Jardim 2022
Jardim 2022
Jardim 2022
Orientadora:
Doutora Margarida Lima Rego, Professora Associada e Subdiretora da Nova School of
Law
Março, 2022
Maria Carlota Beno Jardim
Orientadora:
Doutora Margarida Lima Rego, Professora Associada e Subdiretora da Nova School of
Law
Março, 2022
Declaração Antiplágio
Declaro por minha honra que o trabalho que apresento é original e que todas as minhas
citações estão corretamente identificadas. Tenho consciência de que a utilização de
elementos alheios não identificados constitui uma grave falta de ética e disciplinar.
4
Agradecimentos
Chegando ao fim desta fase, não poderia deixar de fazer especial referência a todos
aqueles que, de forma direta ou indireta, me ajudaram neste percurso através das palavras
de força, de carinho e de amor. Obrigada, do fundo do coração.
5
Convenções e Advertências
6
Resumo
7
Abstract
8
Introdução
Por outra via, o contrato de doação, regulado nos artigos 940.º e seguintes do
Código Civil, fundamenta a sua existência jurídica na hipótese de um indivíduo, por
espírito de liberalidade, dispor gratuitamente de um direito ou assumir uma obrigação,
em benefício do outro contraente. Reconduzem-se, portanto, a três os requisitos
necessários para a efetivação do respetivo contrato: o enriquecimento patrimonial do
donatário; a perda patrimonial do doador (que reflete o caráter gratuito do negócio
jurídico) e o seu espírito de liberalidade.
Como adiante veremos, a resposta é positiva. Por esta via, e concluindo pela sua
admissibilidade, importa avaliar os contornos jurídicos que lhe estão adjacentes.
Referimo-nos essencialmente aos pilares normalmente ligados ao contrato preliminar em
estudo que variam consoante o contrato prometido, sendo a sua reflexão fundamental para
assegurar um correto entendimento e chegar a conclusões firmadas sobre o tema em
estudo.
9
não, quais as consequências práticas de um incumprimento do contrato-promessa de
doação? Estará desprovido de utilidade? Será de admitir um nascimento de um direito a
uma indemnização na esfera jurídica do promitente não faltoso?
Não se olvide da sua relevância prática pois a verdade é que este tem sido um tema
presente nos Tribunais, demonstrando ser um problema real dos indivíduos. No nosso
quotidiano são diversos os negócios jurídicos que levamos a cabo, muitas vezes sem a
devida atenção sobre o seu alinhamento com as disposições legais aplicáveis. Neste leque
integra-se o contrato-promessa de doação, que permite às partes, mormente ao promitente
donatário, atestar que o objeto da doação vai garantidamente surgir na sua esfera jurídica.
Diversas vezes, ainda não se demonstra possível a conclusão do contrato prometido, seja
por a intenção de doar o direito existir, mas o doador ainda não estar totalmente
predisposto à conclusão do contrato, seja, por exemplo, na doação do direito de
propriedade, por o bem em questão ainda não se encontrar totalmente pronto ou por se
fazer depender a doação de um certo acontecimento.
Além da riqueza teórica supra descrita, refletindo uma questão sem resposta e de
alguma profundidade jurídica, afigura-se necessário consolidar num só espaço todas as
conclusões que se vem retirando sobre o tema. Desta forma, o leitor conseguirá realizar
10
um comparativo entre aqueles que aceitam o instituto e os que não o aceitam, e, por esta
via, retirar as suas próprias considerações. Por outro lado, e apesar de já existir matéria
sobre a admissibilidade do contrato, a realidade é que se deixa de parte as conclusões
sobre as suas características, aplicabilidade dos mecanismos do contrato-promessa em
geral e as consequências do seu incumprimento. Por esta via, incorpora-se numa única
dissertação todas estas reflexões.
11
Por fim, debateremos as consequências jurídicas do incumprimento do contrato-
promessa de doação e o que poderá ser feito pelo interessado, na prática, para se ver
ressarcido de eventuais prejuízos causados pela falta da contraparte. Aqui avaliaremos os
institutos que, geralmente, são aplicáveis ao contrato-promessa, mas que, como veremos,
não terão a sua aplicabilidade ao objeto de estudo da presente dissertação, devido aos seus
contornos que ficaram estabelecidos nos capítulos anteriores. Este capítulo é fundamental
para entender a relevância teórico-prática da celebração de um contrato-promessa de
doação, essencialmente pela exposição dos desfechos jurídicos que poderão ocorrer
aquando de um incumprimento.
12
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
I. Do contrato de doação
A doação vem prevista e regulada nos artigos 940.º e seguintes do Código Civil
Português, sendo descrito pelo legislador como “o contrato pelo qual uma pessoa, por
espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa
ou de um direito, assume uma obrigação, em benefício do outro contraente.”1
Tem sido notável e unívoco nos nossos tribunais a força desta característica do
contrato em estudo. Exemplificando, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto2, de 2
de dezembro de 2008, ensina-nos que “estando provado que o autor, até hoje, não aceitou
a doação, ela mantém-se como simples proposta de doação, à espera de aceitação, (…),
sendo, consequentemente, e até ser aceite, ineficaz relativamente ao donatário, por não se
mostrar concluído o necessário acordo de vontades, (…).”.
Como podemos observar, este aspeto tem um caráter essencial, surgindo apenas
no nosso ordenamento jurídico na reforma de 1966, tendo o legislador se baseado no
princípio invicto beneficiam non datur, que, por outras palavras, significa que ninguém
poderá ser beneficiado contra a sua vontade.3 Destarte, e nos termos do artigo 945.º do
Código Civil, a proposta de doação deve ser aceite pelo donatário, demonstrando a
necessidade da declaração de vontade deste para o ordenamento jurídico português. Esta
aceitação poderá ser tácita quando se verifique a traditio, mormente na doação de coisas
1
Código Civil Português, artigo 940.º, número 1;
2
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 2 de dezembro de 2008, processo 0826680, consultável em
www.dgsi.pt;
3
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume III, Edições Almedina, 2016, 6.ª Edição, p. 174.
14
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
móveis, previsto pelo legislador no número 2 do artigo 947.º e para qual remetemos a
devida análise infra.
Por outra via, a formação deste acordo desvia-se, em alguns aspetos, do regime
geral da formação dos contratos presente nos artigos 224.º e seguintes do Código Civil,
designadamente no que concerne aos prazos de aceitação da proposta contratual do
doador. Assim, se procedermos a uma atividade comparativa entre o artigo 228.º do
Código Civil e o artigo 945.º do mesmo diploma, entendemos que o fixado pelo legislador
no primeiro caso transparece-se muito mais curto que no segundo caso.4 No contrato de
doação, a aceitação apenas caduca, em regra, se não foi aceita em vida do doador, nos
termos do artigo 945.º, número 1 do Código Civil.
Para além disto, tendo a doação natureza contratual, tal significa que as partes
terão, no processo de negociação, uma liberdade de estipulação, garantindo a validade do
acordo através do mútuo consentimento. 5
Tanto assim o é, que o contrato de doação tem sido definido como um contrato
primordialmente consensual, temperado vivamente pelo princípio da boa-fé.6 Tal
conclusão é possível retirar da interpretação do artigo 954.º, alínea b) do Código Civil,
uma vez que a celebração do contrato origina meramente a obrigação de entrega da coisa
(se esta for objeto do negócio in casu), não sendo esta traditio condição basilar para a
eficácia e constituição do contrato. Importa, no entanto, referir que esta é a regra geral e
a sua exceção pode, naturalmente, ser encontrada no artigo 947.º, número 2 do Código
Civil: quando em causa esteja a doação de uma coisa móvel e não seja celebrada por
escrito, a tradição da coisa é essencial para consolidação do contrato.
4
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume III, Edições Almedina, 2016, p. 183 a 184;
5
MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil XI, Edições Almedina, 2018, p. 378;
6
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume III, Edições Almedina, 2016, p. 178.
15
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
efeitos previstos no artigo 954.º do Código Civil apenas se espelharem na esfera jurídica
do sujeito ativo da relação jurídica.7
7
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume III, Edições Almedina, 2016, p. 179;
8
Código Civil Português, artigo 948.º, número 1;
9
Acórdão do Tribunal da Relação do Guimarães, 2 de dezembro de 2017, processo 386/15.2T8VCT.G1,
consultável em www.dgsi.pt.
16
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
uma opção contrária à prevista, alinhando-se, portanto, com o regime geral consagrado
nos artigos 67.º e seguintes, que dispõe sobre a capacidade jurídica.
