (Jz 3.19); cumprindo a Promessa (23,32,34 de acordo com Is 11.1-16 e Gl 3.15-29).
28 Mesmo não encontrando motivo legal 37 Mas aquele a quem Deus ressuscitou
para condená-lo à sentença de morte, não foi afligido pela decomposição.14
rogaram a Pilatos que o mandasse cru- 38 Sendo assim, meus irmãos, ficai cientes
cificar.12 de que mediante Jesus vos é anunciado o
29 E, depois de terem cumprido tudo o perdão dos pecados.
que a respeito dele estava escrito, tiran- 39 E, por intermédio de Jesus, todo aquele
do-o do madeiro, depositaram-no em que crê é justificado de todas as faltas de
um sepulcro. que antes não pudestes ser justificados
30 No entanto, Deus o ressuscitou dentre pela Lei de Moisés.15
os mortos; 40 Acautelai-vos, pois, para que não vos
31 e, durante muitos dias, Ele foi visto sobrevenha o que foi anunciado pelos
por aqueles que tinham ido em sua profetas:
companhia da Galiléia para Jerusalém. 41‘Vede, ó escarnecedores, ficai atônitos
Essas pessoas agora são suas testemunhas e morrei; porquanto Eu realizarei, em
diante do povo. vossos dias, obra de tamanha grandiosi-
32 Nós vos anunciamos as Boas Novas da dade, que jamais vos seria possível crer se
promessa confiada a nossos antepassados, alguém apenas vos contasse’.
33 as quais Deus cumpriu para nós, seus
filhos, ressuscitando Jesus, assim como Paulo é convidado a pregar mais
está escrito no segundo Salmo: ‘Tu és 42 E, quando Paulo e Barnabé estavam
meu Filho, Eu hoje te gerei’.13 saindo da sinagoga, o povo os convidou
34 O fato de que Deus ressuscitou a Jesus a ensinar mais a respeito desse assunto
dos mortos, para que seu corpo jamais no sábado seguinte.
experimentasse a decomposição, foi 43 Depois que a congregação foi despedi-
declarado desta forma: ‘Eu cumprirei a da, muitos dos judeus e dos gentios devo-
vosso favor as santas e fiéis bênçãos de tos convertidos ao judaísmo seguiram a
Davi’. Paulo e Barnabé. Estes conversaram com
35 Porquanto, em outro Salmo, está ex- eles, recomendando-lhes que seguissem
plícito: ‘Não permitirás que o teu Santo perseverando na graça de Deus.16
sofra decomposição”.
36 Porque Davi, depois de servir a sua Paulo decide ensinar os gentios
própria geração pela vontade de Deus, 44 No sábado seguinte, quase toda a po-
adormeceu, foi sepultado com os seus pulação da cidade se reuniu para ouvir a
antepassados, e seu corpo se decompôs. Palavra de Deus.
12 Lucas faz questão de deixar bem claro a inocência de Jesus e dos apóstolos perante a Lei de Deus e dos homens, a fim de
mostrar aos poderes constituídos do Estado e autoridades legais que o cristianismo não traz qualquer ameaça à ordem jurídica
das nações.
13 Paulo faz referência à palavra profética de Davi no Salmo 2.7-9 (conforme Pedro e João em At 4.25). A mesma voz de Deus,
que ocorre em Lc 3.22, confirma o fato vital de que Jesus Cristo é o Filho de Deus (Rm 1.4).
14 Pedro e Paulo têm um discurso afinado e concordam teologicamente sobre os principais aspectos da fé cristã. A síntese da
história do evangelho nos vv. 24-31 é muito parecida com a mensagem de Pedro em 10.36-43; e o ritual do batismo é interpretado
como o sinal externo do arrependimento interno de cada pessoa que aceita o Salvador e Senhor Jesus. Paulo, como Pedro em
2.25-31, afirma que a profecia da preservação da decomposição (corrupção do corpo) não se referia a Davi (Is 55.3; Sl 16.10), mas
unicamente a Cristo que fora ressuscitado. Estes dois sinais: crucificação e ressurreição não faziam parte dos ensinos e profecias
em relação ao livramento messiânico que os judeus tanto aguardavam.
15 A ressurreição de Jesus confirmou a plena aceitação de Deus ao sacrifício ofertado pelo Senhor na cruz (2.38; 5.31;
Rm 4.25). A justificação associa dois aspectos básicos: o perdão dos pecados (claro neste texto) e a dádiva da justiça (em
Rm 3.21-22). O elemento-chave da pregação de Paulo é: a salvação se recebe exclusivamente pela fé (essa é a síntese das
cartas aos Romanos e Gálatas, ambas da autoria de Paulo). Nos versos seguintes, Paulo adverte quanto aos resultados da
incredulidade (Hc 1.5).
16 Os não-judeus que se convertiam ao Judaísmo, também chamados de “prosélitos” e que se submetiam à circuncisão (batis-
mo judaico), obedeciam à Lei e às doutrinas da sinagoga, eram considerados “piedosos” (devotos). Neste contexto, no original,
a palavra “Graça” significa “Evangelho” (vs. 38 e 39). Ou seja, perseverar em seguir os ensinos de Jesus.
17 Jesus é nosso grande exemplo missionário, o Servo de Jeová (Is 49.6). Como missionários de Deus devemos entregar
nossas vidas para que sejam queimadas como velas que iluminam o caminho dos povos.
18 A tradução deste texto corresponde, de forma literal, aos melhores e mais antigos originais. A eleição ou predestinação à
salvação não opera independentemente da fé humana, que deve ser voluntariamente exercida, para todos os efeitos (39, 46; Ef
2.8-9).
19 O ato de sacudir o pó dos pés era uma demonstração de que todo esforço havia sido empreendido para que aquela casa
ou povo recebesse com satisfação a Salvação e o Reino de Deus. Ao mesmo tempo, era uma manifestação de repúdio, diante
de Deus, contra aqueles que haviam rejeitado a Palavra de Deus e causado algum constrangimento ou sofrimento aos servos do
Senhor (Lc 9.5). A cidade de Icônio, hoje Konya, era uma importante encruzilhada, sendo grande centro agrícola da planície da
província da Galácia. Antioquia, Listra e Derbe localizavam-se ao sul desta província, e mais tarde seriam também contempladas
com a conhecida epístola (canônica) de Paulo aos Gálatas.
20 O sentido da palavra “alegria” no original grego tem a ver com um estado de plena satisfação, mesmo em meio às circuns-
tâncias adversas. Isso ocorre pela esperança certa (fé) de que Deus está agindo; e no controle de tudo e de todos. Não é apenas
um estilo sorridente, inconseqüente e descontraído de ser, mas fruto de um profundo sentimento de paz interior, que demonstra
a plena ação do Espírito Santo (Gl 5.22), encorajando-nos a cada dia, até a volta do Senhor.
Capítulo 14
1 Paulo e Barnabé venceram a primeira onda de perseguição. Quase sempre a estratégia satânica de desmoralizar a reputação
dos servos de Deus dá mais resultado prático e inicial do que refutar aberta e diretamente a Palavra. Tanto a incredulidade quanto
a desobediência (vocábulo derivado da expressão original grega opeithesantes – “incrédulos”) cooperam eficazmente para a
rejeição da Verdade (o Evangelho). Sinais e maravilhas seguiam os apóstolos com o propósito de confirmar a veracidade da
pregação cristã e a total aprovação de Deus.
2 A blasfêmia (ultrajar o Nome de Deus ou seus mandamentos) era um pecado punido sumariamente com a pena capital de
morte por apedrejamento. Os judeus não usavam a crucificação, pois a julgavam excessivamente cruel.
3 A expressão grega original sőthenai é a mesma palavra para “ser curado” e “ser salvo” (Mc 2.9-12).
4 Zeus (Júpiter, na mitologia romana), era o grande deus do panteão grego, e chefiava todos os demais deuses helênicos.
Hermes (Mercúrio) era filho de Zeus e porta-voz dos deuses do Olimpo (habitação das divindades pagãs na mitologia grega). As
pessoas identificaram na pessoa de Paulo a figura de Hermes: o mensageiro dos deuses, e em Barnabé a imagem de Zeus.
5 Na cultura oriental, e, particularmente na judaica, rasgar as vestes era um sinal de profunda aflição ou indignação contra um
ato ou palavra de blasfêmia (Gn 37.29-34; Mc 14.63).
6 Esta foi a primeira vez que as Boas Novas (o Evangelho) foram apresentadas a povos completamente pagãos. O apelo à
revelação natural de Deus (a criação do céu, mar, terra e seus habitantes) se baseia no fato de Deus ser o único grande e primeiro
Criador e, portanto, o Deus vivo que abençoa com sua misericórdia toda a humanidade (1Ts 1.9-10; Gl 4.9; At 15.19; 26.18). A
expressão: “práticas inúteis” (ou vãs) deriva de uma forma usada no AT para descrever falsos deuses (1Sm 12.21).
7 Deus deixou de castigar os pecados dos gentios (pagãos) devido a seu desconhecimento da Verdade (17.30). Entretanto,
Paulo ensinará mais tarde que Deus, na verdade, abandona os pagãos teimosos e impenitentes às suas próprias filosofias e
práticas mundanas, pois desprezam a verdadeira Luz, que é Jesus (Rm 1.18).
8 Apenas Paulo foi apedrejado, por ser considerado aquele que falava em o Nome do Senhor (2Co 11.25). A inconstância dos
Gálatas tem sua origem aqui (Gl 1.6), onde produziram em Paulo suas primeiras “marcas de Cristo” (Gl 6.17). Em 2Tm 3.11, Paulo
relembra esta tribulação vencida.
9 A organização das primeiras igrejas seguiu o modelo das antigas sinagogas, porém com a nova unção do Espírito Santo.
Paulo e Barnabé, como apóstolos de Jesus, selecionaram, estabeleceram e capacitaram para o ministério (discipularam) aqueles
que eram escolhidos pelo Espírito Santo para a obra de liderança espiritual dos crentes. Por isso, foram chamados “bispos”,
“presbíteros” (literalmente: “supervisores” em 20.28), ou ainda, “guias espirituais” como aparece em Hb 13.17. Esses servos do
Senhor e da Igreja lideravam congregações que se reuniam em casas.
10 Um princípio antigo do serviço missionário era prestar relatório à Igreja sobre o desenvolvimento e o cumprimento da missão
proposta. Paulo e Barnabé ficaram com os irmãos por mais de um ano. Deus havia aberto a porta do seu Reino para que os
gentios de todas as nações pudessem crer e serem salvos (11.18).
Capítulo 15
1 Levantou-se um grupo de judeus-cristãos, entre os fariseus convertidos na igreja em Jerusalém (v.5), que insistia em
convencer os gentios (não-judeus) a seguirem a Lei segundo os judaizantes (legalistas) ou “zelosos da lei de Moisés”, como eram
conhecidos na época (21.20). Uma das principais demonstrações dessa obediência era a circuncisão, ritual jamais aprovado
pelos apóstolos para os cristãos de qualquer etnia ou nacionalidade (Gl 2.11-16).
2 A passagem de 4 a 22 nos revela uma seqüência de reuniões para apresentação de relatórios e deliberações eclesiásticas:
reunião de boas-vindas e exposição de relatórios (4,5); reunião do concílio da igreja, composto de apóstolos, presbíteros e
demais membros responsáveis pelos ministérios da igreja (12,23); reunião geral dos líderes espirituais com toda a assembléia
da igreja (12-22).
3 Pedro, que havia retrocedido doutrinariamente, deixando-se influenciar pelos judaizantes e, por isso, merecendo justa
admoestação de Paulo (Gl 2.11-14), agora, em Jerusalém proclama sua mais profunda convicção e fé inabalável (10.28,29):
Deus concede a todos os gentios que aceitam a Cristo, o seu Espírito Santo, como prova irrefutável de conversão ao Senhor
(10.44,47; 11.17,18).
gentios e nós outros, purificando o cora- tenda de Davi, que está caída; reedificarei
ção deles pela fé.4 as suas ruínas, e tornarei a levantá-la;
10 Agora, pois, por que quereis tentar 17 para que o restante das pessoas busque
a Deus, colocando sobre as costas dos ao Senhor, sim, todos os gentios, sobre os
discípulos uma carga que nem nossos quais é invocado o meu Nome,
antepassados nem nós mesmos conse- 18 diz o Senhor que faz essas realizações
guimos suportar?5 desde os tempos antigos’.8
11 De modo algum! Cremos que somos 19 Portanto, julgo que não se deve cons-
salvos pela graça do Senhor Jesus, exata- tranger aqueles que dentre os gentios se
mente do mesmo modo que os gentios convertem a Deus,
também”. 20 todavia, escrever-lhes que se abste-
nham das contaminações dos ídolos, da
A palavra de sabedoria de Tiago imoralidade, da carne de animais sufo-
12 Então, toda a assembléia ficou em cados e do sangue.
silêncio, enquanto ouvia Barnabé e Paulo 21 Porque desde os tempos antigos, Moi-
relatando todos os sinais miraculosos e sés é pregado em todas as cidades, bem
prodígios que, por meio deles, Deus como é lido nas sinagogas em todos os
realizara entre os gentios.6 dias de sábado”.9
13 Quando acabaram de compartilhar,
Tiago pediu a palavra e arrazoou-lhes: O Concílio chega a uma decisão
“Irmãos, ouvi-me: 22 Então, os apóstolos e os presbíteros,
14 Simão narrou como primeiramente com toda a Igreja, decidiram escolher
Deus foi ao encontro dos gentios para alguns dentre eles e enviá-los para Antio-
edificar dentre eles um povo consagrado quia com Paulo e Barnabé. Escolheram
ao seu Nome.7 Judas, chamado Barsabás, e Silas, dois
15 E, com isso, estão de pleno acordo as líderes entre os irmãos.10
palavras dos profetas como está escrito: 23 E, por intermédio deles, mandaram a
16 ‘Depois disso voltarei, e reconstruirei a seguinte carta: “Os apóstolos e os irmãos
4 Com seu estilo peculiar, Pedro declara a verdadeira doutrina da justificação em Cristo por meio da fé (11), a qual é plenamente
confirmada por Paulo e os demais apóstolos (Rm 5.1; Gl 2.15-20; 2Co 1.24; 2Co 5.7; Cl 2.6; Ef 3.17; 1Jo 5.14).
5 Uma tendência recorrente dos líderes espirituais judeus era atribuir pesadas responsabilidades religiosas aos seus seguido-
res em nome da Lei de Moisés (Rm 7; Gl 5.1 de acordo com Mt 11.28-30). Depois do sacrifício expiatório de Cristo, seria uma
ofensa grave a Deus exigir rituais como a circuncisão e a submissão legalista às Leis e às diversas interpretações e aplicações
pregadas pelos fariseus. Este tipo de atitude seria como impor rituais e obrigações não solicitadas por Deus, bem como descon-
fiar (o que é uma maneira de se faltar com a fé) do relacionamento espiritual e da direção do Senhor para com seus filhos (Rm
3.9,24; Ef 2.8).
6 A assembléia geral que havia continuado seus debates, enquanto aguardava o concílio dos apóstolos e presbíteros que se
reunira em particular, agora estabelece profundo silêncio com respeito ao compartilhar de Barnabé e Paulo (Barnabé é citado
aqui, antes de Paulo, devido à sua importância na igreja de Jerusalém na época; o NT passa a citar Paulo e Barnabé, especial-
mente depois dos dramáticos eventos ocorridos na ilha de Chipre – 13.7-42).
7 Tiago, o irmão de Jesus Cristo, refere-se a Pedro por seu nome hebraico (Simão ou Pedro). Os argumentos de Tiago
enfatizam que a Igreja de Cristo, o Messias (o Nome), constituída de judeus e gentios de todo o mundo, agora é “povo de Deus”,
privilégio atribuído anteriormente apenas a Israel e sua descendência. Os cristãos são plenos beneficiários da Nova Aliança (Hb
8.8-13 de acordo com Jo 10.16 e 1Pe 2.9,10).
8 Tiago cita especificamente o profeta Amós (Am 9.11,12).
9 Tiago observa que cristãos e judeus devem buscar uma convivência fraterna e solidária diante dos princípios da Palavra de
Deus. Havia certas práticas que aos gentios não causavam escândalo, mas para os judeus eram profundamente inaceitáveis e
abomináveis. O conselho do apóstolo era que os gentios observassem a intenção divina (espírito da Lei) contida nos mandamen-
tos do AT (Gn 9.4; Lv 17.10-13; 18.6-18). Aqui vemos, uma vez mais, o amor e a preocupação dos apóstolos com a evangelização
dos judeus (1Co 9.20).
10 A igreja reunida escolhe dois servos operosos para a missão que o Senhor lhes estava propondo. Judas, chamado Barsabás
(que em hebraico significa: filho do sábado), irmão de José Barsabás (1.23). Silas era líder espiritual da Igreja em Jerusalém,
profeta, cidadão romano, cujo nome em latim era Silvano (32; 16.37), e amanuense de Paulo e Pedro nas cartas em que seu nome
é citado (1Ts 1.1; 2Ts 1.1; 2Co 1.19; 1Pe 5.12).
11 A autoridade absoluta nas decisões dos cristãos é outorgada ao Espírito Santo; entretanto, é importante notar que houve
entre os crentes franca e fraterna exposição de idéias que culminaram em harmoniosa concordância e decisão final, com apoio
dos apóstolos, presbíteros e demais irmãos em Cristo (22,23).
12 Marcos preferiu seguir sua visão pessoal naquele momento, separando-se de Paulo em Perge e não seguindo viagem até
Antioquia da Pisídia, Icônio, Listra e Derbe (13.13). Depois dessa passagem, Barnabé (nascido na ilha de Chipre – 4.36) e Marcos
não aparecem mais neste livro. Entretanto, em 1Co 9.6, o apóstolo Paulo faz questão de citar Barnabé como exemplo de um
servo do Senhor que não viu obstáculo em ter que trabalhar secularmente para poder levar o Evangelho ao povo, embora tenha,
juntamente com Pedro, sido fragilizado em sua doutrina cristã, em certa ocasião em Antioquia (Gl 2.11-13). Marcos e Barnabé
cooperaram no ministério com Pedro (1Pe 5.13). Paulo jamais se esqueceu de Marcos e da sua sinceridade e zelo pelo Evangelho,
tanto que, em sua primeira prisão, o apóstolo fez questão de inclui-lo em seu grupo apostólico (Cl 4.10; Fm 24), e perto da morte,
Paulo registra sua profunda admiração por Marcos ao pedir que fosse passar com ele seus últimos dias (2Tm 4.11).
13 Depois de cumprir a missão de entregar a carta proveniente de Jerusalém, Silas e Judas Barsabás retornam a Antioquia
para dar continuidade ao ministério junto àquela igreja local. Síria e Cilícia eram duas igrejas plantadas por causa da visão que
o Espírito Santo concedera a Paulo e à igreja de Antioquia durante os dez anos que o apóstolo ministrou em Tarso. Estas igrejas
também precisavam ser informadas sobre os importantes resultados do concílio (15.23; Gl 1.21).
mado Timóteo, filho de uma judia cristã, 9 Durante a noite, Paulo teve uma visão;
sendo seu pai grego.1 nela, um homem da Macedônia, em pé,
2 Os irmãos de Listra e Icônio davam rogava-lhe: “Passa à Macedônia e ajuda-
bom testemunho dele. nos!”.
