Sebenta Processual Penal II - Teóricas
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APONTAMENTOS TEÓRICOS
2.º SEMESTRE
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
Bons estudos!
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
TEORIA DA PROVA
Noções Introdutórias
A prova destina-se à reconstrução dos factos, sem serem repetidos, porque são
passados. Não se pode partir da presunção de que as coisas aconteceram. Quando se
falam de prova esta liga sempre à ideia de reconstrução dos factos e afirmações sobre os
factos, sendo um procedimento probatório. Mas pode ser entendida como os meios de
prova. O testemunho, a reconstituição do facto e a perícia é uma prova, ou seja, são os
elementos de afirmação que permitem confirmar determinadas hipóteses sobre os
factos. As provas podem ser os meios de prova. Mas também se pode entender a palavra
prova como o resultado, um resultado probatório. Aqui estamos a referir ao
conhecimento que se obteve a partir dos meios de prova, isto é, o resultado que se extrai
partir dos meios de prova. Provar é atividade que se destina a extrair resultados que
permite ao juiz decidir.
Para nós aceitarmos que a prova tem um lugar central no Processo Penal (PP),
temos de atentar a 3 ideias que, apesar de aceites, não são incontroversas:
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
não apenas uma “ingenuidade epistemológica”, mas também uma perigosa ilusão
porque a procura da verdade absoluta como objetivo único pode levar-nos à eliminação
de todos os escrúpulos que devem estar subjacentes à procura dessa verdade. Ou seja,
pode conduzir a processos de pendor autoritário que ofendam direitos fundamentais.
⎯ Há quem considere que a sua finalidade é resolver conflitos, sendo que, para tal,
descobrir a verdade pode ser útil, mas existem outras formas de resolver
conflitos que não assentam na descoberta da verdade. Ou seja, a descoberta da
verdade é uma via que se pode usar – talvez a melhor – para se resolver
conflitos, mas não é a única.
justificar uma decisão, algo que vale não só para o processo penal, mas para
qualquer processo, mesmo para uma eleição – as regras de um processo
eleitoral destinam-se a absorver os protestos que possam ser levantadas contra
um resultado eleitoral. Deste modo, a sua finalidade será legitimar o resultado.
Fala-se numa garantia da justiça formal. Alguns autores partindo da ideia de
Luhman desenvolvem o direito ao silêncio, para eles o direito ao silencio só
deve surgir com base na legitimação da decisão. Um processo em que este
direito não surja não é um processo legítimo, levando a que o direito ao silencio
tenha então uma finalidade processual. Para estes autores que apoiam a
legitimação do processo, o atingir a verdade acaba a ser um pouco menos
importante.
Esta corrente teórica encontra, de alguma maneira, alguma expressão em
certos processos, não tanto no penal, mas no processo civil em que se aceita,
nomeadamente, uma decisão assente numa ideia de verdade formal. No mesmo
sentido vemos o aceitar de decisões no sistema anglo-saxónico assentes não na
averiguação da verdade, mas na obtenção de “acordos”.
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ocorrência dos factos a priori. Contudo, de um ponto de vista científico, aceita-se que se
possa descobrir a verdade, ainda que essa descoberta tem em si uma ideia constante de
crítica, pelo que o que se quer é deixar esta via idealista de Kant e obter um
procedimento medianamente objetivo.
Tendo em conta todos estes postulados concluímos que a prova pode ser definida
em termos amplos como um mecanismo cuja finalidade é a reconstrução dos factos,
como um mecanismo destinado a permitir a formulação de hipóteses sobre os factos e,
num segundo momento, a confirmação dessas mesmas hipóteses.
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Por fim, existem, ainda, condicionamentos normativos, para além das regras
gerais da validade cognitiva da informação – respeito pelo contraditório, por exemplo –,
que dizem respeito à salvaguarda de valores e garantias dos cidadãos. Estes podem ser
mais extensos consoante o concreto modelo processual e condicionam muito a atividade
cognoscitiva.
prática do crime a falar, é mais duro prender uma pessoa inocente de um crime
que não praticou.
Logicamente que existem regras atinentes à produção de prova que têm por
fundamento ambas as razões – proibição de tortura, uma vez que implica não só a
violação de uma série de direitos fundamentais, como, de um ponto de vista
epistemológico, não é adequado, uma vez que sob tortura qualquer pessoa admite o que
for preciso; existe uma norma – artigo 134.º CPP – que atribui aos familiares próximos
do arguido o direito de recusa de depoimento que tem como ideia basilar a tutela da
família, mas também há uma razão epistemológica é que se nós obrigássemos o irmão a
falar contra o irmão, era possível que essa testemunha fosse tentada a mentir.
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⎯ “o juiz decide com base nas provas” – neste sentido, estamos a falar de meios
⎯ “não se fez prova” – neste sentido, estamos a usá-la como resultado probatório,
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Aquilo que é objeto de prova não são os factos, mas sim enunciados pontuais
sobre os factos, aquilo que se diz sobre eles, as hipóteses sobre os factos. A lei ao referir
“juridicamente relevantes” já está a introduzir uma limitação, pelo que não interessam
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Não se prova os enunciados valorativos, pois estes não têm capacidade para ser
verdadeiros ou falsos. Tem de se valorar factos que traduzem descrições, sendo que por
isso não se provam factos, mas enunciados factuais descritivos. Só se prova factos
juridicamente relevantes.
Há quem diga que não era necessário introduzir este artigo. Esta era uma simples
didascália, uma evidência desnecessária. Contudo, embora este seja incompleto, o que o
legislador fez foi tentar delimitar o que é objeto de prova como já adiantamos no final
da aula passada. O acontecimento de um crime pode ter várias perspetivas, mas nem
todas relevam, por exemplo, o ponto de vista estético como as pessoas estarem vestidas
no tempo do crime não releva, mas já revelará a perspetiva temporal. Algumas coisas
fazem parte do acontecimento histórico, mas não relevam em termos de processo penal.
🡺 Enunciados Factuais:
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o Enunciados factuais secundários: muitas vezes não temos acesso direto aos
factos primários e que nos permitem subsumir a situação jurídica àquela
norma. Ou seja, os factos secundários são aqueles que permitem chegar aos
enunciados factuais principais e atuam subsidiariamente, quando não é
possível chegar diretamente aos enunciados factuais principais.
Tendo isto em conta, temos uma prova direta (tem por objeto os enunciados
principais) e uma prova secundaria (tem por objeto os enunciados secundários). A prova
direta é mais segura que a prova indireta, esta pressupõe regras de experiência, sendo de
preferir a prova direta à indireta. Contudo, é impossível fazer prova no processo penal
sem se recorrer à prova indireta. Há quem diga que toda a prova é indireta, porque o juiz
não esteve lá a assistir aos factos. Há domínios onde a prova indireta tem relevância,
nos crimes económicos a fronteira entre os atos lícitos e ilícitos é mais fluida, para se
saber que essa conduta é ilícita é preciso assentar na experiência
Quer os principais como os secundários podem ser objeto de prova. Este quadro
é traçado pelo legislador, mas está incompleto, porque a atividade probatória pode ter
outros objetos que não este. Ou seja, pode ser necessário determinar qual é o tribunal
competente e, para tal, pode ser preciso saber qual é a qualidade profissional do arguido.
Ou seja, apesar de o legislador não referir, também são importantes os enunciados
factuais processuais.
Há, portanto, um conjunto de enunciados factuais que não estão neste elenco e
também são objeto de prova. Um exemplo é o artigo 134.º CC, uma vez que só podem
beneficiar desta norma os familiares e é necessário fazer prova dessa relação familiar.
Outro exemplo – quando se aplica o artigo da coação, é necessário que haja certos
perigos como a continuação da atividade criminosa, o que é necessário provar também.
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A hipótese criminosa, para ser objeto de prova, deve ser verosímil, isto é,
não deve estar em oposição ao paradigma epistemológico dominante (por exemplo,
alguém que faz queixa ao MP, porque um vizinho fez mal ao seu filho, porque lançou
mau olhado). Para que o objeto de prova seja legitimo, tem que cumprir este requisito
do artigo 124.º CPP e o requisito da verosimilhança.
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Por exemplo, houve uma discussão num restaurante, com agressões físicas. Há
testemunhas na mesa ao lado. A inquirição destas testemunhas em abstrato é relevante,
porque o que elas viram contribuirá para tornar mais ou menos provável a hipótese
acusatória. Mas em concreto é relevante? Depende. Se já foram ouvidas 10 pessoas e
disseram todas o mesmo, então, pode não ser necessário ouvir a 11ª. Isto tem
ressonância normativa – artigo 340 CPP nº4 alínea b) já que, se olharmos para a
mesma, sabemos em que caso são indeferidos os requerimentos probatórios.
Também é supérflua a prova quando se quer exercer sobre factos notórios, isto é,
aqueles que qualquer pessoa medianamente informada saberia que existe ou que se
verificou. Por exemplo, não é necessária a prova da revolução de 25 de abril de 1974.
Salvaguarde-se que os factos notórios não têm que ser universalmente notórios, mas sim
no contexto/ambiente em que a matéria é discutida.
Um outro aspeto importante é saber se, quando o juiz recusa uma prova por
entender que ela é irrelevante ou supérflua, há a possibilidade de incorrer numa
ponderação antecipada. Mas quando se pede ao juiz que recuse a prova por ser
irrelevante, não é isso que se pede para fazer? Não, porque a valoração que o juiz faz, o
seu juízo, é hipotético e provisório. O juiz o que diz é “na hipótese de ser verdade o que
a testemunha diz, essa questão é relevante para a prova”.
⎯ Alínea b): Há aqui uma alusão, pela negativa ao requisito da relevância, quer em
sentido abstrato, quer em sentido concreto. Para além disso, refere que se o meio
de prova for de obtenção impossível (quando não se sabe o paradeiro da vítima,
por exemplo) ou duvidosa pode o valor probatório ser indeferido.
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⎯ Alínea c):
dilatória deve ser recusado. É de acrescentar que, ligada a esta alínea, está a
alínea a), em que o legislador estabelece um limite, ou seja, pode indicar prova
na fase de inquérito, de instrução, de julgamento e consagra-se um princípio da
investigação, pois o juiz pode, contra a inércia dos sujeitos processuais, invocar
quaisquer meios de prova que considere necessários à descoberta da verdade, o
juiz aí tem que ou deve ordenar a sua produção.
Parece um pouco contraditório o que esta redigido nestas duas alíneas e o
nº 1 do artigo 340.º, mas temos de compatibilizá-los, pois esta norma serve para
introduzir um sentido de transparência entre os sujeitos processuais. O legislador
quer sublinhar a lealdade e a transparência, para não haver, de forma recorrente e
abusiva, o facto de os sujeitos processuais quererem guardar apenas para a
audiência de julgamento a introdução de meios probatórios.
Artigo 125.º CP
Legalidade da prova
(1) Uma norma de exclusão, dizendo que as provas proibidas não podem ser
admitidas referindo-se ao que se estabelece no artigo 126.º CPP;
(2) Uma norma de inclusão (vertente mais importante), porque delimita, pela
negativa, o núcleo das provas admissíveis no sentido de que são admissíveis não
apenas as provas tipificadas, mas também as atípicas, desde que não proibidas.
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● Exemplo: a lei diz que não se deve fazer a prova por reconhecimento porque ela
é muito falível. A questão que se coloca é a de saber se pode haver como
reconhecimento atípico um reconhecimento que não é feito segundo os
formalismos que a lei estabelece no artigo 147.º CPP. Isso é uma prova
atípica? Parece que é apenas um desvio ao formalismo que a lei estabelece.
