Livro Microbiologia Do Leite e Derivados
Livro Microbiologia Do Leite e Derivados
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ORIGEM ANIMAL
Introdução
Entende-se por leite, sem outra especificação, o produto oriundo da
ordenha completa e ininterrupta, em condições de higiene, de vacas
sadias, bem alimentadas e descansadas. O leite de outros animais deve
denominar-se segundo a espécie de que proceda (BRASIL, 2002).
Leites e derivados, por possuírem pH próximo da neutralidade e serem
ricos em água e nutrientes, são alimentos perecíveis, sujeitos à contami-
nação por microrganismos, como os fermentadores de lactose, micror-
ganismos mesófilos, psicrotróficos e patogênicos. Portanto, os cuidados
higiênico-sanitários são essenciais para controlar o crescimento desses
microrganismos nesses alimentos.
A legislação brasileira padroniza a cadeia produtiva de leite e derivados
por meio de leis, decretos, resoluções e normas técnicas, estabelecidos
pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e pelo Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Neste capítulo, você vai conhecer os principais microrganismos de
leites e derivados, verificar a importância da qualidade higiênico-sanitária
e microbiológica dos leites e derivados, e identificar os critérios que
asseguram a qualidade microbiológica desses produtos.
2 Microbiologia de leite e derivados
Bactérias
Entre os microrganismos do leite, os de maior representatividade são as bac-
térias, que são divididas em gram-positivas e gram-negativas.
Bactérias gram-positivas
Algumas bactérias produzem enterotoxinas que não são inativadas pelo calor, como
Staphylococcus aureus. Nesse caso, o tratamento térmico elimina o microrganismo,
mas não a toxina excretada no leite antes da pasteurização.
Microbiologia de leite e derivados 5
Bactérias gram-negativas
Fungos
Os fungos desempenham um importante papel na indústria de produtos lác-
teos, pois podem promover deterioração ou então desencadear fermentação
e/ou maturação desejáveis aos derivados do leite. Em situações indesejáveis,
esses microrganismos podem estar presentes no leite como contaminantes de
medicamentos para mastite e diluentes de antibióticos, oriundos da água de
lavagem dos equipamentos de ordenha ou, ainda, das mãos do ordenhador
(RUZ-PERES, 2010).
Em situações desejáveis, como na produção de queijos azuis (roquefort,
gorgonzola, Stilton, etc.), contribuem para a maturação, o sabor e o aroma
característicos, sendo o principal o Penicillium roqueforti. Na elaboração de
queijos mofados brancos, como o camembert e o brie, são utilizados Peni-
cillium camemberti, P. caseicolum e P. album. Verifica-se também o fungo
Geotrichum candidum em coalhadas (TRONCO, 2013; VIDEIRA, 2017).
A Figura 2 mostra um exemplo dos queijos azuis e brie produzidos com o
auxílio de fungos.
Microbiologia de leite e derivados 7
Leveduras
Existem diversos gêneros de leveduras relacionados com produtos lácteos. O
gênero Candida caracteriza-se pela sua frequência elevada no leite; porém,
não provoca alterações significativas em sua composição. As espécies Kluwe-
romyces fragilis e K. lactis são capazes de fermentar a lactose com produção
de álcool. No kefir, identificou-se a Torula kefir. As leveduras também podem
constituir a flora pegajosa de queijos que possuem elevado teor de umidade
(TRONCO, 2013).
Contaminação do leite
A flora bacteriana do leite pode variar consideravelmente em número e em
espécies, dependendo de como este se contamina. Quando proveniente de
animais sadios, se forem ordenhados de forma asséptica, ele conterá poucos
microrganismos, mas posteriormente pode sofrer contaminação a partir do
ambiente e do homem.
A contaminação do leite pode ocorrer por duas vias: endógena ou exógena.