3 Então, Paulo se interessou em que ele o 10 Imediatamente, após ter recebido a
acompanhasse em sua missão; para tan- visão, preparamo-nos para partir rumo
to, o circuncidou por causa dos judeus a Macedônia, concluindo que Deus nos
que viviam naquela região. Pois era do havia chamado para pregar o Evangelho
conhecimento de todos que seu pai era aos macedônios.5
grego.2
4 À medida em que passavam pelas A conversão de Lídia e sua casa
cidades, transmitiam as decisões to- 11 Navegando de Trôade, seguimos em
madas pelos apóstolos e presbíteros em linha reta até Samotrácia, e no dia se-
Jerusalém, a fim de que passassem a ser guinte para Neápolis.
obedecidas. 12 De lá rumamos para Filipos, que é a
5 Assim, as igrejas eram edificadas na fé e cidade mais importante desse distrito
cresciam em número, dia após dia. da Macedônia e colônia romana. Nessa
cidade ficamos vários dias.
Paulo é chamado à Macedônia 13 No dia de sábado, saímos da cidade
6 E, viajando por toda a região da Frígia para a beira do rio, onde imaginávamos
e da Galácia, Paulo e seus companheiros encontrar um bom lugar para orar. As-
de ministério foram impedidos pelo sentamo-nos e começamos a conversar
Espírito Santo de pregar a Palavra na com algumas mulheres que ali também
província da Ásia.3 estavam reunidas.6
7 Quando avizinharam-se da região da 14 Uma das mulheres que nos ouviam era
Mísia, procuraram subir até Bitínia, temente a Deus e chamava-se Lídia, ven-
mas também o Espírito de Jesus não lhes dedora de tecido de púrpura, da cidade
permitiu.4 de Tiatira. E aconteceu que o Senhor lhe
8 Então, contornando a Mísia, desceram abriu o coração para acolher a mensa-
para Trôade. gem pregada por Paulo.7
1 Essa é a segunda viagem missionária de Paulo, ocorrida por volta do ano 50 d.C. Paulo prosseguiu por terra, em direção ao
norte, atravessando os chamados “portões da Síria”, chegou a Cilícia e ao sul da Galácia. Considerando que Paulo se refere a
Timóteo como a um jovem em 1Tm 4.12, este deve ser adolescente nessa ocasião. Tudo indica que sua mãe, Eunice, era uma
mulher judia e cristã piedosa (2Tm 1.5), embora seu pai não fosse convertido nem ao judaísmo, nem ao cristianismo.
2 Paulo agiu com sabedoria ao circuncidar Timóteo. Com isso, facilitou sua obra entre os judeus. No caso de Tito (Gl 2.3), agiu
novamente com sabedoria, evitando uma circuncisão que era exigida como pré-requisito para a salvação.
3 O Espírito Santo foi o orientador estratégico dos primeiros avanços missionários e, freqüentemente, comunicava-se com os
discípulos através das mensagens transmitidas pelos profetas do Senhor. Bitínia não ficou sem evangelização; logo o Espírito
Santo mandaria Pedro para lá (1Pe 1.1), conforme nos informa uma carta de Plínio (um dos pais da Igreja) escrita por volta do
ano 110 d.C. Paulo retornou para Éfeso de onde irradiou o Evangelho para toda a Ásia, que já fora menor, mas que agora era
importante província romana e incluía os distritos helenísticos da Mísia, Lídia, Caria e partes da Frígia (18.24 – 19.40).
4 A frase “Espírito de Jesus” raramente aparece nos originais gregos. Evidencia a relação do Espírito como agente de Cristo
(Jo 16.13-14; 1Pe 1.11; 2Co 3.17), assim como “Espírito Santo” era uma expressão usada, em certas ocasiões, de modo
intercambiável com “Deus” (5.3,4), aqui foi usada com “Jesus” por se tratar do “Espírito de Deus”.
5 A Macedônia passou a ser província romana em 148 a.C. A partir deste versículo o autor do texto (Lucas) muda a regência
verbal da terceira para a primeira pessoa, indicando que havia se juntado à equipe missionária em Trôade. Lucas encerra sua
inclusão na narrativa no verso 17 e a retoma em 20.5.
6 Havia menos de dez chefes (cabeças) de famílias judaicas em Filipos; o número mínimo de pessoas, requerido pelas leis dos
judeus, para a fundação de uma sinagoga. Por isso, os judeus que ali habitavam procuravam realizar suas reuniões de oração
à beira do rio Gangites. Era um costume rabínico orar e meditar ao ar livre, longe do alvoroço dos centros das cidades, próximo
de águas correntes.
7 Lídia era uma mulher empreendedora. Seu nome significa, literalmente, “uma mulher de Lídia”, seu lugar de origem. Lídia
era um distrito grego, onde se localizava a importante cidade de Tiatira (província romana da Ásia; que ficava a cerca de 30
km de Pérgamo), famosa por suas oficinas de tecelagem e tintura (Ap 1.11; 2.18), especialmente pela anilina púrpura real que
produziam (carmesim). Lídia ouviu a mensagem de Paulo e abriu seu coração para Jesus (o Evangelho). No NT, a decisão de
fé não é independente da operação precedente do Espírito Santo, que prepara o coração das pessoas para acolherem as Boas
Novas da salvação (Lc 24.45).
8 Para os gregos, uma pessoa que tinha a capacidade de antever ou adivinhar o futuro era alguém possuído pelo deus Píton,
uma serpente mítica adorada pelos habitantes de Delfos e associada ao oráculo délfico. No entanto, Paulo simplesmente o
tratou como um espírito demoníaco e o expulsou. A expressão “pitonisa” significa: “sacerdotisa do deus Apolo”, ou apenas:
“necromante”. Uma característica dessas pessoas era falar sem mover os lábios normalmente, como se a voz lhes saísse do
estômago, por isso, eram também chamados de “ventríloquos”.
9 O Nome de Jesus é autoridade universal e suficiente sobre todos os espíritos malignos (Lc 8.28; Mt 28.18).
10 Qualquer culto ou prática religiosa tinha que receber permissão formal de Roma. Mesmo assim, nenhuma religião tinha
autorização para fazer prosélitos entre os romanos. O judaísmo tinha reconhecimento legal, mas o cristianismo (ainda) não.
11 Pelas leis romanas, se um preso fugisse – fosse qual fosse o motivo – a vida do guarda responsável era sumariamente exigida
no lugar (12.19). Tirar a própria vida era o meio de evitar o horror dos castigos e a humilhação.
12 No NT, a única forma de uma pessoa ser salva é crendo no Senhor (4.12; 10.43; 13.39). A própria palavra “salvação” em
hebraico é: yeshü‘â (de onde deriva o nome Jesus – Lc 19.9). Há uma bênção (oportunidade) reservada para todas as pessoas
que convivem com um verdadeiro crente. A avó e a mãe de Timóteo se tornaram testemunhos vivos de Cristo para Timóteo (2Tm
1.5) que, por intermédio delas, conheceu as Escrituras (2Tm 3.15). Lídia foi influenciada pela oração e companhia santa e tornou-
se crente fiel ao Senhor (14,15). O carcereiro, presenciando a manifestação poderosa do Espírito Santo nas pessoas de Paulo
e Silas, rendeu-se ao Senhor e testemunhou a alegria da salvação (33,34). Não há base bíblica para sustentar a idéia de que
crianças possam ser salvas por meio da fé de seus pais. É certo, contudo, que todas as crianças pertencem ao Senhor e estão
sob seus cuidados paternos (Mc 10.14-16).
13 As pessoas da casa do carcereiro (seus parentes, amigos e empregados) não foram salvas simplesmente por causa da fé do
carcereiro. Após ouvirem atentamente as explicações de Paulo e Silas sobre o Evangelho, manifestaram plena aceitação, pela fé
íntima e individual que cada pessoa da casa depositou em Jesus. Por isso, foram batizadas e estavam cheias do Espírito Santo.
E expressavam um tipo especial de satisfação e contentamento: a alegria espiritual, que encoraja e faz o crente superar todas as
dificuldades da vida com esperança certa (confiança) no Senhor.
14 Paulo sabiamente exige uma retratação pública dos magistrados. Com essa atitude conquistava o direito (especialmente
romano) para o reconhecimento da cidadania dos cristãos. De agora em diante, todos teriam mais cuidado no trato e no respeito
para com os crentes de Filipos. Essa notícia se espalharia por todo império de Roma (embora as perseguições jamais deixassem
de oprimir a verdadeira Igreja do Senhor).
Capítulo 17
1 Ainda hoje é possível observar vestígios do que foi a grande via Egnácia, estrada que atravessava toda a região da atual
Grécia do norte (de leste a oeste), passando por Filipos e Apolônia. Viajando cerca de 48 km por dia, uma pessoa podia chegar a
cada uma das cidades em um dia. Tessalônica distava cerca de 160 km de Filipos e era a capital da província da Macedônia, com
mais de 200 mil habitantes, incluindo uma colônia de judeus. Paulo tinha o costume de fazer suas viagens em comitiva (grupo de
companheiros de missão) e seguiam a cavalo.
2 Embora algumas versões informem que Paulo passou “três semanas” em Tessalônica, a melhor tradução dos originais é: “três
sábados”. As indicações em 1Ts 2.1-9 evidenciam que Paulo dedicou vários meses do seu ministério nessa cidade.
tes a Deus e diversas senhoras da alta turas, com o propósito de avaliar se tudo
sociedade local.3 correspondia à verdade.
5 Porém, os líderes judeus sentiram forte 12 Dessa forma, muitos dentre os judeus
inveja e reuniram alguns homens perver- creram, bem como um grande número
sos dentre os desocupados e, agitando a de mulheres gregas da alta sociedade, e
população, iniciaram um tumulto na não poucos homens gregos.
cidade. Invadiram a casa de Jasom, em 13 No entanto, quando os líderes judeus
busca de Paulo e Silas, com o objetivo de de Tessalônica tomaram conhecimento
arrastá-los para o centro do ajuntamento que Paulo estava ensinando a Palavra
da multidão.4 de Deus em Beréia, rumaram imediata-
6 Todavia, não os encontrando, agarra- mente para lá, agitando e instigando a
ram Jasom e alguns outros irmãos e os população.
entregaram aos governantes da cidade, 14 Rapidamente, os irmãos enviaram
exclamando: “Estes que têm causado Paulo para o litoral, mas Silas e Timóteo
alvoroço em todo o mundo, agora che- permaneceram em Beréia.
garam também aqui.5 15 Os irmãos que acompanhavam Pau-
7 E Jasom os hospedou em sua casa. To- lo o conduziram até Atenas, partindo
dos eles estão agindo contra os decretos depois com orientações para que Silas e
de César, proclamando que existe um Timóteo se reunissem com ele, assim que
outro rei, chamado Jesus!”. fosse possível.
8 Ao ouvir tal denúncia, toda a multidão
e os governantes da cidade ficaram apre- Paulo prega Jesus em Atenas
ensivos. 16 Enquanto Paulo esperava por seus
9 Apesar disso, libertaram Jasom e os de- companheiros em Atenas, ficou profun-
mais irmãos, após o pagamento da fiança damente indignado ao perceber que a
estipulada.6 cidade tinha ídolos por toda parte.
17 E sobre esse tema dissertava na si-
Os bereanos estudavam a Palavra nagoga entre os judeus e os gentios
10 Então, logo ao cair da noite, os irmãos obedientes a Deus, bem como na praça
enviaram Paulo e Silas para Beréia. principal, diariamente, a todos aqueles
Chegando ali, dirigiram-se à sinagoga que ali estivessem.
local. 18 Então, alguns filósofos epicureus e
11 Os bereanos eram mais nobres do que estóicos começaram a argumentar com
os tessalonicenses, porquanto, recebe- ele. Alguns indagavam: “O que deseja
ram a mensagem com vívido interesse, e comunicar esse tagarela?”. Outros co-
dedicaram-se ao estudo diário das Escri- mentavam: “Parece ser um anunciador
3 Alguns judeus seguiram a Paulo como mestre (rabino), convencidos de que Jesus era realmente o Messias prometido. Um
desses judeus foi Aristarco (20.4; Cl 4.10) que tornou-se amigo e discípulo de Paulo. A expressão: “gregos piedosos” ou “homens
piedosos”, como aparece em algumas versões, pode ser melhor traduzida por: “gregos obedientes a Deus”, considerando que
eram gentios (pagãos) convertidos ao judaísmo (prosélitos). Entretanto, 1Ts 1.9-10 indica que a maioria das conversões a Cristo
ocorreu dentre os pagãos. Tessalônica foi a primeira cidade onde o Evangelho foi aceito por pessoas de alta classe social.
4 A expressão grega original: agoriõn, traduzida por algumas versões como “malandragem”, pode ser melhor traduzida por
“homens perversos e desocupados”. Jasom tinha ligações de parentesco com Paulo e o hospedou em sua casa (Rm 16.21).
5 O termo grego politarches, é uma expressão rara e desconhecido do vocabulário grego até as grandes descobertas arque-
ológicas do século 19 (um bloco de pedra maciça, onde essa inscrição pode ser observada, e que fazia parte de um arco que
passava por sobre a via Egnácia, hoje encontra-se sob a guarda do Museu Britânico, em Londres). Esses achados serviram
também para confirmar a originalidade e a fidelidade histórica dos escritos de Lucas. Apesar de algumas versões traduzirem
esse vocábulo por: “autoridades”, a tradução mais esclarecedora e coerente com as responsabilidades daqueles oficiais é:
“governantes da cidade”.
6 A “fiança” era uma garantia de bens e, em algumas circunstâncias, da própria vida, de que uma determinada pessoa, sob res-
ponsabilidade do “fiador”, cumpriria as leis e não causaria qualquer distúrbio aos cidadãos locais. Nesses casos, por precaução,
era comum pedir ao “afiançado” para deixar a cidade e não mais regressar (Mc 15.15; 1Ts 2.18; 1Ts 2.13,13; 3.3).
7 Os epicureus eram filósofos e seguidores de Epicuro (341 – 270 a.C.), famoso pensador grego, criador da tese sobre a “ética
do prazer”. Um sistema de valores que, originalmente, indicavam o caminho para uma vida de paz e satisfação por meio da busca
do bem e da extirpação de certos sentimentos, considerados menores e momentâneos: paixões, dores, invejas, iras, temores. Na
época de Paulo, entretanto, os ensinos de Epicuro haviam sido adulterados e seus adeptos pregavam que o “prazer”, em todas
as suas possibilidades, determinava o sentido da vida. Os estóicos, por sua vez, eram discípulos de Zeno (340 – 265 a.C.), outro
importante pensador grego, criador da filosofia da “vida natural”, em que a vida deve conformar-se à lógica (razão – logos) da
natureza. Eram, portanto, panteístas (doutrina segundo a qual Deus é a soma de tudo o que existe na natureza). Ao se referirem
a Paulo como “tagarela”, usaram uma expressão que no original grego se refere literalmente a atitude rápida e voraz com que
“uma ave bica sementes”. Era comum usar essa metáfora para comparar pessoas que apenas repetiam partes dos discursos
filosóficos que normalmente ocorriam nas praças com a atitude do “papagaio”, uma ave que apenas consegue repetir palavras
sem refletir sobre seus significados. Ao sugerirem que Paulo estava tentando apresentar novos “deuses”, entenderam que “Jesus”
e “Ressurreição” (em grego: anaistasis, palavra do gênero feminino) seriam um casal de “deuses”.
8 Em tempos passados, Atenas foi governada por juízes (sábios filósofos) que costumavam se reunir em praça pública para
julgar as causas dos cidadãos, legislar e discutir política (cujo sentido original é: a arte de governar a serviço do povo a cidade
e o Estado). Essas reuniões eram chamadas de concílios e ocorriam no alto da colina de Ares (deus do trovão e da guerra na
mitologia grega por ter sido o primeiro deus a ser julgado num tribunal). A esse local, os gregos chamavam de Areópago, e os
romanos de monte de Marte. Entretanto, nos tempos de Paulo, o Concílio do Areópago tinha autoridade apenas nas questões
morais e religiosas, e se reunia no Pórtico Real que ficava imediatamente a oeste da acrópole (santuário grego) e no canto
noroeste da Ágora (praça principal da cidade).
9 Alguns historiadores antigos escreveram que era possível encontrar em Atenas, nessa época, mais esculturas em louvor a
deuses mitológicos do que em toda a Grécia. Pausânio estimava que houvesse mais de 30.000 dessas imagens espalhadas
pela cidade. Petrônio afirmou, ironicamente, que em Atenas era mais fácil encontrar-se com um deus do que com outro ser
humano. Os atenienses criam num ser divino poderoso, temperamental, mas, impessoal. Paulo não afirma que o “DEUS
DESCONHECIDO” é essa divindade. Ao contrário, Paulo usa com sabedoria e gentileza uma expressão grega que significa
literalmente: “em ignorância”, para comunicar que Jesus era o Deus a quem os atenienses tinham o mais profundo desejo de
adorar, mas ainda não o conheciam e, por isso, precisavam prestar atenção às suas palavras.
10 Paulo responde às principais correntes de pensamento da época. Aos estóicos panteístas, ele afirma que Deus é pessoal, e
foi a pessoa de Deus quem criou o Universo (“cosmo”, no original grego). Depois declara aos epicureus que a partir de uma única
e primeira família (“Adão”, palavra que significa “homem” em hebraico, assim como “Eva” quer dizer “humanidade, mulher”),
Deus criou todas as famílias da terra (atenienses, gregos, bárbaros, judeus, gentios). Os atenienses criam que a humanidade
havia brotado da terra (não estavam longe da verdade, mas, ainda assim, perdidos). Deus não apenas foi responsável pelo “big-
bang” da criação, mas deu atenção aos detalhes, planejou o tempo exato em que as nações teriam seus momentos de glória e
queda. Determinou áreas geográficas precisas, onde cada povo deveria viver e multiplicar-se. A terra e a humanidade não ficaram
ao acaso, como pregavam os epicureus.
11 O Espírito Santo usa a erudição de Paulo que passa a citar alguns grandes intelectuais (poetas) gregos. Epimênides, que
viveu por volta do ano 600 a.C. falou sobre o poder de Deus em sua obra Cretica: “nele vivemos, nos movemos e existimos”. O
poeta Arato (315 – 240 a.C.), que afirmou em Fenômenos: “somos descendentes de Deus”. E, no hino de Cleanto (331 – 233 a.C.)
em homenagem a Zeus (“Deus”, em grego): “somos todos da sua descendência”. Paulo, em outras oportunidades, voltaria a
mencionar pensadores gregos (1Co 15.33; Tt 1.12).
12 Paulo faz questão de afirmar que Jesus é o Filho do Homem, título messiânico com o qual o próprio Senhor gostava de se
apresentar (Dn 7.13; Mt 25.31-46; At 10.42).
13 Essa e outras experiências semelhantes vividas por Paulo, os demais discípulos, e pelo próprio Senhor Jesus, nos devem
servir de consolo e motivação. Pregar o Evangelho – desde os primeiros anos da Igreja – tem sido motivo de zombaria e es-
cândalo para muitos. Entretanto, há sempre alguém ou alguns, que recebem o milagre da conversão em seus corações, são
selados com o Espírito Santo e promovidos a cidadãos do Reino para todo o sempre. Os gregos acreditavam na imortalidade
da alma, mas – como muitos ainda hoje – não conseguiam crer na ressurreição de um corpo humano (novamente, tão próximos
da verdade e tão perdidos). Segundo alguns respeitáveis historiadores, Dionísio veio a ser constituído bispo de Atenas. Dâmaris,
cuja cultura era respeitada pelo próprio Tribunal do Areópago, se tornou discípula operosa de Cristo e muito colaborou para o
desenvolvimento da Igreja e a propagação do Evangelho.
