Abordagem Sobre Ritmo Circadiano
Abordagem Sobre Ritmo Circadiano
Abordagem Sobre Ritmo Circadiano
edifícios de escritórios
Erika Ciconelli de Figueiredo (1)
1
Professora doutora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
*erikadfr@gmail.com. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-5515-0255.
Rev. Sítio Novo Palmas v. 6 n. Edição Especial p. 83-98 mar. 2022. e-ISSN: 2594-7036
Introdução
A relevância da aplicação da iluminação natural no projeto de arquitetura tem-se tornado
proeminente à medida que o número de pesquisas sobre ritmo circadiano aumenta, assim como
a compreensão de que a luz natural não possui a função apenas de iluminar. Ambientes
projetados para um uso efetivo da luz natural podem propiciar profundos impactos na saúde e
no bem-estar dos usuários, conforme seus ritmos circadianos se tornam regulares.
No entanto, a realidade da maior parte dos edifícios peles de vidro não condiz com a
justificativa dos arquitetos para o uso deste tipo de fachada: acesso visual para o exterior e
iluminação natural. Segundo Mardaljevic, Heschong e Lee (2009), o cenário mais comum em
edifícios com peles de vidro é o de persianas abaixadas e luzes acesas – por uma questão de
comodismo – essas persianas podem ficar abaixadas por dias, meses ou até mesmo anos (REA,
1984). A ocorrência deste cenário se dá em razão do desconforto visual resultante das altas
iluminâncias próximo às aberturas, mesmo em edifícios com vidros de controle solar.
De acordo com Brown (2020), a luz que atinge os olhos conduz respostas não visuais em
humanos, como a supressão da secreção de melatonina – conhecida como o hormônio do sono
– e o estabelecimento do ritmo circadiano. Até o fim do século XX, acreditava-se que apenas
os cones e bastonetes eram as células fotossensíveis do olho; no entanto, no início do século
XXI, descobriu-se uma terceira classe de fotorreceptores: as células ganglionares
intrinsecamente fotossensíveis2 (ipRGCs). Estima-se que essas células, além de serem
responsáveis por sincronizar o ritmo circadiano, podem também ter um papel na visão –
distinção de padrões e rastreamento dos níveis gerais de brilho – e parecem permitir que a luz
ambiente influencie os processos cognitivos, como aprendizagem e memória. Muitas respostas
fisiológicas foram associadas à luz tais como sono, enxaqueca e transtorno afetivo sazonal3
(SAD), e estas foram recentemente associadas à atividade das ipRGCs (LOK, 2011). A Figura
1 indica uma ampliação da retina e dos fotorreceptores.
2
Intrinsically photosensitive retinal ganglion cells.
3
Seasonal Affective Disorder.
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As células ganglionares são fotossensíveis devido à presença de melanopsina, uma
proteína fotossensível. As ipRGCs combinam fototransdução intrínseca, baseada em
melanopsina, com sinais extrínsecos mediados por cones e bastonetes. A fototransdução “é a
transformação de energia luminosa em sinais elétricos biologicamente reconhecíveis, que se
processa no segmento externo dos cones e bastonetes. O evento inicial é constituído pela
absorção de luz pelos pigmentos visuais e pelas alterações de conformações moleculares
resultantes” (OYAMADA, 2015, p. 68). Brown e Wald (1964), apud Oyamada (2015), afirmam
que os bastonetes, responsáveis pela visão noturna, são sensíveis à luz, pois contêm a rodopsina,
que é capaz de absorver fótons de cerca de 500 nm, e os cones – responsáveis pela visão diurna
– que são determinados especificamente pelos tipos de opsina presentes em sua membrana:
cones sensíveis para o azul (460 nm), para o verde (530 nm) e para o vermelho (655 nm). A
Figura 2 – a seguir – indica o espectro visível da luz e os respectivos comprimentos de onda.