Classificação do leite
O conteúdo bacteriano do leite é medido a fim de determinar a sua qualidade
microbiológica. Os resultados obtidos das análises fornecem informações úteis,
que refletem as condições sob as quais o produto foi produzido e mantido. As
altas contagens bacterianas nem sempre significam a presença de bactérias
patogênicas; indicam, porém, uma contaminação excessiva ou uma refrigeração
inadequada, ou, ainda, condições de armazenamento imperfeitas.
No Brasil, com o objetivo de melhorar a qualidade do leite, o Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) publicou a instrução
normativa 51 (IN 51), que regulamenta normas para a qualidade do leite e de
seus derivados, bem como a produção, a identidade e a qualidade de leites
tipo A, B, C, pasteurizado e cru refrigerado, além de regulamentar a coleta
de leite cru refrigerado e seu transporte a granel (SANTOS, 2010).
Semidesnatado
Padronizado
Desnatado
Método de
Requisitos
Integral
análise
Gordura, Teor 3,0 0,6 a 2,9 máx. 0,5 IDF 1 C: 1987
(g/100 g) original
(Continua)
Microbiologia de leite e derivados 13
(Continuação)
Desnatado
Método de
Requisitos
Integral
análise
(Continua)
Microbiologia de leite e derivados 15
(Continuação)
Testes
enzimáticos: Negativa LANARA/
- prova de Positiva MA, 1981
fosfatase alcalina LANARA/
- prova de MA, 1981
peroxidase
Coliformes n = 5; c = 2; m = 2; M = 5 S.D.A/
– NMP/ml MA, 1993
(30/35 °C)**
Coliformes n = 5; c = 1; m = 1; M = 2 S.D.A/
– NMP/ml MA, 1993
(45 °C)**
Desnatado
Método de
Requisitos
Integral
Análise
(Continua)
Microbiologia de leite e derivados 17
(Continuação)
Coliformes, n = 5; c = 2; m = 2 S.D.A/
NMP/ml M=4 MA, 1993
(30/35 °C)
Coliformes, n = 5; c = 1; m = 1 S.D.A/
NMP/ml (45 °C) M=2 MA, 1993
Deve-se ordenhar somente animais sadios, uma vez que animais doentes
transmitem microrganismos presentes no seu sangue para o leite. No caso
de doenças ou infecção do úbere, mesmo o leite obtido higienicamente
pode conter microrganismos prejudiciais à saúde humana.
Eliminar os primeiros jatos de leite de cada teto faz com que a maioria
dos microrganismos presentes no úbere não contaminem o leite. Além
disso, é com os primeiros jatos que podemos observar, por meio da
utilização da caneca de fundo preto, a formação de grumos e a presença
de pus, que indicam a existência de mastite.
Microbiologia de leite e derivados 19
O ordenhador deve ser saudável, ter roupas e mãos limpas, para não
contaminar o leite. Também não deve tossir, espirrar ou conversar no
momento na ordenha, nem sobre os utensílios que entram em contato
com o leite.
O estábulo deve estar localizado longe de estradas. O piso deve ser
preferencialmente cimentado, a fim de facilitar a limpeza, e as paredes
devem permitir a sua lavagem. O estábulo deve ser provido de cobertura,
e a água deve ser tratada com solução clorada para enxágue e lavagem
dos utensílios e dos tetos.
Na ordenha manual, a maior parte das impurezas encontradas no leite
vêm do animal que está sendo ordenhado. A melhor maneira de reduzir
a contaminação que ocorre por meio do animal é a utilização de balde
semiaberto. Além disso, deve-se buscar manter os pelos dos flancos
e do úbere aparados e a cauda contida durante a ordenha. O teto deve
ser limpo com água clorada ou com solução contendo 12 a 25 ppm de
iodo ou água sanitária, e seco com papel toalha (um para cada teto).
Usar coador de boca no latão evita a entrada de impurezas, insetos e
dejetos dos animais durante a ordenha.
Após o término da ordenha, os tetos devem ser imersos em solução
desinfetante, como solução de iodo contendo 12 a 25 ppm, e as vacas
devem ser mantidas em pé por pelo menos 30 minutos após a ordenha
(BRITO, 2009).
