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A Prova Dos Fatos Marina Gascón Abellán

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A Prova dos Fatos

Marina Gascón Abellán

Sumário: 1. Duas concepções da prova: cognoscitivismo e concepção persuasiva: 1.1


Concepção cognoscitivista. 1.2 concepção persuasiva. 1.3 As relações verdade-prova. 2.
A prova judicial como prova prevalecentemente indutiva: 2.1 Prova dedutiva e prova
indutiva. 2.2 A valoração da prova. 3 Algumas construções doutrinais e
jurisprudenciais. Considerações críticas: 3.1 A distinção prova direta/prova indireta. 3.2
Os requisitos da prova indireta ou indiciária. 4. Caráter institucionalizado da prova
judicial. 5. A motivação da prova: 5.1 A necessidade de motivação da prova. 5.2. Em
que consiste a motivação. 5.3. O estilo da motivação. 5.4. Resumo: regras sobre a
motivação.

A teoria da argumentação, que nas últimas décadas experimentou tão espetacular


desenvolvimento, tem dedicado uma escassa atenção ao juízo de fato. Prova do que se
acaba de dizer é que ao folhar as bibliotecas jurídicas constata-se que a maior parte das
preocupações dos juristas tem se concentrado nos problemas de interpretação das
normas, assumindo –implícita ou explicitamente- que o conhecimento de fatos não
suscita problemas especiais ou que, suscitando-os, está irremediavelmente destinado à
discricionariedade extrema e quando não, à pura e simples arbitrariedade judicial. Uma
análise minimamente reflexiva não pode deixar de destacar, no entanto, que o juízo de
fato é tão ou mais problemático do que o juízo de direito; que nele a discricionariedade
do juiz é freqüentemente maior do que na interpretação das normas; que é, enfim, o
momento de exercício do Poder Judicial onde o juiz é mais soberano e onde,
conseqüentemente, pode ser mais arbitrário. Por isso, se a teoria da argumentação
pretende ser minimamente completa não pode deixar de prestar atenção ao juízo de fato.

1. Duas Concepções da prova: O cognoscitivismo e a concepção persuasiva


Na medida em que a prova judicial se dirige a comprovar a verdade ou falsidade de
afirmações sobre fatos relevantes para a causa (geralmente fatos do passado que não
foram presenciados pelo julgador), a concepção da prova que se mantenha, vincula-se
ao modo em que se entendam a natureza, possibilidades e limites do conhecimento
empírico; isto é, à epistemologia que se adote. Como linha de princípio caberia adotar
dois tipos de epistemologia, cabe distinguir, –também em linha de princípio- duas
concepções da prova, cada uma delas se caracteriza por manter certa relação entre os
conceitos de verdade (ou enunciado verdadeiro) e prova (ou enunciado provado). Estas
duas concepções são a cognoscitivista e a persuasiva.

1.1. Concepção cognoscitivista da prova

Uma primeira epistemologia é a que poderíamos denominar objetivismo crítico:


objetivismo porque entende que a objetividade do conhecimento se baseia em sua
correspondência ou adequação a um mundo independente; crítico porque leva a sério as
teses sobre as limitações do conhecimento. Ou seja, trata-se de uma epistemologia que
afirma que existem fatos independentes que podemos conhecer embora o conhecimento
alcançado seja sempre imperfeito ou relativo. A concepção da prova que deriva desta
epistemologia é a cognoscitivista, que concebe a prova como sendo um instrumento de
conhecimento, ou seja, como atividade direcionada a conhecer ou averiguar a verdade
sobre fatos controvertidos ou litigiosos, mas ao mesmo tempo como fonte de um
conhecimento que é somente provável. Em poucas palavras, desde esta perspectiva se
assume que a declaração de fatos comprovados pode ser falsa. Além do mais, nesta
concepção a valoração da prova concebe-se como uma atividade racional, consistente
em comprovar a verdade dos enunciados à luz das provas disponíveis, e por isso
susceptível de exteriorização e controle.

1.2. Concepção persuasiva da prova

Uma segunda epistemologia é a construtivista, que acha que a objetividade do


conhecimento deriva de nossos esquemas de pensamento e juízos de valor; isto é, que a
verdade dos enunciados está muito vinculada ao contexto. Em sentido estrito não cabe
falar de um <conhecimento objetivo>; melhor dizendo, a verdade, entendida como
correspondência, carece de sentido. A adoção de uma epistemologia construtivista no
processo de prova manifesta-se naquelas propostas que adiam a averiguação da verdade,
em favor de outras finalidades práticas do processo. Estas teses estão vinculadas à teoria
do adversary system e, em geral, às posições ideológicas do processo civil que o
concebem essencialmente como um instrumento para a resolução de conflitos1. É que
se o objetivo do processo é dar uma solução prática ao conflito, não será necessário que
a orientação da prova seja averiguar a verdade dos fatos litigiosos: bastará com obter um
resultado formal que seja operativo. É mais, poderia inclusive pensar-se que a
comprovação da verdade é um obstáculo para a rápida solução da controvérsia. Estas
propostas alimentam uma concepção persuasiva da prova, que entende que a finalidade
desta é somente persuadir com o objetivo de obter uma resolução favorável. Por isso a
prova, enquanto atividade consistente em comprovar a verdade dos enunciados fáticos,
não tem sentido: nem sequer pode-se discutir se o conhecimento do juiz é correto ou
equivocado; simplesmente está persuadido. Além do mais, uma concepção deste tipo é
compatível com (e, ainda mais, implica) uma concepção irracional da valoração da
prova. De um lado, porque a persuasão de um sujeito sobre algo é um estado
psicológico e nada mais; por outro lado, porque a persuasão poderá fundamentar-se
sobre qualquer coisa que tenha influenciado na formação desse estado psicológico, e
não necessariamente na produção de provas.

1.3. As relações verdade-prova

A distinção entre as duas concepções da prova comentadas, pode ser analisada à luz das
relações entre os conceitos de verdade e prova.

Dizer que um enunciado fático é verdadeiro significa que os fatos descritos existiram ou
existem em um mundo independente; ou seja, que é correta -no sentido de que se
corresponde com a realidade- a descrição de fatos que formula. Dizer que um enunciado
fático está provado significa que sua verdade foi comprovada; ou seja, que o enunciado
foi confirmado pelas provas disponíveis2. Poderia dizer-se que enquanto o
cognoscitivismo separa ambos os conceitos, a concepção persuasiva os identifica: pela
perspectiva cognoscitivista a declaração de fatos provados da sentença pode ser falsa;
1
Vid. TARUFFO, M., <Modelli di prova e di procedimento probatório>, Rivista di Diritto Processuale,
XLV, 2, 1990, pp. 429 e ss.
2
Se bem que, quando um enunciado fático tenha sido confirmado pelas provas disponíveis costuma dizer-
se que <é verdadeiro>.
pela concepção persuasiva não tem sentido fazer tal afirmação, pois mesmo que, a rigor,
a verdade dos fatos, aqui não é algo que se deva perseguir, é evidente que na prática esta
posição descansa sobre um conceito de verdade em virtude do qual verdadeiro é o que
resulta provado no processo.

Agora, note-se que o conceito de verdade (ou enunciado verdadeiro) traduz, em


relação com o da prova (ou enunciado provado), um ideal, e nesta medida dita distinção
tem a virtualidade de destacar as inevitáveis limitações que o procedimento probatório
padece na hora de investigar o que efetivamente sucedeu: embora somente a declaração
de fatos provados resulte juridicamente relevante, não é infalível, e desde logo pode ser
diferente (de maior, mas também de menor qualidade) à obtida através de outros
procedimentos, que não tenham as travas e as limitações processuais3. Por isso, a
distinção entre esses dois conceitos, não somente é possível, como necessária se se
quiser dar conta do caráter autorizado, porém falível da declaração de fatos da sentença.
Vai além, a distinção desempenha também um importante papel metodológico, pois põe
em evidencia a necessidade de adotar cautelas e estabelecer garantias para fazer com
que a declaração de fatos obtida no processo se aproxime o mais possível da verdade.

Em resumo, uma concepção racional da prova exige distinguir entre os conceitos de


verdadeiro e provado; exige, portanto, o cognoscitivismo, concepção segundo a qual o
processo se orienta para a comprovação da verdade, mas o conhecimento alcançado é
sempre imperfeito ou relativo. Além do mais –como indica L. FERRAJOLI- esta é a
única concepção da prova que se adapta a uma atitude epistemológica não dogmática,
pois, diferentemente da concepção persuasiva, que não permite pensar que a declaração
de fatos da sentença seja falsa, esta sim permite pensá-lo: <permite sustentar a hipótese
de que um imputado poderia ser inocente (ou culpado) mesmo que tal hipótese tenha
sido rechaçada em todas as instancias de um processo e esteja em contraste com todas
as provas disponíveis>4.

2. A prova judicial como prevalentemente indutiva

O objetivo principal de um procedimento de prova é a averiguação dos fatos da causa.


Porém isto não é um assunto trivial. Primeiro, porque o juiz não teve acesso direto aos

3
Como afirmam ALCHOURRÓN, C., e E. BULYGIN, poderá dizer-se que a verdade processual <é final
no sentido de que põe fim à controvérsia, (mas por fim à discussão sobre a verdade não torna verdadeiro o
enunciado!)>, <Os limites da lógica e o raciocínio jurídico>, Análise lógica e direito, CEC, Madrid, 1991,
p. 311.
4
FERRAJOLI, L., Direito e Razão, cit., p. 67.
fatos, de modo que o que imediatamente conhece, são enunciados sobre os fatos, cuja
verdade deve-se provar. Segundo, porque a verdade de tais enunciados deve ser obtida,
quase sempre, mediante um raciocínio indutivo a partir de outros enunciados fáticos
verdadeiros. Terceiro, porque a averiguação da verdade deverá fazer-se mediante
normas institucionais que muitas vezes atrapalham (e outras claramente impedem) a
obtenção desse objetivo. Agora nos ocuparemos do segundo aspecto

2.1. Prova dedutiva e prova indutiva

A verdade dos enunciados fáticos relevantes para a causa pode ser conhecida, em
alguns casos, mediante observação dos fatos a que fazem referência, isto é, mediante o
que se poderia denominar prova observacional, cujo grau de certeza pode considerar-se
absoluto. Por exemplo, o enunciado <queimaram-se vinte hectares de bosque> admite
prova observacional mediante a medição da superfície queimada; embora o caso
paradigmático deste tipo de prova é o reconhecimento judicial ou inspeção ocular. No
entanto, em geral o juiz não esteve presente quando aconteceram os fatos, de modo que
seu conhecimento sobre eles quase nunca é direto ou imediato, mas indireto ou mediato.
Isto é, as provas, nestes casos, não são o resultado direto da observação, porém de uma
inferência que se realiza a partir de outros enunciados, inferência que pode ser de
caráter dedutivo ou de caráter indutivo.

Algumas inferências probatórias, efetivamente, podem ser de caráter dedutivo, e,


portanto, na medida em que as premissas das quais se parta sejam verdadeiras,
produzirão resultados também verdadeiros. É o que se poderia denominar prova
dedutiva.

Um raciocínio dedutivo válido é aquele no qual a conclusão deriva


necessariamente das premissas; de modo que é absolutamente impossível que as
premissas sejam verdadeiras sem que a conclusão também o seja. Por isso este
raciocínio baseia-se em uma lei universal, uma lei que estabelece que sempre que
acontecem umas circunstâncias se produzem necessariamente outras.

A coarctada e muitas provas científicas e biológicas são exemplos de prova dedutiva.


Assim, as afirmativas <A não estava no lugar L no momento T>, <havia vestígio de A
no carro de B> e <havia sangue de A na roupa de B> poderiam provar-se mediante
coarctada no primeiro caso, mediante prova datiloscópica no segundo, e mediante prova
biológica no terceiro. A força dedutiva da coarctada, que esclarece através da regra
lógica do modus tollens, aparece de modo irrefutável: a universalidade da lei em que se
apóia (aquela segundo a qual ninguém pode estar simultaneamente em dois lugares
diferentes) constitui um ponto fixo de nossa experiência, a não ser que estejamos
dispostos a admitir o milagre, ou a magia, ou o “dom” da ubiqüidade. E o mesmo
caberia dizer de muitas provas científicas ou biológicas, embora por diferentes razões:
nestes casos, a universalidade das regras que formam a premissa maior da inferência
dedutiva, deriva do elevadíssimo crédito de que gozam na comunidade científica.