As respostas não-visuais podem ser originadas por meio de uma combinação de qualquer
uma das cinco opsinas, que é um grupo de proteínas sensíveis à luz: melanopsina, rodopsina,
opsinas de cone sensível a comprimento de ondas longo (ou vermelho), comprimento de ondas
curto (ou azul), comprimento de ondas médio (ou verde) (BROWN, 2020). De acordo com o
pesquisador, as ipRGCs são primordiais no processo de fototransdução circadiana, no entanto,
estas células não são os únicos fotorreceptores envolvidos.
Contudo, Zaidi et al. (2007) demonstraram que as ipRGCs são funcionais na ausência dos
cones e dos bastonetes. A pesquisa avaliou indivíduos cegos e constatou que as respostas
circadianas – neuroendócrinas e neurocomportamentais à luz, e mesmo a consciência visual da
luz – são retidas em indivíduos visualmente cegos, sem retina externa funcional, confirmando
a descoberta de um novo sistema fotorreceptor no olho dos mamíferos. Essas descobertas
questionam a visão tradicional de que a fotorrecepção baseada em cones e bastonetes medeia
todas as respostas visuais à luz (como constrição pupilar e consciência visual) e sugerem que
essas e as respostas circadianas e neuroendócrinas não-visuais à luz são impulsionadas
principalmente por um sistema fotorreceptor não-bastonete, não-cone, sensível ao comprimento
de onda curto localizado na camada de células ganglionares.
Muitas funções do corpo humano são cíclicas. O ritmo circadiano controla não somente
as fases de sono e despertar, como também o batimento cardíaco, a pressão arterial, a
temperatura corporal, o desempenho, o humor e a produção de hormônios, como a melatonina
e o cortisol, conhecido como o hormônio do estresse.
A maior correlação bioquímica dos ciclos claro-escuro é fornecida pelo ritmo da
melatonina pineal. Sob condições normais, a melatonina é produzida somente à noite, e propicia
a representação interna do fotoperíodo ambiental, especificamente a duração da noite. O
estímulo luminoso é levado dos fotorreceptores, presentes na retina, e transportado diretamente
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para o núcleo supraquiasmático (NSQ), via trato retino-hipotalâmico. A síntese e o período de
produção da melatonina requerem um sinal do NSQ para a glândula pineal, onde acontece a
produção de melatonina. O ritmo da melatonina é um marcador do ritmo circadiano
(LOCKLEY; ARENDT; SKENE, 2007).
O ritmo circadiano oscila em uma média de 24.2 horas na ausência de indicadores
exteriores de tempo. Os padrões diários de claro-escuro (dia e noite) incidentes na retina
configuram o relógio biológico, ajustando o seu timing para corresponder com o padrão de 24h
de claro-escuro local. Perturbações neste ritmo podem gerar doenças, como sono e desempenho
ruins, assim como aumentar o risco de doenças mais sérias, como obesidade, diabetes, entre
outras. Pesquisas publicadas sobre os efeitos não-visuais da luz e ritmo circadiano, que
comparam iluminação artificial e natural desde a década de 1990, indicam que a iluminação
tem um efeito estimulante sobre as pessoas, sendo que a luz natural é a mais efetiva
(FIGUEIRO; NAGARE; PRICE, 2018).
De acordo com Foster (2020), se um indivíduo não receber luz suficiente e se seu ritmo
circadiano não estiver alinhado com os padrões de claro-escuro, há atrasos no relógio biológico,
e este indivíduo pode sofrer de Sleep and Circadian Rhythm Disruption4, o que resulta em
consequências – a curto e longo prazo – e, caso o indivíduo possua uma vulnerabilidade para
doenças mentais, estes sintomas podem ser exacerbados. Foster (2020) pontua que as
consequências a curto prazo são: microssono, irritabilidade, problemas de concentração, falta
de motivação, comprometimento da memória, entre outros. Algumas consequências a longo
prazo são: estresse fisiológico e psicossocial, doenças cardiovasculares, aumento do uso de
estimulantes e sedativos e síndrome metabólica.
