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Guerra Cognitiva ACT OTAN

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Junho-Novembro 2020

François du Cluzel

Innovation Hub - Nov 2020


Tradução – I.C.

1
Sumário Executivo ............................................................................................................................ 4

Introdução ........................................................................................................................................... 5

O advento da Guerra Cognitiva .................................................................................................... 6

- Da Guerra da Informação à Guerra Cognitiva ....................................................................................... 6


- Aceder ilegalmente ao indivíduo ................................................................................................................ 7
- Confiança é o objectivo ................................................................................................................................... 8
- Guerra Cognitiva, uma propaganda participativa ............................................................................... 8
- Economia comportamental ........................................................................................................................... 9
- Ciberpsicologia ................................................................................................................................................. 11

A centralidade do cérebro humano .......................................................................................... 12


- Compreender o cérebro é um desafio-chave para o futuro .......................................................... 12
- As vulnerabilidades do cérebro humano .............................................................................................. 13
- O papel das emoções ...................................................................................................................................... 15
- A batalha pela atenção .................................................................................................................................. 15
- Impactos a longo prazo da tecnologia no cérebro ............................................................................ 16
- As promessas das neurociências .............................................................................................................. 17

A militarização da ciência do cérebro ..................................................................................... 19


- Progresso e Viabilidade da Neurociência e da Tecnologia (NeuroC/T) .................................. 19
- A utilização militar e na informação da NeuroC/T ........................................................................... 20
- Utilização directa da NeuroC/T para fins militares .......................................................................... 21
- Neurodados ........................................................................................................................................................ 22
- A neurobioeconomia ...................................................................................................................................... 23

Em direcção a um novo domínio operacional ....................................................................... 25


- Definição da Guerra Cognitiva russa e chinesa ................................................................................... 26
- É sobre Humanos ............................................................................................................................................. 28
- Recomendações para a OTAN ..................................................................................................................... 32
- Definição do Domínio Humano .................................................................................................................. 32
- Impacto no Desenvolvimento da Guerra ............................................................................................... 34

Conclusão ........................................................................................................................................... 36

Bibliografia e Fontes ...................................................................................................................... 37

Anexo 1 .............................................................................................................................................. 38
- Caso de Estudo de Estado-Nação 1: A utilização das neurociências para fins militares na
China ....................................................................................................................................................................... 38

Anexo 2 .............................................................................................................................................. 41
- Caso de Estudo do Estado-Nação 2: A Iniciativa Tecnológica Nacional Russa .................... 41

2
Este é um estudo patrocinado pela Allied Command Transformation (ACT), mas as
perspectivas e opiniões nesta publicação reflectem estritamente as discussões tidas
nos fóruns do Innovation Hub. Não reflectem as do ACT ou das suas Nações-membro,
portanto nenhuma delas pode ser citada como declaração oficial que lhes pertença.

3
Sumário Executivo
Conforme escrito no documento Warfighting 2040, a natureza da guerra mudou. A
maioria dos conflitos actuais permanece abaixo do limiar da definição tradicionalmente
aceite de fazer guerra, mas surgiram novas formas de guerra, como a Guerra Cognitiva
(GC), ao mesmo tempo que a mente humana está agora a ser considerada como um novo
domínio de guerra.

Com o papel crescente da tecnologia e a sobrecarga de informação, as capacidades


cognitivas individuais já não serão suficientes para garantir uma tomada de decisão
informada e oportuna, levando ao novo conceito de Guerra Cognitiva, que se tornou um
termo recorrente na terminologia militar em anos recentes.

A Guerra Cognitiva provoca um desafio insidioso. Perturba as compreensões e as


reacções comuns aos acontecimentos de uma forma gradual e subtil, mas com efeitos
prejudiciais significativos ao longo do tempo. A guerra cognitiva tem alcance universal,
desde o indivíduo até aos estados e organizações multinacionais. Alimenta-se das
técnicas de desinformação e propaganda destinadas a esgotar psicologicamente os
receptores da informação. Todos contribuem para isso, em graus variados, consciente
ou subconscientemente e proporciona um conhecimento inestimável sobre a sociedade,
especialmente sociedades abertas, como as do Ocidente. Esse conhecimento pode então
ser facilmente utilizado para fins militares. Oferece aos adversários da OTAN um meio
de contornar o campo de batalha tradicional com resultados estratégicos significativos,
que podem ser utilizados para transformar radicalmente as sociedades ocidentais.

Os instrumentos da guerra da informação, juntamente com a adição de “neuro-armas”


contribui para perspectivas tecnológicas futuras, sugerindo que o campo cognitivo será
um dos campos de batalha de amanhã. Esta perspectiva é ainda reforçada pelos rápidos
avanços das NBICs (Nanotecnologia, Biotecnologia, Tecnologia da Informação e Ciências
Cognitivas) e pela compreensão do cérebro. Os adversários da OTAN estão já a investir
fortemente nestas novas tecnologias.

A OTAN precisa de antecipar os avanços nestas tecnologias, aumentando a


consciencialização sobre o verdadeiro potencial da GC. Qualquer que seja a natureza e
o objectivo da guerra, ela resume-se sempre a um choque de vontades humanas e,
portanto, o que define a vitória será a capacidade de impor um comportamento
desejado a um público escolhido. As acções empreendidas nos cinco domínios - aéreo,
terrestre, marítimo, espacial e cibernético - são todas executadas para terem efeito
sobre o domínio humano. É, portanto, altura para que a OTAN reconheça a importância
renovada do sexto domínio operacional, isto é, o Domínio Humano.

4
Introdução
As capacidades cognitivas individuais e organizacionais serão de suma importância
devido à velocidade e ao volume de informação disponível no espaço de batalha
moderno. Se a tecnologia moderna promete melhorar o desempenho cognitivo humano,
também contém as sementes de sérias ameaças para as organizações militares.

Como as organizações são compostas por seres humanos, as limitações e preferências


humanas afectam, em última análise, o comportamento organizacional e os processos
de tomada de decisão. As organizações militares estão sujeitas ao problema da
racionalidade limitada, mas este constrangimento é muitas vezes ignorado na prática.1

Num ambiente permeado de tecnologia e sobrecarregado de informação, gerir as


capacidades cognitivas dentro das organizações militares será fundamental, enquanto
desenvolver capacidades para prejudicar as capacidades cognitivas dos oponentes será
uma necessidade. Por outras palavras, a OTAN precisará de ter a capacidade de
salvaguardar o seu processo de tomada de decisão e afectar o do adversário.

Este estudo destina-se a responder às três questões seguintes:

• Melhorar a consciencialização sobre a Guerra Cognitiva, incluindo uma melhor


compreensão dos riscos e oportunidades das novas tecnologias Cognitivas/Mente
Humana;

• Proporcionar conhecimento ‘fora-da-caixa’ sobre a Guerra Cognitiva;

• E proporcionar argumentos ao nível estratégico à SACT (Supreme Allied


Commander Transformation) para recomendar, ou não, o Cognitivo/Mente
Humana como um Domínio Operacional.

5
O advento da Guerra Cognitiva

Da Guerra da Informação à Guerra Cognitiva

A guerra da informação (GI) é o tipo de guerra mais relacionado e, portanto, mais


facilmente confundido, com respeito à guerra cognitiva. No entanto, existem distinções
fundamentais que tornam a guerra cognitiva suficientemente única para ser abordada
sob a sua própria jurisdição. Como conceito, a GI foi primeiramente cunhada e
desenvolvida sob a doutrina militar dos Estados Unidos, e posteriormente foi adoptado
de diferentes maneiras por várias nações.
“Os conflitos irão cada vez mais
Como o ex-comandante da Marinha dos EUA depender/e girar em torno de
Stuart Green a descreveu como: “Operações informações e comunicações – (…)
de informação, o conceito2 doutrinário De facto, tanto a guerra cibernética
americano existente mais próximo para quanto a guerra na rede são modos
guerra cognitiva, consiste em cinco de conflito que são grandemente
'capacidades fulcrais', ou elementos. Estes acerca do “conhecimento” – acerca
incluem guerra electrónica, operações de quem sabe o quê, quando, onde e
rede de computadores, PsyOps, engano por quê, e acerca de como capturar
militar e segurança operacional”. uma sociedade.”
John Arquilla e David Ronfeldt
Sucintamente, a Guerra da Informação visa The Advent of Netwar, RAND, 1996
controlar o fluxo de informação.

A guerra de informação foi projectada primeiramente para apoiar objectivos definidos


pela missão tradicional das organizações militares – isto é, produzir efeitos cinéticos
letais no campo de batalha. Não foi projectado para alcançar sucessos políticos
duradouros.

Conforme definido por Clint Watts, a Guerra Cognitiva opõe-se às capacidades de


conhecer e de produzir, frustra activamente o conhecimento. As ciências cognitivas
abrangem todas as ciências que dizem respeito ao conhecimento e seus processos
(psicologia, linguística, neurobiologia, lógica e mais).3

A Guerra Cognitiva é, por conseguinte, a maneira


de usar o conhecimento para um propósito “O Big Data permite-nos
contraditório. No seu sentido mais amplo, a desenvolver fabulosas perfor-
guerra cognitiva não está limitada ao mundo mances de cálculo e análise, mas o
militar ou institucional. Desde o início da década que torna possível responder a
de 1990, esta capacidade tem tido tendência para uma situação é a razão e a razão é
ser aplicada aos campos político, económico, o que permite tomar uma decisão
cultural e social. no que não é calculável, caso
contrário, apenas confirmamos o
Qualquer utilizador das modernas tecnologias de estado das coisas.”
informação é um alvo potencial. Visa todo o Bernard Stiegler
capital humano de uma nação.

A mudança mais marcante desta prática do mundo militar para o civil é a penetração
das actividades da GC na vida quotidiana que ficam situadas fora do constructo normal
6
de paz-crise-conflito (com efeitos prejudiciais). Mesmo que uma guerra cognitiva possa
ser conduzida para complementar um conflito militar, ela pode também ser conduzida
sozinha, sem qualquer vínculo com o compromisso das forças armadas. Além disso, a
guerra cognitiva é potencialmente interminável uma vez que não pode haver tratado de
paz ou rendição para este tipo de conflito.

Há agora indícios que mostram que novas ferramentas e técnicas da GC visam


directamente o pessoal militar, não apenas com armas clássicas de informação, mas
também com um arsenal de neuroarmas em constante crescimento e em rápida
evolução, que visam o cérebro. É importante reconhecer os esforços dedicados de várias
nações para desenvolver operações não cinéticas, que visam o Humano com efeitos a
todos os níveis – desde o nível individual até ao nível sociopolítico.

Aceder ilegalmente ao indivíduo

A revolução na tecnologia da informação permitiu manipulações cognitivas de um novo


tipo, a uma escala sem precedentes e altamente elaborada. Tudo isto acontece a um
custo muito menor do que no passado, quando era necessário criar efeitos e impacto
por meio de acções não virtuais no âmbito físico. Assim, num processo contínuo, as
capacidades militares clássicas não se opõem à guerra cognitiva. Apesar de os militares
terem dificuldade em reconhecer a realidade e a eficácia dos fenómenos associados à
guerra cognitiva, a relevância dos meios de guerra cinéticos e intensivos em recursos
está, não obstante, a diminuir.

A engenharia social começa sempre com um mergulho profundo no ambiente humano


do alvo. O objectivo é entender a psicologia das pessoas visadas. Esta fase é mais
importante do que qualquer outra, pois
permite não apenas a escolha precisa “A engenharia social é a arte e a ciência de
do público-alvo certo, mas também fazer com que as pessoas cumpram os
antecipar reacções e desenvolver vossos desejos. Não é uma forma de controlo
empatia. Compreender o ambiente mental, não permitirá que façam com que as
humano é a chave para construir a pessoas realizem tarefas descontro-
confiança que, em última análise, levará ladamente fora do seu comportamento
aos resultados desejados. Os humanos normal e está longe de ser infalível”
são um alvo fácil uma vez que todos Harl, People Hacking, 1997
contribuem fornecendo informações
sobre si próprios, tornando mais poderosos os perfis falsos dos adversários.4

Em todo o caso, os adversários da OTAN focam-se na identificação dos centros de


gravidade e vulnerabilidades da Aliança. Há muito que identificaram que a principal
vulnerabilidade é o humano. É fácil encontrar estes centros de gravidade em sociedades
abertas porque se reflectem no estudo das ciências humanas e sociais, como ciência
política, história, geografia, biologia, filosofia, sistemas de votação, administração
pública, política internacional, relações internacionais, estudos religiosos, educação,
sociologia, artes e cultura…

A Guerra Cognitiva é uma guerra de ideologias que se esforça por corroer a confiança
que escora todas as sociedades.

7
A confiança é o alvo

A guerra cognitiva persegue o objectivo de minar a confiança (confiança do público nos


processos eleitorais, confiança nas instituições, aliados, políticos...)5, portanto, o
indivíduo torna-se a arma, enquanto o objectivo não é atacar o que os indivíduos
pensam, mas sim a maneira como pensam.6

Tem o potencial de fazer arruinar todo o contrato social que sustenta as sociedades.

É natural confiar nos sentidos, acreditar no que se vê e se lê. Mas a democratização de


ferramentas e técnicas automatizadas que usam a IA, não exigindo já experiência
tecnológica, permite que qualquer pessoa distorça informações e mine ainda mais a
confiança nas sociedades abertas. A utilização de fake news, deep fakes, cavalos de Tróia
e avatares digitais criará novas suspeitas que qualquer um pode explorar.

