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Criminologia

Sistema penal e controle social. Política criminal e penitenciária no Brasil. O encarceramento no Brasil:
dados e perspectivas. O sistema penal brasileiro. Processo de criminalização. Criminalização primária, se-
cundária e terciária. Vitimologia e vitimização. Prevenção primária, secundária e terciária. Racismo e suas
vertentes: Teoria individualista, institucional e estrutural. Policização e militarização.
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SUMÁRIO
1. SISTEMAS PENAIS ....................................................................................................................................................................................... 4
2. CONCEITO DE CRIMINOLOGIA.................................................................................................................................................................... 6
3. CONTROLE SOCIAL ...................................................................................................................................................................................... 7
4. POLÍTICA CRIMINAL, DIREITO PENAL, POLÍTICA PENITENCIÁRIA E CRIMINOLOGIA .................................................................................. 7
5. PRIVATIZAÇÃO DOS PRESÍDIOS .................................................................................................................................................................. 9
6. REVISTA ÍNTIMA E O ALARMANTE AUMENTO CARCERÁRIO FEMININO ..................................................................................................12
7. CRIMINOLOGIA GERAL X CRIMINOLOGIA CLÍNICA ...................................................................................................................................15
8. CRIMINALIZAÇÃO PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA ........................................................................................................................18
9. VITIMIZAÇÃO PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA ...............................................................................................................................20
10. VITIMIZAÇÃO X VITIMOLOGIA ................................................................................................................................................................21
11. ESTATÍSTICA CRIMINAL E CIFRAS ............................................................................................................................................................22
12. PREVENÇÃO PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA ...............................................................................................................................22
13. AS TRÊS CONCEPÇÕES DO RACISMO ......................................................................................................................................................24
13.1 RACISMO ..............................................................................................................................................................................................25
13.2 PRECONCEITO RACIAL ..........................................................................................................................................................................25
13.3 DISCRIMINAÇÃO RACIAL ......................................................................................................................................................................25
13.4 CONCEPÇÃO INDIVIDUALISTA ..............................................................................................................................................................26
13.5 CONCEPÇÃO INSTITUCIONAL ...............................................................................................................................................................26
13.6 CONCEPÇÃO ESTRUTURAL ...................................................................................................................................................................27
14. CONCEITOS DA CONVENÇÃO INTERAMERICANA CONTRA TODA FORMA DE DISCRIMINAÇÃO E INTOLERÂNCIA ...............................29
14.2 DISCRIMINAÇÃO MÚLTIPLA OU AGRAVADA ........................................................................................................................................30
14.3 MEDIDAS ESPECIAIS OU DE AÇÃO AFIRMATIVA ...................................................................................................................................30
14.4 INTOLERÂNCIA .....................................................................................................................................................................................30
15. POLICIZAÇÃO E MILITARIZAÇÃO.............................................................................................................................................................30
16. MODELOS DE REAÇÃO SOCIAL ...............................................................................................................................................................31
16.2 MODELO RESSOCIALIZADOR ................................................................................................................................................................32
16.3 MODELO RESTAURADOR (INTEGRADOR) ............................................................................................................................................32

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Sistema penal e controle social. Política criminal e penitenciária no Brasil. O encarceramento no Brasil: dados
e perspectivas. O sistema penal brasileiro.

Fala, galera. Sejam todos bem-vindos ao RDP. Hoje damos início a um grande passo na vida de cada
um de vocês. Deixem-me contar uma coisa bem rápida.

O nosso propósito é fazer com que você aprenda. Ponto final. Não vamos ficar aqui enrolando, en-
chendo linguiça com coisa desnecessária, falando difícil, etc. O RDP não tem isso! Aqui é objetividade. Se é
importante, veremos. Se não é, sequer estará aqui.

O tempo é o bem mais valioso do mundo. Pensem comigo!

Você poderia estar gastando o seu tempo agora para estar com seu filho, esposo, esposa, mãe, pai,
irmão, namorada, namorado, ou até mesmo passeando com o seu cachorro. Sendo assim, por que eu vou ficar
jogando informação desnecessária se o seu tempo é tão caro? É por isso que nesses próximos meses vamos
tentar dar o máximo de informação com a maior objetividade do mundo.

Antes de iniciar a primeira meta, abra a câmera do seu celular nesse QR CODE e ouça o depoimento
desse nosso ex-aluno extensivo aprovado na DP-DF em 2019, Victor Santana1, atual Promotor de Justiça da
Bahia.

Depoimento de aluno aprovado na DP-DF


Em todos nossos resumos, trabalharemos aspectos doutrinários, jurisprudenciais, e sempre trazendo
questões de provas de Defensoria Pública realizada pelas mais variadas bancas no Brasil.2

Ao final do resumo, sempre haverá questões objetivas para fixação, acompanhadas de gabarito e ga-
barito comentado.

1 Caso não consiga acessar o QR CODE, clique no presente link: https://m.soundcloud.com/curso-rdp/depoimento-victor-santana-ex-

aluno/s-mzkVb4zTlPT. Acesso em 17/01/2022.


2 Queria sugerir para que, nos próximos dias, tire pelo menos 20 minutos para conhecer a Pesquisa Nacional sobre a DP em 2022. Você

pode acessar a pesquisa clicando: https://pesquisanacionaldefensoria.com.br/download/pesquisa-nacional-da-defensoria-publica-


2022-eBook.pdf. E para acessar a cartografia feita em 2022, clique aqui: https://pesquisanacionaldefensoria.com.br/download/carto-
grafia-da-defensoria-publica-no-brasil-2022-ebook.pdf

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1. SISTEMAS PENAIS

Agora sim, vamos começar.

Meus amigos e minhas amigas, segundo Nilo Batista, “devemos distinguir direito penal do sistema
penal. O direito penal seria o conjunto de normas jurídicas que preveem os crimes e lhes cominam sanções,
bem como disciplina a incidência e validade de tais normas, a estrutura geral do crime e a aplicação e execução
das sanções cominadas”. 3

Isso é o direito penal.

O sistema penal é outra coisa, que vou tentar explicar agora (espero conseguir, rs).

Bem! Nilo Batista ensina que “a polícia judiciária investiga um crime, sujeitando-se (ou pelo menos
devendo sujeitar-se) às regras que o Código de Processo Penal consagra ao inquérito policial e às provas. O
inquérito é concluído e encaminhado a uma vara criminal. Condenado o réu à pena privativa de liberdade, no
caso de iniciar-se em regime fechado, deverá aquele ser encaminhado a uma penitenciária, espécie do gênero
“estabelecimento penal”, submetido ao que dispõe a Lei de Execução Penal – LEP”.

“Vimos a sucessiva intervenção, em três nítidos estágios, de três instituições: a ins-


tituição policial, a instituição judiciária e a instituição penitenciária. A esse grupo de
instituições, que, segundo as regras pertinentes, se incumbe de realizar direito pe-
nal, chamamos de SISTEMA PENAL.”4

Zaffaroni (apud Nilo Batista), lembra que “sistema penal pode ser conceituado como o controle puni-
tivo institucionalizado, atribuindo à vox “institucionalizado” a acepção concernente a procedimentos estabe-
lecidos, ainda que não legais. Isso lhe permite incluir no conceito de sistema penal casos de ilegalidade esta-
belecidas como práticas rotineiras, mais ou menos toleradas (ex.: tortura para obtenção de confissões na po-
lícia, uso ilegal de celas “surdas”, etc.) (...) O sistema penal a ser conhecido e estudado é uma realidade, e não
aquela abstração dedutível das normas jurídicas que o delineiam”.

É que o sistema penal é apresentado como igualitário, atingindo igualmente as pessoas em função de
suas condutas, quando na verdade seu funcionamento é SELETIVO, atingindo apenas determinadas pessoas
integrantes de determinados grupos sociais (NILO BATISTA).

Por fim, é importante frisar que “o sistema penal se apresenta comprometido com a proteção da dig-
nidade da pessoa humana – a pena deveria, disse certa vez Roxin, ser vista como o serviço militar ou o paga-
mento de impostos – quando na verdade é estigmatizante, promovendo uma degradação na figura social de
sua clientela. O instituto Interamericano de Direitos Humanos realizou uma pesquisa sobre sistemas penais e
direitos humanos na América Latina, cujo informe final, redigido por Zaffaroni, constitui o mais atual e

3 Batista, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 12ª Edição, revista e atualizada. Rio de Janeiro. Revan, 2017.
4 Nilo Batista, idem p. 24/25.

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completo documento crítico sobre a realidade de nossos sistemas penais. Seletividade, repressividade e estig-
matização são algumas características centrais dos sistemas penais como o brasileiro”.5

Erick Maia, nosso ex-aluno e atual Defensor da DPE/RJ, em sua obra “Execução penal e criminologia:
Defensoria Pública - ponto a ponto” deixa claro que

“diversos estudos criminológicos nos mostram que é impossível entender verdadeira-


mente o sistema penal sem entender as opressões estruturais e estruturantes de
nossa sociedade, marcadamente racista e sexista. Estudo inédito da Defensoria Pú-
blica do Rio mostra que o fator racial ainda tem impacto significativo nas prisões em
flagrante. Dos 23.497 homens e mulheres conduzidos a audiências de custódia de se-
tembro de 2017 a setembro de 2019 ouvidos pela instituição, cerca de 80% declara-
ram-se pretos ou pardos. O grupo também tem mais dificuldade para obter liberdade
provisória (27,4% contra 30,8% de brancos) e sofre mais agressões (40% ante 34,5%
de brancos). A pesquisa revela ainda que apenas uma em cada três pessoas consegue
liberdade provisória ou relaxamento da prisão. Mais de 80% dos casos analisados fo-
ram presos sob acusação de furto, roubo ou com base na Lei de Drogas. Segundo Ca-
roline Tassara, coordenadora do Núcleo de Audiências de Custódia da Defensoria: “a
pesquisa traz dados riquíssimos que permitem identificar, a partir da análise de mais
de 23 mil casos, quem são as pessoas presas em flagrante no estado do Rio de Janeiro
e denunciar a inegável seletividade do sistema penal”6

Veja abaixo como foi cobrado na prova aberta da DPE-RJ de 2018 (banca própria).

Não é demais lembrar, nas palavras de Nilo Batista,

“que a Criminologia Crítica insere o sistema penal – e sua base normativa, o direito
penal – na disciplina de uma sociedade de classes historicamente determinada e
trata de investigar, no discurso, as funções ideológicas de proclamar uma igualdade
e neutralidade desmentidas pela prática. Como toda teoria crítica, cabe a tarefa de
“fazer aparecer o invisível”.7

5 Nilo Batista, idem p. 26.


6 Execução penal e criminologia / Erick de Figueiredo Maia ; coordenado por Marcos Vinícius Manso Lopes Gomes. - São Paulo : Saraiva
Educação, 2021. (Defensoria pública – ponto a ponto).
7 Idem, p. 32.

