Autocontrole Na Aec
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Resumo O presente trabalho um texto didtico introdutrio ao conceito de autocontrole, numa perspectiva analtico-comportamental. Pretende-se neste trabalho fazer uma diferenciao entre o conceito usado no senso comum e aquele desenvolvido pela anlise do comportamento, demonstrando que as explicaes mentalistas usadas no cotidiano e na prpria psicologia dificultam a investigao cientfica do comportamento de autocontrole. Tambm tem como objetivo discutir o uso desse conceito e suas possveis implicaes e aplicaes por uma cincia do comportamento. Por fim, ressalta a importncia de estudar o autocontrole, considerando-se que este pode ser de fundamental importncia para a resoluo de inmeros problemas relativos ao futuro de nossa sociedade. Palavras-chave: autocontrole; anlise do comportamento; causas internas. Abstract The present work is an introductory didactic text on the self-control concept in a behavioralanalytic perspective. It is intended in this work to do a differentiation among the concept used in the common sense and that developed by the behavior analysis, by demonstrating that the mentalist explanations used in the daily life and in psychology itself may hinder the scientific investigation of the self-control behavior. It also aims to discuss the use of this concept and its possible implications and applications by a science of behavior. Finally, it points out the importance of studying self-control, considering that this may be of fundamental importance for the resolution of several problems related to the future of our society. Key-words: self-control; behavior analysis; inner causes.
Trabalho apresentado na Sesso Primeiros Passos XIII Encontro da Associao Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental e na II Conferncia Internacional da Associaton for Behavior Analysis. O autor agradece pelas crticas e sugestes realizadas pelo editor e consultores desta revista. 2 E-mail: robsonncruz@ig.com.br
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Robson Nascimento da Cruz A concepo tradicional de autocontrole na cultura ocidental no nova e nem desconhecida da maioria das pessoas. Autocontrole geralmente sinnimo de fora de vontade, capacidade de enfrentar situaes difceis, ter um poder interior, conseguir resistir a tentaes, ser emocionalmente forte, entre outros. As concepes que apontam para esses sinnimos, de alguma maneira, tentam explicar o comportamento de autocontrole atravs de um agente iniciador interno.(Castanheira, 2001; 1993; Skinner, 1989/1991). No entanto, para Skinner (1953/2000), a necessidade de um agente interno (fora de vontade, poder interior, desejo, vontade, etc) para explicar qualquer comportamento, includo o comportamento de autocontrole, no til para uma anlise cientfica do comportamento, porque desvia sua ateno das variveis ambientais das quais o comportamento realmente funo. Neste sentido, o comportamento de autocontrole deve ser analisado como qualquer comportamento operante, ou seja, por meio da anlise da relao da resposta do organismo com as variveis ambientais. Skinner (1953/2000), ao definir pela primeira vez o conceito de autocontrole em seu livro "Cincia e Comportamento Humano", diz que:
Com freqncia o indivduo vem a controlar parte de seu prprio comportamento quando uma resposta tem conseqncias que provocam conflitos - quando leva tanto a reforo positivo quanto a negativo. (Skinner, 1953/2000, p.252.).
