Câmera Na Mão, O Guarani No Coração - Parte 01 - 8º Ano
Câmera Na Mão, O Guarani No Coração - Parte 01 - 8º Ano
Câmera Na Mão, O Guarani No Coração - Parte 01 - 8º Ano
O GUARANI
Josi
O GUARANI
MOACYR SCLIAR
}99282
it a âica
no coraçao
Cimera na mao, O Guarani
Moacyr Scliar, 1998
Claudia Morales
Editora-chefe Fabricio Waltrick
Editor Carmen Lucia Campos
Editotvs assistentes Lizete Mercadante Machado
Ivany Picasso Batista
Coordenadora de revisào MarciaNunes
Revisora Fabiane Zorn
S434c
2.ed.
Scliar, Moacyr, 1937-
C.àmerana mão, O Guarani no coraçào / Moacyr Scliar ; ilustrações
Rogério Borges. - 2.ed. - Sào Paulo : Ática, 2008.
120p. : il. - (Descobrindo os Clássicos)
Contémsuplementode leitura
ISBN 978-8508-12023-9
I. Alencar, José de, 1829-1877. O Guarani —Literatura infantojuvenil.
2. Literaturainfantojuvenil brasileira. I. Borges, Rogério, 1951-.II. Título.
III. Série.
08-3611. CDD: 028.5
CDU: 087.5
2019
2' ediçào
1CP impressão
Impressão e acabamento: BMFGráfica e Editora
Lote: 119772
Todos os direitos reservados pela Editora Ática S.A.
Avenida das Nações Unidas, 7221
Pinheiros - Paulo - SP - CEP 05425-902
Atendimento ao cliente: (Oxxl 1) 4003-3061
atendimento@aticascipione.com.br
www.aticascipione.com.br
Os editores
SUMÁRIO
9
chegou a época do vestibular
vovô me emprestava. Quando
para depois me dedicar ao
não hesitei:escolhi Comunicação,
época ainda era novida-
cinema. Ou ao vídeo, que naquela
de, mas já me fascinava.
O problema é que eu não tinha equipamento. Todasas
minhas tentativas de gravar haviam sido feitas com câmeras
emprestadas, nem sempre muito boas. Eu não ousava pedir a
meu pai que comprasse uma. Funcionário público, ganhava
pouco, e as câmeras eram então caríssimas. E eu jamais con-
seguiria economizar o suficiente, ainda que fizesse um bico
aqui e outro ali.
Qual não foi a minha surpresa, portanto, quando um do-
mingo de manhã fui subitamente acordado pela família toda,
papai, mamãe, minha irmã mais velha Teresa. No começo,
meio tonto — tinha ido dormir de madrugada —, não me dei
conta do que estava acontecendo. Mas aí eles começarama
cantar o "Parabéns a você", e lembrei que era meu aniversá-
rio. Quando me entregaram uma caixa embrulhada em papel
de presente, jamais poderia imaginar o que continha.
Era uma câm,erade vídeo. Como a que eu queria? Não.
Muito melhor, muitíssimo melhor, o equipamento mais sofis-
ticado que eu já vira. Saltei da cama, abracei-os, chorando de
emoção.
— Agora você está com tudo para se transformar num ci-
neasta disse minha irmã. De fato, tudo o que eu queria era
experimentar a minha câmera. Mas meu pai não estava de
acordo:
— Primeiro, a festa. Você tem direito a um almoço na
Cantina do Pepe.
Vesti-mee fomos para lá. Como era de seu costume, 0
gordo Pepe anunciou ao microfone que o jovem Tato, "gênio
do cinema", comemorava o aniversário. Todos vieram me fe-
licitar; foi uma festança.
10
Nos dias que se seguiram eu passei todo o tempo às vol-
tas com a câmera: estudando o manual, gravando cenas, en-
fim, treinando, e cada vez mais maravilhado. Então, uma noi-
te, Teresa entrou no meu quarto, jornal na mão:
Tem uma coisa aqui que pode interessar a você — ela
disse.
— Leia para mim — pedi, ainda às voltas com a câmera.
Tratava-se de uma pequena nota no segundo caderno,
informando sobre um concurso para cineastas amadores, pro-
movido por uma fundação cultural. Os candidatos deveriam
apresentar adaptações de grandes obras da literatura brasilei-
ra, em filme ou em vídeo. O prêmio, em dinheiro, era dos
maiores naquele tipo de concurso.
O que é que você acha?— perguntou Teresa.
Eu deveria ter visto na notícia uma grande oportunida-
de; a verdade, porém, é que aquilo me deixou meio inseguro:
— Não sei. Acabei de ganhar a câmera, nem sequer sei
manejá-la...
— Talvez seja uma oportunidade para você aprender.
Tente, rapaz. O que é que tem a perder?No mínimo, ganha
alguma experiência. E é um desafio.
Mas não posso me meter nisso sozinho...
— Quem disse que você precisa se meter nisso sozinho?