● Outro exemplo são as chamadas conversas informais. Para prestar declarações
há um dado formalismo pensado para proteger a liberdade de declaração do
arguido. Neste sentido, se alguém é conduzido a uma esquadra de modo a
prestar declarações e, antes disso, o polícia vai fumar um cigarro com a pessoa e
considerar o que ele disse informalmente e não apenas aquilo que consta nos
autos. Isto não parece uma prova atípica, mas sim um desvio ao formalismo
previsto pelo legislador para aquisição de provas típicas.
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⎯ Quando as provas estão tipificadas, essa idoneidade já está incluída na lei porque
o juiz já as analisou.
⎯ Quanto às provas atípicas, esse juízo de idoneidade não foi feito pelo legislador,
pelo que o juiz deve aferir da abstrata idoneidade do meio de prova. Isto leva a
dizer que o juiz tem a função de “porteiro”. Além disso, o juiz também deve
dizer como é que a prova vai ser produzida, porque não há um caminho traçado
pela lei para esse meio de prova. Aqui, o juiz deve agir em contraditório com os
sujeitos processuais, daí que se fale num contraditório para a prova.
fotografias de aspetos relacionados com o crime, como o lugar em que o crime foi
cometido, objetos possíveis, mas não relacionados com o crime e, depois, objetos com o
qual o crime terá sido cometido.
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As proibições de prova
A CRP dá-nos a pedra angular nesta matéria no artigo 32.º nº8 CRP – “São
nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade
física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na
correspondência ou nas telecomunicações.”
Mas antes de vermos o sistema português vamos, porém, começar por estudar os
quadros normativos estadunidense e alemão, uma vez que ambos nos inspiraram, ainda
que tenham entre si divergências teóricas que se refletem no plano prático.
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Direito alemão
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Daqui retiramos que os alemães apresentam teses divergentes, pelo que não
há uma doutrina geral com uma vocação de aplicabilidade a todas as situações
da vida. Cada teoria é fecunda pra resolver o problema concreto que a fez
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use esta ideia de modo a contornar as violações das regras de prova. Este
pensamento foi conduzindo a soluções compromissórias, que se aproximam
cada vez mais do direito dos EUA.
A este propósito, os alemães têm um primeiro critério que se relaciona
com o fim de proteção da norma – destina-se a tutelar Direitos
Fundamentais ou a qualidade epistemológica da prova (descoberta da
verdade)? No segundo caso, o efeito à distância é excessivo. Em suma, só faz
sentido discutir o efeito à distância quando estiver em causa direitos
fundamentais, pois se estiver em causa a descoberta da verdade o efeito à
distância já não faz sentido.
No nosso direito, proíbe-se testemunhos de ouvir dizer (artigo 129.º/1
CPP). Imaginando que a testemunha é ouvida e diz que não viu o homicídio a
decorrer, mas a vizinha contou que viu o arguido num dia a arrastar um
volume grande, parecido com um tapete. Este depoimento não é valorado, é um
depoimento indireto. O tribunal deveria chamar a testemunha presencial a
depor. Supondo que o tribunal está com pressa, manda fazer uma busca no
local em que o tal volume pesado foi depositado e encontra-se o cadáver da
vítima. Pode-se fazer autopsia ao cadáver? É uma prova secundária.
Os alemães primeiramente perguntam qual é o fim da norma. Aqui
parece que se destina a proteger a qualidade epistemológica da prova. Há
comunicação à prova secundária da proibição da primária? Não, aqui não
se comunica, porque é independente o modo como se chegou ao cadáver.
Já com a tortura, esta questão visa tutelar os Direitos Fundamentais, ou
seja, mesmo que se violando só Direitos Fundamenais da pessoa que foi
torturada, visa-se evitar que outras pessoas o sejam, aí, a razão de tutela
justifica que não se admita a prova secundária.
Mesmo no que se relaciona com Direitos Fundamentais, há um critério de
decisão que permite a valoração e não a proíbe – juízos hipotéticos. A prova à
distância pode ser valorada se, tendo resultado de uma prova primária
ilegal, fosse possível conseguir obter o mesmo resultado por meios lícitos.
⎯ A jurisprudência é mais flexível, bastando que um meio lícito tivesse
disponível para ser usado, ainda que não tenha sido;
⎯ A doutrina é mais exigente, não bastando para si que haja um meio de
investigação legal possível, em abstrato, mas sim que pudesse, em
concreto, ser usado e que houvesse uma possibilidade grande de
conduzir ao mesmo resultado.
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Prática:
🡺 Quanto aos destinatários da proibição de prova:
Os destinatários são quer as instâncias formais de controlo, quer os
particulares, uma vez que qualquer um deles pode violar Direitos
Fundamentais.
Existem, aliás, leading cases em que se proíbe o aproveitamento de
informação probatória adquirida por particulares. Mas isto não significa que
todas as proibições de prova previstas vinculem ambos ou sequer que o façam
nos mesmos termos.
Teoria: No direito dos EUA, há regras que visam disciplinar a atuação da polícia
para prevenir comportamentos impróprios de quem investiga a prática do crime
e, em segundo lugar, protegem direitos fundamentais. O seu horizonte é
marcadamente processual. Podem de forma mediata ou derivada contribuir para
a proteçao dos direitos fundamentais, mas esse não é o objetivo. O seu objetivo
é evitar que a polícia tenha atitudes contra estes direitos. Aqui as proibições de
prova têm um horizonte pessoal, funcionando como regras de profilaxia de
atuações policiais desajustadas. Os direitos têm uma estrutura marcadamente
substantiva.
Há vários direitos que se prendem com o processo. Por exemplo, na 4ª
emenda proíbem-se as buscas desajustada. Nós consagramos o direito à reserva
da vida privada que impede que se façam buscas sem fundamento legal, mas
nos EUA o direito já é diretamente este- a proibição das buscas desajustadas.
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Prática:
🡺 Quanto aos destinatários das proibições de prova:
Os destinatários das proibições de prova são as instâncias formais de
controlo.
Há um caso paradigmático de 1921 – Burreau rule- em que alguém era arguido
e guardava consigo documentos incriminadores; há outra pessoa que entra na
sua casa e subtrai esses documentos e entrega-os à polícia. Isto seria proibido à
polícia, mas entendeu-se que os cidadãos não estavam vinculados àquela
proibição, pelo que poderiam ser aproveitados desde que não tivesse havido
conluio.
Direito português
Quanto à questão de saber quando é que a violação da prescrição em matéria de
prova conduz a uma exceção que impede o aproveitamento do meio de prova, para nós,
a resposta é dada pelo legislador, pelo menos, em parte já que este estabelece sanções. A
grande dificuldade no nosso ordenamento jurídico é perceber, contudo, qual é a sanção
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que emerge da violação normativa da matéria das proibições de prova já que, apesar
desta e as nulidades processuais serem institutos autónomos, vivem paredes meias uma
com a outra e é no meio dessas que encontramos a resposta, mais concretamente no
âmbito do artigo 118.º CPP.
Artigo 118.º
Princípio da legalidade
1. A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só
determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei.
2. Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato ilegal é irregular.
3. As disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código
relativas a proibições de prova.
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enquanto nas nulidades há, pelo que a pessoa é que sabe se a proteção se
dispensa ou não. Como as proibições de prova materializam o regime mais
gravoso não podem ser deixadas à disponibilidade do titular do regime. O
consentimento do titular não releva, mas pelo contrário o consentimento da
pessoa atingida pela invalidade podia ser relevante. As proibições de valoração
de prova não cedem nem mesmo com o consentimento da pessoa afetada, já as
invalidades processuais típicas cedem perante o consentimento.
Mas este critério também não serve, porque no regime das proibições de prova
existem proibições em que o titular tem uma disponibilidade sobre o objeto, são
as chamadas proibições de prova relativas – artigo 126.º nº3 CPP –, sendo que
só existem se não houve consentimento do titular do bem jurídico. São
proibições de prova relativamente às quais se coloca nas mãos do titular uma
certa titularidade sobre o objeto.
Por outro lado, há invalidades processuais típicas em que não há disponibilidade
do titular sobre o objeto de tutela. No regime das nulidades, há nulidades
absolutas/insanáveis ou relativas/sanáveis. As absolutas não se sanam e podem
ser arguidas por qualquer pessoa. Mesmo que o interessado se desinteresse, não
invocando a nulidade, ela não se sana.
3. Critério material/substancial: faz apelo à CRP. João Conde Correia diz que
são proibidas todas as provas que sejam obtidas mediante compressão dos
direitos fundamentais em termos não consentâneos com a CRP, já que as regras
em matéria de prova são, por vezes, a concretização dos requisitos de que a CRP
faz depender a restrição legítima de direitos fundamentais, isto é, os requisitos
que ela estabelece como limites de tolerância à agressão.
Neste sentido, quando o que se viola é uma regra legal ordinária que concretiza
os parâmetros da CRP, então temos uma proibição de prova. Pelo contrário, se
não concretiza parâmetros da CRP, há uma nulidade processual.
a. Exemplo: a CRP diz que limites se têm de respeitar, para que as buscas
domiciliárias, a violabilidade do domicílio não seja ilegal. Depois, no
artigo 177.º CPP, concretiza-se esses limites. Assim sendo, se se viola a
necessidade de mandado do juiz, há uma proibição de valoração porque
se violam parâmetros da CRP.
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O efeito à distância deve ser admitido e há uma base normativa para aceitar esse
efeito.
✔ Costa Andrade advoga que é no artigo 122.º nº1 CPP, no qual o CPP aceita o
✔ Helena Morão defende que a base normativa está na própria CRP, no artigo 32.º
nº8 que diz que são nulas todas as provas obtidas mediante tortura entre outros.
Ou seja, engloba-se aqui as provas secundárias e primárias. Segundo esta autora,
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A norma nuclear é o artigo 32.º nº8 CRP. É a pedra angular do regime dos
métodos proibidos de prova. O legislador constitucional densificou, de modo detalhado,
alguma da disciplina em matéria de proibições de prova. Dispõe: “São nulas todas as
provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da
pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas
telecomunicações”.
Podemos dividir esta norma em 2 partes porque existem duas espécies de
proibições de prova. Temos na primeira parte proibições que o são, sem mais, em todos
os casos (proibições absolutas que são sempre nulas, sem margem de apreciação) e,
por outro lado, proibições que apenas existem quando são abusivas (proibições
relativas que só são nulas se a intromissão nos direitos fundamentais for abusiva). Isto
porque, por um lado, temos proibições de prova que se ligam com a dignidade da pessoa
e, por outro lado, temos proibições que se ligam a uma esfera mais periférica da pessoa.
Temos então um mandato, conferido ao legislador ordinário, que lhe atribui um
espaço de livre conformação para definir quando considera ou não abusiva a
intromissão, importando, ainda, o disposto no artigo 34.º CRP.
Assim, temos proibições de prova absolutas, que o são sem mais e as relativas, em
que o legislador ordinário tem uma margem de conformação.
O artigo 126.º CPP, por sua vez, concretiza o regime constitucional das proibições
de prova. Esta norma encontra correspondente no código processo penal alemão, mas a
nossa norma é mais ampla que a norma alemã, porque esta apenas fala em “métodos
proibidos de interrogatório”. Por outro lado, o beneficiário destas proibições não é
apenas o arguido (os alemães parecem falar apenas do arguido, embora depois haja
remissões para esta norma relativamente a testemunhas) no direito português. Quanto
aos destinatários das proibições, não são apenas os membros das instâncias formais de
controlo, mas todas as pessoas que adquiram provas (em Portugal).