Capítulo 18
1 Corinto era capital da província de Acaia, centro comercial e de transporte marítimo. Grande cidade cosmopolita, onde
imperavam os valores monetários e econômicos, muito semelhante às grandes cidades dos nossos dias quanto aos baixos
critérios morais.
2 Ponto era o nome da região que ficava a nordeste da Ásia Menor. Uma das províncias de Roma, ao lado do mar Negro, entre a
Bitínia e a Armênia. O casal Áquila e Priscila (diminutivo de Prisca) eram crentes e trabalhavam com artesanato em couro e confec-
ção de cabanas (tendas). De acordo com os registros de Suetônio, o imperador romano Cláudio (41 –54 a.C.) mandou expulsar
todos os judeus de Roma, pois estavam “transtornando a cidade por causa de Cristo”. Um erro ortográfico cometido no nome do
Senhor (Cresto), dificultou durante algum tempo a interpretação desses documentos históricos. Áquila e Priscila possivelmente
haviam entregado suas vidas a Jesus em Roma, faziam parte daqueles que estavam “tumultuando a cidade com a pregação do
Evangelho” e também tinham sido enquadrados pelo decreto de Cláudio.
balhar com eles, pois eram fabricantes da multidão dos coríntios que o ouviam,
de tendas.3 muitos criam e eram batizados.6
4 Assim, todos os sábados ele argumen- 9 Numa certa noite, o Senhor falou com
tava na sinagoga, e convencia tanto a Paulo por meio de uma visão, dizendo:
judeus quanto a gregos. “Não tenhas medo! Continua pregando
e não te cales.7
Paulo dá tempo integral ao ensino 10 Pois Eu estou contigo, e nenhuma pes-
5 Depois que Silas e Timóteo chegaram soa ousará fazer-te mal ou ferir-te, por-
da Macedônia, Paulo começou a con- quanto tenho muita gente nesta cidade”.
sagrar todo o seu tempo ao ensino da 11 Assim, Paulo permaneceu ali durante
Palavra, explicando aos judeus que Jesus um ano e seis meses, ensinando a Palavra
é o Messias.4 de Deus ao povo.
6 Contudo, como estes se opuseram e
proferiram insultos graves, Paulo sacudiu Gálio não vê crime em Paulo
a roupa e os sentenciou: “Caia sobre as 12 Quando, porém, Gálio era procônsul da
vossas próprias cabeças toda a responsa- Acaia, os judeus se levantaram unânimes
bilidade de vossas faltas”. Eu estou ino- contra Paulo, e o conduziram ao tribunal,8
cente quanto ao meu dever, e de agora em 13 protestando: “Este persuade os ho-
diante vou dedicar-me aos gentios. mens a adorar a Deus de uma forma
7 Então, saindo da sinagoga, Paulo diri- contrária à lei!”9
giu-se à casa de Tício Justo, homem que 14 No momento em que Paulo daria iní-
obedecia a Deus e que morava ao lado da cio à sua defesa, Gálio os admoestou: “Se,
sinagoga.5 em realidade, houvesse, ó judeus, alguma
8 Crispo, administrador da sinagoga, afronta grave ou crime, certamente e
creu no Senhor, ele e toda a sua casa; e com razão eu os ouviria.
3 Paulo adotou a postura ética de algumas escolas rabínicas que preferiam não lucrar financeiramente por conta do ensino
das Escrituras e dos aconselhamentos bíblicos. Além disso, Paulo havia sido treinado em técnicas de artesanato, especialmente
em couro e tecido (um ramo muito lucrativo na época). Era comum os pais judeus, mesmo que não fossem pobres, oferecerem
algum treinamento técnico artesanal aos seus filhos, ainda que os mesmos desejassem seguir o rabinado. Esse é um ótimo
exemplo a ser observado em nossos dias.
4 É provável que as ofertas enviadas por crentes macedônios aliviaram a necessidade de Paulo se ocupar várias horas na
confecção de artesanatos e tendas e pudesse dedicar-se à realização do seu chamado e ideal: pregar o Evangelho ao maior
número de pessoas em todo o mundo (2Co 11.7-8).
5 Esse Tício (nome romano comum) não é o Tito de 2Co 2.13; 7.13-14 e 8.16-23. No original, o primeiro é “Titius”, e o segundo
é “Titus”. É possível, sim, que Tício Justo seja o Gaio de Rm 16.23. A expressão: “homem que obedecia a Deus” ou “temente a
Deus” refere-se sempre a “gentios incircuncisos” que freqüentavam a sinagoga e procuravam seguir todo o rigor da Lei (assim
como foram Tício Justo e o próprio Tito).
6 Crispo foi um dos poucos crentes que Paulo pessoalmente batizou (1Co 1.14). É importante observar que o tempo dos verbos
no original grego denota que a “conversão” é um processo que se dá dia após dia na vida do cristão sincero. A regeneração (o
momento em que o crente arrependido se entrega de corpo e alma aos cuidados de Jesus), sim, é um ato instantâneo de Deus,
mas a conversão (santificação ou separação para adoração e serviço ao Senhor) é um trabalho que o Espírito Santo realiza na
vida de cada crente, individualmente e de maneira particular, durante toda a sua vida na terra, até a fase final da Salvação que é
a glorificação do crente nos céus com Cristo.
7 Paulo já havia passado pela experiência de se encontrar com o Senhor ressurreto (9.4-6; 1Co 15.8) quando de sua conversão,
e também viu Jesus no Templo de Jerusalém, em meio a um êxtase espiritual (22.17-18). O Senhor mostrou seu cuidado especial
para com Paulo por meio das várias vezes que apareceu para preveni-lo quanto a momentos de grandes crises. Aqui e em 23.11,
porém, Jesus aparece para encorajá-lo.
8 Gálio foi o irmão mais velho de Sênega, grande filósofo, estadista romano e mentor de Nero. Descobertas arqueológicas em
Delfos confirmam o mandato de Gálio, no ano 51 d.C., como procônsul da Acaia. Esse fato contribui para a datação da segunda
viagem missionária de Paulo a Corinto, no inverno de 50 d.C., e a autoria das epístolas aos tessalonicenses.
9 Os líderes judeus estavam acusando Paulo de renunciar ao judaísmo – religião considerada “dentro da lei” pelos romanos – e
de criar uma seita herética, e, portanto, “ilícita”. A expressão “contrária à lei” é ambígüa, podendo se referir tanto à Lei de Moisés
quanto à lei de Roma. Contudo, Gálio, considerado por todos como homem público de excepcional cultura, justiça e ponderação,
notou a sutileza e os verdadeiros interesses da acusação e julgou que as questões de natureza teológica entre os judeus não
diziam respeito a Roma.
15 Entretanto, visto que se trata de uma “Se Deus quiser, voltarei para vós ou-
questão de palavras e nomes de sua tros”. E, embarcando, partiu de Éfeso.
própria lei, ora resolvei isso vós mesmos; 22 Assim que chegou a Cesaréia, subiu
pois não quero me dispor a ser juiz des- até a Igreja para saudá-la e depois desceu
ses assuntos!” para Antioquia.13
16 E ordenou que fossem expulsos do 23 Havendo passado algum tempo em
tribunal. Antioquia, Paulo partiu dali e viajou por
17 Então, todos se voltaram contra toda a região da Galácia e da Frígia, en-
Sóstenes, administrador da sinagoga corajando todos os discípulos.
e o espancaram em frente ao tribunal.
Contudo, Gálio não expressou qualquer Paulo em sua terceira missão
perturbação diante desse episódio.10 24 Enquanto isso, chegou a Éfeso um
judeu, natural de Alexandria, chamado
Paulo conclui sua segunda missão Apolo, homem eloqüente e que acumu-
18 Paulo ficou em Corinto por vários lava grande experiência nas Escrituras.14
dias; por fim, despedindo-se dos irmãos, 25 Fora instruído no Caminho do Senhor
navegou para Síria, levando em sua com- e com notável fervor pregava e ensinava
panhia Priscila e Áquila. Porém, antes de com exatidão a respeito de Jesus, ainda
embarcar, raspou a cabeça em Cencréia, que tivesse apenas o conhecimento do
por causa de um voto que havia feito.11 batismo de João.
19 Chegaram então a Éfeso, onde Paulo 26 Apolo, portanto, começou a pregar
deixou Priscila e Áquila. Ele, no entanto, com ousadia na sinagoga. E assim que
depois de entrar na sinagoga local, co- Priscila e Áquila o ouviram, convida-
meçou a pregar para os judeus.12 ram-no para uma visita à casa deles e
20 Estes rogaram que permanecesse por lhe explicaram com acerto e clareza o
mais algum tempo, todavia, ele não Caminho de Deus.15
aquiesceu. 27 Então, desejando ele viajar para a Acaia,
21 Mas, ao despedir-se deles, ponderou: os irmãos o animaram e escreveram aos
10 Os motivos que levaram aquelas pessoas a agredirem Sóstenes são obscuros. Entretanto, há forte indicação que esse foi
o segundo administrador (chefe) de sinagoga em Corinto a converter-se ao cristianismo em resposta aos apelos de Paulo (1Co
1.1). Gálio, por se tratar de assunto religioso dos judeus, manteve sua decisão de não envolvimento.
11 Diferentemente do costume da época, Priscila é citada em primeiro lugar devido a sua personalidade e atuação de destaque.
Áquila e sua esposa Priscila serviram ao Senhor como discípulos evangelizadores, e muito cooperaram com Paulo (Rm 16.3; 2Tm
4.19). Paulo havia feito um voto nazireu e temporário (Nm 6.1-21). Um voto habitualmente firmado por judeus devotos, pelo menos
durante 30 dias, como ação de graças pelo livramento de perigos graves. Cortar todo o cabelo bem rente ao couro cabeludo
marcava o final do período do voto. Cencréia era o porto oriental de Corinto, onde se estabeleceu uma igreja local (Rm 16.1).
12 Éfeso era o maior centro comercial, político e religioso na Ásia Menor, capital da Ásia provincial e administradora do grandioso
templo da deusa romana Diana (Ártemis, em grego). Paulo deixou, estrategicamente, o casal de amigos e companheiros de
ministério, em Éfeso, e rumou para uma viagem de vários meses até Jerusalém. Áquila e Priscila realizaram um grande trabalho
de evangelização e permaneceram na cidade até o ano 55 d.C. Depois partiram para Roma, e organizaram uma igreja na própria
casa onde moravam, e novamente se encontraram com Paulo no início do ano 57 d.C., quando o apóstolo escreveu sua epístola
aos Romanos (Rm 16.3,5).
13 Certamente, Paulo dirigiu-se rapidamente, à igreja de Jerusalém e lá não permaneceu por muito tempo. A igreja ficava no alto
da cidade, cerca de 760 metros acima do nível do mar, por isso era costume dizer “subir à igreja”.
14 Alexandria (no Egito) era, depois da própria Roma, a mais importante cidade do Império Romano. Um grande centro urbano,
rico e culturalmente poderoso, abrigava numerosa população de judeus, sendo que a maioria já havia incorporado a filosofia
grega ao seu modo de pensar, e estava fazendo uma leitura totalmente alegorizada do AT.
15 Apolo era um fervoroso pregador alexandrino, mas, como quase toda a população, envolvido pelo forte pensamento helenís-
tico que dominava aquela região e chegou a influenciar os próprios dominadores romanos. Apolo era como certas pessoas que
fazem muito com o pouco que recebem. Ele tinha apenas alguns conhecimentos básicos sobre a pessoa e a obra de Jesus, mas
pregava com autoridade e poder do Espírito Santo. Todavia, ainda aguardava a chegada do Messias e seu batismo baseava-se
somente no arrependimento e mudança radical de comportamento, não na fé sobre a obra redentora – completa, consumada e
definitiva – do Senhor Jesus, o Messias. Por isso, Áquila e Priscila o convidaram para um estudo bíblico mais detalhado em casa
e puderam lhe esclarecer melhor.
16 Uma vez consciente de toda a revelação bíblica sobre o Senhor Jesus, o Messias (Cristo, em grego), Apolo manifesta a visão
missionária, no que é incentivado e apoiado pelos irmãos que o enviam para as igrejas da província romana da Acaia, cuja capital era
a grande e cosmopolita Corinto, onde a Graça do Senhor moveu o coração de muitos e Apolo colheu muito do que plantara Paulo.
Capítulo 19
1 Apolo ficou conhecido em Éfeso (18.24) durante o tempo em que Paulo esteve ausente; mudou-se para Corinto antes de
Paulo retornar para Éfeso. Mais tarde, entretanto, voltou a Éfeso numa ocasião em que Paulo cumpria sua missão na cidade
(1Co 16.12).
2 Esses discípulos eram seguidores de Jesus, de acordo com a orientação doutrinária de João Batista (como Apolo, antes que
Áquila e Priscila o ajudassem a compreender o cumprimento das profecias em Jesus, o Messias – 18.25-26).
3 O batismo de João era um ritual preparatório, confirmando o arrependimento pelo afastamento de Deus e conseqüente ado-
ção de um estilo de vida pecaminoso (Lc 3.8), era também uma demonstração pública de necessidade do Evangelho e prontidão
para a vinda de Cristo. O batismo afirmava a história redentora de Jesus, o Messias (Mt 3.11-15; Mc 1.4).
4 A mesma experiência que os discípulos tiveram no Pentecostes (2.4-11) e que os gentios foram contemplados em Cesaréia (10.46).
5 Paulo dispensa aos efésios bem mais tempo do que os três sábados dedicados aos tessalonicenses (17.2). Entretanto, segue
a mesma ordem de prioridade quanto à exposição das Boas Novas: primeiro ao judeu, depois aos gregos (e outros gentios), e
revela que a esperança judaica em relação ao Reino de Deus se cumpre plenamente na Igreja do Senhor Jesus (1.3; Cl 1.13).
A expressão original grega, aqui traduzida, por “ousadia”, tem a ver com o sentimento de poder sobrenatural que as pessoas
percebiam emanar de Paulo, e não devido a sua fluência verbal, cultura ou retórica.
6 O “Caminho” foi um dos primeiros títulos da igreja primitiva (judeus e gentios que se convertiam a Jesus eram batizados e
passavam a se reunir com freqüência para adorar ao Senhor, estudar, encorajar e cooperar uns com os outros). O “Caminho” era
uma referência à vida cristã (unindo teologia bíblica à prática diária), numa dependência absoluta de Jesus, por meio do Espírito
Santo que passava habitar a pessoa de cada crente, e, por isso, começaram a ser chamados de “cristãos” (18.24 com Jo 14.6). A
separação do ambiente da sinagoga deu origem à “igreja local”, que por cerca de um ano abrigou os convertidos (18.19). Tirano
era um filósofo grego que havia fundado uma escola para oferecer ao público suas preleções. Um antigo manuscrito grego,
conhecido como “Código D” acrescenta que as aulas de Paulo iam das 11 às 16 horas, todos os dias. Certamente, toda essa
fundamentação teológica, ministrada ao longo de dois anos, permitiu à Igreja de Éfeso compreender a profundidade da obra de
Paulo, em especial sua Epístola aos Efésios, anos mais tarde.
7 O objetivo da escola de Paulo foi preparar evangelizadores, discipuladores (como ele), pastores e líderes para a Igreja. Dois
anos e três meses (v.8) foi o período mais longo que Lucas permaneceu em uma só localidade com o propósito missionário.
12 de tal maneira, que até lenços e aven- viam se dedicado ao ocultismo, reunin-
tais que Paulo usava eram levados e do seus livros de magia, os queimaram
colocados sobre os doentes. Estes eram diante de toda a comunidade reunida.
curados de todas as suas enfermidades, Calculados os seus preços, chegou-se à
assim como espíritos malignos eram estimativa de que o valor total equivalia
expelidos deles.8 a cinqüenta mil moedas de prata.
13 E alguns judeus, que peregrinavam 20 E assim, a Palavra do Senhor era
praticando exorcismo, tentaram invocar o grandemente propagada e prevalecia
Nome do Senhor Jesus sobre os tomados poderosamente.
por espíritos malignos, mandando: “Escon-
juro-vos por Jesus, a quem Paulo prega!”. Paulo envia Timóteo e Erasto
14 Os que assim procediam eram os sete 21 Passados esses acontecimentos, Paulo
filhos de um judeu chamado Ceva, um decidiu, no seu espírito, ir para Jerusa-
dos chefes dos sacerdotes dos judeus. lém, passando pela Macedônia e pela
15 Certo dia, um daqueles espíritos Acaia, e projetava: “Depois de haver
demoníacos lhes respondeu: “Jesus, eu estado ali, é necessário igualmente que
conheço, Paulo, sei quem é; no entanto, eu veja Roma”.
vós, quem sois?” 22 E, enviando à Macedônia dois dos seus
16 Então o endemoninhado avançou cooperadores, Timóteo e Erasto, ficou
sobre eles, os dominou e os agrediu com por mais algum tempo na província da
tamanha violência, que, desnudos e feri- Ásia.9
dos, fugiram daquela casa.
17 Assim que esse acontecimento se Tumulto na assembléia do povo
tornou conhecido de todos os judeus e 23 Naquele tempo aconteceu grande al-
gregos que habitavam em Éfeso, toda a voroço por causa do Caminho.
população foi tomada de grande temor, 24 Um ourives chamado Demétrio, que
e o Nome do Senhor Jesus era engran- confeccionava miniaturas de prata do
decido. templo de Diana e proporcionava grandes
18 Muitos dos que creram, assim que lucros aos artífices,
chegavam, começavam a confessar e 25 promoveu uma reunião destes com os
a declarar em público suas más obras demais trabalhadores dessa profissão e
praticadas. lhes declarou: “Senhores! Sabeis que deste
19 Da mesma forma, muitos dos que ha- ofício vem o nosso enriquecimento.10
Parte da estratégia missionária internacional de Paulo tinha a ver com sua prioridade em evangelizar os grandes centros urbanos,
comerciais e culturais de sua época. Os vários grupos cristãos que iam surgindo nas grandes cidades, imediatamente cuidavam
de levar o Evangelho para os interiores, zonas rurais e regiões adjacentes. As igrejas de Colossos, Hierápolis e Laodicéia, fun-
dadas por Epafras, amigo e cooperador de Paulo, são um notável exemplo do valor do investimento no discipulado e ensino da
Palavra.
8 Sempre que necessário o Senhor concederá poderes extraordinários aos seus servos para que vençam completamente os
ataques e influências demoníacas muitas vezes travestidos de oráculos, princípios filosóficos, culturais ou religiosos (ocultismo,
espiritismo, magias e esoterismos em geral).
9 Erasto havia sido administrador da cidade de Corinto por algum tempo (Rm 16.23). Após seu mandato, deixou a cidade e
retornou tempos mais tarde (2Tm 4.20). Nesse momento, está de passagem por Corinto vindo da Macedônia, com Timóteo.
Lucas não narra as dificuldades mencionadas em 1Co 15.32; 2Co 1.8, tampouco, os problemas enfrentados pela Igreja em
Corinto (1Co 4.17-21; 16.10).
