1222936
1222936
1222936
Acórdão Nº 1222936
EMENTA
1. Não tendo sido impugnada em modo e tempo oportuno e que as decisões proferidas no curso do
processo acerca da imposição de multa para garantir o cumprimento da obrigação fixada pelo
deferimento da tutela antecipada, a controvérsia sobre se houve ou não observância do prazo deve ser
objeto de contraditório oportuno, em sede de cumprimento de sentença, ainda que provisório (arts. 537,
§3º e 525, III e V, do CPC).
2. A relação obrigacional é pautada pela autonomia de vontade, mas integrada pela boa-fé,
resguardando o fiel processamento da relação jurídica entabulada mediante a imposição de deveres de
conduta a ambos os contratantes, de modo que a quebra da boa-fé, pela ruptura das obrigações
estabelecidas, vulnera a confiança daquele que foi induzido a legítimas expectativas de que o contrato
seria realizado de determinada maneira.
2.1. A ruptura abrupta de contratos de conta corrente, sem motivo justo, ainda que notificada, não pode
ser considerada como legítima, diante da natureza relacional e cativa da avença, da regular
movimentação financeira e das expectativas criadas nos consumidores quanto à continuidade do
serviço, configurando abuso de direito (CC, art. 187; CDC, art. 39, II e IX).
2.2. Na hipótese, merece reforma a sentença, com o acolhimento da pretensão inicial, pois, de fato, o
que se extrai dos autos é que houve cancelamento imotivado da conta corrente da autora, empresa que
possui objeto lícito, e que comprovou ser solvente e depender da utilização da conta bancária para
gestão de seus negócios. A motivação de desinteresse comercial é de conteúdo jurídico impreciso e não
pode ser utilizada pelas Instituições Financeiras, a justificar o cancelamento unilateral de conta
corrente bancária de Consumidor, mesmo sob a pseudo legalidade da Notificação ou comunicação.
3. Não tendo havido impugnação da ausência da autora em audiência de conciliação, de modo a lhe
possibilitar oportuna justificativa, como permite o art. 334, § 8º, do CPC, trata-se de questão sobre a
qual não se estabeleceu o contraditório legal, e a respeito da qual não houve provocação judicial para
manifestação em sentença, representando inovação inadmissível em sede de apelação.
ACÓRDÃO
RELATÓRIO
Cuidam-se de apelações interpostas pela autora BITSELLER SERVICOS DIGITAIS LTDA e pelo
réu BANCO DO BRASIL S/A em face da sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara Cível de Brasília,
que julgou procedente a ação movida pela primeira apelante em razão do enceramento unilateral de
sua conta bancária pela instituição financeira ré.
" Trata-se de ação de conhecimento sob o rito ordinário ajuizada porBITSELLER SERVIÇOS
DIGITAIS LTDAem desfavor doBANCO DO BRASIL S/A, partes qualificadas nos autos.
Narra a autora que mantinha com a parte ré contrato da conta-corrente n.º 60600-0, agência 4534-9.
Contudo, sem qualquer aviso ou motivação, o réu rescindiu o contrato de conta-corrente da parte
autora, lhe causando grande transtorno no exercício de suas atividades.
Postulou a autora, em sede de antecipação dos efeitos da tutela, ordem para “determinar que o Banco
do Brasil promova o imediato restabelecimento e/ou manutenção do contrato de conta corrente da
Autora (Agência n.º 4534-9 conta corrente n.º 60600-0) sob pena de multa diária no importe de R$
20.000,00 (vinte mil reais).
Ao final, postula seja julgada procedente a presente pretensão para declarar ilegal, abusiva e
desmotivada a rescisão do contrato de conta-corrente, e confirmar a tutela de urgência requerida
determinando o definitivo restabelecimento e/ou manutenção da conta corrente de titularidade da
autora (Agência n.º 4534-9 conta corrente n.º 60600-0), sob pena de multa diária;
Foi deferido o pedido de tutela antecipada de urgência para determinar que a instituição financeira
mantenha a conta corrente com a requerente, ou a reestabeleça em caso de já ter se efetivado o
encerramento (ID 27680400).
Citado, o réu apresentou contestação (id 30347582), na qual alega, em preliminar, inépcia da inicial.
No mérito sustenta que o encerramento de conta-corrente pode ocorrer de forma manual, pela
plataforma do banco ou de forma automática. Realça que não cometeu qualquer ato ilícito ao
encerrar a conta.
A sentença julgou procedentes os pedidos iniciais, destacando que apesar de reputar legítimo o
encerramento da conta bancária em razão de suspeita de operação irregular, é abusiva a rescisão
unilateral pelo banco réu na hipótese dos autos, pois não comprovada a existência de comunicação
prévia ao correntista.