forma, o autocontrole pode ser inicialmente definido como a manipulao do ambiente, por uma pessoa, de maneira a alterar seu prprio comportamento em funo de uma determinada conseqncia. (Nico, 2001; Skinner, 1953/2000). Anlise funcional e trplice contingncia Antes de continuarmos a elucidar o conceito de autocontrole, faz-se necessrio mesmo que de maneira breve, esclarecer a noo de anlise funcional e trplice contingncia, assim como o prprio Skinner (1953/2000) o fez, para depois definir o conceito de autocontrole. De acordo com ele:
A noo de controle est implcita em uma anlise funcional. Quando descobrimos uma varivel independente que possa ser controlada, descobrimos um meio de controlar o comportamento que uma funo dela. Este fato importante para propsitos tericos. Provar a validade de uma relao funcional por meio de uma demonstrao real do efeito de uma varivel sobre outra o corao da cincia experimental. (Skinner, 1953/2000, p.227)
Assim, Skinner afirma que o comportamento de autocontrole est diretamente relacionado a uma escolha de respostas concorrentes: pode ser que o indivduo tenha que escolher entre duas respostas que levem a conseqncias com o mesmo valor, ou a uma resposta que seja reforada imediatamente e punida em longo prazo, ou vice versa. Isto implica que o comportamento de autocontrole vai ser caracterizado como aquele decorrente de contingncias conflitantes, nas quais o indivduo tenha que escolher entre duas respostas que tm diferentes conseqncias. Exposto desta
Ao fazer tal afirmao Skinner destaca que a importncia de uma anlise funcional : demonstrar na prtica a relao de interdependncia que a resposta de um organismo mantm com as diferentes variveis ambientais. Para Skinner (1953/2000), essa relao observada quando h manipulao experimental de variveis que modificam o padro da resposta esperada. Por meio desse processo de manipulao de variveis externas, torna-se possvel a modificao e manuteno do comportamento. Para se realizar uma anlise funcional, imprescindvel o uso do conceito de contingncia, ou mais especificadamente trplice contingncia. A trplice contingncia uma ferramenta de anlise que busca sempre, pelo menos, por trs termos envolvidos no momento em que uma resposta operante emitida. So eles: a partir dessa resposta operante (o primeiro termo) busca-se sua(s) condio(es) antecedente(s) (estmulo discriminativo), e
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Uma introduo ao conceito de autocontrole proposto pela anlise do comportamento sua(s) conseqncia(s) (estmulo reforador ou punitivo). A condio antecedente (SD) tem como funo estabelecer uma ocasio que aumente a probabilidade de ocorrncia de uma resposta semelhante quela que foi reforada no passado em um determinado ambiente. Isto significa, que uma resposta tem mais chances de ser efetivamente reforada em certas ocasies do que em outras, mas importante notar que o (SD) ao invs de eliciar ou disparar uma resposta, estabelece a ocasio na qual essa resposta tem maior probabilidade de ser emitida e, portanto reforada (Skinner, 1938). Nessas consideraes sobre anlise funcional e trplice contingncia, est implcita a noo de determinao do comportamento presente na anlise do comportamento. Esta concepo demonstra que o indivduo interage com o ambiente, modificando-o e sendo modificado pelas conseqncias que ele produz nesse mesmo ambiente. Contudo, essa concepo sofre de enormes incompreenses e crticas. Dentre elas podemos citar a recorrente idia de que o behaviorismo radical e sua cincia, a anlise do comportamento, apresentam uma concepo de homem passivo, que sofre as presses do ambiente, de forma unilateral. Com Carrara (1998/2005) observamos um timo esclarecimento dessa questo freqentemente to mal compreendida.
Com relao ao behaviorismo em geral, a crtica tem com freqncia se referido a ele como sendo uma abordagem que adota o carter passivo dessa relao, ou seja, o organismo ficaria simplesmente merc das influncias ambientais. Embora o behaviorismo clssico de Watson tenha dado a entender essa posio, uma anlise acurada mostra que essa no , de modo nenhum, a compreenso de Skinner. Sua linha (anlise do comportamento) adota um modelo interagente, ou seja, de um inter-relacionamento entre organismo e ambiente. De modo simplificado, tome-se como exemplo qualquer seqncia de relaes de contingncias, ligadas entre si, e ver-se- que a ocorrncia de um comportamento seguida de uma conseqncia, diante de um estmulo discriminativo que aumenta a probabilidade de ocorrncia de um certo comportamento. O comportamento muda as condies do meio (ele opera alterando o ambiente) e este, por sua vez, altera o
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comportamento.(p.231)
Embora os esclarecimentos acima no deixem margem de dvidas sobre o homem concebido pela anlise do comportamento no ser passivo (um receptculo de estmulos ambientais), podemos nos perguntar mesmo assim como possvel o comportamento ser controlado (determinado) pelo ambiente, e ao mesmo tempo ser controlador de parte desse mesmo ambiente? Como possvel falar de autocontrole dentro dessa concepo? Estas perguntas caracterizam uma tenso existente entre a noo de determinismo e a idia de autocontrole na obra de Skinner. Parece haver uma contradio na idia de que o indivduo tenha autocontrole e, ao mesmo tempo, que seu comportamento seja determinado ou controlado por variveis ambientais. O que devemos notar antes de analisarmos essa questo, que a idia de um agente iniciador (vontade, desejo, inconsciente, etc), que causa o comportamento, algo muito arraigado em nossa cultura. Por isto, muitas vezes no notado que no h uma ciso entre o que o organismo faz e o ambiente; parece inconcebvel pensar que o homem possa ser controlador do ambiente e ao mesmo tempo seja por ele controlado. No entanto, para anlise do comportamento isso possvel: ter autocontrole significa meramente que, por meio da manipulao de variveis ambientais das quais seu comportamento funo, o homem controla tambm parte de seu prprio comportamento. Isto quer dizer que, em ltima instncia, os determinantes do comportamento se encontram no ambiente, mas isto no impede que o homem seja capaz de determinar parte de seu comportamento, como veremos claramente em um exemplo mais adiante. Um dos principais fatores que provavelmente dificulta compreender essa noo est vinculado dificuldade de observarmos o comportamento como um processo e no como um produto. Para Skinner (1989/1991):
Talvez porque vemos o comportamento humano, mas percebemos muito pouco do processo atravs do qual ele se origina, sentimos necessidade de um eu criativo.(Skinner, 1989/1991, p.43).