E os seus amigos?Você não tem um grupo de amigos que que-
rem fazer cinema? Façam uma equipe. O regulamento aqui
diz que pode. Olhe só: "Poderão se inscrever concorrentes
isolados ou em equipe". Vá lá, mano. É uma boa.
— Você acha?
— Claro que acho. E acho também que vocês têm de se
mexer logo. As inscrições terminam no fim da semana.
Teresa era mais que uma boa irmã — era amiga e conse-
lheira. Era a ela que eu recorria quando tinha problemas ou
quando queria um conselho. Raramente errava, ela. De mo-
do que corri para o telefone e de imediato liguei para a turma.
11
A turma: três amigos que, como eu, eram apaixonados
por cinema. Aníbal, filho de Cássio Marques, conhecido ator
de tevê, Pedro, que conhecia toda a história do cinema brasi-
leiro, e Rosane, a Rô.
—-Tenho novidades para vocês. A gente se encontra no
Clécio, às cinco.
O Clécio era um bar frequentado por jovens com interes-
se em cinema, ou em música, ou em literatura. Lugar peque-
no, mas servia sanduíches muito bons, e com nomes de ci-
neastas, Fellini, Glauber Rocha, Antonioni. O cinquentão
Clécio era, como nós, fanático por cinema, e foi para ele que,
tão logo chegamos, mostrei a câmera:
— Grandes obras sairão daqui, Clécio! Grandes obras!
Ele pediu para ver o equipamento, examinou-o, aprovou-o:
— É bom mesmo. Vamos ver se você está à altura dessa
câmera. Mas antes disso...
Voltou-se para o pessoal das mesas:
— Atenção, pessoal! Vamos saudar o nosso amigo Tato
que está fazendo anos, e que hoje inicia a sua carreira de ci-
neasta!
De imediato todos se levantaram e vieram até o balcão.
De novo, foi aquela celebração. Aí alguém me bateu no ombro:
— Eu tenho direito de furar a fila.
Era a Rô, claro.
Ah, era bonita, ela. Um tipo exótico: filha de alemão com
mulata, era aquela mais improvável e fascinante das combi-
nações, morena com olhos claros. E alta, esguia, longos ca-
belos negros linda, linda. Além disso, inteligente e volunta-
riosa: na universidade, onde, como eu, cursava Comunicação,
era líder estudantil. Até havia pouco tinha sido namorada de
Aníbal; por iniciativa sua, haviam decidido terminar. As rela-
çôes entre os dois estavam estremecidas, volta e meia briga-
vam, o que, para mim e para Pedro, era motivo de desgosto
12
e constrangimento. Tentávamos reaproximá-los; nesse senti-
do, o concurso poderia ajudar bastante: um objetivo comum
seria ótimo para aparar arestas.
Todo mundo quis ver a câmera; e todos se mostraram im-
pressionados.
— Não há dúvida, seu pai quer ver você cineasta — dis-
se Aníbal, não sem melancolia; não se dava bem com o pai,
que aliás quase nunca via, o que era para ele motivo de cons-
tante frustração.
— Agora você não tem desculpa — acrescentou Pedro.
— Com uma câmera dessas você tem de fazer um grande
vídeo.
— É justamente sobre isso que eu queria falar — eu dis-
se. — Vamos sentar, precisamos bater um papo.
Sentamos todos, tirei do bolso o recorte de jornal, li a nota.
— Então? Não é uma grande oportunidade?
Fez-se um instante de silêncio. Eu olhava os meus ami-
gos, um a um. Não posso negar que estava ansioso; aquele
era um momento decisivo. Alguma coisa poderia estar come-
çando ali. Se topassem, claro. Com eles, eu me sentia pronto
para embarcar na aventura do vídeo. Sem eles, não me adian-
tava ter equipamento de última geração. E foi Rô, a decidida
Rô, quem tomou a iniciativa:
— Eu acho uma boa. Se queremos trabalhar com vídeo,
esta é a nossa chance. A gente tem de arriscar, sem medo. De
repente, somos melhores do que pensamos.
Talvez para contrariá-la— a mágoa às vezes é veneno-
sa -—,Aníbal optou por torcer o nariz:
— Sei não. Concurso é uma boa, como vocês dizem, e a
grana não é de jogar fora. Dá até para montar um pequeno
estúdio. Agora: adaptar uma grande obra... Não sei. Eu gosto
de ler, vocês sabem, e até já fiz adaptações, mas tenho medo.
Talvez fique uma coisa muito intelectualizada, muito elitista.
13
Uma dúvida que Pedro também tinha, mas por OUtra
razão:
Preferia que dessem mais liberdade. Essa história de
impor um tema me parece meio autoritária.
—-Acho que não — insistiu Rô. —— O tema são eles que
propõem; mas a forma somos nós que decidimos. O que vai
pesar aí é a nossa capacidade de imaginar, de criar. Estou ven-
do isto como um desafio.
Voltou-se para mim:
— E o dono da câmera, o que acha?