Já no segundo caso das doações puras, pode afirmar-se que apenas surgirão
benefícios a favor do donatário, prescindindo-se, portanto, da sua aceitação. Nesta sede,
a doutrina tem mesmo referido que se exceciona o caráter contratual da doação, recaindo
sobre ela o caráter de negócio jurídico unilateral, pois não é sequer necessária a aceitação
pelo donatário para que ela produza efeitos.10
Já a disposição gratuita de um direito trata tanto dos restantes direitos reais como
os de natureza obrigacional, que, por regra, se efetua através da cessão de créditos,
previsto e regulado nos artigos 577.º e seguintes do Código Civil.11 Estes direitos terão,
necessariamente, que deter uma natureza patrimonial, tendo em conta os requisitos da
doação que infra serão analisados.
10
RUTE TEIXEIRA PEDRO (coordenação Ana PRATA), Código Civil Anotado, Volume I, Edições Almedina,
2019, p. 1193;
11
MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil XI, Edições Almedina, 2018, p. 386;
12
MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil XI, Edições Almedina, 2018, p. 393.
17
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
Quanto a estes, define-se bens futuros como aqueles bens que não estão em poder
do disponente, ou a que este não tem direito, ao tempo da declaração negocial (artigo
211.º do Código Civil). Embora o legislador se refira a bens no artigo 956.º do Código
Civil, tem se entendido que se deve estender aos direitos de que o doador ainda não seja
beneficiário.15
Neste âmbito, tem-se afirmado que esta limitação encontra o seu fundamento no
princípio da irrenunciabilidade antecipada aos direitos, como princípio geral do direito
das obrigações.16 Assim, o legislador limita os atos abdicativos que produzem os seus
efeitos antes da exigibilidade do próprio direito, muitas vezes sem a necessária
ponderação e com consequências nefastas na esfera jurídica e patrimonial do renunciante.
Este raciocínio aplica-se à doação de bens futuros, previsto no já citado artigo 942.º do
Código Civil. A ratio deste artigo encontra o seu fundamento no facto de que a permissão
13
ROSÁRIO RAMALHO, Sobre a Doação Modal, in “O Direito”, Volume 122, Número 3, 1990, p. 708;
14
PAULA BARBOSA, Doações entre cônjuges, Coimbra Editora, 2018, p. 120 a 121;
15
RUTE TEIXEIRA PEDRO (coordenação Ana PRATA), Código Civil Anotado, Volume I, Edições Almedina,
2019, p. 1198.
16
MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil XI, Edições Almedina, 2018, p. 389.
18
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
de doação de bens futuros poderia levar à pratica desenfreada de celebração deste negócio
jurídico, sem se conseguir prever as consequências jurídicas futuras, uma vez que os bens
ou direitos ainda não estão na disponibilidade do doador.17 Cremos tratar-se de uma
questão de segurança jurídica, permitindo desta forma que o doador seja cauteloso e tome
as decisões necessárias para garantir a estabilidade das relações jurídicas a que se vincula,
não derrubando expectativas por não deter as previsões necessárias e juridicamente
relevantes à data da celebração do negócio jurídico. Desta forma, garante-se a reflexão
necessária para a prática do ato, através da necessária produção da desvantagem
patrimonial imediata.18
2. A forma do contrato
Já a doação de coisas móveis não depende deste requisito formal quando for
acompanhada da tradição da coisa doada. Caso contrário, só poderá ser feita por escrito.
17
MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil XI, Edições Almedina, 2018, p. 391;
18
RUTE TEIXEIRA PEDRO (coordenação Ana PRATA), Código Civil Anotado, Volume I, Edições Almedina,
2019, p. 1199.
19
MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil XI, Edições Almedina, 2018, p. 404.
19
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
um contrato gratuito, que apenas trará benefícios para uma das partes, devendo o doador
estar ciente desse facto e não ter a sua vontade viciada em nenhum aspeto.
i. Requisitos objetivos
Mesmo que se trate de uma doação com encargos, como previsto no artigo 963.º
do Código Civil, o que se verifica não é uma verdadeira contraprestação, mas apenas um
limite à vantagem proporcionada pelo sujeito ativo da relação jurídica.20
20
RUTE TEIXEIRA PEDRO (coordenação Ana PRATA), Código Civil Anotado, Volume I, Edições Almedina,
2019, p. 1194;
21
RUTE TEIXEIRA PEDRO (coordenação Ana PRATA), Código Civil Anotado, Volume I, Edições Almedina,
2019, p. 1193.
22
PAULA BARBOSA, Doações entre cônjuges, Coimbra Editora, 2018, p. 120.
20
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
23
PAULA BARBOSA, Doações entre cônjuges, Coimbra Editora, 2018, p. 121;
21
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
24
ROSÁRIO RAMALHO, Sobre a Doação Modal, in “O Direito”, Volume 122, Número 3, 1990, p. 722.
25
MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil XI, Edições Almedina, 2018, p. 388;
26
PAULA BARBOSA, Doações entre cônjuges, Coimbra Editora, 2018, p. 121;
27
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de setembro de 2015, processo 21/11.8TBAVV-A.G1,
consultável em www.dgsi.pt.
22
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
natureza de contraprestação, limita o seu valor”. Por outras palavras, “nesta doação a
vontade das partes é sempre dirigida a um enriquecimento do recetor, embora diminuído
na medida dos meios necessários para a execução do encargo, ou seja, a intenção de doar
tem de exceder a de obrigar o outro a uma prestação, sendo, assim, o encargo assumido,
um fim acessório”.
Não obstante, a exigência desta prova pode ser atenuada. Neste sentido, o Acórdão
do Tribunal da Relação de Coimbra28, de 10 de fevereiro de 2015, que dispõe: “Uma
doação, ainda que com encargos, pressupõe a gratuidade e um espírito de liberalidade.
Assim, funcionando como uma mera restrição à liberalidade e não como uma
contraprestação, o encargo fica limitado ao valor da própria liberalidade, não sendo o
donatário obrigado a cumprir senão dentro dos limites da coisa ou do direito doado (nº2
do art. 963º)”. Mas, “Afigurando-se tais prestações de valor aparentemente equivalente,
ou pelo menos, sem que se distinga uma diferença significativa de valor entre a prestação
e a contraprestação, encontrar-nos-emos perante um negócio oneroso”. Afastou por isso
a qualificação de contrato de doação por o encargo atribuído à contraparte ultrapassar,
claramente, a liberalidade que se pressuponha aquando da celebração deste contrato
gratuito.
Mas, não só nas doações modais se invoca este requisito subjetivo. Vejamos os
seguintes exemplos:
28
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, 10 de fevereiro de 2015, processo 314/12.7TBTBU.C1,
consultável em www.dgsi.pt;
29
Acórdão do Tribunal do Supremo Tribunal de Justiça, 25 de junho de 2015, processo
26118/10.3T2SNT.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt;
23
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
verba com a outra titular, não se mostra que tenha sido o “animus donandi” que conduziu
à abertura das contas coletivas e solidárias”.
30
Acórdão do Tribunal do Tribunal da Relação de Lisboa, 13 de julho de 2017, processo
194/12.2TBCSC.L1-6, consultável em www.dgsi.pt;
31
Acórdão do Tribunal do Supremo Tribunal de Justiça, 11 de janeiro de 1979, processo 067440,
consultável em www.dgsi.pt;
24
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
II. Contrato-promessa
Importa sublinhar ainda que toda a matéria exposta infra será analisada ao
pormenor no capítulo a que se refere o contrato-promessa de doação, objeto de estudo,
numa ótica de avaliação geral para avaliação particular.
Esta diferença nem sempre é fácil de assinalar, tendo o julgador que decifrar as
declarações de vontade das partes, pois é nesta fase pré-contratual que as partes, de boa-
32
ROSÁRIO RAMALHO, Sobre a Doação Modal, in “O Direito”, Volume 122, Número 3, 1990, p. 720.
25
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
fé, estipulam os pormenores negociais, mas onde não se assume qualquer obrigação.33 No
fundo, há que atentar no caso concreto se as partes assumiram, clara e expressamente,
uma futura obrigação de contratar ou se as declarações emanadas consistiram apenas em
detalhes naturalmente ocorridos durante as negociações, noutra forma jurídica se
integrando. Há contrato-promessa quanto as partes obrigam-se a uma prestação de facto
futura, nomeadamente a celebração de um certo contrato.34
33
CALVÃO DA SILVA, Sinal e Contrato-Promessa, Edições Almedina, 2017, p. 21.
34
CALVÃO DA SILVA, Sinal e Contrato-Promessa, Edições Almedina, 2017, p. 22;
35
CALVÃO DA SILVA, Sinal e Contrato-Promessa, Edições Almedina, 2017, p. 15;
36
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 22 de abril de 2003, processo 04B971, consultável em
www.dgsi.pt;
37
ANA PRATA, O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, Edições Almedina, 2006, p. 96.
26
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
Ora, desde logo o legislador atribui uma acanhada definição, estipulando que,
como ficou também expresso supra, o contrato-promessa é aquele em que as partes
constituem uma obrigação de voltar a contratar. Este posterior momento jurídico é o que
se titula por contrato prometido: é o resultado da intenção das partes, primeiramente
demonstrada no contrato-promessa.
