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O Uso Do Dom de Linguas

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A PESSOA E A OBRA DO ESPÍRITO SANTO (O DOM DE LÍNGUAS NA

IGREJA APOSTÓLICA E HOJE) - 2ª PARTE

1.3. AS LÍNGUAS NO NOVO TESTAMENTO ERAM PARA USO PÚBLICO

Nosso terceiro ponto sobre o estudo do dom de línguas nos diz que ele fora
dado por Deus à igreja apostólica para ser usado publicamente, não privativamente. Por
que isso é importante? Mais uma vez, os nossos irmãos pentecostais se equivocam
quanto ao dom de línguas, dessa vez, no que diz respeito à esfera do seu uso. Sobre isso,
é importante lermos o que o apóstolo Paulo escreveu em 1 Coríntios 12.4-7: “Ora, os
dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo. E também há diversidade nos serviços,
mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade nas realizações, mas o mesmo Deus é quem
opera tudo em todos. A manifestação do Espírito é concedida a cada um visando a um
fim proveitoso”. Logo após estas palavras, o apóstolo passa a desenvolver o argumento
de que a Igreja de Cristo é um corpo. A cada parte do corpo é dada uma função para
auxiliar o resto do corpo. Por exemplo, “o olho impede o corpo de tropeçar. A boca
fornece nutrição ao corpo. O ouvido ouve para o resto do corpo. Todos os diversos dons
capacitam os membros do corpo de Cristo a ministrar uns aos outros”.i[i] Nenhum
membro do corpo recebe uma função para usar em seu próprio benefício. Então, esse é
o primeiro entendimento que devemos possuir.

Com isso em mente, estamos prontos para avançarmos rumo à passagem de 1


Coríntios 14.18, 19. O apóstolo Paulo diz o seguinte: “Dou graças a Deus, porque falo
em outras línguas mais do que todos vós. Contudo, prefiro falar na igreja cinco
palavras com o meu entendimento, para instruir outros, a falar dez mil palavras em
outra língua”. Os pentecostais afirmam que aqui, o apóstolo Paulo está fazendo uma
distinção entre sua preferência de falar em línguas privativamente e falar em língua
conhecida publicamente, na igreja. Entretanto, isto está errado. A comparação não é
entre línguas, mas entre Paulo e os coríntios, que eram desejosos de promoverem o uso
das línguas. A ordem das palavras do versículo 18 na língua original é interessante:
“Dou graças a Deus, com relação a todos vós, falo mais em línguas” (Euvcaristw/ tw/|
qew/|( pa,ntwn u`mw/n ma/llon glw,ssaij lalw). Talvez, para o espanto e a surpresa
dos coríntios, o apóstolo Paulo afirmou que fala em línguas mais do que todos eles.

Então, no versículo 19, “Contudo, prefiro falar na igreja cinco palavras com o
meu entendimento, para instruir outros, a falar dez mil palavras em outra língua”,
Paulo afirma que o seu conhecimento do dom de línguas é maior que o dos coríntios, e
apesar de possuir tal conhecimento, ele não se deixa levar por isso, e na igreja, ele
entende que a instrução pública tem a prioridade. Línguas, no Novo Testamento, sempre
se destinaram ao uso público. Foi assim no dia de Pentecostes (Atos 2), na casa de
Cornélio (Atos 10), entre os novos convertidos efésios (Atos 19), e foi assim na
conturbada igreja de Corinto.

Com isso em mente, podemos perceber que as línguas contemporâneas não são
as línguas neotestamentárias. Alguém pode objetar, dizendo que hoje em dias as pessoas
falam em línguas publicamente. Mas, eu pergunto: apenas publicamente? A resposta é
não! Pois elas são estimuladas a exercitarem o dom privativamente, em suas casas, ou
“orando em línguas” baixinho durante o culto.

Existem ainda outros versículos que, aparentemente, fornecem ajuda aos


carismáticos de nosso tempo. 1 Coríntios 14.27, 28: “No caso de alguém falar em outra
língua, que não sejam mais do que dois ou quando muito três, e isto sucessivamente, e
haja quem interprete. Mas, não havendo intérprete, fique calado na igreja, falando
consigo mesmo e com Deus”. Uma coisa não pode sair da nossa cabeça. Os dons foram
dados visando a edificação do Corpo, não apenas de uma pessoa. Eles foram dados para
servirem a toda a comunidade de remidos. Este pressuposto deve guiar a nossa leitura
do versículo 28. Reconhecemos o assunto principal de uma passagem a partir da ênfase
que o autor coloca sobre ela. Aqui, Paulo está, mais uma vez, regulamentando o uso do
dom de línguas no culto público. Percebam que o foco do apóstolo está no uso correto
do dom. Ele diz que, apenas duas pessoas, quando muito três, poderiam falar em línguas
na igreja (o padrão já é diferente das manifestações contemporâneas, onde inúmeras
pessoas falam em línguas). Além disso, deveria existir uma ordem, um deveria falar
após o outro, não ao mesmo tempo (mais uma vez, os pentecostais estão em desarmonia
com o padrão apostólico, pois inúmeras pessoas falam em línguas ao mesmo tempo). A
última exigência de Paulo é o pré-requisito da presença de um intérprete ou tradutor no
culto. Sem isso, a pessoa deveria ficar calada na igreja. Mas, logo em seguida ele diz:
“falando consigo mesmo e com Deus”. Não seria esse um indicativo de que o dom
possui uma esfera privativa? A resposta também é não! Este falar indica reflexão no
íntimo e agradecimento pelo dom concedido. E mesmo que o dom visasse o uso
particular, isso só seria permitido quando não houvesse condições de beneficiar,
primeiramente, todo o corpo. Em qualquer caso, o contexto pressupõe o uso público dos
dons.

1.4. AS LÍNGUAS NO NOVO TESTAMENTO ERAM UM SINAL

Em quarto lugar, através da instrução do apóstolo Paulo à igreja de Corinto,


nós podemos aprender que um dos propósitos do dom de línguas na igreja primitiva era
servir como um sinal. O Dr. Palmer Robertson afirma o seguinte sobre as línguas: “As
línguas serviam como sinal da parte de Deus concernente ao cumprimento de profecias
particulares acerca de uma dramática mudança na direção do procedimento de Deus
para operar no mundo”.ii[ii] Diz o apóstolo Paulo em 1 Coríntios 14.20-22: “Irmãos,
não sejais meninos no juízo; na malícia, sim, sede crianças; quanto ao juízo, sede
homens amadurecidos. Na lei está escrito: Falarei a este povo por homens de outras
línguas e por lábios de outros povos, e nem assim me ouvirão, diz o Senhor. De sorte
que as línguas constituem um sinal não para os crentes, mas para os incrédulos; mas a
profecia não é para os incrédulos, e sim para os que crêem”.