É mais fácil e mais barato para os adversários minar a confiança nos nossos próprios
sistemas do que atacar as nossas redes eléctricas, fábricas ou complexos militares. Por
isso, é provável que num futuro próximo haja mais ataques, de um número crescente e
muito mais diversificado de potenciais jogadores com um maior risco de intensificação
ou erro de cálculo. As características do ciberespaço (falta de regulamentação,
dificuldades e riscos associados de atribuição de ataques em particular) significam que
devem ser esperados novos actores, estatais ou não estatais.7

Como mostra o exemplo da COVID-19, a quantidade massiva de textos sobre o assunto,


incluindo textos deliberadamente tendenciosos (exemplo é o estudo da Lancet sobre a
cloroquina), criou uma sobrecarga de informação e conhecimento que, por sua vez, gera
uma perda de credibilidade e uma necessidade de conclusão. Por conseguinte, a
capacidade de os humanos questionarem, normalmente, quaisquer dados/informações
apresentados é dificultada, com uma tendência a recorrer a preconceitos em detrimento
de uma tomada de decisão livre.

Aplica-se à confiança entre indivíduos, bem como grupos, alianças políticas e


sociedades.

“A confiança, em particular entre aliados, é uma vulnerabilidade direccionada. Tal


como qualquer instituição internacional, a OTAN conta com a confiança entre os seus
parceiros. A confiança baseia-se não apenas no respeito de alguns acordos explícitos e
tangíveis, mas também em “contratos invisíveis”, na partilha de valores, o que não é fácil
quando uma percentagem de nações aliadas luta entre si há séculos. Isto deixou feridas
e cicatrizes criando um panorama cognitivo/de informação que os nossos adversários
estudam com grande cuidado. O objectivo deles é identificar os ‘Centros Cognitivos de
Gravidade’ da Aliança, que visarão com ‘armas de informação’.”8

Guerra Cognitiva, uma propaganda participativa9

Em muitos aspectos, a guerra cognitiva pode ser comparada à propaganda, que pode ser
definida como “um conjunto de métodos empregados por um grupo organizado que
quer provocar a participação activa ou passiva nas suas acções de uma massa de
indivíduos, psicologicamente unificados através de manipulações psicológicas e
incorporadas numa organização”.10

8
O propósito da propaganda não é “programar” mentes, mas influenciar atitudes e
comportamentos fazendo com que as pessoas adoptem a atitude correcta, que pode
consistir em fazer certas coisas ou, muitas vezes, deixar de fazê-las.

A Guerra Cognitiva é metodicamente explorada como um componente de uma


estratégia global por adversários que visa enfraquecer, interferir e desestabilizar
populações, instituições e estados alvo, a fim de influenciar as suas escolhas, minar a
autonomia das suas decisões e a soberania das suas instituições. Essas campanhas
combinam informação real e distorcida (misinformation – informação falsa não
deliberada –), factos exagerados e notícias inventadas (desinformação).

A desinformação aproveita-se das “A propaganda moderna está baseada em


vulnerabilidades cognitivas dos seus análises científicas de psicologia e
alvos, tirando partido de ansiedades ou sociologia. Passo a passo, o
crenças pré-existentes que os predispõem propagandista constrói as suas técnicas
a aceitar informações falsas. Isto exige que com base no seu conhecimento do
o agressor tenha uma intensa homem, as suas tendências, os seus
compreensão da dinâmica sociopolítica desejos, as suas necessidades, os seus
em jogo e saiba exactamente quando e mecanismos psíquicos, o seu
como penetrar para melhor explorar essas condicionamento – e tanto na psicologia
vulnerabilidades. social como na psicologia profunda.”
Jacques Ellul, Propaganda, 1962
A Guerra Cognitiva explora as
vulnerabilidades inatas da mente humana devido à maneira como ela está concebida
para processar informação, que sempre foram exploradas na guerra, é claro. No entanto,
devido à velocidade e penetração da tecnologia e da informação, a mente humana já não
é capaz de processar o fluxo de informação.

A diferença entre GC e a propaganda está no facto de que todos participam, na sua maior
parte inadvertidamente, do processamento da informação e da formação do
conhecimento de uma forma inaudita. Esta é uma mudança subtil, mas significativa.
Enquanto os indivíduos eram passivamente submetidos à propaganda, agora
contribuem activamente para ela.

A exploração da cognição humana tornou-se uma indústria massiva. E espera-se que as


ferramentas emergentes da inteligência artificial (IA) em breve proporcionem aos
propagandistas capacidades radicalmente optimizadas para manipular as mentes
humanas e mudar o comportamento humano.11

Economia comportamental

“O capitalismo está a sofrer uma mutação radical. O que muitos descrevem como a
‘economia de dados’ é, de facto, melhor entendido como uma ‘economia
comportamental’”.

9
A economia comportamental (EC) é definida como um método de análise económica
que aplica conhecimentos psicológicos ao comportamento humano para explicar a
tomada de decisões económicas.
Como mostram as pesquisas sobre a tomada de decisões, o comportamento torna-se
cada vez mais computacional, a EC está na encruzilhada entre ciência dura e ciência
mole.12
Operacionalmente, isso significa o uso massivo e metódico de dados comportamentais
e o desenvolvimento de métodos para procurar agressivamente novas fontes de dados.
Com a grande quantidade de dados (comportamentais) que todos geram geralmente
sem o nosso consentimento e consciência, é facilmente praticável mais manipulação.
As grandes empresas de economia digital desenvolveram novos métodos de captura de
dados, permitindo a inferência de informações pessoais que os utilizadores podem não
necessariamente pretender divulgar. O excesso de dados tornou-se a base para novos
mercados de previsão chamados publicidade direccionada.
“Aqui está a origem do capitalismo de vigilância numa mistura sem precedentes e
lucrativa: excedente comportamental, ciência de dados, infraestrutura de materiais,
poder computacional, sistemas algorítmicos e plataformas automatizadas”, afirma
Soshanna Zuboff .13
Nas sociedades democráticas, a publicidade rapidamente se tornou tão importante
como a pesquisa. Tornou-se finalmente a pedra angular de um novo tipo de negócio que
depende da monitorização online em larga escala.
O alvo é o ser humano no sentido mais amplo e é
fácil desviar os dados obtidos apenas para fins “A tecnologia continua inabalável
comerciais, como demonstrou o escândalo da e continuará inabalável. […]
Cambridge Analytica (CA). Porque a tecnologia está a ir tão
Assim, a falta de regulação do espaço digital – o rápido e porque as pessoas não a
chamado "pântano de dados" – não beneficia compreendem, ia sempre haver
uma Cambridge Analytica.”
apenas os regimes da era digital, que "podem
Julian Wheatland
exercer notável controlo não apenas sobre redes
Ex-director de Operações da
de computadores e corpos humanos, mas também Cambridge
sobre as mentes dos seus cidadãos”.14
Também pode ser utilizado para fins malignos,
como mostrou o exemplo do escândalo da CA.
O modelo digital da CA descreveu como combinar dados pessoais com a aprendizagem
de máquinas para fins políticos, traçando os perfis de eleitores individuais para serem
alvos de anúncios políticos personalizados.
Usando as mais avançadas técnicas de sondagem de opinião e psicometria, a Cambridge
Analytica conseguiu de facto reunir uma vasta quantidade de dados de indivíduos que
os ajudaram a compreender por meio de informações económicas, demográficas, sociais
e comportamentais o que cada um deles pensava. Literalmente forneceu à empresa uma
janela para a mente das pessoas.
A gigantesca colecção de dados organizada por meio de tecnologias digitais é hoje usada
essencialmente para definir e antecipar o comportamento humano. O conhecimento
comportamental é um activo estratégico. “A economia comportamental adapta a
investigação em psicologia a modelos económicos, criando assim representações mais
precisas das interacções humanas.”15
“A Cambridge Analytica demonstrou como é possível […] alavancar ferramentas para
construir uma versão reduzida das máquinas de vigilância e manipulação massivas.”16

10
Como mostra o exemplo da Cambridge Analytica, pode-se utilizar esse conhecimento
para fins militares e desenvolver capacidades ofensivas e defensivas apropriadas,
preparando o caminho para uma guerra social virtual.17 O uso sistemático de métodos
de BE aplicados ao exército poderia levar a uma melhor compreensão de como
indivíduos e grupos se comportam e pensam, levando por fim a uma compreensão mais
ampla do ambiente de tomada de decisões dos adversários. Existe um risco real de que
o acesso a dados comportamentais que utilizam as ferramentas e técnicas do BE, como
mostrado pelo exemplo da Cambridge Analytica, possa permitir que qualquer actor mal-
intencionado – seja estatal ou não estatal – prejudique estrategicamente sociedades
abertas e os seus instrumentos de poder.

Ciberpsicologia

Supondo que a tecnologia afecta toda a gente, estudar e compreender o comportamento


humano em relação à tecnologia é vital, pois a linha entre o ciberespaço e o mundo real
está a tornar-se indistinta.

O impacto exponencialmente crescente da cibernética, das tecnologias digitais e da


virtualidade só pode ser medido quando considerado através dos seus efeitos nas
sociedades, nos seres humanos e nos seus respectivos comportamentos.

A ciberpsicologia está na encruzilhada de dois campos principais: a psicologia e a


cibernética. Tudo isso é relevante para a defesa e segurança, e para todas as áreas que
importam para a OTAN uma vez que ela se prepara para uma transformação. Centrada
na clarificação dos mecanismos do pensamento e nas concepções, usos e limites dos
sistemas cibernéticos, a ciberpsicologia é uma questão-chave no vasto campo das
Ciências Cognitivas. A evolução da IA introduz novas palavras, novos conceitos, mas
também novas teorias que abrangem um estudo do funcionamento natural dos
humanos e das máquinas que construíram e que, hoje, estão totalmente integradas no
seu ambiente natural (antropotécnico). Os seres humanos de amanhã terão que
inventar uma psicologia de sua relação com as máquinas. Mas o desafio é desenvolver
também uma psicologia de máquinas, software artificial inteligente ou robôs híbridos.

A psicologia cibernética é um campo científico complexo que abrange todos os


fenómenos psicológicos associados a ou afectados por tecnologias em evolução
relevantes. A psicologia cibernética examina o modo como humanos e máquinas se
impactam uns aos outros e explora como a relação entre humanos e IA irá mudar as
interacções humanas e a comunicação entre máquinas.18

****
Paradoxalmente, o desenvolvimento da tecnologia da informação e a sua utilização para
fins manipulativos em particular salienta o papel cada vez mais predominante do
cérebro.

O cérebro é a parte mais complexa do corpo humano. Este órgão é a sede da inteligência,
o intérprete dos sentidos, o iniciador dos movimentos do corpo, o controlador do
comportamento e o centro de decisões.

11
A centralidade do cérebro humano
Durante séculos, cientistas e filósofos ficaram fascinados com o cérebro, mas até
recentemente, consideravam o cérebro quase incompreensível. Hoje, porém, o cérebro
está a começar a revelar seus segredos. Os cientistas aprenderam mais acerca do
cérebro na última década do que em qualquer século anterior, graças ao ritmo acelerado
das investigações nas ciências neurológicas e comportamentais e ao desenvolvimento
de novas técnicas de investigação. Para o exército, representa a última fronteira da
ciência, na medida em que pode trazer uma vantagem decisiva nas guerras de amanhã.

Compreender o cérebro é um desafio fundamental para o futuro

Foram efectuados avanços substanciais em décadas


recentes na compreensão de como o cérebro funciona. Ciência cognitiva
Enquanto os nossos processos de tomada de decisões Disciplina que associa
permanecem centrados no Humano em particular com a psicologia, sociologia, lin-
sua capacidade de orientação (ciclo OODA), alimentado guística, inteligência artifi-
por dados, análises e visualizações, a incapacidade do cial e neurociências, tendo
humano de processar, fundir e analisar a profusão de por objecto a explicitação
dados em tempo hábil exige que os humanos formem dos mecanismos de pensa-
mento e processamento da
equipa com as máquinas de IA para competir com as
informação mobilizados
máquinas de IA. Para manter o equilíbrio entre o
para a aquisição, con-
humano e a máquina no processo de tomada de decisões,
servação, uso e transmissão
torna-se necessário ter consciência das limitações e do conhecimento.
vulnerabilidades humanas. Tudo começa com a
compreensão dos nossos processos de cognição e a Neurociência
maneira como o nosso cérebro funciona. Disciplina científica trans-
disciplinar que associa a
Ao longo das últimas duas décadas, a ciência cognitiva e biologia, a matemática, a
a neurociência deram um novo passo na análise e informática, etc., com o
compreensão do cérebro humano, e abriram novas objectivo de estudar a
perspectivas em termos de investigação cerebral, se não, organização e o fun-
na verdade, de uma hibridização, então da inteligência cionamento do sistema
humana e artificial. Deram principalmente uma grande nervoso, tanto do ponto de
contribuição para o estudo da diversidade de vista da sua estrutura como
mecanismos neuropsíquicos facilitadores da do seu funcionamento, e da
aprendizagem e, como resultado, desafiaram, por redução molecular ao nível
exemplo, a intuição de "inteligências múltiplas". dos órgãos.
Ninguém hoje pode já ignorar o facto de que o cérebro é
tanto a sede das emoções como dos mecanismos interactivos de memorização, do
processamento de informação, da resolução de problemas e da tomada de decisões.

12
As vulnerabilidades do cérebro humano

“Na guerra cognitiva, é mais importante que nunca conheceres-te a ti próprio.”19

Os seres humanos desenvolveram adaptações para lidar com as limitações cognitivas,


permitindo um processamento mais eficiente da informação. Infelizmente, esses
mesmos atalhos introduzem distorções no nosso pensamento e comunicação, tornando
os esforços de comunicação ineficazes e sujeitos à manipulação por adversários que
procuram enganar ou confundir. Esses vieses cognitivos podem levar a julgamentos
imprecisos e más tomadas de decisão que podem desencadear uma escalada não
intencional ou impedir a identificação oportuna de ameaças. Compreender as fontes e
os tipos de vieses cognitivos pode ajudar a reduzir mal-entendidos e informar o
desenvolvimento de melhores estratégias para responder às tentativas dos oponentes
de usar esses vieses a seu favor.