38
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, 3 de junho de 2008, processo 1471/05.4TBFIG.C1,
consultável em www.dgsi.pt;
39
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, 30 de junho de 2009, processo 2770/06.3TBCBR.C1,
consultável em www.dgsi.pt;
40
ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume I, Livraria Almedina, 2000, p. 335;
27
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
41
ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume I, Livraria Almedina, 2000, p. 336.
42
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 22 de abril de 2003, processo 04B971, consultável em
www.dgsi.pt.
28
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
sujeitar, impondo por isso forma solene, o contrato-promessa deverá deter documento
assinado pelas partes.
Por conseguinte, sempre que do contrato prometido não resultar nenhuma norma
que estabeleça um limite mínimo de solenidade, o contrato-promessa correspondente
seguirá a regra geral presente no artigo 219.º do Código Civil, no qual o legislador estipula
que a “validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial,
salvo quando a lei a exigir.”
Uma questão controvertida tem sido a de saber o que ocorre quando é imposta a
citada exigência formal mínima a um contrato-promessa bilateral e o mesmo é apenas
assinado por uma das partes. São quatros os vetores assinalados pela doutrina: tese da
transmutação automática desse contrato em promessa unilateral; a tese da nulidade total
do contrato; a tese da conversão e a tese da redução.43
A tese da conversão foi acolhida por ANTUNES VARELA e GALVÃO TELLES, que
argumentavam que não poderia aplicar-se a tese da redução, uma vez que o artigo 292.º
do Código Civil, que dispõe sobre este instituto, implica a nulidade ou anulação parcial e
não a invalidade de todo o negócio e faltando a assinatura de uma das partes, seria
exatamente esta consequência. Completavam argumentando no sentido do ónus da prova:
43
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume I, Edições Almedina, 2017, p. 213;
44
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume I, Edições Almedina, 2017, p. 213;
45
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume I, Edições Almedina, 2017, p. 214.
29
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
caberia à parte interessada na invalidade do contrato mostrar que o negócio não se teria
concluído sem a parte viciada, quando, logicamente, deveria ser o inverso. Por fim,
recaíam o seu último argumento na natureza do contrato-promessa bilateral: se este detém
uma natureza sinalagmática, a conversão em contrato-promessa unilateral transformá-lo-
ia numa natureza completamente diversa daquela querida pelas partes. Esta situação seria
sujeita, irremediavelmente, ao artigo 293.º, tese da conversão (dispõe o legislador: “O
negócio nulo ou anulado pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente,
do qual contenha os requisitos essenciais de substâncias e de forma, quando o fim
prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a
invalidade.)”.46
Por fim, a tese da redução, defendida por ALMEIDA COSTA, RIBEIRO FARIA E
CALVÃO DA SILVA, assentava no pressuposto que, o artigo 411.º do Código Civil só exige
assinatura daquele que vincula à obrigação de contratar futuramente. Sendo assim e
faltando a assinatura de um contraente, a nulidade seria meramente parcial, o que
viabilizaria a aplicação do artigo 292.º do Código Civil, logo o instituto da redução
(dispõe o legislador: “a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo
o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte
viciada)”.47 JOÃO CALVÃO DA SILVA48 acrescenta que se o contrato-promessa pode deter
a característica tanto de bilateral como de unilateral, nenhum obstáculo se põe a que um
contrato que, inicialmente seria bilateral, passe a unilateral por falta de assinatura de um
dos contraentes, não sendo de excluir automaticamente a eficácia daquela declaração
negocial.
46
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume I, Edições Almedina, 2017, p. 215;
47
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume I, Edições Almedina, 2017, p. 215;
48
CALVÃO DA SILVA, Sinal e Contrato-Promessa, Edições Almedina, 2017, p. 42;
49
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume I, Edições Almedina, 2017, p. 215.
30
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso,
ou de acordo com os ditames da boa-fé, quando outra seja a solução por eles imposta.”
Assim, seria com base nesta norma que se encontraria a solução mais justa entre a tese da
conversação e a tese da redução.
Já no tocante à segunda exceção (regras que pela sua ratio não devam considerar-
se aplicáveis ao contrato preliminar), ela afigura-se, salvo melhor opinião, como notória:
tratando-se de dois contratos diferentes com autonomia patente entre eles, não faria
sentido uma solução contrária. Consequentemente, o legislador trata aqui de regras que
próprias relativas à eficácia validação do contrato prometido50, que não poderiam ser
aplicadas ao contrato-promessa sob pena de se invalidar a autonomia que ficou
demonstrada. Referimo-nos, nomeadamente, ao regime geral aplicável aos negócios
jurídico que passam, necessariamente, pela capacidade das partes, requisitos de objeto do
contrato, normas estipuladoras de vícios inerentes aos contratos e consequente resolução.
ANA PRATA acrescenta ainda que esta exceção tem um sentido ampliativo, na
medida que deve ser afigurado casuisticamente, dependendo do contrato-promessa em
causa. Assim, na ótica da autora “não são, desde logo, aplicáveis à promessa aquelas
regras, que, não definido os efeitos do contrato prometido, tenham a sua razão de ser
nesses efeitos.” 51 Ou seja, não cabem nesta exceção apenas os efeitos naturais do contrato
prometido que, pela sua natureza, não são extensíveis ao contrato-promessa, deixando
desta forma latente a autonomia entre eles; são ainda abrangido pela exceção aquelas
regras que, embora não reflitam resultados determinantes do contrato prometido, eles só
existem pelo seu caráter inerente aos efeitos naturais, primeiramente referidos, mesmo
que indiretamente.
50
ANA PRATA, O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, Edições Almedina, 2006, p. 444;
51
ANA PRATA, O CONTRATO-PROMESSA E O SEU REGIME CIVIL, EDIÇÕES ALMEDINA, 2006, p.445.
31
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
stricto sensu ele não a venha a adquirir. Por essa mesma razão, e por ser uma regra
intrínseca à natureza real do direito transmitido na celebração do contrato de doação, não
faria sentido aplicá-la ao contrato-promessa que, em regra, detém apenas eficácia
meramente obrigacional.52
Em suma, para aferir se uma norma jurídica para o contrato prometido é aplicável
ao contrato-promessa, é necessário avaliar e entender a ratio daquela e concluir (ou não)
pela sua aplicação ao contrato preliminar em estudo.53
Neste âmbito, a doutrina fixa três requisitos para a existência de eficácia real:
constar a promessa de escritura pública; pretensão das partes de atribuir eficácia real e
estarem os direitos emergentes do contrato-promessa inscritos no registo. Juridicamente,
o cumprimento destes requisitos equivale à inerente eficácia erga omnes, podendo ser
oponível a terceiros, mesmo que estes estejam de boa-fé, não se aplicando o disposto no
artigo 291.º do Código Civil. Na prática, a inscrição no registo torna público a existência
deste contrato-promessa, que trará a ineficácia de negócios posteriores sobre o mesmo
objeto.54 Não se verificando um dos requisitos então o mesmo não terá eficácia real, não
sendo oponível (incluindo a petição de uma indemnização pelos danos provocados). 55
Infra analisaremos esta matéria aplicada ao contrato-promessa de doação.
52
ANA PRATA, Código Civil Anotado, Volume I, 2019, p. 451.
53
ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume I, Livraria Almedina, 2000, p. 327.
54
CALVÃO DA SILVA, Sinal e Contrato-Promessa, Edições Almedina, 2017, p. 17 a 18;
55
ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume I, Livraria Almedina, 2000, p. 330;
32
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
à flexibilidade. Quando isto não aconteça, ou seja, está em causa um contrato que não tem
natureza exclusivamente pessoal, a transmissão para os sucessores é feita nos termos
gerais, podendo estes exercer os direitos do de cujus e poderão ser compelidos ao
cumprimento da obrigação em causa.56
Já a transmissão por ato entre vivos, está sujeita às regras gerais de direito civil,
nos termos do número do número dois do artigo 412.º e são estas as previstas no artigo
577.º e no 424.º e seguintes, ambos do Código Civil. Assim, nos termos do artigo 577.º
do Código Civil, “o credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito,
independentemente do consentimento do devedor, contando que a cessão não seja
interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela
própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor.” Há que averiguar, na prática,
se está em causa qualquer um destes aspetos e que podem mostrar-se elementos de
interdição para a válida transmissão dos direitos. Por outro lado, o regime da cessão da
posição contratual é aplicável ao contrato de prestações recíprocas e traduz a faculdade
de qualquer parte em transmitir a sua posição contratual a terceiro e desde que a
contraparte consinta na transmissão (número 1 do artigo 424.º do Código Civil).
2. O incumprimento do contrato
56
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1979, p. 339.
33
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
Quando o incumprimento for temporário, tal significa que a prestação não foi
realizada no momento acordado pelas partes, mas que ela ainda é possível. Já o
incumprimento definitivo ocorrerá quando o cumprimento da obrigação já não é viável
ou porque a própria prestação é irrealizável ou porque a contraparte perdeu o interesse na
realização.