De início eu não soube o que responder. Os argumentos
de Anflyale Pedro me pareciam ponderáveis, mas o entusiasmo
de Rô me contagiara. Estava certa, ela: o que tínhamos a
perder? Depois, quem não se arrisca não consegue nada. De
modo que, depois de pensar um pouco, respondi:
— Concordo com você. Acho que temos de tentar, nem
que seja para adquirir experiência.
Uma ideia que Pedro e Aníbal acabaram aceitando. Mas
com restrições: precisávamos mais elementos para uma deci-
são definitiva. Será que os concorrentes poderiam escolher
um texto para adaptar? E, se fosse assim, que texto adaptaría-
mos? Cada um tinha um autor predileto, Rô adorava Jorge
Amado, Pedro era vidrado em Graciliano Ramos, Aníbal acha-
va Guimarães Rosa o máximo. Concluímos que de nada adian-
tavam as nossas especulações. Eu teria de colher mais infor-
mações e trazê-las para o grupo.
— Amanhã mesmo faço isso prometi E de noite a
gente se encontra aqui para conversar.
Nesse momento as luzes se apagaram; foi uma gritaria
geral, todos pensando em blecaute; mas logo surgiu Clécio,
carregando um bolo com velas acesas. Veio para a nossa mesa:
— Vamos lá, garoto. Sopre com vontade.
Com um assoprào, apaguei as velinhas. Todos cantaram
o "Parabéns a você", todos me abraçaram.
14
-—Você ainda nào disse o que quer de aniversário lem-
brou Ró.
— O presente que eu quero é o prêmio do concurso —
respondi. — E conto com meus amigos para isso.
—Já está no papo — garantiu Rô, e levantou o copo: —
Um brinde ao Tato e à sua gloriosa carreira.
Todos brindaram e aplaudiram. Ficamos ali sentados, con-
versando, falando sobre vídeo e filmes — o assunto que nos
apaixonava a todos. Eram duas da manhã quando o Clécio fi-
nalmente nos expulsou, dizendo que estava na hora de fechar.
Fui para casa, deitei-me. Estava muito cansado, mas, ex-
citado, não podia dormir. Às sete estava acordado, para as-
sombro da família:
Já de pé a esta hora? — perguntou mamãe. — O que
foi que deu em você?
— Você esqueceu? Vou me inscrever no concurso.
Nem quis tomar café: meti uma banana no bolso e saí cor-
rendo para a parada de ônibus.
15
Melhor o senhor falar com a dona Margarida,
dessas coisas todas. a
tora. Ela está por dentro Entre por
Ia porta, por favor. aque_
A dona Margaridaera uma senhora de idade
gorda. Usavaóculos de elaborada armação e um elegante
tido escuro. Recebeu-me numa sala ampla, com ves-
prateleiras
cheiasde livros encadernados em couro preto:
—-Muitobem, o senhor veio se inscrever para o
concur-
so disse, solene. Estranhei aquele "senhor", mas, enfim,
era
um tratamento compatível com o pomposo lugar. Tirou
um formulário:
da
gaveta
— Estaé a ficha de inscrição, que o senhor tem de
preencher
Olhou-me, inquisitiva:
— O senhor já conhece o regulamento do concurso?
— Só o que eu li no jornal — respondi.
Ela sorriu:
— Não acha que seria melhor saber exatamente do que
se trata,antes de colocar sua assinatura na ficha de inscrição?
Sem esperar resposta, abriu de novo a gaveta, tirou um
folheto:
— Aqui está. Sente-se e leia com calma, atentamente.
Comeceia ler, e de imediato um item me chamou a aten-
çào: "O concurso destina-se a selecionar a melhor adaptação,
para filme ou vídeo, de uma cena da obra O Guarani, de Jo-
sé de Alencar".
Aquilome deixou meio perplexo. Então não se tratava
de tema livre?O cineasta não poderia fazer o filme que qui-
sesse,o vídeo que quisesse? Depois, tratava-se de um trecho,
não da obra inteira. Qual trecho?
Adivinhandominha estranheza, dona Margarida sorriu
de novo. Um sorriso contido, levemente irônico:
--- Talvezlhe interesse saber que este concurso está sen-
do promovido pelo pro-
senhor Armando de Seixas Arruda,
prietáriodas Casas da de fil-
Imagem, aquela cadeia de lojas
16
mes e vídeos. O senhor Armando de Seixas Arruda é um gran-
de admirador da obra de José de Alencar, principalmente O
Guarani. Gostaria de vê-la divulgada entre os jovens, e então
ocorreu-lhe a ideia de promover um concurso para cineastas
iniciantes, como deve ser o seu caso. Uma ideia que a nossa
fundação aprovou... trabalhamos muito com gente jovem... e
que está ajudando a divulgar. Tudo o que o senhor tem a fazer
é escolher uma cena do livro e adaptá-la para filme ou vídeo.
Eu fiquei em silêncio, sem saber o que dizer.
Então? — perguntou dona Margarida.— O senhor vai
participar?
Vacilei um pouco mais e depois — que diabo, seja o que
Deus quiser — decidi:
— Vou.
