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Revista Serviço Social em Perspectiva

Montes Claros, v.1, n.1, jan/jun-2017. www.periodicos.unimontes.br/sesoperspectiva

SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

SOCIAL SERVICE AND SOCIAL MOVIMENTS

Taciane Couto Gonçalves1


Verônica Medeiros Alagoano2

Resumo

O presente artigo busca apresentar algumas reflexões acerca do processo social e


histórico que possibilitou a aproximação do Serviço Social com os movimentos
sociais, bem como indicar o estado da arte que tematiza acerca desta questão.
Acreditamos que a produção acadêmica atual nos oferece importantes pistas para
compreendermos como esta dimensão de nosso exercício profissional está
ocorrendo, quais as lacunas e possibilidades de avanço no que concerne esta
temática. Tal interlocução cumpriu um importante papel para a construção e avanço
da perspectiva crítica na categoria profissional, contudo, acreditamos que há ainda
uma lacuna no debate e na intervenção profissional em decorrência do crescente
distanciamento entre os sujeitos em questão. Tal fato torna-se mais notável quando
se constata que o debate sobre a intervenção junto aos movimentos sociais, bem
como sobre as estratégias de mobilização e organização da classe trabalhadora são
as áreas de menor investigação teórica e empírica da profissão.

Palavras-chave: Serviço Social; Movimentos Sociais; Estado da arte.

Abstract

The present article intends to present some reflections about the social and historical
process that allowed the approach of Social Service with social movements, as well

1
Assistente Social graduada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (FSS/UFJF, 2013) e
mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio de
Janeiro - UFRJ. Autora para correspondência. E-mail<goncalves.taciane@gmail.com>.

2Assistente social. Mestra em Serviço social pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF.
Professora substituta da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP.

Artigo recebido em: 12 de Fevereiro de 2017.


Artigo aceito em: 17 de Maio de 2017.
GONÇALVES, T. C.; ALAGOANO, V. M.
Serviço social e movimentos sociais

as indicate the state of the art that thematizes about this question. We believe that
current academic production provides us with important clues to understand how this
dimension of our professional practice is developing, what are the gaps and
possibilities of advancement in relation to this topic. Such dialogue has played an
important role in the construction and advancement of the critical perspective in the
professional category, however, we believe that there is still a gap in debate and
professional intervention due to the growing distance between the subjects in
question. This fact becomes more noticeable when the debate about the intervention
with the social movements, as well as the strategies of mobilization and organization
of the working class are the areas of lesser theoretical and empirical investigation of
the profession.

Keywords: Social Service; Social Movements; State of art.

INTRODUÇÃO

No intuito de tecer algumas reflexões referentes à interlocução do Serviço


Social e os movimentos sociais, na primeira parte deste artigo traremos um breve
resgate da aproximação e diálogo estabelecidos entre ambos demonstrando que,
apesar de não ter se tratado de um processo espontâneo, uniforme e livre de
equívocos, tal relação foi de grande importância para desencadear na profissão um
processo de crítica às suas práticas tradicionais. Além disso, buscaremos frisar a
importância da classe trabalhadora organizada e em luta para a consolidação e
avanço da democracia.
No segundo momento, a partir de alguns elementos referentes ao estado da
arte da produção na área do Serviço Social e movimentos sociais, buscaremos tecer
algumas reflexões sobre como tem se revelado a interlocução entre estes atores na
atualidade.

I. Significado social do serviço social e a trajetória junto aos movimentos


sociais

O Serviço Social surge e desenvolve-se inscrito nos processos de hegemonia


sendo, dentre outras profissões, requisitado pela classe dominante a fim de compor
a estratégia de alargamento das bases de dominação burguesa nos marcos do