Artigo 126.º
Métodos proibidos de prova
1. São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura,
coação ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
2. São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas,
mesmo que com consentimento delas, mediante:
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Como podemos concluir da leitura do artigo 126.º CPP, este concretiza a dualidade
constitucional:
a) Absolutas – nº1 e nº2. Ressalve-se que no nº2 há uma exemplificação, mas não
se exclui que haja outras.
b) Relativas – nº3.
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ser sanado. No nº 3, dizia-se que são nulas, mas não dizia que não podem ser
usadas, ou seja, remetia para as nulidades sanáveis.
🡺 Costa Andrade critica esta alteração da lei, dizendo que ela é desnecessária,
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Outra questão é saber se essa proibição não cede quando se pretenda a valoração
para favorecer o arguido, ou seja, quando seja a prova única em favor do arguido que
demonstre a sua inocência. Há quem admita a possibilidade de valorar os resultados
probatórios, mas apenas no sentido de legitimar a informação já obtida,
excecionalmente, quando a informação faz com que o inocente seja dado como tal,
visto que, caso não fosse considerada essa informação, seria condenado, e não a
permissão de métodos proibidos para obter provas a favor do arguido.
tese admite que essas informações, excecionalmente, podem ser usadas. Mas não
legitima esta tese que se torture.
Outro aspeto do regime é a não taxatividade das proibições de prova. Elas não
são taxativas, desde logo, porque o legislador, quer no nº 1 como no nº 3, admite a
existência de outras proibições. O legislador não recorta sequer quais são os métodos
proibidos, logo são elencos exemplificativos. Por outro lado, esta não taxatividade
resulta do regime dos direitos fundamentais: são proibidos os meios de prova que os
ofenda, a menos que se respeite o artigo 18.º CRP.
Costa Andrade diz que aqui há uma necessidade de o legislador ser um
perseverante vigilante, no sentido em que os direitos fundamentais vão evoluindo, têm
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uma capacidade expansiva. Além disso, o progresso tecnológico abre a porta a novos
processos tecnológicos que podem ofender direitos fundamentais. Assim, o legislador
deve disciplinar e regular as novas formas de obtenção probatória, para que não
desrespeitem os direitos fundamentais.
Atente-se, desde logo, que existem poucos artigos relativos às proibições de prova –
artigos 126.º, 118.º, 310.º/2 e 449.º nº1 alínea e).
inclusive ao trânsito em julgado da decisão – artigo 449.º nº1 alínea e). Outra
norma relevante é o artigo 310.º nº2 CPP.
⎯ Na matéria das proibições de prova, o legislador foi infeliz, já que abriu uma
caixa de pandora perigosa porque as proibições de prova não são taxativas, pelo
que os fundamentos do recurso de revisão passam a ser ilimitados. Costa
Andrade acha que só quanto a algumas proibições absolutas é que se deveria ter
estendido esta eficácia.
⎯ Têm eficácia erga omnes: Se pode ser conhecida a todo o tempo, parece
Aqui vamos falar do regime das provas que o legislador prevê no artigo 126.º,
números 1 e 2, as absolutas.
O primeiro aspeto é saber qual é o horizonte valorativo, isto é, o que é que está
aqui em causa – O quê que o legislador quer proteger quando consagra as proibições
de prova no nº1 e 2º do artigo 126.º CPP?
Aquilo que se afirma é que é sobretudo a tutela de Direitos Fundamentais e a
liberdade de declaração do arguido.
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O legislador português não exemplifica nem indica quais são esses motivos. Mas
podemos pensar no seguinte exemplo: quando se priva alguém do sono de modo a
levar as pessoas a dizer coisas que, de outra forma não diriam.
O cansaço é, portanto, perturbador da capacidade de memória ou avaliação, ainda
que a lei não se refira a este especificamente nesta alínea b). O legislador estabelece,
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da circunstância de se conceder benefícios com fins diferentes dos que estão na base da
sua previsão para obter declarações.
Na mesma lógica, também é proibido, por exemplo, dizer ao arguido que só
receberá visitas dos familiares ou falará com o seu advogado, se depor primeiro. Ou
seja, o legislador pretende evitar que certos benefícios legítimos do arguido ou pessoas
que se proponham a declarar sejam condicionados à obtenção de provas, pelo que a
negação ou condicionamento de benefícios legalmente previstos também constituem um
meio de prova absolutamente proibido.
2 alínea a)
Interessa, agora, voltar à alínea a), sendo que quando se fala em meios de qualquer
natureza se fala, por exemplo, em substâncias narcóticas.
A hipnose e a narcoanálise foram técnicas que acolheram alguma simpatia no
século XX, porque eram indolores e não colocavam o arguido perante o dilema da
escolha, estando-lhes subjacentes o uso de substâncias e técnicas de descompressão cuja
ideia seria libertar o subconsciente e aceder a factos. Estes métodos não implicam
coação física nem moral, eram revestidos de uma certa ala de cientificidade, que
escapam ao controlo voluntario do sujeito.
Todavia, hoje estes métodos de obtenção de prova são tidos como proibidos, desde
logo, porque não há garantia da qualidade epistemológica da informação que se recolha
desta maneira, já que não são formas que permitam com segurança aceder a
informações verdadeiras, sendo, aliás, provável que exista referencia a momentos
criados/inventados pelo subconsciente. Além disso, estes métodos retiram o controlo do
arguido sobre as informações que quer prestar, ou seja, estas medidas comprometem a
liberdade ética da pessoa, mas mesmo que o individuo consinta tais métodos são
absolutamente proibidos.
E o poligrafo?
Atente-se, desde logo, que este método não está expressamente proibido, mas,
como o elenco não é taxativo, tal não quer dizer que não seja proibido. Por outro lado,
há alguma aproximação entre os métodos que vimos anteriormente – a hipnose a
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Note-se que o Supreme Court não estabeleceu a proibição, apenas afirmou que
não era inconstitucional proibir, o que levou a respostas diversas à questão enunciada:
tal (Daubert Test – 1993). Mas em geral não é utilizado precisamente por não
passar esse Daubert Test devido à sua qualidade epistemológica duvidosa, uma
vez de que, como já anteriormente referimos, tem como premissa maior que
todas as pessoas ficam ansiosas quando mentem, o que não é necessariamente
verdade. A partir daí cria-se um silogismo: premissa menor – A está ansioso.
Conclusão – A mente. Além disso, existe aqui uma inversão lógica (falacia da
inferência invertida), uma vez que a circunstância de ficar ansioso não significa
necessariamente que se está a mentir, existindo outras razões para se ficar
ansioso.
Na Alemanha as conclusões são idênticas, também afitadas num acórdão da
mesma data em que o BGA considerou que se tratava de um método de prova
inadequado. Portanto, tanto para os tribunais norte-americanos como para os tribunais
alemães o polígrafo não constituiu um método absolutamente proibido, mas
manifestamente inadequado de um ponto de vista epistemológico.
O polígrafo não mereceria enquadramento no artigo 126.º CPP, não é um método
absolutamente proibido, mas deve ser recusado porque é um método com limitado valor
epistemológico, cai por isso no artigo 340.º nº 4 c) CPP. Embora seja este o
entendimento, há outras vozes que se levantam e questionam se por um lado não há o
perigo deste consentimento ser menos livre, sobretudo nos casos em que haja
coarguidos em que alguns aceitem e outros não, uma pressão nos que não o queriam,
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
pensarem que podem ser menos beneficiados, e se também a utilização não conduz a
uma instrumentalização da pessoa na procura da descoberta a todo o custo, ainda que
favorável ao arguido.
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O artigo 126.º CPP regula métodos proibidos de prova, não falando de métodos
proibidos de interrogatório, pelo que consente uma abertura a proibições fora do
ambiente do interrogatório formal.
O que são homens de confiança?
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
tendo sido provocado por um agente do Estado, o que leva ao surgimento de diversos
caminhos para excluir a sua responsabilidade:
🡺 Situação diferente é aquela que foi tratada no Caso Teixeira de Castro vs.
Portugal:
Portugal foi condenado no TEDH. O que aconteceu foi que dois policias se
abeiraram de pessoas que estavam conotadas como traficantes e
consumidores de droga. Essas pessoas disseram que não tinham droga, mas
que sabiam onde arranjar e dirigiram-se à casa de Teixeira de Castro. Este
disse que não tinha e, após muita insistência, disse que iria arranjar uma
solução e levou-os a um outro local onde conseguiu obter a droga. Teixeira
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
Tem havido uma abertura para aceitar a atuação de agentes infiltrados em crimes
mais graves, mas essa aceitação convive com a consciência que se trata de métodos que
estão na fronteira do engano, daí que o legislador seja muito cauteloso. São meios de
investigação marcados por esta nota de excecionalidade.
O nosso legislador começou por introduzir as atuações infiltradas no âmbito do combate
ao trafico de droga e, depois, estendeu-a à criminalidade económica e financeira. Foi
assim até 2000. Mas no âmbito da cooperação internacional, a PJ podia participar em
operações encobertas organizadas por outros estados, o que não era muito coerente.
Assim sendo, o legislador veio prever o Regime jurídico das ações encobertas para
fins de prevenção e investigação criminal, Lei nº 101/2001. Conhecida como a Lei das
ações encobertas, alarga o âmbito das atuações encobertas a outros crimes e alarga os
modos de atuação permitidos. Entretanto, a Lei do cibercrime alargou ainda mais o
catálogo, permitindo-as também à investigação de crimes em meio digital e que essas
atuações ocorram, aliás, através de meios digitais.
O legislador estabelece requisitos apertados na lei nº 101/2001 principalmente
formais. Tem de estar em causa um crime do artigo 2.º da referida lei. Estes são crimes
graves que se caracterizam por serem particularmente resistentes à investigação, ou seja,
em que as organizações criminosas até internamente controlam a informação partilhada,
daí que uma investigação eficaz necessite da infiltração no meio criminoso. São também
crimes onde existe uma certa complacência das autoridades estaduais, em que os
agentes criminosos conseguem, através da corrupção, evitar a probabilidade de serem
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punidos. Dizem também respeito a crimes sem vítima, onde existe uma parte de todos
os interessados em manter em segredo a atuação criminosa.
Existem outros requisitos de natureza material – artigo 3.º LAE –, sendo que estas
atuações têm de ser:
(1) Adequadas aos fins da investigação criminal e proporcionais à gravidade dos
crimes;
(2) Por outro lado, estabelecem-se regras de competência. As ações encobertas
devem ser autorizadas por uma autoridade judiciária:
a. Magistrado do MP responsável pelo inquérito se já existir inquérito, mas
essa autorização está sujeita a validação por um JIC, validação que pode
ser feita de forma expressa, mas que será tácita se nada tiver sido
proferido no prazo de 72 horas – artigo 3.º nº 3; ou
b. Se ocorrer no âmbito da prevenção criminal, a competência cabe ao
“Ticão” – juiz do tribunal central de instrução criminal sob promoção do
MP – artigo 3.º nº 4.
Uma questão que se coloca é: autorizada a ação encoberta e recolhidas provas, como é
que se introduzem essas provas no processo? Isso supõe a intervenção do agente
encoberto como testemunha ou basta o seu relatório escrito?
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
Artigo 6.º
Isenção de responsabilidade
1. Não é punível a conduta do agente encoberto que, no âmbito de uma ação
encoberta, consubstancie a prática de atos preparatórios ou de execução de
uma infração em qualquer forma de comparticipação diversa da instigação e
da autoria mediata, sempre que guarde a devida proporcionalidade com a
finalidade da mesma.