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Agora eu já vou partir para o conceito de Criminologia, porque certamente você já está esperando por
isso!

Simbora!

2. CONCEITO DE CRIMINOLOGIA

Entendido sistemas penais, vamos avançar para tratar sobre o conceito de criminologia.

Segundo Nestor Sampaio8,

“pode-se conceituar criminologia como a ciência empírica (baseada na observação


e na experiência) e interdisciplinar que tem por objeto de análise o crime, a perso-
nalidade do autor do comportamento delitivo, da vítima e o controle social das con-
dutas criminosas. A criminologia é uma ciência do “ser”, empírica, na medida em
que seu objeto (crime, criminoso, vítima e controle social) é visível no mundo real e
não no mundo dos valores, como ocorre com o direito, que é uma ciência do “dever-
ser”, portanto normativa e valorativa. A interdisciplinaridade da criminologia de-
corre de sua própria consolidação histórica como ciência dotada de autonomia, à
vista da influência profunda de diversas outras ciências, tais como a sociologia, a
psicologia, o direito, a medicina legal, etc. Embora exista um consenso entre os cri-
minólogos de que a criminologia ocupe uma instância superior, esta não se dá de
forma piramidal, pois não existe preferência por nenhum saber parcial”.

Portanto, segundo o autor, o objeto da criminologia se resume no seguinte quadro:

Extraída do Livro de Nestor Sampaio Penteado, Manual Esquemático de


Criminologia.

8 NESTOR SAMPAIO PENTEADO FILHO. MANUAL ESQUEMÁTICO DE CRIMINOLOGIA (Locais do Kindle 258-274). Saraiva. Edição do Kin-

dle.

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3. CONTROLE SOCIAL

No que tange ao ponto abordado, o candidato deve saber, de início, o que é controle social e suas
espécies (formal e informal).

Para isso, o próprio Nestor Sampaio Penteado filho9 esclarece que “o controle social é também um dos
caracteres do objeto criminológico, constituindo-se em um conjunto de mecanismos e sanções sociais que bus-
cam submeter os indivíduos às normas de convivência social. Há dois sistemas de controle que coexistem na
sociedade: o controle social informal (família, escola, religião, profissão, clubes de serviço, etc.), com nítida
visão preventiva e educacional, e o controle social formal (Polícia, Ministério Público, Forças Armadas, Justiça,
Administração Penitenciária, etc.), mais rigoroso que aquele e de conotação político-criminal”.

Em síntese:

FORMAS DE CONTROLE SOCIAL


FORMAL INFORMAL
Polícia, Ministério Público, Forças Armadas, Justiça, Família, escola, religião, profissão, clubes de serviço,
Administração Penitenciária, etc. etc.

4. POLÍTICA CRIMINAL, DIREITO PENAL, POLÍTICA PENITENCIÁRIA E CRIMINOLOGIA

Ainda, é importante que o candidato que estuda para Defensoria Pública saiba diferenciar os seguintes
institutos:

• política criminal,
• direito penal,
• política penitenciária e
• criminologia.

Lembra Nestor Sampaio (2019) que “o direito penal conceitua crime como conduta (ação ou omissão)
típica, antijurídica e culpável (corrente causalista). Por seu turno, a criminologia vê o crime como um problema
social, um verdadeiro fenômeno comunitário, abrangendo quatro elementos constitutivos, a saber: incidência
massiva na população (não se pode tipificar como crime um fato isolado); incidência aflitiva do fato praticado
(o crime deve causar dor à vítima e à comunidade); persistência espaço-temporal do fato delituoso (é preciso
que o delito ocorra reiteradamente por um período significativo de tempo no mesmo território) e consenso
inequívoco acerca de sua etiologia e técnicas de intervenção eficazes (a criminalização de condutas depende
de uma análise minuciosa desses elementos e sua repercussão na sociedade)”.10

Quanto à política criminal, assevera Nilo Batista:

9 NESTOR SAMPAIO PENTEADO FILHO. MANUAL ESQUEMÁTICO DE CRIMINOLOGIA (Locais do Kindle 338-349). Saraiva. Edição do Kin-

dle.
10 NESTOR SAMPAIO PENTEADO FILHO. MANUAL ESQUEMÁTICO DE CRIMINOLOGIA (Locais do Kindle 289-304). Saraiva. Edição do

Kindle.

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(...) Do incessante processo de mudança social, dos resultados que apresentem no-
vas ou antigas propostas do direito penal, das revelações empíricas propiciadas pelo
desempenho das instituições que integram o sistema penal, dos avanços e desco-
bertas da tecnologia, surgem os princípios e recomendações para a reforma ou
transformação da legislação criminal e de seus órgãos encarregados de sua aplica-
ção. A esse conjunto de princípios e recomendações denomina-se política criminal.11

Segundo Alessandro Baratta12, temos algumas indicações estratégicas de política criminal, sendo elas:

01. Não reduzir a política de transformação social à política penal.


02. Entender que o sistema penal é ontologicamente desigual, a seletividade faz
parte da sua natureza.
03. Lutar pela abolição da pena privativa de liberdade.
04. Travar a batalha cultural e subjetiva contra a legitimação do direito desigual atra-
vés das campanhas de lei e ordem.

Já a política penitenciária define estratégias que buscam compreender a crise da política criminal, so-
bretudo nos presídios.

Por fim, é importante revisar alguns conceitos:

DIREITO o Direito Penal tem como preocupação o crime enquanto norma. Isto porque
PENAL o direito penal é uma ciência normativa.
A Criminologia, por outro lado, é uma ciência empírica e interdisciplinar que
CRIMINOLOGIA
se ocupa do estudo do criminoso, da vítima, do delito e do controle social.
A política criminal define estratégias para o controle social. Assim, por exem-
POLÍTICA
plo, a política criminal estuda em como diminuir o índice de furtos cometidos
CRIMINAL
em determinada região.13
POLÍTICA Já a política penitenciária define estratégias que buscam compreender a crise
PENITENCIÁRIA da política criminal, sobretudo nos presídios.
Consiste na sistematização, comparação e classificação dos resultados obtidos
CRIMINOLOGIA
no âmbito das ciências criminais acerca do crime, criminoso, vítima, controle
GERAL
social e criminalidade.
CRIMINOLOGIA Consiste na aplicação dos conhecimentos teóricos da criminologia geral para
CLÍNICA o tratamento dos criminosos.

11 Batista, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 12ª Edição, revista e atualizada. Rio de Janeiro. Revan, 2017.
12 BARATTA, Alessandro. “Defesa dos Direitos Humanos e política criminal”. Rio de Janeiro, 1997.
13 Futuro(a) Defensor(a), preciso que você pare o que estiver fazendo e assista a esse vídeo em que o professor Juarez Cirino (uma das

maiores autoridades do direito penal brasileiro) debate com o promotor Rogério Sanches sobre uma possível reforma no Código Penal:
https://www.youtube.com/watch?v=90mFIO5yiR8

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5. PRIVATIZAÇÃO DOS PRESÍDIOS

Como curso específico que somos, não há como ignorar o tema sobre a privatização dos presídios no
Brasil, sobretudo porque os argumentos a favor são extremamente frágeis, trazendo a clara e nítida sensação
de “mercantilização” do sofrimento.

Na Nota Técnica sobre a proposta de privatização dos presídios em São Paulo14, por exemplo, vários
foram os argumentos contra a referida privatização, lembrando que a referida nota técnica foi elaborada em
parceria com o IBCcrim e outras entidades, no ano de 2019.

A nota aponta, por exemplo, que no estado de São Paulo, “apenas 13% dos presos trabalham, ressal-
tando que o regime de trabalho não é regulado pela CLT e que, na imensa maioria das vezes, o preso sequer
recebe o salário estabelecido pela Lei de Execução Penal de ¾ do salário-mínimo, chegando a trabalhar de
graça ou por valores irrisórios. Em relação aos estudos, a situação é ainda pior: apenas 10% das pessoas presas
estudam, tudo conforme referido Levantamento do Infopen”.

Em relação ao perfil da população aprisionada no país, a nota estabelece que “91% não concluiu se-
quer o ensino médio; 64% da população prisional é composta por pessoas negras, enquanto na população
brasileira acima de 18 anos, em 2015, a parcela negra representava 53%, indicando a sobre-representação
deste grupo populacional no sistema prisional”.

Veremos abaixo alguns dos argumentos trazidos pela nota técnica.

ARGUMENTO 01

Justificativas elencadas nos processos de privatização e a falácia da redução de custos e garantia de direitos –
processo desumanizador – a pessoa presa como mercadoria

A nota técnica avaliou os custos mensais de cada pessoa presa, e chegou à conclusão, à época, que o
custo mensal por preso no Estado de São Paulo era de R$ 1.580,00. Esse valor, no entanto, é muito inferior ao
que se tem visto na Parceria Público-Privada de Ribeirão das Neves, em MG. Vejamos parte da Nota Técnica:

(...) Na parceria Público-Privada de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, o gasto


informado é de: a) Valor do contrato: R$ 2.111.476.080,00 (dois bilhões, cento e
onze milhões, quatrocentos e setenta e seis mil e oitenta reais); b) contraprestação
mensal (valor vaga/dia/preso – R$74,63 – mais de 2 mil reais mensais) com paga-
mento mínimo de 90% da ocupação; c) parcela anual de desempenho (quanto mais
preso trabalhar, mais lucro haverá) d) e outra referente ao parâmetro de excelência.
Somados todos esses valores, cada pessoa presa no referido complexo prisional
custa R$3.500,00 (três mil e quinhentos reais). Valor superior, também, à média da-
quele estado.”

14 Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/nota-entidades-privatizacao-presidios-sp.pdf. Acesso em: 03/05/2021.

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No estado do Amazonas, por exemplo, o valor por preso ainda é mais alto, chegando a R$ 4.700,00
(quatro mil e setecentos reais).

(...) No estado do Amazonas, o valor é ainda mais alto. Veja-se que, no Complexo
Penitenciário Anísio Jobim – COMPAJ -, onde 67 pessoas foram mortas em janeiro
de 2017, é de R$ 4.700,00 (quatro mil e setecentos reais) o gasto por pessoa presa”.

Com todos esses gastos, por exemplo, poder-se-ia imaginar que essas pessoas presas tinham melhores
condições no cárcere, por exemplo, o que, segundo o documento não condiz com a realidade, já que o Rela-
tório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) em visita a presídios privatizados,
na modalidade cogestão, no estado do Amazonas, entre os quais o COMPAJ, em 2015, apontou:

“(...) pode-se afirmar que os presos das penitenciárias masculinas visitadas pelo
MNPCT basicamente se autogovernam, criando regras extralegais ou ilegais que afe-
tam drasticamente a segurança jurídica e a vida das pessoas privadas de liberdade.
Esse quadro se torna ainda mais crítico para as pessoas nos "seguros". Em vista disso,
os presos podem ser extorquidos, ameaçados e, inclusive, mortos pelos demais de-
tentos. Por estar ausente, o Estado dificilmente conseguirá averiguar tais fatos devi-
damente”.15

A nota técnica também estabelece que “os famosos objetivos declarados para a privatização não se
sustentam com racionalidade. Pelo contrário. Infelizmente, o interesse do capital é que acaba prevalecendo,
enxergando no corpo preso – em regra, negro, pobre e periférico – uma mercadoria a ser explorada. Princi-
palmente no Brasil, onde esse “mercado” cresce exponencialmente. Basta lembrar que se trata da segunda
maior taxa de encarceramento, apenas perdendo para a Indonésia”.