10 As profissões se reuniam em associações de classes, e Demétrio era o responsável pela direção da corporação dos artífices
de miniaturas e esculturas de imagens religiosas. Ártemis era o nome grego da deusa romana Diana, que era adorada pelos
povos da Ásia Menor sob domínio do Império Romano e tida como “deusa-mãe da fertilidade” e, por isso, servida por inúmeras
prostitutas no templo. Os Efésios eram por demais espiritualistas e esotéricos. Acreditavam que Zeus (deus-chefe do panteão
grego) havia enviado Ártemis à Terra na forma de um meteorito o qual originou uma de suas primeiras representações esculturais.
O templo de Diana foi considerado uma das sete maravilhas do mundo e era chamado de “a glória dos efésios”. Tinha 130 m de
comprimento e 67 m de largura, com 127 grandes colunas de puro mármore branco, cada uma delas com 19 m de altura. No
santuário ficava exposta uma imagem, com muitos seios, cuja matéria prima supostamente “veio do céu”.
26 E estais observando e ouvindo que não das pessoas, nem sabia ao certo porque
apenas em Éfeso, como também em qua- estavam concentradas ali.12
se toda a província da Ásia, esse indivíduo 33 Um grupo saído da multidão julgou
Paulo, tem persuadido e alterado o modo que Alexandre fora o causador daquele
de viver de muitas pessoas, afirmando que tumulto, quando os judeus o impeliram
deuses feitos por mãos humanas não têm para que fosse à frente. Ele, por sua vez, fa-
poder divino! zia sinal com as mãos, solicitando silêncio
27 Ao continuar isso, corremos o risco ao povo, para que pudesse expressar sua
de ver não apenas nossa arte perder o defesa pública.
prestígio que ostenta diante de todos, 34 Todavia, assim que perceberam que ele
como também de o templo de a grande era judeu, todos, a uma só voz, exclama-
deusa Diana cair em descrédito. E mais, ram durante quase duas horas sem parar:
de a própria deusa, hoje adorada em “Grande é a Diana dos efésios!”
toda a província da Ásia e em todo o 35 Então, o secretário geral da cidade acal-
mundo, ser destituída de sua majestade mou a multidão e ponderou-lhes: “Caros
divina”. cidadãos efésios! Quem, porventura, des-
28 Assim que ouviram isso, foram toma- conhece que a cidade de Éfeso é guardiã
dos de grande ira e começaram a excla- do templo da grande Ártemis e da sua
mar: “Grande é a Diana dos efésios!” imagem que caiu de Zeus?”13
29 Rapidamente, toda a cidade foi envolvi- 36 Portanto, considerando que estes acon-
da por absoluto alvoroço. O povo correu tecimentos são inegáveis, convém que vos
alucinado para o teatro, arrastando os aquieteis e nada façais irrefletidamente.
companheiros de ministério de Paulo, os 37 Porque estes homens, que aqui trouxes-
macedônios Gaio e Aristarco. tes, não são ladrões de templos, nem tam-
30 Então, Paulo quis apresentar-se à multi- pouco blasfemaram contra nossa deusa.14
dão, mas os discípulos o contiveram. 38 Assim, se Demétrio e os artífices que o
31 Também alguns dos oficiais religiosos acompanham têm alguma queixa contra
romanos, amigos de Paulo, chegaram a alguém, os tribunais estão abertos, e há
mandar-lhe um recado expresso, rogando- procônsules para isso. Eles que apresen-
lhe que não se arriscasse a ir ao teatro.11 tem suas denúncias ali.
32 A assembléia estava em total confusão. 39 Contudo, caso haja qualquer outro
Uns gritavam de uma forma; outros, pleito, este deverá ser decidido em as-
protestavam de outra. E a maior parte sembléia regular, conforme a lei.
11 Alguns dos homens mais ricos e influentes da província eram escolhidos anualmente para organizar e promover o culto ao
imperador (uma divindade para os romanos). Tornavam-se, portanto, sacerdotes, reuniam-se em concílio e eram chamados, em
grego, de Asiarchon (“asiarcas” como aparece em algumas versões).
12 Os gregos tinham o costume de resolver todos os assuntos da cidade em reuniões comunitárias e democráticas (através do
voto direto de cada cidadão). Nessas reuniões, eram ouvidas todas as idéias sobre determinado assunto a ser considerado e a
proposta mais votada vencia o pleito. Essas reuniões passaram a ser conhecidas pelo termo secular grego ekklesia (igreja). Com
o passar do tempo, os convertidos (cristãos) passaram também a promover freqüentes reuniões legislativas e deliberativas, con-
vidando seus membros para irem à ekklesia. Na Igreja de Cristo, entretanto, deve prevalecer a vontade de Deus, especialmente
a revelada em Sua Palavra (Êx 32.1; Pv 11.14; Mc 12.37).
13 O principal oficial executivo da assembléia uma espécie de secretário maior da prefeitura da cidade, era também o
intermediário legal entre o povo de Éfeso e Roma. Algumas versões trazem a expressão: “escrivão da cidade”, certamente devido
à sua função de registrar e publicar as decisões dos cidadãos tomadas nas assembléias. Sabiamente, preservou a serenidade e
apontou o perigo das atitudes ilegais e injustas. Éfeso havia recebido o título de “cidade guardiã do templo de Diana” e, por isso,
gozava de certa autonomia e outros privilégios políticos e econômicos.
14 Algumas versões preservam a expressão literal grega: “sacrílegos” (roubadores de templos) que, nesse caso, não é neces-
sária e dificulta o entendimento imediato do texto. Éfeso era a capital do Império Romano na província da Ásia e, por isso, sede
do procônsul. As “assembléias” ordinárias eram realizadas normalmente três vezes por semana, deixando uma semana do mês
para a realização das assembléias extraordinárias. A proclamação da Verdade, por si só, faz o trabalho de desmascarar as falsas
doutrinas e exaltar a Palavra de Deus. Ao pregar a verdade, eles não podiam ser considerados “blasfemos”.
40 Porquanto, da forma como estamos cinco dias, nos encontramos com eles no
procedendo, corremos o perigo de sermos porto de Trôade, onde ficamos por mais
acusados de perturbar a ordem pública, sete dias.
tendo em vista o tumulto ocorrido hoje.
E, neste caso, não nos haveria motivo ra- Paulo ressuscita o jovem Êutico
zoável que pudéssemos alegar para justifi- 7 No primeiro dia da semana nos reuni-
car tamanha movimentação do povo”. mos com a finalidade de partir o pão, e
41 E, tendo dito isso, desfez a assembléia. Paulo pregou ao povo. Planejando seguir
viagem no dia seguinte, continuou falan-
Paulo volta à Macedônia e Grécia do até a meia-noite.4
1 Paulo tinha o objetivo de partir de Éfeso para levar o Evangelho ao povo de Trôade, a caminho da Macedônia, onde reen-
contraria-se com Tito, a fim de avaliarem o crescimento espiritual da Igreja em Corinto (2Co 2.12,13). Nessa altura (por volta do
ano 55 d.C.), Paulo escreveria sua segunda carta aos coríntios e seguiria evangelizando até Ilírico, grande região montanhosa a
leste do mar Adriático, espalhando-se desde o nordeste italiano e as tribos celtas da época, ao norte, até à Macedônia ao sul (Rm
15.19). Essa última viagem de Paulo tinha como propósito levantar uma grande oferta para socorrer os crentes de Jerusalém que
estavam passando por muitas necessidades (24.17; 1Co 16.1-4).
2 Paulo permaneceu em Acaia, capital da Grécia, durante o inverno, pois os navios não costumavam navegar nesse período.
Paulo aproveitou o tempo para escrever sua Epístola aos Romanos. Como os judeus estavam tramando sua morte, e a valiosa
oferta que transportava para os crentes da Judéia atraia a atenção de salteadores, Paulo decidiu não embarcar e seguir um
caminho por terra, desviando-se de possível emboscada no porto de Cencréia.
3 Algumas igrejas enviaram homens de Deus como seus representantes para acompanhar Paulo nessa jornada (2Co 8.23).
Lucas se uniu ao grupo em Filipos (6; 16.10). Sópatro é o mesmo Sosípatro de Rm 16.21. Aristarco (19.29), cujo nome significa
“segundo”, assim como Tércio (Rm 16.22) quer dizer “terceiro”. Gaio de Derbe – Galácia romana (19.29). Timóteo, representando
um grupo de igrejas, pois vinha de Listra, mas havia realizado notável ministério em outros grupos cristãos (1Co 16.10,11; Fp 2.19-
23). Tíquico, fiel auxiliar de Paulo, especialmente em relação às igrejas da Ásia (Ef 6.21,22; Cl 4.7-9; 2Tm 4.12; Tt 3.12). Trófimo,
efésio e gentio crente (21.29; 2Tm 4.20).
4 Lucas costuma empregar o método grego de contar o tempo e as horas do dia quando narra fatos ocorridos em ambientes
helênicos. Paulo, embora guardasse as principais festas judaicas, celebrava dominicalmente o culto cristão com o memorial do
partir o pão (a Ceia do Senhor) instituído por Jesus (Lc 22.19; 2.42).
5 No grande salão (cenáculo) havia muitas candeias (literalmente em grego: “tochas”), queimando óleo. A fumaça que produziam
contribuiu para o profundo sono do jovem Êutico, que foi ressuscitado por Paulo, assim como Dorcas (Tabita) o fora por Pedro (9.40;
14.8; 1Rs 17.21). O menino – sem dúvida – estava morto, mas não para sempre, nem muito menos para o poder de Deus.
e embarcamos para Assôs, onde receberí- 20 Sabeis igualmente, que jamais deixei
amos Paulo a bordo. Pois assim ele havia de vos pregar nada que fosse proveitoso,
determinado, tendo preferido ir a pé.6 mas vos ensinei tudo em público e de
14 Quando nos alcançou em Assôs, o casa em casa.
recebemos a bordo e seguimos viagem 21 Testemunhei, tanto a judeus como a
até Mitilene.7 gregos, que eles necessitam converter-se
15 No dia seguinte, navegamos dali e che- a Deus sob total arrependimento e fé em
gamos em frente de Quio. No outro dia, nosso Senhor Jesus.
cruzamos para Samos e, um dia depois, 22 Agora, pois, compelido pelo Espírito
chegamos a Mileto.8 Santo, estou seguindo para Jerusalém,
16 Porquanto, Paulo havia decidido não desconhecendo o que ali me sucederá.11
aportar em Éfeso, para não se demorar 23 Sei, no entanto, que em todas as cidades
na província da Ásia, pois tinha muita o Espírito Santo me previne que prisões e
pressa de chegar a Jerusalém, se possível, sofrimentos estão preparados para mim.
antes do dia de Pentecoste. 24 Contudo, nem por um momento con-
sidero a minha vida como valioso tesouro
Paulo exorta os presbíteros para mim mesmo, contanto que possa
17 De Mileto Paulo pediu para que fos- completar a missão e o ministério que
sem chamados os presbíteros da Igreja recebi do Senhor Jesus, para dar testemu-
de Éfeso.9 nho do Evangelho da graça de Deus.
18 Assim que se reuniram, Paulo lhes de- 25 Estou consciente de que, desde agora,
clarou: “Vós bem sabeis como foi que me nenhum de vós, entre os quais passei en-
comportei entre vós durante todo o tem- sinando sobre o Reino, vereis outra vez o
po em que vivi convosco, desde o primeiro meu rosto.12
dia em que cheguei à província da Ásia.10 26 Portanto, hoje vos proclamo que estou
19 Servi ao Senhor com toda a humildade inocente do sangue de todos.
e com lágrimas, sendo impiedosamente 27 Porque jamais deixei de vos ensinar
provado pelas ciladas dos judeus. toda a vontade de Deus.13
6 Assôs ficava numa península oposta a Trôade e distava aproximadamente 30 km por terra. A distância por mar, margeando o
litoral, era de cerca de 65 km. Dessa forma, Paulo não gastou muito mais tempo que o navio que navegou em redor da península.
7 Após o primeiro dia de viagem, foram acolhidos no porto de Mitilene que ficava no litoral sudeste da ilha de Lesbos.
8 Passaram a segunda noite na ilha de Quio, que se localizava próximo ao litoral oeste da Ásia Menor. Cruzando a entrada da
baía que leva a Éfeso, aportaram no terceiro dia em Samos, uma das ilhas mais importantes do mar Egeu. Mileto era o porto de
destino do navio em que Paulo estava, e ficava cerca de 50 km ao sul de Éfeso. Para chegar a Éfeso, teria que desembarcar e
pegar outro navio. Paulo considerou os riscos e preferiu rumar direto para Mileto, onde promoveria uma reunião com os líderes
da Igreja em Éfeso.
9 A importância da liderança espiritual dos presbíteros é enfatizada em todo o ministério e escritos de Paulo. Entregou aos
presbíteros da Igreja em Jerusalém a oferta generosa da Igreja que estava em Antioquia (11.30). Nomeou presbíteros em sua pri-
meira viagem missionária (14.23). Escreveu aos que exerciam esse ministério em Filipos (Fp 1.1), também chamados de “bispos”.
Solicitou que os presbíteros de Éfeso viessem ao seu encontro em Mileto para uma reunião solene, e alguns anos mais tarde foi
dirigido pelo Espírito Santo a escrever orientações sobre as qualificações especiais desses líderes cristãos (1Tm 3; Tt 1).
10 O livro de Atos apresenta três grandes discursos de Paulo. O primeiro, dedicado aos judeus (cap.13); o segundo destinado
aos pagãos, gentios não crentes (cap.17); o terceiro, uma mensagem Pastoral de testemunho, orientação e encorajamento aos
líderes espirituais da Igreja do Senhor Jesus.
11 A expressão grega traduzida por algumas versões como: “constrangido”, e aqui pelo vocábulo “compelido”, vem da forma
original e literal: “acorrentado e puxado pelo Espírito” (conforme 16.6).
12 A viagem com destino a Jerusalém faz parte do final da carreira ministerial de Paulo, embora seus escritos continuem sendo
usados pelo Espírito Santo para instruir e encorajar os discípulos de Jesus todos os dias. Testemunhar o Evangelho da graça é
uma expressão que equivale a pregar o “Reino de Deus”. Paulo teve uma última oportunidade de visitar a Igreja em Éfeso após a
sua primeira prisão, mas, certamente, não se encontrou mais com todos seus antigos amigos e discípulos (1Tm 1.3).
13 Mesmo na Igreja em Éfeso havia pessoas falsas, maldosas e ardilosas, cuja intenção era minar a integridade de Paulo (e dos
presbíteros), com a finalidade de tirar algum proveito próprio. O cristianismo puro e verdadeiro não tem segredos ou doutrinas
ocultas como o gnosticismo e outras seitas heréticas que até nossos dias procuram iludir os incautos e aqueles que apenas
buscam um “deus de resultados” para serem servidos, e não a Deus para adorá-Lo.
14 Os “presbíteros” também eram conhecidos como “bispos” (do original grego: episcopoi, e que significa: “supervisores” ou
“guardiões” espirituais). Dessa forma, os “bispos-presbíteros” devem “pastorear” o povo de Deus como “mestres” (Ef 4.11). São
estabelecidos pelo Espírito Santo e respeitados pela Igreja (1.24; 13.1,2; 1Co 12.18,28). O verbo “comprou” é análogo ao substan-
tivo registrado em 1Pe 2.9: “povo de propriedade exclusiva de Deus”. Algumas versões trazem a frase: “...pastoreardes a igreja do
Senhor, que ele comprou com o seu próprio sangue”. Apesar de não estar errada, a forma mais próxima do significado original deve
levar em consideração a frase idiomática hebraica (subjacente ao texto grego) que se refere ao “Único Filho” ou “ao Amado”.
15 Falsos ensinadores logo ameaçaram as comunidades cristãs em toda a Ásia com suas doutrinas gnósticas, ainda hoje infiltradas
em diversas seitas heréticas, sempre cultuando o conhecimento, o esoterismo e a cultura em detrimento do sacrifício vicário de Cristo
(a carta aos Colossenses trata em profundidade desse assunto, assim como 1a, 2a e 3a de João e Ap 2,3). Por isso, o trabalho do pastor
inclui: vigiar (1Pe 5.8); exortar e admoestar (1Ts 5.12); pregar e ensinar as Escrituras com vistas a edificar o Corpo de Cristo (1Tm 4.6).
16 O ministério que Paulo recebera do Senhor (24) agora é integralmente transferido para os pastores (bispos, presbíteros ou líderes
cristãos) que, ao submeterem-se ao senhorio de Cristo, ocupam uma posição de “santidade” (literalmente: separação do profano para
servir ao sagrado), ainda que continuem a ser “seres humanos propensos a falhas, fraquezas e pecados” (26.18; 1Co 1.2; 1Jo 1.9).
17 Paulo dedicou-se, em determinado momento, também ao trabalho secular com o objetivo de suprir as suas necessidades
pessoais e a de alguns de seus companheiros de ministério. Isso ocorreu em Tessalônica (1Ts 2.9) e em Corinto (At 18.3).
18 Os grandes mestres da igreja primitiva (mais tarde chamados de Pais da Igreja) usavam dizer: “Lembrando as palavras do
Senhor...”, antes de fazerem uma citação de Jesus. Paulo, curiosamente, recorda um conhecido dito de Jesus (baseado em Lc
6.37-38), mas que não se encontra registrado nos Evangelhos e corroboram a afirmação de João sobre as muitas realizações
de Jesus que não foram registradas nas Escrituras (Jo 21.24-25). Jesus e Paulo viveram a realidade – às últimas conseqüências
– desse ditado do Senhor e nos legaram seus exemplos.
Capítulo 21
1 Ventos favoráveis os levaram rapidamente até um porto seguro na ilha de Cós, onde passaram a noite. Rodes é a grande ilha
que se prolonga em direção a Creta e fica no meio da principal rota marítima entre o mar Egeu e os portos da Fenícia. No século
III a.C, devido ao grande desenvolvimento econômico e cultural de Rodes, foi erguida na entrada do porto da principal cidade da
ilha, também chamada Rodes, uma enorme estátua de bronze, de autoria do escultor Cares de Lindos em homenagem ao deus
Sol. Foi considerada como uma das sete maravilhas do mundo antigo e ficou conhecida como “Colosso de Rodes”. Entretanto,
no ano 226 a.C., um terremoto a destruiu completamente. Em Pátara, litoral sul da Lícia, Paulo baldeou de navios, deixando o que
seguia pela costa da Ásia Menor e embarcando em outro, direto para Tiro e à Fenícia.