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capitalismo monopolista. Chamado/a a contribuir no controle da força de trabalho


ocupada e excedente, o/a assistente social encontra na prestação de serviços
sociais (implementados através das políticas sociais) o suporte material sobre a qual
consegue exercer, basicamente, uma função política de cunho educativo.
Historicamente, os/as profissionais inserem-se em atividades sobre as quais não
tem efetivo controle, especializando-se para ocuparem espaços sócio-ocupacionais
que surgem com o avanço da divisão sócio-técnica do trabalho, demandados/as por
instituições que lhes atribuem uma nova função no âmbito da reprodução das
relações sociais e com as quais estabelecem uma relação de assalariamento
(IAMAMOTO; CARVALHO, 2008; NETTO, 2011).
A contribuição da profissão no exercício deste controle, social e político, sobre
a classe trabalhadora manifesta-se, basicamente: na sua participação nos processos
de reprodução da força de trabalho – quando as/os profissionais intervêm, junto a
outras instituições sociais, mobilizando os recursos sócio-institucionais disponíveis
para atender às necessidades de sobrevivência da classe trabalhadora – e,
simultaneamente, na reprodução do controle ideológico exercido pelas classes
dominantes sobre as classes dominadas – pois, ao lado de instituições políticas
mais eficazes e abrangentes, a profissão também atua na difusão da ideologia
dominante buscando contribuir para o consenso (no sentido gramsciano), tão
necessário ao livre desenvolvimento do modo de produção capitalista (IAMAMOTO;
CARVALHO, 2008).
Contudo, é importante ter clareza de que, pela sua intervenção, o/a
profissional responde tanto aos interesses do capital quanto do trabalho, podendo
fortalecer um ou outro pela mediação do seu oposto. Daí a impossibilidade de uma
prática neutra, alheia às contradições inerentes à realidade social e associada
mecanicamente a qualquer projeto societário, como algo dado a priori e sem alguma
mediação. Ainda que a emergência do Serviço Social esteja marcada por sua
vinculação aos interesses da classe dominante, esta mesma profissão buscou (e, de
certa forma, ainda busca) outra legitimidade social, voltada aos interesses da classe
trabalhadora.
Este giro de caráter teórico e político (referente às bases interpretativas do
significado social do Serviço Social e ao direcionamento atribuído à sua intervenção)

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na atuação profissional foi expressão de um movimento maior de contestação social


que impactou diretamente a profissão na segunda metade do século XX. Em linhas
gerais, no período em questão foram registrados movimentos expressivos de
contestação social e política em diversos países. Surgiram movimentos sociais de
caráter identitário que trouxeram à tona não só questões trabalhistas como também
questões relativas à opressão às mulheres, aos negros, à orientação sexual, à
questão geracional, etc. As lutas por direitos políticos e sociais ganharam corpo
social para além das fábricas com as mais variadas formas de mobilização (de
passeatas até saques à supermercados, ocupações de vias e de órgãos públicos,
entre outros). Tais ações foram impulsionadas pelo agravamento da crise recessiva
pela qual os países atravessavam e cujas medidas atingiam diretamente o/a
trabalhador/a, principalmente, pelo alto custo de vida e pelo aumento da taxa de
desemprego.
No interior do Serviço Social todas estas problematizações confluíram para o
chamado “Movimento de Reconceituação”. De proporções continentais, este
fenômeno, inicialmente, criticou o papel social da profissão no processo de
superação do “subdesenvolvimento” e, posteriormente, aprofundou suas críticas
incorporando cada vez mais as problemáticas macrossociais. A interação com novos
atores sociopolíticos e a incorporação de referenciais teóricos da tradição marxista
foram elementos fundamentais para que se consolidasse uma crítica efetiva ao
contexto social da época e às bases tradicionais da profissão (NETTO, 2015). Foi,
contudo, uma articulação curta que caminhou em sentido ascendente até meados de
1970, quando a instauração de ditaduras militares nos principais pólos do continente
acabou por emperrar os debates mais progressistas, de caráter democrático e
revolucionário.
Embora o Movimento de Reconceituação tenha durado pouco mais de uma
década, seu saldo qualitativo marca a profissão até os dias atuais. Sob o impulso do
contexto sócio-político dos anos 1960, a Reconceituação ampliou os horizontes de
análise e intervenção do Serviço Social colocando em xeque o tradicionalismo
característico da intervenção profissional e possibilitando a buscar de legitimidade
junto a outros segmentos sociais.