Rapidamente, preenchi a ficha de inscrição. Por que es-
tou fazendo isso, era o que eu me perguntava. Era por causa
do prêmio, claro, mas não só por causa do prêmio: eu me sen-
tia inquieto, excitado, como alguém que vai embarcar numa
aventura em um país desconhecido.
17
De como encontrei
José de Alencara—e ele sobreviveu
18
— Aqui está.
Minha primeira reaçào, confesso, foi de alívio -—tratava-
-se de um livro relativamente fino: duzentas e poucas páginas,
contando o índice e a introdução. Verdade que as letras eram
pequenas, mas mesmo assim não se tratava de um catatau, de
um romançào como aqueles que mamãe lia até altas horas.
Perguntei quanto era. Sim, o preço era razoável, o que,
de novo, me pareceu um sinal auspicioso.
— O senhor já conhecia O Guarani? — perguntou o li-
vreiro, enquanto tirava a nota.
Eu disse que não. O que era mentira, ou, ao menos, meia
mentira: claro, no colégio o professor falara de José de Alen-
car e de O Guarani, e eu até sabia que a história tinha alguma
coisa a ver com índio. Optara por não ler a obra, torcen-
do para que não caísse no vestibular.E não caíra, de fato, o
que eu agora até lamentava.
O homenzinho sorriu:
— Garanto que o senhor vai gostar demais. É para algum
trabalho de escola?
— Mais ou menos — respondi. Não queria falar muito;
afinal, já estava concorrendo ao prêmio, e teria de manter cer-
to segredo.
— Se é para um trabalho, recomendo ler a introdução.
Aqui você vai encontrar muitos dados interessantes. Por exem-
PIO:sabe que idade tinha o José de Alencar quando escreveu
O Guarani? Vinte e oito anos. Jovem, não é?
Riu:
— Pelo menos para mim, que tenho setenta anos. Para
você talvez não. Pois é: o José Martinianode Alencar era de
Mecejana, no Ceará. De onde veio a minha família, aliás.
Cresci ouvindo falar em Alencar. Era um herói para nós. Se bem
que não ficou lá; veio para o Rio de Janeiro, depois estudou
direito em São Paulo...
E aí virou escritor?
19
jornal. Você vai ver
Pritneiro trabalhou em nesse livro.
do jornalista. Aliás, O Guarani foi primeiro
ele tetn o pique
de folhetim.
blieadosob a fornia
pus
Folhetim?
É, uma história publicada na imprensa, em capítulos
em moda, no Brasil e
diários.Um género que estava no
nisso: cada capítulo termina
do. O Alencarera muito bom
suspense. Sabia prender a atenção dos leitores. E corn
um depois
elegeu-se várias vezes deputado, foi
dos eleitores: ministro da
Justiça, mas acabou brigando com o imperador D. Pedro 11e
largou a política. Morreu cedo, o coitado. De tuberculose: era
a doença daquela época romântica.
Peguei o livro, comecei a folheá-lo. De imediato, trope_
cei em uma ou duas palavras difíceis; devo ter feito uma cara
desanimada, porque o livreiro resolveu dar uma força:
— Leia o livro, rapaz, você vai gostar. Você pode estra-
nhar um pouco a linguagem; afinal, o livro foi escrito no sé-
culo passado, mas o ritmo da história é fantástico. Esses caras
que fazem filme de açào teriam muito a aprender com o José
de Alencar.
O senhor acha mesmo? — Aquela observação teve o
mágicopoder de despertar o meu interesse. Quem sabe esta-
va diante de uma oportunidade insuspeitada? Quem sabe en-
contraria,naquele livro de um autor há muito falecido,a
históriaque eu estava esperando para levar à tela?
— Claro que acho. Olhe, li tudo que o Alencar escreveu:
Cinco minutos, A viuvinha, Lucíola, Diva, Iracema, As mi-
nas de prata, O gaúcho, A pata da gazela, Guerra dos Mas-
cates, O tronco do ipê, Sonhos d'ouro, Til, Alfarrábios, Ubi-
rajara, Senhora, O sertanejo, Encarnação... será que esqueci
algumaAcho que não. Mas como ia lhe dizendo: li todos os
romances dele e acho que é um grande escritor. E um grande
escritorbrasileiro,o que é importante. Um inovador...
— E no que ele inovou?
20
Quando começou a escrever, o Brasilvivia sob a in-
fluência da cultura europeia, apesar de já estar independente
de Portugal. Bom era o escritor português, o escritor francês.
Índio na literatura? Isso era novidade, e Alencar até se meteu
numa polêmica a respeito.
A conversa lhe dava prazer, ele puxou duas cadeiras: sen-
tou-se, pediu que eu me sentasse também.
— A coisa foi assim: um contemporâneo dele, Gonçal-
ves de Magalhães, tinha escrito um longo poema chamado A
Confederação dos Tamoios.
Contra os índios, decerto...