2. Se for instaurado procedimento criminal por ato ou atos praticados ao abrigo
do disposto na presente lei, a autoridade judiciária competente deve, logo
que tenha conhecimento de tal facto, requerer informação à autoridade
judiciária que emitiu a autorização a que se refere o n.º 3 do artigo 3.º
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
ilicitude excluída;
O legislador faz uma distinção do ponto de vista substantivo que não se entende:
não é mais grave a conduta que instiga ou que atue em autoria mediata do que aquela
que consubstancie a prática de atos preparatórios ou de execução. Isto só faz sentido se
virmos do ponto de vista dos fins processuais probatórios. A ilicitude da conduta está
excluída quando a atuação não configure instigação e autoria mediata e seja
proporcional à conduta.
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senhora tivesse matado os 3 filhos menores, mas esta não prestou quaisquer
declarações. Um informador fez-se passar por um escritor e construiu uma
relação de confiança com ela. Após algum tempo, o agente infiltrado
confessou um crime falso e os contactos entre os dois acentuaram-se. A
senhora acabou por confessar o crime. O Supremo Tribunal Federal Alemão
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A lei não diz quem são as testemunhas, mas diz o objeto da prova testemunhal –
artigo 128.º nº1 CPC. Há desde logo, uma conexão entre este artigo e o artigo 124.º
CPC que define o objeto da prova. Por outro lado, diz-se que a testemunha é inquirida
sobre factos e não sobre convicções pessoais, o seu juízo de valor, opiniões nem juízos
de prognose ou conjeturas.
Há, todavia, situações em que se admite a manifestação de meras opiniões sobre
os factos – artigo 130.º nº 2 CPP:
ainda assim, é de cesure mitigada, algo que se nota por os juízes primeiros serem
chamados a primeiro decidir a questão da culpabilidade e, depois, da sanção.
Manifesta-se também no facto de, havendo dúvidas, no segundo momento,
poder ser reaberta a audiência para se produzir mais prova, no facto dos recursos
poderem ser autónomos entre as questões. E o último aspeto em que se
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
Por fim, a lei diz que as testemunhas são interrogadas pelos factos de que tenham
conhecimento direto, importante quanto a isto o disposto no artigo 129.º CPC –
proibição de depoimento indireto. Este ocorre quando a testemunha se reporta não a
factos que presenciou, mas que lhe foram contados por outra pessoa, sendo uma
narração de uma narração. Para que haja depoimento indireto, não basta que a pessoa se
reporte àquilo que ouviu, sendo preciso distinguir entre relatos que são informativos e
relatos que são performativos. Se aquilo que a testemunha conta no tribunal foi o que
ouviu dizer de outra pessoa, mas se o que essa pessoa ouviu foi expressão de uma
ordem ou ameaça, não é proibido porque o enunciado que ela traz não é informativo, é
performativo – ouvi A ameaçar B dar-lhe uma paulada.
Mas também pode não caber no âmbito da proibição, ainda que caiba no âmbito
dos relatos informativos, situações como a seguinte: A diz em tribunal que B lhe contou
que C tirou dinheiro da caixa registadora em que ambos trabalhavam. Considerarmos
que se trata de depoimento indireto (ou não) depende da finalidade probatória do relato-
se aquilo que se trata é provar o conteúdo da declaração, que C tirou dinheiro da caixa,
o depoimento de A é indireto e temos de chamar B, mas se aquilo que queremos provar
é a existência da declaração em si mesma, que B comete crime de difamação, A é uma
testemunha essencial porque foi quem ouviu a declaração.
O problema deste depoimento é que prejudica o contraditório já que a
testemunha se pode sempre escudar da incompletude da informação que lhe foi
transmitida, afetando-se as garantias do arguido. Por outro lado, também ao juiz
importa fiscalizar a qualidade probatória, daí que também se levantem problemas do
ponto de vista da imediação material já que são muitos os intervenientes na
cadeira de transmissão e que, por isso, não será a melhor prova disponível dos factos.
É preciso compatibilizar esta menor qualidade epistémica com exigências de descoberta
da verdade quando exista a impossibilidade de se aceder ao testemunho principal, daí
que se admitam exceções previstas no artigo 129.º CPC.
Na Alemanha nem sequer se consagra na lei o princípio da imediação ou que
estabeleça limites à impossibilidade de testemunhos de ouvir dizer, o que há é um
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
Artigo 129.º
Depoimento indireto
1. Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz
pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode,
naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas
indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou
impossibilidade de serem encontradas.
2. O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que o depoimento resultar
da leitura de documento de autoria de pessoa diversa da testemunha.
3. Não pode, em caso algum, servir como meio de prova o depoimento de quem
recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através das
quais tomou conhecimento dos factos.
⎯ Quando se fala de anomalia psíquica, também se admite uma amnésia que seja
definitiva.
Mas fica por resolver a questão de saber se é admitido ou não o depoimento de
uma testemunha que se reporta àquilo que lhe contou uma pessoa que, depois, é
arguida no processo, ou seja, informações autoincriminatórias – A contou a B
informações autoincriminatórias. Será que se pode valorar o depoimento de B?
O entendimento maioritário jurisprudencial considera que numa situação como
esta, o tribunal poderia ouvir a testemunha B ao abrigo da exceção do artigo 129.º nº1
parte final já que se A se remeter ao silencio há uma impossibilidade de aceder à
informação. No fundo, estende-se um pouco o âmbito daquela parte final.
Na doutrina temos duas respostas:
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Artigo 131.º
Capacidade e dever de testemunhar
1. Qualquer pessoa tem capacidade para ser testemunha desde que tenha aptidão
mental para depor sobre os factos que constituam objeto da prova e só pode
recusar-se nos casos previstos na lei.
2. A autoridade judiciária verifica a aptidão física ou mental de qualquer pessoa
para prestar testemunho, quando isso for necessário para avaliar da sua
credibilidade e puder ser feito sem retardamento da marcha normal do processo.
3. Tratando-se de depoimento de menor de 18 anos em crimes contra a liberdade e
autodeterminação sexual de menores, pode ter lugar perícia sobre a
personalidade.
4. As indagações, referidas nos números anteriores, ordenadas anteriormente ao
depoimento, não impedem que este se produza.
Qualquer pessoa tem capacidade para ser testemunha, mesmo as que sofram de
limitações físicas ou psíquicas, ainda que em certos casos se justifiquem adaptações.
Até 2018 previa-se uma incapacidade – os interditos por anomalia psíquica não eram
testemunhas capazes. Essa incapacidade foi eliminada no mesmo momento em que se
criou o regime do maior acompanhado, mas ela já era muito discutida antes. Havia um
Acórdão do TC – 359/2012 – que julgou inconstitucionais as normas interpretadas no
sentido de julgarem incapaz uma pessoa interdita por anomalia psíquica que tivesse sido
vítima do crime porque violava o principio da igualdade e o artigo 20.º na medida em
que impedia essa pessoa de fazer prova dos factos do seu processo e que a interdição
não implica necessariamente a capacidade de uma pessoa percecionar os factos e
reproduzi-los inteligivelmente, ainda que não o tenha feito com força obrigatória geral.
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Quanto aos casos em que não há nexo entre as imputações, como não há nexo,
significa que não há coarguidos, isso significaria em princípio que não há impedimento,
mas temos de compatibilizar com a lei. Nos casos em que não há nexo, mas existe
comunhão processual, a hipótese cabe no artigo 183.º alínea a) CPP. Germano
Marques da Silva diz que, se o arguido responde no mesmo processo, mas por pontos
diferentes, é preciso separar os processos, porque só assim se deixa de aplicar o artigo
133.º alínea a) CPP. Ora, Medina de Seiça entende que, não é necessário proceder à
separação de processos, basta que haja uma adequada adaptação processual. Este seria
um ato processual, que não teria sentido útil, estamos a manipular a separação entre
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processos, só para ter impedimento, aquilo que se deve fazer se queremos ouvir A
quanto a B é tomar o depoimento de A e depois esclarecer A de que não é arguido e não
tem de prestar declarações.
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
Por outras palavras, o artigo 132.º nº2 relaciona-se com o direito ao silêncio do
arguido (artigo 61.º nº 1 alínea d)). Este direito representa um minus em relação ao
direto ao silêncio do arguido: não abarca, ao contrário do outro, todo o tema do
interrogatório (o arguido pode recusar-se a declarar, sem mais; a testemunha só se pode
recusar a responder a todas as perguntas); tem de alegar que há um perigo de resultar
das respostas a sua responsabilização penal (o arguido pode até estar inocente, e das
suas respostas não resultar qualquer perigo – mas o arguido tem o direito de não falar,
independentemente dos motivos que o levem à recusa).
Artigo 134.º
Recusa de depoimento
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Nota: O TC já se pronunciou sobre esta matéria (Ac. TC 1/2009), entendendo que não
seria inconstitucional esta interpretação, por não ofender a plenitude de garantias de
defesa do arguido do 32.º nº1 CRP. O TC admite a inconstitucionalidade quando aquele
impedimento seja o único meio de obstar à condenação de um arguido inocente. A razão
de ser do impedimento vale aqui também, e até por maioria de razão.
Artigo 135.º
Segredo profissional
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1ª FaseLegitimidade da escusa
É preciso ver se a pessoa que invoca a escusa é titular de um dever de
segredo devido à sua profissão e se invoca a escusa por causa ou no
exercício da profissão (não há sigilo quando um advogado está a
passear e vê um roubo em plena luz do dia, por exemplo). Se se concluir
pela ilegitimidade da escusa, o tribunal pode determina-se a prestação de
depoimento, só que a determinação no sentido de se prestar depoimento
tem de ser feita por um juiz – artigo 132.º nº 2 CPP. Vamos imaginar
que a questão surge no julgamento aqui é o juiz que intervém sendo ele
também a intervir na determinação de prestação de depoimento, mas se
se tratar da fase de inquérito, a autoridade judiciaria é o MP, que não tem
competência para ordenar, tendo de se pedir ao juiz de instrução que
ordene. Se a escusa for legítima passa-se ao segundo momento que é o
de verificação da justificação da escusa.
2ª FaseVerificação da justificação da escusa
Pode a escusa ser legítima e não ser justificada. Temos de ver se ela é
justificada à luz do princípio da prevalência do interesse preponderante,
nos temros do artigo 135.º nº 3 CPP. Se a questão se coloca na 1ª
instância e se verifica que a escusa é legítima, o processo tem de seguir
para a Relação para averiguar da justificação da escusa para ver se há
fundamento ou não para a quebra do segredo profissional. Para além
disto, o legislador também manda atender ao organismo representativo
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(1) Ocultação da imagem e distorção da voz – artigo 4.º: esta possibilidade existe
seja qual for a gravidade do crime praticado. A ocultação da testemunha consiste
na colocação de barreiras físicas ou utilização de máscaras ou perucas que
impeçam o reconhecimento da testemunha. A adoção destas medidas é
problemática, no sentido em que são pouco eficazes já que a mera ocultação da
face da testemunha pode não ser suficiente, sendo preciso a ocultação da sua
identidade também, sendo que se bastasse a ocultação da fisionomia bastava
excluir a publicidade da audiência. E há o perigo que resulta da fragilização do
princípio da imediação e da eficácia do contraditório já que, em virtude dos
objetos físicos que ocultam a sua fisionomia, a fonte de informação não verbal
que ajudam na formação da convicção do juiz perde-se. Atente-se, ainda, ao
disposto artigo 14.º.