Em particular, o cérebro:
- é incapaz de distinguir se determinada informação está certa ou errada;
- é levado a tomar atalhos na determinação da fidedignidade das mensagens em caso
de sobrecarga de informação;
- é levado a acreditar em declarações ou mensagens que já ouviu como verdadeiras,
mesmo que possam ser falsas;
- aceita declarações como verdadeiras, se apoiadas por provas, sem levar em conta a
autenticidade dessas provas.

13
Esses são, entre muitos outros, os vieses cognitivos, definidos como um padrão
sistemático de desvio da norma ou de racionalidade no julgamento.20

Existem muitos vieses cognitivos diferentes21 que derivam inerentemente do cérebro


humano. A maioria deles são relevantes para o ambiente de informação. Provavelmente,
o viés cognitivo mais comum e mais prejudicial é o viés da confirmação. Este é o efeito
que leva as pessoas a procurar provas que confirmem o que elas já pensam ou
suspeitam, a considerar factos e ideias que encontram como confirmação adicional e a
descartar ou ignorar qualquer prova que pareça apoiar outro ponto de vista. Por outras
palavras, “as pessoas veem o que querem ver”.22

Os vieses cognitivos afetam toda a gente, desde soldados em campo a oficiais do estado-
maior, e em maior medida do que toda a gente admite.

Não só é importante reconhecê-lo em nós próprios, como estudar os preconceitos dos


adversários para compreender como eles se comportam e interagem.

Como afirmado por Robert P. Kozloski, “A importância de realmente “se conhecer a si


próprio” não pode ser desvalorizada. Os avanços na tecnologia da computação,
particularmente a aprendizagem de máquina, proporcionam ao exército a oportunidade
de se conhecer a si próprio como nunca antes. A recolha e análise dos dados gerados em
ambientes virtuais permitirá que as organizações militares compreendam o
desempenho cognitivo dos indivíduos.”23

14
Em última análise, as vantagens operacionais na guerra cognitiva virão primeiro da
melhoria da compreensão das capacidades e limitações cognitivas militares.

O papel das emoções

No mundo digital, o que permite que as indústrias digitais e seus clientes (e


especialmente os publicitários) distingam os indivíduos na multidão, para refinar a
personalização e a análise comportamental, são as emoções. Toda as plataformas dos
canais de comunicação social, todos os sites são projectado para serem viciantes e para
desencadear algumas explosões emocionais, enganando o cérebro num ciclo de
publicações. A velocidade, a intensidade emocional e as qualidades da câmara de eco do
conteúdo dos canais de comunicação social fazem com que aqueles expostos a ele
experimentem reacções mais extremas. Os canais de comunicação social são muito
adequados para agravar a polarização política e social devido à sua capacidade de
disseminar imagens violentas e rumores assustadores com muita rapidez e intensidade.
“Quanto mais a raiva se espalha, mais os utilizadores da Internet são susceptíveis de se
tornarem um troll.”24

Ao nível político e estratégico, seria errado subestimar o impacto das emoções.


Dominique Moïsi mostrou no seu livro “A Geopolítica da Emoção”25, como as emoções –
esperança, medo e humilhação – estavam a moldar o mundo e as relações internacionais
com o efeito de câmara de eco dos canais de comunicação social. Por exemplo, parece
importante integrar nos estudos teóricos sobre os fenómenos terroristas o papel das
emoções que conduzem a um percurso violento e/ou terrorista.

Ao limitar as capacidades cognitivas, as emoções também desempenham um papel na


tomada de decisões, no desempenho e no bem-estar geral, e é impossível impedir as
pessoas de experimentá-las. “Em face da violência, o primeiro obstáculo que você terá
que enfrentar não será o seu agressor, mas as suas próprias reacções.”26

A batalha pela atenção

Nunca o conhecimento e a informação foram tão acessíveis, tão abundantes e tão


compartilháveis. Ganhar atenção significa não só construir uma relação privilegiada
com os nossos interlocutores para melhor comunicar e persuadir, mas significa também
evitar que os concorrentes consigam essa atenção, seja ela política, económica, social ou
mesmo na nossa vida pessoal.
“Estamos a competir com
Este campo de batalha é global através da internet. Sem o sono.”
princípio e sem fim, esta conquista não conhece pausa, Reed Hastings
pontuada por notificações dos nossos smartphones, em CEO da Netflix
qualquer lado, 24 horas por dia, 7 dias por semana.

Cunhada em 1996 pelo professor B.J. Fogg da Universidade de Stanford, "captologia" é


definida como a ciência de utilizar "computadores como tecnologias de persuasão".27

15
Chegou, portanto, a altura de adoptar as regras desta “economia da atenção”, de
dominar as tecnologias relacionadas com a “captologia”, de compreender como estes
desafios são completamente novos. Na verdade, esta batalha não se limita aos ecrãs e
ao design, também acontece nos cérebros, especialmente na maneira como são
enganados. É também uma questão de compreender por que é que, na era das redes
sociais, algumas “fake news”, teorias da conspiração ou “factos alternativos”, seduzem e
convencem, enquanto, ao mesmo tempo, tornam inaudíveis as suas vítimas.
A atenção, pelo contrário, é um recurso limitado e cada vez mais escasso. Não pode ser
partilhado: pode ser conquistado e mantido. A batalha pela atenção está agora a
funcionar, envolvendo empresas, estados e cidadãos.
As questões agora em jogo vão muito além da estrutura da pedagogia, da ética e da
dependência do ecrã. O ambiente de consumo, especialmente o marketing, está a liderar
o caminho. Os profissionais de marketing há muito compreenderam que a sede da
atenção e da tomada de decisões é o cérebro e, como tal, há muito procuraram
compreender, antecipar as suas escolhas e influenciá-lo.
Esta abordagem aplica-se naturalmente também aos assuntos militares e os adversários
já compreenderam isso.

Impactos a longo prazo da tecnologia no cérebro


Como afirma o Dr. James Giordano, “o cérebro será o campo de batalha do séc. XXI”.28
E quando se trata de moldar o cérebro, o ambiente tecnológico desempenha um papel
fundamental.
O cérebro tem apenas uma hipótese de se desenvolver. Os danos ao cérebro são muitas
vezes irreversíveis. Compreender e proteger os nossos cérebros de agressões externas,
de todos os tipos, será um dos desafios fundamentais do futuro.
De acordo com a neurocientista Maryanne Wolf, os humanos não foram feitos para ler
e a invenção da impressão mudou a forma do nosso cérebro29. Levou anos, se não
séculos, para avaliar as consequências – sociais, políticas ou sociológicas, por exemplo
– da invenção da imprensa. Provavelmente levará mais tempo antes de se
compreenderem com precisão as consequências a longo prazo da era digital, mas uma
coisa com a qual todos concordam é que o cérebro humano está hoje a mudar mais
depressa do que nunca antes com a penetração da tecnologia digital.
Há uma quantidade crescente de investigações que exploram como a tecnologia afecta
o cérebro. Estudos mostram que a exposição à tecnologia molda os processos cognitivos
e a capacidade de receber informação. Uma das principais descobertas é o advento de
uma sociedade de “descarregadores cognitivos”, o que significa que já ninguém
memoriza informações importantes. Em vez disso, o cérebro tende a lembrar-se da
localização onde são recuperadas quando isso for exigido. Com a sobrecarga de
informações e visual, o cérebro tende a perscrutar a informação e a escolher o que
parece ser importante sem a menor consideração pelo resto.
Uma das evoluções já notadas é a perda do pensamento crítico directamente
relacionado com a leitura do ecrã e a crescente incapacidade para ler um livro real. A
forma como a informação é processada afecta o desenvolvimento do cérebro, levando à
negligência dos sofisticados processos de pensamento. Os cérebros serão, portanto,
diferentes amanhã. É, por conseguinte, altamente provável que os nossos cérebros
sejam radicalmente transformados num período extremamente curto, mas também é
provável que esta mudança ocorra à custa de processos de pensamento mais
sofisticados e mais complexos, necessários para a análise crítica.

16
Numa era em que a memória é delegada no Google, no GPS, nos alertas de calendário e
nas calculadoras, isso produzirá necessariamente uma perda generalizada de
conhecimento que não é apenas memória, mas antes memória motora. Por outras
palavras, um processo a longo prazo de desactivação de ligações no seu cérebro30 está
em curso. Ele apresentará tanto vulnerabilidades como oportunidades.
Contudo, também há muitas investigações que mostram os benefícios da tecnologia nas
nossas funções cognitivas. Por exemplo, um estudo da Universidade de Princeton31
descobriu que os jogadores de videogame experientes têm uma maior capacidade de
processar dados, de tomar decisões mais rapidamente ou mesmo de realizar
multitarefas simultâneas em comparação com não jogadores. Existe um consenso geral
entre os neurocientistas de que o uso racional da tecnologia da informação (e
particularmente dos jogos) é benéfico para o cérebro.
Ao turvar ainda mais a linha entre o real e o virtual, o desenvolvimento de tecnologias
como a Realidade Virtual (RV), a Realidade Aumentada (RA) ou a Realidade Mista (RM)
tem o potencial de transformar as capacidades do cérebro ainda mais radicalmente32.
Comportamentos em ambientes virtuais podem continuar a influenciar o
comportamento real muito depois de sair da RV.33
Contudo, os ambientes virtuais oferecem a oportunidade de complementar com
eficiência o treino ao vivo, uma vez que podem proporcionar uma experiência cognitiva
que um exercício ao vivo não pode replicar.
Embora existam preocupações e investigações sobre como os meios de comunicação
digitais estão a prejudicar as mentes em desenvolvimento, ainda é difícil prever como é
que a tecnologia afectará e mudará o cérebro, mas com a ubiquidade das TI, será cada
vez mais crucial detectar e antecipar cuidadosamente os impactos de tecnologia da
informação no cérebro e adaptar o uso da tecnologia da informação.
A longo prazo, há poucas dúvidas de que as Tecnologias de Informação transformarão
o cérebro, proporcionando assim mais oportunidades para aprender e apreender o
ambiente cibernético, mas também vulnerabilidades que exigirão uma monitorização a
fundo para as contrariar e defender delas e como melhor explorá-las.

As promessas das neurociências

“A neurociência social faz a promessa de compreender os pensamentos, emoções e


intenções das pessoas através da mera observação da sua biologia.”34
Se os cientistas fossem capazes de estabelecer uma correspondência próxima e precisa
entre as funções biológicas, por um lado, e as cognições e comportamentos sociais, por
outro, os métodos neurocientíficos poderiam ter aplicações tremendas para muitas
disciplinas e para nossa sociedade em geral. Inclui a tomada de decisões, intercâmbios,
cuidados de saúde física e mental, prevenção, jurisprudência e mais.
Isso salienta até que ponto as neurociências ocupam um lugar crescente na investigação
médica e científica. Mais do que uma disciplina, elas articulam um conjunto de áreas
relacionadas com o conhecimento do cérebro e do sistema nervoso e questionam as
complexas relações entre o homem e seu meio ambiente e os seus semelhantes. Da
investigação biomédica às ciências cognitivas, os actores, as abordagens e as
organizações que estruturam a neurociência são diversos.

17
Frequentemente convergentes, podem ser também competitivos.

Embora as descobertas e os desafios das neurociências sejam relativamente bem


conhecidos, esse campo suscita tanto esperança como preocupação. De forma
desorganizada e, às vezes, mal informada, a "neurociência" parece estar em toda parte.
Integradas, às vezes indiscriminadamente, em muitos debates, são mobilizadas em
torno das questões da sociedade e da saúde pública, educação, envelhecimento e
alimentam as esperanças de um homem aumentado.

****

Hoje, a manipulação da nossa percepção, pensamentos e comportamentos está a


ocorrer em escalas de tempo, espaço e intencionalidade anteriormente inimagináveis.
Essa é, precisamente, a fonte de uma das maiores vulnerabilidades com as quais todo o
indivíduo deve aprender a lidar. É possível que muitos actores explorem essas
vulnerabilidades, enquanto a evolução da tecnologia para produzir e divulgar
informação é cada vez mais rápida. Ao mesmo tempo, à medida que o custo da
tecnologia cai com regularidade, mais actores entram em cena.

À medida que a tecnologia evolui, o mesmo acontece com as vulnerabilidades.

18
A militarização da ciência do cérebro
Cientistas de todo o mundo estão a fazer a pergunta de como libertar a humanidade das
limitações do corpo. A linha entre cura e aumento torna-se indistinta. Além disso, a
progressão lógica da investigação é alcançar um ser humano perfeito através de novos
padrões tecnológicos.

Atrás da U.S. Brain Initiative iniciada em 2014, todas as principais potências


(UE/China/Rússia) lançaram os seus próprios programas de investigação do cérebro
com financiamentos substanciais. A China vê o cérebro “como o QG do corpo humano
e atacar precisamente o QG é uma das estratégias mais eficazes para determinar
a vitória ou a derrota no campo de batalha”.35

A revolução nas NBIC (nanotecnologia, biotecnologia, tecnologia da informação e


ciência cognitiva), incluindo avanços na genómica, tem potencial para o
desenvolvimento de tecnologia de dupla-utilização. Uma ampla gama de aplicações
militares, tal como melhorar o desempenho de soldados, desenvolver novas armas, tal
como armas de energia dirigida, são já discutidas.

Progresso e Viabilidade da Neurociência e Tecnologia (NeuroC/T)


A neurociência emprega uma variedade de métodos e tecnologias para avaliar e
influenciar substratos neurológicos e processos de cognição, emoção e comportamento.
Em geral, a ciência do cérebro pode ser investigação básica ou aplicada. A investigação
básica foca-se em obter conhecimento e promover a compreensão das estruturas e
funções do sistema nervoso a vários níveis, empregando métodos das ciências físicas e
naturais. A investigação aplicada procura desenvolver abordagens translacionais que
possam ser directamente usadas para compreender e modificar a fisiologia, psicologia
e/ou patologia de organismos alvo, incluindo humanos. Métodos e tecnologias
neurocientíficas (NeuroC/T) podem ser ainda categorizados como aqueles utilizados
para avaliar e aqueles utilizados para afectar as estruturas e funções do sistema
nervoso, embora estas categorias e acções não sejam mutuamente exclusivas. Por
exemplo, o uso de certas drogas, toxinas e sondas para elucidar funções de vários locais
do sistema nervoso central e periférico também pode afectar a actividade neural.