57
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume II, Edições Almedina, 2017, p. 225;
58
ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume I, Livraria Almedina, 2000, pp. 344 a 346.
34
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
poderá enveredar pela objetividade ou não da perda do interesse, entendendo-se que esta
regra foi estipulada para proteção do princípio da pontualidade do cumprimento dos
contratos e autonomia da vontade. Esta perda de interesse do credor não opera de modo
imediato e automático, é necessária uma declaração resolutiva dirigida ao devedor
complementando com a utilidade concreta que a prestação teria para o credor. Não se
trata de um mero poder arbitrário. Terá que se ter em conta os elementos do negócio e
aferir se a resolução do contrato é admissível.59 Se a parte se comprometeu em primeira
instância ao cumprimento do contrato, não faria sentido à luz dos princípios gerais de
direito civil, poder se desvincular do mesmo se não estivesse em causa um fundamento
objetivo.
59
GRAVATO MORAIS, Contrato-Promessa em Geral e Contratos-Promessa em Especial, Edições
Almedina, 2009, p. 160 e 161;
60
GRAVATO MORAIS, Contrato-Promessa em Geral e Contratos-Promessa em Especial, Edições
Almedina, 2009, p. 161;
61
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 24 de maio de 1988, processo 075942, consultável em
www.dgsi.pt.
35
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
i. A execução específica
62
ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume I, Livraria Almedina, 2000, pp. 335 a 336;
63
ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume I, Livraria Almedina, 2000, p. 336.
36
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
Mas nem por isso é possível entender que a execução específica tem aplicabilidade
a todo e qualquer contrato-promessa celebrado. São dois os pressupostos para viabilizar
a sentença que produza os mesmos efeitos que a declaração de vontade da parte faltosa:
a não existência de convenção em contrário e a compatibilidade com a natureza da
obrigação assumida.
64
ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume I, Livraria Almedina, 2000, p. 336;
65
ALMEIDA COSTA, Contrato-Promessa Uma Síntese do Regime Atual, Edições Almedina, p. 47.
37
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
Outro aspeto que importa salientar é que a norma se refere ao não cumprimento
da obrigação de contratar. A doutrina e a jurisprudência têm discutido se a execução
específica é apenas aplicável ao caso de incumprimento definitivo ou se só pode ter
viabilidade perante a simples mora do promitente. No primeiro modo de pensar, se o
credor mantiver interesse na prestação, não aprece haver justificação plausível que obste
á execução especifica, uma vez que o incumprimento definitivo não resulta,
automaticamente, na resolução do contrato.68 Não obstante, a segunda perspetiva tem sido
a orientação dominante, sustentando-se que o incumprimento definitivo, pela sua própria
natureza, é incompatível com a aplicação da execução específica, tornando-se
impraticável a coercibilidade da prestação de facto quando os pressupostos basilares do
contrato-promessa já não têm existência no plano negocial.
66
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume I, Edições Almedina, 2017, p. 221;
67
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume I, Edições Almedina, 2017, p. 222;
68
JANUÁRIO, Em tema de Contrato-promessa, 1990, p. 17.
38
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
Por último quanto a esta temática em particular, importa referir que o emprego da
execução específica não inviabiliza recorrer à responsabilidade civil contratual para
indemnização de quaisquer danos que se possam ter provocado com a mora do contraente
faltoso, por se tratar de questões juridicamente diferentes.
69
JOSÉ FALCÃO, Súmula sobre o incumprimento do contrato-promessa, p. 919 a 920.
39
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
O sinal é uma figura geral e não prevista única e exclusivamente para aplicação
aos contratos-promessa, embora seja neste que demonstra maior relevância prática, sendo
um instrumento de excelência neste contrato preliminar. A existência de sinal, por regra,
não é presumida e por esta razão, as partes terão que estabelecer que aquela quantia
entregue tem esta natureza. Quando seja dúbio, caberá ao julgador, através da
interpretação do negócio jurídico e da vontade das partes, atribuir (ou não) esta natureza.72
Não existe uma definição legal do que consubstancia o sinal, mas tem-se
entendido tratar-se de uma convenção ou uma cláusula de um contrato, que na cronologia
jurídica do negócio em causa deve ser prévia ao vencimento das obrigações dele
emergentes, fundamentando-se tal na razão de ser do instituto.73 Nas palavras de
MENEZES LEITÃO o sinal consiste “numa cláusula acessória dos contratos (...) mediante a
qual uma das partes entrega à outra, por ocasião da celebração do contrato, uma coisa
fungível, que pode ter natureza diversa da obrigação contraída o a contrair.”74
70
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 19 de dezembro de 2013, processo 5439/12.6TBALM.L1-6,
consultável em www.dgsi.pt;
71
Acórdão do Tribunal do Supremo Tribunal de Justiça, 25 de outubro de 2018, processo
3542/14.7T8STB.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
72
CALVÃO DA SILVA, Sinal e Contrato-Promessa, Edições Almedina, 2017, p. 82;
73
ANA PRATA, O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, Edições Almedina, 2006, p. 744 e 745.
74
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume I, Edições Almedina, 2017, p. 223;
75
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 14 de novembro de 2013, processo 1937/07.1TBMFR.L1-8,
consultável em www.dgsi.pt;
40
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
jurídico e na inexistência de convenção que nos indique qual das modalidades foi optada
pelas partes, deve entender-se que a sua natureza é confirmatória, por força da forma
como o regime do sinal foi estipulado (número 2 do artigo 442.º do Código Civil) bem
como pelo complemento dado através da figura da execução específica e da indemnização
ao regime do contrato-promessa.
Na primeira das normas citadas, faz-se uma importante distinção entre o sinal e a
antecipação do cumprimento: a coisa entregue só terá a natureza de sinal, se assim for
estipulado pelos contraentes, caso contrário, o legislador procede com uma presunção de
que o que foi entregue foi a título de antecipação de cumprimento. Está em causa,
portanto, a interpretação da vontade das partes pela avaliação dos contornos jurídicos do
caso em apreço. Não obstante, há que adaptar esta lógica ao regime do contrato-promessa:
se o objeto do contrato é a prestação de um facto, a coisa entregue nunca poderá coincidir
com o cumprimento da obrigação. O que pode ocorrer é o começo do cumprimento do
contrato prometido, mas jamais do contrato-promessa, por diferença substancial no tipo
de prestação em causa. Talvez por este raciocínio, o legislador tenha fixado no artigo
411.º que “no contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem caráter de sinal
toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a
título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.”
76
ANA PRATA, O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, Edições Almedina, 2006, p. 752.
41
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
Importante ainda referir que o sinal é simultaneamente uma cláusula real quoad
effectum e quoad constitutionem. Assim, o sinal só se constitui uma vez que seja entregue
efetivamente à contraparte e passa, a partir deste momento, a ser um direito de
propriedade do mesmo. Após, há que a analisar se o que foi entregue a título de sinal pode
ou não ser imputado na prestação devida: em caso afirmativo, fica, em regra, na esfera
patrimonial do recetor do sinal; em caso negativo, poderá ter que ser restituído ao original
proprietário. Hipoteticamente, se ocorrer o incumprimento, haverá lugar aos efeitos
penais previstos no Código Civil, que podem equivaler, na pior das hipóteses, à sua
restituição em dobro.78
Por esta razão é restrita a legitimidade para constituir o sinal. Devido aos efeitos
jurídicos (reais) que surgem da constituição de sinal, só terá necessariamente legitimidade
para o constituir quem tiver legitimidade para dispor do objeto. Ademais, destinando-se
o sinal a garantir a efetividade da obrigação prevista no contrato-promessa, a legitimidade
para entregar/receber o sinal será daqueles que se vinculam ao negócio jurídico –
contraentes do contrato-promessa.79
77
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1979, p. 368;
78
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume I, Edições Almedina, 2017, p. 223 e 224;
79
ANA PRATA, O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, Edições Almedina, 2006, p. 764 e 765;
80
ANA PRATA, O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, Edições Almedina, 2006, p. 761 e 762.
42
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
Prevê o número dois do artigo 442.º do Código Civil que “se quem constitui o
sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro
contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato
for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se
houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o direito a
transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objetivamente, à data do não
cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe
restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago.” Ora, para análise do preceito e as
consequências do incumprimento do contrato em relação ao regime do sinal, há que
dividir o artigo 442.º em duas partes: a primeira, que trata do regime geral e a segunda,
que se aplica aos contratos-promessa.
81
ANA PRATA, O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, Edições Almedina, 2006, p. 763 e 764.
43
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
82
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume I, Edições Almedina, 2017, p. 227.
44
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
qualquer contraprestação, e fazendo-o de livre vontade, convicto que não o faz por
imposição de outrem – é um desequilíbrio querido pelas partes e por esta vontade ser
relevante, o direito tutela-a.