Portanto, está refutado o argumento de redução de gastos com a privatização dos presídios.

ARGUMENTO 02

O segundo argumento utilizado na nota técnica foi o fracasso do modelo de privatização dos presídios
nos Estados Unidos. O documento lembra que “em 2016, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos,
equivalente ao Ministério da Justiça brasileiro, anunciou que pretendia acabar com os contratos federais de
prisões privatizadas. Nas palavras da subsecretária de Justiça, Sally Yates, as prisões privadas: "Não oferecem
o mesmo nível de serviços correcionais, programas e recursos, não apresentam redução significativa de custos
e não mantêm o mesmo nível de segurança e proteção”.”

CAIU NA DPE/GO – 2021 – FCC: As dinâmicas contemporâneas das prisões brasileiras:


A) converteram as experiências de justiça restaurativa em modelo principal de resolução de conflitos entre
população prisional e administração penitenciária.
B) revelam a adoção do previdenciarismo penal, abandonando todas as propostas ressocializadoras próprias
do neoliberalismo criminológico.

15 Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/nota-entidades-privatizacao-presidios-sp.pdf. Acesso em: 03/05/2021.

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C) confirmam sua condição de instituição total, isolando os indivíduos por completo de contato com o mundo
exterior, retirando sua personalidade construída na vida antes da prisão.
D) favorecem o surgimento e fortalecimento de facções prisionais em razão de violações de direitos por parte
do Estado.
E) são caracterizadas pelo encarceramento em massa da pobreza gerado notadamente pelo predomínio de
prisões privatizadas nas últimas três décadas.16

ARGUMENTO 03

O terceiro argumento, e talvez um dos mais importantes para nossa preparação, seja sobre a incons-
titucionalidade, não convencionalidade e ilegalidade da referida medida de privatização dos presídios.

Inicialmente, o documento estabelece que “no que se refere à terceirização/privatização da gestão


das unidades prisionais, veja-se que, nos termos estabelecidos pela Secretaria da Administração Penitenciária,
através do termo de referência, haveria a delegação à contratada do controle, inspeção, monitoramento in-
terno, cumprimento de alvará de soltura, gestão de dados de pessoas presas etc. Ocorre que, essas funções
são precípuas do Estado, não podendo de forma alguma serem delegadas à iniciativa privada”.

Além disso, a delegação da assistência social e psicológica a pessoas jurídicas é completamente inviá-
vel, tendo em vista que esses serviços têm implicação direta no tempo de pena a cumprir, e se o presídio
recebe dinheiro do estado pelo quantitativo de presos, qual o interesse em libertá-los?

Nesse sentido a nota técnica:

(...) Também, a delegação de serviços como assistência social e psicológica são in-
constitucionais pois, por realizarem exames criminológicos, investigação disciplinar,
elaborar boletins informativos etc., documentos esses que balizam o deferimento
de direitos como progressão de regime e livramento condicional, têm reflexos no
direito à liberdade e, portanto, refere-se, a contrario sensu, ao poder de punir, que
é, por óbvio, monopólio estatal.

Ademais, entendendo-se que tal atividade exerce poder de polícia, não seria possível sua delegação
nos termos do artigo 4º, inciso III, da Lei nº 11.079/2004, que institui normas gerais para licitação e contratação
de parceria público-privada no âmbito da administração pública:

“Art. 4 o Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes


diretrizes: (...) III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exer-
cício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado”.

Para além do direito interno, a Regra 74.3 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento
de Presos dispõe expressamente que devem os agentes penitenciários ser servidores públicos:

16 GAB: D.

@CURSOEBLOGRDP #TÔCOMORDP 11
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Regra 74 (...) 3. Para garantir os fins anteriormente citados, os funcionários devem


ser indicados para trabalho em período integral como agentes prisionais profissio-
nais e a condição de servidor público, com estabilidade no emprego, sujeito apenas
à boa conduta, eficiência e aptidão física. O salário deve ser suficiente para atrair e
reter homens e mulheres compatíveis com o cargo; os benefícios e condições de
emprego devem ser condizentes com a natureza exigente do trabalho.

Além disso, a nota técnica aponta que é absolutamente inconstitucional a contratação de advoga-
dos/as para prestação de assistência jurídica por parte da contratada, já que tal incumbência cabe à Defensoria
Pública, nos termos dos artigos 134 da Constituição Federal e 61, VIII, da Lei de Execução Penal.

O documento é finalizado com a seguinte conclusão:

“(...) Tendo em vista todos os argumentos acima expostos, as instituições, entidades


e organizações subscritoras rechaçam a possibilidade de terceirização das ativida-
des-fim na gestão das unidades prisionais paulistas, que apenas irão contribuir com
as violações de direitos já existentes, o alargamento do sistema punitivo, o inchaço
dos cárceres e a manutenção da seletividade dos corpos jovens, negros e periféricos,
devendo, sim, o estado, ao contrário, através dos seus três poderes republicanos,
atuar em prol da revisão da política criminal, de modo a buscar discutir a descrimi-
nalização de condutas e, prioritariamente, a garantia de direitos fundamentais e so-
ciais à população paulista, visando à correção das desigualdades sociais, racismo,
preconceito, a fim de constituir-se uma sociedade mais justa, livre e solidária”.

6. REVISTA ÍNTIMA17 E O ALARMANTE AUMENTO CARCERÁRIO FEMININO

Inicialmente, lembro que “revista íntima” está aqui no sentido de alguém ser revistado, como acon-
tece com familiares de presos em situações de visitação, em absoluta violação ao princípio da intranscedência
da pena (ou transcendência mínima). Sobre o tema, é de leitura obrigatória o texto de João Marcos Braga de
Melo escrito no site Conjur, com o título “Revista íntima colabora para o alarmante aumento do encarcera-
mento feminino”18 que trago abaixo:

“Março é considerado o mês das mulheres. Infelizmente, no Brasil, ainda há pouco


o que comemorar e muitos direitos pelos quais lutar. Especialmente, existe uma
forte dificuldade de se consolidar a garantia constitucional de igualdade material de
gêneros, prevista no artigo 5º, I, da Constituição Federal. Interessante que, no
campo do Direito Penal, há algumas práticas atualmente aceitas que possuem gra-
ves consequências para os direitos das mulheres.

17A revista íntima daqueles que vão visitar familiares em prisões é desproporcional, humilhante e viola a dignidade humana.
18Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-mar-15/joao-melo-revista-intima-trafico-encarceramento-feminino. Acesso em:
03/05/2021.

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Um ato bárbaro que ainda acontece em diversas penitenciárias brasileiras é a revista


íntima em visitantes. Embora seja uma prática comum aos visitantes de ambos os
gêneros, ela reflete especialmente no aumento da população carcerária feminina
pelo crime de tráfico de drogas de pequena lesividade, como têm comprovado algu-
mas pesquisas empíricas.

Dados do Departamento Penitenciário Nacional (Infopen de 2018)[1] atestam que a


ampla maioria dos visitantes de presídios é de indivíduos do sexo feminino[2]. A ala
dos detentos masculinos é muito mais visitada do que a das presas[3].

Não é difícil perceber que, no Brasil, por uma cultura estruturalmente machista, os
homens presos recebem o maior número de visitas. Na maioria dos casos, quando
as mulheres estão encarceradas, elas não recebem visitas de seus companheiros.
Além disso, tem sido imposto às mulheres o pesado fardo de manter a unidade fa-
miliar pela prestação do afeto, acolhimento e suporte, mesmo após o encarcera-
mento:

Os dados supracitados corroboram a afirmação de que as mulheres são encarrega-


das pelas normas de gênero de cuidar do seu núcleo afetivo, independentemente das
circunstâncias, atando e sustentando seus laços ternos, sejam eles: maternos, frater-
nos ou matrimoniais, diferentemente do que ocorre com os homens, os quais assu-
mem uma postura individualista e pouco solidária, pois, em que pese receberem mais
visitas, não as realizam[4].

O fato de as mulheres serem as pessoas que mais visitam presos e por elas se sub-
meterem à revista íntima com maior frequência, acaba por contribuir com o vertigi-
noso aumento do encarceramento feminino, em especial pelo crime de tráfico de
drogas de pequena lesividade. Os dados empíricos sobre o encarceramento femi-
nino são alarmantes.

Destaca-se que o Brasil é a quarta maior população carcerária feminina no mundo


(Infopen 2016). O país fica atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia,
em termos de número absoluto de mulheres encarceradas. Quanto à taxa de aprisi-
onamento, em que se indica o número de mulheres presas para cada grupo de cem
mil, o Brasil está na terceira posição entre os países que mais encarceram, ficando
atrás apenas dos Estados Unidos e da Tailândia.

O dado mais estarrecedor, contudo, é o crescimento da população carcerária femi-


nina nos últimos 16 anos. A expansão do encarceramento de mulheres no Brasil não
encontra parâmetro de comparabilidade entre o grupo de países que mais encarce-
ram no mundo. Entre 2000 e 2016, a população carcerária feminina cresceu, no
nosso país, 455%, quase quatro vezes e meia o crescimento da população carcerária
feminina da China.

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A maior causa para o aumento vertiginoso do encarceramento feminino, segundo o


Infopen, são os crimes relacionados com o tráfico de drogas[5], que correspondem
a 62% das incidências penais pelas quais as mulheres privadas de liberdade foram
condenadas ou aguardam julgamento em 2016. Ou seja, três em cada cinco mulhe-
res que se encontram no sistema prisional respondem por crimes ligados ao trá-
fico”.

Apenas para registrar, a Lei de Drogas (Lei n. 11.343, de agosto de 2006) é uma das principais respon-
sáveis pelo encarceramento em massa no país. De 2006 a 2016, o número de encarcerados aumentou em
mais de 300 mil pessoas. Tendo como base a variação da taxa de aprisionamento de 1995 a 2010, o Brasil só
fica atrás da Indonésia, país com regime marcadamente repressor em relação à política de drogas, inclusive
com penalização por morte.19

Na prova discursiva para o cargo de Defensor Público Federal, realizado em 2017 pela banca CESPE,
houve o seguinte questionamento:

A resposta esperada pela banca deveria necessariamente abordar os seguintes aspectos:

“1. O quadro criminológico é de aumento dos índices de encarceramento de mulhe-


res por crimes de drogas.