Em primeiro lugar, Paulo chama as línguas de “sinal” (shmei/o,n). As línguas


são um sinal do cumprimento do Pacto. Percebam, que o apóstolo faz uma citação de
uma passagem do Antigo Testamento, Isaías 28.11. No entanto, pelo menos “três
diferentes autores em três diferentes livros do Velho Testamento explicitamente
profetizam sobre as línguas”.iii[iii] Uma outra referência foi feita bem antes, por
Moisés, em Deuteronômio 28.49: “O SENHOR levantará contra ti uma nação de longe,
da extremidade da terra virá, como o vôo impetuoso da águia, nação cuja língua não
entenderás”. Este versículo se encontra no trecho de Deuteronômio que contém as
bênçãos e as maldições decorrentes do Pacto. O terceiro profeta a falar das línguas
como um sinal de maldição foi Jeremias: “Eis que trago sobre ti uma nação de longe, ó
casa de Israel, diz o SENHOR; nação robusta, nação antiga, nação cuja língua
ignoras; e não entendes o que ela fala” (Jeremias 5.15). Em cada caso, as Escrituras
indicam que as línguas são um sinal de maldição para Israel.

Na citação de Isaías, Paulo quer dar a entender que as pessoas da igreja de


Corinto estavam agindo infantilmente no que diz respeito à importância exagerada que
elas davam ao dom de línguas. Elas estavam agindo como crianças, sem nenhuma
maturidade, sem nenhum juízo. Eles estavam agindo como os israelitas que ouviram a
profecia de Isaías. Eles agiam como crianças desmamadas, afastadas dos seios
maternos. Os coríntios usavam esse dom como que por diversão, sem se preocupar se os
outros entendiam ou não o significado da língua.

O povo de Israel na época de Isaías se comportava como criança. Então, o


profeta anunciou o juízo divino sobre o povo em decorrência de sua insensatez: “Pelo
que por lábios gaguejantes e por língua estranha falará o SENHOR a este povo”
(Isaías 28.11). O sentido é que se você não ouvir a clara Palavra de Deus em sua língua
materna, então Deus lhe falará através de um idioma estrangeiro. Ele lhe falará para que
ouça palavras da forma como crianças ouvem a conversação do mundo adulto. Quando
um adulto fala com um bebê, o bebê ouve apenas balbucios. Ele não compreende. A
mesma coisa aconteceria com Israel quando ouvisse as línguas.

Mais particularmente, a criancinha Israel ouve palavras de juízo. As línguas


representavam a chegada do juízo divino sobre Israel. Quando o povo impenitente
ouvisse os homens que invadiram sua terra falando em linguagem estranha, deveria
reconhecer em tal fato um sinal de que Deus trouxe seu juízo sobre eles por meio de um
exército estrangeiro. Mais uma vez, o comentário do Dr. Palmer Robertson é muito
interessante: “Uma nação cuja língua não era a língua deles viria sobre eles para
executar a ira e a maldição de Deus. Sua relação favorável para com eles terminaria
através de um povo cuja língua eles não poderiam entender”.iv[iv] Este contexto nos
ajuda a entendermos a afirmação de Paulo, de que “as línguas são um sinal”.

Um sinal não deve ser considerado como um fim em si mesmo. Um sinal


aponta para algo. Um sinal serve como um indicador, apontando para algo de muito
maior valor. Um sinal pode indicar uma mudança de direção. Nesse sentido, as línguas
estrangeiras funcionam como um sinal, indicando que Deus está fazendo uma mudança.

E que mudança seria essa? Deus estava indicando que não mais um único
idioma a um único povo. Agora, através do dom de línguas no Pentecostes, Deus indica
que pretende falar a muitos povos em muitos idiomas. Ele falará em todos os idiomas
do mundo, a todos os povos da terra. Nesse sentido, as línguas significavam juízo para
Israel. Basta lermos as palavras de Jesus para entendermos isso: “Portanto, vos digo
que o reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que lhe produza os
respectivos frutos” (Mateus 21.43).
As línguas faladas nos dias de Pentecostes eram um sinal de maldição pactual
para Israel. Deus não os teria mais como povo exclusivo. “O cristianismo não era mais
uma religião exclusivamente ‘judaica’, a despeito de suas origens claramente
judaicas”.v[v]

Os pentecostais e os carismáticos ignoram esse propósito do dom de línguas.


Para eles, esse sinal diz respeito apenas ao “resultado negativo do abuso específico das
línguas (ou seja, seu uso sem interpretação na assembléia pública)”.vi[vi] Isso quer
dizer que, para os pentecostais, o termo “sinal” quer dizer algo negativo que acaba
espantando os incrédulos.

1.5. AS LÍNGUAS NO NOVO TESTAMENTO ERAM TEMPORÁRIAS

O quinto e último ponto do nosso estudo a respeito do dom de línguas diz


respeito à sua temporariedade. Isso quer dizer que, o dom como tal (idiomas
estrangeiros, possuindo conteúdo revelacional, para o uso público na igreja e como um
sinal), não mais existe. A teologia reformada é cessacionista, ou seja, ela afirma que os
dons revelacionais e miraculosos cessaram, não mais existem.

Deteremo-nos na questão do dom de línguas. Veremos alguns argumentos que


nos levam a crer que o dom apostólico não mais existe.

O primeiro argumento, está embutido na característica das línguas como sinal.


Quando passamos por um sinal indicador ele fica pra trás. Quando mudamos a direção
do nosso trajeto, o sinal que indicou a direção ficou para trás. Um sinal é de caráter
temporariamente limitado. “O viajante não apanha o sinal para levá-lo consigo. Uma
vez tenha-se completado a conversão, o sinal terá completado a sua utilidade”.vii[vii]
Uma vez que Deus já mudou a direção do tratamento para com o mundo, e não se
relaciona mais exclusivamente com Israel, não há mais nenhuma necessidade para o
sinal que foi empregado por Ele. Se o Evangelho hoje é pregado a praticamente todos os
idiomas, qual a necessidade do dom em nossos dias? Nenhuma!

Além disso, o apóstolo Paulo, corrigindo abusos existentes no uso dos dons,
deu outra razão para que os coríntios não dessem grande importância ao dom de línguas:
ele cessaria! Muitas pessoas ignoram a declaração do apóstolo Paulo em 1 Coríntios
13.8-10: “O amor jamais acaba; mas, havendo profecias, desaparecerão; havendo
línguas, cessarão; havendo ciência passará; porque em parte conhecemos e, em parte,
profetizamos. Quando, porém, vier o que é perfeito, então, o que é em parte será
aniquilado”. Percebam, irmãos, que já naqueles dias, Paulo aguardava o período em
que as línguas cessariam. A cessação das línguas era uma certeza. O verbo “cessarão”
(pau,sontai) está no modo indicativo, o que denota a certeza absoluta do seu
cumprimento. A grande pergunta é: quando as línguas deveriam cessar? Paulo nos
responde no versículo 10: “Quando, porém, vier o que é perfeito, então, o que é em
parte será aniquilado”. Quando o “perfeito” vier, esse é o tempo da cessação das
línguas. Mas, que “perfeito” é esse?