Por esta razão, não podemos falar de doação nas obrigações naturais, previstas no
artigo 402.º do Código Civil por aqui imperar o sentido de dever, embora de ordem
diferente que a jurídica, não deixa de ser uma vontade motivada, carregada por
necessidade ou imposição.83
83
ROSÁRIO RAMALHO, Sobre a Doação Modal, in “O Direito”, Volume 122, Número 3, 1990, p. 720.
45
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
Como aprofundaremos infra84, parte da doutrina entende que não, por este ato
jurídico colocar de lado, inevitavelmente, o requisito da espontaneidade. Além deste
aspeto, alegam igualmente que, por força da alínea c) do artigo 954.º, a consagração de
um contrato-promessa de doação é nele próprio o contrato de doação. Em sentido
contrário, grande parte dos Autores portugueses têm acolhido o contrato-promessa de
doação uma vez que o mesmo é aceite por outros ordenamentos jurídicos, numa
perspetiva de direito comparado. Além disso, argumentam que este não derrogaria a
espontaneidade do negócio bilateral, requisito que se arrastaria necessariamente aquando
da celebração do contrato definitivo.85
84
Página 46 a 48;
85
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume III, Edições Almedina, 2016, p. 193;
86
MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil XI, Edições Almedina, 2018, p. 412.
46
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
Acrescenta ainda que, mesmo não se admitindo a sua execução específica, teria de
haver consequência diretas para o incumprimento do contrato-promessa de doação. Entre
elas estaria, inevitavelmente, o direito a uma indemnização por incumprimento pela parte.
Ora, o valor desta obrigação indemnizatória arrecadaria, no mínimo, o valor do bem a ser
doado e nesta linha de pensamento, uma vez proferida decisão judicial, verificar-se-ia a
transferência patrimonial (que em primeira instância teria sido incumprida) de forma
gratuita, nada importando o entrave à execução específica.
Além disto, apoia-se o Autor no número 1 do artigo 942.º do Código Civil, alegando
que a proibição da doação de bens futuros, ainda que atuais, impediria a aceitação do
contrato-promessa de doação, no já referido princípio da irrenunciabilidade antecipada
aos direitos.
A esta premissa, acrescenta ainda outras três: nos termos do artigo 957.º, número 1
do Código Civil, o doador, regra geral, não responde pelo ónus ou limitações do direito
transmitido, nem pelos vícios da coisa – só o é se tiver procedido com dolo ou, a priori,
se tiver expressamente responsabilizado. Ora, nestes termos, a promessa de doação não
protege suficientemente o promitente-donatário, uma vez que o promitente-doador
poderá, livremente, dispor do bem.
Em segundo lugar, e nos termos do artigo 969.º, número 1 do Código Civil, enquanto
não for aceita a doação, o doador pode livremente revogar a sua declaração negocial,
desde que observe as formalidades desta. Aos olhos dos Autor, a situação não abarca a
consolidação suficiente para validar e aceitar um contrato-promessa, tendo em
consideração que o mesmo deverá, em primeira instância, alinhar-se com os preceitos
destacados para o contrato de doação.
47
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
Por fim, termina argumentando que o contrato de doação, nos termos do artigo 947.º
do Código Civil, não está afeto ao princípio da liberdade de forma, tal como previsto no
artigo 219.º do Código Civil, exigências que não se refletem no correspondente contrato-
promessa. Ora, a necessidade de escritura pública ou documento particular autenticado
(para os bens imóveis) ou simples documento escrito (para os bens móveis), tem uma
importância maior no contrato de doação, uma vez que permitem com maior detalhe na
reflexão prévia ao ato jurídico, que por si só apresenta consequência jurídicas graves. Na
opinião do Autor, admitir um contrato-promessa de doação, levaria a abdicar deste
raciocínio, impróprio para o nosso ordenamento jurídico.
87
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 20 de novembro de 1986, processo 073733, consultável em
www.dgsi.pt.
48
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
para a validade de um contrato no qual uma prestação é prometida, o mesmo deve ser
registado notarialmente. Acrescenta o legislador civil alemão que a falta de forma fica
sanada mediante a concretização da doação.
Por outro lado, o Código das Obrigações Suíço, expressa no artigo 243.º que a
promessa de doação só será válida se for reduzida a escrito (número 1); se tiver por objeto
um título ou um direito real sobre um imóvel, só será válida por escritura pública (número
2) e, por fim, quando celebrada a doação, a relação entre as partes é tratada como uma
doação normal (número 3).
88
MARTIN A. HOGG, Promise and Donation in Louisiana and Comparative Law, 2001, p. 184 e 185.
49
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
Por voz de VAZ SERRA, foi proposta a seguinte norma: “No contrato-promessa de
doação, deve o consentimento do promitente-doador manifestar-se por escrito e, tratando-
se de promessa de doação de bens imobiliários, por documento autêntico. A falta de forma
é sanada com a execução da promessa.”89 Apesar de não ter integrado o Código Civil
Português, para o Autor seria possível a consagração de uma promessa de doação, desde
que a vontade do doador ficasse expressamente consagrada num documento escrito, não
sofrendo a espontaneidade qualquer vicissitude.90
Mas a verdade é que a discussão doutrinal e jurisprudencial sobre o tema vai muito
além da simples forma: tem como ponto central a indagação sobre a sua própria validade.
Vejamos:
Na mesma linha de pensamento, a qual tem sido abordada pela doutrina como a teoria
da doação obrigacional, ANTUNES VARELA E PIRES DE LIMA92 argumentam que a
promessa de doação é exequível à luz das normas civis portuguesas, pois o elemento
literal do artigo 940.º, número 1, parte final do Código Civil (“(…), ou assume uma
obrigação, em benefício de outro contraente”.), aliado ao disposto na alínea c) do artigo
954.º do mesmo diploma (“A assunção de uma obrigação, quando for esse o objeto do
contrato.”), aceita que o contrato de doação possa ter como objeto a contração de uma
nova obrigação. A seu favor teria igualmente o elemento histórico, uma vez que a parte
final do artigo 940.º, número 1 não existia no Código Civil de 1867, tendo sido
acrescentada posteriormente, mormente em 1966.
Para os Autores, a promessa de doação seria ela própria a real doação: a verdade é
que a partir dela nasce na esfera jurídica do promitente-doador uma obrigação que terá
89
ANA PRATA, O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, Edições Almedina, 2006, p. 706;
90
MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil XI, Edições Almedina, 2018, p. 409;
91
ANA PRATA, O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, Edições Almedina, 2006, p. 311, cit. 720;
92
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1979, p. 229.
50
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
Ora, aquele segundo momento da relação jurídica merece uma especial análise: visto
que a doação se consolida na sua própria promessa, em que consistirá, juridicamente, a
celebração do segundo ato jurídico? Na perspetiva do Autor e para resposta a esta
problemática há que atentar à natureza desta atribuição: ela não constitui uma segunda
doação, mas uma atribuição solvendi causa.94 Não obstante, anexada a esta ainda se
encontra a característica de ser uma real disposição gratuita, feita a favor do beneficiário,
aliada ao facto de que apesar do contrato prometido não ser uma doação, nada obsta a que
a natureza do primeiro momento se estenda a este segundo momento, pois a sua causa
jurídica e o respetivo espírito de liberalidade está subjacente ao contrato prometido.95
Por outras palavras, o contrato definitivo integra, nele próprio, a doação realizada no
contrato-promessa. Sustenta, portanto, o caráter vinculativo do contrato-promessa,
instrumento onde se concentrariam as maiores características do contrato de doação, mas
não obsta a que elas também se encontrem no segundo momento, por ele ter como causa
jurídica fundamental a vontade de doar, acompanhado do espírito de liberalidade.96
93
GUILHERME HENRIQUES, O contrato-promessa de doação: um contrato misto, 2016, p. 996;
94
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 27 de junho de 2002, processo 0230205, consultável em
www.dgsi.pt;
95
ANA PRATA, O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, Edições Almedina, 2006, p. 314, cit. 727;
96
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume III, Edições Almedina, 2016, p. 192;
97
GUILHERME HENRIQUES, O contrato-promessa de doação: um contrato misto, 2016, p. 996.
98
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume III, Edições Almedina, 2016, p. 192;
51
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
ANA PRATA, por sua vez, começa por avaliar os contornos da problemática,
garantindo que a mesma encontra o seu fundamento na compatibilidade do especial tipo
de vontade (espírito de liberalidade) necessário ao contrato de doação, que poderia
mostrar-se contraproducente com o contrato-promessa, pois deste surge uma vinculação
jurídica dessa vontade. Na sua opinião, aceitar este instrumento no nosso ordenamento
jurídico seria, de alguma forma, prescindir do animus donandi ou retirar-lhe a
essencialidade em relação ao contrato de doação.100
99
ANA PRATA, O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, Edições Almedina, 2006, p. 311, cit. 720;
100
ANA PRATA, O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, Edições Almedina, 2006, p. 305 a 309.
