Estatuto Do Narrador em Memorial Do Convento
Estatuto Do Narrador em Memorial Do Convento
Estatuto Do Narrador em Memorial Do Convento
Estamos pois, genericamente, diante de um narrador omnisciente que, com frequncia, no se cobe de fazer juzos de valor e de dar opinies, seja de forma directa (Um nada quanto basta para desfazer reputaes, um quase nada as faz e refaz, a questo encontrar o caminho certo para a credulidade ou para o interesse dos que vo ser eco inocente ou cmplice.), seja de forma indirecta (porque tambm Deus no sorri, ele l saber porqu, talvez tenha acabado por se envergonhar do mundo que criou).
Mas, para alm do narrador principal, h outros secundrios homodiegticos. Entre eles encontram-se: Manuel Milho, que durante a ida a Pro Pinheiro, noite aps noite, vai contando parte de uma histria aos companheiros; Joo Elvas que, para entreter a noite, enquanto esto abrigados no telheiro, conta a Baltasar uma srie de crimes horrendos para os quais no se havia encontrado culpado; E, sobretudo, um certo fidalgo figura indefinida, quase um pretexto para tornar verosmil a descrio dos interiores faustosos e das celebraes do casamento real, numa fase da narrao em que o plo narrativo era um velho mendigo, Joo Elvas.
Tambm para estes narradores existem narratrios: os companheiros de trabalho, Baltasar, Joo Elvas e os leitores, respectivamente.
O(s) Narrador(es)
O Narrador Complexo
Saramago rejeita a omnipotncia do narrador, na medida em que considera que o autor que pe em causa o presente, que conhece o passado que lhe chega atravs das suas investigaes. H, diversas vezes, um discurso de sobreposies narrativas com uma voz (ou um plural de vozes) que tanto descreve como desconstri situaes, que dialoga com o narratrio ou com as personagens, que domina os conhecimentos da Histria ou se sente limitado, que faz ponderaes (reflexes) ou ironiza. Ao misturar a Histria e a fico o real e o fantstico , consegue mltiplas formas de enunciao de que o leitor menos atento no se apercebe. H sempre uma voz a controlar a narrativa. Por um lado apresenta-se contempornea do leitor, mas, por outro, apropriando-se do passado, tem o poder da ubiquidade (estar em todo o lado ao mesmo tempo). Para alm do narrador principal, h outros narradores secundrios homodiegticos (o que sentencia; o que dialoga, o que ironiza; o que domina; o que profetiza,; o que descreve...). Maria Alzira Seixo (in O Essencial sobre Jos Saramago, 1987) refere que em Memorial do Convento h 5 matizes de narrador: 1. o que habita um presente intemporal e se revela omnisciente; 2. o conhecedor do futuro, capaz de revelar as grandes linhas da Histria e do final a que conduzem; 3. o que ficciona e recria os limites da realidade; 4. o que se revela numa omniscincia limitada perante o entrecruzar de actos particulares e destinos singulares; 5. o crtico irnico ou humorista perante a sua possibilidade de manipular.
N.B.: Nesta obra, o estatuto omnisciente permite, ainda, ao narrador: antecipar acontecimentos da prpria intriga e referir factos posteriores ao tempo narrado (narrador contemporneo do leitor, que evidencia prospectiva de saberes, isto , consegue fazer uma previso a longo prazo); reinterpretar, comentar e criticar a Histria; reflectir sobre a sua prpria escrita; reconstruir, no seu texto, o texto de autores portugueses consagrados (Lus de Cames, Pe Antnio Vieira; Fernando Pessoa trabalho de intertextualidade), recontextualizando-os, muitas vezes em tom irnico; recorrer ao tom moralstico presente nos inmeros provrbios e aforismos.