Aoki et al. (1998) procuraram identificar a intensidade mínima de luz capaz de suprimir
os níveis de melatonina noturna medidos na saliva humana. Cinco voluntários saudáveis do
sexo masculino foram expostos à luz em diferentes intensidades (<10, 500, 1000, 2500 e
5000lux). A luz utilizada no experimento foi uma lâmpada fluorescente cool white. De acordo
com a nomenclatura das lâmpadas do fabricante Osram, esta nomenclatura (cool white) indica
uma tonalidade de 4000K. Identificou-se que a supressão da melatonina era dependente da
intensidade da luz e da duração da exposição à luz. As intensidades mínimas dos níveis de
melatonina noturna supressora de luz foram calculadas como 393, 366, 339 e 285lux para
durações de exposição de 30, 60, 90 e 120 minutos, respectivamente. Esses resultados sugerem
que menos intensidade de luz é suficiente para suprimir a melatonina em humanos.
Em dois estudos de laboratório, conduzidos por Rea e Figueiró (2013 apud FIGUEIRO;
NAGARO; PRICE, 2018), 28 indivíduos receberam (por meio de óculos de luz de LED) luz
branca quente (temperatura de cor 2760 K) por uma hora. O primeiro estudo expôs os
indivíduos a iluminâncias diretamente na córnea de 8, 22 e 60lux, e o segundo estudo expôs os
indivíduos a iluminâncias diretamente na córnea de 60, 200 e 720lux. Os autores coletaram
amostras de melatonina plasmática antes e imediatamente após a exposição à luz de duração de
uma hora. Enquanto os resultados do primeiro estudo não mostraram supressão de melatonina
significativa de qualquer uma das condições de iluminação, os resultados do segundo estudo
mostraram supressão de melatonina pós-exposição significativa das condições de 200 e 720lux
em comparação com a iluminação dimerizada. Usando um protocolo semelhante, um terceiro
estudo foi realizado utilizando uma fonte de luz branca fria (temperatura de cor 6400 K). Nesses
estudos, os indivíduos foram expostos a uma hora de iluminâncias de 115, 300 e 720lux
diretamente na córnea. O resultado da pesquisa indicou que é necessária uma iluminância maior
da luz quente (de 60, 200 e 720lux), comparada com a luz fria (6400K), para gerar uma redução
da quantidade de melatonina próxima (entre 15 e 20% aproximadamente) (FIGUEIRO;
NAGARE; PRICE, 2018). Embora as ipRGCs tenham o pico da curva de sensibilidade no
4
Perturbações do Sono e Ritmo Circadiano.
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espectro azul (450 a 480nm), fontes de luz quente (2700K), com iluminâncias a partir de 200
lux, podem gerar a supressão da melatonina.
De acordo com Foster (2020), a quantidade de luz que as ipRGCs necessitam (para um
ritmo circadiano saudável) não é uma resposta simples e direta. Os fatores críticos para a
regulação das células ganglionares intrinsicamente fotossensíveis mediar as respostas
luminosas dependem da intensidade, duração do estímulo luminoso, cor da luz (comprimento
de onda), período do dia (que o indivíduo teve acesso à luz) e idade (pessoas mais jovens
demonstram ter maior sensibilidade à regulação do relógio biológico devido à exposição à luz).
O autor ressalta que – apesar de a maioria das publicações sobre a sensibilidade das ipRGCs
afirmarem sua sensibilidade a um comprimento de onda de 480nm – há pesquisas que mostram
a supressão de melatonina durante a exposição a comprimentos de ondas de 420nm em
primatas. Foster afirma que – até o momento – não está clara a interação dos cones, bastonetes
e ipRGCs.