Ao contrário: a favor. Àquela altura da nossa História
já dava para começar a reabilitação dos índios. O imperador
D.Pedro II ficou tão entusiasmado que mandou editar o poe-
ma à custa do governo. O que deixou o Alencar muito irrita-
do. Escrevendo no jornal... sob pseudônimo, como era costu-
me na época... ele baixou a lenha nos tamoios do poeta. Disse
que aquilo não era índio brasileirocoisa nenhuma, que aque-
les índios poderiam morar na China ou na Europa que não fa-
ria a menor diferença...
— Será que não estava mordido com o sucesso do outro?
— Talvez. Mas com esse ataque o Alencar tinha coloca-
do uma questão: se o Gonçalves de Magalhães não tinha tra-
tado com dignidade o tema do índio, quem o faria? "Eu", foi
sua resposta.
— Modesto, ele...
Bem, modesto não precisava ser, provavelmente co-
nhecia sua própria capacidade. Meteu mãos à obra e produ-
ziu O Guarani, que os leitores adoraram. Tinha todos os in-
gredientes para agradar: paixão, mistério, intriga, açào,
suspense. E era literatura brasileira, feita para o público bra-
sileiro. Mas é um autor do século passado, dirá você, e eu res-
ponderei: sim, é literatura do século XIX, mas há coisas
que não mudam. O pessoal não lê a Bíblia até hoje, não vê as
21
pesas de Shakespeare? Sào obras que falam da
mana, e esta basicamente é a mesma. As pessoas
naturezah
também amavam, também sofriam, do
também Sé
Riu:
-—Mas já estou aqui a fazer discursos. Minha
mulh
razào:"Vocêtem de vender livros", ela diz, "não dou . tem
clientes".Só que não resisto à tentação. E quand o
José de Alencar, então, posso falar um dia inteiro.se tratade
quero influenciarvocê. Leia o livro e conclua Mas
sozinho. Estou
aqui à sua disposição. Se quiser saber mais sobre
o
me procure. Como você viu, adoro bater papo sobre assunto
Um freguês entrava. Agradeci, despedi-me e literatura
saí.
22
Não é nesse lugar que ele deve ser visto; sim três ou
quatro léguas acima de sua foz, onde é livre ainda, co-
mo ofilho indômito dessa pátria de liberdade.
Aí, o Paquequer lança-se rápido sobre o seu leito,e
atravessa asflorestas como o tapir, espumando, deixan-
do o pelo esparso pelas pontas do rochedo e enchendo a
solidão com o estampido de sua carreira. De repente,
falta-lhe o espaço,foge-lhe a terra; o soberbo rio recua
um momentopara concentrar as suas forças e precipi-
ta-se de um só arremesso, como o tigre sobre a presa.
Depois, fatigado do esforço supremo, se estende so-
bre a terra, e adormece numa linda bacia que a natu-
reza formou, e onde o recebe como em leito de noiva,
sob as cortinas de trepadeiras eflores agrestes.
A vegetação nessas paragens ostentava outrora to-
do o seu luxo e vigor;florestas virgens se estendiam ao
longo das margens do rio, que corria no meio das arca-
rias de verdura e dos capitéisformados pelos leques das
palmeiras. Tudo era grande e pomposo no cenário que
a natureza, sublime artista, tinha decoradopara os dra-
mas majestosos dos elementos, em que o homem é ape-
nas um simples comparsa "
Fechei o livro. Meio confuso, confesso. De um lado, me
sentia esmagado por aquela torrente de palavras complicadas
e metáforas idem... "arcarias de verdura" e "leques das pal-
meiras", por exemplo. Por outro lado, o texto me impressio-
nava: como o rio ali descrito, ele fluía, ora caudaloso, ora tran-
quilo. Agora: aonde nos levaria aquele rio? Que história aque-
le preâmbulo antecipava? Uma incógnita, e também um desafio.
Que já começava a me mobilizar. E também a me inquietar.
Cansado, tirei a roupa, deitei, e acabei adormecendo. So-
nhei que estava na clareira de uma floresta, sozinho, com a
câmera na mão. Por entre os galhos, olhos me espiavam: os
índios, preparando-se para o ataque. Queria gritar, me acu-
23
dam, me tirem, me salvem, eles vào me matar mas era inú-
til, a voz não me saía da garganta. Acordei sobressaltado: al-
guém me sacudia. Era papai:
— Você dormiu todo o dia, cara?
Olhei pela janela: estava anoitecendo. Tinha, sim, dor-
mido todo o dia.
— Se o futuro do cinema brasileiro dependesse da hora
que você acorda — disse Teresa, entrando — os espectado-
res teriam de esperar muito tempo para ver um filme.
Teresa não perdoava preguiça. Porque era uma batalha-
dora, ela: formada em filosofia, ganhava a vida trabalhando
num escritório, e depois ficava lendo e escrevendo até de ma-
drugada. De modo que aceitei a crítica e me levantei.
Mamãe entrou, viu O Guarani sobre a cama:
— Não posso acreditar! Meu filho Tato lendo um clássi-
co da literatura brasileira! Gente, sinto-me realizada!
— Que invasão é esta no meu quarto? — protestei. — Vo-
cês vieram aqui para me encher o saco? Saiam, saiam. Tenho
de me vestir.