2. A causa legislativa principal do encarceramento em massa de mulheres por crimes


de drogas é o recrudescimento da apenação desses crimes pela Lei nº 11.343/2006
(Lei de Drogas), quando em comparação com a Lei nº 6.368/1976. Como parcela
significativa (quase 2/3) de encarceramentos femininos decorre do suposto cometi-
mento de crimes de drogas, esse recrudescimento, como política penal e criminal,
causa o incremento direto e exponencial do encarceramento feminino.

19 Execução penal e criminologia / Erick de Figueiredo Maia ; coordenado por Marcos Vinícius Manso Lopes Gomes. - São Paulo : Saraiva

Educação, 2021. (Defensoria pública – ponto a ponto).

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3. A prisão da mulher tem consequências específicas no entorno social e familiar em


razão: de atividades de cuidados familiares tipicamente atribuídas às mulheres; de
maior isolamento da presa; do paradigma de encarceramento masculino, com ali-
mentação/vestuário/atendimento médico/itens de higiene frequentemente inade-
quados à mulher.

4. O art. 318, IV e V, do CPP, com redação dada pela Lei nº 13.257/2016, ampliou as
hipóteses de prisão domiciliar como medida alternativa à prisão preventiva para mu-
lheres gestantes ou com filho de até doze anos incompletos”.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos possui o seguinte precedente no Caso do Presídio Miguel
Castro-Castro vs. Peru: As inspeções vaginais nas prisioneiras realizadas por policiais encapuzados, usando a
força, e sem nenhum outro objetivo que não a intimidação, constituem violência contra as mulheres.

Em SP, embora hoje exista lei proibindo tal prática, nem sempre foi assim.

Em São Paulo, antes da edição de uma lei vedando a prática, foi por meio de
uma ação civil pública que a Defensoria conseguiu suspender as revistas nos
presídios paulistas. No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
negou três ações diretas de constitucionalidade que buscavam invalidar as
Leis fluminenses ns. 7.010 e 7.011, ambas de 2015. Essas leis só permitem a
prática de revistas íntimas após exame de escâner e em caso de fundada sus-
peita. Foram editadas para assegurar o cumprimento de direitos fundamen-
tais, uma vez que a revista íntima daqueles que vão visitar familiares em pri-
sões é desproporcional, humilhante e viola a dignidade humana.20

7. CRIMINOLOGIA GERAL X CRIMINOLOGIA CLÍNICA

Você, estudante para Defensoria Pública, precisa saber distinguir ainda a criminologia geral da crimi-
nologia clínica e de outros conceitos de criminologia.

Para Nestor Sampaio21,

“a criminologia geral consiste na sistematização, comparação e classificação dos re-


sultados obtidos no âmbito das ciências criminais acerca do crime, criminoso, vítima,
controle social e criminalidade. A criminologia clínica consiste na aplicação dos co-
nhecimentos teóricos daquela para o tratamento dos criminosos. Por derradeiro,
ensina-se que a criminologia pode ser dividida em: criminologia científica (conceitos
e métodos sobre a criminalidade, o crime e o criminoso, além da vítima e da justiça
penal); criminologia aplicada (abrange a porção científica e a prática dos operadores

20 Execução penal e criminologia / Erick de Figueiredo Maia ; coordenado por Marcos Vinícius Manso Lopes Gomes. - São Paulo : Saraiva

Educação, 2021. (Defensoria pública – ponto a ponto), p. 66.


21 Idem. Locais do Kindle 387-397. Saraiva. Edição do Kindle.

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do direito); criminologia acadêmica (sistematização de princípios para fins pedagó-


gicos); criminologia analítica (verificação do cumprimento do papel das ciências cri-
minais e da política criminal) e criminologia crítica ou radical (negação do capitalismo
e apresentação do delinquente como vítima da sociedade; tem no marxismo suas
bases). Hoje em dia fala-se ainda em criminologia cultural, como sendo aquela que
se preocupa com as relações e interações do homem na sociedade de consumo, que
se utiliza da mídia para projetar suas diretrizes”.

Sintetizando:

Consiste na sistematização, comparação e classificação dos resultados ob-


Criminologia geral tidos no âmbito das ciências criminais acerca do crime, criminoso, vítima,
controle social e criminalidade.
Consiste na aplicação dos conhecimentos teóricos daquela para o trata-
A criminologia clínica
mento dos criminosos.
Conceitos e métodos sobre a criminalidade, o crime e o criminoso, além
Criminologia científica
da vítima e da justiça penal.
Criminologia aplicada Abrange a porção científica e a prática dos operadores do direito.
Criminologia acadêmica (sistematização de princípios para fins pedagógicos);
Verificação do cumprimento do papel das ciências criminais e da política
Criminologia analítica
criminal)
Negação do capitalismo e apresentação do delinquente como vítima da
Criminologia crítica ou radical
sociedade; tem no marxismo suas bases.
Aquela que se preocupa com as relações e interações do homem na soci-
Criminologia cultural
edade de consumo, que se utiliza da mídia para projetar suas diretrizes

Um ponto que, apesar de “estranho”, foi objeto de prova na DPE/SC (2021, FCC), foi o autoritarismo
cool. Você já ouviu falar?

O termo “autoritarismo cool” foi cunhado pelo autor argentino Eugenio Raúl Zaffaroni para, em sín-
tese, estabelecer que o exercício do poder punitivo tornou-se tão irracional que não tolera sequer um discurso
acadêmico rasteiro, de modo que ele não tem discurso, pois se reduz a uma mera publicidade. Resumindo,
para Zaffaroni, é cool porque não é assumido como uma convicção profunda, mas sim como uma moda, à qual
é preciso aderir para não ser estigmatizado como antiquado ou fora de lugar e para não perder espaço publi-
citário. (Zaffaroni, 2007, p.69, [grifo do autor])”.

Monaliza Montinegro, Defensora da DPE/PB, dissertando melhor sobre o tema, expõe:

A lógica do direito penal do inimigo é fomentada pela situação emblemática narrada


no início desse texto, pois a com a difusão do ódio pelos meios de comunicação, so-
bretudo pelas redes sociais, tem-se produzido e identificado mais inimigos comuns do
que a esperança na paz social, o que deságua na maximização do direito penal, com
novos contornos para o poder punitivo, exacerbando poderes em um paradoxo sem

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fim, como se o nosso passado ditatorial houvesse construído uma realidade presente
que pudesse servir de exemplo para o futuro.

São as facetas do “autoritarismo cool” fruto de um sistema de periculosidade presu-


mida. Nas palavras de Zaffaroni: é cool porque não é assumido como uma convicção
profunda, mas sim como uma moda, à qual é preciso aderir para não ser estigmatizado
como antiquado ou fora de lugar e para não perder espaço publicitário. (Zaffaroni,
2007, p.69, [grifo do autor])”.

A pior face desse “autoritarismo cool” é o reflexo dentro do próprio judiciário, ora
recuando no tempo da legislação penal com a criação de leis mais severas sempre
atendendo aos pleitos da punibilidade, ora retrocedendo jurisprudencialmente, vide
o atropelamento da presunção de inocência por parte do STF quando voltou a permitir
a utilização de inquéritos policiais e ações em curso para agravar a pena base. 22

CAIU NA DPE/SC – 2021 – FCC: O exercício do poder punitivo tornou-se tão irracional que não tolera sequer
um discurso acadêmico rasteiro, ou seja, ele não tem discurso, pois se reduz a uma mera publicidade. (ZAF-
FARONI, E. R., O inimigo no direito penal. Tradução de Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2.ed., 2007, p.
77). 23

No trecho acima, o autor refere-se ao que se denomina autoritarismo:


A) neofascista.
B) cultural.
C) de massa.
D) cool.
E) neocolonial.

22 Disponível em: https://monalizamaelly.jusbrasil.com.br/artigos/261915395/o-direito-penal-e-uma-bomba-relogio-prestes-a-estou-

rar. Acesso em 17/01/22.


23 GAB: D.

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Processo de criminalização. Criminalização primária, secundária e terciária. Vitimologia e vitimização. Preven-


ção primária, secundária e terciária. Policização e militarização.

8. CRIMINALIZAÇÃO PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA

Estamos ainda em Criminologia, certo? Vamos lá! Sobre esse ponto, deve-se entender o processo de
criminalização, cujas fases são criminalização primária, secundária e terciária.

Vamos entender cada uma delas:

PROCESSO DE CRIMINALIZAÇÃO
É a criminalização de determinados atos. Exemplo: quando o legislador diz que portar
PRIMÁRIA arma de fogo sem autorização legal é crime, estamos diante de um ato de criminalização
primária.
Aqui é a ação punitiva exercida sobre pessoas determinadas. Para ZAFFARONI, a crimina-
lização secundária possui duas características: seletividade e vulnerabilidade, visto que o
SECUNDÁRIA poder punitivo é exercido sobre pessoas previamente escolhidas, em face de suas fraque-
zas, a exemplo das pessoas em situação de rua, pessoas negras, usuários de drogas, etc.
Fiquem atentos.
É o rótulo de “criminoso” atribuído àquelas pessoas que vimos na criminalização secun-
dária. Uma pessoa que passou pelo cárcere, por exemplo, dificilmente conseguirá voltar
TERCIÁRIA
a ter uma vida “normal”, considerando os graves efeitos deletérios advindos de uma pri-
são, ainda que preventiva. A esse rótulo deu-se o nome de criminalização terciária.

CAIU NA DPE/GO – 2021 – FCC: Considere a notícia veiculada na imprensa reproduzida abaixo.

LB, suspeito de matar uma família em Ceilândia, no DF, foi morto em troca de tiros com policiais nesta segunda-
feira (28). Ele foi preso ferido, mas com vida, e morreu chegando a hospital de Águas Lindas de Goiás, no
Entorno do DF. O criminoso estava há 20 dias fugindo de uma força-tarefa com mais de 270 agentes. Aos 32
anos, ele tinha uma extensa ficha criminal, fugiu três vezes da prisão e era acusado de diversos crimes. O pro-
curado foi atingido por vários tiros. Após ser baleado, ele foi levado por uma viatura do Corpo de Bombeiros
para o Hospital Municipal Bom Jesus, mas morreu. Por volta de 11h10 min. uma viatura do Instituto Médico
Legal (IML) chegou aos fundos da unidade de saúde e levou o corpo dele para ser periciado em Goiânia. O
secretário de Segurança Pública de Goiás comemorou o fim da operação: “Missão cumprida. Restabelecemos
a paz e tranquilidade nessa comunidade de bem”. (Disponível em: www.g1.globo.com, acessado em:
31/05/2021)

Diante da leitura, verifica-se que os meios de comunicação de massa:


A contribuem no processo de criminalização impedindo a formação de empresários morais, além de impulsi-
onar o movimento de lei e ordem.