2 Encontrando um navio que seguia para 11 Ele chegou com o propósito de falar
a Fenícia, embarcamos e partimos. conosco, e assim que nos encontrou,
3 Ao avistarmos Chipre e seguirmos em tomou o cinto de Paulo e, amarrando
direção ao sul, navegamos para a Síria. os seus próprios pés e mãos, profe-
Desembarcamos em Tiro, onde nosso tizou: “Assim diz o Espírito Santo:
navio deveria ser descarregado. ‘Desta maneira os judeus em Jerusalém
4 Havendo encontrado os discípulos amarrarão o homem a quem pertence
locais, ficamos com eles sete dias. E eles, esse cinto e o entregarão nas mãos dos
pelo Espírito, recomendavam a Paulo gentios!’”4
que não seguisse para Jerusalém.2 12 Assim que ouvimos tal revelação, nós
5 Todavia, quando se encerrou nosso e todo o povo local suplicamos a Paulo
tempo naquele local, partimos e demos que não subisse para Jerusalém.
continuidade à nossa viagem. Todos os 13 Então Paulo declarou: “Por que fazeis
discípulos, com suas esposas e filhos, nos isso? Não choreis, pois assim fazendo,
acompanharam até fora da cidade, e ali partis meu coração! Eis que estou pronto
na praia nos ajoelhamos e oramos. não apenas para ser amarrado, mas tam-
6 Então, nos despedimos uns dos outros, bém a morrer em Jerusalém pelo Nome
embarcamos, e eles retornaram para suas do Senhor Jesus!”
casas. 14 Assim, como não nos foi possível
7 Concluída a nossa viagem, de Tiro che- demovê-lo, aquiescemos e exclamamos:
gamos a Ptolemaida; e depois de saudar “Faça-se, pois, a vontade do Senhor!”5
a todos os irmãos, passamos o dia com 15 Havendo passado aqueles dias, prepa-
eles. ramos as cavalgaduras e subimos rumo a
8 Partindo no dia seguinte, fomos para Jerusalém.6
Cesaréia; ali chegamos e fomos recebidos 16 E alguns dos discípulos de Cesaréia
na casa de Felipe, o evangelista, que era nos acompanharam e nos conduziram
um dos sete. à casa de Mnasom, que era natural de
9 Ele tinha quatro filhas virgens que pro- Chipre, um dos primeiros discípulos,
fetizavam.3 com quem iríamos nos hospedar.7
10 Demorando-nos ali por muitos dias,
desceu da Judéia um profeta chamado A entrada de Paulo em Jerusalém
Ágabo. 17 Havendo nós chegado a Jerusalém,
2 O Espírito revelou aos irmãos na fé de Paulo as provações que o aguardavam em Jerusalém e, por isso, eles lhe rogavam que
mudasse seus planos de viagem. Paulo, contudo, sentia-se “compelido pelo Espírito” a seguir rumo ao seu destino, assim como
ocorreu com o próprio Jesus (Mt 20.17-19; Mc 10.32-34; Lc 18.31-34).
3 Cesaréia, capital da Judéia romana, era considerada “a capital dos gentios”. Felipe dedicou-se por cerca de 25 anos à obra
de evangelização e discipulado da população dessa cidade. Paulo lhe confere o título de “evangelista” (Ef 4.11; 2Tm 4.5). As
filhas de Felipe tinham o dom de profecia e serviam ao Senhor de forma especial (1Co 11.5; 12.8-10; Lc 2.36 conforme Êx 15.20;
Jz 4.4; 2Rs 22.14; Ne 6.14).
4 Ágabo usa um recurso dramático (mímica) comum a muitos profetas do AT. Esse é o mesmo profeta que havia estado em
Antioquia profetizando a fome iminente em Jerusalém, cerca de 15 anos antes (11.27-29). O Espírito Santo prediz que Paulo
sofrerá muitas aflições em Jerusalém, mas não o proíbe de seguir seu caminho.
5 Os crentes expressam o sentimento humano de querer preservar a vida de Paulo, pois o amavam muito. Entretanto, assim
como Jesus, Paulo não temia por sua vida, mas desejava cumprir a vontade de Deus (Lc 22.42; Fl 1.19). A expressão original
grega, aqui traduzida por: “partis meu coração”, e em outras versões como: “quebrantando-me o coração”, tem sua origem
etimológica no ato das lavadeiras baterem as roupas nas pedras do rio para amolecerem a sujeira e, então, poder removê-la
com mais facilidade. Contudo, diante da convicção de Paulo, seus amigos e irmãos em Cristo resolveram cobri-lo com orações
diante do Senhor.
6 Em vários e fiéis manuscritos gregos, há a indicação clara de que essa comitiva, liderada por Paulo, seguiu a cavalo até
Jerusalém.
7 Mnasom era um dos primeiros discípulos de Cristo. Homem de posses e grande generosidade. Acolheu em sua casa cerca
de nove pessoas que compunham essa equipe missionária de Paulo.
vieram os irmãos e nos receberam com 25 Entretanto, quanto aos gentios que se
grande alegria.8 converteram, já lhes escrevemos a nossa
18 No dia seguinte, Paulo seguiu em determinação para que se abstenham de
nossa companhia para encontrar-se com comer qualquer alimento oferecido aos
Tiago; e todos os presbíteros estavam ídolos, do sangue, da carne de animais
reunidos.9 estrangulados e de todo tipo de imora-
19 Então Paulo os saudou e passou a rela- lidade sensual”.
tar-lhes em detalhes o que Deus havia 26 Diante disso, no dia seguinte, Paulo
realizado entre os gentios por intermédio levou consigo aqueles homens e passou
do seu ministério. com eles pelos rituais de purificação. Em
20 Ouvindo isso, eles glorificaram a Deus seguida, foi ao templo para declarar o
e declaram-lhe: “Bem vês, irmão, quan- prazo do cumprimento dos dias da pu-
tos milhares de judeus têm crido e todos rificação e da oferta que seria consagrada
são zelosos da Lei! individualmente em favor deles.
21 Porém, eles têm sido informados a teu
respeito, de que ensinas todos os judeus Paulo é agredido e preso
que estão entre os gentios a se afastarem 27 Contudo, quando os sete dias estavam
de Moisés, pregando que não circunci- quase terminando, alguns judeus da
dem seus filhos nem tampouco andem província da Ásia, observando Paulo no
segundo as tradições e costumes. templo, incitaram toda a multidão e o
22 Que faremos, portanto? Certamente agarraram,11
todos saberão que chegaste. 28 esbravejando: “Homens de Israel,
23 Faze, pois, o que te vamos orientar. Es- ajudai! Este é o homem que por toda
tão conosco quatro homens que fizeram parte prega a todos contra o nosso povo,
um voto. contra a Lei e contra este lugar. Além de
24 Participa com esses homens dos rituais tudo, introduziu gregos no templo e pro-
de purificação e paga as despesas deles, fanou este santo lugar!”12
para que rapem a cabeça. Dessa forma, 29 Diziam isso, pois o haviam visto na
todos observarão que é falso o que ouvi- cidade, com Trófimo, o efésio, e pre-
ram a teu respeito, e que, em verdade, tu sumiram que Paulo o havia trazido ao
mesmo continuas andando sob absoluta templo.
obediência à Lei.10 30 Por esse motivo, toda a cidade se alvo-
8 Paulo consegue chegar um ou dois dias antes da celebração do Pentecostes. Os irmãos necessitados de Jerusalém manifes-
tam toda a sua alegria pelo amor e coragem de Paulo e pela oferta trazida em segurança pelo grupo missionário.
9 Tiago é o irmão de Jesus Cristo e autor da Epístola Sagrada que leva seu nome. Foi grande e admirado líder cristão em
Jerusalém (Gl 1.19; 2.9); apesar de não ser formalmente um dos Doze, era chamado e respeitado como “apóstolo”. Os demais
apóstolos, nesse momento histórico, estavam espalhados por diversas regiões, dedicando-se ao trabalho missionário (evange-
lização e discipulado).
10 Os quatro cristãos judeus estavam sujeitos às ordenanças estabelecidas àqueles que faziam o voto temporário de nazireado
e ficaram impuros antes de se esgotar o tempo regulamentar de guarda do voto, provavelmente por terem tocado ou comido
algo impuro (Nm 6.2-12). Esse voto não era obrigatório para nenhum cristão, quer judeu ou gentio. Os rituais incluíam o sacrifício
de ofertas, e Paulo deveria dispor-se a pagar pelos oito pombos e quatro cordeiros requeridos dos quatro homens (Nm 6.9-12).
Paulo fez tudo para ganhar os judeus, mas jamais sacrificou qualquer princípio cristão em função da obediência às ordenanças e
regulamentos da Lei de Moisés (18.18; 1Co 9.20,21; 16.3; Gl 2.3).
11 Os sete dias se referem ao tempo exigido pela Lei para a purificação, rapar a cabeça diante do altar pelo pecado e anunciar
aos sacerdotes que tudo fora realizado conforme as ordenanças e ritos tradicionais.
12 A entrada de qualquer pessoa não judia (gentio) nos limites do átrio de Israel era expressamente proibida, e sua violação
sujeita à pena de morte. Entre o pátio externo (espaço destinado aos gentios de todas as nações) e o pátio interno havia uma
barreira (Ef 2.14) e colunas com fortes advertências em grego e latim. Inscrições claras, nesse sentido, foram encontradas em
blocos de pedra remanescentes do templo e preservados ainda hoje em alguns dos principais museus do mundo. Paulo,
entretanto, não levou nenhum não judeu para o recinto interno do templo. Apenas foi visto na cidade conversando com um grego
chamado Trófimo. Mesmo que Paulo o tivesse levado às dependências restritas do templo, a multidão deveria punir Trófimo e não
Paulo, assim dizia a lei. Fica aqui uma advertência quanto aos julgamentos precipitados e injustos.
13 Havia dois lances de escadas que permitiam o acesso do pátio externo dos gentios à fortaleza de Antonia, cuja torre dava
vista para a área do templo. O comandante (em grego chiliarca – comando de um regimento de mil soldados), se chamava
Cláudio Lísias (23.26). Paulo teve cada um de seus pulsos acorrentados a um soldado ao seu lado.
14 Flávio Josefo narra que houve um falso profeta egípcio que reuniu no monte das Oliveiras quatro mil “sicários” (expressão
em latim que significa: “terroristas armados” ou “homens do punhal”) e “profetizou” que as muralhas de Jerusalém cairiam diante
deles. Quando tal evento não aconteceu, ele os convenceu a refugiarem-se nas cavernas do deserto. O governador romano Félix
matou cerca de 400 deles, mas o chefe escapou.
15 Algumas versões informam que Paulo falou em “língua hebraica”, entretanto, a geração de Paulo – como a de Jesus – não
falava mais o antigo hebraico e sim uma espécie de dialeto ou novo idioma, chamado “aramaico” e falado entre os judeus da
Palestina da época.
Capítulo 22
1 Se Paulo tivesse falado na língua hebraica tradicional o povo não compreenderia claramente suas palavras nem lhe daria total
atenção inicial, pois os judeus dessa época e região não mais falavam fluentemente a língua original de seus antepassados. Há
vários séculos, o aramaico, um cognato do antigo hebraico, havia se estabelecido entre os povos palestinos.
2 Paulo havia nascido em Tarso, cidade grega dominada pelo império romano na época, o que o tornava oficialmente cidadão
romano. Tarso ficava próxima à foz do rio Cidno e do profundo desfiladeiro chamado “Portas da Cilícia”. Era um grande centro
cultural (com uma vigorosa universidade) e comercial (ponto de cruzamento de importantes estradas). Quando Paulo atingiu
5 como bem pode testemunhar o sumo conheceres sua vontade, veres o Justo e
sacerdote, assim como todo o conselho ouvires a Palavra da sua própria boca.
dos anciãos. Visto que deles recebi cartas 15 Pois serás sua testemunha, perante
requisitando a cooperação dos irmãos, e todas as pessoas, dos sinais que tens visto
segui para Damasco, com a finalidade de e ouvido.3
deter e trazer algemados para Jerusalém 16 E, agora, o que mais esperas? Levanta-
os que ali estivessem para serem severa- te, sê batizado e lava os teus pecados,
mente punidos. invocando o Nome do Senhor’.4
6 Entretanto, por volta do meio-dia, en- 17 Quando retornei a Jerusalém, estando
quanto me aproximava de Damasco, de eu a orar no templo, caí em êxtase e
repente, uma fulgurante luz vinda do céu 18 vi o Senhor que me ordenava: ‘Apres-
reluziu ao meu redor. sa-te e sai logo de Jerusalém, porquanto
7 Caí por terra e ouvi uma voz que me não receberão o teu testemunho acerca
indagava: ‘Saul, Saul, por que me per- da minha pessoa!’
segues?’ 19 Ao que eu indaguei: Mas Senhor, todos
8 Diante disso, perguntei: Quem és tu, eles sabem que eu fui o responsável pela de-
Senhor? Ao que Ele me afirmou: ‘Eu Sou tenção e encarceramento dos que criam em
Jesus, o nazareno, a quem persegues!’ Ti e os açoitava de sinagoga em sinagoga.
9 E aqueles homens que me acompanha- 20 E mais, quando foi derramado o san-
vam também viram o brilho da luz, mas gue de Estevão, tua testemunha, eu lá
não compreenderam a voz daquele que estava pessoalmente observando tudo,
falava comigo. dando minha aprovação e tomando con-
10 Então inquiri: Senhor, que devo fazer? ta das capas dos que o matavam.
E o Senhor me ordenou: ‘Levanta-te e 21 Contudo, o Senhor me ordenou: ‘Vai,
segue para Damasco, onde te será comu- porque Eu te enviarei para longe, aos
nicado tudo o que necessitas fazer’. gentios!’5
11 Tendo ficado cego devido ao intenso
resplendor daquela luz, cheguei a Da- Paulo, judeu e cidadão romano
masco guiado pela mão dos meus com- 22 A multidão acompanhava o discurso de
panheiros de viagem. Paulo até o momento em que ele disse isso.
12 Um homem piedoso segundo a Lei, Então, todos ergueram a voz e começaram
chamado Ananias, e muito respeitado a esbravejar: “Tira da face da terra esse tal
por todos os judeus que ali moravam, homem, pois ele não merece viver!”.
13 veio ao meu encontro e, colocando-se 23 Enquanto gritavam, tiravam as capas e
de pé ao meu lado, determinou: ‘Irmão jogavam poeira para o ar,
Saulo, recupera a tua visão!’ 24 o comandante mandou que Paulo
14 Em seguida ele me revelou: ‘O Deus fosse conduzido para o interior da forta-
dos nossos antepassados te escolheu para leza, ordenando imediato interrogatório
a idade escolar foi levado para Jerusalém para que fosse educado pelo mais reconhecido mestre do judaísmo do seu tempo,
Gamaliel, neto do grande Hilel. A expressão “aos pés” tem a ver com o fato de o discípulo (aluno) aprender sentado no chão,
enquanto seu mestre o ensinava sentado sobre uma espécie de travesseiro ou pequeno banco de madeira recoberto com peles
de cabras, o que colocava o professor num plano mais elevado e comunicava a idéia de respeito mútuo. Paulo sutilmente explica
ao povo que ele também agiu erradamente por ignorar a Verdade (Jo 8.32; 14.6).
3 A experiência de ter visto Jesus Cristo ressurreto marcou decisivamente a vida e a base teológica de Paulo (26.16; 1Co 9.1).
4 O batismo é sempre o sinal externo do milagre da Graça de Deus operado no interior de cada pessoa humana. Embora a
realidade da conversão esteja estreitamente ligada à ação simbólica, o ritual externo, isoladamente, não tem o poder de produzir
a graça interior e, portanto, a salvação eterna (2.38; Tt 3.5; 1Pe 3.21; Rm 2.28-29; 6.3-4; Fp 3.4-9).
5 Foi desta forma que Paulo se tornou “apóstolo”. Uma vez que a expressão original em grego: apostellõ significa “enviar”, o
próprio Senhor o enviou para comunicar sua graça ao mundo. Entretanto, os judeus não podiam aceitar que outras raças e povos
tivessem acesso ao Reino de Deus sem grandes sacrifícios e demonstrações externas de fé, como a circuncisão e a obediência
absoluta à Lei e suas derivações rabínicas.
sob chicotadas, a fim de que pudessem patriotas, até o dia de hoje tenho cum-
apurar a razão de tamanha insatisfação prido meu dever perante Deus com toda
do povo contra ele.6 a boa consciência!”.
25 Enquanto o amarravam para dar iní- 2 Entretanto, o sumo sacerdote Ananias deu
cio aos açoites, Paulo perguntou ao cen- ordens aos que estavam mais próximos de
turião que ali estava: “A lei vos permite Paulo para que lhe esbofeteassem na boca.
flagelar um cidadão romano, sem que 3 Diante disso, Paulo lhe afirmou: “Deus te
este tenha sido condenado?” ferirá, parede caiada! Pois tu estás aí senta-
26 Assim que ouviu isso, o centurião do para julgar-me segundo a lei, e contra a
correu até o comandante e o preveniu: lei mandas que eu seja agredido?”1
“O que estás fazendo? Esse homem é 4 Os que estavam ao redor, exclamaram:
cidadão romano!”. “Como ousas insultar o sumo sacerdote
27 Então, o comandante veio até Paulo de Deus?”
e o questionou: “Dize-me, tu és cidadão 5 Então Paulo replicou: “Eu não sabia,
romano? Ao que ele lhe afirmou: “Sou!”. irmãos, que esse homem é o sumo sacer-
28 Replicou-lhe o comandante: “Eu preci- dote; afinal está escrito: ‘Não falarás mal
sei pagar uma grande soma em dinheiro de uma autoridade do teu povo’.
para adquirir o direito de ser cidadão”. Re- 6 Contudo, sabendo Paulo que uma par-
trucou-lhe Paulo: “Pois é, eu, no entanto, te do Sinédrio se compunha de saduceus
o tenho por direito de nascimento”. e outra de fariseus, bradou diante de
29 Diante disso, no mesmo instante, se todos: “Irmãos, eu sou fariseu, filho de
afastaram de Paulo aqueles que o iriam fariseus. Eis que estou sendo julgado por
interrogar por meio de açoites. O pró- causa da minha esperança na ressurrei-
prio comandante ficou temeroso, ao ção dos mortos!”2
saber que havia amarrado com correias 7 Ao proferir essas palavras, estabeleceu-
a um cidadão romano. se uma violenta polêmica entre os fari-
30 No dia seguinte, desejando compre- seus e os saduceus e a assembléia ficou
ender qual era, de fato, a acusação dos dividida.
judeus libertou Paulo e mandou que 8 Porquanto, os saduceus afirmam que
se reunissem os chefes dos sacerdotes não existe ressurreição nem anjos nem
e todo o Sinédrio. Então, convocando espíritos. Os fariseus, porém, acreditam
Paulo, apresentou-o diante deles. em tudo isso.
9 Houve, então, muita discussão e grita-
Paulo tumultua o Sinédrio ria. Alguns dos mestres da lei que eram
6 A palavra grega para “açoite” era mastixin; e, em latim flagellum. Os romanos costumavam “açoitar” ou “flagelar” os suspeitos
de crimes e acusados, escravos ou estrangeiros, a fim de arrancar-lhes a verdade. Contudo, sob hipótese alguma, poderiam agir
dessa mesma maneira contra um cidadão romano (ainda que esse houvesse comprado ou ganho por mérito sua cidadania). O
“açoite” era uma espécie de chicote de tiras de couro, com pedaços de osso e metal fixados nas extremidades, o que aumentava
em muito seu poder de dilacerar o corpo de suas vítimas. Esse foi um dos instrumentos usados na tortura do Senhor antes da
crucificação (Mt 27.27-31; Mc 15.16-20).
Capítulo 23
1 Ananias era filho de Nebedeu e exerceu as funções de sumo sacerdote de 47-59 d.C. Ficou conhecido na história por sua
crueldade e violência. A condenação profética de Paulo cumpriu-se no ano 66 d.C., quando Ananias foi assassinado brutalmente
pelo seu próprio povo (sicários) por dar apoio a Roma. Paulo revela em seu discurso que o cristianismo tem suas raízes doutri-
nárias no judaísmo verdadeiro e puro. Porquanto a fé cristã é o cumprimento da esperança messiânica defendida pelos antigos
e fiéis fariseus. Paulo usa uma expressão de Jesus (Mt 23.27; Ez 13.10-12) para denunciar a falsidade da liderança religiosa que
imperava no Sinédrio (Supremo Tribunal dos Judeus).