A jurisprudência também reflete às vezes o caráter dedutivo ou demonstrativo das


provas científicas, que deriva da <universalide> que se atribui às leis científicas nas
quais tais provas se apóiam. O Supremo Tribunal espanhol afirma, por exemplo,
que <se as leis causais naturais estão asseguradas cientificamente, são princípios de
experiência obrigatória> (STS 2207/1993, fundamento segundo). Por isso, com
referencia a uma prova de balística, esse mesmo Tribunal assinala que <a força de
tal prova científica...é tal, que...a habilidade dialética e a persistência argumentativa
[para combatê-la]...não pode destruir a força demonstrativa da perícia balística>; e
isso porque <a prova se baseia em conhecimentos científicos apoiados em regras
indubitáveis de comprovação por reiteradas experiências em laboratórios próprios e
estranhos, reproduzida por publicações de Técnica Policial e de Balística> (STS
1852/1994, fundamento segundo).

Agora, mesmo que possa parecer uma obviedade, é preciso insistir na necessidade de
separar nitidamente as questões lógicas das epistemológicas, a validez da verdade: a
validez de um argumento dedutivo não garante a verdade da conclusão, pois a conclusão
é verdadeira <a condição de que> as premissas sejam verdadeiras. Em outras palavras, o
uso de meios de prova dedutiva não garante, por si só, a infalibilidade dos resultados; e
não, obviamente, pelo caráter da inferência, mas sim pela qualidade epistemológica das
premissas, particularmente pelas constituídas de asserções sobre fatos singulares.

Efetivamente, inclusive nas provas dedutivas fundamentadas em regras, cuja


universalidade sequer pode ser questionada, como a prova <por sinais> (por exemplo, a
fundada na regra: <o parto é sinal de gravidez prévia>) ou a já mencionada da coarctada
(fundada na regra: <ninguém pode estar simultaneamente em dois lugares diferentes>),
convém manter uma atitude cautelosa, pois a premissa menor, da inferência dedutiva
pode ser falsa: pode ser falso que o parto acontecera, ou que alguém estivesse em
determinado lugar em uma hora precisa. E em relação às provas científicas se impõem
ainda maior cautela. De um lado, porque a confiabilidade dos resultados de uma prova
científica dependerá de sua validez científica e de sua correção técnica: o primeiro,
porque muitas dessas provas podem ser realizadas por métodos diferentes e não todos
gozam do mesmo grau de aceitação pela comunidade científica, de modo que a validez
científica do método usado poderia ser objeto de discussão; no segundo, porque a
aceitabilidade da prova dependerá também de que esta tenha sida realizada
corretamente, de maneira que sua correção técnica poderia também ser posta em
dúvida.

Em todo caso, não se requer somente correção técnico-científica, como também


correção –poderíamos dizer- técnico-processual. Assim, para valorar positivamente
o resultado de uma prova digital, o problema já não é tanto a validez científica da
prova, que poderia considerar-se absoluta, mas sua correta realização no
laboratório (correção técnico-científica) e saber que colheu a impressão digital, por
ordem de quem, em que objeto foi encontrada, em que ponto concreto, etc.
(correção técnico-processual). E o mesmo acontece em relação à análise de uma
mancha de sangue, urina, saliva: é importante o detalhe exato da coleta das mostras
que depois serão analisadas.

Além do mais, de outro lado, não todas as provas científicas podem perceber-se,
apesar de sua aparência, como provas dedutivas. Muitas delas –por exemplo a prova
positiva de DNA- são de natureza estatística, mesmo que tenham sido bem realizadas e
se tenha usado métodos cientificamente válidos, seus resultados podem ser considerados
dignos de toda confiança, razão pela qual costuma-se assimilá-las, do ponto de vista de
seu grau de certeza, às provas dedutivas.

A jurisprudência espanhola mais recente parece consciente da natureza estatística


de muitas provas científicas, mas também de sua elevada confiabilidade. Assim,
acredita-se que <as provas biológicas no estado atual de desenvolvimento das
ciências de investigação de paternidade, revelam resultados que podem considerar-
se de alta probabilidade> (STS 2575/1992, fundamento segundo). Mais
exatamente, < o grau de certeza é absoluto quando o resultado é negativo para a
paternidade, e, quando positivo, os laboratórios de medicina legal assinalam graus
de probabilidade de 99 por 100> (STC 7/1994 Fj 2º). Por isso –se afirma- <nos
encontramos ante uma prova assombrosamente demonstrativa... Não é necessário
que as provas biológicas demonstrem cem por cento a imputação da paternidade, já
que é suficiente que demonstre... um alto índice de probabilidade que acredita de
uma maneira certa e segura que se produziu o fato e a conseqüência biológica da
gravidez> (STS 2575/1992, fundamento segundo). E em relação à prova
datiloscópica, embora se reconheça que <a eficácia prática da datiloscopia para a
identificação dependeu, exclusivamente, do sistema classificatório dos
datilogramas>, tal prova considerou-se, desde sempre, como suficiente para
enervar a presunção de inocência por gozar <de absoluta confiabilidade> (por
todas, STS 2814/1993).

As observações recém feitas são importantes, pois põem em evidência que, pese a
aura de infalibilidade que cerca as provas científicas e todas as de natureza dedutiva,
deve-se assumir como tese epistemológica geral, que o grau de conhecimento que
proporcionam, é somente o de probabilidade, por mais alta que esta possa ser.

Porém as inferências probatórias podem ser também de caráter indutivo, pois por
indução, em sentido amplo, entende-se todo aquele tipo de raciocínio em que as
premissas, mesmo sendo verdadeiras, não oferecem fundamentos conclusivos para a
verdade de seu resultado, mas sim que este segue aquelas com alguma probabilidade.
Falamos então de prova indutiva, que constitui, sem dúvida nenhuma, o tipo de
raciocínio probatório mais freqüente.

Na maioria das ocasiões, efetivamente, a prova judicial dos fatos relevantes para o
processo, exige lançar mão de leis ou regularidades empíricas que conectam as provas
existentes com uma hipótese sobre os fatos; isto é, leis que permitem estabelecer que, as
provas sendo corretas, a hipótese sobre os fatos também o será: pà h. É verdade que o
raciocínio que se desenvolve a partir dessas leis (que se pàh e é p, então é h) tem
aparência dedutiva, mas, a rigor, sua natureza é indutiva, e isso porque essas leis
empíricas às que se recorre, são leis probabilísticas; ou seja, somente estabelecem –de
acordo com nossa experiência passada- que se as provas são verdadeiras é provável que
também o seja a hipótese: se p, então é provável que h.

Por exemplo, leis do tipo: se alguém odiava outra pessoa que apareceu morta, e/ou
estava no lugar do crime momentos antes do mesmo, e/ou tinha motivos suficientes
para desejar sua morte, e/ou encontrou-se em sua casa a arma do crime, e/ou
encontrou-se sangue da vítima em sua roupa, então é provável que a tenha matado.

Se a isso se agrega que no discurso judicial a maioria destas regularidades são leis
sociais –portanto leis sobre a ação humana livre- e, principalmente, máximas de
experiência baseadas no id quod plerumque accidit5, então a natureza probabilística da

5
As máximas de experiência, na célebre definição de STEIN <são definições ou juízos hipotéticos de
conteúdo geral, desligados dos fatos concretos que são julgados no processo, procedentes da experiência,
mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram induzidos e que, acima desses casos,
pretende, ter validez para outros novos< (STEIN, O conhecimento privado do juiz, Madrid, 1990, p. 42).
implicação, mostra-se ainda mais clara, apesar da aparência dedutiva do raciocínio.
Talvez devido a essa aparência dedutiva, não tem sido raro que os juristas atribuam aos
resultados dessa inferência o valor de uma conseqüência necessária. Mas insistimos que
isso é um erro. Uma inferência desse tipo é um tipo de indução, e por isso, no sentido
estrito, o mais que se pode dizer, é que seu resultado é uma hipótese, isto é, um
enunciado que consideramos verdadeiro mesmo quando não sabemos se o é ou não. Isso
não significa, obviamente, que não se possam tratar as hipóteses como verdadeiras;
mais ainda, há boas razões para esperar que o resultado de uma indução rigorosa seja
fidedigno. Significa somente que, já que o conhecimento indutivo é somente provável, o
resultado da indução pode ser falso.

A observação que se acaba de fazer, não deixa de acarretar conseqüências para o


modelo judicial de prova: ao se admitir a natureza falível dos resultados probatórios,
fazem-se necessárias algumas precauções metodológicas com a finalidade de aproximar,
o mais possível, esses resultados à verdade. Essas precauções projetam-se
principalmente, ainda que não somente, sobre a valoração da prova.

2.2 A valoração da prova

A valoração é o juízo de aceitabilidade (ou de veracidade) dos resultados probatórios


(isto é, das hipóteses). Consiste, mais precisamente, em avaliar a veracidade das provas
(ou seja, das informações aportadas ao processo através dos meios de prova), assim
como em atribuir às mesmas um determinado valor ou peso na convicção do julgador
sobre os fatos que se julgam. A valoração constitui, pois o próprio núcleo do raciocínio
probatório; isto é, do raciocínio que conduz, a partir dessas informações, a uma
afirmação sobre fatos controvertidos.

É possível configurar, a princípio, dois diferentes modelos de valoração, dependendo


de que esta venha ou não predeterminada juridicamente: o modelo de prova legal ou
taxada, no primeiro caso, e o modelo de prova livre, no segundo. A prova legal ou
taxada, que não é senão um prolongamento da prova irracional ou de ordália, pressupõe
a existência de certas regras de valoração estabelecidas na lei que indicam ao juiz
quando (e em que medida) deve dar um fato como provado, com independência de seu
convencimento. O sistema de prova livre, ao contrário, deixa a valoração da prova à
(livre) convicção judicial.
Se assumirmos que a prova proporciona resultados somente prováveis, deve-se
descartar qualquer valoração predeterminada dos meios de prova, pois é bem possível
de que no caso concreto o grau de probabilidade proporcionado por uma determinada
prova resulte ainda insuficiente para fundamentar a decisão, por mais que o legislador
lhe tenha atribuído um valor específico. O princípio da livre convicção vem estender
esta situação, proscrevendo que se deva dar por provado o que a juízo do julgador ainda
não goza de um grau de probabilidade aceitável. A livre convicção não é, portanto, um
critério (positivo) de valoração alternativo ao das provas legais, mas sim um princípio
metodológico (negativo)6 que consiste simplesmente na recusa das provas legais como
suficientes para determinar a decisão e que constitui, por isso, uma autêntica garantia
de verdade.

Pois bem, enquanto princípio metodológico negativo, a livre convicção não só não é,
mas também não impõe nenhum critério (positivo) de valoração; isto é, ainda não diz
como valorar, como determinar o grau de aceitabilidade de uma hipótese. Mas se a livre
convicção não diz nada, a concepção cognoscitiva da prova sim que proporciona
algumas chaves a respeito. Por uma parte, proscrevendo alguns critérios de valoração: a
valoração não pode ser entendida como uma convicção íntima, incomunicável,
intransferível, e por isso incontrolável e arbitrária, pois é óbvio que a íntima convicção,
por si mesma, não pode provar nada. Por outra, indicando o tipo de critérios que serão
usados: se valorar é avaliar a aceitabilidade dos resultados probatórios, e levando em
conta que estes se considerarão aceitáveis quando seu grau de probabilidade se
considere suficiente, os critérios (positivos) de valoração indicam quando uma hipótese
alcançou um grau de probabilidade suficiente e maior do que qualquer outra hipótese
alternativa sobre os mesmos fatos. Por isso, o objetivo dos modelos de valoração há de
ser prover esquemas racionais para determinar o grau de probabilidade das hipóteses7.

Na intenção de avaliar racionalmente o grau de probabilidade das hipóteses (ou de


racionalizar a valoração da prova) tentaram-se, sobretudo nos Estados Unidos, alguns
modelos que pretendem projetar neste âmbito os instrumentos matemáticos do cálculo
de probabilidades. O bayesianismo, uma tentativa de aplicar o teorema de BAYES à
valoração da prova, constitui talvez o desenvolvimento mais importante nesse sentido,

6
Vid. também FERRAJOLI, L., Direito e Razão, cit., p. 139.
7
Sobre os modelos de valoração racionel da prova, vid. TARUFFO, M., La prova dei fatti giuridici,
Giuffrè, Milan, 1992; e GASCÓN, M., Los hechos en el derecho. Bases argumentales de la prueba,
Marcial Pons, Madrid, 2ª edic., 2004.
embora também se enquadrem nessa linha o modelo das belief functions desenvolvido
por G. SHAFFER, ou o evidentiary value model, dos suecos P.O.EKELÖF, S.
HALLDÉN e M. EDMAN. No entanto, mesmo assim estes modelos apresentam sérias
deficiências ou dificuldades para fundar uma teoria geral da valoração da prova, o que
não impede que, em âmbitos específicos (por exemplo, na valoração das provas
científicas) possam ter utilidade.