A NeuroC/T é amplamente considerada uma ciência natural e/ou da vida e há intenção


implícita e explícita, se não expectativa, de desenvolver e empregar ferramentas e
resultados de investigação em medicina clínica. Técnicas, tecnologias e informações
neurocientíficas podem ser usadas para fins médicos e não médicos (educacionais,
ocupacionais, de estilo de vida, militares, etc.).36

É questionável se as utilizações, capacitações de desempenho e capacidades resultantes


poderiam (ou deveriam) ser usadas em operações de informação e/ou diplomáticas
para mitigar e subverter a agressão, a violência e o conflito. De preocupação mais crucial
são as utilizações de resultados de investigação e produtos para facilitar directamente
o desempenho de combatentes, a integração de interfaces homem-máquina para
optimizar as capacidades de combate de veículos semiautónomos (por exemplo,
drones) e o desenvolvimento de armas biológicas e químicas (ou seja, neuroarmas).

19
Algumas Nações da OTAN já reconheceram que as técnicas e tecnologias
neurocientíficas têm elevado potencial para utilização operacional numa variedade de
empresas de segurança, defesa e informação, embora reconhecendo a necessidade de
abordar as questões éticas, legais e sociais actuais e a curto prazo geradas por essa
utilização.37

Utilização Militar e de Informação da NeuroC/T

A utilização da NeuroC/T para fins militares e de informação é realista e representa uma


preocupação clara e presente. Em 2014, um relatório dos EUA afirmou que a
neurociência e a tecnologia tinham amadurecido consideravelmente e estavam a ser
cada vez mais consideradas e, em alguns casos, avaliadas para uso operacional em
operações de segurança, informação e defesa. Mais amplamente, o reconhecimento
iterativo da viabilidade da neurociência e da tecnologia nestas agendas reflecte o ritmo
e a amplitude dos desenvolvimentos na área. Embora várias nações tenham seguido de
perto e estejam actualmente a seguir de perto a investigação e desenvolvimento
neurocientífico para fins militares, talvez os esforços mais proactivos a este respeito
tenham sido conduzidos pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos; com
investigação e desenvolvimento muito notável e de rápido amadurecimento conduzido
pela Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA) e pela Intelligence Advanced
Research Projects Activity (IARPA). Na verdade, muitos projectos da DARPA são
explicitamente dirigidos para o avanço de tratamentos e intervenções
neuropsiquiátricas que melhorarão tanto a medicina militar como a civil. Contudo, é
importante notar os proeminentes esforços em curso – e em expansão – neste domínio
por parte das nações concorrentes estratégicas da OTAN europeias e transpacíficas.

Como afirmou o relatório do Conselho Nacional de Investigação de 200838, “… para o


bem ou para o mal, a capacidade de melhor compreender as capacidades do corpo e do
cérebro… poderia ser explorada para reunir informação, operações militares, gestão de
informações, segurança pública e forense”. Parafraseando Aristóteles, toda a actividade
e ferramenta humana pode ser considerada como destinada a algum “bem” definível.
No entanto, as definições de “bom” podem variar, e o que é considerado bom para alguns
pode prejudicar outros. O potencial da NeuroC/T para proporcionar conhecimento,
compreensão e capacidade de afectar aspectos cognitivos, emocionais e
comportamentais de indivíduos e grupos torna as ciências do cérebro particularmente
atraentes para utilização em iniciativas de segurança, informação e exército/guerra.

Para abordar esta questão, é importante estabelecer quatro premissas fundamentais.


• Em primeiro lugar, a NeuroC/T é e será cada vez mais amplamente incorporada
em abordagens de segurança nacional, recolha e análise de informação e aspectos
de operações militares;
• Em segundo lugar, essas capacidades proporcionam um poder considerável;
• Em terceiro lugar, muitos países estão activamente a desenvolver e a subsidiar a
investigação em NeuroC/T sob agendas de dupla utilização ou para incorporação
directa em programas militares;
• Em quarto lugar, estes esforços internacionais poderiam levar a uma “corrida às
capacidades” à medida que as nações reagem a novos desenvolvimentos tentando
refutar e/ou melhorar as descobertas uns dos outros.

20
Este tipo de escalada representa uma possibilidade realista com potencial para afectar
a segurança internacional. Essa “diplomacia arriscada” deve ser reconhecida como um
potencial impedimento às tentativas de desenvolver análises e directrizes (que
informam ou incitam políticas) que procuram constranger ou restringir estas vias de
investigação e desenvolvimento.

As técnicas e tecnologias neurocientíficas que estão a ser utilizadas para esforços


militares incluem:
1. Modelação de sistemas neurais e redes interactivas homem/cérebro-máquina em
sistemas de informação, de treino e operacionais;
2. Abordagens neurocientíficas e neurotecnológicas para optimizar o desempenho e a
resiliência do pessoal de combate e de apoio militar;
3. Utilização directa para fins militares da neurociência e da neurotecnologia.

De notar que todos e cada um podem contribuir para estabelecer um papel para a
ciência do cérebro no cenário de batalha do século XXI.

Utilização directa para fins militares da NeuroC/T

A definição formal de arma como “um meio de lutar contra outros” pode ser alargada
para incluir qualquer implemento “…usado para ferir, derrotar ou destruir”. Ambas as
definições se aplicam a produtos da investigação da NeuroC/T que podem ser
empregados em cenários militares/de guerra. Os objectivos para as neuroarmas na
guerra podem ser alcançados aumentando ou reduzindo funções do sistema nervoso,
de modo a afectar a actividade e capacidade cognitiva, emocional e/ou motora (por
exemplo, percepção, julgamento, moral, tolerância à dor ou capacidades físicas e
resistência) necessárias para combate. Muitas tecnologias podem ser usadas para
produzir esses efeitos e há uma utilidade demonstrada para as neuroarmas tanto em
cenários de guerra convencional como irregulares.

Presentemente, os resultados e os produtos da neurociência computacional e a


investigação neurofarmacológica poderiam ser usados para aplicações mais indirectas,
tais como possibilitar esforços humanos simulando, interagindo e optimizando as
funções cerebrais e a classificação e detecção de estados cognitivos, emocionais e
motivacionais humanos para incrementar tácticas de informação ou contra-informação.
As neurotecnologias de interface homem/cérebro-máquina capazes de optimizar
sistemas de assimilação e interpretação de dados ao mediar o acesso a – e a manipulação
de – detecção, processamento e/ou integração de sinais estão a ser exploradas pelo seu
potencial de delimitar “elos fracos humanos” na cadeia de informação.

O uso para fins militares de ferramentas e produtos neurocientíficos não é novo.


Historicamente, essas armas que incluem gás nervoso e várias drogas, estimulantes
farmacológicos (por exemplo, anfetaminas), sedativos, estímulos sensoriais, têm sido
aplicadas como neuroarmas para incapacitar o inimigo, e até a privação de sono e a
distribuição de informações emocionalmente provocativas em operações psicológicas
(isto é, PSYOPS) poderiam ser correctamente consideradas como formas de aplicações
para fins militares da investigação neurocientífica e neurocognitiva.

21
Os produtos da investigação neurocientífica e neurotecnológica podem ser utilizados
para afectar
1) memória, aprendizagem e velocidade cognitiva;
2) ciclos sono-vigília, fadiga e alerta;
3) controlo de impulsos;
4) humor, ansiedade e autopercepção;
5) tomada de decisões;
6) confiança e empatia;
7) e movimento e desempenho (por exemplo, velocidade, força, resistência,
aprendizagem motora, etc.).
Em cenários militares/de guerra, a modificação destas funções pode ser utilizada para
mitigar a agressão e promover cognições e emoções de afiliação ou passividade, induzir
morbidade, incapacidade ou sofrimento e “neutralizar” potenciais oponentes em
potencial ou provocar mortalidade.

Neurodados
A combinação de múltiplas disciplinas (por exemplo, as ciências físicas, sociais e
computacionais) e a "partilha de técnicas e tecnologia" intencional têm sido decisivas
para descobertas e desenvolvimentos rápidos e numerosos nas ciências do cérebro.
Este processo, convergência científica integrativa avançada (AISC), pode ser visto como
um paradigma para depurar as disciplinas para promover o uso inovador de diversos e
complementares conjuntos de conhecimentos, habilidades e ferramentas para delimitar
as abordagens existentes para a resolução de problemas e para desenvolver novos
meios de explorar e aprofundar os limites de compreensão e capacidade. Essencial para
a abordagem da AISC em neurociência é o uso de métodos e avanços computacionais
(ou seja, big data) para permitir uma visão aprofundada e uma intervenção mais
sofisticada na estrutura e função(ões) do cérebro e, por extensão, na cognição humana,
na emoção e no comportamento.39

Essas capacidades em ciências tanto computacionais como cerebrais têm implicações


para as iniciativas de biossegurança e defesa. Várias neurotecnologias podem ser
empregadas cineticamente (isto é, proporcionando meios para ferir, derrotar ou
destruir adversários) ou não cineticamente (isto é, proporcionando "meios de lutar
contra os outros", especialmente de maneiras disruptivas). Embora muitos tipos de
NeuroC/T tenham sido abordados em e por fóruns, tratados, convenções e leis
existentes, outras técnicas e tecnologias mais recentes – incluindo os neurodados – não
o foram. Neste contexto, o termo "neurodados" refere-se à acumulação de grandes
volumes de informação, manipulação de conjuntos informacionais em grande escala e
muitas vezes diversos; e novos métodos de visualização, assimilação, comparação,
síntese e análise de dados. Essa informação pode ser usada para:

• elucidar mais detalhadamente a estrutura e função do cérebro humano;


• e desenvolver repositórios de dados que possam servir como métricas descritivas ou
preditivas para distúrbios neuropsiquiátricos.

Roubar e/ou modificar essas informações pode afectar a prontidão militar e de


informação, a conservação da força e a capacidade da missão e, portanto, a segurança
nacional. A manipulação de neurodados tanto civis como militares afectaria o tipo de
assistência médica que é (ou não) fornecida, poderia influenciar as maneiras pelas quais

22
os indivíduos são considerados e tratados socialmente e, destas formas, perturbar a
saúde pública e provocar uma mudança socioeconómica.

Como a actual pandemia de COVID-19 revelou, as respostas de saúde pública – e


institucional – a novos patógenos são altamente variáveis, na melhor das hipóteses,
caóticas na pior, e indubitavelmente custosas (a muitos níveis) em ambos os casos.
Certamente que essas lacunas ainda existentes nas infraestruturas e funções de saúde
(capazes de afectar selectivamente alvos específicos tais como indivíduos,
comunidades; animais domésticos, gado, etc.) e um programa agressivo de
desinformação para provocar efeitos disruptivos nas escalas social, económica, política
e militar que ameaçariam a estabilidade e a segurança nacional. Um esclarecimento
recente do Banco de Dados de Indivíduos Chave no Exterior (OKIDB) do governo chinês,
que, por meio de colaboração com uma entidade empresarial, Shenzhen Zhenua Data
Technology, acumulou dados para proporcionar “insights sobre figuras políticas,
militares e diplomáticas estrangeiras… contendo informações sobre mais de 2 milhões
de pessoas… e dezenas de milhares que ocupam cargos públicos proeminentes…” que
poderiam ser contratadas pelo “exército de hackers cibernéticos de Pequim”.

A biossegurança digital – um termo que descreve a intersecção de sistemas


computacionais e informações biológicas e como prevenir ou mitigar eficazmente os
riscos actuais e emergentes que surgem nessa interseção – torna-se cada vez mais
importante e necessária. A convergência de neurobiologia e das capacidades
computacionais, enquanto facilita avanços benéficos na investigação do cérebro e das
suas aplicações translacionais, cria um activo estratégico vulnerável que será procurado
pelos adversários para avançar com os seus próprios objectivos para a neurociência. A
pirataria de dados biológicos nos sistemas académicos, industriais e de saúde já ocorreu
– e os neurodados estão integrados em todos estes domínios.

Assim, é provável que haja mais tentativas directas de aproveitar os neurodados para
obter capacidade informacional, social, legal e militar e vantagem(ns) de poder, uma vez
que vários países que actualmente são estrategicamente competitivos com os EUA e os
seus aliados investem fortemente tanto em programas de investigação neurocientífica
e de cibernética científica como em infraestruturas. A crescente força da presença
quantitativa e económica destes estados nestas áreas pode – e destina-se a – mudar a
liderança internacional, a hegemonia, e influenciar normas e padrões éticos, técnicos,
comerciais e político-militares de investigação e utilização. Por exemplo, a liderança
russa declarou interesse no emprego de “passaportes genéticos” de modo que aqueles
militares que apresentem indicações genéticas de alto desempenho cognitivo possam
ser direcionados para tarefas militares específicas.

A neurobioeconomia

Os avanços na NeuroC/T contribuíram para muito crescimento na neurobioeconomia.


Com os distúrbios neurológicos a ser a segunda principal causa de morte em todo o
mundo (com aproximadamente 9 milhões de mortes; constituindo 16,5% das
fatalidades globais), vários países iniciaram programas de investigação cerebral e
inovação. Estas iniciativas visam:

23
1) avançar na compreensão dos substratos e mecanismos dos distúrbios
neuropsiquiátricos;
2) aprimorar o conhecimento dos processos de cognição, emoção e comportamento;
3) e aumentar os métodos para estudar, avaliar e afetar o cérebro e suas funções.