Algumas pessoas que o termo “perfeito” aqui se aplica a Jesus em seu retorno.
Esse entendimento é defendido pelos pentecostais e por alguns que são abertos a essas
manifestações. Para eles, o dom de línguas vai continuar até chegarmos ao céu.
Entretanto, como diz Samuel R. Davidson, o termo “perfeito” (te,leion) “naqueles
versículos, expressa claramente o sentido daquilo que é ‘completo’, sem faltar
nada”.viii[viii] Outra coisa que devemos entender é a referência que Paulo faz à visão
“face a face” (v. 12). Novamente, alguns pensam que temos uma referência à volta de
Jesus. No entanto, devemos entender que “face a face” está contrastando com o termo
“espelho”. Essa palavra tem um “sentido figurativo, e significa que quando ele escreveu
havia muitas coisas concernentes ao plano de Deus e à Igreja que ainda não tinham sido
claramente reveladas”.ix[ix] Além disso, os espelhos da época de Paulo não eram como
os nossos. “Devemos entender que um espelho no tempo de Paulo era um pedaço de
metal polido que muitas vezes era colocado deitado sobre uma mesa”.x[x]
Conseqüentemente, a imagem refletida não era perfeita. Assim sendo, com “face a
face”, Paulo está falando de um tempo quando chegaria uma revelação completa e exata
sobre a vontade de Deus para a sua Igreja.

Que revelação perfeita é essa, meus amados irmãos? Que revelação divina é
perfeita e completa? Que revelação divina é suficiente para guiar a Igreja do Senhor em
todas as coisas? A resposta é uma só: a perfeita, completa e suficiente Palavra de Deus,
a Bíblia Sagrada, o Cânon completo das Escrituras.

Quando o cânon foi completado com o último versículo do Apocalipse de João,


e quando o autor desse livro, o último dos apóstolos morreu, logicamente, a Igreja
passou a possuir a revelação perfeita de Deus, e a revelação parcial cessou. Tal
entendimento é confirmado pelo caráter das línguas. Vimos que as línguas eram
revelacionais. Então, a igreja não necessita mais da revelação que as línguas puderam
fornecer. A única coisa de que a Igreja e o mundo precisam hoje é a proclamação da
Palavra de Deus a nós legada desde os tempos de outrora. Não se necessita de nada
mais.

A História da Igreja também confirma isso. Com a morte de João, as línguas


cessaram. Percorremos toda a história e não ouvimos falar absolutamente nada sobre o
dom de línguas, com exceção de movimentos heréticos, como o Montanismo, por
exemplo. Nenhum dos pais da Igreja mencionou as línguas. Nenhum dos Reformadores.
Por que Deus faria o dom retornar 1800 anos depois? E só na ala pentecostal? Não
deveria ser em toda a cristandade?

· CONCLUSÃO
Concluímos nosso estudo sobre o dom de línguas. Pudemos verificar que o que
as Escrituras ensinam sobre esse dom é bem diferente, mas bem diferente mesmo, do
que é ensinado pelo pentecostalismo:
PENTECOSTALISMO ESCRITURAS
As línguas são um idioma celestial As línguas são dialetos ou idiomas
ou angelical. estrangeiros.
As línguas são uma forma de As línguas são uma forma de
comunicação com Deus: oração. comunicação de Deus: revelação.
As línguas devem ser usadas As línguas devem ser usadas
privativamente. publicamente.
As línguas não são um sinal de As línguas são um sinal de
maldição para Israel. maldição do Pacto.
As línguas ainda continuarão até o As línguas cessaram com o
retorno de Jesus Cristo. fechamento do Cânon bíblico.
As diferenças são perceptíveis, meus amados irmãos. O pentecostalismo e a
Bíblia não estão “falando a mesma língua”. Um dos dois tem de estar errado. Eu
acredito piamente que esse alguém não é a Bíblia, a perfeita e inerrante Palavra de
Deus. Pois bem, se não é a Bíblia a outra parte deve estar errada. Com certeza!
A grande pergunta é: DE QUE LADO VOCÊ VAI SE POSICIONAR? VAI
FICAR EM CIMA DO MURO? Não existe meia-verdade. Existe verdade completa e
mentira completa.
Que Deus nos abençoe!
Rev. Alan Rennê Alexandrino Lima
SDG!
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Postado por Alan Rennê às 13:20


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A PESSOA E A OBRA DO ESPÍRITO SANTO (O DOM DE LÍNGUAS NA


IGREJA APOSTÓLICA E HOJE) - 1ª PARTE

TEXTO (ATOS 2.1-11)

1. Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam reunidos no mesmo lugar; 2. de


repente, veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde
estavam assentados. 3. E apareceram, distribuídas entre eles, línguas, como de fogo, e
pousou uma sobre cada um deles. 4. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram
a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem. 5. Ora,
estavam habitando em Jerusalém judeus, homens piedosos, vindos de todas as nações
debaixo do céu. 6. Quando, pois, se fez ouvir aquela voz, afluiu a multidão, que se
possuiu de perplexidade, porquanto cada um os ouvia falar na sua própria língua. 7.
Estavam, pois, atônitos e se admiravam, dizendo: Vede! Não são, porventura, galileus
todos esses que aí estão falando? 8. E como os ouvimos falar, cada um em nossa própria
língua materna? 9. Somos partos, medos, elamitas e os naturais da Mesopotâmia,
Judéia, Capadócia, Ponto e Ásia, 10. da Frígia, da Panfília, do Egito e das regiões da
Líbia, nas imediações de Cirene, e romanos que aqui residem, 11. tanto judeus como
prosélitos, cretenses e arábios. Como os ouvimos falar em nossas próprias línguas as
grandezas de Deus?