Porém racionalizar a valoração da prova, não necessariamente exige a aplicação do


cálculo matemático-estatístico. De fato, a adoção de modelos matemáticos, talvez pelas
dificuldades que ainda apresentam, mas talvez também pela tradicional resistência dos
juristas em abrir-se a conhecimentos extra jurídicos, tem tido pouco êxito, e os modelos
mais desenvolvidos de valoração racional da prova (e aceitos) são os esquemas
indutivos do grau de confirmação, que a princípio são os mais bem adequados à
estrutura de problemas probatórios com que o juiz se depara: a existência de uma ou de
várias hipóteses sobre os fatos da causa e a necessidade de estabelecer, com base nas
provas disponíveis, qual delas resulta mais aceitável ou considerável.

De acordo com os esquemas do grau de confirmação, uma hipótese pode aceitar-se


como verdadeira se não foi refutada pelas provas disponíveis e estas a tornam provável
(ou seja, a confirmam); ou melhor, mais provável do que qualquer outra hipótese sobre
os mesmos fatos. Há aqui três requisitos que passamos a analisar.

1º Requisito da confirmação.

Uma hipótese (h) é confirmada por uma prova (p) se existe um nexo causal ou lógico
entre ambas (que é uma simples lei probabilística ou uma máxima de experiência) que
faz com que a existência desta última estabeleça uma razão para aceitar a primeira.

p--- h

----------- [é provável]

A confirmação é, pois, uma inferência indutiva, pelo qual o grau de confirmação de


uma hipótese é equivalente a sua probabilidade, isto é, à credibilidade da hipótese sob a
luz do conjunto de conhecimentos disponíveis.
Sendo expressão do grau de confirmação, a probabilidade de uma hipótese aumenta ou
diminui com os seguintes elementos:

(I) O fundamento cognoscitivo e o grau de probabilidade expresso pelas regras e


máximas de experiência utilizadas.

Que o fundamento e o grau de probabilidade das regras utilizadas na confirmação,


influa na probabilidade final da hipótese confirmada, parece indubitável: enquanto
algumas dessas regras expressam relações mais ou menos certas ou precisas, outras, ao
contrário, somente expressam toscas e imprecisas generalizações de opinião da maioria.
Além do mais, enquanto algumas delas têm um fundamento cognoscitivo mais ou
menos sólido (como as que são vulgarizações de conhecimentos naturais ou científicos),
outras carecem de fundamento suficiente (como as que reproduzem tópicos ou
preconceitos difundidos). Pode-se dizer, por isso, que <quanto mais certo e preciso seja
o tipo de conexão entre a hipótese e as provas, maior será o grau de confirmação da
hipótese, que, pelo contrário, só obterá confirmações ‘fracas’ quando as conexões forem
genéricas, vagas e de incerto fundamento cognoscitivo>8.

(II) A qualidade epistemológica das provas que a confirmam.

O fundamento desta afirmação também parece claro: se uma prova é fraca, o grau de
confirmação que atribui à hipótese não pode ser alto, por mais fundamentada que esteja
a regra que conecta a prova com a hipótese. Por exemplo, a hipótese <A matou a B>
poderia ser confirmada pelo resultado de uma prova de DNA que estabelecesse que <as
amostras de pele e cabelo encontradas entre as unhas da vítima pertencem a A>; ou
poderia ser confirmada pelo testemunho de X, um inimigo de A, que declarasse que, de
acordo com o que havia comentado a vítima, <A odiava a B e o tinha ameaçado de
morte>. Parece que o grau de certeza da primeira prova é maior que o da segunda, pelo
qual o grau de confirmação ou probabilidade conferido à hipótese <A matou B> será
também maior no primeiro caso do que no segundo.

(III) O número de passos inferenciais que separam a hipótese das provas que a
confirmam.

Se a inferência indutiva em que consiste a confirmação, atribui à hipótese (somente)


certo grau de probabilidade, a probabilidade se debilita com cada passo inferencial, de
modo que quanto maior seja o número de passos intermediários entre a hipótese e as

8
TARUFFO, M., La prova dei fatti, cit. P. 247.
provas que a confirmam, menor será a probabilidade. Assim, a hipótese <A comercia
com drogas> poderia ser confirmada pelo testemunho de X: <A vendeu droga várias
vezes no lugar L>; ou pelo testemunho de Y (a polícia): <A levava no carro uma
balança de precisão e na sua casa foi encontrada uma importante quantidade de dinheiro
e certa quantidade de droga>. O número de passos inferenciais que separam a hipótese
do testemunho de X é menor do que o número de passos que a separam do testemunho
de Y.

Entre o testemunho de X e a hipótese existe somente um passo inferencial: o


representado pelo juízo de credibilidade de X, que conduz à afirmação <A vendeu
drogas em repetidas ocasiões no lugar L>; isto é, à hipótese <A comercia com
drogas>.

Entre o testemunho de Y e a hipótese há pelo menos dois passos inferenciais:


primeiro, o próprio juízo de credibilidade de Y, que conduz a afirmação <A levava
no carro uma balança de precisão e em sua casa foi encontrada uma importante
quantidade de dinheiro e certa quantidade de droga>; depois, o qual, a partir daqui
e de uma generalização (do tipo: se alguém leva em seu carro uma balança de
precisão e em sua casa tem uma grande soma de dinheiro e certa quantidade de
droga, provavelmente seja porque comercia com droga), conduz à hipótese <A
comercia com droga>.

Por isso, supondo que as duas testemunhas merecessem a mesma credibilidade, a


probabilidade da hipótese seria maior no primeiro caso do que no segundo 9.

(IV) A <quantidade> e <variedade> de provas e confirmações.

É evidente que se a probabilidade de uma hipótese equivale a seu grau de confirmação


pelo conjunto de conhecimentos disponíveis, quanto maior seja o número de
confirmações, maior será seu grau de probabilidade; probabilidade que também será
maior quanto mais variadas sejam as provas que a confirmam; pois a variedade de
provas proporciona uma imagem mais completa dos fatos.

Finalmente, posto que o grau de probabilidade de uma hipótese aumenta com a


quantidade e variedade das provas que a confirmam, e posto que o procedimento de
prova tenda a formular hipóteses com o maior grau de probabilidade possível, impõe-se

9
Mesmo com terminologia diferente, esta observação já está presente em BENTHAM, J., Tratado de las
pruebas judiciales,2 Vols., comp. De E. Dumont (1823), trad. de M. Osório, EJEA, Buenos Aires, 1971,
Vol. I, p. 365.
a observação da seguinte regra epistemológica: Não existem provas suficientes.
Qualquer prova relevante é necessária, e por isso deveria ser admitida.

Se esta afirmação tem nexo é porque habitualmente se diferencia entre os conceitos de


relevância e de necessidade de prova. A relevância (ou pertinência) das provas é a
relação que têm os fatos aos quais fazem referencia com o objeto do juízo e com aquilo
que constitui o thema decidendi, e expressa a capacidade da prova para formar a
convicção do juiz. Prova necessária é aquela que é realmente útil para formar essa
convicção10. A distinção pretende por em destaque que nem toda prova relevante (ou
pertinente) é necessária, pois é possível que o julgador já possua elementos probatórios
suficientes para formar sua convicção e, por isso, não seja necessário nenhum esforço
probatório adicional. Esta doutrina, que tem a finalidade de evitar esforços probatórios
inúteis, parece, no entanto, conceitualmente equivocada e (o que é pior) pode produzir
no final resultados adversos para o fim cognoscitivo do processo de prova. Primeiro
porque se os resultados probatórios não passam nunca da mera probabilidade, qualquer
prova relevante é necessária, na medida em que contribui para aumentar o grau de
probabilidade da hipótese que se pretende provar. Segundo porque, escudando-se nesta
distinção, o juiz poderia rechaçar a prática de provas relevantes, conformando-se com
uma débil (e talvez falsa) declaração de fatos.

Parecem, por isso, acertados os pronunciamentos jurisprudenciais que -como faz o


TC espanhol—entendem que <a economia do processo, sua maior celeridade ou a
eficácia na administração de justiça, sendo indubitavelmente valores dignos de
tutela, não justificam o sacrifício do direito dos cidadãos a usar provas pertinentes
para sua defesa>. (STC 51/1985, FJ 9).

2º Requisito da não-refutação.

Para aceitar uma hipótese é necessário que, além de confirmada, não seja refutada
pelas provas disponíveis; isto é, que estas não entrem em contradição com aquela. A
sujeição a refutação das hipóteses é por isso a <prova de fogo> para poder aceitá-las.
Daí deriva outra regra epistemológica importante (ou garantia de verdade) que exige a
oportunidade de um momento contraditório no processo para poder refutar as hipóteses
(requisito da contradição). Precisamente por isso, o processo inquisitório, onde a busca
da verdade é confiada somente à confirmação da hipótese por parte do juiz, sem dar

10
Deve-se dizer que na jurisprudência muitas vezes se alude ao binômio relevância/necessidade com os
termos penitencia/relevância ou necessidade.
possibilidade para as partes (mediante um contraditório) de defender a própria hipótese
demonstrando o infundado da contrária, é um processo afetado por um defeito
epistemológico importante.

3º Requisito da maior probabilidade do que qualquer outra hipótese sobre os mesmos


fatos.

Ao final do processo de confirmação e sujeição, a refutação das hipóteses pode


resultar em que hipóteses rivais sobre os mesmos fatos estejam igualmente
fundamentadas (ou tenham a mesma probabilidade), portanto falta ainda por determinar
qual delas é a correta. Para isso pode ser útil o critério da coerência narrativa do modo
em que o entende MacCormick, que indica qual das hipóteses em discussão resulta mais
improvável11: é mais improvável a hipótese que exige pressupor um maior número de
princípios explicativos auxiliares para permitir a coerência entre a hipótese e as provas.

Considere-se, por exemplo, o caso de uma prostituta que recebe os ‘clientes’ em


seu quarto enquanto seu marido está em casa. Se estivesse em questão se o marido
conhece tal atividade, poderia pensar-se (hipótese-1) que sim, que está
perfeitamente a par da mesma e que nunca entra para incomodar. Poderia pensar-se
também (hipótese-2) que o marido não tivesse notado nada. Sustentar esta segunda
hipótese exige, no entanto, formular toda uma série de hipóteses suplementares:
que o marido nunca entrou no quarto enquanto sua mulher estava com outros, que
jamais ouviu um barulho estranho, etc. De acordo com o critério da coerência
narrativa, é menos improvável, e, portanto mais racional, a primeira
hipótese.

Contudo, é possível que no final nenhuma das hipóteses em discussão seja


suficientemente provada em detrimento da outra, ou que, sendo a probabilidade de uma
delas superior à da outra, essa probabilidade continue sem ser suficiente segundo os
standars institucionalmente exigidos (por exemplo, enquanto que nos processos civis,
em geral, é suficiente uma probabilidade preponderante, nos processos penais costuma-
se exigir um resultado além de toda dúvida razoável). A necessidade que tem o juiz de
resolver, apesar deste resultado estéril, fica, então, protegida pelo reconhecimento
(implícito ou explícito) de regras legais de decisão que indicam, em cada caso, a favor

11
MacCORMICK, N., <Coherence in Legal Justification> (1984), agora recolhido em M. BESSONE e R.
GUASTINI, (coords.), Materiali per um corso di analisi della giurisprudenza, CEDAM, Padova, 1994,
pp. 115 e ss.
de qual hipótese há de se orientar a solução. O in dúbio pro reo no processo penal e, em
geral, as regras sobre a carga da prova representam exemplos das mesmas.

3. Algumas construções doutrinais e jurisprudenciais.

Considerações críticas

Entre as muitas distinções doutrinais sobre a prova tem especial importância àquela
que distingue entre prova direta e prova indireta ou indiciária, pois algumas
conseqüências importantes associam-se a ela, como a distinção entre níveis de valoração
e entre exigências de motivação. Vale a pena examinar brevemente esta distinção com a
finalidade de examinar os acríticos postulados na qual se fundamenta, assim como
também o catálogo de requisitos que habitualmente se exige à denominada prova
indireta ou indiciária.

3.1. A distinção prova direta/prova indireta

Embora não exista unanimidade sobre o critério que fundamenta esta distinção, pode-
se dizer que a concepção <canônica> da mesma, por ser normalmente usada pela
doutrina e, principalmente, pela jurisprudência, entende por ambos os tipos de prova o
seguinte.

Prova direta, cujos casos típicos são a testemunhal e a documental, é aquela que versa
diretamente sobre o fato que se pretende provar, pelo qual –diz-se- a convicção judicial
sobre esse fato surge direta e espontaneamente, sem nenhuma mediação nem
necessidade de raciocínio, do meio ou fonte de prova.