— Mas você nem jantou! — Mamãe estava sempre insis-
tindo para que eu comesse, achava-me magro demais.
Não dá tempo. Tenho de encontrar a turma.
— A turma, a turma. — Agora era a vez de papai entrar
na dança : — Se você desse a mesma atenção aos estudos que
dá a essa sua turma, suas notas seriam melhores.
— Ah, papai, dê um tempo. Você sabe que meus amigos
são gente boa.
— Sei. — Ele sorriu. — Estou brincando com você. Gos-
to deles. Só não me agrada você voltar de madrugada. Assim
como que não me agrada ver você dormir o dia inteiro.
Expulsei-os do quarto, vesti-me rapidamente e fui direto
para o bar do Clécio.
24
Ninguém gostou do edital do concurso.
-—Pensei que eles iam dar uma chance para a gente criar
uma coisa nova disse Pedro. — Se queriam uma obra pron-
ta, por que não a encomendaram de alguém?Para que con-
curso, afinal?
Aníbal pegou o livro, abriu-o ao acaso:
— Ouçam só isto: "Noano da graça de 1604, o lugar
que acabamos de descrever estava deserto e inculto; a cida-
de do Rio de Janeiro tinha-se fundado havia menos de meio
século... "
Voltou-se para mim:
— Ano da graça de 1604, Tato! Ano da desgraça, isso sim!
Onde é que a gente vai arranjar roupas daquela época?
— Há quem alugue, não deve sair muito caro. — Àquela
altura eu já estava irritado. Escutem: vocês querem entrar
no concurso ou não querem?Se não querem, vamos acabar
logo com esta conversa. Se querem, é fazer o que tem de ser
feito e pronto. É topar ou largar.
Olhei-os, desafiador:
— Então?
Pedro e Aníbal me olhavam, quietos, impressionados com
aquela explosão. Rô veio em minha defesa:
— Pelo amor de Deus, pessoal. O que é isso? Não era a
chance que a gente estava esperando? Vamos lá, vamos fazer
esse filme. O pior que pode acontecer é a gente aprender al-
guma coisa. Que diabos, esse livro não pode ser um bicho
de sete cabeças. Alguma experiência a gente já tem, dos cur-
tas. Agora é só...
— Não é a mesma coisa — disse Aníbal num tom irrita-
do (irritação era uma constante nele, desde que Rô terminara
o namoro). — É uma obra de época, numa linguagem que a
gente não conhece.
25
Mas a Rô tem razão — concedeu Pedro. — Pelo me-
nos temos de tentar.
Voto vencido, Aníbal calou-se. Ansioso por encerrar aque-
Ia desagradável discussão, fiz uma proposta:
— Para começar, cada um de nós vai ler o livro. Cada um
indica as cenas mais fáceis de adaptar. E aí, em conjunto, es-
colhemos uma dessas cenas, e fazemos um roteiro. Depois
vem o resto, a distribuição de papéis, os figurinos, as locações.
— Espere um momento — disse Pedro. — Quem é que
faz esse tal de roteiro?
Aí surgiu um impasse. Aníbal, que gostava muito de ler
e já tinha feito adaptações de contos para teatro amador, jul-
gava-se o candidato natural. Mas eu também queria fazer o
roteiro, assim como Pedro. Rô veio com uma proposta conci-
liatória, que resolveu a questão:
— Vamos fazer esse roteiro a várias mãos. Será uma cria-
çào coletiva.
— Grande ideia — apoiou Pedro. Ergueu o copo: — Brin-
do à nossa vitória!
Clécio, que do balcão ouvia o nosso papo, ergueu o co-
po também:
— Quando receberem o Oscar, não deixem de me avi-
sar. Vou colocar uma placa aí na entrada: "Eles começaram
aqui".
A risada foi geral. Eu agora me sentia animado: O Gua-
rani começava a deslanchar. E um sonho que tive aquela noi-
te de certa forma o confirmou. Eu via Alencar, igualzinho ao
retrato do livro (e de onde mais eu o conheceria?)sorrindo
aprovadoramente do meio da floresta. E depois já não era 0
Alencar, era o meu avô... Uma coisa meio confusa. Mas acor-
dei animado: se sonhara com o autor de O Guarani, era por-
que realmente estava interessado na obra.
Vesti-me,e estava pronto para começar a trabalhar,mas
então mamãe me incumbiu de uma missão:
26
Preciso que você vá à casa de sua tia levar umas rou-
pas que prometi a ela.
Habitualmente aceitava essas tarefas sem reclamar, mas
naquele dia estava atrapalhado:
— Pô, mamãe. A tia mora longe pra burro, e eu estou às
voltas com O Guarani, não posso perder tempo. Não tem ou-
tro jeito de mandar pra ela essas tais de roupas?
a— Não tem, não. —-Arrumando a casa, ela nem tinha tem-
po de discutir. — E vá de uma vez, que ela precisa disto para
hoje à tarde.
Chegar à casa da minha tia Amélia, num subúrbio distan-
te, meio mato, era uma viagem, precisava tomar dois ônibus.