Figueiro et al. (2017) demonstraram que a hora do dia que um indivíduo recebe luz natural
afeta o seu ritmo circadiano. Os autores afirmam que ficar exposto à luz durante o período certo
favorece um ritmo circadiano regular e apontam que indivíduos, com maior exposição à luz
natural (das 8h às 12h), dormem melhor à noite, reportam menos depressão e menos interrupção
durante o sono.
Segundo Andersen, Mardaljevic e Lockley (2012), a luz natural geralmente fornece
iluminâncias significativamente mais altas do que os valores de projeto, necessários de acordo
com a atividade visual dos ambientes; no entanto, a ocorrência de altas iluminâncias acontece
somente próximo às aberturas. Se as iluminâncias típicas nessas zonas são altas – mas não
geram ofuscamento ou o uso de persianas – os usuários que ocupam regularmente esses espaços
bem iluminados podem talvez experimentar ritmos circadianos regulares comparativamente
àqueles usuários posicionados longe de janelas, que estão habitualmente expostos a níveis mais
baixos de iluminação no nível dos olhos.
Estas pesquisas culminaram na demanda de indicadores do desempenho dos ambientes;
consequentemente, dos usuários. Recentemente, surgiram novas métricas para cálculo de luz
natural, baseadas no clima, trazendo diretrizes promissoras para projeto (ANDERSEN;
MARDALJEVIC; LOCKLEY, 2012). A compreensão dos efeitos da luz natural e artificial no
bem-estar indicam novos caminhos para o projeto de edifícios.
O objetivo da pesquisa é analisar a tipologia mais recorrente em edifícios de escritórios
em São Paulo, segundo o ritmo circadiano dos ocupantes, considerando dois cenários distintos:
apenas iluminação natural e apenas iluminação artificial, com a meta de traçar diretrizes
projetuais que visem o bem-estar, a saúde e a produtividade dos usuários.
Materiais e métodos
1. Seleção da tipologia recorrente de edifícios de escritório em São Paulo.
2. Modelagem do pavimento tipo do edifício selecionado e inserção dos parâmetros da
ferramenta ALFA.
3. Simulação do desempenho circadiano do pavimento tipo do edifício WTorre – Edifício
2 na ferramenta ALFA.
Seleção da tipologia recorrente de edifícios de escritório em São Paulo
Em tempos normais – na ausência de uma pandemia – parte da população ativa trabalha,
no mínimo, 8 horas por dia em edifícios de escritórios. Isso demonstra a necessidade de
pesquisas no campo da iluminação demonstrando como os efeitos visuais e não-visuais da luz
podem contribuir para melhorar a qualidade de vida dos usuários dos edifícios, assim como
favorecer o seu desempenho e comprometimento.
As condições de iluminação nos ambientes de trabalho contribuem para uma variedade
de fatores tais como humor, engajamento e satisfação no trabalho, absenteísmo, produtividade
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e bem-estar (BORISUIT et al., 2015). Diversos estudos comprovam a preferência das pessoas
por luz natural no ambiente de trabalho em detrimento da iluminação artificial. Borisuit et al.
(2015) desenvolveram uma pesquisa analisando o desempenho de um grupo de voluntários em
um escritório (sala teste) de 7m x 5m exclusivamente sob luz natural e exclusivamente sob luz
artificial. Os participantes relataram que o estado de alerta e o bem-estar diminuíram ao longo
do período vespertino em ambos os tipos de iluminação; no entanto, sob a condição
exclusivamente de iluminação artificial o bem-estar físico piorou e a sonolência ocorreu mais
cedo, comparativamente ao cenário apenas com iluminação natural.
A sonolência após o almoço é comum devido ao processo de digestão. O nome científico
para esse processo é alcalose pós-prandial e uma das hipóteses é de que o fluxo sanguíneo do
cérebro diminui para que o sistema digestivo funcione com maior eficiência (VEJA, 2019).
