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Ensaio - Keli Risuenho Moraes

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE BRAGANÇA


FACULDADE DA LETRAS - FALE
CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS – LÍNGUA PORTUGUESA
PROFESSOR: BENEDITO UBIRANTAN DE SOUSA PINHEIRO JÚNIOR

KELI RISUENHO MORAES

A CONTEMPORANEIDADE DA SÁTIRA GREGORIANA

BRAGANÇA-PA
2022
A CONTEMPORANEIDADE DA SÁTIRA GREGORIANA

Keli Risuenho Moraes

RESUMO

O intuito desse trabalho é demonstrar a relevância e a atualidade da sátira gregoriana no atual


cenário político brasileiro. Para tanto, estabelecemos um diálogo comparativo entre dois
poemas de Gregório de Matos, bem como trechos de jornais e artigos relacionados ao tema.
No trabalho, também discutimos as possíveis origens da corrupção no Brasil, bem como os
fatores que a alimentaram desde tempos imemoriais. São reflexões acerca das representações
artísticas gregorianas do seu tempo e os fatos que fazem que toda obra e linguagem de
Gregório de Matos permaneçam tão atuais nos dias de hoje, ainda que produzidas no final do
século XVII.

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, a política brasileira passou por uma série de crises, causando
sérias inquietações em nosso país. Nesse sentido, o objetivo desse trabalho é fazer uma
análise comparativa de alguns dos poemas de Gregório de Matos e Guerra com o objetivo de
demonstrar o quão atual é o trabalho desse poeta.

O trabalho se fundamenta na medida que oferece uma reflexão sobre este autor tão
importante da nossa literatura barroca, ao mesmo tempo que nos faz pensar sobre alguns
fatores que colaboram para que a temática central da suas obras satíricas, a corrupção, ainda
se faça presente, e tão vigorosamente em nossa sociedade atual.

O trabalho está estruturado da seguinte forma: na primeira seção, intitulada “A origem


da corrupção”, apresentaremos o conceito deste tópico, assim como discutiremos alguns dos
fatores que contribuem para que a corrupção se perpetue ao longo dos anos em nossa
sociedade. Na segunda seção chamada “Gregório de Matos e Guerra o Boca do Inferno”,
falaremos sobre a vida e a poesia sátira de Gregório de Matos e também apresentaremos
brevemente algumas características do gênero sátira. Na terceira seção nomeada “Análise
comparativa”, será desenvolvido um resgate para ampliar os horizontes sobre as
representações artísticas gregorianas, bem como o panorama atual da corrupção no Brasil.
Apresentaremos nossa análise comparando poemas selecionados e aproximando-os de
excertos jornalísticas com temas de corrupção, despreparo intelectual, crise econômica e fake
news.

Para o desenvolvimento desse trabalho, foi escolhido o poema: “À Cidade da Bahia”,


além de alguns trechos de “Epílogos”, culminando no resgate e assimilação de
excertos de artigos e notícias referentes aos temas citados anteriormente. E por fim faremos as
nossas considerações finais.

1 A ORIGEM DA CORRUPÇÃO NO BRASIL

Etimologicamente, o termo “corrupção” vem do latim corruptus que significa “quebrar


aos pedaços”. “Em termos práticos, pode-se definir a corrupção como o ato de se utilizar de
meios ilícitos para o benefício próprio, sem a preocupação de se considerar o prejuízo alheio.”
(RIBEIRO, p. 4).

Sempre presente nos noticiários, a corrupção é um tema recorrente para a população


brasileira. E a extensão deste tipo de comportamento vai além dos noticiários, pois ela está
presente em nosso cotidiano, desde as nossas relações sociais mais simples. Infelizmente, ela
faz parte da cultura das nações e, portanto, não é exclusividade da cultura brasileira.

No que diz respeito às origens da corrupção no Brasil, atribui-se, normalmente, o


legado deixado pela colonização portuguesa como um dos fatores que podem ocasionar a
ocorrência do fenômeno da corrupção no seio da sociedade brasileira. Então, se pensarmos em
uma questão histórica e voltarmos no tempo no momento do “descobrimento” do Brasil por
Portugal, em 1500, o nosso país já apresentava casos de corrupção. Pois, a partir da
“descoberta”, se firmou em solo brasileiro a questão da dependência entre colônia e coroa
portuguesa, como destaca Furtado.