52
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
Na ótica de MENEZES LEITÃO103, tendo em conta o disposto no artigo 954.º, alínea c),
ao contrato-promessa de doação terá de ser atribuída a qualificação de contrato de doação,
mas já interpreta como mais problemático que seja atribuído o caráter de contrato de
doação ao segundo momento da relação jurídica, uma vez que não seria possível a
coexistência do animus donandi com o animus solvendi. Não obstante, tendo em conta o
princípio da autonomia privada e tendo em conta que a espontaneidade que se verificou
na celebração do contrato-promessa se «arrasta» (ou se «renova») ao contrato prometido,
seria, de facto, possível a sua qualificação como doação.
101
ANA PRATA, O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, Edições Almedina, 2006, p. 312 e 313;
102
ANA PRATA, O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, Edições Almedina, 2006, p. 315;
103
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume III, Edições Almedina, 2016, p. 192 a 193.
104
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 9 de maio de 2019, processo 1563/11.0TVLSB.L1.S3,
consultável em www.dgsi.pt.
53
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
do imóvel identificado nos autos, sendo que a transmissão se daria logo que se verificasse
a condição do divórcio.
O Réu, por seu turno, alegou que não foi efetuada qualquer doação, havendo sim, e
dependendo de determinados circunstancialismos, uma promessa de doação sujeita, para
além da aceitação dos donatários, a outras condicionantes. Acrescenta que, do decorrer
normal da vida, perdeu a vontade de doar a sua parte do imóvel e que, a realidade é que
os Autores nunca chegaram a aceitar a proposta de doação feita pelo Réu.
54
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
promessa de doar um imóvel não constitui ainda uma doação de um imóvel, mas apenas
a doação do crédito à transmissão gratuita do imóvel.105
Por esta via, havendo pelo contrato-promessa de partilha dos autos as partes assumido
a obrigação de transmitir gratuitamente para os respetivos filhos a nua propriedade do
prédio integrante do seu património comum, o contrato confirmatório desse assumido
propósito nunca se chegou a concretizar, por recusa do Réu.
Por esta lógica, o Supremo Tribunal de justiça nega, também ele, provimento ao
recurso, negando a revista e confirmando o Acórdão Recorrido.
105
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 9 de maio de 2019, processo 1563/11.0TVLSB.L1.S3,
consultável em www.dgsi.pt.
55
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
Ora, apesar de se poder verificar uma certa confusão de “intenções”, a verdade é que,
probatoriamente, o espírito das partes será sempre dificultoso de aferir. Há que, nos
termos e circunstâncias de cada caso, confrontar os elementos que podem apreciar a
verdadeira intenção que aquelas continham aquando da celebração do contrato-promessa.
E esta conclusão não se retira por mero acaso: foram elas que celebraram o contrato-
promessa e subsumiram ao seu objeto a doação futura que, como justificativa basilar deste
contrato preliminar, poderá ter como intuito diversas razões jurídicas: não reúnem todas
as condições para celebrar naquele momento a doação propriamente dita; o doador ainda
não estar totalmente predisposto à conclusão do contrato; na doação do direito de
propriedade, o bem em questão ainda não se encontrar totalmente pronto ou por se fazer
depender a doação de um certo acontecimento.
56
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
Apesar de poder suscitar-se algumas dúvidas quanto à verdadeira intenção das partes
neste segundo momento, a realidade é que a sua avaliação só será possível pelas
declarações emanadas ao longo de todo o processo negocial. Se as partes declararam num
primeiro momento que existia de facto essa espontaneidade, não cabe ao avaliador aferir
pela sua não existência!
57
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
106
Página 27 e 28.
58
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
vez que na sua esfera jurídica verificar-se-á efetivamente uma supressão económica,
fazendo, portanto, mais sentido que no contrato-promessa de doação unilateral seja este
interveniente a se vincular à futura obrigação.
Aplicando-se a este as regras gerais, cremos que não será válido o contrato-
promessa de doação subscrito por um sujeito jurídico sem capacidade para tal,
inviabilizando-se nesta situação a existência deste contrato-promessa apesar de as normas
previstas para o contrato prometido (contrato de doação) o permitirem. Assim se cumpre
e respeita o silogismo jurídico e se equilibra na prática o pensamento do legislador quando
estipulou as normas jurídicas tanto em relação ao contrato-promessa como em relação ao
contrato de doação, consertando o princípio da equiparação neste âmbito.
107
GRAVATO MORAIS, Contrato-Promessa em Geral e Contratos-Promessa em Especial, Edições
Almedina, 2009, p. 73.
108
Página 16 e 17;
109
Página 28.
59
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
pela conjugação com o número 2 do artigo 410.º do mesmo diploma, que o respetivo
contrato-promessa deverá deter, pelo menos, documento assinado pelas partes. A falta
desta solenidade acarreta a nulidade da promessa, por força do artigo 220.º.110 Por outro
lado, se em causa estiver a doação de bem móvel, a sujeição a regras imperativas de forma
dependerá se esta for acompanhada pela tradição da coisa ou não (número 2 do artigo
947.º do Código Civil). A regra referida para a doação de bens imóveis também se
aplicará quando a doação tiver por objeto um bem móvel e que não seja acompanhada
pela traditio da mesma – exigência de documento assinado pelas partes.
110
GRAVATO MORAIS, Contrato-Promessa em Geral e Contratos-Promessa em Especial, Edições
Almedina, 2009, p. 81.
111
Página 29 a 31;
112
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, 8 de junho de 2006, processo 831/06-2, consultável em
www.dgsi.pt.
60
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
113
Página 31.
61
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
bem sobre o qual não detenha a propriedade). Para responder à dúvida, há que atentar que
para se aferir se uma norma jurídica referente ao contrato prometido é aplicável ao
contrato-promessa, terá que se avaliar a sua razão de ser. No caso da proibição de doação
de bens futuros, o legislador quer limitar ao máximo a prática desenfreada de atos
abdicativos antes da sua exigibilidade (explicitado supra114).
114
Página 18;
115
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 25 de junho de 2009, processo 2431/04.8TVLSB.L1-6,
consultável em www.dgsi.pt.
116
Página 32;
117
ANA PRATA, Dicionário Jurídico, Edições Almedina, 2006, p. 1185;
62
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
aquisição por um indivíduo e que não existia na anteriormente na ordem jurídica.118 Ora,
no contrato de doação o que se verifica tipicamente é a transmissão da propriedade de um
certo bem de uma esfera jurídica para outra, recaindo portanto no primeiro grupo: o
legislador não colocou como requisito basilar a onerosidade ou gratuidade do contrato,
restringindo o seu âmbito apenas no que concerne ao objeto do negócio jurídico.
Neste sentido, JOÃO CALVÃO DA SILVA119 admite mesmo que o contrato de doação
é um contrato de eficácia real e por esta via, tratando-se de um contrato-promessa de
doação em que o contrato prometido tenha como objeto a disposição gratuita de um bem
imóvel ou móvel sujeito a registo, em princípio, não haverá qualquer entrave à atribuição
de eficácia real desde que as partes cumpram os restantes quesitos: constar a promessa de
escritura pública; que esta pretensão das partes seja declarada e consequente inscrição no
registo. Cumpridos estes pressupostos, o contrato-promessa de doação terá eficácia real,
prevalecendo sobre quaisquer outros posteriormente constituídos – direito real de
aquisição.
Por fim, resta aplicar o que se disse sobre a transmissão, tanto por sucessão como
por transmissão entre vivos, de direito e obrigações dos promitentes ao contrato-promessa
de doação.121 No primeiro caso, dispõe o legislador que as obrigações assumidas num
contrato-promessa podem ser transmissíveis desde que não sejam exclusivamente
pessoais, remetendo para o contrato prometido este caráter de pessoalidade. Neste âmbito,
ensinou-nos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de abril de 2003, que “se
118
ANA PRATA, Dicionário Jurídico, Edições Almedina, 2006, p. 298.
119
CALVÃO DA SILVA, Sinal e Contrato-Promessa, Edições Almedina, 2017, p. 13;
120
CALVÃO DA SILVA, Sinal e Contrato-Promessa, Edições Almedina, 2017, p. 18;
121
Página 32 e 33.
63
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
E o mesmo raciocínio se deve aplicar no que concerne à transmissão por atos entre
vivos, porquanto o artigo 577.º do Código Civil faz depender a validade da transmissão a
própria natureza da prestação. Sendo o animus donandi um espírito interno, ele é
insuscetível de se transmitir a determinada pessoa, não se enquadrando este instituto com
a natureza do contrato-promessa de doação.
64
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
i. A execução específica
Este instituto, apesar de poder ser posto em prática em relação a todos os negócios
jurídicos celebrados, encontra o seu lugar de referência no âmbito dos contratos-
promessa. Não obstante, não seria correto juridicamente concluir pela aplicabilidade a
todos e quaisquer uns contratos deste género.