2 O Sinédrio era dirigido por dois grandes partidos político-religiosos: os saduceus, grupo minoritário, mas de grande influência,
pois abrigava a elite econômica e cultural dos judeus. Eles não acreditavam na existência dos anjos ou de espíritos, tampouco
homem mal algum! Quem pode garantir 16 Porém, o sobrinho de Paulo, filho de
que não foi mesmo um espírito ou anjo sua irmã, ficou sabendo dessa trama,
que falou com ele?”. dirigiu-se à fortaleza e contou tudo a
10 Diante disso, a discussão se tornou Paulo
tão acirrada que o comandante teve 17 que, chamando um dos centuriões,
receio que Paulo fosse estraçalhado pela rogou-lhe: “Leva este rapaz ao coman-
multidão enfurecida. Então, ordenou dante, porque tem algo importante a
que as tropas descessem e o tirassem à comunicar-lhe”.
força do meio deles e o levassem para 18 Tomando-o, pois, conduziu-o ao co-
a fortaleza. mandante e lhe declarou: “O prisioneiro
Paulo me chamou e pediu que trouxesse
Jesus aparece outra vez a Paulo à tua presença este moço, que tem algo
11 Na noite seguinte, o Senhor surgiu ao importante a revelar-te”.
lado de Paulo e lhe afirmou: “Sê cora- 19 Então, o comandante tomou o jovem
joso! Assim como deste testemunho da pela mão e, levando-o à parte, indagou-
minha pessoa em Jerusalém, deverá de lhe: “O que tens para dizer-me?”.
igual modo testemunhar em Roma”.3 20 Ao que ele revelou: “Os judeus com-
binaram solicitar-te que amanhã orde-
Os judeus tramam matar Paulo nes a Paulo descer ao Sinédrio, fingindo
12 Na manhã seguinte, os judeus planeja- ter de investigar com maior precisão o
ram uma cilada e juraram solenemente caso dele.
que não comeriam nem beberiam en- 21 Não te deixes persuadir por eles,
quanto não tirassem a vida de Paulo. porquanto há mais de quarenta deles à
13 Mais de quarenta homens faziam parte espreita contra Paulo; eles juraram sob
desta conspiração.4 pena de maldição não comer nem beber
14 Estes foram até os chefes dos sacerdo- até que tirem a vida dele. Agora, pois,
tes e aos líderes dos judeus e rogaram: estão prontos apenas aguardando a tua
“Fizemos um juramento, sob pena de palavra de consentimento”.
maldição, de não provarmos alimento 22 Então, o comandante mandou o rapaz
algum até matarmos a Paulo. sair, ordenando-lhe que a ninguém con-
15 Agora, portanto, juntamente com o tasse que lhe havia revelado aquilo.
Sinédrio, solicitai ao comandante que o 23 Em seguida, chamando dois centu-
mande descer diante de vós como se fôs- riões, determinou-lhes: “Preparai um
seis investigar com mais exatidão sobre o destacamento de duzentos soldados,
seu caso. Assim, estaremos preparados setenta cavaleiros e duzentos lanceiros a
para matá-lo antes que consiga chegar fim de rumarem para Cesaréia, ainda esta
até aqui”. noite às nove horas.5
na ressurreição (Mt 3.7; Mc 2.16; Lc 5.17). Os fariseus representavam o partido do povo e daqueles que buscavam obedecer à
Lei e suas ordenanças em todos os sentidos (muitas vezes de forma exagerada e apenas exterior). Acreditavam na intervenção
dos anjos, no Anjo do Senhor, nos espíritos e na ressurreição da alma para a vida eterna. Em 23.9, demonstram a tolerância de
Gamaliel (5.33).
3 A expressão original grega, aqui traduzida por “ao lado”, transmite literalmente a idéia de que o Jesus ressurreto “apareceu
em pé, logo acima de Paulo”. Nos principais momentos de crise, Paulo recebeu a companhia encorajadora da pessoa do Senhor
ressurreto, garantindo-lhe que sua missão seria cumprida cabalmente, pois assim era a vontade de Deus (9.4; 16.9; 18.9; 22.18;
23.11; 27.23).
4 O juramento desses 40 assassinos (zelotes que mais tarde provocariam grande revolução contra Roma) pode ser visto como
um símbolo vivo do anátema (maldição) assumido pela nação de Israel quanto à morte de Jesus Cristo (Mt 27.25).
5 As precauções especiais tomadas pelo tribunal revelam o clima de tumulto e revolta que se instalou na cidade por conta dos
sucessivos julgamentos de Paulo. A expressão literal em grego, usada aqui para determinar as horas, é: “à hora terceira”, que
corresponde “às nove horas da noite” no sistema horário ocidental.
6 Cláudio manda que alguns cavalos sejam preparados para a viagem de escolta de Paulo e seus companheiros de missão
(Lucas, Aristarco). Félix foi o primeiro escravo liberto a chegar a ser governador de uma província romana. Mandar um acusado
para um tribunal superior exigia uma carta de esclarecimento, conhecida em latim como “elogium”.
7 Cláudio Lísias age com a típica sutileza e astúcia da maioria das autoridades públicas, procura lançar a responsabilidade
pelo tumulto na cidade e pela situação polêmica de Paulo sobre os judeus (veja Gálio em 18.14-15). Para fazer uma boa imagem
perante o governador, ele modifica “ligeiramente” os fatos a seu favor. Afinal, o comandante Cláudio não ficou sabendo sobre a
cidadania romana de Paulo a não ser quando já estava pronto para interrogá-lo por meio de torturas e açoites (21.38; 22.26).
8 Da mesma maneira como ocorreu no desenrolar do julgamento de Jesus Cristo diante de Pilatos (Lc 23.4-22), Paulo é reco-
nhecido pelos próprios líderes romanos (pagãos) como inocente.
9 Herodes, o Grande, foi quem reconstruiu a cidade de Antipátride (nome do seu pai). Era um porto militar e localizava-se a 60
km de Jerusalém, entre as grandes cidades de Samaria e a Judéia, cuja sede do governo ficava na cidade de Cesaréia, cerca
de 40 km de Antipátride.
10 Herodes, o Grande, havia também construído um palácio que lhe servia de residência enquanto estava em visita à pro-
víncia. Todavia, agora era usado como pretório romano, uma espécie de escritório para negócios oficiais do imperador e para
hospedar seus procuradores. Havia pretórios erguidos em Roma (Fp 1.13), Éfeso, Jerusalém, Cesaréia e em várias partes do
império (Jo 18.28).
Capítulo 24
1 Ananias, o sumo sacerdote, após as palavras de advertência lançadas por Paulo contra sua pessoa no Sinédrio (Supremo
Tribunal dos Judeus, formado por 71 líderes religiosos e políticos) tornou-se um inimigo mortal do apóstolo Paulo (23.2; Êx 3.16;
2Sm 3.17; Jl 1.2; Mt 15.2). Por isso, se dispôs a viajar cerca de 100 km de Jerusalém até Cesaréia com o objetivo de colaborar
pessoalmente na possível condenação de Paulo. Algumas versões traduziram literalmente a função de Tértulo, como “orador”.
Entretanto, conforme a lei, era necessário que uma pessoa idônea, versada nas leis romanas e em retórica forense, assumisse
a missão acusatória formal do processo contra um cidadão romano. Tértulo era um judeu helenístico familiarizado com os
processos do tribunal de Roma.
3 Em tudo e em toda parte nós reconhe- 11 Bem podes verificar com facilidade que
cemos teus benefícios com profunda não faz mais de doze dias desde que subi
gratidão, ó excelentíssimo Félix.2 de Jerusalém para adorar a Deus.
4 Portanto, a fim de não tomar-te mais 12 Aqueles que me protestam não me
tempo, rogamos-te o favor de ouvir-nos acharam conversando com ninguém no
por breve momento. templo, nem tumultuando o povo nas
5 Concluímos que este homem é um per- sinagogas ou em qualquer outro lugar
turbador, porquanto promove tumultos da cidade!
entre os judeus pelo mundo todo, sendo o 13 Nem ao menos tem como te provar
principal líder da seita dos nazarenos.3 as acusações que nesse momento estão
6 Ele tentou até mesmo profanar o templo, levantando contra mim diante de ti.
mas nós o prendemos, e era nosso desejo 14 Contudo, confesso-te que sirvo sim ao
julgá-lo conforme os ditames da nossa lei. Deus de nossos pais como discípulo do
7 Entretanto, o comandante Lísias interveio, Caminho, a que denominam seita. Creio
e, usando de violência, o arrebatou de nos- em tudo o que está de acordo com a Lei e
sas mãos e ordenou que os queixosos vies- no que está escrito nos Profetas,
sem apresentar seus protestos diante de ti. 15 depositando em Deus a mesma es-
8 Assim, se tu mesmo o interrogares, perança desses homens; de que haverá
poderás verificar a verdade a respeito de ressurreição, tanto de justos como de
todas estas acusações que estamos fazen- injustos.5
do contra ele!” 16 Por esse motivo, busco sempre manter
9 Em seguida, os líderes judeus confirma- minha consciência limpa na presença de
ram a acusação, testemunhando que tais Deus e dos homens.6
afirmações eram, de fato, verídicas. 17 Depois de vários anos ausente de Je-
rusalém, voltei trazendo ajuda financeira
Paulo expõe sua defesa doada ao meu povo, bem como para
10 Então, Paulo, tendo atendido ao si-nal apresentar ofertas a Deus.
do governador para que falasse, excla- 18 Enquanto assim procedia, já cerimo-
mou: “Sei que há muitos anos tens sido nialmente purificado, encontraram-me
juiz sobre esta nação e por essa razão, no templo, no entanto, sem envolver-me
sinto-me motivado a falar em minha em qualquer incitamento público ou
própria defesa.4 tumulto.7
2 Nos altos escalões do poder, desde a antigüidade, lisonja, bajulação e subserviência são atitudes desonestas empregadas
por alguns para conquistar favor e benevolência.
3 O promotor de acusação tenta incriminar Paulo acusando-o de ser o principal líder de uma seita judaica. Já era comum
chamar os cristãos de nazarenos, por causa da terra natal de Jesus. Assim, Tértulo aproveitou esse fato para transformar em
duas acusações fatais contra Paulo: ser líder de uma ramificação religiosa ainda não aprovada por Roma, o que era frontalmente
contra a lei. E, provocar tumultos, desordens públicas ou dissensões em várias das províncias romanas, o que era sumariamente
interpretado como um ato de traição a César e, portanto, sujeito a pena capital.
4 Paulo atende ao regime protocolar, respeitoso e formal para sua defesa, entretanto não usa de adulações e falsas exaltações.
Paulo cita fatos exatos e comprovados e apela à justiça.
5 Paulo demonstra que o cristianismo não seria uma seita do judaísmo, mas que Jesus veio completar a obra da salvação da
humanidade, desde a antigüidade, anunciada e profetizada por todos os servos do Senhor. Neste sentido, seguir o Caminho da
justiça e da verdade era dever de todo judeu, e Paulo não se excluía dessa condição, pois era judeu de nascimento e por fé em
Deus e em Sua Palavra. Aguardava a ressurreição dos salvos e o Juízo, como todo bom judeu (o que deve ter acirrado a antiga
polêmica entre saduceus e fariseus). Paulo aproveita para alertar que os injustos (não salvos, injustificáveis) também serão
ressuscitados, todavia para a condenação final (Ap 20.5-12).
6 Paulo faz referência ao auto-exame de consciência diante de Deus, e que toda pessoa deve fazer periodicamente a fim de
verificar se seus sentimentos e atitudes estão condizendo com a vontade soberana do Senhor ou são apenas reflexos do arbítrio
egoísta e predatório do indivíduo humano e da sociedade em que vive (Rm 2.15; 9.1).
7 Paulo oferece um outro fato comprovado das suas reais intenções e ações. Ele havia trazido uma soma considerável em
contribuições (esmolas) oferecidas pelas igrejas cristãs na Ásia e Europa, para ajudar o povo necessitado (em todos os sentidos)
de Jerusalém, especialmente naqueles dias (1Co 16.1; 2Co 8.1; Rm 15.25; At 20.4). Além disso, Paulo tinha o apreciável hábito
19 Contudo, há alguns outros líderes ju- nou que lhe trouxessem Paulo e o ouviu
deus da província da Ásia que deveriam falar sobre a fé em Cristo Jesus.
estar aqui diante da tua presença para 25 Quando Paulo começou a pregar so-
apresentar seus protestos, se tivessem bre a justiça, o domínio próprio e o juízo
alguma acusação contra mim.8 vindouro, Félix ficou apavorado e excla-
20 Ou, ao menos, aqueles que aqui se mou: “Basta, por agora! Podes retirar-te,
encontram, professem que crime en- em outra ocasião, mais conveniente, te
contraram em mim, quando compareci mandarei chamar outra vez”.10
perante o Sinédrio, 26 Ao mesmo tempo, esperava que Paulo
21 a não ser com referência a essa única lhe oferecesse algum suborno e, por isso,
palavra que bradei, estando no meio o convocava para freqüentes conversas.11
deles: É por causa da ressurreição dos 27 E, assim, passaram-se dois anos,
mortos que hoje estou sendo condenado quando Félix foi sucedido por Pórcio
por vós!” Festo; todavia, como desejava manter a
simpatia dos judeus, Felix deixou Paulo
Félix e sua esposa ouvem Paulo encarcerado.12
22 E aconteceu que Félix, tendo bom
conhecimento do Caminho, adiou o Paulo é julgado por Festo
julgamento da causa, determinando:
“Quando o comandante Lísias chegar
aqui, decidirei a vossa questão!”9
25 Festo chegou à província e, depois
de três dias, subiu de Cesaréia a
Jerusalém.1
23 Em seguida, ordenou ao centurião que 2 Os chefes dos sacerdotes e os mais
mantivesse Paulo sob custódia, mas que eminentes líderes judeus compareceram
lhe desse certa liberdade e permitisse aos diante dele e apresentaram-lhe as acusa-
seus companheiros que o servissem. ções contra Paulo.
24 Passados vários dias, Félix veio com 3 Então, rogaram a Festo o favor de
Drusila, sua esposa que era judia, e orde- transferir Paulo para Jerusalém, em de-
espiritual (não muito comum entre os líderes religiosos de nossos dias) de ajudar pessoalmente, e com seus próprios recursos
financeiros, a muitos de seus companheiros de ministério (21.24). Paulo ainda, como judeu fariseu, observava as leis sobre
purificação pessoal e doações (oferendas) a Deus no templo.
8 Os líderes judeus da Ásia, que amotinaram as multidões, deviam também prestar seus depoimentos, porquanto foram
testemunhas oculares.
9 Félix era aquele tipo de pessoa muito comum em nossos dias: conhecia a história de Cristo, tinha medo da morte e do
julgamento final, mas não queria saber de entregar sua vida para ser conduzida pelo Espírito de Deus. A esposa de Félix era
judia, e já o havia informado sobre a Deus, os Profetas e o Caminho. Drusila foi a filha mais nova de Herodes I (12.1) e irmã de
Agripa II (25.13) e de Berenice. A história registra que Drusila deixou Azizo, rei Emessa, aos 16 anos de idade, um ano após seu
casamento, para se tornar a terceira esposa de Félix. O filho de Drusila, também chamado Agripa, morreu na erupção do monte
Vesúvio em 79 d.C.
10 Paulo não perdia tempo nem jogava palavras ao vento. Sua objetividade e praticidade, orientadas pelo Espírito Santo, o le-
vavam sempre e direto ao coração do indivíduo e às suas maiores necessidades. Paulo poderia ter clamado por sua libertação ou
preparado uma mensagem suave e de bons presságios. Entretanto, Paulo falou – da parte do Senhor – sobre o que Félix e Drusila
mais necessitavam: arrependimento e salvação. A reação foi semelhante a de Herodes Antipas diante de João (Mc 6.20).
11 Como a maioria das pessoas poderosas, Félix era um homem que nutria grande avareza. Seus convites para ouvir a Paulo
tinham na realidade um interesse material. Félix soube da expressiva oferta financeira que Paulo havia entregado à igreja em
Jerusalém e imaginou que poderia ter acesso a essa fonte vultuosa de recursos por meio de um possível suborno e, por isso,
passou dois anos tentando a Paulo, porém, sem êxito.
12 A história registra que Félix foi chamado de volta a Roma no ano 60 d.C. para prestar contas por várias irregularidades ob-
servadas em seu governo, inclusive a maneira como lidou com os motins ocorridos entre judeus e sírios. Sabendo que em breve
teria que enfrentar os judeus num tribunal romano, preferiu deixar Paulo na prisão, ainda que vencido o prazo limite de custódia de
um cidadão romano sem julgamento, a fim de não provocar ainda mais a revolta dos judeus contra sua pessoa. Festo morreu dois
anos após ter assumido o cargo. Agiu com honestidade e justiça muito superiores às de Félix, e às de seu sucessor Albino.
Capítulo 25
1 Festo tinha pressa em chegar ao centro das decisões político-religiosas judaicas e, por isso, viajou cerca de 100 km de
Cesaréia a Jerusalém em dois dias.
trimento do direito de Paulo, pois esta- 9 Porém, Festo, desejando ser agradável
vam tramando matá-lo na estrada.2 aos judeus, inquiriu a Paulo: “Desejas tu
4 Todavia, Festo respondeu: “Paulo está subir a Jerusalém para ali ser julgado por
detido em Cesaréia, e eu mesmo breve- mim a respeito dessas acusações?”.
mente partirei para lá. 10 Replicou-lhe Paulo: “Eis que estou
5 Enviem comigo alguns dos seus líderes diante do tribunal de César, onde con-
e apresentem ali os vossos protestos con- vém seja eu julgado; nenhum crime pra-
tra esse homem, se de fato ele cometeu tiquei contra os judeus, como tu muito
algum crime”.3 bem sabes.
6 Havendo passado entre eles cerca de 11 Contudo, se fiz qualquer mal ou prati-
oito a dez dias, desceu para Cesaréia e, quei algum crime que mereça a pena de
no dia seguinte, convocou o tribunal e morte, estou pronto para morrer. Mas, se
mandou que Paulo fosse trazido diante não são verdadeiras as acusações que me
dele. afrontam esses homens, ninguém tem o
7 Assim que Paulo apareceu, os líderes ju- direito de me entregar a eles. Portanto,
deus que haviam chegado de Jerusalém apelo para César!”.6
se aglomeraram ao seu redor, lançando 12 Assim, depois de haver consultado
sobre ele um grande número de ofensas seus conselheiros, Festo determinou:
e graves acusações, sobre as quais não “Apelaste para César, para César irás!”.
tinham provas.4
8 Então, Paulo tomou a palavra em sua Festo aconselha-se com Agripa
defesa: “Em verdade não tenho cometido 13 Passados alguns dias, chegaram a Ce-
pecado algum contra a Lei dos judeus, saréia, o rei Agripa e Berenice em visita
nem contra o templo ou tampouco de boas-vindas a Festo.7
contra César.5 14 E, como ficaram na cidade por muitos
2 O mesmo grupo que fizera o voto de tirar a vida de Paulo (23.12) continuava trabalhando em sua cilada fatal contra o apóstolo
do Senhor.