Com a descoberta do Brasil por Portugal, estabelecia-se a relação de dependência


entre a colônia e o conquistador, relação que iria durar mais de trezentos anos, em
que a função do Brasil seria fornecer fundos para a monarquia, para a aristocracia e
para os projetos expancionistas portugueses. (FURTADO, 2012, p. 2).

Ainda segundo Furtado (2012) nos primeiros anos que se sucederam ao


“descobrimento” algo que se tornou muito comum foi o contrabando de mercadorias.
Principalmente o contrabando de ouro que era realizado em grande escala, e praticado
inclusive pelos representantes religiosos. Nessa lógica, podemos notar que o nosso país foi
construído sem qualquer responsabilidade moral ou ideológica de formar uma nação. Apesar
de a herança portuguesa ser “mencionada como a razão para os elevados índices de
corrupção vigentes no Brasil.” (FURTADO, 2012, p. 4), ela não deve ser vista como a única
causa.

Maquiavel entendia que a natureza humana está sujeita tanto à bondade como à
maldade. Nesse sentido, segundo Lorente (2016) a corrupção é fruto da fraqueza humana e
também consequência da pobreza de espírito humano, pois muito dessa ação é resultado do
comportamento egoísta e cheio de vícios dos homens, o qual perpassa as leis chegando ao
desrespeito e ao abuso de poder.

2 GREGÓRIO DE MATOS E GUERRA O “BOCA DO INFERNO”

Gregório de Matos foi um dos mais conhecidos poetas do movimento barroco no


Brasil. Muito dos seus versos são ácidos, satíricos e refletem uma postura crítica ao governo
colonial, aos integrantes da sociedade e até mesmo aos representantes religiosos. E por fazer
uso de uma linguagem afiadíssima que não poupava ninguém, Gregório ficou conhecido
como “Boca do Inferno”, sua poesia satírica o tornou muito odiado, mas, por outro lado,
muito amado, pois muitos o viam como um “herói revolucionário, um sujeito muito
preocupado com seu povo e com as demais negligências que aconteciam na Bahia em seu
tempo.” (RIBEIRO, p. 8).

Com seu olhar crítico, traçou um retrato da Bahia da sua época, denunciou os
comportamentos considerados errôneos, como, por exemplo, a corrupção cometida por
governantes políticos e religiosos. Ele não tinha medo de ofender essas pessoas, tampouco
deixava de provocá-las. E com isso as poesias satíricas de Gregório de Matos não lhe rederam
apenas fama, mas também fizeram com que ele fosse deportado para Angola em 1685 e ser
proibido de voltar ao Brasil até 1694.

É importante lembrar que são três os principais temas abordados por Gregório de
Matos em suas obras: a poesia amorosa, a poesia religiosa e a poesia satírica, mas para esse
trabalho nos interessa apenas a poesia satírica e, portanto, vamos ao conceito dela.

A sátira é um gênero da literatura que tem como principal característica a ironia e o


sarcasmo. Trata-se, nesse sentido, de uma crítica social direcionada às pessoas e aos costumes
de maneira irrisória e por essa razão, muitas sátiras têm como alvo os políticos, as figuras
públicas, as instituições, etc. Entretanto, devemos lembrar que nem toda sátira é destrutiva,
ainda que tenha forte ação no ataque e na desmoralização. Ela aplica de maneira cômica o
texto aos personagens, destacando defeitos e carências morais e de caráter. É assim que ela
usa o humor para censurar práticas perniciosas. E sobre isso, salienta Rodrigo e Silveira.

A sátira age sobretudo pela deformação caricatural daquilo que se pretende atacar ou
desmoralizar, mas comporta matizes diversos e não é necessariamente destrutiva.
Contém, com freqüência, uma intenção reformadora, porque o conceito de sátira está
ligado ao sentimento de indignação e à vontade de moralizar os costumes.
(RODRIGUES, SILVEIRA, p. 3)

Assim sendo, a sátira utiliza do humor para reprimir práticas prejudiciais ao meio
social, e nessa perspectiva, é comum na linguagem satírica a adoção de recursos que vão da
obscenidade a palavras de baixo calão, misturando estilos e variando diálogos. E dos
escritores que fizeram uso desse gênero no Brasil podemos dizer que o baiano Gregório de
Matos Guerra é, sem dúvida, o mais destacado. Afinal, por meio do sarcasmo, do burlesco e
do grotesco, ele zombou, criticou e denunciou seus contemporâneos.