Os novos esforços de investigação integram melhores práticas para abordagens


interdisciplinares que podem utilizar avanços em ciência da computação, robótica e
inteligência artificial para fortalecer o âmbito e o ritmo das capacidades e produtos
neurocientíficos. Esses esforços de investigação são fortes impulsionadores de inovação
e desenvolvimento, tanto pela organização de objectivos de investigação mais amplos
como pela modelação da investigação em NeuroC/T para cumprir as agendas de
economia, saúde pública e segurança definidas.

Os rápidos avanços na ciência do cérebro representam um domínio emergente que


actores estatais e não estatais podem alavancar na guerra. Embora nem todas as
ciências do cérebro gerem preocupações de segurança, a autoridade e a influência
predominantes nos mercados biomédicos, de bioengenharia, de bem-estar/estilo de
vida e de defesa globais permitem um considerável exercício de poder. É igualmente
importante notar que esse poder pode ser exercido tanto em domínios operacionais não
cinéticos como cinéticos e vários países identificaram a NeuroC/T como viável, de valor
e de utilidade nos seus programas de guerra. Enquanto os tratados existentes (por
exemplo, o BTWC e o CWC)40 e as leis abordaram produtos específicos das ciências do
cérebro (por exemplo, produtos químicos, agentes biológicos e toxinas), outras formas
de NeuroC/T (por exemplo, neurotecnologias e neuroinformática) permanecem fora do
foco, do âmbito e da governação dessas convenções. A tecnologia pode influenciar, se
não moldar, as normas e a conduta da guerra e o futuro campo de batalha dependerá
não só da obtenção do "domínio biológico", mas também do "domínio
mental/cognitivo" e do "domínio da informação".

Será cada vez mais difícil regular e restringir as aplicações militares e de segurança da
NeuroC/T sem padrões estabelecidos e supervisão internacional adequada da
investigação e do potencial uso na prática.

*****

Em suma, não é uma questão de se a NeuroC/T será utilizada em operações militares,


de informação e políticas, mas antes quando, como, em que medida, e talvez mais
importante, se as nações da OTAN estarão preparadas para abordar, enfrentar,
combater ou evitar esses riscos e ameaças. Sob esta luz (e com base nas informações
apresentadas) é e será cada vez mais importante abordar as questões complexas
geradas pela influência das ciências do cérebro sobre a biossegurança global e o âmbito
e a conduta num futuro próximo das operações militares e de informação tanto não
cinéticas como cinéticas.41

24
Rumo a um novo domínio operacional
O advento do conceito de “guerra cognitiva” (GC) traz uma terceira grande dimensão de
combate ao campo de batalha moderno: às dimensões física e informacional é agora
adicionada uma dimensão cognitiva. Cria um novo espaço de competição, para além dos
domínios terrestre, marítimo, aéreo, cibernético e espacial, que os adversários já
integraram.

Num mundo permeado de tecnologia, a guerra no domínio cognitivo mobiliza uma gama
mais ampla de espaços de batalha do que as dimensões físicas e informacionais
conseguem fazer. A sua própria essência é assumir o controlo de seres humanos (civis
e militares), organizações, nações, mas também de ideias, da psicologia, especialmente
comportamental, dos pensamentos, bem como do meio ambiente. Adicionalmente, os
avanços rápidos na ciência do cérebro, como parte de uma guerra cognitiva amplamente
definida, têm o potencial de expandir consideravelmente os conflitos tradicionais e
produzir efeitos a custos mais baixos.

Através da acção conjunta que exerce nas 3 dimensões (física, informacional e


cognitiva), a guerra cognitiva incorpora a ideia de combate sem lutar que é cara a Sun
Tzu ("A arte suprema da guerra é subjugar o inimigo sem lutar"). Requer, por
conseguinte, a mobilização de um conhecimento muito mais amplo. Os conflitos futuros
provavelmente ocorrerão entre as pessoas primeiro digitalmente e depois fisicamente,
na proximidade de centros de poder político e económico.42

O estudo do domínio cognitivo, assim centrado no ser humano, constitui um novo


grande desafio indispensável a qualquer estratégia relativa à geração de poder de
combate do futuro.

A cognição é a nossa "máquina de pensar". A função da cognição é perceber, prestar


atenção, memorizar, raciocinar, produzir movimentos, expressar-se, decidir. Agir na
cognição significa agir sobre o ser humano.

Portanto, definir um domínio cognitivo seria muito restritivo; um domínio humano


seria, por conseguinte, mais apropriado.

Enquanto as acções tomadas nos cinco domínios são executadas para ter efeito no
domínio humano43, o objectivo da guerra cognitiva é fazer de todos uma arma.

Para reverter a situação, a OTAN tem de se esforçar para se definir num sentido muito
amplo e tem de ter uma consciência clara dos significados e avanços dos actores
internacionais que proporcionam à OTAN segurança estratégica específica e desafios
mais amplos no campo da guerra cognitiva.

25
Definição da Guerra Cognitiva Russa e Chinesa

No Controlo Reflexivo russo em 2012, Vladimir Karyakin acrescentou: “O advento das


tecnologias de informação e de rede, juntamente com os avanços da psicologia no
estudo do comportamento humano e no controlo das motivações das pessoas, tornam
possível exercer um efeito específico sobre grandes grupos, mas [também], para além
disso, remodelar a consciência de povos inteiros.”44

A GC russa enquadra-se na definição da Doutrina de Controlo Reflexivo. É uma operação


integrada que obriga um decisor adversário a agir e favor da Rússia, ao alterar a sua
percepção do mundo.45

Isto vai para além do “puro engano” porque usa múltiplas entradas para o decisor
usando tanto informações verdadeiras como falsas, em última análise com o objectivo
de fazer o alvo sentir que a decisão de mudar o seu comportamento foi sua:

- O Controlo Reflexivo visa, em última instância, a tomada de decisão do alvo.

- As informações transmitidas devem ser direcionadas para uma decisão ou posição.

- A informação deve ser adaptada à lógica, à cultura, à psicologia e às emoções do alvo.

O controlo reflexivo foi transformado num conceito mais amplo levando em conta as
oportunidades oferecidas pelas novas tecnologias de TI denominado ‘Gestão da
Percepção’. Trata-se de controlar a percepção e não de gerir a percepção.

A GC russa baseia-se numa compreensão profunda dos alvos humanos graças ao estudo
da sociologia, da história, da psicologia, etc. do alvo e o uso extensivo da tecnologia da
informação.

Como mostrado na Ucrânia, a Rússia usou o seu profundo conhecimento como


precursor e obteve uma vantagem estratégica antes do conflito físico.

A Rússia priorizou a Guerra Cognitiva como precursora da fase militar.

****

26
Domínio da Guerra Cognitiva da China

A China adoptou uma definição ainda mais ampla de GC que inclui a utilização
sistemática da ciência cognitiva e da biotecnologia para alcançar a "superioridade
mental".

A China definiu o Domínio Cognitivo de Operações como o campo de batalha para


conduzir a penetração ideológica (...) tendo como objectivo destruir o moral e a coesão
das tropas, bem como formar ou desconstruir capacidades operacionais”.

Abrange seis tecnologias, divididas em duas categorias (cognição, que inclui tecnologias
que afectam a capacidade de alguém de pensar e funcionar; e cognição subliminar que
abrange tecnologias que visam as emoções, o conhecimento, a força de vontade e as
crenças subjacentes de uma pessoa).

Em particular, “a inovação chinesa está preparada para procurar sinergias entre ciência
do cérebro, a inteligência artificial (IA) e a biotecnologia que podem ter implicações de
longo alcance para o seu futuro poder militar e total competitividade nacional.”46

O objectivo das operações cognitivas é alcançar a “superioridade mental” usando a


informação para influenciar as funções cognitivas de um adversário, abrangendo desde
a opinião pública em tempos de paz até a
tomada de decisões em tempos de “A esfera de actuação será alargada do
guerra.47 domínio físico e do domínio da informação
para o domínio da consciência, o cérebro
Os estrategas chineses preveem que o humano tornar-se-á um novo espaço de
ritmo e a complexidade das operações combate."
aumentarão drasticamente, à medida que He Fuchu, “A Futura Direcção da Nova
a forma ou o carácter da guerra continua Revolução Global em Assuntos Militares.
a evoluir. Como resultado, os estrategas
do Exército Popular de Libertação (PLA)
estão preocupados com os intensos desafios cognitivos que os futuros comandantes
enfrentarão, especialmente considerando a importância de optimizar a coordenação e
a fusão ou integração homem-máquina. Estas tendências aumentaram necessariamente
o interesse do PLA na relevância militar não apenas da inteligência artificial, mas
também da ciência do cérebro e novas direcções em tecnologias biológicas
interdisciplinares, que vão dos biossensores e dos biomateriais até às opções de
melhoramento humano. A mudança da informatização para a inteligencialização é vista
como exigindo a melhoria do desempenho cognitivo humano para acompanhar a
complexidade da guerra”.48

Como parte do seu Domínio Cognitivo de Operações, a China definiu “Military Brain
Science (MBS) como uma ciência inovadora de ponta que usa a potencial aplicação
militar como orientação. Pode trazer uma série de mudanças fundamentais ao conceito
de combate e de métodos de combate, criando um estilo de combate de “guerra
cerebral” totalmente novo e redefinindo o campo de batalha.”49 A procura de avanços no
campo da MBS provavelmente proporcionará à China avanços pioneiros. O
desenvolvimento da MBS pela China beneficia de uma abordagem multidisciplinar entre
as ciências humanas, a medicina, a antropologia, a psicologia etc. e também beneficia de
avanços "civis" na área, a investigação civil beneficiando intencionalmente a
investigação militar.

27
É sobre Humanos
Um ataque cognitivo não é uma ameaça que possa ser combatida no ar, na terra, no mar,
no ciberespaço ou no espaço. Pode muito bem estar, antes, a acontecer em qualquer um
destes domínios, por uma simples razão: os humanos são o domínio disputado.
Conforme demonstrado anteriormente, o humano é muitas vezes a principal
vulnerabilidade e isso deve ser reconhecido
para proteger o capital humano da OTAN, mas “A vitória será definida mais em
também para sermos capazes de beneficiar das termos de capturar uma posição de
vulnerabilidades dos nossos adversários. vantagem psicocultural do que uma
geográfica. Compreensão e empatia
“A cognição está incluída naturalmente no serão importantes armas de
Domínio Humano, portanto, um domínio guerra.”
cognitivo seria muito restritivo”, afirmaram Major-General Robert H. Scales
August Cole e Hervé Le Guyader no “6º domínio
da OTAN” e:
“…o Domínio Humano é aquele que nos define como indivíduos e estrutura as nossas
sociedades. Tem a sua própria complexidade específica em comparação com outros
domínios, devido ao grande número de ciências em que se baseia (...) e estas são aquelas
em que os nossos adversários se focam para identificar os nossos centros de gravidade, as
nossas vulnerabilidades.”50
A prática da guerra mostra que, embora a guerra de domínio físico possa enfraquecer
as capacidades militares do inimigo, não consegue atingir todos os propósitos da guerra.
Diante de novas contradições e problemas de ideologia, crença religiosa e identidade
nacional, as armas e as tecnologias avançadas podem ser inúteis e os seus efeitos podem
até criar novos inimigos. É, por conseguinte, difícil, se não impossível, resolver o
problema do domínio cognitivo apenas pela guerra no domínio físico.

A importância do Ambiente Humano


O Domínio Humano não está unicamente focado no capital humano militar. Abrange o
capital humano de um teatro de operações como um todo (populações civis, grupos
étnicos, líderes...), mas também os conceitos intimamente relacionados com os
humanos, como liderança, organização, processos decisórios, percepções e
comportamento. No fim de contas, o efeito desejado deveria ser definido dentro do
Domínio Humano (também conhecido como o comportamento desejado que queremos
alcançar: colaboração/cooperação, competição, conflito).
“Para vencer a (futura) guerra, os militares têm de ter conhecimento cultural suficiente
para prosperar em um ambiente estranho”.51
No século XXI, a vantagem estratégica virá de como envolver as pessoas, compreendê-
las e aceder a redes políticas, económicas, culturais e sociais para alcançar uma posição
de vantagem relativa que complemente a única força militar. Estas interacções não são
redutíveis às fronteiras físicas de terra, ar, mar, cibernética e espaço, que tendem a
focar-se na geografia e nas características do terreno. Elas representam uma rede das
redes que definem poder e interesses num mundo conectado. O actor que melhor
compreende os contextos locais e constrói uma rede em torno de relações que
aproveitam as capacidades locais tem mais probabilidades de vencer.

28
Para o historiador Alan Beyerchen, as ciências sociais serão o amplificador das guerras
do século XXI.52
Nas guerras passadas, o problema era que o factor humano não podia ser um
amplificador significativo simplesmente porque a sua influência era limitada e difícil de
explorar; os humanos eram considerados mais como constantes do que como variáveis.
Sem dúvida que os soldados poderiam ser melhorados por meio de treino, selecção,
adaptação psicológica e, mais recentemente, educação. Mas, no fim de contas, o factor
humano foi reduzido a números. Quanto maior o exército, maior a possibilidade de
vencer a guerra, embora a acção de um grande estratega pudesse contrabalançar este
argumento. Amanhã, ter melhores soldados e humanos mais eficazes será fundamental.
Por último, os recentes desenvolvimentos na ciência, em todos os tipos de ciência,
incluindo a ciência relacionada com o domínio humano, capacitaram qualquer pessoa,
quer indivíduos quer minorias comprometidas, com um poder devastador potencial à
sua disposição. Criou uma situação nunca antes vista na história da humanidade53, em
que indivíduos ou pequenos grupos podem comprometer o sucesso de operações
militares.