3 Algumas versões trazem a palavra “habilitados”, porém, o sentido mais claro e preciso da expressão no original refere-se às
“pessoas em posição de poder”, portanto, “líderes”.
4 Paulo era judeu e cidadão romano por nascimento. Isso requeria todo um cuidado das autoridades das duas nações em
relação a um justo julgamento. Por isso, Festo se apressa em convocar o tribunal com a presença de alguns líderes ilustres do
Supremo Tribunal dos Judeus (Sinédrio). Novamente, como na primeira audiência, ficou claro que as acusações contra Paulo
eram todas sem fundamento. Os adversários de Paulo não apresentaram nenhuma testemunha ou evidência.
5 Paulo respeitava a Lei e, como fariseu, muitas das ordenanças rabínicas (Rm 7.12; 8.3,4; 1Co 9.20). Ele não havia afrontado os
costumes e as tradições que os judeus observavam em relação ao templo e, portanto, não havia levado Trófimo às áreas proibidas
(21.28-29). Jesus já havia profetizado a destruição do templo, mas, nem Jesus nem seus discípulos seriam responsáveis por sua
lastimável (e cada vez pior) condição (Lc 21.5,6). Mesmo que proclamando com veemência e insistência a chegada do Reino de
Deus, Paulo não rivalizava contra a política de César (17.6,7). Ao contrário, pregava sobre o respeito aos deveres civis, à lei e à
ordem (Rm 13.1-7), com contínuas orações pelos representantes e governantes dos cidadãos (1Tm 2.2).
6 Paulo não temia a morte, pois tinha certeza absoluta de sua vida eterna em Cristo. Seus planos eram mais ambiciosos do
que ser absolvido ou preservar a própria vida na terra. Paulo almejava ver o cristianismo aceito legalmente por Roma como
religião independente do judaísmo, para que a Igreja e os demais discípulos parassem de sofrer tantas perseguições violentas.
Percebendo que Festo estava (politicamente) inclinado a dar preferência aos líderes judeus em detrimento à justiça, Paulo faz uso
do direito romano de ser ouvido por César (ou um seu procurador em Roma) sobre seu caso. Então profere, em latim, sua petição:
prouocatio ad Caesarem. Esse era um dos mais antigos e respeitados direitos do código legal de Roma e era concedido a todo
cidadão romano desde 509 a.C. O imperador na época era Nero, que havia sucedido Cláudio em 54 d.C., e governou até 68 d.C.
Seus primeiros anos, sob os conselhos e orientações filosóficas de Sêneca representam seu período mais sensato e profícuo.
7 Fazia parte da tradição que os reis locais fizessem uma visita de cortesia às autoridades romanas destacadas para assumir o
cargo de representantes do imperador em cada província ocupada por Roma. Era de recíproca vantagem que convivessem em
harmonia (por exemplo: Herodes Antipas e Pilatos em Lc 23.6-12). O rei Agripa II (o último dos Herodes), filho de Herodes Agripa
I (At 12.1), rei da Galiléia e Peréia. De todos os Herodes, esse foi o mais justo. Berenice foi irmã de Drusila e Agripa II. Depois
tornou-se amante de Tito, filho do imperador Vespasiano e responsável pela completa destruição de Jerusalém em 70 d.C. Era
natural de Festo que pedisse ajuda a Agripa, pois, dentro do judaísmo, ele tinha o poder de nomear o sumo sacerdote.
dias, Festo expôs ao rei o caso de Paulo, homem”. Ao que Festo consentiu: “Ama-
compartilhando: “Há aqui certo homem nhã o ouvirás”.10
que Félix abandonou na prisão.
15 Quando estive em Jerusalém, os chefes Paulo diante de Agripa e sua corte
dos sacerdotes e os líderes dos judeus 23 No dia seguinte, Agripa e Berenice
protestaram graves acusações contra ele, chegaram com grande pompa e entra-
reivindicando que fosse condenado. ram na sala de audiências juntamente
16 Entretanto, eu lhes expliquei que não com seus altos oficiais e os homens mais
é costume dos romanos condenar nin- importantes da cidade. Então, por ordem
guém sem que o acusado tenha diante de Festo, Paulo foi trazido.
de si os acusadores e possa exercer plena- 24 Em seguida, Festo declarou: “Rei
mente o seu direito à defesa. Agripa e vós todos que estais presentes
17 Quando eles se reuniram aqui, no dia conosco, vedes que aqui está o homem
seguinte, sem perda de tempo, convoquei por causa de quem toda a comunidade
o tribunal e ordenei que o homem fosse dos judeus, tanto em Jerusalém como
apresentado. aqui, recorreu a mim, afirmando que ele
18 No entanto, quando seus acusadores se não deve mais viver.
levantaram para proceder às acusações, 25 Eu, todavia, entendi que ele não havia
não apontaram nenhum dos crimes que praticado nada que mereça pena de mor-
eu imaginava. te. Mas, como ele apelou para o impera-
19 Ao contrário, levantaram apenas dor, decidi enviá-lo a Roma.
algumas questões relativas à sua própria 26 No entanto, não tenho ainda nada de-
religião, sobre as quais discordavam dele; finido quanto ao que escrever sobre ele
e quanto a um certo Jesus, já morto, o ao nosso soberano. Por essa razão, eu o
qual Paulo alega insistentemente que trouxe perante vós, especialmente diante
está vivo.8 de ti, ó rei Agripa, para que, depois de
20 Diante de tudo isso, fiquei sem saber realizado esse interrogatório, eu tenha
como investigar corretamente a questão; informações mais claras a prestar.
por isso, indaguei se ele estaria disposto a 27 Porquanto, não me parece sensato
ir a Jerusalém e ali ser julgado a respeito enviar um preso sem antes notificar as
destas acusações. acusações que pesam sobre ele”.
21 Porém, apelando Paulo para que fi-
casse sob custódia até ser julgado pelo Agripa ouve a defesa de Paulo
imperador, ordenei que permanecesse
detido, aguardando o momento em que
eu o pudesse enviar a César”.9
26 Então, Agripa, dirigindo-se a Pau-
lo, declarou: “É permitido que
faças uso da palavra em tua defesa!”. Em
22 Então, o rei Agripa propôs a Festo: seguida, Paulo fez um sinal com a mão e
“Pois eu também gostaria de ouvir esse iniciou a apresentação de sua defesa:1
8 A palavra “religião”, usada na explanação de Festo a Agripa, tem a conotação, nos originais gregos, de “superstição”. É a
mesma expressão usada por Paulo no Areópago (17.22) ao se referir ao modo de crer dos atenienses.
9 A expressão usada por Festo, aqui traduzida por “imperador e César” foi “Augustus”, que em latim era o título de maior honra
e poder atribuído aos imperadores romanos, palavra traduzida para o grego como “sebastos”, ou seja, “excelso”, “sublime”.
10 A vida e a pregação de Paulo eram tão extraordinárias que Agripa desejou ouvi-lo, assim como Antipas desejou ouvir a Jesus
(Lc 9.9; 23.8). Por mais brutais que fossem, os romanos admiravam e respeitavam a coragem e a verdade como a imagem da
divindade nos homens (Imago Dei).
Capítulo 26
1 Festo outorgou ao rei Agripa a presidência dessa audiência em sinal de cortesia. Jesus, entretanto, já havia previsto que
muitos de seus apóstolos e discípulos seriam levados à presença de governadores, reis e pessoas influentes para testemunharem
da fé cristã (Mc 10.18). Paulo cumpre essa predição diante de Félix, Festo, Agripa e finalmente César (Nero). Lucas está presente
nessa sessão, anotando detalhes para seus livros.
2 “Ó rei Agripa, considero-me abençoado ção dos chefes dos sacerdotes atirei mui-
por poder estar hoje em tua presença a tos santos aos cárceres, e quando eram
fim de verbalizar minha defesa contra sentenciados à pena de morte eu sempre
todas as acusações dos líderes judeus, dava meu voto contra eles.
3 especialmente porque és versado em 11 Várias vezes corri de sinagoga em
todos os costumes e questões que há entre sinagoga com o objetivo de castigá-los,
os judeus. Por este motivo, rogo-te que me e fazia de tudo para obrigá-los a blasfe-
ouças com paciência.2 mar. Em minha fúria obstinada contra
4 É do pleno conhecimento de todos os eles, atravessei terras estrangeiras para
judeus como tenho vivido desde crian- capturá-los.5
ça, tanto em minha terra natal como em 12 Em uma dessas viagens estava me di-
Jerusalém. rigindo para Damasco, com autorização
5 Eles me conhecem há muito tempo e dos chefes dos sacerdotes e por eles pró-
podem testemunhar, se assim o deseja- prios comissionado.
rem, que como fariseu, vivi conforme os 13 Entretanto, por volta do meio-dia, ó
ditames da seita mais rigorosa de nossa rei, estando eu a caminho, vi uma luz do
religião. céu, muito mais brilhante do que o sol,
6 Contudo, agora estou aqui para ser jul- resplandecendo em torno de mim e dos
gado por causa da esperança da promessa que caminhavam comigo.
feita por Deus aos nossos antepassados.3 14 E, caindo todos nós por terra, ouvi uma
7 Esta é a promessa que as nossas doze tri- voz que me falava em aramaico: ‘Saul,
bos esperam que se cumpra, cultuando a Saul, por que razão me persegues? Por-
Deus com todo fervor, dia e noite sem pa- quanto resistires ao aguilhão só te causará
rar. É precisamente por essa esperança que sofrimento!’
estou sendo acusado pelos líderes judeus. 15 Foi quando indaguei: ‘Quem és tu,
8 Por que se julga inacreditável, entre vós, Senhor?’ Ao que replicou o Senhor: ‘Sou
que Deus ressuscite os mortos?4 Jesus, a quem tu estás perseguindo!
9 Eu igualmente estava seguro de que 16 Agora, pois, levanta-te e apruma-te em
deveria me opor ao Nome de Jesus, o pé. Foi para isso que te apareci: para te
Nazareno. converter em servo e testemunha, tanto
10 E foi exatamente assim que procedi em das maravilhas que viste de minha parte
Jerusalém. Havendo eu recebido autoriza- como daquelas que te manifestarei.6
2 Agripa, como rei judeu, tinha o poder de indicar e nomear os sumos sacerdotes, controlava as finanças e toda a administração
geral do templo. Era consultado pelo império romano em tudo o que se referia a questões religiosas judaicas. Essa foi uma
das razões pelas quais Festo tinha interesse em que Agripa fizesse uma avaliação do caso de Paulo, pois Roma não interferia
e respeitava os cultos dos povos que dominava, desejando apenas a submissão política, econômica e a ordem social. Esse foi
um dos motivos de os gregos terem influenciado tanto as artes e quanto o modo de pensar romano, pois ainda que dominados
militarmente, tornaram-se os dominadores culturais de Roma.
3 Devido a sua inteligência e dedicação ao judaísmo, Paulo era conhecido desde a infância pelos líderes judeus, tendo obser-
vado fielmente todas as ordenanças dos fariseus até seu encontro com Jesus, que ampliou sua perspectiva quanto ao Reino de
Deus (Gl 1.14). Agora, sua “esperança” incluía: uma visão completa do Rei e do Reino, o conhecimento do Messias e a certeza
da vida eterna (a ressurreição em Cristo).
4 Paulo sabia que o rei Agripa, como a maioria dos líderes judeus, fazia parte do partido de elite dos saduceus. Os romanos,
como Festo e as demais autoridades, também não acreditavam na ressurreição dos mortos e no juízo final. Paulo – ainda que
correndo o risco de ofender a sensibilidade do rei e das autoridades – fala a verdade sobre o tema mais importante das nossas
vidas: onde vamos passar a eternidade?
5 Após seu encontro com Jesus e conversão, Paulo dedicou-se ainda muito mais a cumprir a vontade do seu Senhor do que a
satisfazer seus próprios desejos (2Co 3.5). Paulo é o maior exemplo de como uma pessoa perdida e iludida por um sistema de
valores e idéias errôneas pode, ao receber a Luz de Cristo (o Espírito Santo), converter-se radicalmente dos seus maus caminhos
e servir a Deus com poder, honra e glória espiritual até a morte (Jo 8.12; Cl 1,12,13; 1Pe 1.4).
6 Paulo cita um provérbio grego, muito conhecido na época, a respeito da resistência inútil dos bois durante o manejo: “assim
agindo, o touro só consegue se ferir nas pontas afiadas dos aguilhões”. A seguir, vemos mais uma prova da ordenação de Paulo
como apóstolo do Senhor. Paulo cita a mesma frase usada por Deus para a comissão do profeta Ezequiel (Ez 2.1). Paulo passa a
17 Irei livrar-te deste povo e dos gentios 23 Ou seja, como Cristo deveria sofrer,
para os quais te envio, e como Ele seria o primeiro que, pela
18 para lhes abrir os olhos e os conver- ressurreição dos mortos, anunciaria Luz
teres das trevas para a luz, e do poder a esse povo e, de igual modo, a todos os
de Satanás para Deus, a fim de que re- gentios”.9
cebam o perdão dos pecados e herança 24 Todavia, enquanto Paulo apresentava
entre os que são santificados pela fé em sua defesa, Festo interrompeu o discurso
mim’.7 e exclamou irritado: “Estás louco, Paulo!
19 Sendo assim, ó rei Agripa, não fui de- As muitas letras te fazem delirar!”.
sobediente à visão celestial. 25 No entanto, Paulo argumentou: “Não
20 Preguei em primeiro lugar aos que estou enlouquecido, ó excelentíssimo
estavam em Damasco, em seguida aos Festo, muito diferente disto, estou decla-
que estavam em Jerusalém e depois, em rando palavras verdadeiras e em pleno
toda a Judéia e igualmente aos gentios, juízo!10
admoestando que se arrependessem e 26 Porquanto o rei, perante a quem falo
convertessem suas vidas para Deus, pra- sinceramente, compreende bem esses
ticando obras que denotassem seu sincero assuntos. E, por isso, não acredito que
arrependimento. nada do que falei vos tenha escapa-
21 E foi por isso que, alguns líderes judeus do ao conhecimento; posto que esses
me prenderam, estando eu no templo, e eventos não ocorreram em um canto,
tentaram assassinar-me. às escondidas.
22 Todavia, tenho sido agraciado com 27 Acreditais, ó rei Agripa, nos profetas?
a ajuda de Deus até o dia de hoje, e Sei que credes!”.11
por essa razão, estou aqui e posso 28 Então, o rei Agripa ponderou: “Crês
testemunhar tanto às pessoas simples tu que em tão pouco tempo podes
como aos cultos e notáveis. Não estou persuadir-me a converter-me em um
dizendo nada além do que os profetas cristão?”.12
e Moisés nos advertiram que haveria de 29 Diante do que Paulo declarou: “Seja
ocorrer.8 em pouco ou muito tempo, suplico a
ser ministro e testemunha do Deus vivo (1.8; Gl 1.16-17). Paulo é mandado estender a missão do Servo de Jeová, o Senhor Jesus
(Is 42.7,16). Perseguir os cristãos é lutar contra Jesus, pois Cristo identifica-se com Seu Corpo (1Co 12.12; Cl 1.24).
7 A missão de Paulo e de todos os discípulos de Cristo é cooperar para que judeus e gentios (todos que não nasceram judeus)
sejam convertidos de um sistema mundial caótico e que ruma inexoravelmente para um fim tenebroso, para a maravilhosa luz
de Cristo. Essa é a figura de linguagem característica dos ensinos de Paulo (Rm 13.12; 2Co 4.6; Ef 5.8-14; Gl 1.13; 1Ts 5.5). A
santificação (expressão dos originais hebraicos e que significa “separados para habitação do Senhor”) é uma “posição” à qual
somos elevados por ocasião da conversão a Cristo; não é possível “santificar-se” apenas por boas obras. Esse é um dos méritos
exclusivos do sangue (sacrifício vicário) de Jesus (20.32; 1Co 1.2).
8 As obras não podem salvar, mas revelam o caráter transformado (nascido de novo) pelo Espírito Santo. Os profetas e Moisés
significam o AT (Lc 24.27-44).
9 A Bíblia conta vários casos de mortos que voltaram à vida. No próprio dia da crucificação de Jesus, os sepulcros se abriram
e a população de Jerusalém viu muitos de seus mortos, ressurretos, caminhando para dentro da cidade (Mt 27.52,53). Todavia,
todos eles, um dia morreram novamente. Jesus foi o primeiro a ressurgir com um corpo imortal (2Tm 1.10; 1Co 15.20). Esse é
mais um exemplo de Jesus de que nós também, seus discípulos, ressurgiremos para viver eternamente com Ele.
10 A expressão original grega, aqui traduzida por “louco”, tinha na antigüidade e no contexto em que fora proferida por Festo o
sentido de “delírios inspirados por espíritos misteriosos” (16.16; Mc 3.21; Jo 10.20). O governador acreditava que a erudição de
Paulo e sua extrema dedicação ao estudo das Sagradas Escrituras o haviam conduzido a uma obsessão doentia (inclusive por
repetir freqüentemente a visão e o encontro com Jesus que tivera) sobre os temas: profecias e ressurreição.
11 Paulo coloca o rei Agripa em uma encruzilhada teológica: se respondesse que sim, Paulo o pressionaria a aceitar Jesus
como o cumprimento cabal das palavras dos profetas. Se, dissesse não, teria de se explicar aos muitos judeus devotos que criam
na mensagem dos profetas como a própria Palavra de Deus.
12 O rei Agripa, como todo político ardiloso, só responde o que lhe interessa e, portanto, leva o assunto com certa ironia para o
âmbito pessoal, sugerindo que, apesar da cultura e da boa argumentação de Paulo, seria necessário mais tempo e maior análise
para que o rei pudesse ser convencido sobre a relevância do cristianismo.
Deus que não somente tu, ó rei, mas 3 No dia seguinte, chegamos a Sidom, e
todas as pessoas que hoje me ouvem se Júlio, num gesto de bondade para com
tornem como eu, todavia, livres dessas Paulo, consentiu-lhe que fosse visitar
algemas!”.13 seus amigos e receber deles o suprimento
30 Então, o rei se levantou, e com ele o de suas necessidades.
governador e Berenice, seguidos de todos 4 Partindo dali, fomos navegando próxi-
que com eles estavam assentados. mo à costa norte de Chipre, porquanto
31 E, retirando-se do salão, comentavam os ventos eram contrários.
entre si: “Este homem não fez absoluta- 5 Havendo atravessado o mar aberto ao
mente nada que merecesse prisão, nem longo da Cilícia e Panfília, aportamos em
muito menos à pena de morte”. Mirra, na Lícia.