Na seção anterior falamos sobre as possíveis raízes da corrupção e nessa,


transcorremos sobre como o poeta Gregório de Matos e Guerra fez uso da poesia e da sátira,
para denunciar os vícios da sociedade colonial. E na seção a seguir vamos observar que apesar
da sátira gregoriana ter sido escrita no século XVI ela infelizmente ainda é capaz de
representar a sociedade do século XXI.

3 ANÁLISE COMPARTIVA

Nesta seção, faremos uma análise comparativa entre trechos de poemas de Gregório de
Matos e alguns recortes de notícias recentemente divulgadas com o intuito de mostrar
algumas similaridades entre a realidade do século XVI e a do século XXI.

Poema 1

À CIDADE DA BAHIA

A cada canto um grande conselheiro,


que nos quer governar cabana, e vinha,
não sabem governar sua cozinha,
e podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um freqüentado olheiro,


que a vida do vizinho, e da vizinha
pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,
para a levar à Praça, e ao Terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,


trazidos pelos pés os homens nobres,
posta nas palmas toda a picardia.

Estupendas usuras nos mercados,


todos, os que não furtam, muito pobres,
e eis aqui a cidade da Bahia.

MATOS, Gregório de. Seleção de Obras Poéticas.

No poema acima, Gregório expressa claramente sua decepção perante a forma como
sua cidade está sendo governada, “Um grande conselheiro/ que nos quer governar cabana e
vinha/ não sabem governar sua cozinha/ e podem governar o mundo inteiro”. Neste fragmento
nota-se que sua crítica se concentra na questão do poder, portanto, ele critica a degradação
moral e econômica no qual a cidade da Bahia se encontrava naquele momento.

Além disso, ele fala sobre o despreparo dos governantes políticos, fato ainda muito
presente nos dias atuais, em que há um grande despreparo por parte nossos governantes.
Como podemos observar no fragmento abaixo:

Existe um alto índice de analfabetismo no Brasil, e isso se deve ao fato do país não
investir em uma educação de qualidade para toda a sociedade. No período das
eleições muitos candidatos se enquadram nessa estatística e muitas vezes são eleitos
pelo povo, sem ter o menor preparo para representar a sociedade no poder.
(VASCONCELOS, 2015, p. 1).

E sobre esse aspecto, uma pesquisa realizada pelo instituto Datafolha em 2021 e divulgada
pelo site do jornal Folha de São Paulo constatou que a maioria dos entrevistados, isto é,
cidadãos brasileiros considera o atual presidente, Jair Bolsonaro, "despreparado",
"incompetente", "desonesto" e "não muito inteligente". Nessa perspectiva, o atual chefe do
Executivo, é apenas um exemplo de representante político despreparado dentre tantos que
estão no poder.

No que se refere à degradação moral, temos os seguintes versos: “Em cada porta um
freqüentado olheiro/ que a vida do vizinho, e da vizinha pesquisa/ escuta, espreita, e
esquadrinha/ para a levar à Praça, e ao Terreiro.” A partir desses trechos do poema, é possível
observar que no Brasil, a história das “fakes news” data da época da colônia, e de acordo com
o Globo (2018) muitos boatos envolveram a família real.

Entre tantos boatos, personagens como dom João VI, Carlota Joaquina e os
imperadores Pedro I e Pedro II foram envolvidos em comentários maldosos de
adversários, muitos deles inverídicos. Pesquisadores já colocam até em xeque a fama
de comedor de coxinhas de galinha de dom João VI. Não haveria a comprovação.
Sua mulher, Carlota Joaquina, também não teria se envolvido em tantas aventuras
extraconjugais como conta a História. Já artigos que pregavam uma imagem de
homem medroso a dom João VI teriam escondido uma filha bastarda do monarca.
Pedro I, filho de João e Carlota, também era alvo de ataques e se defendia com a
mesma moeda. Escrevia para jornais com pseudônimos, textos nem sempre
confirmados pelas redações. (REMIGIO, 2018)

Nesse sentido, Braga (2018) aponta que a divulgação de notícias falsas ou mentirosas
(fake news) é acontecimento conhecido internacionalmente e pode ser conceituado como a
propagação, por qualquer meio de comunicação, de notícias notoriamente falsas com o
objetivo de atrair a atenção para desinformar ou obter vantagem política ou econômica.

E assim como na colonização no cenário atual não é diferente, em dezembro de 2021,


o presidente Jair Bolsonaro (PL) virou alvo de um inquérito no Supremo Tribunal Federal
(STF). “Presidente afirmou que pessoas que tomaram duas doses do imunizante contra o novo
coronavírus no Reino Unido estão desenvolvendo aids; a afirmação, que é mentirosa, já foi
desmentida por cientistas de todo o mundo” (ARBEX, 2021). Essa é apenas uma das fakes
news divulgada pelo presidente Bolsonaro, afinal o chefe do Executivo é frequentemente é
associado à propagação de notícias falsas.