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No Brasil, ainda sob a vigência da ditadura militar (1964-1985), o combate à


repressão e a problematização feita por alguns setores da sociedade acerca dos
processos democráticos rebateu na profissão mediada tanto pela relação que esta
estabeleceu com outras profissões e com alguns grupos politicamente organizados
(destaque para a influência do movimento estudantil e dos setores progressistas da
igreja católica) como pela interlocução estabelecida com as Ciências Sociais no
espaço universitário (NETTO, 2015). Entretanto, apenas com o esgotamento e fim
de duas décadas de ditadura militar o Serviço Social encontrou um terreno mais
favorável ao desenvolvimento da crítica ao tradicionalismo da profissão.
Em linhas gerais, o que se conformou chamar no Brasil de “Processo de
Renovação do Serviço Social brasileiro” (compreendido entre os anos 1970-1980)
registrou pelo menos três tendências teóricas e políticas que propuseram uma
renovação da profissão: “reatualização do conservadorismo”, “modernização
conservadora” e “intenção de ruptura”. A esta última foram incorporados alguns
elementos da Reconceituação latinoamericana e revelou-se como a mais avançada
na crítica ao conservadorismo profissional e às relações sociais burguesas2 (NETTO,
2009).
Esta breve menção ao movimento de Reconceituação na América Latina e ao
processo de renovação no Brasil objetiva apenas reforçar que as mudanças
operadas no interior da profissão, muito mais do que um movimento endógeno,
expressam as contradições latentes da própria realidade social que impactam o
conjunto das instituições sociais e profissões, num movimento dialético. Nesse caso
em particular, acreditamos que a aproximação do Serviço Social aos movimentos
sociais e às suas demandas, timidamente inaugurada na década de 1960 e
retomada de forma mais expressiva em meados da década de 1970, se constituiu
num dos elementos determinantes para a afirmação da perspectiva crítica no interior
da profissão.
Em termos cronológicos, poderíamos retratar esta interlocução destacando
alguns momentos centrais. A começar pela década de 1950, quando o chamado
“Desenvolvimento de comunidade” chega ao Brasil seguindo orientações de

2 A caracterização e análise detalhadas do Processo de Renovação no Brasil e suas respectivas


tendências foi desenvolvida por José Paulo Netto em sua obra “Ditadura e Serviço Social”.

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organizações político-econômicas internacionais de, sob a bandeira de superação


do analfabetismo e defesa da integração da população às iniciativas governamentais
de desenvolvimento econômico e social do país, antecipar-se para neutralizar os
setores mais pauperizados da população da “nociva influência” do socialismo, além
de contribuir na remoção de possíveis entraves à expansão do modo de produção
capitalista (AMMANN, 2009).
Sem adentrar nas modificações sofridas no método de Desenvolvimento de
Comunidade nos anos subsequentes, cabe-nos destacar o gradativo envolvimento
do Serviço Social em tal política experimentando, pelo mesmo, três movimentos
distintos. Houve parte dos/as profissionais que, por um bom tempo, se limitaram a
transferirem o conteúdo e orientação marcadamente conservadores (característico
do Serviço Social de Caso e Grupo) do âmbito do atendimento individual para o
atendimento da comunidade. As problemáticas sociais com as quais lidavam os/as
profissionais ao invés de serem associadas à desigualdade estrutural eram
atribuídas à mentalidade da população, ao analfabetismo, à incapacidade dos/as
sujeitos/as atendidos/as (AMMANN, 2009).
Na entrada dos anos 1960, diante das mobilizações em torno das reformas de
base, do surgimento de movimentos sociais classistas no campo e na cidade e da
influência dos/as cristãos de esquerda, um grupo de profissionais começou a
esboçar, a partir desse exercício de análise mais “macro” da realidade social,
algumas críticas às posturas que tradicionalmente vinham caracterizando a profissão
(AMMANN, 2009). Contudo, dentro deste mesmo grupo, alguns/as assistentes
sociais desenvolveram suas críticas no limite do ordenamento capitalista enquanto
apenas outra pequena parcela avançou num processo de crítica ao pensamento
conservador que se expressava dentro e fora da profissão, questionando os
fundamentos da sociedade burguesa e enxergando no “Desenvolvimento de
Comunidade” uma ferramenta que possibilitaria ao Serviço Social a realização de
uma transformação substancial na sociedade (SANTOS, 2003).
Durante a transição democrática no Brasil (compreendendo, segundo
Ammann, os anos 1970-1980), mais uma vez a conjuntura influencia o Serviço

