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Ideologia Do Novo Ensino Médio: A Velha Precarização e Flexibilização Do Ensino

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL

UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE PARANAÍBA


ESPECIALIZAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS, CULTURA E SOCIEDADE

IDEOLOGIA DO NOVO ENSINO MÉDIO: A VELHA PRECARIZAÇÃO E


FLEXIBILIZAÇÃO DO ENSINO

Fernanda Cecília Alves Gonçalves de Campos 1

INTRODUÇÃO

A presente produção busca uma abordagem qualitativa por meio de pesquisa


bibliográfica e documental, possuindo como cerne a reforma do Ensino Médio expressa
na Lei 13.415 de 16.2.2017, da qual promoveu alterações extremadas na proposta da Lei
de Diretrizes e Bases (LDB). A pesquisa visa, portanto, a construção de uma base
teórica que fundamentará a argumentação na abordagem do problema. Dessa forma, a
investigação tem origem na problemática: A reforma do Ensino Médio aprovada no ano
de 2017, segue (ou não) o modelo de política neoliberal? A partir de sua
implementação, é possível identificar em sua deliberação características que
comprovem uma precarização institucional do ensino?
Justifica-se a pesquisa devido a necessidade de problematizar a realidade das
escolas públicas após a implementação autoritária do Novo Ensino Médio, buscando
analisar a sua roupagem ideológica na divulgação da nova organização curricular, e
identificar os fatores que corroboram para o desmonte do ensino público decorrente da
flexibilização do currículo e do consequente empobrecimento do ensino.
1
Licenciatura em Ciências Sociais, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e aluna
regular do programa de pós-graduação Latu Sensu em Políticas Públicas, Cultura e Sociedade –
fernanda_cecilia.a.g@hotmail.com
O aporte teórico utilizado para analisar o aspecto ideológico da reforma do
Ensino Médio será por meio da obra O que é ideologia? de Marilena de Souza Chauí,
principalmente respaldada pela sua análise da concepção marxista de Ideologia, além da
contribuição na investigação da precarização e flexibilização neoliberal realizada por
Ricardo Antunes no capítulo II, Trabalho e precarização numa ordem neoliberal, e pelo
Capítulo V, Educação, trabalho e lutas sociais, de Maria da Glória Gohn, ambos
capítulos presente na obra A Cidadania Negada: políticas de exclusão na educação e
no trabalho.

PROMOÇÃO DA FLEXIBILIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO DO NOVO ENSINO


MÉDIO

As políticas neoliberais têm implicações significativas na sociedade no governo


de Margaret Thatcher (1979-1990), que estruturou as relações econômicas e políticas
por meio da constituição de medidas como a privatização de empresas estatais,
flexibilização das leis trabalhistas, diminuição de gastos públicos com foco na
educação, entre outros. No entanto, é importante destacar que esse modelo neoliberal
não vai se concretizar no Brasil e em outros países da América Latina da mesma forma
que ocorreu na Inglaterra e nos Estados Unidos com a aplicabilidade pelo presidente
Ronald Regan, mas sim de acordo com as especificidades e particularidades sócio-
históricas brasileira.
No Brasil, essa diminuição dos gastos públicos pode ser vista por meio do
projeto neoliberal tomando forma com a aprovação da Reforma Trabalhista (Lei 13.467
de 13 de julho de 2017), Lei da Terceirização e Contratos Temporários (Lei 13.429 de
31 de março de 2017), Reforma da Previdência (Emenda Constitucional Nº 103, de 12
de novembro de 2019), e, chegando no campo da educação com a Reforma do Ensino
Médio também aprovada em 2017, pelo governo interino de Michel Temer, sem propor
debate com aqueles que estão diretamente influenciados pela mudança, ou seja,
estudantes e docentes.
De acordo com Maria da Glória Gohn (2001, p. 97): “É fundamental que se
entenda que as reformas sempre remetem a relações sociais e relações de poder.
Verificamos, então, esse cenário movido pela flexibilização das relações de trabalho,
estendendo-se para a esfera da educação, uma vez que, assim como nas demais
reformas, o Novo Ensino Médio representa uma flexibilização dos direitos sociais, pois
fragiliza e precariza o ensino mediante currículo construído nos moldes neoliberais.
Essa flexibilização está diretamente relacionada com as mudanças efetivadas na
organização curricular:
Ampliação da carga horária de 800 para 1400 horas/ano (Prazo
Máximo de 5 anos para chegar a 1000 horas/ano);
Retirada das disciplinas de Filosofia, Sociologia e Espanhol;
Divisão da formação em cinco itinerários formativos (Linguagens e
suas tecnologias; Matemática e suas tecnologias; Ciências da Natureza
e suas tecnologias; Ciências Humanas e Sociais Aplicadas; Formação
Técnica e Profissional), tendo em comum a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC);
Matemática e Português como disciplinas obrigatórias em todo Ensino
Médio (5h/aula – semana);
Língua inglesa obrigatória, sem carga horária definida.
BNCC não superior a 1800 h;
Possibilidade da contratação de profissionais de notório saber para o
exercício de magistério no Itinerário “Formação técnica e
profissional”;
Possibilidade da contratação de Profissionais graduados desde que
realizem uma complementação pedagógica. (OLIVEIRA, 2020, p.2)