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B) são instâncias de controle social formal das sociedades democráticas que auxiliam a população na preven-
ção da criminalidade ao noticiar as áreas de sua maior incidência.
C) têm papel nos processos de criminalização primária e secundária ao reproduzir discursos de emergência e
contribuir na formação do estereótipo do criminoso.
D) substituem a atividade policial na apuração de determinados crimes, pois é recorrente a falta de investiga-
ção de crimes de homicídio no Brasil.
E) exerceram um papel fundamental na denúncia de crimes dos poderosos e no fim da seletividade penal em
grandes operações nos últimos anos no Brasil.24

CAIU NA DPE-SC-2017-FCC: “A criminalização secundária do racismo no Brasil conseguiu reverter o quadro


histórico do preconceito na sociedade brasileira”. 25

CAIU NA DPE/GO – 2021 – FCC: A Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO) publicou uma nota de
repúdio sobre a abordagem policial de que o ciclista Filipe Ferreira foi alvo em Cidade Ocidental, no Entorno do
Distrito Federal. Segundo a entidade, a ação teve “nítidos contornos racistas” e considera “inadmissível” que
seja tolerada. Filipe, de 28 anos, trabalha como eletricista e, na sexta-feira (28), gravava vídeos de manobras
com a bicicleta para o canal que tem no YouTube quando foi surpreendido pelos policiais militares. A câmera
que ele usava para filmar os movimentos registrou a abordagem: os PMs descem do carro apontando armas
contra ele, exigem que ele coloque as mãos na cabeça, mas o jovem questiona o motivo de estar sendo tratado
daquela forma. Em nota, a Polícia Militar informou que está “verificando todas as informações relativas a este
fato” para se posicionar sobre o que aconteceu. Caso seja comprovado algum excesso na conduta dos militares,
as providências legais serão tomadas. (Disponível em: www.g1.globo.com, acessado em: 31/05/2021)26

O caso acima relatado confirma que:

A) a seletividade do sistema penal brasileiro tem como um de seus motores a abordagem policial, fundada no
estereótipo do criminoso, cujo elemento racial é determinante.
B) o sistema penal brasileiro instituiu um programa oficial de criminalização da população negra levado a efeito
pela polícia, mas contido por meio da atuação judicial.
C) a criminologia brasileira tomou a questão racial de forma crítica desde seus primórdios com Nina Rodrigues
e seu positivismo que denunciava o racismo da justiça criminal brasileira em oposição ao positivismo italiano
de Cesare Lombroso.
D) a nota da Defensoria Pública é correta sobre os contornos racistas da ação policial, mas não seria correta
se falasse da atuação policial como um todo.
E) a nota da Polícia Militar confirma que a justiça criminal brasileira atua de maneira enérgica diante de fatos
isolados e consegue prevenir condutas discriminatórias das agências policiais.

24 GAB: C.
25 ERRADO.
26 GAB: A.

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9. VITIMIZAÇÃO PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA

Devemos conhecer, além das fases da criminalização, as fases da vitimização, que são vitimização pri-
mária, secundária e terciária.

Vamos analisar cada uma delas.

PROCESSO DE VITIMIZAÇÃO
É a provocada pelo cometimento do crime. Por exemplo, com a prática de um crime de
roubo, há diversos danos causados à vítima, como danos materiais, físicos, psicológicos,
PRIMÁRIA
etc. Portanto, a vitimização primária corresponde aos danos à vítima decorrentes do fato
criminoso.
Também chamada de sobrevitimização, é aquela causada pelas instâncias formais de
controle social. Por exemplo, imagine que alguém seja vítima de estupro. É inegável que
esta pessoa terá que reviver todo o momento do crime, só que agora durante o inquérito
policial e, depois, durante o processo penal, em que deverá ir para audiências, inclusive
SECUNDÁRIA muitas vezes para prestar depoimento frente a frente com o réu, o que faz com que a
vítima sofra, novamente, os efeitos do crime. A isso deu-se o nome de vitimização secun-
dária.
AUTOVITIMIZAÇÃO SECUNDÁRIA: A vítima passa a nutrir sentimentos negativos contra si
própria, de culpa inconsciente pela ocorrência do delito.
Falta de amparo às vítimas. A própria sociedade não acolhe a vítima, chegando muitas
vezes a culpá-la, como é o caso de afirmações absurdas como “a roupa curta favoreceu
à prática do crime”, ou “se estava com o celular à amostra é porque queria ser assaltado”.
TERCIÁRIA Sem falar ainda que muitas vezes a vítima, constrangida pela falta de apoio da sociedade
e dos órgãos públicos, acaba por não denunciar o delito às autoridades, ocorrendo as
chamadas cifras ocultas27 , que são aqueles crimes que não chegam ao conhecimento das
autoridades.

CAIU NA DP-DF-2019-CESPE: “A criminologia classifica como vitimização secundária a coisificação, pelas esfe-
ras de controle formal do delito, da pessoa ofendida, ao tratá-la como mero objeto e com desdém durante a
persecução criminal”. 28

IMPORTANTE SABER: Você já ouviu falar em Política criminal atuarial? Pois bem. São estratégias para prevenir
e reprimir ações criminosas a partir da utilização de estudos matemáticos, cálculos, estatísticas, controle de
riscos, probabilidade, etc. Assim, na política atuarial, o comportamento criminoso é definido por critérios es-
tatísticos. O surgimento deu-se nos EUA, associado ao sistema Parole Boards. Esse sistema de política criminal
definia quem receberia o livramento condicional por meio de uma análise do fator reincidência, a partir de
fatores pessoais (idade, sexo, etc.).

27 Veremos que essa cifra também é chamada pela doutrina de “cifra negra”. Contudo, em provas para Defensoria Pública, recomen-

damos que o candidato denomine de “cifra oculta”, tendo em vista que a expressão “cifra negra” guarda conteúdo racista.
28 CORRETO.

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A tese de doutorado de Maurício Stegemann Dieter é sobre a Política Criminal Atuarial. Para ele, a lógica atu-
arial consiste na “adoção sistemática do cálculo atuarial como critério de racionalidade de uma ação, defi-
nindo-se como tal a ponderação matemática de dados – normalmente aferidos a partir de amostragens – para
determinar a probabilidade de fatos futuros concretos”. 29 Não vamos aprofundar muito sobre a temática. Para
provas de segunda fase ou oral, recomendamos a leitura do ponto Política Criminal Atuarial da obra do profes-
sor Erick Maia (Criminologia e Execução Penal - Ponto a ponto – Defensoria Pública – Ed. Saraiva).

CAIU NA DPE-PR-2017-FCC: “A política criminal atuarial indica que os presos devem ser organizados de acordo
com seu nível de risco”.30

Agora vamos continuar.

10. VITIMIZAÇÃO X VITIMOLOGIA

Tenham cuidado com um detalhe: não confundam as expressões vitimização e vitimologia.

VITIMIZAÇÃO VITIMOLOGIA
Vitimização é o processo de ofensa física ou moral à Vitimologia é a disciplina científica que auxilia o Di-
vítima. reito Penal.

Sobre o conceito de vitimologia, Heitor Piedade Júnior (1993, p. 81-86)31, destaca algumas definições
por parte da doutrina:

AUTOR CONCEITO
Benjamin Mendelshon A Ciência sobre as vítimas e a vitimização.
É o ramo da Criminologia que se ocupa da vítima direta do crime e que
Henry Ellenberger compreende o conjunto de conhecimentos biológicos, sociológicos e cri-
minológicos concernentes à vítima.
A Vitimologia representa um determinado departamento do campo total,
Hans Göppinger relativamente fechado da Criminologia empírica, e, em particular, do com-
plexo problema: o delinquente em suas interdependências sociais.
É o ramo da Criminologia que estuda a vítima não como efeito conse-
Raúl Goldstein quente da realização de uma conduta delitiva, porém como uma das cau-
sas que influenciam na produção de um delito.
O estudo psicológico e físico da vítima que, com o auxílio das disciplinas
Ramírez González que lhe são afins, procura a formação de um sistema efetivo para a pre-
venção e controle do delito.

29 DIETER, Maurício Stegemann. Política Criminal Atuarial: a criminologia do fim da história. Tese Apresentada ao Programa de Douto-
rado em Direito da Universidade Federal do Paraná. Curitiba: UFPR, 2012. P. 05.
30 CORRETO.
31 JUNIOR, Antônio Augusto Costa Everton. Aspectos da Vitimologia Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 21 nov 2020. Disponível em:

https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29644/aspectos-da-vitimologia. Acesso em: 03/05/2021.

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11. ESTATÍSTICA CRIMINAL E CIFRAS

Sobre a estatística criminal, é bom conhecer o significado de algumas cifras mais importantes:

Cor da cifra Conceito

Está ligado à porcentagem de crimes que sequer chegam ao conhecimento da


Cifra oculta32 autoridade policial.

Diferente da cifra oculta, as cifras cinzas são referentes àqueles delitos que,
embora cheguem ao conhecimento da autoridade policial, não chegam ao
conhecimento da autoridade Judiciária por terem sido solucionados na própria
Cifra cinza
delegacia (ex.: desinteresse no prosseguimento em ações penais privadas, ou
nas ações penais públicas condicionadas, a vítima não tem interesse em
representar).
Em resumo, são as infrações penais praticadas pela parte elitizada da
sociedade, e que não são reveladas ou apuradas, envolvendo delitos
Cifra dourada
tipicamente de “colarinho branco” (lavagem de dinheiro, crimes contra a
ordem tributária, etc.).
A cifra azul (ou crimes de colarinho azul) é o oposto dos crimes de colarinho
branco (cifra dourada). Está ligada aos crimes mais comuns, praticados por
pessoas economicamente desfavorecidas. São denominados crimes do
Cifra azul
colarinho azul em alusão ao uniforme que era utilizado por operários norte-
americanos no início do século XX, então chamados blue-collars. (CUNHA,
2016, p. 175).33
Relaciona-se com os crimes ambientais que não chegam ao conhecimento das
Cifra verde
autoridades.
Delitos cometidos por funcionários públicos que não chegam ao conhecimento
Cifra amarela das autoridades competentes, em razão do medo que possui a vítima de sofrer
represálias.
Cifra rosa Está ligada à prática de crimes homofóbicos.

12. PREVENÇÃO PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA

Por fim, sobre o processo de prevenção, segundo Nestor Sampaio (2019), a prevenção primária ataca
a raiz do conflito (educação, emprego, moradia, segurança, etc.). Segundo o autor, “aqui desponta a inelutável
necessidade do Estado, de forma célere, implantar direitos sociais progressiva e universalmente, atribuindo a
fatores exógenos a etiologia delitiva; a prevenção primária liga-se à garantia da educação, saúde, trabalho,
segurança e qualidade de vida do povo, instrumentos preventivos de médio e longo prazo”.

32 Essa cifra também é chamada pela doutrina de “cifra negra”. Contudo, em provas para Defensoria Pública, recomendamos que o

candidato denomine de “cifra oculta”, tendo em vista que a expressão “cifra negra” guarda conteúdo racista.
33 CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral. Salvador: JusPodivm, 2016.