Mas eu não podia recusar. Tinha obrigação de ajudar meus
pais, que davam um duro desgraçado e raramente me pediam
para fazer algo. Além disso, ocorreu-me um pensamento in-
teresseiro. Bem podia ser que minha tia, como costumava fa-
zer, me desse uma grana como presente de aniversário. Aju-
daria na filmagem: não teríamos necessidade de muito
dinheiro, claro, mas sempre haveria despesa com roupas, ma-
quiagem, transporte.
Duas horas depois cheguei à casa de minha tia. Toquei a
campainha, ela mesma me abriu:
— Ora viva, a que devo a honra da visita?Há quanto tem-
po, Tato!
Aos quarenta e dois anos, divorciada, com um filho cur-
sando a universidade, titia era o que se poderia chamar de co-
roa enxuta: magra, elegante, rosto enérgico mas simpático.
Papai tinha muita admiração por essa irmã que lutava ardua-
mente pela vida — era corretora de imóveis a— mas que não
se entregava; embora morando praticamente sozinha, pois o
filho estudava em outra cidade. Fazia questão de, como ela
dizia, preservar sua individualidade.
Fez-me entrar e sentar, ofereceu-me café e biscoitos. En-
quanto eu comia, ela não cessava de me observar:
27
— Mas você está um homem, Tato! Cada vez
que o vejo
não deixo de me admirar. Quando penso
naquele garotinho
que carreguei nos braços...
Franziu a testa:
—— Mas você não está escutando. Parece meio distraído.
O que houve?
—— Desculpe, titia. -—Contei do concurso e das dificulda-
des que temia encontrar. E aí, lembrando que ela gostava de
ler, ocorreu-me perguntar se tinha alguma sugestão quanto à
cena de O Guarani a ser adaptada.
Ela refletiu um pouco:
Hum... Sim, posso ajudar você, Tato, mas há alguém
que pode fazer isso muito melhor do que eu.
Quem?
— O meu vizinho, o Severo. Pessoa ótima, grande ami-
go meu. É um apaixonado pelo José de Alencar, conhece to-
da sua obra. Gosta tanto de O Guarani que construiu uma casa
seguindo quase exatamente uma descrição do livro. Vem gen-
te de longe para ver essa casa. Vá lá, diga que eu pedi para
ele ajudá-lo. Eu estou aguardando um telefonema, em segui-
da vou também.
Despedi-me e saí. Seguindo as indicações de minha tia,
fui caminhando por uma rua calçada com pedra irregular,que
serpenteava morro acima. E de repente meu coração quase
parou.
Eu estava diante da casa de Severo. Uma casa muito gran-
de, maior que qualquer outra das casas da rua. E que, apesar
de relativamente nova, parecia antiga, muito antiga, comose
tivesse sido trazida do passado por algum passe de mágica.
No gramado, em frente à residência, havia, coisa insóli-
ta, um busto em bronze: um homem de barba, com sobre-
casaca e gravata de fita. Numa placa, a inscrição: "José de Alen-
car, 1829-1877".Nada mais apropriado. O que eu estava vendo
correspondia à descrição da casa de D. Antônio de Marizque
28
naquela mesma noite eu leria em O Guarani: uma casa
larga e espaçosa, construída sobre uma eminência e prote-
gida de todos os ladospor uma muralha de rocha cortada a
pique", assentada sobre uma esplanada, da qual descia uma
"espécie de escada de lajedo, feita metade pela natureza e
metade pela arte. .. uma ponte de madeira solidamente cons-
truída sobre uma fenda larga e profunda que se abria na
rocha. Continuando a descer, chegava-se à beira do rio". Tu-
do estava ali: a esplanada, a escada de pedra, a pontezinha, e
até o rio... na verdade, um riacho, mas de águas límpidas, pre-
servadas da poluição.
Atravessei o gramado, cheguei ao vestíbulo de entrada.
Não havia campainha, e sim uma espécie de sino, tão antigo
quanto o busto de bronze, ou mais. Toquei. Nada. Toquei de
novo. Lá de dentro veio ruído de passos, e logo depois a por-
ta, decerto igual à "pesadaporta dejacarandá", de Alencar,
abriu-se.
29
Todo atrapalhado, contei a história do concurso.
Minha tia disse que seu pai poderia ajudar...
Claro que pode garantiu ela. — De O Guarani, meu
pai sabe tudo. A propósito, eu me chamo Cecília. De novo: é
uma homenagem àquela personagem do Alencar. E você é
o...
— Renato. Todo mundo me chama de Tato.
é
— Ah, sim. Agora lembro, sua tia falou de você. Você
aquele que tem mania de cinema, não é? Mas entre, entre.
Não me fiz de rogado: entrei. E de imediato dei-me con-
ta de que a semelhança da casa com a de D. Antônio de Ma-
riz ia além da aparência externa. Seguramente a decoração
também se baseava em descrições de Alencar. Na sala da fren-
te, a principal, havia dois retratos a óleo, o primeiro de um
homem idoso, com postura de fidalgo, o segundo de uma da-
ma, também idosa. Sobre a porta do centro, um brasão de ar-
mas de complicado desenho, com um leão pintado em azul.