A problemática presente nessas alterações tem como ponto de partida a


doutrinação ideológica veiculada pelo governo, alegando ser uma reforma que tornará o
ensino mais atrativo para as/os estudantes, alimentando uma ideia de liberdade e
autonomia, assim como é “vendido” o projeto neoliberal nas sociedades
contemporâneas, que de acordo com Antunes em Trabalho e precarização numa ordem
neoliberal (2001, p.35) “se expressam como se a humanidade tivesse atingido seu ponto
alto, o seu télos”.
Ou seja, é ocultado do discurso seu interesse de classe, uma vez que, o projeto
neoliberal esconde na verdade uma situação de exploração, com agraves nas condições
de trabalho, ausência de direitos que são mascarados pela ideia de um trabalhador
flexível e autônomo. Nesse sentido, tais alterações no currículo do ensino médio
refletem retirada de direitos, ao estabelecer oferta de diferentes itinerários formativos,
quando a liberdade propagada pelas mídias na escolha dos itinerários não acompanha a
realidade dos diferentes contextos escolares, podendo ser visto no Art.36 da Lei nº
13.415, que aprova a reforma:
O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional
Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser
organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares,
conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos
sistemas de ensino [...]
Desta forma, nota-se que não existe uma obrigatoriedade de as unidades
escolares possuírem uma ampla oferta de itinerários como é propagado pelo governo.
Principalmente por existir uma restrição orçamentária que congela gastos com a
educação por 20 anos, determinada pela Emenda Constitucional n.95, de 2016.
(RIBEIRO; ZANARDI, 2020).
Outro ponto que explana bem a precarização contida nessa reforma, está na
promessa de oportunidades no mercado de trabalho por meio da oferta de ensino
técnico, o que demonstra uma aproximação da educação básica pública com a
profissionalização desde a LDB/1996, e agora novamente em evidência com a criação
do itinerário técnico profissional, com a Lei nº 13.415/2017 que propõe a oportunidade
das/dos estudantes optar por uma formação técnica profissional. Essa mudança
proporcionada pela reforma vem imbuída de discurso que visa uma necessidade de
melhorar a qualidade do ensino, e, sobre essa justificativa do governo, Gohn diz que:
“As reformas apresentam-se no plano dos discursos, tanto em nível do governo central
como dos governos estaduais, com um grande objetivo: promover a modernização da
rede escolar, avaliada como atrasada e ineficiente em todos os sentidos [...]” (2001,
p.98).
De acordo com Chauí (1984, p.67) "faz parte da ideologia burguesa afirmar que
a educação é um direito de todos os homens. [...]”. No entanto, a reforma representa a
contramão da garantia de direitos e qualidade de ensino. Nota-se essa inversão de
valores do que é qualidade, quando a mudança na organização do currículo não envolve
pontos centrais das problemáticas encontradas na educação pública, como pode ser
analisado por Oliveira (2020, p.6) em que diz:

[...] ser pertinente afirmar que existe um quantitativo expressivo de


estudantes insatisfeitos com a “grade” curricular do Ensino Médio. No
entanto, se faz necessário ressaltar o quanto não seja ela o principal
motivo das insatisfações estudantis e, muito menos, a responsável pelo
abandono escolar. O próprio Movimento Todos pela Educação, [...]
constatou que para 41,7% dos jovens pesquisados, a maior dificuldade
para prosseguir os estudos decorria de problemas financeiros. A
dificuldade de conciliar estudo e trabalho chegava a 13,8%. Em
síntese, o fator externo à escola, mas relativo à questão financeira, é
considerado por 55% dos jovens como a dificuldade principal para
continuar na escola. Para os jovens do curso noturno este percentual
aproxima- se de 70% (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2017b).
Portanto, a ideia do “novo” vem ocultando um velho modelo de reformas
neoliberais e precarização das relações de trabalho, mascarando o empobrecimento
curricular do REM (Reforma do Ensino Médio), podendo ser percebido na redução da
carga horária da base comum curricular, negando, desta forma, as/aos estudantes da
classe trabalhadora o conhecimento historicamente construído pela humanidade.
Seguindo essa perspectiva, a reforma vende um discurso enfeitado de educação
integral, mas que, na realidade, a educação nesses moldes neoliberais cria um abismo
entre as classes, uma vez que, segundo Chauí, existe uma contradição na ideia de
educação e realidade:
[...] essa contradição existe porque simplesmente exprime, sem saber,
uma outra: a contradição entre os que produzem a riqueza material e
cultural com seu trabalho e aqueles que usufruem dessas riquezas,
excluindo delas os produtores. Porque estes se encontram excluídos do
direito de usufruir dos bens que produzem, estão excluídos da
educação, que é um desses bens. (1984, p.67)