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Já a prevenção secundária “destina-se a setores da sociedade que podem vir a padecer do problema
criminal e não ao indivíduo, manifestando-se a curto e médio prazo de maneira seletiva, ligando à ação policial,
programas de apoio, controle das comunicações, etc.”.34

Por fim, a prevenção terciária, segundo Nestor Sampaio “é voltada ao recluso, visando a sua recupe-
ração e evitando a reincidência (sistema prisional); realiza-se por meio de medidas socioeducativas como la-
borterapia, a liberdade assistida, a prestação de serviços às comunidades, etc.”.

Para facilitar o aprendizado e a memorização, veja o quadro abaixo.

Extraída do Livro Nestor Sampaio Penteador, Manual Esquemático de Criminologia

PROCESSO DE PREVENÇÃO
Consiste na atuação do estado, que concretizando direitos sociais, tem como objetivo a
diminuição dos índices de criminalidade. Por exemplo, investimento em educação, saúde,
PRIMÁRIA
lazer, tudo isso é ato de prevenção primária, cujos resultados são apurados em longo
prazo, diferente das medidas paliativas.
O estado reconhece que falhou no tocante à concretização dos direitos sociais, e com o
objetivo de diminuir os índices de criminalidade, decide atuar através de medidas paliati-
vas em locais específicos. Um exemplo muito citado pela doutrina é a instalação das UPPs
SECUNDÁRIA
no Rio de Janeiro, considerando que em algumas favelas o crime é constante, sobretudo
o tráfico de drogas. Assim, no afã de diminuir o índice de criminalidade, resolve-se criar
mecanismos com resultados rápidos, o que também é alvo de críticas.
Destinada ao apenado, com o objetivo de efetivar a prevenção especial positiva, ou tam-
TERCIÁRIA bém chamada de “ressocialização”, a fim de que o apenado não volte a delinquir. Como
podemos notar, todas as três prevenções são falhas em nosso país.

CAIU NA DP-DF-2019-CESPE: “A prevenção primária do delito ocorre por meio de implementação de medidas
efetivas voltadas à ressocialização do apenado”.35

CAIU NA DP-DF-2019-CESPE: “A prevenção terciária do delito aponta suas diretrizes ao efetivo implemento
das políticas sociais pelo estado social de direito, que consiste na adoção de medidas mais eficazes de preven-
ção ao delito”.36

34 Idem.
35 ERRADO. JUSTICATIVA DA BANCA: “A prevenção primária ocorre com implementação de políticas públicas, ao passo que a prevenção

terciária ocorre por meio de ações direcionadas ao próprio apenado, na fase de execução da pena.”
36 ERRADO. JUSTIFICATIVA DA BANCA: “A prevenção PRIMÁRIA, e não terciária, do delito aponta suas diretrizes ao efetivo implemento

das políticas sociais pelo estado social de direito, consistindo em medidas mais eficazes de prevenção ao delito”.

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13. AS TRÊS CONCEPÇÕES DO RACISMO

O estudo relacionado ao racismo merece toda a importância do mundo. Primeiro, não basta não ser
racista, é preciso ser antirracista. E para entendermos melhor sobre esse tema tão caro, nada melhor do que
aprofundarmos nossos estudos com o mestre Silvio Almeida, que trata com tanta maestria e lucidez.

O conceito de racismo pode ser extraído da Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discri-
minação e Intolerância, segundo a qual “o Racismo consiste em qualquer teoria, doutrina, ideologia ou con-
junto de ideias que enunciam um vínculo causal entre as características fenotípicas ou genotípicas de indiví-
duos ou grupos e seus traços intelectuais, culturais e de personalidade, inclusive o falso conceito de superio-
ridade racial”.

Sobre a etimologia do termo “raça”, Silvio Almeida, em sua obra “Racismo Estrutural”, lembra que:

(...) Há grande controvérsia sobre a etimologia do termo raça. O que se pode dizer
com mais segurança é que seu significado sempre esteve de alguma forma ligado ao
ato de estabelecer classificações, primeiro, entre plantas e animais e, mais tarde,
entre seres humanos. A noção de raça como referência a distintas categorias de se-
res humanos é um fenômeno da modernidade que remonta aos meados do século
XVI. 1 Raça não é um termo fixo, estático. 2 Seu sentido está inevitavelmente atre-
lado às circunstâncias históricas em que é utilizado. Por trás da raça sempre há con-
tingência, conflito, poder e decisão, de tal sorte que se trata de um conceito relaci-
onal e histórico. Assim, a história da raça ou das raças é a história da constituição
política e econômica das sociedades contemporâneas.37

CAIU NA DPE/BA – 2021 – FCC: No Brasil contemporâneo,


A) o acesso garantido a diversos setores da sociedade, como imprensa, ONGs e associações de familiares às
prisões, proporcionou maior transparência e redução dos problemas humanitários.
B) a implementação de programas que geram oportunidades futuras à população prisional indica a prevalência
do previdenciarismo penal.
C) a prisão evidencia o racismo do sistema penal com sua composição populacional e contribui para sua re-
produção e sustentação.
D) o ideal de prevenção geral da pena foi alcançado com a ampliação da privatização e modernização ampla
do sistema prisional brasileiro.
E) a noção de prisão-depósito representa a realização dos ideais de prevenção especial positiva no penalismo
neoliberal.38

Desta forma, a doutrina mais especializada trabalha com a distinção entre racismo, preconceito racial
e discriminação racial.

37 Almeida, Silvio. Racismo Estrutural (Feminismos Plurais) (p. 18). Pólen Livros. Edição do Kindle, 2019.
38 GAB: C.

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É uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e


que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culmi-
nam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo ra-
13.1 RACISMO
cial ao qual pertençam. Almeida, Silvio. Racismo Estrutural (Feminismos Plurais)
(p. 23). Pólen Livros. Edição do Kindle.
O preconceito racial é o juízo baseado em estereótipos acerca de indivíduos
que pertençam a um determinado grupo racializado, e que pode ou não resul-
13.2 PRECONCEITO RA- tar em práticas discriminatórias. Considerar negros violentos e inconfiáveis, ju-
CIAL deus avarentos ou orientais “naturalmente” preparados para as ciências exatas
são exemplos de preconceitos. Almeida, Silvio. Racismo Estrutural (Feminismos
Plurais) (pp. 23-24). Pólen Livros. Edição do Kindle.
A discriminação racial, por sua vez, é a atribuição de tratamento diferenciado a
membros de grupos racialmente identificados. Portanto, a discriminação tem
13.3 DISCRIMINAÇÃO como requisito fundamental o poder, ou seja, a possibilidade efetiva do uso da
RACIAL força, sem o qual não é possível atribuir vantagens ou desvantagens por conta
da raça. Almeida, Silvio. Racismo Estrutural (Feminismos Plurais) (pp. 23-24).
Pólen Livros. Edição do Kindle.

Aprofundando ainda mais, sobretudo para provas discursivas e orais, devemos estar atentos às três
concepções de racismo: a) individual; b) institucional; e c) estrutural.

INDIVIDUALISTA

CONCEPÇÕES DE
INSTITUCIONAL
RACISMO

ESTRUTURAL

CAIU NA DPE/SC – 2021 – FCC: De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021: “A taxa de
letalidade policial entre negros é de 4,2 vítimas a cada 100 mil, já entre brancos ela é de 1,5 a cada 100 mil, o
que equivale a dizer que a taxa de letalidade policial entre negros é 2,8 vezes superior à taxa entre brancos”.
(Disponível em: http://forumseguranca.org.br)39

Os dados citados acima expressam:

A) o exercício da soberania diante do poder e da capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer,
com a eliminação dos corpos negros, tidos como descartáveis pelos agentes de repressão estatal.

39 GAB: A.

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B) a reação ao sensacionalismo midiático, que conduz à sensação de impunidade diante dos crimes patrimo-
niais, praticados primordialmente pela população negra, pobre e periférica, o que conduz à maior repressão
estatal e a abusos.

C) o racismo estrutural por retirar dos jovens negros, pobres e periféricos as oportunidades de emprego, re-
duzindo-os às práticas delitivas como única forma de sobrevivência, o que gera confrontos com a polícia e
aumento dos índices de letalidade.

D) a necessidade de imediata atuação do sistema de justiça criminal para avaliar a necessidade de aplicação
de sanções criminais previstas em lei como forma de contenção das penas de morte que ocorrem diariamente
à margem da lei.

E) a ausência de soberania pela incapacidade da eliminação ou ao menos da contenção da descartabilidade


dos corpos negros apesar dos compromissos assumidos na eliminação de todas as formas de discriminação e
preconceito.

Silvio Almeida (2019, p. 26/33)40 estabelece que a classificação aqui apresentada parte dos seguintes
critérios:

13.4 Concepção individualista

Para o autor, “o racismo, segundo esta concepção, é concebido como uma espécie de “patologia” ou
anormalidade. Seria um fenômeno ético ou psicológico de caráter individual ou coletivo, atribuído a grupos
isolados; ou, ainda, seria o racismo uma “irracionalidade” a ser combatida no campo jurídico por meio da
aplicação de sanções civis – indenizações, por exemplo – ou penais. Por isso, a concepção individualista pode
não admitir a existência de “racismo”, mas somente de “preconceito”, a fim de ressaltar a natureza psicológica
do fenômeno em detrimento de sua natureza política”. 41

13.5 Concepção institucional

Monique Rodrigues do Prado, em análise à obra de Silvio Almeida, assim estabelece:

[...] No racismo individual é flagrante o viés patológico, comportamental e imoral


revelado por aquele que o pratica.

No racismo institucional, o que se observa é a presença massiva de determinado


grupo étnico-racial nas instituições, o qual irá trabalhar para fortalecer e manter esse
grupo determinado no poder. Nessa forma de racismo vimos o legislativo, o judiciá-
rio, o executivo, as reitorias das universidades e grandes corporações aparelhadas
com pessoas do grupo hegemônico.

40 Almeida, Silvio. Racismo Estrutural (Feminismos Plurais) (p. 26). Pólen Livros. Edição do Kindle.
41 Almeida, Silvio. Racismo Estrutural (Feminismos Plurais) (p. 26). Pólen Livros. Edição do Kindle.

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Na dimensão estrutural, o pensador esclarece que as instituições somente são racis-


tas, porque a sociedade também o é, ou seja, as estruturas que solidificam a ordem
jurídica, política e econômica validam a autopreservação entre brancos, bem como
a manutenção de privilégios, uma vez que criam condições para a prosperidade de
apenas um grupo. Como resultado, as instituições externam violentamente o ra-
cismo de forma cotidiana. [...]42

Silvio Almeida, ainda sobre a concepção institucional, pontua:

[...] A concepção institucional significou um importante avanço teórico no que con-


cerne ao estudo das relações raciais. Sob esta perspectiva, o racismo não se resume
a comportamentos individuais, mas é tratado como o resultado do funcionamento
das instituições, que passam a atuar em uma dinâmica que confere, ainda que indi-
retamente, desvantagens e privilégios com base na raça.