Assim, a execução específica poderá ter lugar se em causa estiver a simples mora
do devedor: o contrato-promessa de doação não foi celebrado no tempo devido, mas o
122
ANA PRATA, O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, Edições Almedina, 2006, p. 624.
65
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
cumprimento da prestação ainda é possível, à luz das motivações das partes objetivamente
avaliadas.
Vimos supra que são dois os requisitos que permitem a parte utilizar a execução
específica a seu favor e ver assim cumprida a prestação emergente do contrato-promessa
de doação: a não existência de convenção em contrário e a compatibilidade com a
natureza da obrigação assumida.
Por esta via, e salvo melhor opinião, há que atentar ao especial tipo de vontade
que deverá existir no contrato-promessa de doação e consequente contrato prometido de
doação. Já tivemos oportunidade de ver e rever o sentido do âmbito subjetivo deste
negócio jurídico: a espontaneidade, liberalidade e animus donandi. Este é um pressuposto
inultrapassável para a validade do contrato de doação, correspondendo a um detalhe
intrínseco ao doador, uma motivação interina que o leva a querer celebrar um contrato
desta espécie. Trata-se de um ato voluntário e unicamente presente no animus do doador,
alheio a qualquer vontade de terceiro. Implica a generosidade e a espontaneidade, que
formam a vontade de querer doar um bem ou um direito e que viabiliza e concretiza
123
CALVÃO DA SILVA, Sinal e Contrato-Promessa, Edições Almedina, 2017, p. 145.
66
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
124
GRAVATO MORAIS, Contrato-Promessa em Geral e Contratos-Promessa em Especial, Edições
Almedina, 2009, p. 118.
67
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
Para tal, alegava a Autora que o Réu prometeu doar um prédio urbano a quem aquela
(Autora) indicasse, posteriormente tendo se recusado a efetuar a respetiva doação,
concluindo validamente o negócio. Na parte oposta, o Réu invoca a não admissibilidade
da execução específica no âmbito do contrato promessa de doação.
125
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume III, Edições Almedina, 2016, p. 193;
126
ANA PRATA, O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, Edições Almedina, 2006, p. 315.
127
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 21 de novembro de 2006, processo 06A3608, consultável
em www.dgsi.pt.
68
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
promessa de doação fosse efetivamente válida, ela valeria imediatamente como própria
doação, acrescentando o argumento da proibição da doação de bens futuros, previsto no
artigo 942.º do Código Civil.
Não obstante, invoca que a doutrina tem sido no sentido de ser possível a promessa
de doação, trazendo à colação o diversos Acórdãos onde o entendimento recaiu sobre o
facto de que sendo uma atribuição solvendi causa o contrato prometido não representa
uma segunda doação, mas é, efetivamente, uma disposição gratuita feita pelo disponente
a favor do beneficiário, visto ser realizado sem nenhum correspetivo ou contraprestação
por parte deste.
Além disto, “o facto de o contrato prometido (…) não constituir em si mesmo uma
doação (por falta de espírito de liberalidade, próprio da disposição donandi causa), não
impede que ele integre uma doação, visto que a sua causa (a relação jurídica subjacente)
está no contrato-promessa marcada por esse espírito de liberalidade.”. Conclui
enveredando pela validade da promessa de doação.
Não obstante, o Supremo Tribunal de Justiça não detém a convicção que a promessa
de doação é suscetível de execução específica, como determinado no artigo 830.º do
Código Civil. Ensina-nos o Acórdão que este tem sido um pensamento doutrinal e
jurisprudencial unânime, argumentando-se que a sua natureza justifica que as partes terão,
permanentemente, na sua esfera jurídica, a capacidade de desistir do contrato definitivo
até à sua celebração. De outro modo, a própria natureza da obrigação opõe-se à
possibilidade do Tribunal se fazer substituir pelo declarante incumpridor.
69
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
128
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 25 de junho de 2009, processo 2431/04.8TVLSB.L1-6,
consultável em www.dgsi.pt.
70
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
Regressando à análise do caso concreto, aponta que a promitente doadora não realiza
uma disposição de bens que já estejam inseridos na sua esfera jurídica, antes tardando
essa definição para o momento da sua morte. Tal facto não pode deixar de consubstanciar,
na opinião do Tribunal, uma (promessa de) doação de bens futuros. Por outro lado, trata-
se uma doação por morte, proibida pela lei civil e que não se encontra inserida em
qualquer caso excecional.
129
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 29 de junho de 2010, processo 476/99P1.S1, consultável em
www.dgsi.pt.
71
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
Dadas estas premissas, parece claro enveredar pela conclusão que a execução
específica, por ser incompatível com a natureza da obrigação assumida pelas partes
aquando do contrato-promessa, não poderá ter aplicabilidade. Esta é a conclusão que
melhor se coaduna tanto com o pensamento doutrinal em vigor como pelas decisões
proferidas pelos Tribunais superiores, aliadas às normas jurídicas tanto previstas para o
contrato-promessa em geral como para o contrato de doação. Trata-se de um pensamento
72
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
Por conseguinte, e tratando agora das consequências caso não fosse cumprida a
celebração do contrato de doação, se o doador faltasse ao cumprimento da obrigação,
perderia a totalidade do que foi entregue ao donatário. Por outro lado, se o donatário não
celebrasse o contrato prometido, ficaria obrigado na restituição do sinal em dobro.
Salvo melhor opinião, carece de total lógica prática a aplicação do regime do sinal
ao contrato-promessa de doação. É uma cláusula tipicamente pertencente ao leque de
contratos não gratuitos130131, derivado dos seus efeitos e das suas consequências práticas:
entrega de uma coisa que, em regra, será “abatida” na prestação final e que tem incidência
prática única e exclusivamente em sede de incumprimento, atribuído as devidas
consequências onerosas.
130
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume III, Edições Almedina, 2016, p. 193;
131
MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil XI, Edições Almedina, 2018, p. 412.
73
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
Por outro lado, e como temos vindo a expor ao longo da nossa reflexão, um dos
princípios basilares do ordenamento jurídico é a autonomia da vontade, temperado pela
liberdade contratual que pertence a todos os sujeitos jurídicos aquando da celebração e
estipulação de cláusulas contratuais. Seria, à luz desta perspetiva, aceitável que as partes
pudessem atribuir consequências deste âmbito ao incumprimento do doador, validado
através das declarações de vontade expressas no contrato, aliado à conduta tanto de
74
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
entrega como de aceitação do sinal? A existência desta consequência teria como único
fundamento a vontade das partes que por si, e por sua motivação, quiseram atribuir àquela
prestação o caráter de sinal e, necessariamente, estipular como consequência de
incumprimento as sequelas previstas no número 2 do artigo 442.º do Código Civil.
Embora carregado de alguma lógica, nem por isso se pode aceitar a existência do
sinal em sede de contrato-promessa de doação. Não podemos olvidar a característica
basilar do contrato de doação e que está, inevitavelmente, ligada ao contrato de promessa
preliminar àquele: a generosidade, espírito de liberalidade, espontaneidade e altruísmo.
132
CALVÃO DA SILVA, Sinal e Contrato-Promessa, Edições Almedina, 2017, p. 135.
75
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
133
MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil XI, Edições Almedina, 2018, p. 414;
134
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 26 de junho de 2009, processo 2431/04.8TVLSB.L1-6,
consultável em www.dgsi.pt.
135
MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil XI, Edições Almedina, 2018, p. 413 e 414.
76
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
do doador e acabaria sempre por existir a efetiva doação, mesmo que de forma
“disfarçada”.
E, salvo melhor opinião, de outra forma não poderia ser: a responsabilidade civil
terá o seu âmbito de aplicação, em regra, a todos os danos provocados por sujeitos
jurídicos ilicitamente a outrem, não se encontrando, em sede de contrato-promessa de
doação qualquer obstáculo a essa aplicabilidade, tanto normativa como pelo próprio
raciocínio consubstanciado a ambos os institutos.
136
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 21 de novembro de 2006, processo 06A3608, consultável
em www.dgsi.pt.
77
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
civil pré-contratual, uma vez que esta só existirá na faze negocial, nos termos do disposto
no artigo 227.º, número 1 do Código Civil. Uma vez que a questão em análise se reporta
exatamente ao incumprimento da obrigação principal prevista no contrato-promessa,
carecia de qualquer lógica analisar neste âmbito esta forma de responsabilidade civil.
Neste sentido, JOSÉ DIOGO FALCÃO, que para além de integrar tais circunstâncias
no quadro da responsabilidade civil contratual, ensina esta será a típica solução para quem
quer se ver ressarcido por incumprimento de contrato-promessa em que a obrigação
prevista no contrato prometido tem um caráter pessoal e infungível, que é exatamente o
caso da doação, devido ao requisito subjetivo ao mesmo inerente.138 A maior
consequência desta qualificação será da presunção da culpa do promitente faltoso, nos
termos do número 1 do artigo 799.º do Código Civil. 139
137
ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume I, Livraria Almedina, 2000, p. 520.