Prova indireta ou crítica ou circunstancial ou indiciária é aquela que não versa


diretamente sobre o fato que se quer provar, mas sim sobre outros fatos circunstanciais
(ou indícios), razão pela qual a convicção judicial sobre àquele precisa do raciocínio ou
da inferência a partir destes últimos.

Tomemos, por exemplo, a definição destas provas recolhida na jurisprudência


espanhola. <Prova direta é aquela que de forma imediata oferece um conteúdo
probatório concreto já que dele surge, espontaneamente, a possibilidade de sua
valoração. É enfim, a prova que esclarece a investigação, permitindo a convicção
judicial sem necessidade de deduções nem inferências. Assim, a confissão do
acusado ou a declaração, em muitos casos, da testemunha. Mas frente a essa prova
também existe a indiciária ou indireta quando por meio de dois ou mais indícios
confirmados... chega-se lógica e racionalmente, e por vias da experiência... ao fato
conseqüência... que se quer provar>, STS 572/1996, de 16-09-1996.

São passíveis de prova direta aqueles nos quais <a demonstração do fato ajuizado
surge de modo direto e imediato através do meio de prova utilizado; documentos,
testemunhas, etc. Sua valoração não apresenta as dificuldades próprias da prova
indiciária, porque a conseqüência ou apreciação vem determinada, sem ser
necessário fazer uso de operações mentais complexas, isto é, por ser de certo modo
tarefa matizada de objetividade. O problema, a dificuldade e o perigo surgem com
a prova indireta... Nela entra a subjetividade do juiz, enquanto, mentalmente,
realiza o encadeamento entre o fato base e o fato conseqüência> (STC 169/1986,
FFJJ 1º e 2º).

Com a distinção prova direta-prova indireta parece querer indicar-se, pois, a ausência
ou presença de raciocínios e inferências, dependendo de que a prova verse ou não sobre
o fato que se pretende provar. A prova direta, por versar diretamente sobre o fato que se
quer provar, o provaria <espontaneamente>, <sem necessidade de raciocínio>. A prova
indireta ou indiciária, ao contrário, por não versar diretamente sobre o fato que se
pretende provar, mas, somente sobre um fato circunstancial, para dar crédito àquele
precisaria do raciocínio, da inferência. Além do mais, e conectado com o anterior,
parece que a espontaneidade em um caso, e, a necessidade de raciocinar no outro
acarreta também uma diferente qualidade epistemológica (e, portanto um valor
diferente ou força probatória) dos resultados de ambos os tipos de prova: maior no
primeiro caso, <por ser, de certo modo, tarefa mais matizada de objetividade e, portanto
de imparcialidade>; menor no segundo, porque <entra nela a subjetividade do juiz
enquanto, mentalmente, realiza o encadeamento entre o fato base e o fato conseqüência.

Essa distinção, no entanto, não parece aceitável, pois se fundamenta em uma acrítica
percepção da chamada prova direta. Analisada rigorosamente, a declaração da
testemunha Ta: <vi A atirar em B e este cair morto>, exemplo de prova direta, não
prova por si só (direta e espontaneamente, sem necessidade de raciocínio) o fato que se
pretende provar (que A matou B); o único que esta declaração prova por si só é que <a
testemunha Ta diz que viu A atirar em B e este cair morto>. A declaração de Ta provará
que <A matou B> somente se A diz a verdade (isto é, se não mente, nem cometeu um
erro de percepção, nem agora sofre de lapsos de memória); mas esse dado (que Ta diz a
verdade) é o resultado de uma inferência do mesmo tipo da que define a prova indireta.
Então, do ponto de vista do raciocínio não há nenhuma diferença essencial entre a
chamada prova direta e a indireta, pois em ambos os casos, estão presentes inferências
da mesma classe (indutivas, na verdade) e, em conseqüência, tão <matizada de
subjetividade> podem estar tanto a primeira quanto a segunda. A idéia de que a prova
direta é a que menos pode conduzir a erro judicial, deve ser posta em quarentena.

Na realidade, o único que a distinção entre prova direta e indireta pode indicar, é que
uma prova é direta se versa diretamente sobre o fato principal que se pretende provar e
do qual depende a decisão judicial, e indireta no caso contrário, sem outras
considerações. Por exemplo, imaginemos que com o sujeito B se apreende uma
pequena quantidade de droga e suspeita-se que seu destino seja o comércio e não o
consumo próprio. Se o fato que se quer provar, é se B comercia drogas, o que foi
declarado pela testemunha Ta: <vi B vender droga em várias ocasiões no lugar L>
constituiria (uma vez confirmado) uma prova direta do enunciado <B comercia com
drogas>. Enquanto que o declarado pela testemunha Tb (por exemplo, a polícia): <B
levava no carro uma balança de precisão> e <em sua casa encontrou-se uma importante
quantidade de dinheiro e certa quantidade de droga> seria (uma vez confirmado)
somente provas indiretas ou indiciárias de que <B comercia drogas>. Insistimos em que
a distinção, assim interpretada, não assinala uma diferença entre as provas em relação à
presença ou não de raciocínios e inferências, porém em relação a que versem ou não
diretamente sobre o fato principal do qual depende a decisão. Outra coisa é se pode
afirmar-se –como acontece freqüentemente- que o valor probatório da prova direta é
muito grande, e o da indireta é sempre pequeno ou em todo caso inferior àquele, ao
ponto de sustentar que uma prova direta, por si só, é apta para fundamentar a decisão do
juiz sobre o fato que se pretende provar, enquanto que uma prova indireta, por si só, não
é apta para fundamentar essa decisão, porém que opera como um elemento a mais, que
permite ao juiz inferir uma hipótese sobre aquele fato. Pode-se dizer a esse respeito que,
certamente, o valor probatório da prova direta (uma asserção verificada sobre o fato
principal que se pretende provar) tende a ser maior que o da indireta (uma asserção
verificada sobre um fato circunstancial), porque a prova direta não requer nenhuma
inferência a mais para provar o fato principal, enquanto que provar este fato com uma
prova indireta, exige sempre inferências suplementares. Mas só como tendência, pois o
valor probatório de uma prova (seja esta direta ou indireta) não depende só deste dado,
mas também –como é evidente- de sua qualidade epistemológica, isto é, de seu grau de
certeza.
Por exemplo, um jovem é encontrado morto no banheiro de uma discoteca. Existe a
declaração de uma testemunha, amigo da vítima, que diz ter presenciado como o
segurança da discoteca lhe deu uma surra mortal. Existe outra prova: entre as unhas
da vítima foi encontrado restos de pele e sangue pertencentes ao amigo. O primeiro
caso constitui uma prova direta; o segundo uma prova circunstancial ou indiciária.
No entanto, a qualidade epistemológica (e, portanto o valor probatório) da segunda
é maior do que o da primeira, por ser o resultado de uma prova dedutiva.

Concluindo, pese à caracterização habitual da prova direta, esta constitui, em


realidade, como a indireta ou indiciária ou circunstancial, um raciocínio de tipo
indutivo, pelo qual seus resultados terão que ser avaliados também em termos de
simples probabilidade.

3.2. Os requisitos da prova indireta ou indiciária

Mesmo que os termos: prova indireta ou prova indiciária costumem ser reservados
para o âmbito penal, sua estrutura é a mesma que a denominada, no âmbito civil, prova
presumida ou presunções simples.

Efetivamente, as chamadas presunções simples, ou presunções hominis, ou presunções


judiciais (para diferenciá-las das legais) aludem a um procedimento de prova indutiva
que consiste em inferir, a partir de um fato provado ou conhecido (indício) e de uma
regra de experiência, a existência de um fato desconhecido: assim, da fumaça pode-se
inferir a existência do fogo, da posse da coisa roubada a participação no roubo ou a
receptação, da posse da droga e de uma balança de precisão, a intenção de comerciar
com ela, etc. Em outras palavras, pese em que a terminologia possa levar a confusões, o
esquema das presunções simples, faz referência aos procedimentos probatórios em que
não se prova diretamente o fato, que constitui o thema probandum. Exatamente por isso,
para aludir ao procedimento de prova indireta ou indiciária, fala-se algumas vezes, de
prova de presunções: as expressões: prova indireta, prova indiciária e prova presuntiva
aludem a um mesmo tipo de raciocínio probatório.

Posto que tais raciocínios se direcionem a provar (indiretamente) a existência de


certos fatos, estas mal denominadas presunções constituem o suporte da (livre)
convicção do juiz em relação a esses fatos. Por isso, para considerar válida essa
convicção, vêm-se exigindo uma série de requisitos, que devem estar reunidos no
raciocínio que conduz a ela. Trata-se, definitivamente, de requisitos da prova indireta,
indiciária ou presumida.
Dado que a convicção que proporcionam estas provas encontra seu fundamento na
experiência comum, que mostra como certos fatos são seguidos normalmente por
outros, costuma exigir-se, em geral, um enlace preciso e direto entre o fato conhecido e
o desconhecido. E certamente, na medida em que esta exigência pretenda garantir o uso
de máximas de experiência corretas, proscrevendo aquelas que resultem arbitrárias, por
carecer de referente empírico, não há nada a objetar: ao contrário, a validez da prova
indireta ou indiciária depende, fundamentalmente, da correção das máximas de
experiência usadas.

As regras ou máximas de experiência errôneas, ao atribuir aos fatos um valor


indiciário que não lhes corresponde, conduzem a resultados que contradizem a
realidade. Exemplos extremos dessa distorção da realidade estavam presentes nas
ordálias: no judicium feretri, construído sobre a regra de que o cadáver produz certos
sinais na presença do homicida; e no judicium aqae frigidae, construído sobre a máxima
de que, sendo a água um elemento puro, rechaça o culpado, de modo que todos os
culpados bóiam, e, portanto, não afundar é indício de culpabilidade.

Tradicionalmente, no entanto, vêm-se exigindo também outros requisitos, sem os


quais –diz-se- o procedimento indiciário careceria de capacidade probatória, requisitos
que põem em evidência, uma série de preconceitos e mal entendidos sobre a natureza
desse tipo de prova. Vejamos.

(I) Certeza do indício.

O indício ou fato conhecido deve estar fidedignamente provado mediante os meios de


prova processualmente admitidos.

Com este requisito se quer excluir que as meras suspeitas ou intuições do juiz, possam
fundamentar a prova do indício, e neste sentido não há o que objetar, pois é evidente de
que uma simples suspeita, intuição ou pressentimento, não pode ser prova de nada.
Agora, sob o requisito da certeza dos indícios, costuma excluir-se também a
possibilidade de usar como indícios aqueles fatos dos quais só caiba predicar sua
probabilidade e não sua certeza inquestionável. Precisamente esta segunda exclusão é a
base da rejeição aos chamados indícios mediatos, isto é, aqueles que foram provados,
por sua vez, mediante prova indiciária a partir de outros indícios, e cuja certeza,
portanto, não se pode considerar absolutamente fora de dívida. Mais concretamente, o
que se defende é que o indício deve estar provado por prova direta.
Esta segunda exclusão, no entanto, resulta criticável, e isso por várias razões.

1º) Excluir os indícios mediatos (provados por prova indiciária) e aceitar os imediatos
(provados por prova direta) revela uma injustificada subvalorização da prova
indiciária, assim como uma má compreensão e uma injustificada supervalorização da
prova direta. O primeiro porque a prova indiciária, indireta ou presumida, apesar de não
ser um argumento demonstrativo, se realizada com rigor pode conduzir a resultados
confiáveis. O segundo porque a prova direta é do ponto de vista de sua estrutura
probatória, exatamente igual à prova indireta; só o que a separa desta última é seu
menor número de passos inferenciais.

2º) Além do mais, a exclusão dos indícios mediatos, levada às suas últimas
conseqüências, conduz a resultados absurdos, inaceitáveis: ao se rechaçar um indício
mediato por considerar que tem um baixíssimo ou nenhum grau de solidez
epistemológica, está se pondo em questão a própria validez do procedimento indiciário,
que foi o que conduziu à prova desse indício; portanto, deveria renunciar-se ao uso do
procedimento indiciário em todos os casos, e não somente quando se usa para provar
um indício. Esta conclusão, no entanto, é inaceitável, porque o procedimento
característico da prova judicial é o da prova indireta ou indiciária, razão pela qual
renunciar ao mesmo, equivaleria a renunciar à possibilidade de prova.

Resumindo, ao se aceitar a aptidão do procedimento indiciário para provar os fatos,


não se entende por que não possa servir para provar um indício, isto é, um fato que
poderá ser utilizado, por seu lado, como elemento probatório em outra prova indiciária.
Poderá dizer-se talvez, que quando o indício tenha sido provado mediante procedimento
indiciário (indício mediato) sua força probatória é menor12, porém nada permite anulá-la
por completo.

(II) Precisão ou univocidade do indício.