(2) Teleconferência ou videoconferência: só está prevista para situações em que
seja competente o tribunal coletivo ou de júri. Na teleconferência a imediação
não está afetada, em princípio. Isto porque, se pensássemos de um ponto de vista
literal, este princípio estaria a ser violado, mas a leitura que se faz deste
princípio é no sentido de que este apenas se destina a conferir condições ao juiz
de proximidade comunicante para que ele possa, da melhor forma, fazer a
avaliação das variáveis não verbais. Ora, se o sistema funcionar devidamente, a
imediação não fica prejudicada. Agora, claro que não é tão fácil exibir à
testemunha documentos, por exemplo. Pelo que existem limitações, mas não
tantas como as que vimos em (1). Também as pessoas que residam foram da área
da comarca do depoimento a prestar, podem recorrer a este meio nos termos do
artigo 502.º CPP, sendo que aqui a razão subjacente é o inconveniente pessoal
ou profissional para a testemunha (neste caso não está dependente da gravidade
do crime).
(3) Anonimato da testemunha (reserva de conhecimento da identidade da
testemunha) – existem pressupostos (artigo 16.º):
a. O crime tem de constar de um determinado elenco – Artigo 16.º alínea a)
enuncia um catálogo de crimes. Este catálogo foi sendo alargado em
2008 às situações em que se investiguem crimes contra a vida,
integridade física, liberdade das pessoas, liberdade ou autodeterminação
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valoração. Temos o artigo 19.º nº2 em que se inclui uma exigência de corroboração,
não no sentido de existir uma fonte de prova independente que confirme ponto por
ponto aquele depoimento, mas no sentido de confirmar parte do relato de modo a
permitir inferir que a parte não confirmada é verdadeira. Mas se se tratar de uma
testemunha anónima que possa conduzir à absolvição do arguido, essa exigência não é
já necessária, ainda que o juiz deva, ainda assim, ser cauteloso com a atribuição do peso
probatório do depoimento anónimo.
Uma outra questão que se coloca é a de saber se uma testemunha anónima pode
ser um elemento de corroboração de outra testemunha anónima – não pode até para se
evitar um eventual pacto entre testemunhas anónimas, sendo que é mais provável um
pacto entre testemunhas cuja identidade não é conhecida.
Mas o legislador parece exigir uma corroboração qualificada, pelo menos essa é
a prática do TEDH – ou seja, exige-se que o relato que venha a ser confirmado seja
obrigatoriamente o relativo à autoria, relativo à imputação dos factos aos arguidos.
Se não estiverem preenchidos os requisitos do artigo 16.º, mas a testemunha ou
os seus familiares correrem perigo, o Estado deve renunciar ao contributo probatório da
testemunha.
Prova por declarações do arguido: artigo 140.º CPP
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Ter direito a não declarar significa, desde logo, que o arguido não pode ser
coagido pela força, algo que violaria o artigo 126.º CPP. Mas, em relação ao arguido,
acresce ainda uma outra dimensão: não pode ser obrigado, sob ameaça de sanção
jurídica, a prestar declarações, ao contrário do que acontece com as testemunhas dado
o previsto no artigo 360.º CP que não prevê como sujeito o arguido. Em consonância
com isto o artigo 140.º nº3 CPP diz-nos que o arguido não presta julgamento.
Há outras dimensões que o nosso ordenamento reconhece, mas que não o são
noutros ordenamentos. O direito à não autoincriminação tem uma dimensão negativa,
pelo que não lhe dá o direito de fazer coisas, entre elas mentir. É certo, porém, que o
nosso ordenamento jurídico não pune com falsas declarações o arguido que minta, mas
fá-lo por uma razão político-criminal, por uma ideia de inexigibilidade, e não por
exigência do direito ao silêncio. Noutros ordenamentos, porém, se o arguido decidir
declarar e as prestar incorrendo em falsidade comete crime de perjúrio.
O direito à informação sobre o direito ao silêncio decorre do artigo 61.º nº1
alínea h) CPP. Se a informação não for prestada, seja qual for o interrogatório em que
essa omissão é cometida, a consequência é a proibição da valoração das declarações
prestadas – artigo 58.º nº 2 + 61.º nº 1 d) + 58.º nº 5 CPP.
O legislador quis evitar que a valoração do silêncio pudesse servir como
uma forma de punir o arguido por se recusar a declarar, daí que nos artigos 343.º
nº1 e 345.º nº1 CPP se estabeleça uma proibição de valoração do silêncio, quer este seja
total ou parcial. No direito inglês, note-se, admite-se em alguns casos a valoração
desfavorável do direito ao silêncio, pelo que esta dimensão também não é universal.
Dizer-se que o arguido tem direito ao silêncio e que este não pode ser valorado contra si,
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não significa que o juiz esteja obrigado a atribuir o mesmo valor a declarações
completas e coerentes sobre os factos e a declarações lacunosas – isso não significa
valorar desfavoravelmente o silêncio, o que se está a valorar são as declarações.
Fala-se também de uma proibição de valoração do silêncio temporário – o
arguido pode durante toda a marcha processual remeter-se ao silêncio e só no final, já na
audiência de julgamento, pedir para falar. Contudo, mais uma vez, isso não significa que
tenha de dar o mesmo valor às declarações prestadas antes ou depois da produção de
prova. O tribunal tem de agir, para todos os efeitos, partindo da consideração de que o
arguido não prestou antes porque não pode e não porque acredita tratar-se de uma
estratégia processual.
ativa que não podem ser impostas ao arguido contra a sua vontade e
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🡺 Em Portugal:
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O arguido não pode ser obrigado a falar da matéria de imputação, mas pode falar
se quiser, pois os seus contributos são relevantes. Quando o decide fazer – falar sobre a
sua imputação – tem de o fazer observando as regras previstas para a tomada de
declarações do arguido, pois existe um impedimento de declarar como testemunha. Há
uma clara delimitação e infungibilidade de papeis processuais porque se quer
salvaguardar a liberdade de declaração do arguido e esta faz-se salvaguardando o direito
de não responder a perguntas se assim o entender.
Ora, o regime da prestação de declarações do arguido está presente nos artigos
141.º e ss. CPP e, especificamente, quanto ao julgamento nos artigos 342.º a 345.º CPP.
Se se tratar do inquérito ou da instrução, o arguido é primeiro perguntado
pela sua identificação, estando obrigado a responder e a responder com verdade – artigo
359.º nº2 CP. Se repararmos este artigo só recrimina as declarações falsas do arguido
quanto à sua identificação e não a sua recusa de declarar. Em face disto, temos 3
posições:
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Então, como já adiantamos, o arguido é informado sobre os factos que lhe são
imputados, sendo informado dos seus direitos processuais e pode, querendo-o, prestar
declarações. Decidindo fazê-lo, fá-lo-á na qualidade de arguido, o que implica as
seguintes diferenças face ao regime da prova testemunhal:
⎯ Artigo 344.º CPP: O quê que acontece se o arguido confessar? Mesmo com
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
⎯ Mas, para além de poder declarar assumindo a sua própria imutação, o arguido
Obviamente, que terão um valor mais diluído já que é mais fácil mentir
para eles já que não prestam juramento, não é criminalmente sancionado se
mentir, etc.
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⎯ O Yes Effect: a tendência que existe para que as pessoas colaborem com as
⎯ Deja vu: sensação do que estamos a viver no momento já aconteceu antes. Pode
alguém achar que reconhece alguém que nunca viu antes. A pessoa é familiar,
mas não num contexto criminoso, mas o sujeito ativo imputa-lhe a prática de um
crime, por via de uma deslocação inconsciente da memória;
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
⎯ Dificuldade que cada um de nós tem de conhecer diferenças entre pessoas muito
Artigo 147.º
Reconhecimento de pessoas
1. Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer
pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva,
com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe
perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é
interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade
da identificação – a descrição tem uma tripla função:
a. Avaliar a capacidade percetiva do sujeito ativo. Quer-se verificar se há
correspondência entre a pessoa que o sujeito ativo descreve e o sujeito
que as autoridades identificaram. Usam-se figurantes – deve haver uma
correspondência com a que é feita pelo sujeito ativo. Embora a lei diga
que os figurantes devem ter as maiores semelhanças com um suspeito e
não propriamente com a descrição feita pelo sujeito ativo, o ideal é que
haja coincidência entre estas três figuras, a descrição, figurante e
suspeito.
b. Pergunta-se ao sujeito ativo se já tinha visto a pessoa antes e em que
condições. O objetivo é despistar contaminações da memória. Se é
alguém sobejamente conhecida, como o homem do café ou o homem do
talho, não há necessidade de prova por reconhecimento. Por exemplo, o
reconhecimento não é feito nos primeiros momentos de inquérito e a
testemunha já foi chamada a prestar declarações e por acaso cruza-se
com o suspeito e diz que viu no momento do crime e no tribunal, é
indesejável que isso aconteça, porque há um efeito de contaminação da
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
Ainda assim, mesmo com estas garantias, a prova por reconhecimento é falível.
O reconhecimento deve ter lugar o mais cedo possível após a ocorrência dos factos,
preferencialmente, na fase de inquérito. Mas a lei não impede que o reconhecimento
seja feito na fase de Julgamento.
Mas coloca-se a pergunta: se o reconhecimento for feito no Inquérito, pode
valer como prova no Julgamento? Sim e não deve ser repetido. Aliás, a prova por
reconhecimento é, por natureza, irrepetível. Há um congelamento da memória. Não
convém repetir o reconhecimento.
Mas isso não prejudica o princípio da imediação de acordo com o qual todas
as provas que o juiz conhece devam ser produzidas em Julgamento? Não porque esta
é uma prova pessoal. Estas informações não verbais são decisivas. A fiscalização da
fiabilidade do reconhecimento não depende das informações verbais. Desde que o
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
Diz-se que na reconstituição do facto, é mais útil a sua exclusão negativa. O que
é mais relevante neste meio de prova é excluir todas as situações que não são possíveis
naquele caso. Exemplo: se, pelo local onde se encontrava a testemunha, era impossível
que se tivesse visto o crime, então o reconhecimento da testemunha não pode ser
valorado. Mas também podem servir as verificações positivas.
Trata-se, portanto, da verificação experimental ou empírica de uma
determinada hipótese sobre os factos. Não se trata de provar se os factos aconteceram
de uma determinada maneira, mas apenas verificar se os factos poderiam ter acontecido
dessa maneira, daí que tenhamos dito que as verificações negativas são as mais uteis já
que se se concluir que as coisas não poderiam ter acontecido de uma determinada
maneira, afasta-se a suspeita da sujeito em causa. Mas, se se conclui que podia ter
acontecido dessa forma, isso não significa ipso facto que sucederam assim, será preciso
outros meios de prova que mostram que podendo acontecer assim aconteceram na
verdade assim.
que constem da tese da defesa. Por exemplo, no caso joana, fez-se prova por
reconstituição do fato para saber se era possível desmembrar o corpo de uma
criança e ver se o corpo assim cabia na caixa de baixo do frigorifico;
credibilidade de uma fonte de prova. Por exemplo, uma testemunha que estava
em confinamento e passava as tardes em casa e diz que viu tudo da janela,
pode-se fazer prova por reconstituição de facto para saber se daquela janela era
possível que a testemunha visse tudo.
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
A reconstituição do facto tem estas finalidades. Não pode ter outras de forma a
não se contornar o seu fim legal (antigamente, quando não era permitido ler declarações
anteriores, este meio de prova era uma forma de contornar a proibição de leitura de
declarações anteriores; faziam-se reconstituições do facto que não eram mais do que
interrogatórios ao arguido disfarçados de reconstituições de facto). Não serve para
cristalizar declarações e, por isso, é irrelevante que o arguido ou não colaborem na
reconstituição do facto.