Refrigeração do leite
Após a ordenha, o tempo gasto para a refrigeração do leite deve ser de, no
máximo, três horas. Nesse período estão incluídos o transporte do leite da
propriedade até o tanque – no caso de tanques comunitários – e o tempo que
o tanque gasta para baixar a temperatura do leite até os 7 ou 4 °C. A Instrução
Normativa nº 51 de 2002 estabelece que o leite deve atingir a temperatura de
4 °C quando estocado em tanques refrigeradores por expansão direta, e a 7
°C quando mantido em tanques refrigeradores por imersão em água gelada,
chegando a essa temperatura em, no máximo, três horas após a ordenha. O
armazenamento do leite cru em temperatura de até 4 °C reduz a taxa de mul-
tiplicação de microrganismos, embora não a impeça completamente (CERVA,
2013).
Recepção do leite
Na etapa de recepção, o leite de animais doentes e aquele que contém anti-
biótico ou sedimentos não devem ser aceitos pelo laticínio. Mesmo traços de
antibióticos no leite podem torná-lo inadequado para o processamento, em
especial se o leite for destinado ao uso em produtos derivados, fabricados
por fermentação láctica, como iogurtes e queijos. Nessa etapa, são realizados
Microbiologia de leite e derivados 21
determinação de acidez;
determinação de densidade;
avaliação da temperatura;
determinação do teor de gordura;
determinação do extrato seco total;
determinação do teor de gordura, sólidos totais e conteúdo de proteína
total;
determinação do ponto de congelamento;
contagem total de bactérias;
contagem das células somáticas (OLIVEIRA, 2009).
Armazenamento do leite
Na etapa de armazenamento, o leite cru integral é armazenado em grandes
tanques alocados na área externa do estabelecimento, que são construídos em
aço inoxidável e possuem parede dupla para proteção térmica. Os tanques são
equipados com sistema de agitação lenta, para evitar a separação do creme pela
gravidade. Em regra, a temperatura do leite ao chegar no laticínio aumenta
ligeiramente, devido ao transporte. Portanto, antes de ser conduzido ao tanque,
o leite é resfriado a uma temperatura inferior a 4 °C, em um trocador de calor
a placas (OLIVEIRA, 2009).
Pasteurização do leite
A etapa de pasteurização é a mais importante do beneficiamento do leite.
Ela tem como objetivo destruir totalmente a flora microbiana, sem alteração
da constituição física e química do leite e sem prejuízo de seus nutrientes,
assim como de suas propriedades organolépticas normais (OLIVEIRA, 2009;
TRONCO, 2013).
No Brasil, a pasteurização deve ser aplicada ao leite cru, quando este for
destinado ao consumo humano direto na forma fluida. Elimina os microrga-
22 Microbiologia de leite e derivados
Esterilização do leite
O objetivo de qualquer tratamento esterilizante é a destruição dos microrga-
nismos presentes, esporulados ou não – ou pelo menos de todos aqueles que
possam se proliferar no produto final. Com isso, busca-se obter um produto
microbiologicamente estável, a fim de que seja possível armazená-lo a tempe-
ratura ambiente por um longo período de tempo (ORDÓÑEZ, 2005).
A esterilização realizada pelo processo conhecido como UHT (Ultra High
Temperature) consiste na conservação de alimentos líquidos por meio de uma
breve e intensa exposição a um aquecimento adequado. No caso dos leites,
estes são homogeneizados, aquecidos a 135-150 °C, durante 2 a 4 segundos,
por um processo térmico de fluxo contínuo, e imediatamente resfriados e
envasados em condições assépticas, em embalagens esterilizadas, as quais
se fecham hermeticamente. Esse é o leite comumente denominado longa vida
(TRONCO, 2013).
Recepção
Análise
Filtração
Armazenamento
Padronização
Pasteurização
Armazenamento
Distribuição
Tolerância
Pesquisa a ser
Tipo de derivado para amostra
realizada
indicativa
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