O cadinho das Ciências da Informação e das Ciências Humanas


A combinação de Ciências Sociais e Engenharia de Sistemas será fundamental para
ajudar os analistas militares a melhorar a produção de informação para a tomada de
decisões.54
O Domínio Humano de Operações refere-se a todo o ambiente humano, seja amigo ou
inimigo. Na era digital, é igualmente importante compreender primeiro as próprias
forças e vulnerabilidades humanas da OTAN face às dos adversários.
Uma vez que todos estão muito mais vulneráveis do que antes, todos precisam de
reconhecer que se pode pôr em perigo a segurança do conjunto. Daí que uma
compreensão profunda do capital humano do adversário (isto é, o ambiente humano da
operação militar) seja mais crucial do que nunca.
“Se o poder cinético não pode derrotar o inimigo, (…) a psicologia e as ciências sociais e
comportamentais relacionadas podem preencher o vazio.”55
“Alcançar os resultados estratégicos da guerra passará necessariamente pela expansão
do diálogo em torno das ciências sociais da guerra ao lado das “ciências físicas” da
guerra... (…) passará pela compreensão, influência ou exercício do controlo dentro do
“domínio humano”.56
A alavancagem das ciências sociais será essencial para o desenvolvimento do Plano de
Operações do Domínio Humano. Apoiará as operações de combate, proporcionando
potenciais cursos de acção para todo o Ambiente Humano circundante, incluindo as
forças inimigas, mas determinando também elementos humanos-chave tais como o
centro de gravidade cognitivo, o comportamento desejado como estado final.
Compreender os objectivos, os pontos fortes e as vulnerabilidades do alvo é
fundamental para uma operação para resultados estratégicos duradouros.

Quanto mais profunda a compreensão do ambiente humano, maior será a liberdade de


acção e a vantagem relativa.

29
A psicologia e as ciências sociais sempre foram essenciais para a guerra e, embora a
guerra esteja a afastar-se das operações cinéticas, elas podem ser o novo divisor de
águas. A psicologia, por exemplo, pode ajudar a compreender os motivos pessoais dos
grupos terroristas e as dinâmicas sociais que os tornam tão atraentes para os
(principalmente) jovens que se juntam a eles.

Como exemplo, a figura abaixo representa uma metodologia (chamada Weber) aplicada
ao estudo de grupos terroristas no Sahel. Combina Ciências Sociais e Engenharia de
Sistemas para ajudar a prever os comportamentos de grupos terroristas. A ferramenta
permite que os decisores avaliem a evolução dos actores por meio de padrões
comportamentais de acordo com vários critérios e parâmetros das ciências sociais e, em
última análise, antecipem cursos de acção.57

A análise, voltada para a compreensão do outro em sentido amplo (e muitas vezes não
ocidental), não pode prescindir da antropologia. A antropologia social e cultural é uma
ferramenta formidável para o analista, a melhor maneira de evitar ceder a um dos
preconceitos mais comuns da informação, o etnocentrismo, isto é, a incapacidade de se
livrar das estruturas mentais e das representações do próprio ambiente cultural.

As ciências cognitivas podem ser aproveitadas para melhorar o treino a todos os níveis,
especialmente para melhorar a capacidade de tomar decisões em situações tácticas
complexas. As ciências cognitivas podem ser empregadas na criação de programas de
treino altamente eficientes e flexíveis que podem responder a problemas em rápida
mudança.

30
Aspectos legais e éticos

Aspectos legais
O desenvolvimento, produção e uso de Tecnologias Cognitivas para fins militares
levantam questões quanto a se, e em que medida, os instrumentos legais existentes se
aplicam. Isto é, como é que as disposições relevantes devem ser interpretadas e
aplicadas à luz das características tecnológicas específicas e em que medida o direito
internacional pode responder suficientemente aos desafios legais envolvidos no
advento dessa tecnologia.
É essencial garantir que o direito internacional e as normas aceites sejam capazes de
levar em conta o desenvolvimento das tecnologias cognitivas. Especificamente, para
garantir que essas tecnologias possam ser usadas de acordo com a lei aplicável e as
normas internacionais aceites. A OTAN, por meio de seus vários aparelhos, deve
trabalhar para estabelecer um entendimento comum de como as armas cognitivas
podem ser empregadas para cumprir a lei e as normas internacionais aceites.
Da mesma forma, a OTAN deve considerar como é que a Lei de Conflitos Armados
(LoAC) se aplicaria ao uso de tecnologias cognitivas em qualquer conflito armado a fim
de garantir que qualquer desenvolvimento futuro tenha uma estrutura a partir da qual
trabalhar. O cumprimento integral das regras e princípios da LoAC é essencial.
Dada a complexidade e a natureza contextual das potenciais questões jurídicas
levantadas pelas tecnologias e técnicas cognitivas, e os constrangimentos associados a
este estudo patrocinado pela OTAN, será necessário mais trabalho para analisar esta
questão de forma completa. Por conseguinte, recomenda-se que esse trabalho seja
conduzido por um órgão adequado e que as Nações da OTAN colaborem no
estabelecimento de um conjunto de normas e expectativas acerca do uso e
desenvolvimento de tecnologias cognitivas. O foco imediato é como podem ser usadas
dentro das estruturas legais existentes e da Lei de Conflitos Armados.

Ética
Esta área de investigação – melhoramento humano e armas cognitivas –será
provavelmente objecto de grandes desafios éticos e legais, mas não podemos dar-nos
ao luxo de ficar para trás quando os actores internacionais já estão e desenvolver
estratégias e capacidades para os empregar. Há uma necessidade de considerar estes
desafios, uma vez que não só há a possibilidade de que estas tecnologias de
melhoramento humano sejam deliberadamente usadas para fins maliciosos, como
também pode haver implicações na capacidade do pessoal militar de respeitar a lei do
conflito armado.
É igualmente importante reconhecer os potenciais efeitos colaterais (tais como
deficiência na fala, deficiência na memória, aumento da agressividade, depressão e
suicídio) dessas tecnologias. Por exemplo, se qualquer tecnologia de melhoramento
cognitivo minar a capacidade de um sujeito de cumprir a lei de conflito armado, isso
seria uma fonte de preocupação muito séria. O desenvolvimento e o uso de tecnologias
cognitivas apresentam inúmeros desafios éticos, bem como benefícios éticos, tais como
a recuperação da Perturbação de Stress Pós-Traumático (PSPT). Os legisladores devem
considerar estes desafios seriamente à medida que desenvolvem políticas sobre
Tecnologias Cognitivas, exploram questões com maior profundidade e determinam se
podem surgir à medida que esta tecnologia e outras relacionadas se desenvolvem.

31
Recomendações para a OTAN
A necessidade de cooperação

Embora o objectivo da Guerra Cognitiva seja prejudicar as sociedades e não apenas o


exército, este tipo de guerra assemelha-se às “guerras de sombras” e exige uma
abordagem de todo o governo à guerra. Como anteriormente declarado, o conceito
moderno de guerra não é sobre armas, mas sobre influência. Para moldar as percepções
e controlar a narrativa durante este tipo de guerra, a batalha terá que ser travada no
domínio cognitivo com uma abordagem de todo o governo a nível nacional. Isto exigirá
uma coordenação melhorada entre o uso da força e as outras alavancas de poder em
todo o governo. Isto pode significar mudanças na forma como a defesa é fornecida,
equipada e organizada para oferecer opções militares abaixo do limiar do conflito
armado e melhorar a contribuição militar para a resiliência.

Para a OTAN, o desenvolvimento de acções no domínio cognitivo exige também uma


cooperação sustentada entre os Aliados para assegurar uma coerência total, construir
credibilidade e permitir uma defesa concertada.

Dentro das forças armadas, conhecimentos em antropologia, etnografia, história,


psicologia entre outras áreas serão, mais do que nunca, exigidos para cooperar com o
exército, a fim de obter insights qualitativos de dados quantitativos, por exemplo. Por
outras palavras, se a declaração de uma nova área de combate consagra a nova
importância dos humanos, trata-se mais de repensar a interacção entre as ciências
duras e as ciências sociais. A ascensão das tecnologias cognitivas dotou o ser humano
de uma análise e de uma precisão superiores. Para entregar decisões oportunas e
robustas, não será uma questão de confiar unicamente nas capacidades cognitivas
humanas, mas de cruzar sistemas de engenharia com ciências sociais (sociologia,
antropologia, criminologia, ciência política...) para enfrentar situações complexas e
multifacetadas. A modelização da dinâmica humana como parte do que se conhece como
Ciências Sociais Computacionais permitirá a utilização de conhecimento das ciências
sociais e relativo ao comportamento das entidades sociais, quer inimigas quer aliadas.
Ao mapear o ambiente humano, os estrategas e os principais líderes militares receberão
informações confiáveis para decidir sobre a estratégia certa.

Definição do Domínio Humano

Assim definido pelos grandes adversários da OTAN, o domínio do campo das percepções
é um espaço abstracto onde se misturam a compreensão de si (forças e fraquezas), do
outro (adversário, inimigo, ambiente humano), a dimensão psicológica, a recolha de
informação, a procura de ascendência (influência, tomada e conservação da iniciativa)
e a capacidade de reduzir a vontade do adversário.

Dentro do contexto das operações de múltiplos domínios, o domínio humano é


provavelmente o domínio mais importante, mas é muitas vezes o mais negligenciado.
Guerras recentes mostraram a incapacidade de atingir os objectivos estratégicos (por
exemplo, no Afeganistão), mas também de compreender ambientes humanos
estrangeiros e complexos.

32
A guerra cognitiva foi imposta às democracias liberais ocidentais ao desafiar os actores
internacionais que criaram estratégias para evitar o confronto militar, turvando assim
a linha entre a paz e a guerra ao visar o elemento mais fraco: os humanos. A GC, que
inclui o uso crescente das NBIC para fins militares, pode proporcionar um modo seguro
de domínio militar num futuro próximo.

O Domínio Humano das operações poderia ser provisoriamente definido como “a esfera
de interesse na qual estratégias e operações podem ser projectadas e
implementadas para que, visando as capacidades cognitivas de indivíduos e/ou
comunidades com um conjunto de ferramentas e técnicas específicas, em
particular as digitais, influenciarão a sua percepção e adulterarão as suas
capacidades de raciocínio, obtendo assim o controlo das suas alavancas de
tomada de decisão, percepção e comportamento para alcançarem os efeitos
desejados”.

“O poder militar é, sem dúvida, um segmento essencial da segurança. Mas a segurança


global refere-se a uma ampla gama de ameaças, riscos, respostas políticas que abrangem
dimensões políticas, económicas, sociais, de saúde (incluindo a saúde cognitiva!) e
ambientais, nenhuma delas estando coberta pelos seus actuais domínios de operações!
Alguns actores internacionais já usam armas que visam precisamente estas dimensões,
enquanto mantêm o seu arsenal cinético tradicional de reserva tanto quanto possível. A
OTAN, se quiser sobreviver, tem que abraçar este continuum e reclamar como sua
responsabilidade, juntamente com os seus aliados, alcançar, continuamente, a
superioridade em todo o mundo.”58

Sensibilizar os Aliados

Embora os avanços na tecnologia tenham sempre resultado em mudanças nas


organizações e doutrinas militares, os rápidos avanços na tecnologia, em particular na
ciência do cérebro e nas NBIC, devem forçar a OTAN a agir e a conceder uma maior
ponderação ao aparecimento das ameaças que representam a Guerra Cognitiva. Nem
todas as nações da OTAN reconheceram este carácter mutável dos conflitos. Declarar o
Humano como o sexto domínio de operações é uma forma de sensibilizar as Nações da
OTAN. A OTAN deve considerar integrar mais a consciência situacional humana nos
processos de consciência situacional tradicionais da Aliança.

Antecipando as tendências

Há indícios de que os adversários já compreenderam o potencial de desenvolver


tecnologias relacionadas com os humanos. Declarar o Domínio Humano como um sexto
domínio de operações tem o potencial de revelar possíveis vulnerabilidades que, de
outro modo, poderiam amplificar-se rapidamente. Não é tarde demais para enfrentar o
problema e ajudar a manter o domínio no campo da cognição.

33
Atrasos em declarar o Domínio Humano como um domínio de operações podem levar
combater a última guerra.

Dado que o processo de declaração de um novo domínio de operações é um processo


demorado e dada a sensibilidade do tema, a OTAN precisa de ser rápida em focar-se em
respostas políticas/militares enquanto a capacidade as ameaças dos nossos oponentes
ainda são baixas.

Finalmente, deverão ser levantados problemas éticos. Uma vez que não existe um
quadro jurídico internacional acordado no campo das neurociências, a OTAN pode
desempenhar um papel importante na pressão do estabelecimento de um quadro
jurídico internacional que cumpra os padrões éticos das Nações da OTAN.

Acelerando a partilha de informações

A partilha acelerada de informações entre os membros da Aliança pode ajudar na


integração mais rápida da interoperabilidade, para garantir a coerência entre as
operações de múltiplos domínios. A partilha de informações também pode ajudar
algumas nações a actualizarem-se nessa área. Em particular, a vigilância das actividades
internacionais em curso em ciência do cérebro e o seu potencial uso duplo em operações
militares e de informação devem ser realizadas e compartilhadas entre os Aliados,
juntamente com a identificação e quantificação dos riscos e ameaças actuais e a curto
prazo colocados por essas empresas.

Estabelecendo componentes DOTMLPFI [N.T. - acrónimo para Doutrina, Organização,


Formação, Material, Liderança, Pessoal, instalações, Interoperabilidade] a montante

O primeiro passo é definir o “domínio humano” na doutrina militar e usar a definição


para conduzir um espectro completo de análise de desenvolvimento de capacidades,
optimizando as forças armadas para as contingências mais prováveis do século XXI.
Uma vez que o Domínio Humano complementa os outros cinco, cada desenvolvimento
de capacidades deve incluir as especificidades das ameaças modernas, incluindo as
relacionadas com a guerra cognitiva e, de forma mais geral, o sexto domínio de
operações. O Domínio Humano não é um fim em si mesmo, mas um meio para atingir os
nossos objectivos estratégicos e responder a um tipo de conflito com o qual o exército
não está habituado a lidar.