Kaida et al. (2006) demonstraram – em sua pesquisa – que a exposição de meia hora a uma luz
do dia entre 1000lux e 4000lux foi quase tão eficaz quanto um cochilo curto na redução da
sonolência pós-almoço, normal em indivíduos saudáveis.
Essas pesquisas demonstraram a necessidade de se compreender as tipologias de
escritórios para possibilitar o delineamento de diretrizes projetuais que melhorem o
desempenho dos usuários dos edifícios em relação, ao seu bem-estar e regulação do ritmo
circadiano.
Pisani e Figueiredo (2011) fizeram um levantamento e uma classificação das tipologias
recorrentes de edifícios de escritórios, segundo a posição do núcleo de circulação vertical (core)
da edificação. As pesquisadoras classificaram os tipos conforme indica a Figura 3 a seguir.
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Fonte: CORBIOLI, 2009, p. 63 e 59.
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Figura 5 – Biblioteca de materiais da ferramenta ALFA.
A razão M/P (melanópicas/fotópicas), segundo Miller e Irvin (2019), é uma nova métrica
espectral que passou a ser utilizada para avaliar as consequências da luz relacionadas à saúde,
bem-estar e estados de alerta, relaxamento ou sono. Visão fotópica é a designação dada à
sensibilidade do olho em condições de intensidade luminosa que permitam a distinção das
cores, sendo que iluminância fotópica é a emissão da luz pela sua superfície, de acordo com
Foster (2020). Essa relação compara o potencial melanópico (referente aos ipRGCs) com a
capacidade da fonte de luz de produzir luz apropriada para a visão de detalhes no período diurno
(fotópica) (MILLER; IRVIN (2019). Pesquisas evidenciam que quanto mais energia é emitida
na faixa espectral à qual as ipRGCs são mais sensíveis (460nm a 480nm), maior é o potencial
de alerta da fonte de luz (TICLEANU; LITTLEFAIR, 2020); por outro lado, quanto mais baixa
a relação M/P, melhor são as condições para o sono e relaxamento.
Esta pesquisa utilizou apenas os resultados do estado de alerta (razão M/P) para a
avaliação do pavimento tipo do edifício selecionado. A ferramenta ALFA considera que o
estado de alerta ocorre quando a razão M/P é maior que 0.9 (cor azul) e que o estado de
relaxamento (cor laranja) acontece quando M/P for menor que 0.35. O resultado entre 0.35 e
0.9 (cor cinza) foi chamado nesta pesquisa de estado neutro, pois o espectro e a quantidade da
luz não afetam o ritmo circadiano. A direção da visão é representada por padrão, em oito
posições distintas e indicadas por meio de um círculo subdividido. A quantidade de avaliações,
em relação à direção da visão pode ser alterada, de acordo com a necessidade de cada estudo.
A Figura 6 indica parte da modelagem do pavimento tipo e a legenda dos resultados, de acordo
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com a avaliação da razão M/P. O programa avalia o espectro da cor da luz, em relação à resposta
ao estímulo luminoso.
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Simulação do desempenho circadiano do pavimento tipo do edifício WTorre – Edifício 2
na ferramenta ALFA.
É necessário especificar um dia e horário para todas as simulações na ferramenta ALFA,
obrigatoriamente. Sendo assim, as simulações foram desenvolvidas para às 9h da manhã do dia
21/03, com céu claro com sol em dois cenários distintos: somente iluminação artificial e
somente iluminação natural. No caso da simulação apenas com iluminação artificial, trocou-se
o vidro por parede na cor clara, para que fosse possível fazer uma comparação entre uma
situação em que não houvesse iluminação natural, como um cenário recorrente em edifícios de
escritórios, onde as persianas podem passar longos períodos abaixadas.