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Epstein (1997), ao analisar essa possvel tenso entre autocontrole e determinismo, sugere uma anlise de dois casos extremos. Primeiro, devemos imaginar um sujeito que no tenha nenhum repertrio comportamental de autocontrole. O comportamento desta pessoa est sob o controle de estmulos que ocorram imediatamente aps sua emisso. Quando a pessoa vir um doce, ela come; se ela tiver um cigarro prximo, ela fuma; se estiver perto de uma garrafa de bebida alcolica, ela bebe. Ela est sendo totalmente controlada pelos estmulos ambientais que se seguem imediatamente s suas respostas. Em outro extremo, imaginemos um indivduo que possua um hbil repertrio de autocontrole. Ele formula objetivos de longo e mdio prazos e tem ampla habilidade para executlos. Ele resiste presena de poderosos reforadores, como, por exemplo, alimentos que so prejudiciais a sua sade. Essa pessoa identifica condies que afetam seu comportamento e altera as variveis ambientais das quais seu comportamento funo. Os dois casos so extremamente diferentes. O primeiro sujeito est totalmente sob o controle do ambiente imediato que o cerca. O segundo est sob o controle de conseqncias atrasadas. Ento denominamos o primeiro sujeito de compulsivo, fraco, incapaz de controlar os prprios impulsos. E o segundo indivduo chamado de responsvel, capaz de controlar sua prpria vida. No entanto, o que acontece nestes casos que nem o primeiro e nem o segundo indivduo esto isentos de controle pelo ambiente. Na realidade, o primeiro sujeito est totalmente sob o controle de estmulos imediatos, o que acaba por facilitar a observao pblica de tal controle, o que leva as pessoas a identificarem mais "facilmente" as supostas causas do comportamento compulsivo, de comer, por exemplo. O segundo indivduo, por sua vez, est sob o controle de conseqncias atrasadas (estudar para passar em um concurso, por exemplo). O segundo caso dificulta a observao e identificao
pblica de quais so os estmulos que esto controlando o comportamento, porque as conseqncias so atrasadas e, portanto os estmulos ambientais que controlam esse comportamento no so observados imediatamente. E justamente este motivo (dificuldade de observao pblica das fontes de controle) o que torna propcio o surgimento de explicaes esprias do comportamento que colocam o autocontrole como uma caracterstica interna do sujeito. Isto posto, podemos afirmar que ambos os comportamentos (compulsividade e autocontrole) so determinados por fatores ambientais, e devem ser analisados a partir da histria de reforamento do indivduo e do ambiente onde o comportamento foi emitido. Com isso, o conceito de autocontrole proposto pela anlise do comportamento parece dissolver uma possvel contradio entre determinismo e autocontrole, o que denota que o autocontrole nesta concepo no independente da relao de controle entre indivduo e ambiente. E mais, deixa-se clara a possibilidade de falarmos de um homem que determina parte do seu comportamento sem precisar recorrer a um agente interno. A origem do autocontrole Skinner, inicialmente, (1953/2000) ao definir o autocontrole como um comportamento que tem sua origem vinculada a contingncias conflitantes, identifica dois tipos de respostas para esse comportamento: a resposta controladora (RC) e resposta controlada (Rc). Na relao entre essas respostas vo estar envolvidas conseqncias positivas e negativas que interagem de maneira especfica: a resposta controladora age sobre as variveis de modo a alterar a probabilidade da resposta controlada. Segundo Skinner (1953/2000):
As conseqncias positivas e negativas geram duas respostas relacionadas uma outra de modo especial: uma resposta, a controladora, afeta variveis de maneira a mudar a probabilidade da outra, a controlada. (p.253).