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Social e, com o surgimento de alguns movimentos sociais na cena pública3, os


setores mais progressistas da profissão incorporam o debate sobre a necessária
aliança com as organizações da classe trabalhadora e o compromisso com a
construção da democracia. Para um determinado grupo profissional, se na condição
de funcionários/as das instituições o/a assistente social atendia aos interesses da
burguesia, uma alternativa seria atuar extra-institucionalmente para contribuir mais
efetivamente com a classe trabalhadora organizada (AMMANN, 2009)4.
Apesar da inegável importância que o diálogo estabelecido com os
movimentos sociais nos períodos apresentados teve na história da profissão, não
poderíamos deixar de registrar certo ativismo político que obscureceu a fronteira
entre o fazer profissional e o fazer militante, pois, na ânsia de buscarem novas
bases legitimadoras ao lado das classes subalternas, setores da categoria
profissional acabaram sobrevalorizando a dimensão política e desconsiderando as
determinações impostas pelo estatuto de assalariamento. Uma supervalorização que
colocou no mesmo patamar o exercício profissional e a atuação político-militante.
Na tentativa de superar os equívocos cometidos sem desqualificar o processo
como um todo, parte dos/as profissionais tem buscado, desde então, dar um
direcionamento ético, político, teórico e metodológico ao trabalho que realizam
buscando alcançar certa consonância com os interesses de classe dos
trabalhadores e trabalhadoras, bem como com os princípios da liberdade, justiça e
democracia.
Um desafio cada vez maior considerando-se o cenário sociopolítico que vem
se conformando desde a entrada na década de 1990. Se, por um lado, os
movimentos sociais e populares alcançaram um importante avanço organizativo e
reivindicatório na década de 1980, contribuindo significativamente no processo de
elaboração da Carta Magna de 1988, por outro lado, as contrarreformas neoliberais

3 São exemplos de movimentos que surgiram ou retomaram fôlego nesse período de


redemocratização – movimentos de luta contra a contrarreforma do Estado, organizações de
categorias profissionais, manifestações pela paz e contra a violência urbana, movimentos identitários
(mulheres, negros, diversidade sexual, jovens), ambientalistas, ONG (Organizações Não
Governamentais), entre outros (GONH, 2011).
4A autora chega a registrar sua própria experiência de trabalho quando professora na disciplina de
estágio, na Universidade de Brasília. Cf. AMMANN, S.B. Ideologia do desenvolvimento de
comunidade no Brasil. Ed. 11, São Paulo, Cortez, 2009.

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implementadas nos anos seguintes alteraram a correlação de forças, colocando os


sujeitos coletivos em posição defensiva frente aos ataques contra os direitos
conquistados.
Contudo, é importante frisar que, a resistência e oposição à política neoliberal
não deixou de existir no Brasil, em particular, e na América Latina, de forma geral.
Ao longo da década de 1990 surgiram movimentos que

[denunciaram] os tratados de livre comércio, a ingerência dos organismos


multilaterais sobre as políticas governamentais, [declararam-se]
antiimperialistas, [criticaram] o capitalismo neoliberal, [demandando] a
igualdade de direitos políticos, econômicos e sociais e o reconhecimento da
dignidade humana. [Criticaram] a mercantilização de diferentes esferas da
vida social, [opuseram-se] ao desmantelamento de instituições de proteção
social, [rechaçaram] acordos com o FMI [entre outras ações] (GALVÃO,
2009, p. 5).