32 E aconteceu que Agripa confessou a 6 Ali, o centurião encontrou um navio ale-
Festo: “Este homem bem poderia ser xandrino que estava pronto a rumar para
posto em liberdade, caso não tivesse ape- Itália e ordenou que embarcássemos nele.3
lado para César”.14 7 Navegamos lentamente por muitos
dias, e foi em meio a muita dificuldade
Paulo embarca para Roma que chegamos a Cnido; não nos permi-
27 Então, foi determinado que nave-
gássemos para a Itália. Paulo e
alguns outros presos foram entregues a
tindo os ventos prosseguir mais adiante,
navegamos ao sul de Creta, defronte de
Salmona.4
um centurião chamado Júlio, que per- 8 E, enfrentando o mar e os ventos, cos-
tencia ao regimento imperial.1 teamos a ilha até alcançar um lugar cha-
2 Embarcamos num navio de Adrimítio, mado Bons Portos, perto do qual ficava a
que estava prestes a navegar para alguns cidade de Laséia.
portos pela costa da província da Ásia, e 9 Tendo perdido muito tempo, agora a
saímos ao mar. Estava conosco Aristarco, navegação por aquelas águas tornara-se
um macedônio de Tessalônica.2 por demais perigosa. Eis que o Dia da
13 Paulo não estava discursando com o principal objetivo de converter o rei, mas já que Agripa tocou no assunto, o servo do
Senhor não hesitou. Em sua contestação ao rei, fica claro nos originais gregos que Paulo – deixando a reivindicação do seu direito
em segundo plano – eleva uma sincera oração a Deus pela conversão do rei e de todas as autoridades ali presentes. Paulo revela:
“com poucas ou muitas palavras, sob poucas ou muitas dificuldades”, a Palavra do Senhor será anunciada e bem-aventurados
todos aqueles que a ouvirem e deixarem seus corações serem convertidos pelo Espírito Santo.
14 A história revela que muitos magistrados, aristocratas e autoridades (romanos e judeus) converteram-se ao Senhor devido
aos testemunhos de Jesus, Paulo e outros discípulos, mas preferiram manter sua fé em segredo, enquanto buscavam crescer
espiritualmente, para mais tarde revelarem-se plenamente e publicamente como seguidores de Jesus de Nazaré, o Filho de
Deus (Jo 12.42). Agripa, Berenice e muitas autoridades presentes acrescentaram suas valiosas opiniões à de Festo e Félix ao
afirmarem categoricamente que Paulo não tinha qualquer culpa no processo movido contra ele pelos seus compatriotas e irmãos
judeus (Lc 23.14,15).
Capítulo 27
1 Uma vez mais, a narrativa de Lucas passa a se utilizar da primeira pessoa do plural (assim como em 16.10 e 21.18). Esse
capítulo é um dos mais belos exemplos de narrativa descritiva do NT. A expressão “Corte Imperial”, como aparece em versões
antigas, ou “regime imperial”, era a designação que Roma dava à legião especial que atendia diretamente às necessidades de
César.
2 Adrimítio era um porto que se localizava no litoral oeste da província da Ásia, a sudeste de Trôade, a leste de Assôs. Pelo
menos, dois irmãos em Cristo acompanhavam Paulo nessa difícil viagem: Lucas e Aristarco, um dos cristãos escolhidos para levar
a contribuição aos crentes pobres de Jerusalém (20.4; Cl 4.10).
3 Alexandria era o principal porto de exportação de trigo para Roma. Navios egípcios, como esse, acomodavam facilmente
276 pessoas e cerca de 300 toneladas de carga (vv. 37-38). Nos finais de verão, os ventos costumam soprar do oeste tornando
necessário prosseguir até a Ásia (Mira) antes de voltar para oeste.
4 De Mirra para Cnido, localizada na extremidade sudoeste da Ásia Menor, a distância era de aproximadamente 300 Km. Essa
viagem levou cerca de 15 dias. Creta era uma ilha com cerca de 280 Km de extensão. O navio deveria ter rumado diretamente
para a Grécia por mar aberto, mas foi forçado a desviar-se para o sul, buscando navegar para o oeste usando a ilha de Creta ao
norte, como certa proteção contra as violentas tempestades (“ao sul de Creta”).
5 O Dia da Expiação (em hebraico Yom Kippur – Dia do Perdão), para os judeus, caía no final de setembro ou início de outubro.
Os judeus projetavam o período seguro de navegação entre o Pentecostes (maio e junho) até a Festa dos Tabernáculos, cinco
dias após o Dia da Expiação. Os romanos consideravam a navegação após o dia 15 de setembro perigosa e, após o dia 11 de
novembro, suicida.
6 As decisões finais sobre a viagem cabiam ao centurião, devido a sua posição de oficial representante do imperador e por cau-
sa dos interesses de Roma, considerando que o comércio de trigo egípcio era um monopólio do governo romano nessa época.
Fenice era uma cidade grande com um porto protegido contra as tempestades e, portanto, adequado para invernar.
7 O vento Nordeste ou Euroaquilão, como aparece em versões mais antigas, é um tufão com ventos violentos que sopram de
leste-nordeste (o Euro-Aquilão) e que desviou o navio do seu curso planejado.
8 Clauda era uma ilha que ficava a cerca de 30 Km de Creta e serviu de abrigo para que os marinheiros pudessem se preparar
melhor para enfrentar as tempestades à frente. Recolheram a bordo o bote salva-vidas, que normalmente navegava rebocado
atrás do navio, pois, por causa da violência dos ventos e do mar, estava atrapalhando as manobras do navio e correndo o risco
de colidir contra o casco do navio provocando sérias avariações.
9 Em casos de furacões, era costume atravessar cordas por baixo das grandes embarcações, a fim de evitar que todo o navio
se despedaçasse. Sirte era uma longa extensão de bancos de areia movediça desolados, ao longo da África do Norte, nas
proximidades do litoral da Tunísia e da costa norte da Líbia (Trípoli). Estavam longe desses bancos de areia, mas considerando a
fúria dos ventos e do mar, esse era um risco bastante possível.
10 O mastreado, as pranchas e uma das velas principais com toda a sua estrutura foram arrancadas e amarradas para serem
arrastadas atrás do navio, servindo de freio.
11 Naquela época, sem o sol, a lua e as estrelas, era impossível calcular a posição onde um navio se encontrava em alto mar e,
muito menos, determinar uma rota a seguir. Apesar de não haverem dado ouvidos a Paulo no início da viagem, mesmo agora, em
meio às dificuldades provocadas pela imprudência dos comandantes e tripulação, ele tinha boas novas para todos (vv.22-26).
12 Paulo deriva sua fé dos seguintes fatos: Ele pertence a Deus por compra (1Co 6.20) e porque foi criado – como todo ser
humano – para adorar a Deus (Rm 11.36). A expressão grega treuõ, aqui traduzida por “servir”, tem igualmente o sentido de
“adorar por meio de atitudes” ou “cultuar”. Um anjo, como em outras ocasiões, fora destacado por Deus para lhe trazer uma
palavra poderosa de encorajamento. Deus faz questão de lembrar a Paulo (e a nós) que todas as suas promessas se cumprirão a
seu tempo. A presença de Paulo diante de César (ou de seus plenos procuradores em Roma) era “impreterível”, “inevitável”. Nada
deteria o Senhor em seu intento. Durante os anos que se seguiram, muitos foram os oficiais de alto escalão do império romano
que se converteram ao Senhor Jesus, especialmente devido ao testemunho e aos escritos de Paulo. A expressão original grega
“por sua graça” pode ser traduzida literalmente como “dei -te como presente”.
13 Era a décima quarta noite desde que partiram de Bons Portos, estavam numa baía aberta para o mar e muito mal protegida,
mas que socorria muitos náufragos. Dava-se o nome grego de Adriático (em grego Adria) ao mar que cobria as costas da Itália,
Malta, Creta e Grécia. Nos tempos antigos, banhava a Sicília e Creta, bem mais ao sul. Hoje em dia, essa área marítima designada
como mar Adriático ou Adriano está muito reduzida. O navio havia percorrido cerca de 800 Km de Clauda a Malta. Os experientes
marinheiros ouviram a rebentação das ondas nas costas de Malta e, por isso, pressentiram a proximidade da terra.
14 Media-se a profundidade do mar descendo uma linha com um peso na ponta. As medidas encontradas, literalmente
conforme o original grego, foram: “vinte braças” e “quinze braças”. Uma braça equivale a 1,84 metros.
15 Se o centurião tivesse permitido a fuga dos marinheiros, os passageiros não teriam conseguido levar o navio até à praia no
dia seguinte.
16 Paulo demonstrou que a fé em Deus proporciona coragem para enfrentar as mais difíceis situações, cumprir a vontade do
Senhor e chegar a bom termo. Os judeus piedosos (e os discípulos do Senhor Jesus) tinham o costume de orar antes de qualquer
refeição, numa demonstração de reconhecimento à bondade e generosidade de Deus (Lc 9.16; 24.30; 1Tm 4.4,5). É notável o
paralelo com a Ceia do Senhor.
17 Jogaram ao mar os últimos sacos de trigo, os quais haviam sido reservados para alimentação a bordo. Quanto mais leve
o navio, tanto mais próximo à praia poderia chegar. A expressão “aliviar o peso” vem dos antigos originais hebraicos do texto
de Jn 1.5.
18 Os marinheiros tiveram que posicionar os lemes de modo que o navio seguisse direto para a praia. Os navios dessa época
usavam dois lemes de direção em cada lado da popa, constituídos de dois grandes remos.
19 O navio, rumando em direção à praia em grande velocidade, colidiu contra um banco de areia da baía de S. Paulo (como
hoje é conhecida), e encalhou. Os soldados logo pensaram em matar os presos, pois, de acordo com a lei romana, se um preso
fugisse, a vida do guarda responsável deveria ser tomada em seu lugar.
20 Os centuriões normalmente tinham boa formação cultural e eram pessoas com elevado padrão ético, mesmo considerando
o regime autoritário e brutal de Roma. Certamente, Júlio ficou com a palavra de Paulo no coração e, tendo visto a atitude daquele
homem de Deus, durante todos os dias de aflição pelos quais passaram, preferiu confiar que: “nenhum de vós perderá um só fio
de cabelo”; frase proverbial judaica, conhecida pelos romanos. Seu sentido não é literal, mas significava: “salvação da morte”. A
palavra grega original sotherai tem o duplo sentido de “segurança” e “salvação”.
Capítulo 28
1 Malta era conhecida pelos gregos e romanos por Melita. Pertencia à província romana na Sicília e ficava a cerca de 100 Km,
ao sul dessa grande ilha.
2 Literalmente, os povos da ilha são chamados pelo autor da narrativa de “bárbaros”, como aparece em versões antigas.
Entretanto, não tinha um sentido discriminatório, era apenas um costume grego denominar assim todos os povos que não
falavam a língua grega. Eles não eram povos primitivos e selvagens como a expressão em português pode dar a entender. Eram
descendentes dos fenícios. Um dos povos mais hábeis na navegação e construção de embarcações, mas que – assim como os
gregos e judeus – haviam sido dominados pelo império romano. As chuvas e o frio eram incessantes no final do mês de outubro
e início de novembro.
3 Justiça era o nome de uma deusa grega que personificava toda a justiça divina. Na mitologia grega seu nome era Dike.
4 Os habitantes da ilha sabiam que a mordida daquela cobra peçonhenta produzia morte quase instantânea. Lucas usa nova-
mente um termo médico (inchaço), o qual só tem registro no NT, para descrever a possível reação inflamatória prognosticada pelo
povo. Entretanto, mais uma vez, a Palavra do Senhor se cumpre fielmente (Lc 10.19) e nenhum mal sobreveio a Paulo. Os pagãos,
a ficar em sua casa e, por três dias, genero- 14 Ali encontramos alguns irmãos, e fo-
samente nos recebeu e nos hospedou.5 mos convidados a ficar com eles sete dias.
8 Todavia, seu pai estava muito enfermo, Depois disso, partimos para Roma.9
acamado e sofrendo com febre e disente- 15 Os irmãos daquela região haviam re-
ria. Paulo, então, foi-lhe fazer uma visita cebido notícias de que estávamos para
e, logo depois de orar, impôs-lhe as mãos chegar e vieram até a praça de Ápio e às
e o curou. Três Vendas para nos encontrar. Assim
9 Havendo ocorrido esse fato, os outros que os viu, Paulo deu graças a Deus e
doentes da ilha vieram também e saíram sentiu no seu interior grande encoraja-
curados. mento.10
10 E eles nos prestaram muitas homenagens 16 Quando chegamos a Roma, Paulo
e honrarias e, quando estávamos prestes a recebeu permissão para morar por conta
embarcar, nos ofertaram todo o suprimen- própria, porém, sob a vigilância e guarda
to de que necessitávamos para a viagem. de um soldado.11
Paulo chega a Roma e é preso Paulo proclama Jesus em Roma
11 Passados três meses, partimos em um 17 Depois de três dias, Paulo convocou
navio de Alexandria que invernara na os principais dentre os líderes judeus.
ilha, o qual tinha como marca a imagem E, reunindo-se com eles, declarou-lhes:
dos deuses gêmeos Cástor e Pólux.6 “Caros irmãos, muito embora eu nada
12 E, chegando ao porto de Siracusa, per- tenha feito contra o nosso povo, nem
manecemos ali por três dias.7 tampouco contra as tradições e costumes
13 De lá, costeando, chegamos a Régio. de nossos pais, fui preso em Jerusalém e
No dia seguinte, soprando o vento sul, entregue aos líderes romanos.12
prosseguimos e conseguimos chegar a 18 Eles, depois de me interrogarem, deci-
Potéoli no segundo dia.8 diram me libertar, porquanto eu não era
especialmente na antigüidade, tinham o hábito de atribuir divindade aos homens com muita facilidade, muito diferente do rigor
teológico dos judeus. Os habitantes de Listra já haviam tentado endeusar Paulo e Barnabé (14.11-18).
5 Públio era um prenome romano (não sobrenome) e a maneira natural de como os habitantes da ilha tratavam o seu soberano.
Lucas usou uma expressão rara, mas exata, para descrever o grau de autoridade máxima de Públio perante seu povo na ilha. A
arqueologia confirmou, séculos mais tarde, que o título oficial do governador supremo de Malta era mesmo “Homem Principal”.
6 Devido ao inverno e às tempestades, tiveram que permanecer em Malta até o início da estação das navegações, o que ocorria
no final do mês de fevereiro e início de março. Cástor e Pólux eram chamados de “filhos de Zeus (deus)”, em grego Dioscuroi,
divindades que, segundo a crença pagã, protegiam os marinheiros contra as revoltas do mar e dos ventos.
7 Siracusa era a principal cidade siciliana, situava-se na costa oriental da ilha e mantinha um importante porto.
8 Régio era um porto que ficava na cidade de mesmo nome, no litoral da Itália, próximo à extremidade sudoeste e junto ao
estreito que separa esse país da Sicília, defronte Messina. Potéoli é chamada atualmente de Puzzuoli, e fica cerca de 320 Km de
Régio. Estava localizada na parte norte da baía de Nápoles, e era considerado o principal porto de Roma, ainda que dela distasse
cerca de 120 Km. Sua população era cosmopolita e incluía romanos, judeus, árabes e cristãos.
9 Assim como em Trôade (20.6) e em Tiro (21.4), Paulo consegue passar com eles um ou dois fins de semana a fim de celebrar
a Ceia do Senhor, e pregar a Palavra. O centurião certamente consentiu com esse pedido de Paulo.
10 Paulo escreveu sua carta à Igreja em Roma (livro canônico que se segue) cerca de três anos antes. Conhecidos e crentes
discipulados por Paulo também chegaram à cidade antes dele (Rm 16). A Praça de Ápio era uma pequena cidade localizada cerca
de 70 Km ao sul de Roma, e muito conhecida por sua falta de temor a Deus e impiedade. Três Vendas (ou Três Lojas), era outra
pequena cidade, mas dada ao comércio, e ficava a uns 55 Km de Roma. Outros cristãos foram encontrar-se com Paulo ali.
11 Lucas foi dirigido por Deus para revelar ao mundo, de todas as épocas, o avanço do Evangelho, desde Jerusalém até os
confins da terra, como havia prometido o Senhor Jesus (1.8). Roma foi o ponto de chegada, uma vez que era a sede do mundo
na época e cidade onde viviam os representantes de muitas nacionalidades e raças de então. O Evangelho enfim chegara aos
confins. E seguiria adiante, a partir da cidade de Roma. Como Paulo não havia cometido nenhum crime flagrante, a lei romana lhe
permitiu aguardar seu julgamento em liberdade vigiada, podendo alugar uma casa, mas ficando sob a custódia de um soldado,
que muitas vezes passava o dia acorrentado a ele (Ef 6.20; Fp 1.13-17; Cl 4.3-18; Fm 10-13).
12 O decreto do imperador Cláudio (18.2) já tinha perdido o valor, e os líderes judeus haviam retornado a Roma. Paulo inicia seu
discurso enfatizando sua consideração pelos irmãos de sangue (ainda que também fosse cidadão romano). A mesma expressão
que usava para com os “irmãos cristãos” estabelecidos pelo sangue vicário de Cristo (Rm 9.3). Paulo ainda buscava tenazmente
levar a Salvação até os judeus.
13 Paulo deixa bem claro que não apelou para César com o objetivo de denunciar ou acusar os dirigentes da nação de Israel.
14 A palavra grega original para “seita” é hairesis e tem o sentido de “heresia”. No caso, doutrina contrária ao que foi estabelecido
pela liderança espiritual e teológica dos judeus. Os judeus de Roma estavam bem informados sobre as controvérsias em torno de
Jesus ser ou não o Messias prometido. Entretanto, queriam ouvir do próprio Paulo, que como sempre, estava bem disposto a dar
todas as explicações sobre o assunto. Paulo sabia que, mais cedo ou mais tarde, os líderes dos judeus em Jerusalém voltariam
ao ataque, e ele queria aproveitar o tempo “livre” para evangelizar o maior número possível de judeus.
15 A expressão “Lei de Moisés e os Profetas” significa passar por todo o AT reconhecido pelos mais prestigiosos e antigos
judeus como “livros canônicos” (inspirados por Deus) e, portanto, dignos de toda a confiança (Lc 24.27-44). Paulo emprega todo
seu esforço e fé para corrigir um grave erro de interpretação da época. Os judeus sempre esperaram por um Messias “conquis-
tador militar”, à semelhança do rei Davi. Entretanto, por meio das profecias do AT, Paulo procura expor claramente o perfil e a
missão do Messias, como “conquistador de almas”. Paulo apresentava Jesus Cristo como o Salvador dos judeus e de todo o
mundo (gentios) e Senhor de um Reino que jamais terá fim.
16 Esta citação de Is 6.9-10, foi usada por Jesus contra os judeus incrédulos (Mt 13.13 e paralelos em Rm 11.8; Jo 12.39-40). A
rejeição de Cristo por parte do seu povo, Israel, confirma as profecias das Escrituras. Entretanto, cabe aos cristãos empregarem
esforços missionários com vistas à evangelização de judeus e árabes, bem como de todos os povos até os confins da terra.
17 A tradição da Igreja registra que Paulo chegou a ser solto desse encarceramento. Paulo escreveu a várias igrejas com a
expectativa de ser liberto a qualquer momento (Fp 2.24; Fm 22). Muitos detalhes registrados nas cartas pastorais revelam que
Paulo teve uma oportunidade de voltar à Ásia Menor, a Creta e à Grécia. A segunda epístola a Timóteo, por exemplo, fala de
um ministério de Paulo não historiado no livro de Atos. E, por fim, alguns escritos tradicionais e respeitáveis da Igreja, como as
cartas de Clemente (cerca de 95 d.C.) e o cânon Muratoriano (cerca de 170 d.C.), narram Paulo em plena atividade ministerial,
na Espanha antes de sua morte pelas mãos de Nero (cerca de 67 d.C.). Paulo continua sendo um testemunho vivo para todos,
nós cristãos sinceros (2Tm 4.7).