Consagração de recursos para desenvolver e manter as capacidades das Nações da


OTAN para evitar a escalada de riscos e ameaças futuras:
1) vigilância continuada;
2) preparação organizacional e sistémica;
3) coerência em qualquer/todas as entidades com as quais é necessário permanecer a
bom ritmo e/ou à frente das capacidades tácticas e estratégicas dos concorrentes e
adversários neste espaço.

Impacto no Desenvolvimento da Guerra

Em essência, definir um novo domínio de operações e todas as capacidades e conceitos


que o acompanham faz parte da missão da ACT.

34
A ACT deveria conduzir um estudo mais aprofundado com foco em:
• Avanços em iniciativas da ciência do cérebro que possam ser desenvolvidas e
usadas para compromissos não cinéticos e cinéticos.
• Diferentes sistemas éticos que regem a investigação e o desenvolvimento
neurocientífico. Isto exigirá uma abordagem rigorosa, mais granular e dialética
para negociar e resolver questões e domínios de dissonância ética em muitos
discursos, e internacionais, de biossegurança.
• Revisão e avaliação contínuas das leis nacionais de propriedade intelectual, tanto
em relação à(s) lei(s) internacional(is), como no escrutínio de potencial ocultação
comercial de empresas de dupla utilização.
• Identificação e quantificação dos riscos e ameaças actuais e a curto prazo
colocados por essa(s) empresa(s)
• Reconhecer melhor o uso das ciências sociais e humanas em relação às ciências
“duras” para compreender melhor o ambiente humano (interno e externo)
• Incluir a dimensão cognitiva em todos os exercícios da OTAN, aproveitando novas
ferramentas e técnicas tais como as tecnologias imersivas

Juntamente com esses estudos, antecipar a primeira resposta (como a criação de um


novo COE [N.T. – Centro de Excelência] da OTAN ou repensar e adaptar a estrutura
fortalecendo as filiais conforme necessário) e definir uma taxonomia comum acordada
(Dominância Cognitiva/Superioridade/Centro de Gravidade Cognitivo etc.…) serão
tarefas-chave para a ACT ajudar a OTAN a manter a vantagem militar.

35
Conclusão
Deixar de frustrar os esforços cognitivos dos oponentes da OTAN condenaria as
sociedades liberais ocidentais a perder a próxima guerra sem lutar. Se a OTAN não
conseguir construir uma base sustentável e proactiva para o progresso no domínio
cognitivo, pode não ter outra opção senão o conflito cinético. As capacidades cinéticas
podem ditar um resultado táctico ou operacional, mas a vitória a longo prazo
permanecerá exclusivamente dependente da capacidade de influenciar, afectar, mudar
ou impactar o domínio cognitivo.

Porque os factores que afectam o


domínio cognitivo podem ser “Os progressos actuais em nanotecnologia,
envolvidos em todos os aspectos da biotecnologia, tecnologia da informação e
sociedade humana através das áreas da ciência cognitiva (NBIC), impulsionados pela
vontade, do conceito, da psicologia e do marcha aparentemente imparável de uma
pensamento, entre outras, para que troika triunfante feita de Inteligência
determinado tipo de guerra penetre em Artificial, Big Data e “dependência digital”
todos os campos da sociedade. Pode civilizacional, criaram uma perspectiva
muito mais ominosa: uma quinta coluna
prever-se que a futura guerra de
incrustada, onde toda a gente, sem que tenha
informação começará primeiro no
consciência, se comporta de acordo com os
domínio cognitivo, para aproveitar a
planos de um de nossos concorrentes.”
iniciativa estratégica política e August Cole, Hervé Le Guyader
diplomática, mas também terminará no O 6º Domínio da OTAN
domínio cognitivo.

A preparação para a guerra de alta intensidade continua a ser altamente relevante, mas
os actores internacionais que proporcionam à OTAN desafios de segurança estratégicos
específicos criaram estratégias para evitar o confronto com a OTAN em conflitos
cinéticos e escolheram uma forma indirecta de guerra. A informação desempenha um
papel fundamental nesta forma indirecta de guerra, mas o advento da guerra cognitiva
é diferente da simples Guerra de Informação: é uma guerra através da informação,
sendo o verdadeiro alvo a mente humana, e para além do humano per si.

Além disso, os avanços nas NBIC permitem alargar a propaganda e as estratégias de


influência. A sofisticação dos ataques híbridos alimentados por NBIC representam hoje
um nível de ameaça sem precedentes, na medida em que visam a infraestrutura mais
vital em que todos confiam: a mente humana.59

A guerra cognitiva pode muito bem ser o elemento em falta que permite a transição da
vitória militar no campo de batalha para o sucesso político duradouro. O domínio
humano pode muito bem ser o domínio decisivo, em que as operações multidomínios
alcançam o efeito do comandante. Os cinco primeiros domínios podem dar vitórias
tácticas e operacionais; só o domínio humano pode alcançar a vitória final e plena.
“Reconhecer o domínio humano e gerar conceitos e capacidades para daí obter
vantagem seria uma inovação disruptiva.”60

36
Bibliografia e Fontes

Ensaios

August Cole, Hervé Le Guyader, NATO 6th Domain of Operations, September 2020

Dr. James Giordano, Emerging Neuroscience and Technology (NeuroS/T): Current and
Near-Term Risks and Threats to NATO Biosecurity, October 2020

Artigo

Nicolas Israël and Sébastien-Yves Laurent, “Analysis Facing Worldwide Jihadist


Violence and Conflicts. What to do?” September 2020

Colaboração Online com a Universidade Johns Hopkins

“Cognitive Biotechnology, Altering the Human Experience”, Sep 2020


“Cognitive Warfare, an attack on truth and thoughts”, Sep 2020
Under the direction of Professor Lawrence Aronhnime
Contributors: Alonso Bernal, Cameron Carter, Melanie Kemp, Ujwal Arunkumar
Taranath, Klinzman Vaz, Ishpreet Singh, Kathy Cao, Olivia Madreperla

Experiências

DTEX (Disruptive Technology Experiment) - 7 October 2020


NATO Innovation Hub Disruptive Technology Experiment (DTEX) on disinformation.
Under the direction of Girish Sreevatsan Nandakumar (Old Dominion University)

Hackathon “Hacking the Mind”


Run by Dr. Kristina Soukupova and the Czech Republic Defense and Security
Innovation Hub, October 2020.
https://www.hackthemind.cz

37
Anexo 1
Caso de Estudo de Estado-Nação 1: A utilização das neurociências para fins
militares na China

Conforme descrito nos Planos Quinquenais (FYPs) e outras estratégias nacionais, a


China identificou e reconheceu o valor técnico, económico, médico, militar e político das
ciências do cérebro e iniciou esforços para expandir os seus actuais programas de
NeuroC/T. A China utiliza horizontes de planeamento estratégico mais amplos do que
outras nações e tenta combinar esforços dos sectores governamental, académico e
comercial (isto é, a “tripla hélice") para efectuar a cooperação e a centralização das
agendas nacionais. Esta coordenação permite que projectos e objectivos de investigação
sejam usados para uma série de aplicações e resultados (por exemplo, médicos, sociais,
militares). Tal como observado por Moo Ming Poo, director do Projecto Cérebro da
China, o envelhecimento crescente da população da China está a contribuir para um
aumento da incidência e prevalência da demência e de outras doenças neurológicas. No
seu mais recente FYP, a China abordou as preocupações económicas e de produtividade
criadas por essa população envelhecida, com um apelo para desenvolver abordagens
médicas para distúrbios neurológicos e expandir a infraestrutura de investigação em
NeuroC/T.

Este ambiente académico crescente foi aproveitado para atrair e solicitar colaboração
multinacional. Desta forma, a China está a usar a NeuroC/T internacional através de

1) turismo de investigação;
2) controlo da propriedade intelectual;
3) turismo médico;
4) e influência no pensamento científico global. Embora estas estratégias não sejam
exclusivas para a NeuroC/T, podem ser mais oportunistas nas ciências do cérebro
porque o campo é novo, expandindo-se rapidamente, e os seus mercados estão a
crescer e a ser definidos pelos interesses tanto dos acionistas como das partes
interessadas.

O turismo de investigação envolve o recrutamento estratégico de cientistas de grande


renome e experientes (principalmente de países ocidentais), bem como cientistas mais
novos para contribuir para, e promover, o crescimento, a inovação e o prestígio das
empresas científicas e tecnológicas chinesas. Isso é evidente por dois esforços
primários. Em primeiro lugar, iniciativas como o Thousand Talents Program [N.T. –
Programa Mil Talentos] (lançado em 2008) e outros programas (por exemplo, Hundred
Person Program, Spring Light Program, Youth Thousand Talents Program, etc. [N.T. -
Programa Cem Pessoas, Programa Luz Primavera, Programa Jovens Mil Talentos etc.]) visam atrair
investigadores estrangeiros, estimular e apoiar talentos nacionais e trazer de volta
cientistas chineses que estudaram ou trabalharam no estrangeiro. Além disso, as
directrizes de investigação éticas da China são, em alguns domínios, um pouco mais
permissivas do que as do Ocidente (por exemplo, experimentação irrestrita em
primatas humanos e/ou não humanos), e o director do Projecto Cérebro da China, Mu-
Ming Poo, afirmou que esta capacidade de empreender investigações que podem não
ser (eticamente) viáveis noutros lugares pode (e deve) atrair explicitamente cientistas
internacionais para conduzir investigações na China.

Em segundo lugar, a China continua a estar envolvida com as principais instituições


internacionais de investigação do cérebro para criar uma maior cooperação. Estes

38
esforços de investigação cooperativa e colectiva permitem que a China consiga um
"campo de jogo" mais uniforme nas ciências do cérebro. A China aproveita a política e a
lei de propriedade intelectual (PI) para avançar (e ocultar) a NeuroC/T e outras
biotecnologias de diversas maneiras. Primeiro, por meio da exploração de seu processo
de patentes criando um "matagal de patentes". O sistema de patentes chinês foca-se na
utilidade final de um produto (por exemplo, uma função neurológica específica num
dispositivo), em vez de enfatizar a ideia inovadora inicial, a contrário do sistema dos
EUA. Isto permite que empresas e/ou instituições chinesas copiem ou usurpem
patentes e produtos estrangeiros.

Além disso, as leis de patentes chinesas permitem que produtos e ideias de investigação
internacional sejam usados na China “para o benefício da saúde pública” ou para “um
grande avanço tecnológico”. Em segundo lugar, a coordenação supracitada das
instituições de ciências do cérebro e do sector empresarial estabelece o licenciamento
obrigatório sob as leis chinesas de propriedade intelectual e patentes. Esta estratégia
(isto é, "uso da lei contra os inimigos") permite que as empresas académicas e
corporativas chinesas tenham apoio económico e jurídico, enquanto reciprocamente
permitem à China direcionar agendas e directrizes nacionais de investigação através
destas colaborações neurocientíficas e tecnológicas internacionais. A China impõe os
seus direitos de patente e PI ao mundo inteiro, o que pode criar uma saturação de
mercado de produtos significativos e inovadores, e poderia criar uma dependência
internacional da NeuroC/T chinesa. Além disso, as empresas chinesas têm investido
fortemente em indústrias de conhecimento, incluindo empresas de inteligência artificial
e parcerias em livros e revistas académicos. Por exemplo, a TenCent estabeleceu uma
parceria com a Springer Nature para se envolver em vários produtos educacionais. Isto
permitirá uma participação significativa em narrativas futuras e na divulgação de
descobertas científicas e tecnológicas.

O turismo médico é a atracção e solicitação explícita ou implícita de indivíduos ou


grupos internacionais para procurar intervenções que ou só estejam disponíveis ou
sejam mais acessíveis num local específico. Sem dúvida que a China tem uma presença
neste mercado e, actualmente, os procedimentos disponíveis vão desde o relativamente
sublime, como o uso de estimulação cerebral profunda para tratar a dependência
química, até ao aparentemente “ficcional-científico”, como o recém-proposto
transplante de corpo para cabeça a ser realizado na Harbin Medical University em
colaboração com o neurocirurgião italiano Sergio Canavero. A China pode avançar e
desenvolver áreas das NeuroC/T de maneiras que outros países não podem ou não
querem, por meio da homogeneização de uma forte capacidade integrada de “do
laboratório para o doente” e da utilização de directrizes éticas não-ocidentais.

A China pode visar especificamente tratamentos para doenças que podem ter um alto
impacto global e/ou poderiam oferecer procedimentos que não estão disponíveis
noutros países (por razões ou sociopolíticas ou éticas). Este turismo médico poderia
criar uma dependência internacional dos mercados chineses à medida que os indivíduos
se tornam confiantes nos produtos e serviços disponíveis apenas na China, juntamente
com aqueles que são "fabricados na China" para uso ubíquo em qualquer outro lugar. A
crescente indústria biomédica da China, o esforço contínuo pela inovação e a expansão
das capacidades de fabrico posicionaram as suas empresas farmacêuticas e de
tecnologia com notoriedade nos mercados mundiais. Esse posicionamento – e a ética
um tanto permissiva que permite aspectos e tipos particulares de experimentação –
pode ser sedutor para cientistas internacionais se lançarem na investigação e/ ou na
produção biomédica comercial dentro das fronteiras soberanas da China.

39
Por meio destas tácticas de infiltração e saturação económica, a China pode criar
hierarquias de poder que estrategicamente induzem efeitos “biopolíticos” latentes que
influenciam o domínio posicional real e percebido dos mercados globais.