Outro dos requisitos que, segundo uma opinião clássica, deve possuir o indício é a
precisão ou univocidade: o indício é unívoco ou preciso quando conduz
necessariamente ao fato desconhecido; é, pelo contrário, equívoco ou contingente,

12
Este dado já o assinalava BENTHAM, ao falar da admissibilidade do indício mediato: <Não se deve
excluir nem rechaçar nada daquilo que possa servir ou que se possa oferecer com o caráter de prova
circunstancial; em particular não se pode excluir nada por razão de que se o supõe carente de força
probatória. Por que se deveria excluir? Se causar um efeito, é útil; se não o causa, é inócuo>. Outra coisa
é que <em uma corrente de provas composta por um grande número de elos, quantos mais elos
intermediários haja entre o primeiro fato circunstancial e o fato principal, menor será com relação a este
sua força probatória>, Tratado de las pruebas judiciales, cit., Vol. I, pp. 363 e 365.
quando pode ser devido a muitas causas, ou ser causa de muitos efeitos. Esta distinção
projeta-se sobre a teoria da prova exigindo eliminar a equivocidade dos segundos, para
poder ser usados como elementos de prova.

Prestando atenção, no entanto, a distinção entre indícios unívocos e equívocos é


irrelevante em duplo sentido. Primeiro, porque os chamados indícios unívocos não
fazem referência à prova indiciária, indireta ou presumida, mas sim a um raciocínio do
tipo demonstrativo; isto é, ao que chamamos prova dedutiva. Segundo, o dado de
equivocidade, em si mesmo, não tem muita relevância. Porém conecta com um terceiro
requisito: a pluralidade de indícios.

(III) Pluralidade de indícios.

Este requisito expressa a exigência de que, precisamente pelo caráter contingente ou


equívoco dos indícios, é necessário que a prova de um fato se fundamente em mais de
um indício. Além do mais, este requisito costuma ser acompanhado pelo da
concordância ou convergência: os (plurais) indícios concluirão em uma reconstrução
unitária do fato ao qual se referirem.

O requisito da pluralidade de indícios parece lógico por, ao menos, duas razões.


Primeiro, porque é uma maneira de evitar o risco de que com base em um único dado,
que é essencialmente equívoco, se estabeleça uma conclusão errônea. Segundo, porque
se o resultado da prova indiciária ou presumida, é de mera probabilidade, quantos mais
indícios o apóiem mais confiável será. Pois bem, este requisito também não pode ser
interpretado em termos absolutos, pois pode haver hipóteses nas quais se disponha de só
um indício, porém de tão alto valor probatório, que permita, por si só, fundamentar a
decisão.

4. O caráter institucionalizado da prova judicial.

A investigação da verdade é a finalidade principal da prova. Agora, averiguar a


verdade não é o único valor a perseguir. A prova judicial não é uma atividade livre, mas
que se desenvolve em um marco institucionalizado de regras que se direcionam a
proteger, juntamente com a investigação da verdade, outros tipos de valores. De um
lado, um valor que poderíamos chamar prático, já que expressa um traço básico do
processo judicial: a finalidade prática e não teórica que o anima. De outro lado, uma
série de valores que poderíamos chamar ideológicos, já que não são consubstanciais à
idéia de ação judicial como atividade encaminhada a por fim a um conflito, mas que
formam mais parte de certa ideologia jurídica.

Que o processo tenha uma finalidade prática significa que tem como objetivo
primário a resolução de um conflito: o conhecimento dos fatos do passado que
originaram o conflito não é o objetivo último e primordial da atuação do juiz, mas
somente um passo prévio à decisão que deve adotar. Por isso, para resolver o conflito, o
juiz está obrigado inescusavelmente a alcançar uma certeza oficial, e, daí, deriva uma
exigência: a busca da verdade sobre esses fatos não pode prolongar-se indefinidamente;
devem existir regras ou expedientes processuais que permitam fixar a verdade quando
esta não possa ser descoberta com facilidade; e tem que chegar o momento em que a
verdade, processualmente declarada, seja aceita como verdade final. Claro é, que esta
<verdade final> não será infalível, mas será final, no sentido de que porá fim ao conflito
autorizadamente. As regras de limitação temporal, as formas de justiça negociada e
algumas presunções (as que se dirigem a prover uma resposta judicial em caso de
incerteza) são exemplos dessas regras.

Por outro lado, na busca da verdade, os atuais ordenamentos jurídicos têm que
preservar outros valores que se considerem merecedores de proteção. Isto acontece
certamente no processo penal, onde a ideologia do garantismo impõe-se com força,
exigindo que durante a averiguação da verdade sejam protegidos, em todo caso,
determinados bens, particularmente a liberdade e a dignidade das pessoas. Algumas
limitações e proibições de prova e a presunção de inocência são exemplos de regras
que se instituem no processo probatório para preservar estes valores.

Resumindo, a investigação judicial dos fatos não é uma atividade livre, mas que se
desenrola em um marco institucionalizado de regras, que condicionam a obtenção do
conhecimento e que se encaminham, tanto a garantir uma resposta mais ou menos
rápida que em algum momento ponha fim ao conflito, quanto a garantir outros valores
que, em conjunto com a obtenção da verdade, se considerem dignos de proteção.

Muitas dessas regras processuais que regem a prova minimizam ou entorpecem a


possibilidade de investigar a verdade. Vale a pena repassar algumas das mais
significativas.

As regras de limitação temporal que regulam as leis processuais demarcam o


conhecimento judicial dos fatos; isto é, estabelecem o tempus em que deve ser
averiguada (provada) a verdade sobre os fatos. São regras que instam a uma mais ou
menos rápida resolução do conflito e que garantem que, em um período de tempo
predeterminado será fixada a <verdade processual> sobre os fatos da causa. Mas é
evidente que, ao limitar o tempo em que deve ser pronunciada uma decisão, estas regras
em nada contribuem para se alcançar a certeza sobre os fatos que deram origem ao
conflito, principalmente nos casos onde as diferentes teses fáticas enfrentadas, aparecem
igualmente plausíveis.

O mesmo pode-se dizer das formas de justiça negociada, especialmente as que se


desenvolvem no campo penal. Estas consistem basicamente em solicitar aos imputados
declarações acusatórias, oferecendo em troca reduções de penas, ou em pactar, em todo
caso, o conteúdo das imputações. São, portanto, práticas que procuram encontrar
soluções rápidas para processos já instaurados, uma vez concluída a fase de
investigação, pela via, em particular, da negociação sobre a pena e com o objetivo de
evitar a celebração do juízo oral. Mas, com liberdade de que a obtenção de uma resposta
rápida ao conflito seja a pretendida justificação dessas práticas, o certo é que constituem
formas de justiça inspiradas na lógica mercantilista do do ut des, onde o conceito de
verdade como correspondência é substituído pelo de verdade como consenso.

As fórmulas de justiça negociada florescem cada dia mais no campo penal. De um


lado, na esfera da denominada criminalidade de bagatela, acontecem
procedimentos de mediação ou conciliação que sacrificam o acordo, normalmente
econômico, entre vítima e agressor o tradicional objetivo da investigação da
verdade, com a conseguinte ameaça à presunção de inocência. Por outro lado, já na
esfera dos delitos não tão leves, a legislação arbitra ou propicia a conformidade do
acusado, que renuncia a seu papel de defesa, ou inclusive sua colaboração ativa
com a justiça em troca de determinados benefícios; o que, à margem de outras
considerações, tende a transformar a confissão em <prova rainha> em detrimento,
uma vez mais, dos fatos verdadeiramente produzidos.

Outra manifestação da institucionalização da prova são as presunções legais, --frente


ao que às vezes se sustenta—também não podem ser vistas como garantia da entrada da
verdade no processo.

As presunções iuris tantum são normas jurídicas que, para garantir determinados
valores, forçam a reconhecer uma situação como verdadeira em circunstâncias
específicas e ausência de prova em contrário. Mais exatamente, instauram uma regra de
juízo ou de decisão que indica ao juiz qual deve ser o conteúdo de sua sentença, quando
não possua provas suficientes para formar sua convicção sobre os fatos litigiosos. Sua
peculiaridade frente ao resto de normas apóia-se em que estas presunções garantem
esses valores regulando o ônus da prova, o que pode concretizar-se em eximir àqueles
em cujo benefício funciona o ônus de provar os fatos litigiosos (assim acontece nas
presunções formais, por exemplo, o de inocência13) ou em modificar o objeto da prova
para o beneficiário da presunção, que terá então o ônus de provar logo, não os fatos
litigiosos, mas outros fatos ou estado de coisas que se conectam àqueles (assim acontece
nas presunções materiais, por exemplo, o da paternidade 14).

A constatação de que as presunções são normas jurídicas que instauram uma regra de
juízo, acrescenta uma importância crucial, pois significa que a conclusão da presunção
não pode ser tratada como uma correta descrição da realidade. O erro de conceber estas
presunções como correta descrição da realidade, no caso de consentir que o legislador,
quando estabelece presunções (principalmente, presunções materiais de fato), costuma
fazê-lo muitas vezes, apoiando-se em dados científico-técnicos e em regras de
experiência. Por exemplo, na presunção de paternidade matrimonial, a experiência
indica que o normal é que o casal coabite, e, que as crianças nascidas no casamento
sejam filhas do marido. Mas este é um conhecimento somente provável, e o legislador,
quando estabelece a norma de presunção, sabe que a conclusão pode ser falsa. Se não
houve prova em contrário, empiricamente somente pode-se constatar a dúvida, não que
a presunção seja certa.

As presunções iuris et de iuri, por seu lado, são também normas que, para a proteção
de certos valores e na presença de determinadas circunstâncias, estabelecem o singular
efeito jurídico de dar como verdadeiros certos fatos e de não transigirem com nenhuma
exceção não prevista. Por isso nesse tipo de presunções, com mais razão do que na iuris
tantum, podem adquirir valor de verdade, asserções que são empiricamente falsas.

Mais discutível, no entanto, é a contribuição do segredo processual para a


averiguação da verdade.

A favor da publicidade (e, portanto, contra o segredo) no processo militam várias


razões. Por um lado, um interesse público, pois a publicidade e a transparência
13
Uma presunção formal é uma norma de comportamento dirigida ao juiz que obriga a reconhecer uma
conclusão (C) na ausência de prova contrária (P): --P  C
14
Uma presunção material é uma norma de comportamento dirigida ao juiz que obriga a reconhecer uma
conclusão (C) na presença de um fato ou situação (E) e ausência de prova contrária (P): E. –P  C
representam à primeira vista uma condição indispensável para o desenvolvimento do
conhecimento que tem lugar no curso do processo, e constituem também um valor
político garantidor da honestidade e limpeza na tomada de decisões: somente a
publicidade permite o controle e a crítica social sobre a decisão judicial. Por outro lado,
o interesse das partes em sua própria defesa e na regularidade do processo: somente o
conhecimento das informações acumuladas no processo, permite a contribuição de
provas e de alegações. Agora, a favor do segredo (principalmente quando se constrói
frente às partes) milita também uma razão poderosa: evitar que a intempestiva revelação
das fontes de prova e, principalmente, dos nomes das testemunhas ou suspeitos em um
delito, favoreça a alteração ou a destruição do material probatório, a fuga dos culpados e
a intimidação das testemunhas. Definitivamente, a justificação do segredo pretende ser
também, como a da publicidade, a busca da verdade.

Do anterior depreende-se que o segredo processual, frente à publicidade, admite duas


leituras. Por um lado, é verdade que o segredo da investigação dirige-se a garantir a
investigação da verdade, evitando que qualquer das partes possa manipular as provas.
Mas por outro lado, --e esta é a segunda leitura—pode propiciar ao juiz uma cobertura
inexpugnável para a seleção <subjetiva> e <preconceituosa> dos dados relevantes para
o caso. O problema é que a quebra cotidiana do segredo do sumário de culpa, comporta
ao imputado todas as desvantagens do segredo e da publicidade. Os rumores em torno
da investigação –enormemente aumentados pela ambígua relação entre os mass media e
os juízes— transportam uma informação distorcida dos atos processuais, de modo que
<a fuga de notícias> durante a instrução, torna pública uma grande quantidade de
informação (desvantagens da publicidade); mas como essa informação está distorcida
não permite às partes um conhecimento cabal dos atos processuais (desvantagens do
segredo). Por isso não é surpreendente que hoje as propostas doutrinárias se orientem a
favor de tornar a publicidade no princípio geral de todo o processo, da instrução ao juízo
oral, mesmo que concedendo ao juiz a possibilidade de modulá-la frente a terceiros, ou
de excluí-la inclusive frente às partes, se bem que com um caráter estritamente
excepcional e limitado; justamente em virtude de um melhor e mais veloz conhecimento
dos fatos.