Resgatando alguns episódios e movimentos que se destacaram nos anos


1990 e 2000 (ANTUNES, 2012), temos no México a resistência contra as políticas
neoliberais que foi liderada pelos Zapatistas já no início dos anos de 1990 e, mais
recentemente, a forte repressão desferida ao movimento grevista dos/as
professores/as, que reivindicavam melhores condições de trabalho e defendiam a
qualidade do ensino, desencadeou uma mobilização popular conhecida como
comuna de Oaxaca (2005).
Na Bolívia, foi característica a mobilização de camponeses, operários e
indígenas, com posterior aproximação de setores da classe média, em levantes que,
inclusive, contribuíram para a vitória eleitoral de Evo Morales.
Na Argentina, em resposta ao desemprego massivo, decorrente da
implementação do receituário neoliberal em princípios de 1990, iniciaram-se
mobilizações de trabalhadores e trabalhadoras desempregadas (piqueteiros/as) com
intuito de exigir do Governo a abertura de postos de trabalho, bem como se inicia um
processo de ocupações de fábricas (abandonadas por seus donos ou não) por
trabalhadores/as que passam então a dirigi-las.
No Brasil, teve (e ainda tem) grande destaque o Movimento Sem-Terra que,
apesar de ter surgido já na década de 1980, além de dar nova organicidade e
visibilidade à luta pela terra, denunciando a violência sofrida e o conflito histórico no

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campo, revelou-se um dos poucos movimentos de massas de maior resistência ao


projeto neoliberal no período em questão.
Diante do exposto, interessa-nos ainda defender que, atentando-nos para a
história de luta pela democracia, não seria equivocado afirmarmos que as lutas por
direitos foram historicamente protagonizada por segmentos da classe trabalhadora.
Da ampliação dos direitos civis até os políticos e sociais, ainda que tenhamos que
avançar para efetivar tais conquistas que permanecem no âmbito da formalidade, é
inegável o mérito que a classe trabalhadora carrega por reivindicá-las. E, ainda que
os aparelhos de poder continuem sob o controle de uma pequena elite dominante,
foi também mérito da luta dos/as trabalhadores/as que o Estado se tornasse mais
permeável às demandas populares (COUTINHO, 2008).
Na medida em que o sistema capitalista intensifica a exploração do trabalho,
percebe-se o aumento da desigualdade econômica e social; a degradação (tantas
vezes irreversível) dos recursos naturais; a desumanização das relações sociais; a
piora nas condições de vida da classe trabalhadora; dentre outros desdobramentos.
O conjunto destas problemáticas foi (e é) trazido à tona com as mobilizações
(espontâneas e/ou organizadas) de trabalhadores/as que assumem a cena pública
exigindo respostas do poder público e das classes dominantes. Diante disto, o que a
história tem revelado é que o Estado ampliou-se para melhor gerir os conflitos entre
as classes, por um lado, criminalizando a “questão social” e reprimindo as
organizações da classe trabalhadora, por outro, incorporando mecanismos de
cooptação e consenso5.
No que tange o Serviço Social, a despeito das dificuldades impostas pela
implementação e avanço do projeto neoliberal no Brasil após a promulgação da
Constituição Federal de 1988, na década de 1990 a categoria profissional logrou
conquistas significativa, tais como: a aprovação de um novo código de ética
profissional (1993); a aprovação da lei de regulamentação da profissão (1993) e a

5 Em tempo, cabe destacar que a ampliação das funções do Estado nos marcos do capitalismo
monopolista vão para além das funções integradoras, de controle social, político e ideológico
(dimensões tão bem trabalhadas por Marx, Engels, Lenin e Gramsci). Este assume funções
econômicas totalmente funcionais e favoráveis ao processo de acumulação capitalista e que vêm
sendo desenvolvidas teoricamente pela tradição marxista. Cf. MANDEL, Ernest. O Capitalismo
tardio. São Paulo, Abril Cultural, 1982.

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reformulação das diretrizes curriculares para os cursos de Serviço Social pela


Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa do Serviço Social – ABEPSS (1996).
Ainda que na contramão de um contexto social, político e econômico adverso, a
categoria profissional colhia os frutos do trabalho desenvolvido por seus/suas
estudantes e profissionais, demarcando que a conjuntura difícil que se desenhava
encontraria, no entanto, profissionais com melhores condições de enfrentá-la com
qualidade, criatividade e criticidade teórica e técnica, competência e
responsabilidade política.
Devemos, contudo, cuidar da formação permanente para garantir uma
intervenção crítica e de qualidade, reconhecendo os limites impostos e as
potencialidades colocadas para a intervenção profissional em decorrência da
condição de assalariamento e das contradições da realidade social concreta.
Feita esta retrospectiva, sigamos construindo algumas considerações a
respeito desta relação entre a profissão e os movimentos sociais, agora, com foco
em como ela tem se revelado no âmbito da produção do conhecimento.