· INTRODUÇÃO
Meus amados irmãos, na semana passada estudamos o que o Novo Testamento
ensina a respeito do Batismo com o Espírito Santo. Naquela oportunidade pudemos
concluir que o que nos é apresentado pela revelação apostólica do Novo Testamento é
diametralmente oposto àquilo que é afirmado pela teoria Pentecostal.
Vimos que os pentecostais se firmam, basicamente sobre quatro premissas: 1) o
batismo com o Espírito Santo é uma segunda experiência, um revestimento de poder
que o indivíduo recebe algum tempo depois da conversão; 2) nem todos os crentes são
batizados com o Espírito Santo; 3) para que o indivíduo receba esse batismo, ele deve
buscar, se esvaziar, orar incessantemente; e 4) a evidência inicial do batismo pentecostal
é o falar em línguas, ou seja, só é batizado com o Espírito Santo aquele que fala em
outras línguas.
Em seguida, através de um exame detalhado do que o Novo Testamento nos
diz, vimos que a teoria pentecostal carece de fundamento bíblico. Vimos que o agente
ou executor desse batismo é o próprio Senhor Jesus Cristo, o Espírito Santo é o
instrumento do batismo efetuado pelo Senhor Jesus Cristo. Além disso, o pensamento
de que o indivíduo deve buscar o batismo é antibíblico, pois o batismo com o Espírito
Santo teve o seu cumprimento histórico inaugural por ocasião de Pentecostes, como
pudemos observar. Por fim, vimos que o batismo com o Espírito não é algo reservado
apenas para um grupo especial dentro da Igreja de Cristo. Pelo contrário, todos os
crentes, por ocasião da sua regeneração, justificação e conversão recebem o batismo
com o Espírito Santo. A idéia de que existe um grupo dentro da igreja que é detentor
dessa bênção traz danos enormes para a obra, visto que a mentalidade de dois grupos
(nós-eles) pode levar ao ciúme, orgulho e divisão. Fica no ar a noção de certa
superioridade espiritual experimentada apenas por um grupo de privilegiados.
Resta-nos tratarmos do famigerado dom de línguas. Ele ainda existe? Qual a
sua função? De que natureza é o dom de línguas? São línguas dos anjos, como afirmam
os pentecostais? Devemos desejar falar em línguas? E o que dizer daquelas pessoas que
afirmam falar em línguas? Isso é importante, meus queridos irmãos, dado o fato de que
a teoria pentecostal considera este como um dos dons mais importantes, dando-lhe
muita ênfase. Por exemplo, a Constituição do Conselho Geral das Assembléias de Deus
afirma o seguinte: “O batismo dos crentes no Espírito Santo é atestado pelo sinal físico
inicial do falar em outras línguas conquanto o Espírito de Deus lhes forneça
expressão”.xi[i]
· TEMA: O DOM DE LÍNGUAS NA IGREJA APOSTÓLICA E HOJE
I – A NATUREZA DO DOM DE LÍNGUAS
1.1. AS LÍNGUAS NO NOVO TESTAMENTO ERAM IDIOMAS
ESTRANGEIROS
A primeira coisa que precisamos considerar é a natureza do dom de línguas.
Que línguas eram essas? Os pentecostais insistem que as línguas se referem a um tipo
de idioma celestial, ou a língua dos anjos. Eles baseiam sua teoria na passagem de 1
Coríntios 13.1: “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver
amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine”. Existem dois
problemas com a fundamentação pentecostal: 1) Paulo não está afirmando que fala as
línguas dos homens e dos anjos. Tanto em português como em grego o modo subjuntivo
expressa incerteza e dúvida. O apóstolo está apenas fazendo uso de uma conjetura ou
suposição. Simon Kistemaker afirma que, “não sabemos que linguagem sobrenatural os
anjos falam”.xii[ii] De opinião semelhante é o Dr. Sinclair Ferguson, quando afirma
que, “é possível que ‘línguas dos anjos’ expresse uma pretensão dos coríntios, e não um
conceito apostólico”xiii[iii], ou seja, os coríntios agiam de forma irrefletida como os
pentecostais a respeito do dom em questão. John MacArthur Jr., por sua vez, diz que
Paulo “estava usando uma hipérbole – um exagero – a fim de ressaltar um fato”xiv[iv];
e 2) em toda a Bíblia, sempre que os anjos aparecem falando, eles se comunicam com as
pessoas em termos humanos (Gênesis 16.9-11; Números 22.32, 35; 1 Reis 13.18; 19.5,
7; Isaías 6.3; Zacarias 1.12-19; Mateus 1.20; 2.13, 19-20; 28.5; Lucas 1.11-13; Atos
1.10, 11). Percebam, que a fundamentação pentecostal é insustentável. Então, nossa
primeira obrigação é tirarmos de nossa cabeça a possibilidade de que o “moderno dom
de línguas” seja a elocução de idiomas angelicais.
Feito isso, precisamos observar, com base apenas na Bíblia, qual a verdadeira
natureza do dom apostólico de línguas.