Ao final resolveu o processo com resolução do mérito, de acordo com o que consta no dispositivo do
julgado:
Em razão da sucumbência, arcará a parte ré com o pagamento das custas, despesas processuais e dos
honorários advocatícios que fixo em 10% do valor atualizado da causa."
O réu suscita preliminar de nulidade da sentença por falta de fundamentação, pois o Juízo de origem
não teria apreciado os argumentos sustentados em sua defesa e os documentos juntados aos autos, no
que se refere ao cumprimento da liminar deferida no curso do processo, para fins de exclusão das
astreintes fixadas em seu desfavor.
Defende que, ao contrário do que restou exarado na sentença, houve notificação prévia da autora, o que
é reconhecido pela própria em sua inicial, onde colaciona cópia da missiva que lhe foi direcionada, de
modo que a existência de notificação prévia é matéria incontroversa.
Requer a fixação de multa por ato atentatório à dignidade da justiça, na forma do art. 334, § 8º, do
CPC, por não ter a autora comparecido à audiência de conciliação, tema sobre o qual silenciou a
sentença recorrida.
Com esses argumentos, requer a cassação ou a reforma da sentença recorrida, além da fixação da
sanção processual preconizada no art. 334, § 8º, do CPC.
Preparo regular no ID 12242356 .
Apesar da proclamação do julgamento de procedência dos pedidos inicial, a autora também apela,
impugnando os fundamentos da sentença resistida, por ter considerado lícita a possibilidade de
encerramento unilateral da conta bancária pelo réu, acolhendo o pedido apenas em razão da
inexistência de comunicação prévia da rescisão contratual.
Requer a declaração dos efeitos da revelia da parte adversa, com a reforma da sentença e o acolhimento
integral da pretensão inicial, tal qual formulada, declarando-se a ilegalidade da rescisão imotivada do
contrato bancário.
É o relatório.
VOTOS
A sentença julgou procedentes os pedidos iniciais, destacando que apesar de reputar legítimo o
encerramento da conta bancária em razão de suspeita de operação irregular, é abusiva a rescisão
unilateral pelo banco réu na hipótese dos autos, pois não comprovada a existência de comunicação
prévia ao correntista.
Apela o réu pela cassação da sentença por falta de fundamentação ou pela reforma do julgado com a
improcedência dos pedidos iniciais, reconhecendo-se a legalidade da rescisão unilateral do contrato
bancário.
O réu suscita preliminar de nulidade da sentença por falta de fundamentação, pois o Juízo de origem
não teria apreciado os argumentos sustentados em sua defesa e os documentos juntados aos autos, no
que se refere ao cumprimento da liminar deferida no curso do processo, para fins de exclusão das
astreintes fixadas em seu desfavor.
A primeira questão a ser destacada quanto ao alegado é que a fixação e disposições sobre a forma de
incidência das astreintes fixadas para garantir o cumprimento da liminar que ordenou o
restabelecimento da conta bancária do autor foram resolvidas em decisões interlocutórias, consta as
quais não houve interposição de oportuno recurso, como admite o art. 1.015, I, do CPC.
Além de não ter havido impugnação oportuna quanto ao deferimento da antecipação de tutela
vindicada pela autora, com a fixação de astreintes, não se verifica qualquer irregularidade na fixação
do encargo e na reiteração de sua incidência em razão de comprovado descumprimento da ordem pelo
banco réu.
Com efeito, consumada em 21 de janeiro de 2019 a intimação da liminar concedida para que o réu
restabelecesse a conta bancária do autor, sob pena de incidir em multa diária (ID 12242239), o banco
recorrente peticionou informando que a conta bancária havia sido imediatamente cadastrada como
ativa em seu banco de dados (ID 12242251).
Contudo, a autora peticionou nos autos comprovando com a apresentação de documentos que, apesar
cadastrada como ativa, a conta bancária não havia sido disponibilizada para movimentação ou acesso
pelos representantes da empresa (ID 12242255).
Instado a se manifestar, o Banco réu se limitou a reiterar a informação anteriormente deduzida, de que
a conta bancária se encontrava ativa no sistema da instituição financeira, nada esclarecendo sobre a
impossibilidade de acesso e movimentação comprovada pela autora (ID 12242271).
Sobreveio, então, petição da autora noticiando que apesar de plena liberação da conta bancária em 31
de janeiro 2019, foram novamente impostas restrições de acesso e movimentação a partir de 1º de
fevereiro de 2019, juntando documentos para comprovar o alegado (ID 12242275).