Por último, também se pode dizer que as limitações probatórias restringem ou


entorpecem a averiguação da verdade, apesar de que com algum matiz.
Com efeito, se a prova está orientada a investigar a verdade, o critério que regerá a
investigação dos fatos, é a procura de informação livre e sem restrições; critério que se
traduz na regra epistemológica que estabelece que qualquer elemento que permita
acrescentar informação relevante sobre os fatos que se julgam, deve poder usar-se. É
evidente que as limitações probatórias (sejam sobre os meios da prova, sejam sobre as
fontes da prova) constituem exceções a esse critério. No entanto, entre elas encontramos
regras de três tipos, em função de sua contribuição à verdade e de sua orientação à
garantia de outros valores.

(I) Formariam uma primeira classe aquelas limitações probatórias que, fundadas no
interesse cognoscitivo do processo, contribuem para a averiguação da verdade,
desprezando ou subvalorizando provas com baixo valor gnosiológico; por exemplo, o
escrito anônimo ou o testemunho de referência, apesar de que o caso mais claro talvez
seja a proibição da tortura, pois, mesmo que se dirija diretamente a garantir a vida e a
dignidade humana, não resta dúvida de que contribui também a evitar a possível
obtenção de uma verdade <distorcida>.

O testemunho de referência alude às afirmações de uma testemunha sobre o que


ouviu, mas que não sabe se é verdade; isto é, são informações de segunda mão. A
justificação que se dá no Law of Evidence a esta Exclusionary Rule é que, posto
que o mais provável é que a testemunha de referência não tenha um conhecimento
pessoal dos fatos descritos, a parte contra quem emite essa informação, não teria a
possibilidade de uma cross examination (com o terceiro). No Direito espanhol o
testemunho de referência é admitido somente residualmente e sempre com cautela;
em todo caso, se qualifica de <pouco recomendável>.

A proibição da tortura, por seu lado, apesar de que se justifique pela


desumanidade da prova, se justifica também por sua debilidade epistemológica. Os
alegados ilustrados contra ela já insistiam nisso: <no tormento não há nem cabe
mais que um grau de probabilidade, e este, tão débil, tão frágil, que sempre é
inferior ao menor dos indícios>15.

(II) Formariam uma segunda classe aquelas limitações probatórias que, fundadas na
proteção de outros valores, claramente entorpecem (ou não ajudam) a investigação da
verdade; isto é, produzem (ou têm a capacidade de produzir) um menosprezo na
qualidade do conhecimento alcançado. Trata-se de regras que, dirigindo-se

15
FORNER, J. P., Discurso sobre la tortura (1792), edição de S. Mollfulleda, Barcelona, Crítica, 1990, p.
182.
primeiramente à tutela de determinados valores extraprocessuais que se consideram
relevantes (o interesse público, a privacidade de certas relações, a dignidade humana, as
liberdades e direitos), os fazem prevalecer frente às exigências processuais de
averiguação da verdade. Encontramos entre essas regras a proibição, sob <segredo de
Estado>, de usar como provas certos documentos que possam afetar à segurança do
Estado; ou as que dispensam ou excluem do dever de declarar por razões de parentesco,
ou para proteger o segredo das relações advogado/cliente, ou dos ministros de um culto,
ou dos funcionários públicos. Mas talvez o caso mais significativo, constitui a proibição
de (admitir e) valorar a prova ilicitamente obtida, que merece um comentário particular.

A prova ilícita è um caso singular de prova nula, porque nula pode ser também a
prova obtida violentando as regras institucionais de aquisição de prova. È prova ilícita, a
que se obtém com vulneração de garantias constitucionais (como a inviolabilidade de
domicílio ou o segredo das comunicações: por exemplo, a ata de entrada e registro
praticado fora dos casos permitidos por lei, ou a transcrição de escutas telefônicas
ilegais); ou lesando direitos constitucionais (como o direito à defesa: por exemplo, a
declaração do imputado sem ter sido informado de seus direitos); ou através de meios
que a Constituição proíbe (por exemplo, a confissão arrancada perante hipnose ou soros
da verdade, proscrita para a proteção da integridade moral e a proibição de tratamentos
degradantes, ou uma coação para obter declarações sobre <ideologia, religião ou
crenças>, proscrita para a tutela da liberdade ideológica e religiosa). Finalmente, e para
simplificar, é ilícita a prova obtida com a violação dos direitos fundamentais; estamos
falando, portanto, de um tipo de prova inconstitucional. Por isso, a proibição de prova
ilícita não requer regulamentação expressa, pois deriva da posição preferente dos
direitos constitucionais no ordenamento e de sua condição de <invioláveis>.

A proibição de prova ilícita não supõe somente a exclusão das provas diretamente
obtidas a partir de ato que fere direitos fundamentais (por exemplo, a declaração dos
policiais que fazem um registro que lesa o direito à inviolabilidade do domicílio, ou a
transcrição de conversas telefônicas interceptadas, lesando o direito ao segredo das
comunicações), mas tem, além do mais, um efeito reflexo: são também ilícitas as provas
indiretamente obtidas com a lesão de um direito fundamental, o que acabou
denominando-se prova ilícita indireta (por exemplo, a transcrição de conversas
telefônicas interceptadas –cumprindo com todos os requisitos- como resultado da
informação obtida em um registro que lesa a inviolabilidade do domicílio; ou a
declaração do policial que apreendeu uma partida de droga, cuja existência conheceu
como resultado da lesão ao direito fundamental ao segredo das comunicações). Trata-se,
na realidade, de uma manifestação daquilo que a doutrina norte-americana denominou
de teoria dos frutos da árvore venenosa (the fruit of the poisonous tree doctrine), que
expressa a nulidade de tudo que forma causa de um ato nulo.

Em linha de princípio há duas possibilidades de reação frente a essa prova.

Cabe, em primeiro lugar, considerar que a exclusão da prova ilícita conecta-se ao


direito a um processo com todas as garantias (o devido processo), e que, portanto, dita
regra deriva diretamente da Constituição. Isso significa que toda prova obtida (direta ou
indiretamente) a partir da lesão de um direito constitucional é nula; sem exceção
possível. E similar consideração recebe o caso em que a prova tenha sido obtida quando
se buscavam outras provas, porque se considera que para a busca dessa prova, não havia
cobertura jurídica que garantiria sua licitude.

Mas cabe também argumentar –como acontece freqüentemente- que o fundamento


constitucional dessa regra de exclusão, não reside em um direito concreto, mas sim na
produção de um efeito preventivo ou dissuasório (deterrent efect) sobre as condutas que
lesam direitos; e para ser mais exatos, na necessidade de prevenir as lesões aos direitos
constitucionais por parte dos poderes públicos e particularmente da polícia. Melhor
dizendo, o deterrent é uma arma de dois gumes, pois permite também formular
exceções à regra de exclusão. Concretamente, essa tese permite sustentar, em
determinados casos, que o ato ilícito já recebe uma sanção, razão pela qual a prova deve
considerar-se válida. Ou permite sustentar que se deve avaliar em cada caso os
interesses que estão em jogo, para dar preferência a um ou a outro: o interesse de
reconhecer aos direitos constitucionais plena eficácia e o interesse público na obtenção
da verdade processual. Assim, em relação à prova praticada a partir da informação
obtida mediante uma prova ilícita, ou em relação à prova obtida enquanto se buscava
outra coisa, a tese do deterrent permite à jurisprudência norte-americana sustentar sua
permissão em momentos de grave aumento da criminalidade. Algo muito parecido teria
que ser dito da jurisprudência constitucional espanhola inaugurada em 1998, que
sustenta que estas provas são nulas somente se existe conexão de antijuricidade, o que
acontece: a) se o conhecimento obtido com a prova ilícita é considerado indispensável e
determinante para a prática da segunda prova; e b) se é muito necessária uma
contundente proteção do direito. Porém a doutrina da conexão de antijuricidade, se bem
que possa ser adequada para a busca da verdade, pode propiciar práticas probatórias
recusáveis, do ponto de vista dos direitos.

Em todo caso, é evidente que esta importante regra de exclusão de prova diminui as
possibilidades de averiguação da verdade no processo. De fato, a exclusão de prova
ilícita é o reflexo de uma ideologia jurídica comprometida com os direitos
fundamentais, e, em virtude da qual, – como se costuma dizer-- <a verdade não pode ser
obtida a qualquer preço>.

(III) Por último, formariam uma terceira categoria aquelas limitações probatórias que,
não se orientando à proteção de nenhum valor extraprocessual, são contrárias ao
interesse cognoscitivo do processo; isto é, não protegem absolutamente e além do mais
entorpecem (ou não ajudam a) a averiguação da verdade.

Assim acontece, por exemplo, quando uma regra estabelece taxativamente um numerus
clausus de meios de prova admissíveis em um determinado sistema; isto é, quando não
se reconhecem com caráter geral, outros meios de prova além dos expressamente
regulados pela lei. É verdade que nessa regulação legal taxativa, a maioria dos sistemas
probatórios contempla todos os meios de prova tradicionais, pelo qual, nesse sentido,
não parece que problemas particulares sejam colocados. Se a limitação tem importância
é, principalmente, porque entorpece a incorporação dos novos avanços probatórios, que
não teriam lugar em uma interpretação restritiva da norma. De qualquer modo, a opção
pelo numerus clausus de meios de prova, não é um obstáculo intransponível, pois quase
sempre é possível fazer uma interpretação extensiva dos meios de prova tradicionais
legalmente aceitos que permita a inclusão neles desses novos avanços probatórios
(assim, por exemplo, o aporte de fitas magnéticas de áudio pode ser introduzido como
documento). Maiores dificuldades acontecem quando o que se estabelece, é que não se
poderão provar certos fatos, a não ser com determinados meios de prova prefixados por
lei, pois nestes casos é certamente difícil fazer uma interpretação expansiva da norma
legal, que permita evitar a restrição em favor do interesse cognoscitivo do processo.

Por exemplo, quando a lei estabelece que o erro de fato de um tribunal de instância,
só pode provar-se em cassação por meio dos documentos que constem nos autos.
Ou quando se estabelece que o pagamento do preço estipulado, no juízo de
despejo, somente se poderá provar por confissão judicial ou por documento que
certifique o pagamento. Ou quando na apelação penal, a única prova admissível é a
documental.
Resumindo, a necessidade de assegurar uma resposta mais ou menos rápida, que em
algum momento ponha fim ao conflito de modo definitivo e a necessidade de
preservar certos valores considerados merecedores de proteção, faz com que o
conhecimento processual de fatos, deva se desenrolar em um ambiente
institucionalizado de regras que substituem os próprios critérios da livre aquisição do
conhecimento por outros autorizados juridicamente. Algumas dessas regras
contribuem para a averiguação da verdade, porém outras (a maioria) entorpecem ou
minimizam esse objetivo. Por isso, a institucionalização não deve conduzir a divinizar
acriticamente a verdade alcançada. Ao contrário: a verdade obtida processualmente (a
verdade processual) pode ser diferente (de maior, mas também de menor qualidade)
do que a alcançada com outros esquemas de conhecimento, que não tenham os
entraves ou limitações processuais.

Além do mais, não todas as regras institucionais são garantias de algum valor
jurídico (prático ou ideológico) ou simplesmente garantias de verdade. Há numerosas
regras processuais, que não são mais que uma soma de formalidades, ritos e liturgias
que o único que fazem é dilatar o procedimento, tornando complicado o que é
simples, assim que, ao abusar delas, corre-se o perigo de converter a justiça no
angustiante labirinto que KAFKA tinha denunciado. Mas não é só isso. A existência
de um ritual excessivo, ao fazer do processo um maquinário pesado ao que custa
muito mover-se, não só não propicia, como inclusive obstaculiza a averiguação da
verdade. Isto já o tinha denunciado insistentemente BENTHAM, mas parece que seus
ensinamentos têm tido escassa repercussão nas legislações processuais. Além do mais,
a solução para o problema do ritualismo processual excessivo, somente parece residir
--com excessão, naturalmente, das possíveis reformas institucionais--- na atitude do
juiz. Impor-se-ia, de uma parte, uma chamada a sua prudência na condução e
instrução do processo, para esquivar seu aspecto patológico; de outra parte, uma
chamada a sua atitude vigilante, a fim de que esgote todas as possibilidades para o
esclarecimento da verdade e não se respalde na cômoda e simples aplicação dos ritos
processuais.

De tudo o que foi dito até aqui, percebem-se algumas conseqüências importantes. A
primeira é que a hipótese (ou seja, a reconstrução dos fatos litigiosos da sentença)
deve justificar-se, mostrando que as provas disponíveis a tornam provável; ainda
mais, que a tornam mais provável do que qualquer das hipóteses alternativas
concordantes com essas mesmas provas. A segunda é que, não obstante apresentar-se
como justificada, o status epistemológico de uma hipótese sempre é somente a
probabilidade, portanto, salvo exigências institucionais de maior peso, deveria estar
sujeita a revisão se surgissem novas provas.