Em Atos 2, nós encontramos verdades preciosas a esse respeito: “Todos


ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o
Espírito lhes concedia que falassem... E como os ouvimos falar, cada um em nossa
própria língua materna?... tanto judeus como prosélitos, cretenses e arábios. Como os
ouvimos falar em nossas próprias línguas as grandezas de Deus?” (vv. 4, 8, 11). Nestes
versículos, duas palavras intercambiáveis são usadas para traduzir “línguas”: glw,ssaij e
dia,lektoj. A palavra glw,ssaij diz respeito a “língua, discurso, conversa, idioma,
linguagem, linguagem não familiar, nação, definida por sua linguagem ou idioma”.1[v]
Simon Kistemaker diz que, “a palavra língua equivale ao conceito de idioma
falado”.1[vi] Já o termo dia,lektoj significa “discurso, maneira de falar, linguagem
peculiar de uma nação, dialeto, idioma vernáculo”.1[vii] Novamente, o comentário de
Kistemaker sobre o termo dia,lektoj é muito interessante:
A língua é o veículo de comunicação que, para cada pessoa, é a sua
língua materna. Quando os estrangeiros residentes em Jerusalém ouvem
o idioma que aprenderam no país onde nasceram e foram criados, eles
ficam completamente pasmos. As barreiras lingüísticas que embaraçam
a comunicação eficaz são removidas quando o Espírito Santo capacita
os crentes a transmitirem a revelação de Deus em vários
idiomas.xv[viii]
As línguas faladas no dia de Pentecostes eram idiomas humanos estrangeiros.
Não eram idiomas angelicais, nem expressões estáticas sem sentido. “Naqueles tempos
aqueles que recebiam o dom falaram em idiomas que nunca aprenderam e que eram
entendidos por aqueles que os ouviam”.xvi[ix] Podemos identificar alguma dessas
línguas ou idiomas? algumas nós podemos, como por exemplo, o egípcio, o caldeu ou
babilônico (Mesopotâmia), o líbio, latim. “Eles até mesmo falavam diferentes dialetos
da mesma língua (os frígios e panfílios falavam diferentes dialetos do grego)”.xvii[x]
Para sustentar a tese das línguas angelicais, os pentecostais não podem recorrer
a 1 Coríntios 13.1. Então, como eles fazem? Ouçamos um defensor falar:
Embora possa estar empregando hipérbole, é igualmente provável que
[Paulo] esteja se referindo a dialetos celestiais ou angelicais que o
Espírito Santo os capacita a falar... cita evidências de fontes judaicas
antigas, segundo as quais se acreditava que os anjos tivessem idioma
próprio ou dialetos celestiais e que, por meio do Espírito, seria possível
falar com eles.xviii[xi]
Percebam, meus queridos, a que ponto eles precisam chegar para fundamentar
sua tese. Eles se baseiam em “fontes judaicas antigas”. Isso é equivalente a material
extra-bíblico! Eles não fundamentam sua teoria e prática nas Escrituras canônicas, mas
sim, em material apócrifo. Uma dessas “fontes judaicas antigas” é o Testamento de Jó,
no capítulo 48.3, uma das filhas de Jó, Hemera (comparar com Jó 42.14. Seria esse o
nome de uma das filhas de Jó que morreu?), fala num dialeto angelical.xix[xii] Irmãos,
desde quando devemos basear aquilo em que cremos e aquilo que fazemos em nossa
caminhada cristã naquilo que livros apócrifos afirmam? Alguns apócrifos ensinam a
rezar pelos mortos. Deveríamos começar a rezar pelos mortos? De maneira nenhuma!
A teoria pentecostal fica mais fragilizada ainda, quando observamos que a
natureza do dom de línguas exercido em Corinto é a mesma de Atos dos Apóstolos: “a
outro, operações de milagres; a outro, profecia; a outro, discernimento de espíritos; a
um, variedade de línguas; e a outro, capacidade para interpretá-las” (1 Coríntios
12.10). Observem o nome do dom dado pelo apóstolo Paulo: variedade de línguas. O
nome do dom aponta para a natureza do dom. Precisamos observar três coisas nesse
versículo: 1) novamente, a palavra usada para “línguas” é glw/ssa, referente a idiomas;
2) existe uma distinção entre as línguas. O termo “variedade” é ge,nh, que significa
“espécies, variedade, gêneros”1[xiii], ou “identidade comum como uma raça de grupo
étnica, espécies distintivas de algo, classe”.1[xiv] “As línguas eram distintas porque
eram idiomas falados que podiam ser diferenciados”1[xv]. Comentando o termo ge,nh,
o Dr. Brian Schwertley afirma o seguinte: “Existem várias famílias de línguas no mundo
– semítica, eslava, latina, etc. todas elas têm uma coisa em comum, elas possuem um
vocabulário definido e construção gramatical”1[xvi]. Então, queridos irmãos, “Paulo
certamente não podia ter misturado línguas estrangeiras conhecidas com expressões
desconhecidas e estáticas colocando-as sob uma mesma classificação. Elas
simplesmente não têm nenhuma relação entre si”1[xvii]; e 3) no texto grego aparece
uma palavra que não foi transposta para a nossa versão: e`te,rw, que significa
“diferentes”. Assim sendo, literalmente, o versículo 10 de 1 Coríntios 12 diz o seguinte:
“a outro, operações de milagres; a outro, profecia; a outro, discernimento de espíritos;
a um, diferentes variedades de línguas; e a outro, capacidade para interpretá-las”.
Outra tentativa dos pentecostais de configurar as línguas como línguas
angelicais ou celestiais pode ser percebida na tradução adotada pelas igrejas
pentecostais, a Almeida Revista e Corrigida. Esta versão acrescenta uma palavra no
capítulo 14 de 1 Coríntios que, simplesmente não existe no original grego, muito menos
aparece em outras traduções. Observem o seguinte esquema:
PASSAGEM ACF ARA ARC
1 Coríntios 14.5 E eu quero que Eu quisera que E eu quero que
todos vós faleis todos vós todos vós faleis
em línguas, mas falásseis em línguas
muito mais que outras línguas; estranhas; mas
profetizeis; muito mais, muito mais que
porque o que porém, que profetizeis,
profetiza é maior profetizásseis; porque o que
do que o que pois quem profetiza é maior
fala em línguas, profetiza é do que o que fala
a não ser que superior ao que em línguas
também fala em outras estranhas, a não
interprete para línguas, salvo ser que também
que a igreja se as interprete, para
receba interpretar, que a igreja
edificação. para que a receba edificação.
igreja receba
edificação.
1 Coríntios 14.6 E agora, irmãos, Agora, porém, E, agora, irmãos,
se eu for ter irmãos, se eu se eu for ter
convosco for ter convosco falando
falando em convosco em línguas
línguas, que vos falando em estranhas, que
aproveitaria, se outras línguas, vos aproveitaria,
não vos falasse em que vos se vos não falasse
ou por meio da aproveitarei, se ou por meio da
revelação, ou da vos não falar revelação, ou da
ciência, ou da por meio de ciência, ou da
profecia, ou da revelação, ou profecia, ou da
doutrina? de ciência, ou doutrina?
de profecia, ou
de doutrina?
1 Coríntios Se, pois, toda a Se, pois, toda a Se, pois, toda a
14.23 igreja se igreja se reunir igreja se
congregar num no mesmo congregar num
lugar, e todos lugar, e todos lugar, e todos
falarem em se puserem a falarem línguas
línguas, e falar em outras estranhas, e
entrarem línguas, no entrarem indoutos
indoutos ou caso de ou infiéis, não
infiéis, não dirão entrarem dirão, porventura,
porventura que indoutos ou que estais loucos?
estais loucos? incrédulos, não
dirão,
porventura,
que estais
loucos?
Percebam, que há um acréscimo ao texto bíblico. Em todas as outras versões
“não encontramos a expressão “línguas estranhas”, o que sugere uma tradução não tão
feliz”.xx[xviii]
Existe outro argumento que vá de encontro à suposição pentecostal/carismática
de que o dom de língua faz referência a línguas dos anjos? Existe sim. Outro texto que
vai de encontro à posição pentecostal é 1 Coríntios 14.21, 22: “Na lei está escrito:
Falarei a este povo por homens de outras línguas e por lábios de outros povos, e nem
assim me ouvirão, diz o Senhor. De sorte que as línguas constituem um sinal não para
os crentes, mas para os incrédulos; mas a profecia não é para os incrédulos, e sim para
os que crêem”. Este texto, irmãos, é uma referência a Isaías 28.11: “Pelo que por lábios
gaguejantes e por língua estranha falará o SENHOR a este povo”. Esta é uma palavra
de juízo que Deus trouxe sobre os judeus impenitentes na época do Antigo Testamento.
Aqui o termo “língua” refere-se a uma língua real, um idioma estrangeiro. Em Isaías
temos uma promessa sobre a chegada dos assírios, cuja língua os judeus, naturalmente,
não entenderiam. Precisamos entender o pano de fundo histórico de Isaías 28.7-13. Aqui
Isaías está sendo ridicularizado por sacerdotes e profetas que viviam embriagados e
zombando de Isaías. O profeta Isaías afirma que a resposta infantil do povo