Além das questões de degradação moral e despreparo dos governantes políticos,


Gregório também fala em suas obras sobre a questão econômica que amedrontava a Bahia da
sua época.

Poema 2

EPÍLOGOS

“Que falta nesta cidade?... Verdade.


Que mais por sua desonra?... Honra.
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.

O demo a viver se exponha,


Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.

Quem a pôs neste rocrócio?... Negócio.


Quem causa tal perdição?... Ambição.
E no meio desta loucura?... Usura.” [...]

MATOS, Gregório de. Seleção de Obras Poéticas.

Notamos nestes trechos da obra artística de Gregório uma crítica feroz em relação à
incompetência e a desonestidade que assolavam a sociedade de Salvador. Neste poema ele
mostra as características de uma sociedade que estava em crise, em uma decadência
econômica, onde população passava por grandes dificuldades, inclusive fome. Nesse sentido,
é possível novamente relacionar o contexto vivenciado por Gregório ao nosso contexto atual.

Segundo Duarte (2022) no Brasil, o número de bilionários aumentou desde o início da


pandemia, assim como suas riquezas. Por outro lado, as famílias, especialmente as mais
pobres, são afetadas pelos reajustes nos preços dos alimentos, energia elétrica, gás de cozinha
e gasolina e diesel, que continuam afetando todos os preços. A inflação está aumentando,
corroendo os salários, e a política de aumentar as taxas de juros não está funcionando para
melhorar a economia. Pelo contrário, empurrou o país para a crise, empurrando as pessoas
para a informalidade, pobreza e miséria. Ou seja, assim como na colonização, a
desonestidade, a corrupção continuam massacrando nossa população, fazendo com que ricos
fiquem cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS

BRAGA, Renê Morais da Costa. A indústria das fake news e o discurso de ódio. In:

DUARTE, Maria Regina Paiva. A realidade bate à porta em 2022: ricos cada vez mais ricos,
pobres cada vez mais pobres. Instituto Justiça Fiscal. 07 de fev. de 2022. Disponível em:
https://ijf.org.br/ricos-cada-vez-mais-ricos-pobres-cada-vez-mais-pobres/. Acesso em: 17 jun.
2022.
FURTADO, Lucas Rocha. AS RAIZES DA CORRUPÇAO: ESTUDOS DE CAOS E
LIÇOES PARA NO FUTURO. Tese de doutorado. Universidade de Salamanca. Salamanca,
2012.

LORENTE, Vitoria Marques. Corrupção no Brasil e estratégias de combate. RBEFP. Belo


Horizonte, n. 14, p. 203-257, maio/ago. 2016.

MATOS, Gregório de. Seleção de Obras Poéticas. Disponível em:


http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraDownload.do?
select_action=&co_obra=1827&co_midia=2. Acesso em: 16 jun. 2022.
PEREIRA, Rodolfo Viana (Org.). Direitos políticos, liberdade de expressão e discurso de
ódio. Vol.1. Belo Horizonte: IDDE, 2018. p. 203-220. Disponível em:
https://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/bitstream/handle/bdtse/
4813/2018_braga_industria_fake_news.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 17 jun.
2022.

REMIGIO, Marcelo. Notícias falsas na política aparecem desde o Brasil Colônia. O Globo.
01 de abr. 2018. Disponível em< https://oglobo.globo.com/politica/noticias-falsas-na-politica-
aparecem-desde-brasil-colonia-22544134> . Acesso em 17 jun. de 2022.

RIBEIRO, Evandro. A POESIA SATÍRICA DO BOCA DO INFERNO ATUALIZADA


NA CORRUPÇÃO BRASILEIRA. 2018. 19 f. Trabalho de Curso – TC (Curso de
Especialização em Educação) – Instituto Federal Catarinense, Abelardo Luz, 2018.
RODRIGUES, Jerusa Helena Furtado; SILVEIRA, Dionísio Pedro da. Sarcasmo em
Gregório de Mattos e Guerra. Disponível em: https://www.google.com/url?
sa=t&source=web&rct=j&url=https://www2.unifap.br/marcospaulo/files/2013/05/Greg
%25C3%25B3rio-de-
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Vaw2qCj7n9XlBOSlml_BYQJph. Acesso em: 16 jun. 2022.

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