5 A motivação da Prova

A necessidade de motivação da prova

Apesar de que não se pode negar que a necessidade de motivar as sentenças


converteu-se já em uma exigência incontestável, a cultura da motivação encontrou e
ainda encontra uma especial resistência no âmbito da prova. Isto é devido a que o
juízo de fato pertenceu durante muito tempo, seja no âmbito das questões jurídicas
não-problemáticas, seja a uma zona de penumbra na qual reina o arbítrio judicial.
No primeiro caso, a motivação aparece como desnecessária. No segundo, a
motivação não pode ser concebida a não ser como racionalização a posteriori de
uma decisão, tomada à margem de qualquer procedimento racional; isto é, a
motivação, entendida como justificação, é impossível.

No entanto, na perspectiva cognoscitivista, a motivação não é desnecessária nem é


impossível. Se valorar a prova consiste em determinar se as afirmações introduzidas
no processo através dos meios de prova podem considerar-se verdadeiras (ou
prováveis em grau suficiente), ou seja, em avaliar sua correspondência com os fatos
que descrevem, então é necessária a motivação, isto é, a explicitação das razões que
apóiam a verdade dessas afirmações. Se não fosse assim, a valoração mais do que
livre seria libérrima, subjetiva e arbitrária, conseqüentemente se abandonaria o
cognoscitivismo (e a racionalidade) para entrar no campo do puro decisionismo
judicial. Não podem ser mais infelizes a esse respeito tanto a habitual interpretação
do princípio de imediação, como a conhecida figura jurisprudencial da valoração ou
apreciação conjunta da prova.

A imediação, isto é, a intervenção pessoal e direta (imediata) do juiz na pratica da


prova, continua aparecendo, maiormente, como a condição inescusável para a livre
valoração, pois somente fundamentando o juiz sua convicção na impressão imediata
recebida, e não em referências alheias ---- argumenta-se--- esta poderá ser
considerada como livre16.

Bem, como é evidente que as impressões recebidas pelo juiz na imediação com o
material probatório (e sobre as que se fundamenta a convicção) não podem ser
comunicadas, o que se vem a sustentar é que no âmbito da imediação o juiz é dono
de sua valoração. A livre convicção se entende então como valoração livre,
subjetiva e essencialmente incomunicável e incontrolável, como uma espécie de
momento íntimo (e quase místico) capaz de permitir a valoração discricionária e
não discutível da prova17. Em outras palavras, o princípio da livre valoração,
interpretado com o tamis da imediação, é carregado de irracionalidade e
subjetivismo e anula completamente a possibilidade de motivar. E se a convicção do
juiz é o resultado de sua exposição direta ao material probatório (através do qual se
dá conta se a testemunha treme ou titubeia, se se turba ou se surpreende, se sua ou
fica inteiro, e ---através de tudo isso--- se diz a verdade ou se mente18), então essa
convicção não é susceptível de exteriorização nem, por conseguinte de motivação
ou controle. Esta interpretação da livre convicção em relação à imediação instaura
assim uma zona opaca ao controle racional que contradiz profundamente a cultura
da motivação, pelo fato de que as intuições e impressões existam e talvez sejam
inevitáveis, não significa que possam ser usadas como desculpa para a não
justificação.

Precisamente esta leitura subjetivista da livre convicção permitiu ao Supremo


Tribunal espanhol e a uma boa parte da doutrina processualista manter a existência
de dois níveis de valoração; um exteriorizado e controlável no recurso, e o outro
não: o primeiro formado pelo raciocínio que o juiz possa realizar a partir dos dados
que diretamente tenha percebido no juízo oral; o segundo, incontrolável,
constituído por aqueles aspectos da valoração que dependam substancialmente da
imediação, ou seja, da percepção direta das declarações prestadas em presença do

16
<Quanto mais livremente se valorize a prova –pode –se ler em um tratado de direito processual –mais
necessária é a percepção direta do juiz. Somente ouvindo a testemunha responder às perguntas e
reperguntas (...) poderá o julgador valorar seu testemunho>, GÓMEZ ORBANEJA, E., Derecho procesal
civil, I, p. 297. É imprescindível que <toda prova desfile perante a quem há de julgar>, pois de outra
forma seria incompreensível o princípio de livre apreciação, escreve RUIZ VADILLO, E., El derecho
penal sustantivo y el proceso penal, p. 72.
17
Esta interpretação da livre convicção está muito arraigada na ideologia dos juristas e chegou inclusive a
ser definida como a convicção adquirida com a prova dos autos, sem a prova dos autos e ainda contra a
prova dos autos; vid. COUTURE, E.J., <Las reglas de la sana crítica>, Estúdios de Derecho Procesal
Civil, Buenos Aires, 1949, II, p. 221.
18
Esta é uma tese defendida tranqüilamente na doutrina e na jurisprudência.
tribunal de instância. As conseqüências que advém para a motivação desta
distinção de níveis de valoração são claras: Somente se insiste na necessidade de
motivar a chamada prova indireta (por participar nesta o raciocínio do juiz),
enquanto que se aliviam (até quase anular-se) as exigências de motivação da prova
direta (pois esta prova, por versar diretamente sobre o fato que se pretende dar
credibilidade, não precisa do raciocínio e ficaria protegida ela toda pelo <guarda-
chuva da imediação>, e portanto da convicção libérrima, subjetiva e
incomunicável). Neste sentido ---esclarece ainda mais esta doutrina--- a questão da
credibilidade das testemunhas, que cai no âmbito da imediação, fica fora das
exigências de motivação e das possibilidades de revisão.

Por outro lado, também a doutrina da <apreciação conjunta dos meios


probatórios> produz resultados perversos para a motivação, porque ---com o
excesso de trabalho que pesa sobre os juízos--- permite uma declaração genérica de
fatos provados sem raciocinar sobre os motivos nem as fontes mediante os quais a
prova foi conseguida. A prática da valoração conjunta não é, pois, finalmente, senão
um subterfúgio <formal> que faz passar por discurso justificativo, o que não o é em
absoluto; um expediente, enfim, que propicia e encobre a ausência de motivação.

Resumindo, decidir com apego à consciência não pode significar basear a


sentença em uma íntima e intransferível convicção, em uma espécie de quid
inefable, impulsivamente não exteriorizado nem controlável; não pode significar,
como infelizmente ocorre na prática, consagrar a subjetividade do juiz e refugiar-se
em uma cômoda declaração de fatos provados, sem considerar os motivos pelos
quais o foram. Se a racionalidade da decisão probatória há de ser controlada, é
evidente que esse controle se projeta sobre as razões que fundamentam a livre
convicção do juiz. Sustentar o contrário seria dar pábulo à idéia de justiça del cadí,
de poder jurisdicional puramente potestativo, arbitrário e incontrolável; contrário,
enfim, ao espírito de um sistema probatório que se quer cognoscitivo, fundado, não
no poder mas sim no saber, um saber <somente provável, mas precisamente por
isso refutável e controlável>19. Por isso, se a motivação não é diretamente uma
garantia de verdade, sim o é indiretamente, na medida em que permite um controle
sobre esse espaço de discricionariedade que é o âmbito da livre valoração.

Não obstante ---insistamos nisso--- ainda continua muito enraizada na consciência


jurídica, e, na prática jurisprudencial, uma concepção subjetivista da livre
19
FERRAJOLI, L., Derecho y razón, cit., p. 623.
convicção que permeia o dever de motivar. Diz-se, por exemplo, que <a convicção
que, através da imediação, forma o tribunal da prova direta praticada na sua
presença, depende de uma série de circunstâncias de percepção, experiência e até
intuição, que não são exprimíveis através da motivação> (Sentença da Segunda
Sala do Supremo Tribunal, de 12 de fevereiro de 1993. Sublinhado acrescentado).
E outro exemplo: Considera-se bem motivada a sentença impugnada porque
<expressa claramente a fonte probatória da qual se vale prioritariamente (as
declarações da vítima) e porque sugere também a credibilidade dos testemunhos
utilizados (...) Pode parecer uma parca explicação, mas não é o decisivo (...) a
extensão, o detalhe ou a clareza na expressão dos motivos, mas sim sua própria
existência e sua suficiência para transmitir as razões jurídicas essenciais da decisão
judicial. É claro que isso acontece assim na sentença impugnada, principalmente
quando (...) a convicção do julgador fundamentou-se em percepções inerentes à
imediação judicial que são de difícil comunicação> (STC 225/1997, de 15 de
dezembro, Fj sétimo. Sublinhados acrescentados).

5.2. Em que consiste a motivação. Relações entre justificação e descoberta.

A motivação é um tipo de justificação plasmada no documento da sentença. Mas


naquilo em que deva consistir essa motivação, depende de como se concebam as
relações entre descobrimento e justificação.

No discurso sobre a prova, a descoberta é o iter intelectivo que levou o juiz a


formular como verdadeiras asserções sobre fatos controvertidos; a justificação se refere
às razões pelas quais essas asserções podem considerar-se verdadeiras. Pois bem, por
mais que o processo de descoberta possa e deva transcorrer mediante operações
racionais (as que comandam a valoração da prova e que depois servirão como
argumentos justificativos), nele também podem estar (e de fato estão) presentes
elementos puramente emotivos ou não racionais: aqueles que ---como se viu---
propiciam uma certa interpretação do princípio de imediação. O corolário do que foi
dito, apresenta-se claro: a justificação não pode confundir-se com a descoberta, e por
isso a motivação não pode ser compreendida como a exata reprodução das causas
reais (que também podem ser psicológicas, sociológicas ou puramente intuitivas ou
irracionais) que levaram às afirmações sobre fatos, mas sim como o conjunto de
argumentos que permitem apresentar tais afirmações como verdadeiras.

Tomando o exemplo de Hamlet: o fantasma revelou a Hamlet que seu pai não
morreu de morte natural, mas que foi assassinado pelo marido de sua mãe. Hamlet
obtém essa informação, porque o fantasma lhe revelou, porém agora ele tem que
justificar que isto foi assim; isto é, tem que justificar a hipótese h (‘O pai de
Hamlet foi assassinado pelo marido de sua mãe’), e para isso terá que se apoiar nas
provas, por exemplo, em p1, p2 e p3.

p1: ‘O marido da mãe de Hamlet tinha motivos para matar o pai de Hamlet
(tornar-se rei da Dinamarca)’.

p2: ‘Esse homem e sua mãe se casaram com muita pressa’.

p3: ‘O pai de Hamlet sempre gozou de boa saúde’.

Com o objetivo de justificar h é indiferente que Hamlet tivesse formado sua


convicção sobre os fatos através das revelações do fantasma ou por um processo
indutivo, que o pudesse conduzir desde p1, p2 e p3 até h. O importante é justificar
que h é (provavelmente) o que aconteceu.

Além do mais, a separação entre descoberta e justificação, tem uma importância


especial em um contexto de prova institucionalizado, onde, em virtude de diversas
regras jurídicas, há provas que não devem ser atendidas ou conhecimentos
extraprocessuais que não devem ser levados em consideração. O juiz deve então adotar
sua decisão sobre os fatos <como se> não conhecesse esses dados, no entanto é evidente
que tais provas e conhecimentos podem influir psicologicamente em sua decisão. Por
isso, no final, este dever de <sentenciar...como se> somente pode ser controlado através
da motivação: o juiz deve saber motivar, inclusive, contra sua convicção, <e não deve
<fazer dizer> aos outros elementos de prova, aquilo que lhe tenham podido comunicar
os elementos inutilizáveis, se aqueles não tiverem capacidade de transmitir esse
conhecimento a quem conhece somente estes>20. A necessidade de diferenciar
descoberta e justificação aflora outra vez; agora por razões institucionais.

Na doutrina e, principalmente, na práxis jurisprudencial nem sempre se é consciente


desta distinção entre descobrir e justificar, o que provoca não poucas confusões e mal-
entendidos. Aquela que às vezes se denomina concepção mentalista ou psicologista da
motivação, representa um bom exemplo desta confusão, pois expressa a posição
daqueles que entendem que motivar consiste em explicitar todo o processo mental que
levou à decisão. Se a isso se acrescenta que tradicionalmente a livre valoração foi
concebida como convicção íntima, intransferível e irreproduzível, se compreenderá por
que se pode sustentar que o processo de descoberta (guiado por esta íntima convicção)

20
FASSONE, E., <Questio facti>, Materiali per um corso di analisi della giurisprudenza, cit. P. 319.
não é suscetível de justificação; por que, em resumo, a motivação se tem mostrado
como uma operação impossível.