Foi, então, proferida a decisão reiterando a antecipação de tutela anteriormente deferida, determinando
a incidência da multa e nova intimação para que o banco réu desse pleno acesso à autora para
movimentação de sua conta corrente.
Observa-se claramente a intenção clara do Banco recorrente em não cumprir a ordem judicial, apesar
de que processualmente falando disse que cumpriu, mas não prática não cumpriu.
O banco recorrido não agravou da referida decisão liminar, como lhe era permitido pelo art. 1.015, I,
do CPC, limitando-se a peticionar nos autos para defender que houve cumprimento da ordem judicial
em tempo oportuno, juntando, para tanto, prova de movimentação da conta bancária pela autora a
partir de 1º de fevereiro de 2019 (ID 12242289).
Nesse contexto, afere-se que não foram impugnada em modo e tempo oportuno e que as decisões
proferidas no curso do processo acerca da imposição de multa para garantir o cumprimento da
obrigação imposta à re em razão do deferimento da tutela antecipada vindicada pela autora.
A controvérsia sobre se houve ou não observância do prazo para fins de incidência da multa
cominatória é matéria processual independente da análise do mérito, e deve ser objeto de contraditório
oportuno, em sede de cumprimento de sentença, ainda que provisório, com admite o art. 537, §3º, do
CPC.
Com efeito, apresentado requerimento de execução das astreintes, será instaurado o contraditório legal
a respeito do tema, já que é possibilitado ao réu impugnar a execução mediante alegação de excesso
de execução e inexigibilidade do título como lhe assegura o art. 525, III e V, do CPC.
Diante do exposto, não havendo omissão na análise do objeto da causa, não há nulidade na sentença
recorrida, impondo-se a rejeição da preliminar suscitada pelo réu em apelação.
II - DO MÉRITO
A análise do mérito cinge-se em aferir acerca da possibilidade de rescisão de contrato bancário, pelo
encerramento compulsório de conta corrente, além dos pressupostos necessários para que a instituição
financeira adote tal providência de forma unilateral.
É certo que, em função do princípio da autonomia da vontade, as partes podem de forma livre e
consensual, mediante prévia comunicação, contratar, gerir e encerrar seus negócios jurídicos.
Ainda assim, não se pode olvidar que o conteúdo da relação obrigacional é pautado pela vontade e
integrado pela boa-fé, resguardando o fiel processamento da relação jurídica entabulada mediante a
imposição de deveres de conduta (cooperação, confiança, lealdade etc.) a ambos os contratantes e que,
inclusive, são nortes interpretativos de qualquer avença, ex vi do art. 422 do CC.
Restam implícitos nesse preceptivo legal os deveres de conduta relacionados ao cumprimento honesto
e leal da obrigação e que também se aplicam às negociações preliminares e sobre aquilo que se passa
depois do contrato (dever de proteção dos riscos de danos à sua pessoa e a do outro e ao patrimônio
envolvido, a abstenção de qualquer conduta capaz de falsear o objetivo do negócio jurídico ou
desequilibrar o jogo das prestações, a imposição do dever de esclarecimento/informação).
"A quebra da boa-fé, pela ruptura das obrigações estabelecidas, vulnera a confiança daquele que foi
induzido a legítimas expectativas de que o contrato seria realizado de determinada maneira,
constituindo ilícito passível de reparação, conforme art. 187 do CC." (FARIAS, Cristiano Chaves de.;
ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direito dos contratos. v. 4. 3. ed. Salvador: Editora
JusPodivm, 2013, pp. 174-181).
Ressalte-se, também, que o próprio Código de Defesa do Consumidor, aplicável à espécie, veda
expressamente a recusa às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades, e à
prestação de serviços diretamente a quem se disponha adquiri-los mediante pronto pagamento,
conforme art. 39, incisos II e IX.
Em outros termos: existindo a possibilidade de fornecimento, o serviço não pode ser recusado sem
justa causa pelo fornecedor, que se dispôs a enfrentar os riscos da atividade negocial no mercado de
consumo.
"Há uma obrigação inerente de atendimento a todos os consumidores que pretenderem contratar, nos
termos da atividade desenvolvida, sob pena de incorrer em prática abusiva (vedação à discriminação
de consumidores." (MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 3. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 242).
Sob esse panorama, ainda que o contrato e a Resolução nº 2.025 do Banco Central permitam o
encerramento unilateral da conta bancária pela instituição financeira mediante prévia comunicação, há
entendimento jurisprudencial sedimentado de que a rescisão deve ser motivada.