Nota: Pode-se valorar as declarações do arguido prestadas no inquérito na audiência
mesmo que este se remeta ao silêncio, desde que se verifique os requisitos do artigo
357.º nº1 b) CPP.
Só pode ter lugar nas circunstâncias do artigo 151.º CPP: “a prova pericial tem
lugar quando a perceção ou a apreciação dos factos exigirem especiais
conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos”. Significa que, a prova pericial só
tem lugar quando a apreciação de factos reclamar esta categoria especial de
conhecimento e sempre que isso aconteça tem de se dar esta prova, mas sempre que os
requisitos deste artigo se verifiquem, este meio de prova é obrigatório e não pode ser
substituído por outro, sendo que se for substituída por outra essa vai ter um menor valor
epistemológico. Há casos em que o legislador é mais cauteloso e expressa essa
obrigatoriedade:
Quando a matéria não exija especiais conhecimentos não se deve pedir a prova
pericial, porque esta tem um valor probatório reforçado, vincula especialmente o juiz.
Ora, não faz sentido que o juiz fique especialmente vinculado quando a apreciação de
determinados factos não reclame conhecimentos especiais.
Assim, a perícia reconstitui uma limitação à livre apreciação do juiz. Este
submete aos peritos o conhecimento de factos de que não é capaz de conhecer. Por isso,
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
O que é que está subtraído à livre apreciação do julgador? Toda a matéria sobre a
qual o perito se debruce ou só parte?
Tudo aquilo que seja juízo técnico, científico ou artístico. O juiz pode
divergir, desde que fundamente a divergência. Tem é de ter os mesmos conhecimentos
que o perito para o fazer. Maior parte das vezes, não acontece isto. Por isso, quando
fundamenta, deve basear-se noutra perícia já feita ou num erro que encontra no
relatório, como por exemplo, quando a base factual valorada está equivocada.
Por outro lado, a vinculação não existe na parte em que os peritos se
pronunciam sobre questões estritamente jurídicas. Por exemplo, na questão da
imputabilidade, o juízo do perito só vincula o juiz na perante da dimensão psicológica, e
mesmo nessa parte o juiz pode divergir desde que fundamente com base no artigo 163.º
CPP.
O modelo português é um modelo de perícia oficial e não de perícia
contraditória (diverge do processo civil nisto). Ou seja, quem faz a perícia são,
essencialmente, laboratórios, institutos ou universidades públicas. Excecionalmente,
podem ser feitas por entidades privadas. Isto prende-se também com a ideia de que a
Ciência é neutra. Qualquer perito, ainda para mais quando indicado pelo Estado,
chegará ao resultado.
Mas nós sabemos que isto não é sempre assim. Por isso, o legislador também
previu o contraditório e exigiu consultores técnicos, referidos no artigo 155.º CPP.
Como é que o contraditório se exerce? Havendo divergências no plano
científico, o contraditório faz sentido. A prova pericial, ordenada pelo tribunal não tem
valor absoluto. Ora, este contraditório é exercido pelos consultores técnicos, que são
ordenados pelos sujeitos processuais e acompanham a realização da perícia, podendo
apreciar o relatório processual, fazer questões, entre outros. Ainda assim, é um
contraditório limitado.
Claro que, também há outras garantias do relatório pericial, os peritos estão
sujeitos a um regime de impedimentos semelhantes aos dos juízes, aplicando-se a
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Os meios de obtenção de prova não têm uma direta finalidade probatória, apenas
se destinam a obter vestígios e informações que poderão ser valoradas pelas autoridades
judiciais no momento de decidir os factos.
Os meios de obtenção de prova são o domínio onde a pressão do progresso
tecnológico e científico é maior, sendo mais provável o surgimento de provas atípicas.
Mesmo que consideremos os meios de obtenção de prova que o legislador já refere
veremos que esses meios são geneticamente indeterminados. Por exemplo, os exames
podem incidir sobre as pessoas, coisas e lugares e o legislador estabelece quem tem a
competência para determinar a sujeição a exames e também estabelece de forma muito
ampla quem se vai submeter, mas não estabelece em concreto as técnicas que devem ser
usadas no exame. Por exemplo, quando à análise de vestígios de prova, o legislador não
diz como fazer, sendo um meio geneticamente indeterminado.
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
A lei regula os exames. Mas depois não tipifica os exames quanto ao seu modus
operandi, quanto ao seu fim, etc. A lei fala dos exames nos artigos 171.º e ss. Os
exames podem ter uma de duas finalidades – artigo 171.º nº1 CPP:
⎯ inspecionar “os vestígios que possa ter deixado o crime”;
⎯ inspecionar “todos os indícios relativos ao modo como e ao lugar onde foi
praticado, às pessoas que o cometeram ou sobre as quais foi cometido”;
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
O artigo 173.º CPP, por sua vez, diz-nos quem pode assistir ao exame,
determinando que certa possa não se possa afastar do local do exame.
O artigo 172.º nº 2 também remete para o artigo 156.º nº 7 que, por sua vez,
determina a destruição de uma série de vestígios, o que se relaciona com a possibilidade
de criar uma base de dados de perfis genéticos:
⎯ A informação que se obtém a partir do genoma pode ter múltiplas finalidades.
Pode ser importante para efeitos de seguros ou relações laborais. Mas temos de
proteger a intimidade genética. Por outro lado, temos de proteger
a autodeterminação informacional. A lei já regula estas bases de dados, mas
estas têm muitos requisitos. O artigo 156.º nº 7 pretendeu evitar a criação de
base de dados ad hoc, ou seja, fora das situações em que a lei previu esta
criação.
Se a pessoa não consentir e resistir fisicamente, neste caso que medida é que
é legitima usar para compelir a pessoa a realizar o exame? Artigo 172.º nº 1 CPP, a
pessoa pode ser compelida a realizar. Há uma corrente doutrinal que apenas entende que
é possível a vis descompulsiva, para a Professora é também de usar a vis absoluta
(utilização da força física), desde que se respeite o pedido da proporcionalidade.
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
juiz por causa do artigo 32.º nº 4 CRP), através do recurso à força física, desde que se
respeite o princípio da proporcionalidade sob pena de se violar o artigo 126.º CPP.
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O artigo 177.º nº 3 CPP diz-nos que as buscas podem ser ordenadas pelo MP ou
efetuadas pelo OPC.
Importa ver o nº 4 em que se faz um paralelismo com o artigo 174.º nº 7. No
caso das buscas domiciliárias, a validação a que a lei se refere é sempre a validação do
juiz porque este é quem pode, em princípio, autorizar as buscas. E é exigível em
qualquer das situações enunciadas. É exigível não apenas quando a busca seja feita por
um OPC mas também quando é feita pelo MP. A competência, em princípio, para
autorizar é do juiz; mas aquelas que forem feitas (permitidas por lei) por outros órgãos,
necessitam de validação judicial.
⎯ Validade da prova:
A lei diz que a busca deve ser feita durante o dia sob pena de nulidade. A
consequência na verdade não é a nulidade mas sim uma proibição de prova porque
quando se viole formalismos que são projeção dos parâmetros constitucionais, a sanção
é a proibição e não a nulidade.
Exige-se um mandado do juiz. Esse tem de seguir algumas formalidades, como
as previstas no artigo 176.º CPP. O mandando é emitido em triplicado, é entregue à
pessoa que assiste à diligência ou a algum vizinho. Quando essas formalidades não são
cumpridas, sanciona-se. Aqui, já será uma nulidade.
Também podem existir buscas em escritórios de Advogados ou de Médicos.
Essas buscas estão reguladas no mesmo artigo mas seguem formalidades diferentes. O
juiz tem de presidir à busca nestes casos. É preciso que esteja presente o representante
da ordem dos médicos consoante os casos. Este regime especial das buscas também se
aplica por remissão legal a outros domicílios especialmente protegidos.
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
que deve ser seguido, o regime das apreensões ou o regime do arresto preventivo. A
resposta depende da finalidade a que se destina apreensão.
Por outras palavras, a apreensão com vista a uma futura perda para o Estado
traduzem uma intromissão relevante nos DF, pelo que terá de ser autorizada pelo juiz-
artigo 32.º nº 4 CRP –, pelo que a lei das apreensões será inconstitucional por violar
aquela norma. Como é que podemos interpretar a norma de modo a compatibilizá-la
com aquele regime do arresto preventivo e a salvá-la do juízo de
inconstitucionalidade?
Quando se trate de apreender instrumentos ou produtos de crimes que são
perigosos em si mesmos, pretendendo-se a sua futura destruição (armas, droga…), o
regime é, a ver da Professora, o das apreensões e não haverá nenhuma
inconstitucionalidade. Mas se se trata de apreender vantagens de crime – dinheiro
depositado num paraíso fiscal que se suspeita ter sido obtido de tráfico de droga – o
regime terá de ser o do arresto preventivo ou da lei do cibercrime cuja autorização é da
competência do juiz.
Portanto, temos então uma separação de águas que salvaguarda a
constitucionalidade do regime a ver da Professora.
Supõe-se que os objetos apreendidos sejam juntos ao processo, mas por vezes
isto não é possível, sendo confiada à guarda de um funcionário de justiça e ficando
depositada em local próprio.
⎯ O artigo 178.º nº 6 prevê o prazo para validação por autoridade judiciária das
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
⎯ Diz-se que quando se faça uma apreensão nesses locais, não é permitida a
apreensão de documentos abrangidos por segredo profissional, salvo se eles
constituírem elemento de um crime. Pode tratar-se de um crime cometido pelo
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
O CPP tem uma norma de extensão no artigo 189.º nº 2, mas a maior parte dessa
norma foi revogada pela entrada em vigor de outras normas como a lei do cibercrime e a
Lei nº 32/2008. De todo o modo, este regime das escutas é o regime padrão das
intromissões nas telecomunicações que estão agora dispersas por aquelas leis.
Existe um regime protetor por causa da sua “especial danosidade social
polimórfica”, nas palavras de Costa de Andrade, isto quer dizer que o é por causa da
especial invasibilidade das escutas quer no plano objetivo (ponto de vista dos direitos
fundamentais atingidos), quer no plano subjetivo de Direitos Fundamentais (a amancha
de animosidade das escutas tem tendência para se alastrar).
O direito ao sigilo das telecomunicações tem de ser especialmente protegido de
modo a se tutelar a confiança dos utilizadores destes serviços dado o específico perigo
que deriva das telecomunicações servem mediadas por um terceiro operador. Outro
Direito fundamental posto em causa é o direito à palavra – artigo 26.º CRP – que
emergiu da tutela da reserva da vida privada- quando se fala neste direito, o que se
pretende referir é que a circunstância das escutas implicarem a gravação de palavras
orais e que se destinam a ser transmitidas, implicam uma certa descontextualização e,
nas palavras de Costa Andrade, “falsificação da personalidade”. O detalhe que se
extrai de uma conversa que se destina a determinada pessoa num determinado contexto
pode levar à sua descontextualização.
Outro direito importante é o direito à autodeterminação informacional que se
extrai da reserva da vida privada, sendo que cada nova utilização da informação implica
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
um novo ataque à visa privada, daí que cada vez que se escutem conversas existe uma
violação desse controlo do uso da informação.