(desmamados e os que foram afastados dos seios maternos) ofende a Deus. Como “não
quiseram ouvir” (v. 12), “então Deus lhes falaria como se estivessem ainda aprendendo
a falar por meio de rimas infantis”.xxi[xix] Era apenas: “preceito sobre preceito,
preceito e mais preceito; regra sobre regra, regra e mais regra” (28.10, 13). A
fraseologia em hebraico é muito interessante, bem mais interessante que em português:
“wq"+l' wq:å wq"ßl' wq:ï wc'êl' wc;ä ‘wc'l' wc;Û” (sav lasav sav lasav kav lakav kav
lakav). A simplicidade destas palavras em hebraico é notória. Os judeus “desprezavam
Isaías, que foi a eles com a Palavra de Deus expressa em hebraico simples e claro.
Agora Deus lhes viria com forças armadas assírias, cujos soldados lhes falariam em
língua estrangeira”.xxii[xx]
Nosso argumento de que o termo “línguas” se refere a idiomas estrangeiros é
apoiado ainda pela palavra grega utilizada por Paulo quando ele diz que “línguas”
devem ser interpretadas: “a outro, operações de milagres; a outro, profecia; a outro,
discernimento de espíritos; a um, variedade de línguas; e a outro, capacidade para
interpretá-las” (1 Coríntios 12.10); “Que fazer, pois, irmãos? Quando vos reunis, um
tem salmo, outro, doutrina, este traz revelação, aquele, outra língua, e ainda outro
interpretação. Seja tudo feito para edificação... Mas, não havendo intérprete, fique
calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus” (1 Coríntios 14.26, 28). A
palavra para “interpretação” é e`rmhnei,a. “Quando a palavra hermeneuo não é
utilizada para descrever a exposição das Escrituras, ela simplesmente significa ‘traduzir
o que foi falado ou escrito em uma língua estrangeira”.1[xxi] Friberg nos dá um bom
significado desse termo: “interpretação, explanação, tradução; como um dom do
Espírito, a habilidade de tornar palavras inteligíveis, que de outro modo, não seriam
entendidas”.1[xxii] Outro léxico explica o significado de e`rmhneu,w como segue:
“Traduzir no vernáculo o que foi falado ou escrito em uma língua estrangeira”.1[xxiii]
Por esse prisma, meus queridos irmãos, um intérprete é alguém que traduz um idioma
estrangeiro para um outro compreensível à audiência presente.1[xxiv] “O dom da
interpretação (e`rmhnei,a) era um dom empregado para traduzir construções sintáticas
de um outro idioma não conhecido pela assembléia”.xxiii[xxv] Palmer Robertson diz
que, “as línguas de 1 Coríntios 14 eram traduzíveis, o que se sugere que eram idiomas
estrangeiros”.xxiv[xxvi]
1.2. AS LÍNGUAS NO NOVO TESTAMENTO ERAM REVELACIONAIS
Continuando o nosso estudo sobre o dom de línguas, chegamos num ponto
muito importante para o nosso entendimento sobre o mesmo. Já vimos que, as línguas
faladas no período apostólico eram idiomas ou dialetos humanos e estrangeiros. Não se
tratavam de línguas celestiais ou angelicais. Esse pensamento é pura ficção pentecostal!
Várias razões foram dadas para isso: 1) o fenômeno no dia de Pentecostes; 2) o nome
que o dom recebe em 1 Coríntios 12: “variedades de línguas”; 3) a necessidade de
tradução, o que pressupõe vocabulário e sintaxe; e 4) a aplicação paulina de profecias a
respeito de nações de línguas diferentes que viriam contra Israel.
Precisamos avançar no nosso estudo a respeito da glossolalia. Precisamos
analisar mais um ponto importante sobre a natureza desse dom apostólico. O nosso foco,
agora, concentra-se na afirmação pentecostal de que, quem fala em línguas ora em
línguas estranhas, ou seja, os pentecostais asseveram que as línguas são uma forma de
oração muito íntima, que se dá entre a pessoa e Deus. Segundo esse pensamento, “falar
em línguas é principalmente um discurso dirigido a Deus (ou seja, oração ou
louvor)”.xxv[xxvii] Os pentecostais baseiam esse pensamento em alguns versículos do
capítulo 14 de 1 Coríntios: “Pois quem fala em outra língua não fala a homens, senão a
Deus, visto que ninguém o entende, e em espírito fala mistérios” (v. 2); “O que fala em
outra língua a si mesmo se edifica, mas o que profetiza edifica a igreja” (v. 4); “Mas,
não havendo intérprete, fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus” (v.
28). Com base nestes versículos os pentecostais afirmam que o falar em línguas é uma
espécie de oração e louvor a Deus.
A teologia reformada, ao contrário do pentecostalismo, crê que o dom de
línguas não possuía a função de servir como uma forma de oração entre o indivíduo e
Deus. Cremos que o dom de línguas era de natureza revelacional, possuindo a função de
comunicar a vontade do Senhor para a sua igreja apostólica que ainda não possuía o
cânon perfeito das Escrituras. Dividiremos a nossa análise em duas partes: 1)
analisaremos os textos usados pelos carismáticos; e 2) estabeleceremos o verdadeiro
conceito das línguas.
1.2.1. Demolindo o argumento pentecostal
Será que as passagens usadas realmente dão o suporte esperado pelos
defensores da contemporaneidade dos dons? Primeiramente, observemos o versículo 2
de 1 Coríntios 14: “Pois quem fala em outra língua não fala a homens, senão a Deus,
visto que ninguém o entende, e em espírito fala mistérios” (o` ga.r lalw/n glw,ssh| ouvk
avnqrw,poij lalei/ avlla. qew/|\ ouvdei.j ga.r avkou,ei( pneu,mati de. lalei/
musth,ria\). A primeira coisa que precisamos ter em mente é que, nesse capítulo de 1
Coríntios o apóstolo Paulo está corrigindo abusos que estavam acontecendo durante os
cultos na igreja de Corinto. Então, irmãos, lembrem-se, aqui Paulo não está nem
elogiando nem endossando a prática dos coríntios. Esse capítulo chega mais a uma
repreensão do que qual quer outra coisa. No verso 2, o apóstolo Paulo está afirmando a
conseqüência da preferência injustificada e do mau uso do dom de línguas no seio da
igreja. Ele não está afirmando o que o dom é em si mesmo. Muito pelo contrário, o
apóstolo está mostrando o que acontece quando o dom é exercido de forma errada. O
que, então, acontece? A igreja não é edificada. Isso é tão tal, que Paulo inicia o capítulo
14 com essa preocupação em mente. Ele inicia falando sobre dois dons de comunicação
da vontade de Deus: “Segui o amor e procurai, com zelo, os dons espirituais, mas
principalmente que profetizeis” (v. 1). Observem, que ele se dirige a toda a igreja
enquanto corpo congregacional: os verbos “segui”, “procurai” e “profetizeis” todos
estão na 2ª pessoa do plural. Então, ele não tem apenas um indivíduo em mente, mas
sim toda a igreja, todo aquele ajuntamento, o qual ele denominou de “Corpo”. Por que a
igreja deveria se preocupar em profetizar? Eis a resposta no versículo 2: “Pois quem
fala em outra língua não fala a homens, senão a Deus, visto que ninguém o entende, e
em espírito fala mistérios”. Em outras palavras, que fala em línguas sozinho, não
contribui para a edificação do Corpo, pois não comunica a homens.xxvi[xxviii] O dom
de línguas sem interpretação não edifica a igreja, pois atrapalha a comunicação.
Mas, como isso interfere no entendimento de que é oração dirigida a Deus? O
verso diz que quem fala em línguas, fala a Deus. Como entender isso, sem chegarmos à
conclusão de que se trata de oração? Pergunto: se eu falasse aqui em línguas da mesma
forma como acontecia no período apostólico, vocês entenderiam? E Deus, será que
entenderia? É óbvio! É exatamente isso que o apóstolo Paulo está afirmando! O Dr.
Simon Kistemaker afirma: “Embora Deus conheça cada palavra dita, seu povo é incapaz
de compreender essas palavras e, portanto, não é edificado”.xxvii[xxix] Calvino é de
opinião semelhante quando afirma: “A razão porque ‘ele não fala a homens’ é que
‘ninguém entende’, ou seja, as palavras não podem ser distinguidas. Pois os ouvintes
ouvem um som, porém não entendem o sentido da linguagem”.xxviii[xxx]
Outra verdade interessante reside no termo “mistério” (musth,rion), utilizado
no versículo 2. Algumas pessoas “argumentam que o termo mistério é empregado para
referir-se ao fato das línguas não serem compreendidas, tornando-se, assim, ‘um
mistério’”.xxix[xxxi] Entretanto, devemos perceber que o apóstolo Paulo não afirma
“falar em mistério”, e sim “falar mistério”, “o que pode ser muito bem entendido à luz
de Atos 2.11, como ‘falar as grandezas de Deus’ que estavam ocultas”.xxx[xxxii] Esta
palavra “inclui a idéia de comunicação da revelação divina”.xxxi[xxxiii] O Dr. Palmer
Robertson faz uma análise interessante do termo musth,rion:
Como já foi observado, um ‘mistério’, no Novo Testamento, é uma
verdade sobre o método divino de efetuar a redenção que outrora esteve
oculta, mas agora foi revelada. Em sua própria essência, um ‘mistério’,