Havia um largo reposteiro vermelho, e por trás dele uma por-
ta. Mobília austera: cadeiras de couro de espaldar alto, mesa
de jacarandá de pés torneados,uma lâmpada de prata sus-
pensa do teto.
Parece um museu, não é verdade? — Cecília, com ar
de deboche. — É o que todo mundo diz. A nós não impor-
ta. A verdade é que gostamos daqui, meu pai e eu. O nome de-
le, a propósito, é Severo.
Só vocês moram aqui?
— Só nós. Minha mãe morreu quando eu era pequena...
E meu pai não quis casar de novo.
A essa altura eu já estava imaginando o dono da casa co-
mo um fidalgo daqueles que tinham vindo ao Brasil com Mem
de Sá e que, apesar de viverem longe de Portugal, mantinham
a tradição aristocrática nas suas propriedades rurais.
Mas eu estava enganado. Não parecia um fidalgo portu-
guês da época colonial,o pai de Cecília,naquele momento
30
assomando à porta. Homem alto, queimado de sol, com uma
bela barba branca, tinha, sim, um porte algo aristocrático, mas
a roupa era simples, camiseta de algodào, jeans e ténis. Pare-
cia simpático e amistoso, mas mesmo assim eu me sentia meio
intruso ali. Notando-o, Cecília apressou-se a me apresentar:
— Este aqui é o Tato, papai, o sobrinho da Amélia.
— Muito prazer disse ele. — E bem-vindo a esta casa.
Eu sou o Severo.
Sorriu:
— Mas Severo só de nome. No fundo, sou boa gente.
— O Tato — continuou Cecília — é vidrado em cinema.
Estava me contando que quer produzir um vídeo. Adivinhe
qual o tema.
Severo olhou-nos, surpreso:
— Não faço a menor ideia.
— Pois é sobre O Guarani. Ele entrou num concurso. Tem
de escolher uma cena do livro e dramatizar.Ele disse que a
nossa casa é o cenário ideal, e eu também acho. Então? Você
dá licença?
Achei que Cecília tinha introduzido a coisa de forma de-
masiado abrupta. De repente aparecia um rapaz praticamen-
te desconhecido dizendo que queria rodar um vídeo na casa.
Adulto algum aceitaria tal proposta. Preparei-me, pois, para
o pior, para uma resposta seca, tipo: "Vídeo aqui de jeito ne-
nhum, que ideia mais estranha". Mas Severo era, como logo
descobri, um homem paciente e amável, ainda que melancó-
lico; e o fato de que a filha tivesse simpatizado comigo era pa-
ra ele fundamental.
Por que não? — disse, com um ar que me pareceu mais
resignado do que alegre. — Desde que não façam muita ba-
gunça, tudo bem. E eu posso até auxiliar em alguma coisa.
Meu único problema é a falta de tempo...
Advogado de uma grande empresa, era um homem mui-
to ocupado. Mas, depois de pensar um pouco, lembrou:
31
A partirde sábado, e até o fim da semana
do
estou de férias. Planejava descansar um pouco, botarcarnaval
a leitura
em dia, ouvir música... mas, se a minha filha pede, abro
do rvpouso. Se vocês conseguirem terminar nesse
Conseguiremos — garanti. — Tenho certeza período o ia
de n
conseguiremos. que
De onde eu tirava tal segurança, não sei. O fato é
que
queria perder aquela oportunidade preciosa. Além disto nào
cisávamosmesmo correr, porque o prazo era curto. , pre-
Severotambém não era de perder tempo. De
imediato
pediu que contasse sobre o projeto. Sem me fazer de
rogado
àquela altura já tinha perdido a inibição — falei
do con-
curso, doregulamento. Ele perguntou se já tínhamos o
rotei-
ro. Fui obrigado a confessar que nem sequer conhecíamos
di-
reito a obra de Alencar.
— Isso vocês deixam com o papai — disse Cecília.----
Ele
sabe tudo sobre o José de Alencar, leu todos os livros dele.
— Precisamos— acrescentei — que você nos introduza
a O Guarani. Que nos guie, nos diga o que é mais importan-
te. Que esclareça as dúvidas...
— Ou seja: vocês querem um curso completo sobreo
assunto— ele disse, brincalhão. -—Bem, farei o que for
possível.
Que ele gostara da ideia, era óbvio. Mas também — e is-
so descobri depois pensava na filha: Cecília passava, na-
quele momento, por uma fase difícil. Deixara os estudos, para
dar um tempo, segundo dizia, envolvera-se
com um pessoal
barra-pesada.
Seriabom para ela, achava o pai, ter contat0
com um grupo diferente, jovem,
mas sério. Não me conhecia,
é verdade, mas conhecia
a Amélia, o que para ele era referên-
cia suficiente.Daí a
sua aprovação à ideia.
— Masa tarefa principal
Presumo que tenham — disse — vai ser de vocês
0
experiência em adaptar livros para
vídeo...
32