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A resposta controladora responsvel por manipular as variveis externas que mudam a probabilidade da resposta controlada, sendo, portanto, inmeras as formas de autocontrole, considerando que so diversas as variveis ambientais que podem ser manipuladas. Como exemplo, para compreender melhor como essas respostas se relacionam, vamos imaginar o seguinte comportamento de um estudante em determinada contingncia: "matar aula" para ir ao bar com os amigos. Este comportamento seguido por diversas conseqncias; a presena dos amigos, a msica que est tocando no bar, as bebidas, descontrao, etc. Essas so conseqncias que tm como efeito aumentar a probabilidade de emisso do comportamento em uma ocasio similar no futuro e so chamadas de reforadores positivos. Mas h outros tipos de conseqncias: este estudante pode perder pontos num trabalho, o professor pode ter ensinado naquele dia uma matria que ser importante no decorrer da disciplina, dentre outras conseqncias semelhantes que podem ser qualificadas como aversivas. Esses eventos podem ter como funo diminuir a probabilidade do comportamento de "matar aula" ocorrer no futuro. Essa contingncia torna-se, ento, conflitante j que apresenta tanto estmulos reforadores imediatos que aumentam, quanto conseqncias aversivas atrasadas que diminuem a probabilidade de a resposta vir a ser emitida em uma nova ocasio. Mediante isso, provvel que quando o estudante citado no exemplo for convidado para ir ao bar novamente, respostas emocionais de arrependimento, culpa e ansiedade, podero surgir emparelhadas com a contingncia e seus reforadores positivos, presena dos amigos, bebidas, descontrao, etc. Neste caso, podemos supor que as respostas emocionais de culpa e arrependimento, decorrentes das conseqncias aversivas, podem competir e chegar a enfraquecer a probabilidade do comportamento de "matar a aula", e conseqentemente "tirar a vontade" do estudante de ir ao bar. A apresentao do
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estmulo aversivo condicionado nesta situao enfraquece a probabilidade de emisso da resposta "matar aula". Todavia, importante notar que o comportamento que enfraquece o comportamento de ir ao bar com os amigos automaticamente um reforador negativo, porque tem como resultado evitar a estimulao aversiva. Posto que o comportamento que diminui a probabilidade de o aluno ir ao bar reforado negativamente, dizemos que este um caso de comportamento de esquiva. O comportamento de esquiva pode ser definido como aquele comportamento que tem como funo evitar (esquivar) uma estimulao aversiva (Sidman, 1989/2001). Por exemplo, o aluno pode desligar o telefone celular (resposta controladora) para que os amigos no consigam cham-lo para ir ao bar (resposta controlada). De acordo com Skinner:
O organismo pode tornar a resposta punida menos provvel alterando as variveis das quais funo. Qualquer comportamento que consiga fazer isso ser automaticamente reforado. Denominamos autocontrole estes comportamentos. (Skinner, 1953/2000, p.253).
