Espuma
Espuma
Espuma
Espuma
Acordei no fundo de um ônibus, minhas calças exalavam o azedume de vômito seco, não
sabia meu destino e não tinha forças para me levantar e perguntar ao condutor aonde ele nos
levava.
Alguns poucos rostos mantinham-se firmes contra o sono, outros aceitavam a derrota, mas todos
tinham algo em comum: Sofrimento. Até quem voltava das baladas da cidade, por mais
(des)arrumados que estivessem, sofriam, sofriam de alguma forma ou de todas elas.
Adormeci novamente.
De sobressalto, pelos solavancos do motorista, despertei, estávamos no ponto final.
Meu relógio havia parado às 02:50 da madrugada, o sol já nascia, perguntei ao motorista aonde
estávamos e que horas eram:
-Cinco e meia da manhã, você tá no centro de São Miguel, filho.
-Como chego em Itaquera?
-Itaquera estação, ou centro?
-Tanto faz, o que for mais perto.
-Sobe direto essa avenida, você vai sair a duas quadras do metrô, mas a caminhada é longa, uns
quarenta minutos.
-Tô com tempo de sobra, obrigado.
Antes fossem quarenta minutos. Caminhei por uma hora e meia. Dor de cabeça e ânsia de
vômito me acompanhavam. Como sempre, preferia não ter bebido, mas dessa vez dava para
acreditar, tinha motivos de sobra:
Às 22horas do dia anterior, sexta-feira, deveria estar embarcando rumo ao Chile, esperavam que
eu me apresentasse no escritório da El Plomo na segunda-feira, às 08hrs.
Até cheguei na rodoviária (tem ônibus pro Chile, sabia não?) com malas em punho, esperança no
peito, bem clichê de filme de drama, achei que minha vida, finalmente, daria “start”. Cheguei cedo,
às 19hrs30mins e, por ter medo da estrada, preferi tomar um drinque para relaxar, como
normalmente fazia.
Erro xucro. Imperdoável. Incorrigível.
Sentei a mesa, pedi um litrão. Enchia o copo pela metade quando ela se sentou.
-Me disseram que você ia sair do país.
-Por isso tu tá aqui?
-Claro que não, sabe que não ligo.
-Por que está aqui, então?
-Só passando, te vi sentado, quis dar oi.
-Quem vem numa rodoviária só passar? Mendigos?! Não fode, tava com medo de eu ir, não é?
-Eu sempre passeio por aqui. Na verdade, no andar de cima tem um café que eu adoro, aquele da
bosta do passarinho, como é o nome?
-Jacu Bird, dizem que é o café mais caro do mundo, não é à toa que tem cu no nome, deve ser uma
bosta.
(Literalmente).
-É pra quem tem classe, idiota. Vem cá, quem pede litrão numa rodoviária?
Enquanto ela terminava a frase, enchia um copo de cerveja que chegou enquanto conversávamos.
Adorava litrão.
A espuma que subia no copo me lembrava que, mais uma vez, isso não terminaria bem.
Às 21hrs, e quatro litrões depois, comecei a me levantar, sabia que não seria fácil me livrar dela,
mas para minha surpresa, ela nada disse enquanto me arrumava, pegava as malas e pagava a
conta.
Me segurou pelo braço no momento em que me virei para ir.
-Espera, vamos no banheiro, tenho que te “dar” uma lembrancinha.
Ela realmente fez as aspas com as mãos, gostava de ser específica.
- Tá maluca?! Esse lugar deve estar lotado de câmeras, seguranças e, outra coisa, só tenho meia-
hora, já tô atrasado. Estava meio alto, não reparei que a esperta bebia pouco enquanto eu secava
pelo menos três litros, sozinho.
-Só vai demorar se você quiser...
Já me puxava pela mão. O problema de beber com a maldita é que ela sempre sabia o ponto em
que o álcool me deixava fácil e, pior, sabia o que falar para me excitar.
Pestanejei.
Veio ao meu ouvido:
-