II. Movimentos sociais e a produção do conhecimento no serviço social

Conforme afirmamos anteriormente, o processo de resistência e luta da


classe trabalhadora é dinâmico e, portanto, se altera ao longo do transcurso histórico
e social. No Brasil, os efeitos da crise mundial do capital e a aplicação da agenda
neoliberal a partir da década de 1990, associado a reestruturação produtiva
provocou fortes rebatimentos na organização e na forma dos trabalhadores
encamparem lutas. Este cenário de regressão das lutas sociais também provocou
rebatimentos na profissão que na década anterior vivenciava uma importante
interlocução com os movimentos sociais. Sem dúvidas, retomar este debate se faz
pertinente e necessário, não de forma saudosista, mas situado-o e sintonizado-o
com o momento histórico atual.
Não é novidade o cenário conservador e até mesmo retrógrado que tem
assolado a realidade brasileira e mundial, o que nos provoca a questionar as
possibilidades de contribuição da profissão num sentido contrário a esta onda
conservadora e na direção do fortalecimento da perspectiva crítica, hegemônica na

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profissão. Dentre as estratégias possíveis está a interlocução com os movimentos


sociais e a contribuição com os processos de mobilização e organização popular.
Essa possibilidade de intervenção é viabilizada pela função política de cunho
educativo presente no exercício profissional, uma vez que o/a assistente social pode
interferir nas formas de compreensão da realidade social dos sujeitos com os quais
atua no cotidiano do seu trabalho. Como defendem Iamamoto e Carvalho (2008), o/a
assistente social, por sua autonomia relativa, pode imprimir sentido e direção ao seu
exercício profissional independente do espaço sócio-ocupacional em que está
inserido/a. Ademais, é possível, para além dos espaços institucionais, intervir junto
aos movimentos sociais e em processos de mobilização popular.
Nesse sentido,

Discutir a inserção do Serviço Social nos processos de organização e


mobilização popular significa analisar como o assistente social, como
trabalhador assalariado e considerando a própria natureza contraditória de
sua intervenção profissional, pode atuar no sentido da promoção e do
fortalecimento das organizações e lutas coletivas dos trabalhadores que são
alvo de suas intervenções (DURIGUETTO; ABRAMIDES, 2014, p.183).

Entretanto, podemos sinalizar na atualidade que há uma fragilidade tanto na


produção teórica como na intervenção profissional com organizações, movimentos e
lutas sociais (DURIGUETTO, 2014, p. 185). Tal afirmação evidencia-se nas análises
de Marques (2010) acerca da produção acadêmica, que a relaciona com os
movimentos sociais publicados nos anais do Congresso Brasileiro e Assistentes
Sociais (CBAS) e nos Encontros Nacionais de pesquisadores em Serviço Social
(ENPESS), de 1995 aos anos 2008. Nessa pesquisa, a autora observa que num
total de publicações - de ambos os eventos (CBAS e ENPES) - de 6.201, somente
237 (3,82%) tratavam da temática em questão.
Desta produção teórica que versa sobre os movimentos sociais, a autora
destaca a crescente incorporação do debate dos “novos movimentos sociais”,
principalmente a partir dos anos 2000. Segundo a mesma, o enfoque dessas
publicações expressa uma valorização das experiências cotidianas, cujas demandas
e lutas se tornam focalizadas e específicas, pertencentes a um grupo social. Ao que
diz respeito ao campo da intervenção profissional, a experiência da relação
profissional com os movimentos sociais tem demonstrado grande fragilidade. Apesar