Este exemplo, apesar de simples, demonstra que no precisamos recorrer a um agente iniciador, como a fora de vontade, por exemplo, para explicar o comportamento de autocontrole, pois o estudante citado no exemplo acima no precisou fortalecer sua vontade interior, mas sim rearranjar seu ambiente externo, fortalecendo, deste modo, respostas de esquiva. Isto aponta, entre outras coisas, para as vantagens em voltar nossa ateno para contingncia de reforamento ao analisar o comportamento de autocontrole, ao invs de procurar causas internas que expliquem a capacidade do indivduo de controlar parte de seu comportamento: neste caso, o estudante saberia exatamente o que fazer para evitar a ida ao bar. Outro aspecto essencial a ser notado na discusso sobre autocontrole, est entre o conflito da imediao do reforo positivo e ao atraso na punio. Assim, no caso do exemplo acima,
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"matar aula" e ir ao bar com os amigos produzem primeiramente conseqncias reforadoras positivas imediatas, mas como visto, esses mesmos comportamentos produzem conseqncias punitivas atrasadas, que acabam por se tornar estimulaes aversivas contingentes ao comportamento de "matar aula". Ento, em ocasio futura em que aparea a possibilidade do comportamento de "matar aula" para ir ao bar com os amigos, surge tambm a possibilidade de autocontrole. Mas preciso ressaltar que o surgimento de uma contingncia conflitante no leva necessariamente a pessoa a emitir o comportamento de autocontrole. Esta afirmao feita com base no poderoso efeito de alguns reforadores naturais (ou primrios), como, por exemplo, sexo e comida. Para o surgimento do autocontrole em casos nos quais a conseqncia do comportamento esteja relacionada a esses tipos de reforadores, muitas vezes somente estimulaes aversivas poderosas so capazes de originar um conflito suficiente para a emisso do comportamento de autocontrole. Como aponta Nico (2001), a existncia do conflito entre conseqncias positivas e negativas necessria para que haja a probabilidade de emisso do comportamento de autocontrole; contudo, ela no o sufi-ciente para manter o comportamento de autocontrole. Visto que, em alguns casos, as primeiras etapas da resposta controlada no esto mais condicionadas a estimulaes aversivas, progressivamente a resposta controladora pode deixar de produzir conseqncias reforadoras que a mantm, o que permite a extino da resposta controladora. Segundo Skinner (1953/2000; 1974/2002), Sidman (1989/2001) e Nico (2001), quando ocorre a extino neste caso, alta a probabilidade de o comportamento anteriormente controlado voltar a ser emitido, posto que no h mais conflito, mas somente possibilidade de conseqncias reforadoras positivas. Deste modo, por exemplo, provvel que aquele estudante (citado no exemplo acima) que
parou de "matar aula" para evitar as conseqncias aversivas deste comportamento, volte a "matar aula" novamente, j que ele no mais est experimentando conseqncias aversivas em funo de tal comportamento. Concepo tradicional e comportamentalista radical do conceito de autocontrole Aps o exposto at o momento, possvel notar que a noo do comportamento de autocontrole formulada por Skinner (1953/2002) discrepante da noo tradicional. Para esse autor, tradicional considerada toda formulao de autocontrole que no seja semelhante formulada por ele, ou seja, o adjetivo "tradicional" refere-se a formulaes internalistas e mentalistas. Algumas das objees de Skinner (1974/2002) concepo tradicional de autocontrole esto vinculadas idia de que, nessas explicaes, deixa-se explcita uma circularidade: para se explicar o comportamento de uma pessoa autocontrolada, recorre-se idia de fora de vontade, por exemplo, e para explicar a fora de vontade, recorre-se ao autocontrole da pessoa. Tal argumento implica numa estagnao no que diz respeito possibilidade de uma investigao que nos leve a identificar os determinantes do comportamento. Segundo Skinner, a circularidade das explicaes mentalistas desviam a nossa ateno dos determinantes ambientais do comportamento e voltam-se para dentro do organismo, como se o autocontrole fosse algo pertencente personalidade, ao self do indivduo. Alm disso, Skinner (1968/1972) diz que o uso de uma caracterstica para descrever ou explicar um comportamento insuficiente para nos mostrar como ele foi adquirido e como alter-lo. Noutras palavras, dizer simplesmente que um sujeito tem muita ou pouca fora de vontade, alm de no demonstrar praticamente nada, pouco ajuda na aquisio e/ou manuteno do comportamento de autocontrole. As explicaes tradicionais sobre o comportamento de autocontrole tambm parecem