(...) a principal tese dos que afirmam a existência de racismo institucional é que os
conflitos raciais também são parte das instituições. Assim, a desigualdade racial é
uma característica da sociedade não apenas por causa da ação isolada de grupos ou
de indivíduos racistas, mas fundamentalmente porque as instituições são hegemo-
nizadas por determinados grupos raciais que utilizam mecanismos institucionais
para impor seus interesses políticos e econômicos. O domínio de homens brancos
em instituições públicas – o legislativo, o judiciário, o ministério público, reitorias de
universidades, etc. – e instituições privadas – por exemplo, diretoria de empresas –
depende, em primeiro lugar, da existência de regras e padrões que direta ou indire-
tamente dificultem a ascensão de negros e/ou mulheres, e, em segundo lugar, da
inexistência de espaços em que se discuta a desigualdade racial e de gênero, natu-
ralizando, assim, o domínio do grupo formado por homens brancos. [...]

13.6 Concepção estrutural

E por fim, temos a concepção estrutural. Em um conceito objetivo, “racismo estrutural é um conjunto
de práticas discriminatórias, institucionais, históricas, culturais dentro de uma sociedade que frequentemente
privilegia algumas raças em detrimento de outras. O termo é usado para reforçar o fato de que há sociedades
estruturadas com base no racismo, que favorecem pessoas brancas e desfavorecem negros e indígenas. Falar
de racismo estrutural, é lembrar das questões centrais que mantém esse processo longo de desigualdade entre
brancos e negros que se desdobram no genocídio de pessoas negras, no encarceramento em massa, na pobreza
e na violência contra mulheres”.43

Sobre o tema, estabelece Silvio Almeida:

42Disponível em: https://revistaafirmativa.com.br/racismo-estrutural-segundo-silvio-almeida/. Acesso em: 03/05/2021.


43Disponível em: https://www.cut.org.br/noticias/saiba-o-que-e-racismo-estrutural-e-como-ele-se-organiza-no-brasil-0a7d. Acesso
em: 03/05/2021.

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[...] Dito de modo mais direto: as instituições são racistas porque a sociedade é ra-
cista. Esta frase aparentemente óbvia tem uma série de implicações. A primeira é a
de que, se há instituições cujos padrões de funcionamento redundam em regras que
privilegiem determinados grupos raciais, é porque o racismo é parte da ordem so-
cial. Não é algo criado pela instituição, mas é por ela reproduzido. Mas que fique a
ressalva já feita: a estrutura social é constituída por inúmeros conflitos – de classe,
raciais, sexuais, etc. –, o que significa que as instituições também podem atuar de
maneira conflituosa, posicionando-se dentro do conflito. Em uma sociedade em que
o racismo está presente na vida cotidiana, as instituições que não tratarem de ma-
neira ativa e como um problema a desigualdade racial irão facilmente reproduzir as
práticas racistas já tidas como “normais” em toda a sociedade. 44

CAIU NA DPE-SC-2017-FCC: “O racismo é característica estrutural do processo de criminalização secundária


no Brasil”. 45

De fato, “a ideia de supremacia branca pode ser útil para compreender o racismo se for tratada a partir
do conceito de hegemonia e analisada pelas lentes das teorias críticas da branquidade ou branquitude”.46

MAS VOCÊ SABE O QUE É BRANQUITUDE? Segundo a doutrina, trata-se de “uma posição em que sujeitos que
ocupam esta posição foram sistematicamente privilegiados no que diz respeito ao acesso a recursos materiais
e simbólicos, gerados inicialmente pelo colonialismo e pelo imperialismo, e que se mantêm e são preservados
na contemporaneidade. A supremacia branca é uma forma de hegemonia, ou seja, uma forma de dominação
que é exercida não apenas pelo exercício bruto do poder, pela pura força, mas também pelo estabelecimento
de mediações e pela formação de consensos ideológicos.” (...)47

Djamila Ribeiro (2019, p. 43/46)48 em sua obra “Pequeno Manual Antirracista” estabelece que “por
causa do racismo estrutural, a população negra tem menos condições de acesso a uma educação de qualidade.
Geralmente quem passa em vestibulares concorridos para os principais cursos nas melhores universidades pú-
blicas são pessoas que estudam em escolas particulares de elite, falam outros idiomas e fizeram intercâmbio.
E é justamente o racismo estrutural que facilita o acesso desse grupo. Esse debate não é sobre capacidade,
mas sobre oportunidades, e essa é a distinção que os defensores da meritocracia parecem não fazer”.

A autora, em análise às políticas de ações afirmativas, deixa claro que embora as desigualdades nas
oportunidades para negros e brancos ainda sejam enormes, políticas mostraram que têm potencial transfor-
mador na área, como é o caso das cotas (2019, p. 44/45).

Interessante, ainda, o argumento (que partia quase sempre de pessoas brancas) no sentido de que
“as pessoas negras vão roubar a minha vaga”, como se as vagas de universidades pertencessem apenas a um
grupo de pessoas.

44 Almeida, Silvio. Racismo Estrutural (Feminismos Plurais) (p. 26). Pólen Livros. Edição do Kindle.
45 CORRETO.
46 Almeida, Silvio. Racismo Estrutural (Feminismos Plurais) (p. 52). Pólen Livros. Edição do Kindle.
47 Almeida, Silvio. Racismo Estrutural (Feminismos Plurais) (p. 52). Pólen Livros. Edição do Kindle.
48 Ribeiro, Djamila. Pequeno manual antirracista. 1º Edição – São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

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No escólio de Djamila,

“(...) Na época que o debate sobre ações afirmativas estava acalorado, um dos prin-
cipais argumentos contrários à implementação de cotas raciais nas universidades
era “as pessoas negras vão roubar a minha vaga”. Por trás dessa frase está o fato de
que pessoas brancas, pro causa do privilégio histórico, viam as vagas em universida-
des como suas por direito.” (Ribeiro, Djamila. Pequeno manual antirracista. 1º Edi-
ção – São Paulo: Companhia das Letras, 2019, p. 45).

Por fim, na obra “Quem tem medo do feminismo negro?”, Djamila é enfática na defesa das políticas
afirmativas relacionadas às cotas raciais, tendo em vista que o Brasil possui uma dívida histórica com a popu-
lação negra:

“Cotas raciais são necessárias porque este país possui uma dívida histórica para com
a população negra. Dizer-se antirracista e ser contra as cotas é, no mínimo, uma
contradição cognitiva e, no máximo racismo. Ou se lida com isso, ou se repensa e
questiona os próprios privilégios. Fazer-se de vítima é reclamar de exclusões que
nunca se sofreu.”49

14. CONCEITOS DA CONVENÇÃO INTERAMERICANA CONTRA TODA FORMA DE DISCRIMINAÇÃO E INTOLE-


RÂNCIA

Indo além, a título de aprofundamento, a Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discrimi-
nação e Intolerância também traz outros conceitos importantíssimos que devemos saber:

Discriminação racial indireta é aquela que ocorre, em qualquer esfera da


vida pública ou privada, quando um dispositivo, prática ou critério aparen-
temente neutro tem a capacidade de acarretar uma desvantagem particular
14.1 DISCRIMINAÇÃO RA-
para pessoas pertencentes a um grupo específico, com base nas razões es-
CIAL INDIRETA
tabelecidas no Artigo 1.1, ou as coloca em desvantagem, a menos que esse
dispositivo, prática ou critério tenha um objetivo ou justificativa razoável e
legítima à luz do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

49 Ribeiro, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro? – 1º Edição. São Paulo: Companhia das Letras. 2018, p. 75.

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Discriminação múltipla ou agravada é qualquer preferência, distinção, ex-


clusão ou restrição baseada, de modo concomitante, em dois ou mais crité-
rios dispostos no Artigo 1.1, ou outros reconhecidos em instrumentos inter-
14.2 DISCRIMINAÇÃO MÚL- nacionais, cujo objetivo ou resultado seja anular ou restringir o reconheci-
TIPLA OU AGRAVADA mento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de um ou mais direi-
tos humanos e liberdades fundamentais consagrados nos instrumentos in-
ternacionais aplicáveis aos Estados Partes, em qualquer área da vida pública
ou privada.
As medidas especiais ou de ação afirmativa adotadas com a finalidade de
assegurar o gozo ou exercício, em condições de igualdade, de um ou mais
14.3 MEDIDAS ESPECIAIS OU direitos humanos e liberdades fundamentais de grupos que requeiram essa
DE AÇÃO AFIRMATIVA proteção não constituirão discriminação racial, desde que essas medidas
não levem à manutenção de direitos separados para grupos diferentes e não
se perpetuem uma vez alcançados seus objetivos.
Intolerância é um ato ou conjunto de atos ou manifestações que denotam
desrespeito, rejeição ou desprezo à dignidade, características, convicções
ou opiniões de pessoas por serem diferentes ou contrárias. Pode manifes-
14.4 INTOLERÂNCIA
tar-se como a marginalização e a exclusão de grupos em condições de vul-
nerabilidade da participação em qualquer esfera da vida pública ou privada
ou como violência contra esses grupos.

Continuando o ponto.

15. POLICIZAÇÃO E MILITARIZAÇÃO

Sobre policização e militarização, em provas de Defensoria são temas MUITO importantes, mas pouco
abordados em livros e em resumos.

O saudoso professor Thiago Fabres atenta para a necessidade de mudanças na formação


dos policiais militares.

“A formação da polícia militar é para a guerra, para a brutalização, como próprio filme
Tropa de Elite caricaturou”, exemplifica. E continua: “Ninguém nasce torturador. Para
isso ele precisa se reificar, se coisificar de alguma forma. E isso é o que o treinamento
POLICIZAÇÃO
policial faz. É o que chamamos em criminologia de policização50 . O indivíduo vai incorpo-
rar um certo habitus policial. É como se a instituição se incorporasse nele e ele passasse
a reproduzir somente os valores institucionais, como a violência. E esses valores vão
sendo reproduzidos e se tornando o senso comum, contribuindo também para a estig-
matização dos policiais, que são parte de uma classe muito sofrida. Eles são recrutados
entre as classes baixas, sobretudo os praças, os não oficiais, e submetidos a péssimas

50 Erick Maia registra que o saudoso Thiago Fabres nos ensinava sobre a policização: a formação da polícia é para a guerra, para a

brutalização, como o próprio filme Tropa de elite caricaturou. Obra: Execução penal e criminologia / Erick de Figueiredo Maia ; coor-
denado por Marcos Vinícius Manso Lopes Gomes. - São Paulo : Saraiva Educação, 2021. (Defensoria pública – ponto a ponto).