Por fim, poderíamos invocar o direito à não autoincriminação já que no
interrogatório se protege muito o arguido, mas depois se usam escutas que se destinam a
obter informações autoincriminatórias baseando-se no erro do arguido quanto à
confidencialidade da conversa:
⎯ Costa Andrade diz que, deste ponto de vista, ainda é mais grave do que no
⎯ Mas a Professora considera que não existe este conflito já que o direito à não
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
▪ Requisitos subjetivos:
Quanto ao âmbito subjetivo das escutas, o legislador quis limitá-lo
positivamente no artigo 187.º nº 4 CPP. Prioritariamente, o legislador quis que estas se
dirigissem ao suspeito ao arguido, ainda que o telefone não esteja registado em seu
nome, mas se suponha que seja utilizado por si.
Quando se permite as escutas ao intermediário de notícias, que pode não o ser
dolosamente, também se pretende escutar, indiretamente, as conversas do arguido. Ou
seja, também na alínea b), indiretamente o que está em causa é o arguido ou suspeito
como alvo das escutas.
O consentimento da vítima pode ser presumido. Também há situações em que o
consentimento é efetivo, mas a questão aí é mais controversa: entre nós, as ações
encobertas são realizadas por inspetores da PJ ou terceiros sobre o comando de
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
inspetores da PJ. Mas na Alemanha os particulares não podem ser agentes encobertos,
uma impossibilidade que levou a que as autoridades recorressem às escutas das vítimas,
o que coloca as autoridades de investigação penal na fronteira do engano- deveria
aplicar-se as regras das ações encobertas e não das escutas telefónicas já que, neste
segundo caso, não há uma intromissão do Estado no conteúdo das comunicações.
Ou seja, entre nós, para situações como esta, o regime deve ser o das ações
encobertas. Assim sendo, esta possibilidade que se levanta aqui pressupõe que não deve
haver nenhuma intervenção da vítima no teor da conversa – a ideia não é que a vítima
direcione a conversa de maneira a obter uma confissão como vemos nos filmes.
Note-se o seguinte: o legislador parece um pouco ingénuo ao querer parecer
tentar restringir os alvos, mas esta norma não é completamente inútil porque delimita,
pelo menos, a sua utilização relativamente a situações em que sejam incertos os alvos.
Interessa também, no artigo 187.º nº 5, uma delimitação negativa. Já falamos
disto a propósito da apreensão de correspondência e vimos que é uma manifestação do
princípio da plenitude da defesa, cuja concretização necessita da salvaguarda do sigilo
das comunicações entre o arguido e o seu defensor. Não está em causa a simples tutela
do segredo profissional, mas sim de assegurar a funcionalidade da defesa, daí que Costa
Andrade entenda que se deva estender a solução a outros profissionais. Se olharmos
para o artigo 188.º nº 6 alínea a) CPP encontramos os requisitos para que as escutas
possam ser destruídas. A ver da professora este regime não vale para outros titulares do
segredo profissional.
A tutela que é oferecida pelo artigo 134.º destina-se a evitar um conflito de
lealdades, daí que nada obste à realização das escutas, pelo que se entenda que não se
estende o regime deste nº 5 àqueles sujeitos que não podem ser obrigados a
testemunhar.
Quando se suspeite que o defensor é comparticipante na infração imputada ao
arguido ou que tenha praticado outros crimes de catálogo, pode, portanto, também ele
ser alvo de escutas.
Esta proibição não é apenas de realizar escutas, mas também de valorar escutas.
Daí que, estando o arguido sobre escutas, mas ouvindo-se uma conversa entre este e o
seu defensor fortuitamente, esta não deve ser valorada.
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
Antes importa atentar ao prazo do artigo 187.º nº 6 CPP. Neste novo artigo
importa sublinhar que o juiz não intervém só no momento da autorização, devendo
intervir mesmo ao longo da utilização das mesmas – nº 3 e nº 4.
Para quê que servem estas disposições? Em relação ao MP, este deve ter
conhecimento das escutas para orientar as investigações. Quanto ao juiz, devem ser-lhe
dadas a conhecer para que o juiz decida se elas se devem manter, devem ser feitas cessar
ou se, eventualmente, se deve reduzir os seus alvos.
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
De acordo com o artigo 188.º nº 9 CPP, o arguido pode pedir para transcrever as
conversações para ajudar na sua defesa. Quanto à acusação, só podem valer as
conversações que o MP manda transcrever.
Levanta-se uma outra questão: o que fazer quando as normas sobre as escutas
telefónicas são violadas?
O legislador aponta para a nulidade (artigo 190.º CPP), mas também manda
distinguir entre violações que levam a uma invalidade processual típica ou a uma
proibição de prova. Ora, faremos isso, portanto:
⎯ Quando se violam formalidades que não se prendem com violação da CRP,
temos invalidades processuais típicas;
⎯ Pelo que no caso das violações do artigo 187.º temos proibição de prova.
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Temos de falar também dos dados de base: Muitas vezes, tenta-se apenas aceder
aos dados do subscritor do serviço. Nesse caso, o regime aplicável é o do artigo 14.º Lei
Cibercrime. Que relevo tem a aplicação deste artigo?
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
Em síntese:
1) Correio eletrónico – artigo 18.º da Lei do Cibercrime;
2) Correio eletrónico que se encontra guardado em suporte digital do
utilizador – artigo 17.º da LC;
3) Quanto aos dados de tráfego:
▪ Guardados – Lei 32/2008
▪ Em tempo real – LC (artigo 18.º)
4) Dados de base ou de subscritor – artigo 14.º LC, sendo que quanto aos
dados de base esta revogou a lei 32/2008.
5) Dados de localização celular:
▪ Armazenados – Lei 32/2008
▪ Em tempo real – CPP
O processo penal é uma dinâmica que vive dos impulsos que certas pessoas dão.
Esses impulsos designam-se atos processuais, sendo esses atos que, tendentes a uma
decisão final de caso julgados, iremos agora estudar.
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▪ Acusação;
▪ Decisão instrutória;
▪ Contestação;
▪ As sentenças;
indemnização civil.
O artigo 96.º diz que os atos decorrem oralmente- princípio da oralidade. Mas
pode haver documentação dos atos, desde que sirva uma função preparatória da decisão
ou instrumental. Como é que se faz a documentação dos AP?
Faz-se em auto. Quando o auto diz respeito ao debate instrutório ou à audiência
de julgamento, toda a designação de ata – artigo 99.º nº 2.
⎯ Na fase de inquérito rege o artigo 275.º, parecendo que o MP pode escolher o
quê que documenta ou não. Esta interpretação não é, porém razoável, devendo
entender-se antes que só não é obrigatória a documentação as diligencias que
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limite de jurisdição, é por via de mandato. Se for dirigido ao estrangeiro, já não é carta
precatória, mas rogatória.
⎯ Quando se interpõe recurso, ele pode ser admitido ou rejeitado. Esta decisão de
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
⎯ Atos inválidos mas eficazes: todos os atos inválidos produzem efeitos até que a
Em relação às invalidades:
O nosso ordenamento jurídico estabelece um regime de invalidades
progressivas, pressupondo que, apesar do modelo da invalidade ser unitário, os atos
inválidos são alvo de tratamento distinto que se justifica pelos diferente interesses
afetados- de obter a paz jurídica (só os mais grosseiros devem ser sancionados) e de
garantia dos direitos fundamentais das pessoas (supõe que todos os desvios sejam
sancionados com invalidade).
De acordo com um princípio de proporcionalidade e de modo a obter um
equilíbrio entre aqueles interesses conflituantes, temos 3 espécies de invalidades:
⎯ Nulidades absolutas ou insanáveis;
⎯ Nulidades relativas ou sanáveis;
⎯ Meras irregularidades.
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
🡺 As nulidades insanáveis têm de estar previstas na lei como tal, como já vimos.
São as previstas no artigo 119.º CPP, mas também existem outras normas que o
preveem ao longo do Código – artigo 321.º nº 1 CPP. Se atentarmos àquele
artigo, aquilo que, de forma geral, justifica as nulidades insanáveis é a falta de
algum dos protagonistas processuais – Tribunal, MP e arguido/defensor.
Se compararmos a alínea f) do artigo 119.º CPP com a alínea a) do nº 2
do artigo 120.º, importa determinar qual é o âmbito de aplicação de cada uma
das alíneas: Se a lei impuser a utilização de uma forma comum e for aplicada a
forma especial, a nulidade é insanável. Se for ao contrário, é sanável. Isto é
assim, porque a forma comum é mais garantista, está pensada para crimes mais
graves.
🡺 As nulidades sanáveis, por sua vez, ligam-se aos demais sujeitos processuais
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
⎯ Alínea a): Se se tratar de uma nulidade num ato a que o interessado assista o
vicio deve ser arguido no decurso do próprio ato, deve ser arguido antes que o
ato esteja terminado.
Ora, se se tratar de uma audiência de julgamento que tenha várias sessões
tem se entendido que arguição deve acontecer na sessão em que o vicio ocorreu,
o sujeito processual não deve aguardar para a audiência de julgamento a
arguição de nulidade, esta deve ser arguida na sessão em que se produziu, por
motivos de lealdade na relação entre os sujeitos processuais. Isto é, o legislador
não quer que se guarde para o fim como um trunfo, ele quer que haja uma
relação de transparência entre os sujeitos processuais.
A arguição deve fazer-se no próprio ato, mas é preciso que a nulidade
seja cognoscível e às vezes não é. Por exemplo, vamos imaginar que trata de
uma nulidade resultante da documentação da audiência de julgamento (a
violação do artigo 363º CPP gera uma nulidade sanável), porque o sistema de
gravação não estava a funcionar corretamente e o funcionário judicial não deteta
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
⎯ Alínea b): não faz sentido ser a alínea b), pelo que estamos perante um lapso e o
que o legislador pretendia dizer era “alínea a)”. Não faria sentido que tivesse de
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
ser arguida a nulidade até 5 dias depois da notificação porque nessa altura ainda
não se sabe se a nulidade se vai verificar, visto que esta está dependente da
ausência do não notificado;
nulidade deve ser arguida até ao encerramento do debate instrutório ou, não
havendo lugar à instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que
tiver encerrado o inquérito. Esta norma merece alguma reflexão:
o O primeiro aspeto prende-se com a oportunidade das nulidades do
inquérito ou instrução serem arguidas depois de encerrado o inquérito ou
instrução. Esta solução fazia sentido na versão originaria do CPP, porque
o inquérito era obrigatoriamente sujeito a segredo de justiça interno e
externo e portanto, sendo o inquérito sujeito a segredo de justiça a
faculdade de consulta de autos por parte do arguido estava muito
limitada e se não podia consultar os autos, não podia aperceber-se das
nulidades processuais e assim sendo, não estava em condições de as
arguir, por isso é que fazia sentido que as pudesse arguir depois de
terminado o inquérito, no prazo de cinco dias depois do despacho que
terminava o inquérito no caso de não querer abertura de instrução. Se
fosse requerida a abertura de instrução o prazo seria até ao encerramento
do debate instrutório. Este raciocínio vale para o assistente e partes civis.