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no ter sido teis para o bom desenvolvimento educacional em nossa sociedade. De acordo com Skinner (1953/2000): "A concepo tradicional do que acontece quando um indivduo se controla nunca foi bem-sucedida como um instrumento educacional. Dizer a um homem que deve usar seu poder de vontade ou seu autocontrole ajuda muito pouco". (p.264). De acordo com Skinner, utilizar-se do apelo e recorrer fora de vontade pode at tornar o comportamento de autocontrole mais provvel de ser emitido em algumas situaes, mas ser pouco eficaz e ter provavelmente suas conseqncias vinculadas estimulao aversiva adicional e contingente resposta de autocontrole. Por exemplo, podemos fazer com que uma criana faa seu dever escolar sob forte ameaa de punio. Mas de forma alguma isso possibilita que o comportamento de fazer o dever de casa fique mais provvel de ser emitido no futuro; ao contrrio, provvel que essa criana, sempre que possvel, esquive-se de uma contingncia semelhante a essa. Contudo, necessrio esclarecer que Skinner no est descartando o uso de termos tradicionais na linguagem coloquial. De acordo com Chiesa (1994), Skinner chama a ateno para o fato de que conceitos e termos derivados de explicaes tradicionais e/ou da linguagem ordinria no devem ser adotadas pelo analista do comportamento sem uma anlise crtica. Autocontrole e cultura Mischel (1971), ao citar a importncia do autocontrole para nossa cultura, alega que a socializao e a prpria cultura seriam praticamente impossveis se no houvesse atraso de gratificaes auto-impostas, ou seja, sem autocontrole. Assim, chegamos a um ponto fundamental que envolve o autocontrole como um comportamento importante tambm para o grupo e no apenas para o indivduo. Podemos ir at alm, e afirmar que o autocontrole na verdade um produto social medida que o grupo pune, em diversos casos,
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comportamentos que produzam reforadores imediatos para o indivduo e estimulao aversiva atrasada para o grupo. Por exemplo, quando um indivduo polui o meio ambiente, no experimenta conseqncias aversivas imediatas e muitas vezes nem atrasadas oriundas desse comportamento. Mas esse comportamento pode trazer enormes male-fcios para o grupo. Por isto, o grupo arranja contingncias que tm como funo punir tais comportamentos, o que acarreta na diminui-o ou extino dos mesmos. De acordo com Skinner (1981/1984), umas das explicaes para o conflito entre o interesse do grupo e o do indivduo tem sua origem em uma falha da seleo natural. Segundo Skinner, algumas disposies filogenticas, como produto de contingncias de sobrevivncia da espcie, desenvolvem-se em perodos muito longos (milhares de anos), e ocorrem falhas, uma vez que o comportamento foi selecionado para ser adaptado num ambiente que no existe mais, j se transformou. Assim de acordo com Skinner (1971):
O valor de sobrevivncia muda conforme as condies se alteram. Por exemplo, uma forte suscetibilidade a reforamento por certos tipos de alimento, contato sexual e dano agressivo j foram extremamente importantes. Quando uma pessoa gastava grande parte do dia procurando por comida, era importante que rapidamente aprendesse onde encontr-la ou como peg-la, mas com o advento da agricultura, da lavoura animal e de modos de estocar alimentos, a vantagem foi perdida e, agora, a capacidade de ser reforado por comida leva ao comer excessivo e doena. (p.167).
devido justamente a esta falha que a cultura acaba por delinear prticas que tm como funo diminuir e/ou moderar os poderosos efeitos de alguns reforadores. Uma das formas pela qual a cultura, na maior parte das vezes, arranjou de levar o indivduo a controlar parte de seu comportamento, foi por meio do uso da punio, o que no significa que esta seja a nica forma e nem a mais eficaz de estabelecer o autocontrole. Apesar dessas consideraes sobre o papel da
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cultura no surgimento do autocontrole, muitas vezes de maneira paradoxal, podemos tambm observar que a prpria cultura refora inmeros comportamentos que so prejudiciais tanto para o indivduo quanto para o grupo. O paradoxo est no fato de que essa mesma cultura que refora comportamentos imediatistas e prejudiciais, exija autocontrole por parte das pessoas em relao a diversos comportamentos mantidos por reforadores condicionados, como, por exemplo, o consumismo exagerado, a explorao inadequada de fontes de energia, entre outros. Essa exigncia paradoxal geralmente feita por meio do apelo responsabilidade pessoal, como se o autocontrole fosse inerente ao ser humano, ou seja, coloca-se o sujeito como totalmente responsvel por comportamentos que foram modelados e reforados pela prpria cultura. Um bom exemplo de como esse tipo de paradoxo acontece em nossa sociedade apresentado por Nico (2001) ao citar uma condio tpica do ambiente escolar.
(...) a escola estabelece as condies que promovem conflito e depois, espera que o surgimento 'espontneo' do autocontrole sirva como grande prova de que seus alunos adquiriram o verdadeiro senso de dignidade e liberdade. Assim, os alunos que chegam a emitir respostas controladoras como forma de diminuir a probabilidade de respostas punidas, ou seja, que chegam a exibir autocontrole como forma de se esquivar de certas punies, o fazem por contingncias absolutamente acidentais. (Nico, 2001, p. 160-161).