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Serviço social e movimentos sociais

de ser parte integrante do exercício profissional, as publicações que relatam tal


experiência são de apenas 6,1% no total, considerando-se o período analisado
(MARQUES, 2010).
Duriguetto (2014) observa que no período de 1994 a 2012, a temática dos
movimentos sociais também esteve presente nos cursos de Serviço Social de
instituições federais e estaduais, em 36 centros de pesquisa vinculados a 87
projetos de pesquisa e 23 de extensão. Tais pesquisas enfatizam principalmente a
“relação entre políticas públicas e as lutas sociais, refletida a partir das práticas de
gestão participativa, associativismo, planejamento estratégico, controle social e
organização popular” (DURIGUETTO, 2014, p. 185). Ao que tange aos movimentos
sociais e organizações, estes aparecem em menor proporção e com uma
diversidade de movimentos. A pesquisa de Duriguetto6 também identifica no período
de 1985 a 2011 nos programas de pós-graduação em Serviço Social reconhecidos
pela CAPES, 276 (duzentos e setenta e seis) teses e dissertações que tematizam
sobre os movimentos sociais e, deste conjunto, apenas 08 (oito) trabalhos se
referem à relação do Serviço Social com os movimentos sociais (2014, p. 186).
Nessa direção, Oliveira (2010) explicita, em sua pesquisa, que apenas 03 (três)
dissertações e 01 (uma) tese trataram da relação do Serviço Social com os
movimentos sociais no período de 1994 a 2008. A análise da autora estendeu-se
aos encontros da categoria: Encontro Nacional de pesquisadores em Serviço Social
(ENPESS) e Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), no mesmo
período acima referido. No primeiro evento, não foram encontrados artigos que
tratam da relação do Serviço Social com os movimentos sociais; já nos CBAS foram
encontrados 04 (quatro) artigos que pontuavam acerca da intervenção profissional
tendo como foco o relato de experiências dos movimentos sociais e outros 05 (cinco)
artigos relatando a atuação profissional junto aos movimentos sociais.
As experiências que tematizam a interlocução do Serviço Social com os
movimentos sociais estão, em sua maioria, relacionadas à assessoria, ao estágio e
à extensão universitária que, apesar de não apresentarem um vínculo direto a um
movimento social específico, têm o objetivo de contribuir com o fortalecimento dos

6
Pesquisa desenvolvida na Faculdade de Serviço Social da UFJF.

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Serviço social e movimentos sociais

sujeitos coletivos (OLIVEIRA, 2010, p. 96). O sentido da intervenção profissional


junto aos movimentos sociais, presente nas produções analisadas, desenvolve-se
no campo das ações educativas, as quais são compreendidas como processo
mobilizador e de formação política.
A autora elucida ainda uma compreensão variada acerca dos movimentos
sociais tanto na produção dos encontros da categoria (ENPESS/CBAS) como nas
dissertações e teses. Nota-se, a partir de uma interlocução com as ciências sociais
que tratam dessa temática, uma “ausência de demarcação analítica do referencial
acerca dos movimentos sociais” (OLIVEIRA 2010, p. 104) na produção dos referidos
encontros e uma fragilidade teórica quando se trata dos movimentos sociais nas
dissertações e teses. Outra relevante observação da autora relativa ao campo da
produção teórica diz respeito à tendência de relatos descritivos dos movimentos
sociais em que a interlocução com a profissão aparece de forma pontual.
Considerando o conjunto das publicações, algumas delas apontam para uma
necessidade de articulação entre os movimentos sociais existentes, para que haja
uma intensificação das lutas. Contudo, em outras produções são enfatizadas as
dificuldades dos movimentos sociais organizarem lutas ampliadas em articulação
com os diversos sujeitos coletivos sobressaindo, assim, ações fragmentadas e
corporativas que tendem à dispersão diante dos embates na luta ou quando
alcançam conquistas imediatas (OLIVEIRA, 2010).
A autora também destaca, nas abordagens dos artigos, uma recorrente
defesa dos direitos e da cidadania. Poucos trabalhos situam a profissão para além
dessa dimensão. Vale destacar alguns elementos constatados como: a necessidade
de superar uma intervenção no nível do imediato; as produções que tratam da
relação do Serviço Social com os movimentos sociais em sua maioria advêm de
profissionais que estão inseridos nas Universidades; dificuldades “teórico-
metodológicas” e “técnico-operativas” na intervenção junto aos movimentos sociais e
na teorização acerca dos mesmos.
A partir do exposto fica evidente a lacuna do debate e da intervenção
profissional junto aos movimentos sociais, o que reforça a necessidade de um maior
empenho da categoria para aprofundar e ampliar tal debate.