no Novo Testamento, é um fenômeno revelacional.xxxii[xxxiv]
O termo musth,rion ocorre cerca de vinte e oito vezes no Novo Testamento.
Vejamos algumas passagens que confirmam o nosso entendimento sobre o termo
musth,rion:
“Ao que respondeu: Porque a vós outros é dado conhecer os mistérios do
reino dos céus, mas àqueles não lhes é isso concedido” (Mateus 13.11). Os mistérios
aqui não são mais ocultos dos discípulos de Jesus. Agora se tratam de verdades
reveladas, não ocultas.
“Porque não quero, irmãos, que ignoreis este mistério (para que não sejais
presumidos em vós mesmos): que veio endurecimento em parte a Israel, até que haja
entrado a plenitude dos gentios” (Romanos 11.25). O mistério acerca de Israel não mais
seria uma matéria de ignorância, pois ele foi revelado.
“Ora, àquele que é poderoso para vos confirmar segundo o meu evangelho e a
pregação de Jesus Cristo, conforme a revelação do mistério guardado em silêncio nos
tempos eternos, e que, agora, se tornou manifesto e foi dado a conhecer por meio das
Escrituras proféticas, segundo o mandamento do Deus eterno, para a obediência por fé,
entre todas as nações” (Romanos 16.25, 26). Aqui o apóstolo afirma que pode pregar
com confiança, porque o mistério do evangelho agora se revelou.
“Ora, me regozijo nos meus sofrimentos por vós; e preencho o que resta das
aflições de Cristo, na minha carne, a favor do seu corpo, que é a igreja; da qual me
tornei ministro de acordo com a dispensação da parte de Deus, que me foi confiada a
vosso favor, para dar pleno cumprimento à palavra de Deus: o mistério que estivera
oculto dos séculos e das gerações; agora, todavia, se manifestou aos seus santos; aos
quais Deus quis dar a conhecer qual seja a riqueza da glória deste mistério entre os
gentios, isto é, Cristo em vós, a esperança da glória” (Colossenses 1.24-27). Mais uma
vez o mistério está associado à revelação do evangelho de Jesus Cristo (cf. Colossenses
4.3).
Então, percebam como o uso do termo musth,rion não dá nenhum suporte para
a teoria pentecostal do falar em línguas como uma oração dirigida a Deus.
Sobre o versículo 4 de 1 Coríntios 14, não é preciso muito argumento exegético
para mostrar que não está tratando as línguas como orações. Para entendermos o sentido
do versículo, basta ler o verso 5: “O que fala em outra língua a si mesmo se edifica, mas
o que profetiza edifica a igreja. Eu quisera que vós todos falásseis em outras línguas;
muito mais, porém, que profetizásseis; pois que profetiza é superior ao que fala em
outras línguas, salvo se as interpretar, para que a igreja receba edificação”. De acordo
com Paulo no verso 5, as línguas interpretadas são equivalentes à profecia. Podemos
estabelecer o nosso argumento por meio de um silogismo:
PREMISSA MAIOR: O dom de línguas quando interpretado é equivalente à
profecia;
PREMISSA MENOR: Profecia é diferente de oração.
CONCLUSÃO: Portanto, o dom de línguas é diferente de oração.
Se o apostolo Paulo quisesse ensinar que as línguas são uma forma de se dirigir
a Deus em oração, ele não teria utilizado “fala em outra língua” (lalw/n glw,ssh), e sim
“ora em outra língua”. Mas somente num único lugar do Novo Testamento o verbo
“orar” (proseu,comai) se encontra associado ao dom de línguas: “Porque, se eu orar
em outra língua, o meu espírito ora de fato, mas a minha mente fica infrutífera” (v. 14).
Percebam que, aqui a palavra “se” (eva,n) deixa claro que o apóstolo está, mais uma
vez, fazendo apenas uma suposição. Ele não está tratando de um fato estabelecido. Além
disso, é límpida a percepção que aqui ele favorece a oração numa língua conhecida ou
vernacular. O Dr. Anthony Hoekema faz a seguinte afirmação: “a interpretação mais
provável do versículo 15 não é que Paulo favoreça o orar em línguas no culto da igreja,
mas que favoreça o orar em uma língua conhecida, a fim de que seu espírito e sua mente
estejam ativos”.xxxiii[xxxv]
Podemos concluir, então, que mais uma vez, o argumento pentecostal sobre o
dom de línguas é falacioso, falso e antibíblico.
1.2.2. A verdadeira natureza do dom de línguas
O entendimento bíblico-reformado a respeito do dom de línguas, é que esse
dom era revelacional, ou seja, o conteúdo não se dirigia do indivíduo para Deus, mas
sim de Deus para a igreja pela instrumentalidade de um indivíduo. Como podemos
entender isso? Várias passagens do Novo Testamento confirmam isso:
“Todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas,
segundo o Espírito lhes concedia que falassem” (Atos 2.4). Observem a expressão
“segundo o Espírito lhes concedia que falassem” (kaqw.j to. pneu/ma evdi,dou
avpofqe,ggesqai auvtoi/j). O verbo utilizado para “falassem” é o verbo grego
avpofqe,ggomai. É um verbo diferente para o empregado na cláusula “e passaram a
falar em outras línguas” (kai. h;rxanto lalei/n e`te,raij glw,ssaij). Aqui, o verbo para
“falar” é lale,w. O significado do uso de avpofqe,ggomai é que ele é empregado para a
fala produzida pelo Espírito Santo, e até onde sabemos, fala inspirada pelo Espírito
Santo de Deus é fala inspirada:
Com este termo, Lucas deu total ênfase na idéia de que línguas consistia
na ‘fala do Espírito’... Esta expressão é correlata das afirmações
proféticas do Antigo Testamento ‘Assim diz o Senhor’. Dessa forma,
línguas consiste numa manifestação profética na qual Deus fala ao
homem.xxxiv[xxxvi]
Por sua vez, o verbo lale,w, se refere à capacidade natural de falar.
“tanto judeus como prosélitos, cretenses e arábios. Como os ouvimos falar em
nossas próprias línguas as grandezas de Deus” (Atos 2.11). O fenômeno da glossolalia
no dia de Pentecostes teve como propósito a pregação das “grandezas de Deus” a
pessoas de diferentes nações, etnias, idiomas e dialetos: partos, medos, elamitas,
mesopotâmios, judeus, capadócios, pontenses, asiáticos, frígios, panfílios, egípcios,
líbios, cirineus, romanos, cretenses e arábios. Todas estas etnias ouviram a pregação das
“grandezas de Deus” em suas próprias línguas maternas. Diz o Dr. Kistemaker,
Os crentes cheios do Espírito Santo proclamam os milagres realizados
por Deus. Presumimos que eles declaram especialmente as maravilhas
relacionadas à ressurreição e ascensão de Jesus. Lucas diz que os judeus
piedosos residentes em Jerusalém ou os que estão em visita à cidade
ouvem acerca dessas maravilhas em suas línguas maternas.xxxv[xxxvii]
A passagem de 1 Coríntios também é decisiva nessa questão. Mais uma vez, o
caráter revelacional do dom de línguas se faz evidente aqui. Voltemos a 1 Coríntios
14.4, 5: “O que fala em outra língua a si mesmo se edifica, mas o que profetiza edifica
a igreja. Eu quisera que vós todos falásseis em outras línguas; muito mais, porém, que
profetizásseis; pois que profetiza é superior ao que fala em outras línguas, salvo se as
interpretar, para que a igreja receba edificação”. Lembremos, que as línguas
interpretadas são equivalentes à profecia. Com isso em mente, se a profecia tem caráter
revelacional, por que seria diferente com as línguas? O exegeta da Reforma, João
Calvino, comentando o versículo 5, diz que no exercício do dom de línguas, “se a
interpretação for adicionada, então teremos profecia”.xxxvi[xxxviii] Esta é a mesma
interpretação de Gordon Lyons: “Se uma pessoa quem fala em uma língua pode
interpretar o que diz, então, pode trazer uma mensagem da parte de Deus para a igreja
naquela língua, desde que, traduzida corretamente”.xxxvii[xxxix]
O termo “edificação” (oivkodomh,) no versículo 5 é muito importante. Este
termo “só é empregado quando alguma coisa é acrescentada à mente... As línguas,
portanto, deveriam edificar, ou seja, trazer conteúdo inteligível à mente”.xxxviii[xl] Em
outras palavras, a função das línguas, quando interpretadas é edificar, ou seja,
acrescentar conteúdo na igreja de Deus.
No versículo 16, Paulo mostra o real conteúdo das línguas: “Agora, porém, irmãos, se
eu for ter convosco falando em outras línguas, em que vos aproveitarei, se vos não falar
por meio de revelação, ou de ciência, ou de profecia, ou de doutrina?”. Paulo mostra
que as línguas são um dom doutrinário, e que, por meio dele, a igreja deveria receber o
mesmo conteúdo de profecia, revelação, conhecimento e ensino. “sendo assim, as
línguas eram um dom que trazia acréscimo teológico à igreja quanto à doutrina da Nova
Aliança”.xxxix[i] Se a utilidade do dom aparece quando, por meio dele, a igreja é
doutrinada e ensinada, isso mostra, indubitavelmente, que o propósito do dom de
línguas era o de revelar a vontade de Deus.