Nesse sentido, entende-se com base na análise feita das variadas produções
referente a reforma do Ensino Médio, que existe uma articulação “ao movimento de
consolidação do processo de legitimação da ordem burguesa em sua versão neoliberal”
(OLIVEIRA, 2020, P.3). Essa articulação está evidente na redução da carga horária de
conteúdo científico, com a justificativa de que a educação é conteudista demais, e a
retirada da obrigatoriedade, por exemplo, de disciplinas que contribuem no
desenvolvimento do pensamento crítico, como no caso de Sociologia e Filosofia, que
passa a ser reagrupadas em áreas do conhecimento.
Em última análise, nota-se que a ideia de uma liberdade na escolha do itinerário
formativo está diretamente relacionada a ideia de uma igualdade de oportunidades, onde
cabe as/aos estudantes a responsabilidade de seu sucesso. Tudo isso muito bem
planejado por propagandas veiculadas, onde se mantinha um discurso garantindo que a
Base Nacional Comum Curricular estabeleceria os mesmos direitos de aprendizagem
para classes economicamente diferentes, como no caso de estudantes de escola pública e
privada. (RIBEIRO;ZANARDI, 2020, p.2) Percebe-se, portanto, que “O Estado aparece
como a realização do interesse geral [...], mas, na realidade, ele é a forma pela qual os
interesses da parte mais forte e poderosa da sociedade (a classe dos proprietários)
ganham a aparência de interesses de toda a sociedade.” (CHAUÍ, 1984, p.69)

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo das reflexões desta pesquisa, é possível identificar que a
problematização a respeito da reforma do Ensino Médio está atrelada a formação de
banco de mão de obra básica, e, desta forma, de um baixo custo à disposição do
mercado. Portanto, as mudanças no currículo com prerrogativa de um ensino de
qualidade, serve, na verdade, ao modelo das políticas neoliberais, que tem como
desfecho o aprofundamento das diferenças de classes com base em uma realidade
socioeconômica desigual.
Essa desigualdade institucionalizada na educação brasileira é reflexo de um
mercado altamente precarizado e impulsionado pela flexibilização das relações de
trabalho, não à toa, o Novo Ensino Médio carrega em suas propostas uma educação que
estimule o empreendedorismo, uma vez que vem ocupando espaço nos currículos e
perpetuando a lógica da ideologia neoliberal. Assim, responsabiliza as/os estudantes
pelo seu sucesso ou fracasso, e isenta o Estado de assegurar mínimas condições de vida
para as/os trabalhadoras/res.
Cabe pensar como um posterior estudo a análise da opinião das/dos estudantes e
docentes sobre a implementação do Novo Ensino Médio no Estado de Mato Grosso do
Sul, especificamente, no município de Paranaíba (MS). Esse estudo pode vir a
esclarecer como está sendo a implementação da reforma do ensino médio em diferentes
localidades, visando abordar se existe suporte ou não de investimento para a
consolidação da organização curricular frente as novas mudanças e, se há preparação
adequada de professores e professoras por meio de formação específica.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n. 9.394, de 1996. Brasília:
Senado, 1996.

BRASIL. Lei n. 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Brasília: Planalto, 2017.

CHAUÍ, Marilena de Souza. O que é ideologia. São Paulo: Abril Cultural: Brasiliense, 1984

FRIGOTTO, Gaudêncio; GENTILI, Pablo (orgs). A cidadania negada: políticas de exclusão


na educação e no trabalho. São Paulo: Cortez; [Buenos Aires, Argentina]: CLACSO, 2001.

OLIVEIRA, Ramon de. A Reforma do Ensino Médio como expressão da nova hegemonia


neoliberal. Educação Unisinos, v. 24
RIBEIRO, Márden Pádua; ZANARDI, Teodoro Adriano Costa. O novo Ensino Médio e a
liberdade de escolha. Santa Maria. V.45, 2020. Disponível em:
https://periodicos.ufsm.br/reveducacao Acesso em 08/04/2022

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