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Ao verificar a fragilidade do debate da relação da profissão com os


movimentos sociais, alguns autores encontram justificativa no arrefecimento das
lutas sociais. Nesse sentido, a luta institucional teria substituído a contestação
autônoma das organizações dos trabalhadores. Com esse giro das lutas sociais para
o campo institucional, a intervenção dos/as assistentes sociais junto às organizações
dos trabalhadores também se deslocaria para a luta no sentido de ampliação dos
espaços institucionais. É sabido que tanto o refluxo das lutas sociais como a
institucionalização das reivindicações dos movimentos sociais possuem
rebatimentos na forma de articulação da profissão com esses sujeitos. O desafio que
se põe na contemporaneidade é o de integrar ações no campo institucional e para
além dele.
Acreditamos que a intervenção junto aos movimentos sociais se torna uma
importante estratégia de enfrentamento ao conservadorismo presente na sociedade
e, por conseguinte, no interior da profissão. No próprio cotidiano profissional é
possível realizar ações que envolvam estes sujeitos coletivos, suas lutas e
reivindicações.
Uma das possibilidades de interlocução com os movimentos sociais é através
da assessoria/consultoria, como bem explicita a Lei de Regulamentação da
Profissão (1993) que compreende como competência profissional "prestar
assessoria e apoio aos movimentos sociais" (art. 4º, parágrafo IX); ou ainda, se
inserindo nos conselhos e outros canais de participação democrática, espaços que
não devem ser negados. Contudo, assinalamos a importância de novas estratégias
que fortaleçam os movimentos sociais, suas demandas e perspectiva societária,
num sentido emancipatório que requer a transformação profunda do modo de
produção capitalista, o que mostra profundo vínculo com a perspectiva profissional
crítica e que também se expressa no Código de Ética (1993) que estabelece como
um direito profissional "apoiar e/ou participar dos movimentos sociais e organizações
populares" (art. 12, alínea b).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No âmbito do Serviço Social, a articulação da profissão com os movimentos


sociais é defendida por autores/as que ressaltam, principalmente, o compromisso
ético-político da profissão de fortalecer os “sujeitos coletivos” com propostas que
podem contribuir com a ampliação da democracia. Ocupar os espaços institucionais
em defesa da população e de seus direitos é de suma importância, porém
“reassumir o trabalho de base, de educação, mobilização e organização popular,
que parece ter sido submerso do debate profissional ante o refluxo dos movimentos
sociais” (IAMAMOTO, 2001, p. 47) se torna pertinente e necessário.
Ao considerar a trajetória de crítica do Serviço Social ao conservadorismo, a
temática da relação com os movimentos sociais ganha relevância, pois, na
interlocução com estes sujeitos coletivos a profissão percebeu a possibilidade de se
avançar para além do que lhe é exigido como demanda profissional imediata. Por
isso, faz-se necessário retomar o debate acerca de tal temática e compreender
como a profissão tem refletido sobre as organizações da classe trabalhadora. É
também um desafio o estudo sobre o tipo de intervenção que a/o assistente social
vem desenvolvendo junto aos movimentos sociais.
Diante da adversidade da conjuntura atual, faz-se necessário a construção
coletiva de alternativas que fortaleçam e concretizem o projeto profissional crítico da
profissão. Tal projeto se consolida no bojo das lutas sociais e em consonância com
um projeto societário que se distingue do que está posto. Trata-se da possibilidade
de travar uma resistência tanto nos espaços institucionais como nas próprias
organizações dos/as trabalhadores/as. Deste modo, o Serviço Social, por meio de
sua atuação profissional pode contribuir com o fortalecimento das organizações e
mobilização dos trabalhadores, tanto no sentido de “fomentar e potencializar” as
organizações existentes, como no fomento a criação de “organizações e
movimentos quando estes inexistem” (DURIGUETTO, 2014, p. 9).
É notória a necessidade de ampliação da produção teórica do Serviço Social
acerca dos movimentos sociais e da possível interlocução da profissão juntos a
esses sujeitos para que se possa avançar na dimensão da intervenção do assistente
social nos processos de mobilização e de organização popular.

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