138
JOSÉ FALCÃO, Súmula sobre o incumprimento do contrato-promessa, p. 907;
139
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume I, Edições Almedina, 2017, p. 276.
78
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
jurídico, nos termos do número 1 do artigo 799.º do Código Civil, aplicando-se o disposto
no artigo 350.º do mesmo diploma (Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de
provar o facto a que ela conduz).
140
ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume I, Livraria Almedina, 2000, p. 598.
141
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 24 de janeiro de 2012, processo 540/2001.P1.S1, consultável
em www.dgsi.pt;
79
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
de 3 de fevereiro de 1999142, quando afirma que “No plano teórico, são ressarcíveis os
danos não patrimoniais decorrentes de um ilícito contratual.”
Tudo isto terá que ser aperfeiçoado e confirmado pelo nexo de causalidade, isto é,
na ligação causa-efeito entre o facto danoso e o prejuízo, por aplicação simultânea da
teoria da causalidade adequada e no pressuposto que a condição seja sine qua non da
lesão.144
142
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 3 de fevereiro de 1999, processo 98A1262, consultável em
www.dgsi.pt;
143
CARLOS FILIPE COSTA, A ressarcibilidade de Danos Não Patrimoniais no Direito Civil e no Direito do
Consumo, disponível em https://novaconsumerlab.novalaw.unl.pt/a-ressarcibilidade-de-danos-nao-
patrimoniais-no-direito-civil-e-no-direito-do-consumo/;
144
ANA PRATA, Dicionário Jurídico, Edições Almedina, 2006, p. 204 e 205;
145
Conforme exposto na página 76 e 77 da presente dissertação.
80
O contrato-promessa de doação: a sua admissibilidade no ordenamento jurídico português e as
consequências do seu incumprimento
Acreditamos, por outro lado, que o valor da indemnização será aquele que
efetivamente o promitente cumpridor conseguir provar que sofreu e que nem sempre se
consubstanciará no valor económico daquele que seria o objeto do contrato de doação,
podendo variar consoante a prova que se faça em juízo. Neste sentido, importa verificar
que na responsabilidade contratual haverá que fazer a distinção entre a prestação em falta
(que no caso seria o não cumprimento do contrato-promessa) e a vantagem que o
promitente defraudado se viu concretamente privado (como lucro cessante), que é o que
consubstancia, no âmbito da responsabilidade civil contratual, os lucros cessantes.146 Fica
fora deste segundo grupo o valor concreto do bem, atendendo-se apenas àquelas
vantagens concretas e explícitas que o promitente cumpridor se viu limitado por conta da
conduta lesiva do promitente faltoso.
146
ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume I, Livraria Almedina, 2000, p. 599 e 600.
81
82
Conclusão
83
Este último, pilar da presente exposição por ser a partir dele que se poderá
inviabilizar a existência de um contrato-promessa de doação, tem sido entendido pela
doutrina e jurisprudência como um animus donandi, ou seja, que a celebração seja feita
tendo por base uma generosidade e uma prática de um ato que, a priori, não terá
correspetivo (característica da gratuidade) e que acarreta em si um sentido de
desvinculação jurídica, existindo apenas por vontade liberatória das partes. A falta deste
requisito tem como consequência a não consagração no negócio como uma doação. A
importância deste requisito para exposição do tema levou-nos a elaborar um estudo mais
profundo, consubstanciado numa pesquisa doutrinal e jurisprudencial completa.
84
gratuidade da doação limitaria a possibilidade da sua promessa. Ora, se a doação é um
contrato onde se sublinha a liberdade de estipulação, temperado pelo imprescindível
espírito de liberalidade, a sua prometibilidade não seria possível juridicamente. Além
disso, invocam a proibição de doação de bens gratuitos e a falta de proteção existente em
relação ao promitente donatário, decorrente da falta de responsabilidade do promitente
doador em relação aos ónus ou limitações do direito transmitido ou pelos vícios da coisa.
Por fim, rematam com a liberdade de revogação da declaração negocial e com as
formalidades mínimas necessárias para o contrato de doação que têm como objetivo uma
reflexão mais profunda por parte do doador para decisão de concluir um contrato deste
género.
85
Afastámos, em primeiro lugar, a aplicabilidade da execução específica. Este é um
pensamento unânime entre os que aceitam a existência de um contrato-promessa de
doação, tendo por fundamento a própria natureza da obrigação. Assim, concluímos que o
instituto da execução específica é incompatível com a natureza da obrigação assumida
pelas partes, por ser necessário verificar-se uma liberalidade que não é subsumível à
substituição por sentença judicial. Em segunda instância, afastámos, igualmente, a
aplicação a este contrato do regime do sinal. O sinal trata-se de uma cláusula característica
de contratos onerosos, escapando pela suas regras e própria razão de ser ao contrato de
doação. Por outro lado, a aplicabilidade das consequências inerentes ao regime do sinal
afastariam, forçosamente, a espontaneidade que deve estar presente no contrato de
doação, contornando o animus donandi pela imposição de consequências jurídicas não
compagináveis com os princípios basilares do contrato típico. Para nós, não é concebível
que sejam atribuídos tais efeitos por o contraente ter tomado uma decisão que lhe é
juridicamente legítima – a decisão liberatória de não praticar uma liberalidade.
Por fim, vimos que a consequência exclusiva para o não cumprimento do contrato-
promessa de doação, recai, ultimamente, nas cláusulas gerais de responsabilidade civil
contratual. Apresenta-se, a nosso ver, como a válvula de escape e é aceite pela maioria da
doutrina e da jurisprudência. Se verificados todos os pressupostos de nascimento de uma
obrigação, o contraente faltoso teria, necessariamente, que ressarcir o contraente
cumpridor por todos os danos que advieram da sua conduta culposa, consubstanciada no
incumprimento do contrato preliminar à doação. Maiores dificuldades poderiam surgir
em relação ao valor dos danos a ser ressarcidos, sendo que parte da doutrina invoca que
seria, naturalmente, o valor económico do objeto da doação. Não obstante, no âmbito da
responsabilidade civil contratual é necessário distinguir entre a prestação em falta e a
vantagem que o promitente se viu concretamente privado e, por esta razão, invoca-se que
seriam ressarcíveis apenas os danos que o promitente cumpridor efetivamente sofreu e
não o valor económico aliado ao objeto da doação, numa lógica de lucros cessantes. Tal
circunstancialismo teria sempre de ser acompanhado por uma base probatória
consolidado.
86
responsabilidade civil contratual, sendo-lhe sempre garantido um direito a uma
indemnização pelos danos causados pela conduta faltosa e culposa do contraente que não
levou a cabo o contrato-promessa de doação.
87
Bibliografia
BARBOSA, Paula – Doações entre cônjuges. Coimbra: Coimbra Editora, 2018. ISBN
978-972-32-1553-3
COSTA, Mário Júlio Almeida, Contrato-Promessa Uma Síntese do Regime Atual. 9.ª
Edição. Coimbra: Edições Almedina, 2007. ISBN 978-972-40-3290-0
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes - Direito das Obrigações, Vol. III. 11.ª Edição.
Coimbra: Edições Almedina, 2016. ISBN 978-972-40-6786-6;
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes - Direito das Obrigações, Vol. I. 14.ª Edição.
Coimbra: Edições Almedina, 2017. ISBN 978-972-40-6847-3;
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes - Direito das Obrigações, Vol. II. 11.ª Edição.
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Anotado, Vol. I. 2.ª Edição. Coimbra: Coimbra Editora, 1979. ISBN 978-972-32-0037-9
LIMA, Fernando Andrade Pires de; VARELA, João de Matos Antunes, Código Civil
Anotado, Vol. II 3.ª Edição. Coimbra: Coimbra Editora, 1979. ISBN 978-972-32-0788-0
88
PEDRO, Rute Teixeira – Código Civil Anotado, Vol. I, Ana Prata (Coord.), 2.ª Edição.
Coimbra: Edições Almedina, 2019. ISBN 978-972-40-8143-4
PRATA, Ana – Dicionário Jurídico, Vol. I. 4.ª Edição. Coimbra: Edições Almedina,
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VARELA, João de Matos Antunes – Das obrigações em geral, Vol. I. 10.ª Edição.
Coimbra: Livraria Almedina – Coimbra, 2000. ISBN 978-972-40-8787-0
89
Índice
Agradecimentos ............................................................................................................... 5
Resumo ............................................................................................................................. 7
Abstract ............................................................................................................................ 8
Introdução ........................................................................................................................ 9
90
i. A execução específica ...................................................................................... 65
ii. O regime do sinal adaptado .............................................................................. 73
iii. A responsabilidade civil e o direito de indemnização .................................. 76
Conclusão ....................................................................................................................... 83
Bibliografia .................................................................................................................... 88
Índice .............................................................................................................................. 90
91