Atualmente tanto o inquérito como a instrução são públicos, sendo assim
faz sentido que se possa aguardar pelo fim das fases processuais para que
se possa invocar nulidades processuais que são cognoscíveis? Talvez já
não faça sentido.
o Mais discutível que o primeiro motivo é o prazo. Pois o prazo não devia
de ser de cinco dias. Na versão originaria do código o prazo para requer
abertura da instrução era de cinco dias, portanto, o que acontecia era que
encerrado o inquérito quem quisesse arguir uma nulidade processual
podia fazê-lo no mesmo prazo de que beneficiava para requer a abertura
de instrução. Se pretendesse requerer a abertura da instrução a nulidade
seria conhecida na fase da instrução que se abriria. O prazo para reabrir
instrução atualmente é de 20 dias, por isso não faz sentido que o prazo
para arguir nulidades seja de cinco, porque provavelmente quem quiser
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
arguir uma nulidade tendo deixado transcorrer o prazo de cinco dias vai
requer a abertura da instrução para que seja conhecida a nulidade. Por
isso, o prazo para arguir as nulidades deveria ser de 20 dias, para que não
se abra uma fase processual só para arguir uma nulidade que podia ter
sido arguida em momento separado. Estes prazos são especiais qualquer
situação que não esteja comtemplada aqui obedece ao prazo geral que é
de 10 dias – artigo 105 CPP. No processo penal o prazo para a prática de
qualquer ato é de 10 dias.
As irregularidades processuais:
Importa, desde logo, o artigo 118.º CPP – ou o interessado assiste ao ato e tem
de arguir a irregularidade no mesmo ou não assiste e tem de o fazer nos 3 dias seguintes.
Importa também o artigo 123.º nº 3 CPP. Existe uma cláusula geral, daí que estas não
estejam sujeitas a um princípio de taxatividade- qualquer desvio ao previsto, se não
cominado com nulidade, corresponde a uma irregularidade. Estas podem, ainda, ser
reparadas oficiosamente – artigo 123.º nº 2.
Importa atentar ao regime do artigo 122.º CPP – a declaração da invalidade do
ato tem efeitos ex tunc, afetando também os atos que dependam valorativamente do ato
nulo. Por uma questão de clareza e segurança jurídica, a declaração de nulidade deve
enunciar quais são os atos atingidos com a declaração referida.
Vamos imaginar que o defensor não estava presente numa determinada
audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença condenatória. Isto é conhecido
já em sede de recurso – Trata-se de uma nulidade absoluta, pelo que o conhecimento da
nulidade irá implicar o regresso do processo à primeira instância.
Depois, no nº 3 há um princípio de conservação dos atos inválidos- vamos
imaginar que o intérprete não está presente numa sessão de audiência de julgamento em
que está presente uma testemunha que não domina a língua portuguesa- nesse caso não
se vai invalidar toda a sessão e vai-se aproveitar os atos processuais que não se prendem
diretamente com a falta do intérprete.
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
contemplados pelo legislador, não estavam acautelados. Ora, é precisamente para isto
que esta figura existe.
O nosso sistema é de semi-taxatividade, mas esta figura é tão mais premente
quanto maior for a taxatividade do sistema. Seria contraditório que vícios mais graves
do que os cominados com nulidade fossem considerados uma irregularidade por não
estarem previstos, daí que se admita esta figura no processo penal.
Onde é que pode haver inexistência? Há quem leia o artigo 468.º CPP como
uma materialização normativa desta figura – diz-se que são inexequíveis certas
decisões, ou seja, que o ato decisório não se produz efeitos mesmo que não se declare a
invalidade desse ato. Estamos a falar dos atos que não determinem a pena ou a medida
de segurança- nesse caso, a decisão condenatória é inexequível, não sendo sequer
necessário declarar a inexistência.
Outras situações:
▪ Vamos imaginar que alguém é condenado sem ter sido acusado. É um vício
mais grave do que o previsto no artigo 119.º alínea b), daí que vá corresponder a
uma situação de inexistência;
juiz coletivo composto apenas por 2, temos uma nulidade insanável por isso se
nem sequer existir juiz nenhum ainda mais grave é, daí que estejamos perante
um ato inexistente.
A inexistência não tem de ser arguida. Impede o trânsito em julgado e torna
ineficaz o ato, ainda que não seja declarada.
TEORIA DO RECURSO
Quando os atos decisórios são proferidos pelos juízes, podem ser impugnados
através do recurso. Quando sejam proferidos pelo MP, pode reclamar-se ou recorrer-se
hierarquicamente, mas o recurso para tribunal superior é uma via exclusiva para os atos
decisórios de juízes. O recurso está previsto no artigo 32.º nº 1 CRP como uma
manifestação do princípio da plenitude das garantias de defesa.
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
Deve ser visto como um remédio jurídico destinado a corrigir erros de decisão e
erros de julgamento. E, portanto, o seu âmbito está limitado pelo requerimento de
interposição de recurso do recorrente. Em recurso, o tribunal superior conhece apenas
dos concretos pontos que sejam sindicados pelo recorrente e não vai reapreciar na
totalidade o objeto de apreciação da 1ª instância.
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⎯ Recursos de revista – que versem sobre questões de direito – podem ser sobre
Recursos ordinários
⎯ Artigo 329.º prevê o princípio da recorribilidade, sendo que o artigo 400.º nos
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APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II
(artigo 20.º CRP). Se este princípio não estivesse presente, era um desincentivo
à impugnação judiciária.
O artigo 72º- A CPP que veio estender ao direito contraordenacional a
proibição da reformatio in pejus. Esta proibição vai existir para as
contraordenações do regime geral, mas para as que obedeçam ao regime especial
esta proibição também se vai aplicar.
Existem, todavia, muitos regimes setoriais em relação aos quais a
proibição da reformatio in pejus está excluída, e são precisamente os casos em
que são aplicadas coimas mais altas, os casos de contraordenações mais graves,
por exemplo, no domínio do ambiente ou nos chamados setores regulados da
economia, as contraordenações previstas no Código dos Valores Mobiliários, no
regime da concorrência, no regime sancionatório do setor energético, em relação
a estas contraordenações não vale porque está excluída por lei a proibição da
reformatio in pejus. O problema que resulta daqui é o facto de as
contraordenações serem apreciadas por instâncias administrativas, sendo que
esta circunstância não é desconforme com a CRP porque se prevê sempre o
direito de impugnação judicial. Ora, para que a garantia jurisdicional seja efetiva
é preciso que ela não seja desincentivada, pois se alguém souber que a coima vai
ser agravada vai sentir menos interesse em impugnar.
O nosso modelo é de substituição, tal como vimos. Foi em face deste modelo
que a proibição da reformatio in pejus foi redigida. Mas, por vezes, o tribunal superior
não pode conhecer do objeto e não pode substituir a decisão recorrida precisamente por
lhe faltarem as condições para conhecer do objeto do recurso, caso em que revoga os
autos, determinado a sua baixa ao tribunal recorrido, para que este repita o necessário
para proferir nova decisão. Isto ocorre muitas vezes quando há uma nulidade processual
ou um erro de procedimento. Ora, a questão que se coloca é se esta proibição se coloca
em relação ao tribunal recorrido no momento de tomar 2ª decisão.
Numa primeira solução, o STJ orientou-se no sentido de que não valeria, pelo
que o tribunal recorrido, em segunda decisão, poderia agravar a decisão, algo que
decorria de uma leitura literal da norma já que fala em “tribunal superior”, bem como do
elemento sistemático já que esta norma se inclui no âmbito do recurso, ou seja, em
princípio vincula apenas os tribunais de recurso. Mas esses argumentos são frágeis.
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os outros, uma proibição que ainda recorre daquele princípio da proibição da reformatio
in pejus.
Por fim, a lei estabelece regras quanto aos efeitos do recurso e ao modo de
subida dos recursos – artigo 406.º e 407.º CPP. Estes têm sempre efeito devolutivo, mas
alguns têm efeito suspensivo:
Vimos que a tramitação é unitária seja qual for o recurso. A tramitação conhece
dois momentos, um junto do tribunal de que se recorre e outro junto do tribunal a que o
recurso se dirige.
▪ Tribunal a quo: Estes estão dependentes de requerimento. O prazo para a
interposição é de 30 dias – artigo 411.º nº 1 CPP. Isto sem prejuízo da regra
especial do artigo 107.º nº 6 que permite o alargamento de certos prazos. Desde
a Lei nº 94/2001 permite-se que se fixe prazo superior, portanto. Aquele prazo
de 30 dias conta-se da notificação da decisão que se decorre. A decisão quanto
ao mérito é depositada junto da Secretaria, sendo da data do deposito que se
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conta, exceto nos casos em que o arguido tenha sido julgado na ausência –
quando tenha sido notificado por via postal simples e tenha prestado TIR ou por
contacto pessoal e não tenha comparecido – artigo 333.º nº 5 e 334.º nº 6 CPP.
O artigo 334º tem um erro quando se refere aos casos de notificação edital. O
recurso tem de ser sempre motivado, estando a motivação prevista no
requerimento, mas nas situações em que a decisão de que se decorre seja
proferida oralmente na audiência, o recurso pode ser logo interposto por
requerimento ditado para a ata e a motivação é apresentada num prazo de 30
dias. Quais são os requisitos a que deve obedecer a motivação?
o Quanto à matéria de facto: Nas conclusão do recurso, o recorrente deve
indicar os pontos da matéria de facto que considera terem sido mal
decididos, o sentido que defende dever ter sido adotado e as provas que
suportem o seu entendimento. Tratando-se de provas gravadas, a sua
identificação deve ser feita mediante indicação constante da ata quanto à
gravação, ou seja, por referência quanto ao que tenha sido ficado
consignado na ata. Mas o recorrente também deve identificar as
concretas passagens que considera relevante, o que leva à constituição de
um dever do juiz em ouvir as concretas passagens – artigo 412.º.
o Quanto a matéria de direito: o recorrente deve indicar as normas
jurídicas que considerou terem sido violadas, bem como o entendimento
que lhes dá.
Estas menções devem constar das conclusões que, apesar de deverem ser
completas dada a exigência quanto a estes requisitos, não devem, por outro
lado, ser demasiado longas.
Interposto recurso, é proferido, ainda neste tribunal, um despacho sobre a
sua admissão ou inadmissibilidade, sendo rejeitado quando não se respeita o
prazo, quando seja interposto recurso por decisão que não admite recurso ou
quando seja interposto por alguém que não tem legitimidade ou interesse em
agir. Também é possível que exista um convite ao aperfeiçoamento – artigo
414.º nº 3 – quando não se apresentam conclusões, por exemplo.
Este tribunal também fixa o regime e os efeitos da subida de recurso, mas
esta decisão não vincula o tribunal superior. Se tiver havido rejeição, a
decisão também não é definitiva, podendo haver reclamação nos termos do
artigo 405.º CPP. Tendo sido admitido, são notificados os sujeitos
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410.º nº 2. Os vícios que o STJ pode conhecer, ainda que sejam em matéria de
facto, são os seguintes:
o Insuficiência para a decisão da matéria de facto
provada – quando o tribunal não dá como
provados certos factos ou que não se pronuncia
sobre eles e que seriam essenciais para a
apreciação penal do agente, ainda que o condene;
o Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação
e a decisão – o tribunal dá como provados 2 factos logicamente
incompatíveis ou dá como provado que houve violência e mesmo assim
condena por roubo, respetivamente;
o Erro notório na apreciação da prova – tem de ser um erro ostensivo,
como quando o tribunal não atende a factos notórios como, por exemplo,
quando o tribunal valora desfavoravelmente o silêncio do arguido ou
quando o tribunal afasta as conclusões do relatório pericial, mas não
fundamenta a divergência.
Mas só pode conhecer estes vícios, quando eles resultem patente na decisão
recorrida, tendo de ser manifesto em face do texto da decisão recorrida.
Nestes casos, pode ser necessário renovar a prova, algo que nunca ocorre no
STJ, daí que o STJ tenha de reenviar para a Relação para este apreciar se ele
próprio renova a prova ou se faz baixar os autos para a 1ª instância repetir a
produção da prova.
Nos casos em que há reenvio, há um impedimento previsto no artigo 426.º-
A CPP.
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Críticas:
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