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condições de trabalho e de salário, e são remetidos a uma guerra a qual nem sabem qual
é. Uma guerra contra a pobreza, a miséria. Não há um projeto de segurança pública; há,
na verdade, uma política de criminalização da pobreza e da miséria”.51

A esse conjunto de fatores dá-se o nome de policização. É bom lembrar também de tema
ligado ao que Zaffaroni chamou de direito penal subterrâneo, que nada mais é que um
direito penal voltado à violação de direitos fundamentais, como é o caso, por exemplo,
de policiais que invadem domicílios sem mandados e fora das hipóteses autorizadoras.
Os policiais são treinados dentro de uma lógica militar de enfrentamento, hierarquia e
ordem. Esse paradigma não se adequa mais a necessidade de uma polícia cidadã, comu-
MILITARIZAÇÃO
nitária, que deve ver o cidadão como sujeito de direito e não como um possível suspeito
de atividade criminosa (ALEXANDRE CICONELLO).

É importante saber que a Comissão especializada em execução penal do Colégio de Defensores Públi-
cos Gerais – CEEP-CONDEGE editou a Nota Técnica nº 05 com a seguinte ementa:

EMENTA: A Comissão Especializada em Execução Penal do CONDEGE entende que a


conversão do papel do agente prisional em “polícia penitenciária” é incompatível
com o escopo de prevenção especial positiva.

Veja, abaixo, uma questão discursiva da DPE-BA.

16. MODELOS DE REAÇÃO SOCIAL

Pessoal, antes de finalizar, queremos falar rapidinho sobre os modelos de reação social ao delito, pois
costumam cair bastante em provas (despencou na DP-DF, 2019).

A prevenção criminal pode ser conceituada, de forma sintética, como o conjunto de ações que visam
evitar a ocorrência do delito.

51 Disponível em: http://universo.ufes.br/blog/2013/08/uma-discussao-sobre-a-policia/. Acesso em: 03/05/2021.

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Segundo a teoria da reação social ao delito, quando ocorre uma ação criminosa há uma reação social
(do estado) no sentido oposto, devendo ser no mínimo proporcional à ação criminosa.

CAIU NA DP-DF-2019-CESPE: “O cumprimento dos deveres legais por parte do apenado recluso constitui ins-
trumento de reação ao delito analisado pelo modelo restaurador: o real impacto do castigo aplicado ao indi-
víduo no caso concreto é capaz de aferir os diagnósticos e de proporcionar adequadas soluções para prevenir
a reincidência”.52

Como resultado do processo de evolução do estudo sobre as formas de reação social no enfrenta-
mento do crime, existem atualmente três modelos que pretendem descrever os métodos mais eficazes para
a prevenção do crime denominados modelos de reação ao crime.

São eles: a) modelo dissuasório; b) modelo ressocializador; e c) modelo restaurador (integrador).

Vamos analisar cada um deles de forma individualizada, segundo lição do professor Nestor Sampaio
Penteado Filho53:

16.1 MODELO DISSUA- Repressão por meio da punição ao agente criminoso, mostrando a todos que o
SÓRIO (DIREITO PE- crime não compensa e gera castigo. Aplica-se a pena somente aos imputáveis e
NAL CLÁSSICO) semi-imputáveis, pois aos inimputáveis se dispensa tratamento médico.
Intervém na vida e na pessoa do infrator, não apenas lhe aplicando uma punição,
16.2 MODELO RESSO- mas também lhe possibilitando a reinserção social. Aqui a participação da socie-
CIALIZADOR dade é relevante para a ressocialização do infrator, prevenindo a ocorrência de
estigmas.
Recebe também a denominação de “justiça restaurativa” e procura restabelecer,
16.3 MODELO RES-
da melhor maneira possível, o status quo ante, visando a reeducação do infrator,
TAURADOR (INTEGRA-
a assistência à vítima e o controle social afetado pelo crime. Gera sua restauração,
DOR)
mediante a reparação do dano causado.

CAIU NA DP-DF-2019-CESPE: “O modelo integrador baseia-se na ideia do criminoso racional, que, ao ponderar
os malefícios do castigo pelo crime cometido, opta por respeitar a lei, especificamente diante da eficácia da
lei e dos métodos de tratamento penitenciário”.54

52 ERRADO. JUSTIFICATIVA DA BANCA: O cumprimento dos deveres por parte do preso, estabelecidos por meio de lei, constitui um

instrumento de reação ao delito analisado pelo modelo RESSOCIALIZADOR, e não restaurador (consensual ou integrador). O modelo
restaurador tem a ideia de reparação dos danos entre os próprios envolvidos.
53 PENTEADO, Nestor Sampaio Filho. Manual esquemático de criminologia/Nestor Sampaio Penteado Filho. – 8. ed. – São Paulo: Saraiva

Educação, 2018. p. 61-62.


54 ERRADO. JUSTIFICATIVA DA BANCA: O modelo dissuasório clássico, e não o integrador de reação ao delito, estabelece que a existên-

cia de leis que recrudescem o sistema penal faz com que previna a reincidência, uma vez que o infrator racional irá sopesar o castigo
com o eventual proveito obtido. Por sua vez, o modelo integrador determina primordialmente que os envolvidos resolvam o conflito
entre si, ainda que haja necessidade de inobservância das regras técnicas estatais de resolução da criminalidade, flexibilizando-se leis
para se chegar ao consenso.

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CAIU NA DP-DF-2019-CESPE: “O modelo dissuasório clássico reconhece o efeito da intimidação ao crime pela
pena, pela perfeita perseguição penal dos órgãos responsáveis e pela eficaz aplicação da lei, o que inibe a
atuação desviante do indivíduo”.55

Ao finalizar esse material, além das questões para fixar abaixo, não deixe de ir à plataforma de ques-
tões do RDP e buscar questões de provas anteriores sobre os temas trabalhados aqui em Criminologia, como
racismo e sistema penal, criminalização, prevenção, e outros temas.

Um grande abraço.

55 CERTO. JUSTIFICATIVA DA BANCA: O modelo dissuasório clássico prescreve que a prevenção do delito ocorre por meio da intimida-

ção, ao difundir a ideia do efetivo castigo, com o fim de se retirar o propósito criminal.

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QUESTÕES PARA FIXAR


Questão 01
O Direito Penal é uma ciência empírica e interdisciplinar que se ocupa do estudo do criminoso, da vítima, do
delito e do controle social.

CERTO ERRADO

Questão 02
A criminalização terciária é a criminalização de determinados atos. Exemplo: quando o legislador diz que portar
arma de fogo sem autorização legal é crime, estamos diante de um ato de criminalização terciária.

CERTO ERRADO

Questão 03
Pode-se definir a criminalização primária como sendo aquela exercida sobre pessoas determinadas, possuindo
duas características: seletividade e vulnerabilidade, visto que o poder punitivo é exercido sobre pessoas pre-
viamente escolhidas, em face de suas fraquezas, a exemplo das pessoas em situação de rua, pessoas negras,
usuários de drogas.

CERTO ERRADO

Questão 04
A vitimização terciária, também chamada de sobrevitimização, é aquela causada pelas instâncias formais de
controle social.

CERTO ERRADO

Questão 05
A prevenção secundária, segundo parte da doutrina, é voltada ao recluso, visando a sua recuperação e evi-
tando a reincidência.

CERTO ERRADO

Questão 06
A discriminação racial é o mesmo que racismo, segundo a doutrina.

CERTO ERRADO

GABARITO
1.E 2.E 3.E 4.E 5.E 6.E

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QUESTÕES PARA FIXAR - COMENTÁRIOS


Questão 01
O Direito Penal é uma ciência empírica e interdisciplinar que se ocupa do estudo do criminoso, da vítima, do
delito e do controle social.
Gab: E. Trata-se do conceito de criminologia e não do direito penal.

Questão 02
A criminalização terciária é a criminalização de determinados atos. Exemplo: quando o legislador diz que portar
arma de fogo sem autorização legal é crime, estamos diante de um ato de criminalização terciária.
Gab: E. O conceito acima diz respeito à criminalização primária (e não terciária). Por outro lado, criminalização
terciária é o rótulo de “criminoso” atribuído àquelas pessoas que vimos na criminalização secundária. Uma
pessoa que passou pelo cárcere, por exemplo, dificilmente conseguirá voltar a ter uma vida “normal”, consi-
derando os graves efeitos deletérios advindos de uma prisão, ainda que preventiva. A esse rótulo deu-se o
nome de criminalização terciária.

Questão 03
Pode-se definir a criminalização primária como sendo aquela exercida sobre pessoas determinadas, possuindo
duas características: seletividade e vulnerabilidade, visto que o poder punitivo é exercido sobre pessoas pre-
viamente escolhidas, em face de suas fraquezas, a exemplo das pessoas em situação de rua, pessoas negras,
usuários de drogas.
Gab: E. Trata-se de conceito referente à criminalização secundária. Como vimos, para ZAFFARONI, a crimina-
lização secundária possui duas características: seletividade e vulnerabilidade, visto que o poder punitivo é
exercido sobre pessoas previamente escolhidas, em face de suas fraquezas, a exemplo das pessoas em situa-
ção de rua, pessoas negras, usuários de drogas, etc.

Questão 04
A vitimização terciária, também chamada de sobrevitimização, é aquela causada pelas instâncias formais de
controle social.
Gab: E. A sobrevitimização é também chamada de vitimização secundária (e não terciária). Por exemplo, ima-
gine que alguém seja vítima de estupro. É inegável que esta pessoa terá que reviver todo o momento do crime,
só que agora durante o inquérito policial e, depois, durante o processo penal, em que deverá ir para audiên-
cias, inclusive muitas vezes para prestar depoimento frente a frente com o réu, o que faz com que a vítima
sofra, novamente, os efeitos do crime. A isso deu-se o nome de vitimização secundária.

Questão 05
A prevenção secundária, segundo parte da doutrina, é voltada ao recluso, visando a sua recuperação e evi-
tando a reincidência.
Gab: E. Na verdade, a prevenção terciária (e não secundária) que é voltada ao recluso, visando a sua recupe-
ração e evitando a reincidência (sistema prisional); realiza-se por meio de medidas socioeducativas como la-
borterapia, a liberdade assistida, a prestação de serviços às comunidades, etc., como assevera Nestor Sam-
paio.

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Questão 06
A discriminação racial é o mesmo que racismo, segundo a doutrina.

Gab: E. Segundo Sílvio Almeida, como vimos nesse material, racismo é uma forma sistemática de discriminação
que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que
culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam.
Almeida, Silvio. Racismo Estrutural (Feminismos Plurais) (p. 23). Pólen Livros. Edição do Kindle. Já a discrimi-
nação racial, por sua vez, “é a atribuição de tratamento diferenciado a membros de grupos racialmente iden-
tificados. Portanto, a discriminação tem como requisito fundamental o poder, ou seja, a possibilidade efetiva
do uso da força, sem o qual não é possível atribuir vantagens ou desvantagens por conta da raça”. Almeida,
Silvio. Racismo Estrutural (Feminismos Plurais) (pp. 23-24). Pólen Livros. Edição do Kindle.

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