i[i] O. Palmer Robertson, A Palavra Final: Resposta Bíblica à Questão das Línguas e
Profecias Hoje, 43.

ii[ii] Simon Kistemaker, Comentário do Novo Testamento: 1 Coríntios, (São Paulo:


Cultura Cristã, 2004), 627.

iii[iii] Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo, (São Paulo: Os Puritanos, 2000), 293.

iv[iv] John F. MacArthur Jr., Os Carismáticos, (São José dos Campos: Fiel, 2000), 156.

v[v] Harold K. Moulton, Léxico Grego Analítico, (São Paulo: Cultura Cristã, 2008), 86.

vi[vi] Simon Kistemaker, Comentário do Novo Testamento: Atos, Vol. 1, (São Paulo:
Cultura Cristã, 2006), 111.

vii[vii] O. Palmer Robertson, A Palavra Final: Resposta Bíblica à Questão das Línguas
e Profecias Hoje, 54.

viii[viii] Samuel R. Davidson, Dom de Línguas, pág. 4. Artigo extraído do site


http://www.monergismo.com. Sem data de acesso.
ix[ix] Ibid.

x[x] Simon Kistemaker, Comentário do Novo Testamento: 1 Coríntios, 650.

xi[i] Ibid.
xxxix[i] Citado em Brian Schwertley, Os Carismáticos e as Novas Revelações do
Espírito, (São Paulo: Os Puritanos, 2000), 23.

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