Por sua vez, Skinner sugere uma anlise das variveis externas que se relacionam com o organismo e afirma que o seu ponto de vista:
(...) entra em conflito com os tradicionais tratamentos da matria, claro, os quais se preocupam especialmente em citar o autocontrole como um exemplo importante da operao da responsabilidade pessoal. Mas uma anlise que apele para variveis externas torna a pressuposio de um agente originador e determinante desnecessria. As vantagens cientficas dessa anlise so muitas, mas as vantagens prticas bem podem ser ainda mais importantes. (1953/2000, p. 264)
Concluso A dificuldade em se comportar para obter conseqncias futuras pode ser a explicao para inmeros problemas sociais, como, a violncia, doenas, uso de drogas, preservao do meio ambiente, de nossas fontes de energia, entre outros. Esses problemas no deixam margem de dvida para a importncia que o comportamento de autocontrole desempenha em nossa cultura. De acordo com Kerbauy (1972), esses problemas comportamentais, em muitos casos, ocorrem em decorrncia de um dficit de aprendizagem especfica. Dficit que poderia ser amenizado pelo planejamento de contingncias de ensino que promovessem o comportamento de autocontrole. Isto significa tornar a sociedade voltada para a sobrevivncia da cultura atravs de prticas que visem esse objetivo. De acordo com Epstein (1997):
O ensino de prticas de autocontrole servem a duas importantes funes para sociedade: criar cidados que cumpram seu potencial e assim estejam em posio de fazer grandes contribuies para o grupo, e dar sociedade um mecanismo que ir assegurar que os indivduos respeitem o interesse do grupo a longo prazo. (p.563)
Talvez porque a cultura se exime praticamente de toda e qualquer responsabilidade sobre o comportamento que prejudicial ao grupo e ao indivduo, grande parte das pessoas aprende o comportamento de autocontrole de forma acidental. Para a explicao e a valorizao cultural do comportamento de autocontrole, a cultura recorre ao uso de explicaes mentalistas tanto para o comportamento do sujeito que no tem autocontrole (chamado de irresponsvel), como para aquele que emite tal comportamento (o indivduo tido como responsvel).
O estudo do comportamento de autocontrole apresenta-se como mais um importante instrumento para a resoluo daqueles problemas comportamentais que envolvem tanto o interesse dos indivduos quanto do grupo no qual esto inseridos.
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Nessa exposio do conceito de autocontrole, no tivemos a inteno de esgotar ou definir este conceito em termos finais, mas fazer uma breve apresentao introdutria de tal conceito e algumas de suas possveis implicaes, lembrando sempre que a definio de qualquer conceito na anlise do comportamento e no behaviorismo radical deve ter o amparo da anlise experimental do comportamento (Hanna e Todorov, 2002). E apesar de no termos enfatizado os estudos experimentais de autocontrole na presente discusso, devemos assim como Hanna e Ribeiro (2005) dizer que os modelos experimentais de autocontrole so essenciais para a melhor compreenso deste complexo comportamento. Outra questo fundamental diz respeito ao cuidado que o analista do comportamento deve ter ao lidar com conceitos to amplos como o autocontrole em uma cincia do comportamento. Disso decorre que o seu emprego exige do usurio, seja ele acadmico ou clnico, o coReferncias
nhecimento mais claro possvel para sua aplicao. Por fim, vale lembrar que Skinner (1953/2000) foi o primeiro psiclogo a dedicar um captulo de livro ao tpico autocontrole (Pilgrim, 2003), e que para isso ele recorreu aos conceitos bsicos da anlise experimental do comportamento. No entanto, Skinner no estudou experimentalmente o comportamento de autocontrole, o que no o impediu de formular um conceito para tal comportamento baseado nos dados de sua ampla pesquisa experimental e de sua ampla observao do comportamento social e cultural. Isso torna claro, dentre outras coisas, que o conceito de autocontrole exposto pela anlise do comportamento um timo exemplo de interpretao comportamental de conceitos mentalistas. Interpretao essa que no est comprometida e nem precisa recorrer mente ou a um agente interno para explicar as causas do comportamento.
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Recebido em: 17/11/2004 Primeira deciso editorial em: 22/05/2005 Verso final em: 06/04/2006 Aceito para publicao em: 20/05/2006
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