Certamente, esta confusão entre justificação e iter decisório, é também o que faz com
que alguns continuem vislumbrando como impossível (ou muito difícil) uma rigorosa
motivação da prova, porque impossível (ou muito difícil) é a explicitação e subseqüente
controle de todo o processo mental que tenha levado à decisão. E, do mesmo modo,
sustentar que em um órgão colegiado não é exigível (e que em todo o caso é impossível)
uma motivação exaustiva, porque não se imagina como se redigiria a sentença, tendo
em conta que os diferentes membros do colégio possam ter chegado à conclusão por
caminhos diferentes, obedece novamente a que se está identificando entre motivação e
reprodução do iter mental21. Quando se diferencia, entretanto, ambos os conceitos
desaparece qualquer diferença essencial entre a motivação de um juiz unipessoal e a de
um juiz colegiado: o foro íntimo de cada um dos juízes do colegiado se expressará no
debate anterior à sentença, e não na própria sentença.

Concluindo, o juiz não pode descobrir uma verdade, que depois não tenha condições
de justificar mediante padrões de racionalidade, e para isso, necessariamente, terá que
fazer uso de tais padrões no próprio processo de investigação da verdade. Mas, por seu
lado, a motivação pode não coincidir exatamente com a descoberta, porque nesta podem
aparecer elementos irracionais dos quais não pode encarregar-se aquela. A motivação
assume, pois, uma tarefa depuradora sobre a atividade cognoscitiva que exige do juiz
uma reconsideração de suas convicções iniciais à luz dos argumentos racionais, que são
os únicos que inevitavelmente terá de usar para fundamentar sua decisão.

5.3. O estilo da motivação

Existem, em linha geral, duas grandes técnicas de motivação: a analítica e a


globalizadora22. A técnica analítica entende que a motivação deve estruturar-se com
uma exposição pormenorizada de todas as provas efetuadas, do valor probatório que se
lhes fixou, e, de toda a cadeia de inferências que conduziu, finalmente, à decisão. A
técnica globalizadora, ao contrário, consiste a grosso modo, em uma exposição

21
Afirma o mesmo IGARTUA, J., em Valoración de la prueba, motivación y control em el proceso
penal, Valencia, Tirant lo Blanch, 1995, p. 150.
22
Estes dois grandes estilos se corresponderiam com os dois grandes métodos (analítico e holista) de
decisão sobre os fatos. Para uma análise mais detalhada cfr. TWINING, W, Theories of Evidence:
Bentham and Wigmore, London, Weidenfeld & Nicolson, 1985, pp. 183 ss.
conjunta dos fatos, em um relato, em uma história que os põe em conexão em uma
estrutura narrativa. A celebrada e tão aplaudida coerência narrativa é o melhor apoio
teórico desta maneira de agir.

Na prática judicial domina infalivelmente a técnica do relato. Dita técnica, no entanto,


apresenta duas importantes deficiências que conduzem a seu rechaço. A primeira é que,
tal como é posta em prática na maioria dos casos, a técnica do relato em vez de
esclarecer confunde, pois não acrescenta em uma exposição bem narrada da história dos
fatos, mas sim na declaração apodíctica dos mesmos como provados, seguindo na forma
–como se tem dito-- <o torturado e torturador modelo da francesa phrase unique,
redigida em jargão impenetrável e sempre bem enfeitada com gerúndios>23. Além do
mais –e esta é a principal deficiência— a técnica do relato não somente pode provocar
confusão, mas o que é pior pode ser um biombo que escude uma decisão judicial
insuficientemente justificada.

Efetivamente, se justificar os enunciados fáticos consiste em aportar razões que


permitam considerá-los verdadeiros (ou prováveis em grau suficiente) à luz das provas
efetuadas, não se vê que tipo de justificação pode aportar o simples relato, isto é, uma
sucessão de enunciados sobre fatos provados, melhor ou pior narrados. O relato
pressupõe a verdade dos enunciados que o compõem, mas não constitui per se
justificação dos mesmos. De outro modo, nada impede que a decisão probatória possa
concluir com um relato, porém não com qualquer relato, por mais coerente e persuasivo
que este seja, mas sim com um que possa acreditar-se verdadeiro, e, portanto essa
veracidade deverá justificar-se. O relato, pois, não exime a necessidade de se justificar
as afirmações que o compõem. E além do mais, e conectado com o anterior, a técnica do
relato está também em desacordo com uma das funções básicas que cumpre a
motivação, e que se baseia em limitar a atividade irracional ou arbitrária do juiz através
dos recursos: dificilmente se poderá controlar a racionalidade da decisão probatória
mediante os recursos, se na sentença não se expressam os critérios que pretensamente a
sustentam e se opta por uma simples narração fática.

Pelo que já foi dito, se a motivação, enquanto atividade justificadora quer ser
assumida de maneira cabal, a técnica do relato deve ser substituída pela analítica,
consistente na exposição e valoração individual e ordenada por todas as provas
efetuadas. Mais exatamente, a motivação deve consistir <em deixar constância dos atos
23
ANDRÉS, P., <Acerca de la motivación de los hechos en la sentencia penal>, Doxa, 12, 1992, p. 288.
de prova produzidos, dos critérios de valoração utilizados e do resultado dessa
valoração. Tudo isso com a precisão analítica necessária, prévia a uma avaliação do
material probatório em seu conjunto>24. Este é o único estilo de motivação que
permitiria (I) controlar exaustivamente a entrada na sentença de elementos probatórios
inaceitáveis ou insuficientemente justificados; e (II) controlar todas as inferências que
compõem a cadeia da justificação. E a esse respeito, três precisões:

A primeira tem a ver com o papel da valoração conjunta neste estilo de motivação. A
valoração conjunta, tão vinculada à técnica do relato, não representa por si só
justificação alguma; pelo contrário, é uma prática que eventualmente camufla decisões
injustificáveis ou em qualquer caso injustificadas. No entanto, a técnica analítica não
despreza ou prescinde da valoração conjunta; somente a priva de valor justificador se
não é precedida pela exposição e valoração individualizada das provas efetuadas que,
depois, valoram-se conjuntamente25. E mais, a valoração conjunta não somente não é
desprezada senão que faz sentido plenamente, ao se levar em conta que a justificação
dos fatos dista, geralmente, de ser algo simples. Na maioria das vezes, são muitos os
elementos probatórios de diversos tipos que concorrem a favor ou contra uma hipótese,
e não todos têm o mesmo valor probatório e, portanto, justificador; a justificação da
hipótese deve fundamentar-se então na valoração conjunta de todos esses elementos.
Mas é que, além do mais, em muitas ocasiões os mesmos dados probatórios permitem
justificar hipóteses ou histórias diferentes; nesses casos devem-se confrontar essas
hipóteses dando razões do porque de se optar por uma em detrimento de outras, e este
exercício de confrontação, requer justamente uma valoração conjunta de todos os dados
probatórios. Resumindo, no estilo analítico, a valoração conjunta cumpre seu papel,
quando já se justificou individualmente a valoração de cada prova relevante efetuada, e,
traduz, na realidade, a exigência de ponderar, frente à justificação final, o valor
probatório de todas essas provas conjuntamente consideradas.

A segunda precisão é mais uma insistência. A motivação –já foi dito—deve consistir
na exposição e valoração individual e ordenada de todas as provas efetuadas. Mas --
note-se—de todas as provas efetuadas. Portanto, não somente daquelas que versam
diretamente sobre um fato principal, mas stambém das que têm relação com a

24
ANDRÉS, P., <De nuevo sobre la motivación de los hechos>, Jueces para la democracia, 1994, p. 87.
25
Neste sentido IGARTUA, J: <a valoração conjunta não vem em lugar, porém depois da valoração
singularizada pelos meios da prova>, em Discrecionalidad técnica, motivación y control jurisdicional,
Madrid, Civitas, 1998, p. 143.
comprovação de um fato secundário, quando este constitua uma premissa para
estabelecer a verdade de um fato principal. E (principalmente) não somente daquelas
que se considerem condutoras à decisão, mas também daquelas outras, que, se fossem
aceitas, conduziriam a uma decisão diferente. Esta última insistência não é
insignificante, pois é muito fácil para um juiz, excluir na motivação aquelas provas
relevantes cujos resultados não coincidam ou contrastem com a reconstrução dos fatos
que pretende justificar. Por isso, se não se quer escamotear à motivação seu sentido
justificador, não se deve diminuir a exigência de examinar e valorar todas as provas
relevantes, e, por conseguinte também (ou principalmente) as que não avalizam a
reconstrução dos fatos que se justifica: a justificação não será completa se não se
justifica também por que não foram levadas em conta essas provas.

Por último, a exigência de motivação exaustiva que deriva do estilo analítico


(particularmente pela função extraprocessual que a motivação cumpre) se orienta em
fazer da sentença um documento auto-suficiente, que se explica a si mesmo; um
documento que mostra como a partir da atividade probatória realizada, se chega
racionalmente ao relato fático resultante. Portanto, não basta com uma motivação
subentendida ou que remeta às atas. A motivação deve ser feita de modo que <permita
ao leitor externo (ainda mais se carece de qualificação técnica) uma compreensão cabal
do sucedido no ajuizamento e do fundamento da decisão>26.

Porém a exigência de motivação exaustiva, não pode ser confundida (nem, portanto,
entender-se como cumprida) com uma motivação simplesmente abundante. Não se trata
de auspiciar motivações extensas, prolixas, intermináveis. Além do que, algumas
motivações extensas, repletas de malabarismos argumentativos e meandros dialéticos,
não somente são pouco compreensíveis e (pelo menos neste sentido) pouco racionais,
podendo além do mais servir como um biombo que possa encobrir alguma
arbitrariedade. Trata-se, na verdade, de adotar um estilo de motivação que fuja dos
argumentos ad pompam ou ad abundantiam e que se restrinja aos elementos precisos
para tornar racionalmente justificada e controlável a decisão. Como afirma TARUFFO,
<a justificação que segue rigorosos cânones de racionalidade é mais completa, mas
também mais simples e linear>27.

26
Com estas palavras se expressa a (nisto excepcional) STS 333/2001, Sala Penal, de 7 de março, FJ
primeiro (Ponente Perfecto ANDRÉS).
27
TARUFFO, M., Il vértice ambíguo, Il Mulino, Bologna, 1991, p. 150.
5.4. Resumo: regras sobre a motivação

(I) Motivar é justificar. A motivação não pode considerar-se cumprida se não se


aportam razões que permitam sustentar como correta a resolução judicial fática.

Lamentavelmente esta asserção não é uma obviedade. Em muitas sentenças, ao


falar do desenrolar da prova, pode ler-se: <nos remetemos a Ata, em honra da
brevidade>.

(II) Motivar exige explicitar (e justificar) as provas usadas e o raciocínio. O


raciocínio exigível para efeitos de motivação, deve permitir passar dos dados
probatórios (as provas) aos fatos provados, de acordo com as regras de inferência
aceitas e as máximas de experiência usadas.

Infelizmente, o que jurisprudencialmente se entende por explicitar o raciocínio para


efeitos justificadores, acarreta às vezes grande insatisfação, julgando por
pronunciamentos do seguinte teor: a única contradição do raciocínio probatório
relevante para efeitos de sua revisão na cassação é <a que se pode produzir quando
o Tribunal faz afirmações sobre fatos que se contradigam logicamente (por
exemplo, que X esteja morto e esteja vivo) ou que segundo a experiência sejam
impossíveis (por exemplo, que um cavalo voe)>. Fora essas situações, parece que
não existe contradição relevante.

(III) Todas as provas requerem justificação. Também, portanto, a chamada prova


direta.

O fato de não ter reparado que a chamada habitualmente prova direta é também,
como a indiciária, uma prova de tipo indutivo, tem conduzido a um relaxamento
ostensivo das exigências de controle. Assim, o Supremo Tribunal espanhol assinala
que <o não cumprimento do dever de motivação na prova direta, mesmo supondo
uma irregularidade formal, não causa falta de defesa, nem a nulidade do
correspondente ato judicial. Ao contrário do que acontece na prova indireta ou
indiciária, onde se exige que o correspondente raciocínio se expresse>.

(IV) A motivação exige uma valoração individualizada das provas. A valoração


conjunta não substitui, e, sim vem depois da valoração singularizada das provas,
tomadas uma por uma.
(V) Serão consideradas todas as provas efetuadas. Em particular, uma sentença
condenatória deve dar conta racional do por que de não se ter atendido às provas
escusatórias; ou seja, deve justificar a valoração conferida aos meios de prova
escusatórios. E uma sentença absolutória deve dar conta racional do por que de não se
ter atendido as provas incriminatórias; ou seja, deve justificar a valoração conferida aos
meios de prova incriminatórios.

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