A Figura 8 indica o resultado do cenário apenas com iluminação artificial, onde 58,2%
das posições avaliadas encontram-se dentro do parâmetro blue enriched ou estado de alerta e
41,8% dentro do intervalo neutro, onde não há estímulo para o ritmo circadiano. A iluminância
média no plano de trabalho (fotópica) resultou em uma média de 785lux, em que 100% dos
sensores registraram iluminâncias acima de 300 lux; em relação ao conforto visual, a
iluminância fotópica média foi de 610lux. Observa-se que o pico do espectro da luz na
simulação encontra-se por volta de 450nm.
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acima de 300 lux, e a iluminância fotópica, em relação ao conforto visual, atingiu a iluminância
média de 617lux. Observa-se que o pico do espectro da simulação se encontra em torno de
480nm.
Resultados e discussões
As simulações demonstram que a iluminância média no plano de trabalho foi 100 lux
menor na simulação com iluminação natural, comparada com a artificial na simulação com a
ferramenta ALFA. No entanto, a fonte luminosa mais estimulante para o ritmo circadiano, foi
a luz natural, onde 100% das direções visuais analisadas ficaram acima de 0.9 (razão M/P).
De acordo com Reinhart (2014), um ambiente com iluminação lateral equipado com
persianas possibilita o alcance da luz natural entre aproximadamente 1 ou 2 vezes a altura da
janela – a partir do piso – e espaços com aberturas sem elementos de proteção solar aumentam
o alcance máximo da luz natural para 2.5 vezes. A Figura 10 indica, em laranja, o alcance da
luz natural uma vez e meia a altura da abertura, que coincide com o pé direito do pavimento, e
em amarelo, o alcance máximo de 2.5 vezes o pé direito. Pode-se perceber que a maioria das
estações de trabalho se encontram em uma faixa com distância de até 2.5 vezes a altura da
janela. O alto desempenho do edifício analisado justifica-se devido ao pavimento ser pouco
profundo, onde a distância máxima é de 15.20m em relação à abertura.
A Figura 11 demonstra a simulação de iluminação natural no dia 21.03 às 9h com o
software Relux Desktop. A iluminância média do pavimento ficou bastante próxima à obtida
com a ferramenta ALFA (660 lux) e a iluminância máxima registrada foi de 9.660 lux. A
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simulação demonstra que a região até 2.5 vezes a altura da abertura possui iluminância em torno
de até 100 lux nas áreas sem obstrução de divisórias.
Figura 10 – Análise do alcance da luz natural, segundo Reinhart (2014) e indicação das distâncias das fachadas
até o núcleo de circulação vertical (core).
Andersen, Mardaljevic e Lockley (2012) fizeram uma comparação entre fontes luminosas
e iluminância circadiana equivalente e demonstraram que – para se atingir o mesmo efeito no
estado de alerta, para fontes distintas – é necessária iluminâncias, muitas vezes, mais altas. A
Figura 12 indica que 190 lux de uma fonte luminosa D65 (luz natural 6500K) corresponderia a
300 lux de uma lâmpada Philips 4100K.
Figura 12 – Iluminância necessária para atingir o efeito de alerta relativo desejado para uma seleção de
iluminantes bem conhecida.
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As simulações nas ferramentas ALFA e Relux Desktop empregaram um céu claro (D75)
e, para se obter o mesmo efeito de alerta da região com aproximadamente 180 lux (luz natural),
seria necessário 300 lux de uma fonte luminosa de 4100K. Embora a iluminância média no
plano de trabalho tenha sido maior na simulação apenas com iluminação artificial, a distribuição
fotométrica da luminária pode indicar uma razão para o decréscimo na razão M/P, além das
limitações relativas ao espectro da fonte luminosa.
A análise do alcance da luz natural indicou que os usuários do edifício com maior acesso
à luz natural no período matutino (das 8h às 12) tendem a apresentar ritmos circadianos
regulares e, consequentemente, melhores noites de sono. Esses indivíduos – provavelmente –
apresentarão menor incidência de depressão e desmotivação, e maior bem-estar, caso as
persianas não fiquem fechadas.