A China não é o único país que tem códigos éticos diferentes para regular a investigação.
É digno de nota que a Rússia tem dedicado e continua a dedicar recursos à NeuroC/T e,
embora não uniformemente aliada com a China, desenvolveu projectos e programas que
permitem a utilização de neurodados para aplicações não cinéticas e/ou cinéticas. Esses
projetos, programas e operações podem ser conduzidos de forma independente e/ou
colaborativa para exercer influência sobre concorrentes e adversários, de modo a obter
maior hegemonia e poder.

Por conseguinte, a NATO e os seus aliados internacionais têm que


4) reconhecer a realidade das capacidades científicas e tecnológicas de outros países;
5) avaliar que tendências actuais e a curto prazo pressagiam posições, influência e poder
globais;
6) e decidir como abordar as diferentes visões éticas e de política sobre inovação,
investigação e desenvolvimento de produtos.

40
Anexo 2
Caso de Estudo de Estado-Nação 2: A Iniciativa Tecnológica nacional da
Rússia61

O presidente russo, Vladimir Putin, declarou explicitamente a intenção de implementar


um plano de modernização agressivo por meio da Iniciativa Tecnológica Nacional (ITN).
Projectada para conceder uma vantagem superior em ambos os domínios comercial e
militar contra os principais concorrentes actuais e futuros da Rússia, a ITN foi vista
como um pouco prejudicada pelo legado de controlo governamental da nação, pela
complexidade económica imutável, pela ineficiência burocrática e pela geral falta de
transparência. No entanto, existem aparentes disparidades entre essa avaliação da ITN
e as suas capacidades, e a invenção contínua da Rússia e a implantação bem-sucedida
de tecnologias avançadas.

Ao contrário das manifestas afirmações e previsões feitas pelas comunidades científica


e política da China acerca do desenvolvimento e exercício da NeuroC/T para
reequilibrar o poder global, a explicação e a(s) demonstração(ões) dos esforços russos
na NeuroC/T tendem a ser informações subtis e detalhadas sobre vigilância e a extensão
de tal empreendimento e actividade está, na sua maior parte, restrita ao domínio
confidencial. Em geral, os esforços russos neste espaço tendem a basear-se em trabalhos
anteriores realizados sob a União Soviética e, embora não tenham um foco amplo,
ganharam relativa sofisticação e capacidade em áreas específicas que têm alta
aplicabilidade em compromissos disruptivos não cinéticos. Os usos de informação para
fins militares pela Rússia e os agentes neurotrópicos permaneceram bastante discretos,
se não clandestinos (e talvez encobertos), muitas vezes implicam actores estatais ou não
estatais como representantes e são velados por uma campanha de desinformação bem-
sucedida para evitar uma avaliação precisa de suas ciências e tecnologias existentes e
em desenvolvimento.

Os esforços militares em ciência e tecnologia da URSS eram avançados e apoiados


principalmente devido ao extenso complexo militar-industrial que, em meados da
década de 70 até a década de 80, se estima que tenham empregado até vinte por cento
da força de trabalho. Isto permitiu que a URSS se tornasse líder mundial em ciência e
tecnologia, classificada pela comunidade de investigação dos EUA como a segunda do
mundo em programas clandestinos de C&T (só porque o sistema soviético geral de
investigação e desenvolvimento (I&D) era excepcionalmente ineficiente, mesmo dentro
do sector militar). O colapso da URSS acabou com o complexo militar-industrial
soviético, o que resultou em reduções significativas nas despesas gerais e no apoio
estatal a programas de I&D.

Quaisquer reformas recém-implementadas do estado pós-soviético foram


relativamente modestas, gerando, na melhor das hipóteses, resultados de I&D
insuficientes. Durante este período, a I&D russos diminuíram aproximadamente 60% e,
à parte do envolvimento dos Ministérios com o sector militar, houve uma escassez de
cooperação directa entre as instituições russas de I&D e as empresas de C&T
operacionais. Esta interacção limitada foi ainda mais agravada pela falta de recursos,
pela incapacidade de trazer novas tecnologias aos mercados, pela ausência de
protecções para a propriedade intelectual e pelo êxodo de "fuga de capital humano" de
investigadores talentosos para nações com programas mais modernos e inovadores
com melhor remuneração e oportunidades de promoção.

41
Reconhecendo os problemas inerentes à monocultura dos ecossistemas económicos e
de C&T russos, o governo de Putin iniciou um processo de dirigir a Rússia para empresas
de alta tecnologia mais lucrativas. A ITN é ambiciosa, com metas para realizar
integralmente uma série de avanços em C&T/I&D até 2035. O objectivo central do NTI
é estabelecer "o programa para a criação de mercados fundamentalmente novos e a
criação de condições para a liderança tecnológica global da Rússia até 2035.” Para este
fim, os especialistas da ITN e a Agência de Iniciativas Estratégicas (AIE) identificaram
nove mercados emergentes de alta tecnologia para foco principal e penetração,
incluindo neurociência e tecnologia (isto e, o que a AIE denominou "NeuroNet").

O investimento substancial neste mercado visa ultrapassar a "maldição dos recursos"


pós-soviética, ao capitalizar as mudanças nos mercados globais de tecnologia – e
sectores de envolvimento – para expandir tanto as prioridades como as capacidades
económicas e militares/de informação. Segundo a AIE, a NeuroNet está focada nos
“elementos artificiais de consciência e mentalidade distribuídos”, com a priorização das
NeuroC/T pela Rússia sendo um factor chave operativo em operações de influência
dirigidas e nas economias e poder globais. As operações não cinéticas representam a
intersecção e o exercício mais viáveis destas prioridades comerciais, militares e
políticas, capacidades e focos de influência e efeito(s) global(ais).

42
Notas
1 P.Kozloski, https://www.realcleardefense.com/articles/2018/02/01/knowing_your-self_
is_key_in_cognitive_warfare_112992.html, February 2018

2 Green,
Stuart A. “Cognitive Warfare.” The Augean Stables , Joint Military Intelligence College, July
2008, www.theaugeanstables.com/wp-content/uploads/2014/04/Green-Cognitive-Warfare.pdf.

3 Clint Watts, (2018 ) Messing with the Enemy, HarperCollins

4 Asdefined by Wikipedia, a sock puppet or sockpuppet is an online identity used for purposes of
deception. It usually refers to the Russian online activism during the US electoral campaign 2016.
https://en.wikipedia.org/ wiki/Sock_puppet_account

5 https://www.belfercenter.org/sites/default/files/2019-11/CognitiveWarfare.pdf

6 DrZac Rogers, in Mad Scientist 158, (July 2019), https://madsciblog.tradoc.army.mil/158-in-the-


cognitive-warthe-weapon-is-you/

7 August Cole-Hervé Le Guyader, NATO 6th Domain of Operation, 2020

8 Ibid.

9 Alicia
Wanless, Michael Berk (2017), Participatory Propaganda: The Engagement of Audiences in
the Spread of Persuasive Communications:
https://www.researchgate.net/publication/329281610_Participatory_Propaganda_The_Engageme
nt_of_Audiences_in_the_Spread_of_Persuasive_Communications

10 Jacques Ellul, (1962) Propaganda, Edition Armand Colin

11 MattChessen, The MADCOM Future: How AI will enhance computational propaganda, The
Atlantic Council, Sep 2017

12 https://en.wikipedia.org/wiki/al_economics

13Shoshana Zuboff, (2019) The Age of Surveillance Capitalism, Public Affairs

14 PeterW. Singer, Emerson T. Brooking (2018) LikeWar The Weaponisation of Social Media, HMH
Edition page 95

15 Victoria
Fineberg, (August 2014 ) Behavioural Economics of Cyberspace Operations, Journal of
Cyber Security and Information Systems Volume: 2

16 Shoshana Zuboff, (2019) The Age of Surveillance Capitalism, Public Affairs

17 Michael J Mazarr, (July 2020) Survival: Global Politics and Strategy, Virtual Territorial Integrity:
The Next International Norm, in Survival: Global Politics and Strategy, IISS

18 Bernard Claverie and Barbara Kowalczuk, Cyberpsychology, Study for the Innovation Hub, July
2018

19 Dr
Zac Rogers, in Mad Scientist 158, (July 2019), https://madsciblog.tradoc.army.mil/158-in-the-
cognitive-warthe-weapon-is-you/

20 Haselton
MG, Nettle D, Andrews PW (2005). "The evolution of cognitive bias.". In Buss DM (ed.).
The Handbook of Evolutionary Psychology

43
21 Wikipedialists more than 180 different cognitive biases:
https://en.wikipedia.org/wiki/Cognitive_bias

22 Lora
Pitman (2019) “The Trojan horse in your Head: Cognitive Threats and how to counter them”
ODU Digital Commons

23 Robert P. Kozloski, https://www.realcleardefense.com/articles/2018/02/01/knowing_your-self_


is_key_in_cognitive_warfare_112992.html, February 2018

24 PeterW. Singer, Emerson T. Brooking (2018) LikeWar The Weaponisation of Social Media, HMH
Edition page 165

25 Dominique Moïsi (2010) The Geopolitics of Emotion, Edition Anchor.

26 Christophe Jacquemart (2012), Fusion Froide Edition

27 Fogg,
B.J. (2003). Persuasive Technology: Using Computers to Change What We Think and Do.
Morgan Kaufmann Publishers.

28 https://mwi.usma.edu/mwi-video-brain-battlefield-future-dr-james-giordano/

29 Maryanne Wolf, (2007)“Proust and the Squid: The Story and Science of the Reading Brain”
HarperCollins

30 Bernard
Stiegler, https://www.observatoireb2vdesmemoires.fr/publications/video-minute-
memoire-vers-uneutilisation-raisonnee-du-big-data 2019

31 https://pphr.princeton.edu/2017/04/30/are-video-games-really-mindless/

32“Never has a medium been so potent for beauty and so vulnerable to creepiness. Virtual reality will
test us. It will amplify our character more than other media ever have.” Jaron Lanier, (2018) Dawn of
the New Everything: Encounters with Reality and Virtual Reality, Picador Edition

33 PhilosopherThomas Metzinger: https://www.newscientist.com/article/2079601-virtual-reality-


could-be-an-ethicalminefield-are-we-ready/

34 Gayannée Kedia, Lasana Harris, Gert-Jan Lelieveld and Lotte van Dillen, (2017) From the Brain to
the Field: The Applications of Social Neuroscience to Economics, Health and Law

35 Pr.
Li-Jun Hou, Director of People’s Liberation Army 202nd Hospital, (May 2018), Chinese Journal
of Traumatology,

36 For more on the definition of “dual use” in neuro S/T, see Dr. James Giordano’s essay October
2020

37 National Research Council and National Academy of Engineering. 2014. Emerging and Readily
Available Technologies and National Security: A Framework for Addressing Ethical, Legal, and
Societal Issues.

38 Ibid.

39 Giordano J. (2014). Intersections of “big data”, neuroscience and national security: Technical
issues and de-rivative concerns. In: Cabayan H et al. (eds.) A New Information Paradigm? From
Genes to “Big Data”, and Insta-grams to Persistent Surveillance: Implications for National Security, p.
46-48. Department of Defense; Strategic Multi-layer Assessment Group- Joint Staff/J-3/Pentagon
Strategic Studies Group.

40 Biological and Chemical Weapons Conventions

44
41 DeFranco JP, DiEuliis D, Bremseth LR, Snow JJ. Giordano J. (2019). Emerging technologies for
disruptive effects in non-kinetic engagements. HDIAC Currents 6(2): 49-54.

42 Innovation Hub - Nov 2020Page of 44 45 Parag Khanna, Connectography: Mapping the Future of
Global Civilisation (New York Random House, 2016)

43 Megan Bell, An Approachable Look at the Human Domain and why we should care (2019),
https://othjournal.com/2019/06/17/an-approachable-look-at-the-human-domain-and-why-we-
should-care/

44 Vladimir Vasilyevich Karyakin, (2012) “The Era of a New Generation of Warriors—Information


and Strategic Warriors— Has Arrived,” Moscow, Russia, Nezavisimaya Gazeta Online, in Russian,
April 22, 2011, FBIS SOV

45 GILES,
SHERR et SEABOYER (2018), Russian Reflexive Control, Royal Military College of Canada,
Defence Research and Development Canada.

46 Elsa B. Kania, Prism Vol.8, N.3, 2019

47 Nathan Beauchamp-Mustafaga, China Brief, (Sep 2019)


https://jamestown.org/program/cognitive-domain-operationsthe-plas-new-holistic-concept-for-
influence-operations/

48 Ibid.

49 HaiJin, Li-Jun Hou, Zheng-Guo Wang, (May 2018 )Military Brain Science - How to influence future
wars, Chinese Journal of Traumatology

50 August Cole, Hervé Le Guyader, NATO ’s 6th Domain, September 2020

51 Maj. Gen. Robert H. Scales, (2006), http://armedforcesjournal.com/clausewitz-and-world-war-


iv/

52 AlanBeyerchen, "Clausewitz, Nonlinearity and the Unpredictability of War," International


Security, 17:3 (Winter, 1992)

53 August Cole, Hervé Le Guyader, NATO ’s 6th Domain, September 2020

54 "Analysis
Facing Worldwide Jihadist Violence and Conflicts. What to do?” Article for the
Innovation Hub, Nicolas Israël and Sébastien-Yves LAURENT, September 2020

55 https://www.psychologytoday.com/us/blog/head-strong/201408/psychology-and-less-lethal-

military-strategy

56 Generals Odierno, Amos and Mc Raven, Strategic Landpower, NPS Publication 2014

57 "Analysis
Facing Worldwide Jihadist Violence and Conflicts. What to do?” Article for the
Innovation Hub, Nicolas Israël and Sébastien-Yves LAURENT, September 2020

58 August Cole, Hervé Le Guyader, NATO 6th Domain of Operations, September 2020

59 Hervé
Le Guyader, the Weaponisation of Neurosciences, Innovation Hub Warfighting Study
February 2020

60 Ibid.

61 Ibid.

45

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