Afinal, reconhece-se que o contrato de abertura de conta corrente possui natureza relacional e cativa,
cuja execução, na espécie, já se protraía no tempo. Assim, a ruptura abrupta, sem motivo justo, ainda
que devidamente notificada, sendo configuradora de abuso de direito.
o contrato relacional ou cativo, o contrato de conta-corrente bancária de longo tempo não pode ser
encerrado unilateralmente pelo banco, ainda que após notificação, sem motivação razoável, por
contrariar o preceituado no art. 39, IX, do Cód. de Defesa do Consumidor. (REsp 1277762/SP, Rel.
Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/06/2013, DJe 13/08/2013)
Na hipótese, merece reforma a sentença, com o acolhimento integral da pretensão inicial, pois, de
fato, o que se extrai dos autos é que houve cancelamento imotivado da conta corrente da autora,
empresa que possui objeto lícito, e que comprovou ser solvente e depender da utilização da conta
bancária para gestão de seus negócios.
A primeira ressalva a ser feita com relação à sentença apelada, é que não houve inobservância quanto
ao dever de comunicação prévia pela instituição financeira, como exige o art. 12, da Resolução nº
2.025 do Banco Central, e essa questão sequer restou controvertida nos autos.
Com efeito, a causa de pedir exposta na inicial não é a falta de comunicação prévia do encerramento
da conta corrente, sendo que a própria autora juntou aos autos a correspondência que lhe foi remetida
pelo banco réu, como se afere no ID 12242208.
A causa de pedir da pretensão volvida ao restabelecimento da conta corrente da autora foi descrita
especificamente na inicial como a falta de indicação de motivo pelo qual o banco réu impôs a
interrupção da relação jurídica.
Mas ainda que enviada comunicação prévia ao encerramento da conta corrente, é procedente a
pretensão inicial, na esteira dos entendimentos jurisprudenciais acima colacionados, pois abusiva a
rescisão unilateral do contrato bancário pela instituição financeira de forma imotivada.
Não se vislumbra, portanto, razões plausíveis para legitimar a rescisão unilateral do contrato bancário.
E o banco réu não justificou, em momento algum as razões que o levaram ao encerramento da conta
corrente da autora.
Na notificação que lhe foi enviada para comunicar a rescisão contratual justificou o encerramento da
conta apenas por "desinteresse comercial" (ID 12242208). Data venia maxima, é uma expressão vazia
de conteúdo jurídico, a justificar o cancelamento de forma unilateral, revestida de pseudo legalidade
via Notificação ou comunicação para a Empresa Correntista ora apelante.
Em contestação e em apelação nada justificou sobre a motivação da rescisão da avença, de modo que
não elidiu a alegação de abusividade sustentada na inicial e constatada pelos documentos que instruem
os autos.
Diante do exposto, revela-se procedente pretensão reformatória deduzida pela autora, para reformar a
sentença e julgar totalmente procedente a pretensão deduzia em Juízo.
Postula o réu a fixação de multa por ato atentatório à dignidade da justiça, na forma do art. 334, § 8º,
do CPC, por não ter a autora comparecido à audiência de conciliação, tema sobre o qual silenciou a
sentença recorrida.
A alegação não comporta conhecimento, pois trata-se de requerimento novo formulado razões de
apelação, não suscitado em primeiro grau e sobre o qual nada decidiu a sentença.
Com efeito, não tendo havido impugnação da ausência da autora em audiência de conciliação, de
modo a lhe possibilitar oportuna justificativa, como permite o art. 334, § 8º, do CPC, trata-se de
questão sobre a qual não se estabeleceu o contraditório legal, e a respeito da qual não houve
provocação judicial para manifestação em sentença.
No direito brasileiro vige a proibição, em regra, do ius novorum em sede recursal. O ius novorum é a
possibilidade de inovar em segunda instância. A alegação de questão de fato nova não pode acarretar
alteração da causa de pedir, nem do pedido.
As novas questões fáticas suscitadas na apelação só devem ser levadas em conta pelo tribunal ad
quem, se a parte demonstrar o motivo de força maior que impediu de apresentá-las em juízo
anteriormente. É o que o artigo 1.014 do CPC corrobora, in verbis: “As questões de fato não propostas
no juízo inferior poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por
motivo de força maior.”
Diante do exposto, nada a prover com relação ao pedido de condenação da autora por ato atentatório à
dignidade da justiça.
Já tendo sido imputado o ônus de sucumbência à ré, fixo os honorários advocatícios recursais, na
forma do art. 85, § 11, do CPC, majorando de 10% (dez por cento) para 12% (doze por cento) sobre o
valor atualizado da causa.
É como voto.
DECISÃO