As distâncias da regra consagrada de 2.5 vezes a altura da abertura podem auxiliar o
projeto de edifícios, indicando a região com melhor desempenho para o ritmo circadiano. No
entanto, iluminâncias acima de 3000 lux são propensas a causar desconforto visual e térmico
(NABIL; MARDALJEVIC, 2005). O excesso de luz identificado no estudo é decorrente de
uma alta proporção de área envidraçada e área opaca (window-to wall-ratio, WWR). A WTNU
possui, com exceção da fachada nordeste, 60% de WWR em todas as suas fachadas, o que é
considerado excessivo, de acordo com Goia (2016) e Mangkuto, Rohmah e Asri (2016). Os
autores propõem que seja considerado – no máximo – 40% de proporção entre áreas
envidraçadas e opacas, para edifícios situados nos trópicos.
As proteções solares externas são recursos que podem ser adotados para minimizar a
entrada de luz solar direta e reduzir o ofuscamento durante os períodos críticos do ano, mesmo
quando o edifício empregar vidros de controle solar. O traçado das máscaras do entorno (Fator
de Visão de Céu, FVC) é fundamental para que o projetista encontre soluções para o
aproveitamento da luz natural e beneficie os usuários do edifício.
Considerações finais
A partir dos resultados obtidos, pode-se verificar a importância da luz natural no projeto
de edifícios de escritórios, no que tange às funções do corpo e, consequentemente, a saúde e o
bem-estar dos seus ocupantes. A ferramenta ALFA permite a análise dos efeitos não visuais da
luz e possibilita a compreensão do estímulo luminoso que cada indivíduo está exposto, em
ambientes internos, sendo que o resultado dos cálculos da razão M/P permitem explorar a
direção da visão dos usuários da edificação e, consequentemente, estimar o seu comportamento
e bem-estar.
As pesquisas referenciadas neste trabalho demonstram a importância da iluminação
natural para a obtenção de um ritmo circadiano regular, cujos efeitos extrapolam o ambiente de
trabalho. Indivíduos com – ao menos – quatro horas de exposição à luz natural no período da
manhã demonstram melhor sono à noite, reportam menos depressão e menos interrupção
durante o sono. O ritmo circadiano em sincronia com os períodos de claro-escuro do mundo
exterior favorece a manutenção dos ritmos fisiológicos e comportamentais, beneficiando o
desempenho do indivíduo e a sensação de bem-estar.
Este estudo analisa a tipologia de edifício de escritórios mais recorrente por meio de um
exemplar (WTorre Nações Unidas, WTNU), demonstrando o seu potencial circadiano. A
análise aponta que a diretriz consagrada para projetos que contemplem iluminação natural (até
2.5 vezes a altura da abertura) podem indicar também a melhor área para ocupação, no que
tange o ritmo circadiano dos usuários do espaço. No entanto, as iluminâncias excessivas
próximas às aberturas propiciam o uso de persianas internas e reduzem o aproveitamento da
iluminação natural, podendo comprometer o ritmo circadiano. Neste cenário, há prejuízos para
o estado de alerta dos ocupantes dos edifícios e – a longo prazo – danos à saúde.
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Para que a iluminação natural se torne um recurso viável, é necessário que os edifícios
peles de vidro utilizem a razão WWR de acordo com a latitude da cidade em questão. É
importante avaliar não apenas o edifício em si, mas questões pertinentes à geometria da
insolação, como o Fator de Visão de Céu e os períodos críticos de insolação das fachadas,
quando as proteções solares são indispensáveis.
Como continuidade deste trabalho, serão realizados estudos comparativos entre as
principais tipologias de edifícios de escritórios e o potencial circadiano de cada um, assim como
estudos que consigam delinear uma proporção entre áreas envidraçadas e opacas para edifícios
de escritórios em São Paulo.
Referências
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