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BABILÔNIA
Copyright da tradução e desta edição © 2022 by Edipro Edições Pro ssionais Ltda.
Título original: e Richest Man in Babylon. Publicado pela primeira vez nos Estados Unidos em 1926.
Traduzido com base na 1ª edição.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou transmitida de
qualquer forma ou por quaisquer meios, eletrônicos ou mecânicos, incluindo fotocópia, gravação ou
qualquer sistema de armazenamento e recuperação de informações, sem permissão por escrito do
editor.
1a edição, 2022.
O homem mais rico da Babilônia [livro eletrónico]/ George Samuel Clason ; tradução de Martha
Argel. – São Paulo : Edipro, 2022.
e-pub.
21-88463 CDD-332.024
Índice para catálogo sistemático:
1. Finanças pessoais: Economia 332.024
BABILÔNIA
Tradução
MARTHA ARGEL
O dinheiro é o meio pelo qual o sucesso material é avaliado.
O dinheiro nos permite desfrutar das melhores coisas que a vida tem a oferecer.
O dinheiro é abundante para quem compreende as leis simples que regem sua
aquisição.
O dinheiro é regido nos dias de hoje pelas mesmas leis que o governavam seis
mil anos atrás, quando os homens prósperos enchiam as ruas da Babilônia.
O dinheiro é abundante para aqueles que compreendem as regras simples
que regem sua aquisição.
INTRODUÇÃO
AS MURALHAS DA BABILÔNIA
SOBRE O AUTOR
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA
Salim Mattar
INTRODUÇÃO
Na antiga Babilônia vivia um homem muito rico chamado Arkad. Ele era
admirado por toda parte, graças a sua grande fortuna, sendo também
famoso por sua generosidade. Era generoso ao fazer caridades para a família
e com seus próprios gastos. Apesar disso, a cada ano sua fortuna crescia mais
depressa do que ele a gastava.
Um dia, alguns amigos de infância o procuraram, e um deles disse, em
nome de todos os outros:
— Você, Arkad, é mais afortunado do que nós. Tornou-se o homem mais
rico da Babilônia, enquanto nós continuamos lutando para conseguirmos
viver. Você pode usar as mais belas roupas e saborear as comidas mais
re nadas, enquanto nós devemos nos dar por satisfeitos se conseguirmos
vestir nossas famílias de forma minimamente decente e alimentá-las o
melhor que pudermos. Contudo, no passado, éramos iguais. Estudamos com
o mesmo mestre e participamos dos mesmos jogos, e nem nos estudos nem
nos jogos você se destacava entre nós. E, desde então, durante todos esses
anos que se passaram, você não foi um cidadão mais honrado do que nós…
Até onde sabemos, você também não trabalhou com mais a nco nem mais
dedicação. Por que, então, a sina caprichosa escolheu-o para desfrutar de
todas as coisas boas da vida, ignorando a nós, que temos tanto mérito quanto
você?
Ao ouvir isso, Arkad repreendeu-os, dizendo:
— Se não conseguiram mais do que uma vida modesta nesses anos
todos, desde nossa juventude, foi porque não aprenderam ou não seguiram
as leis que regem a construção da riqueza.
— A “sina caprichosa” — continuou Arkad — é uma deusa cruel que não
traz a ninguém o bem duradouro. Pelo contrário, ela traz a ruína a quase
todos aos quais entrega o ouro sem que tenham feito por merecer. Ela cria
esbanjadores irresponsáveis, que rapidamente gastam tudo o que receberam,
restando-lhes somente desejos e apetites violentos, impossíveis de satisfazer.
Há ainda aqueles que, vendo-se favorecidos por ela, tornam-se avarentos e
guardam sua riqueza com receio de gastar o que têm, pois sabem que não
serão capazes de repô-la. Além disso, vivem dominados pelo medo de serem
roubados e terminam presos em uma vida vazia, repleta de angústias
secretas… — Ele fez uma pausa e, então, concluiu:
— Deve existir quem consiga fazer render o ouro ganho sem esforço e
continuar sendo um cidadão feliz e satisfeito. Mas pessoas assim são tão
raras que só as conheço de ouvir falar. Pensem naqueles que herdaram uma
fortuna repentina e vejam se não é verdade o que estou dizendo.
Seus amigos, lembrando-se de alguns homens que haviam herdado
riquezas, concordaram que sim, era verdade. Pediram-lhe, então, que
explicasse como havia se tornado tão próspero, e ele prosseguiu:
— Quando era jovem, olhei ao redor e vi todas as coisas boas que
podiam trazer alegria e satisfação. E percebi que a riqueza aumentava a
potência de todas. Então, concluí:
UMA PARTE DE
TUDO O QUE VOCÊ
GANHA É SUA PARA
SER GUARDADA.
AS SETE FORMAS DE ENCHER
UMA BOLSA VAZIA
A PRIMEIRA FORMA
Comece a encher sua bolsa.
A SEGUNDA FORMA
Controle seus gastos.
A TERCEIRA FORMA
Faça seu ouro multiplicar-se.
A QUARTA FORMA
Proteja seus tesouros contra perdas.
A QUINTA FORMA
Faça de sua propriedade um investimento lucrativo.
A SEXTA FORMA
Garanta uma renda futura.
A SÉTIMA FORMA
Aumente sua capacidade de ganhar dinheiro.
— Hoje, falarei a vocês, meus alunos, sobre uma das principais formas de
encher uma bolsa vazia. Não falarei do ouro, mas de vocês, os homens de
trajes vistosos que estão sentados diante de mim. Falarei sobre aquilo que
está na mente e na vida dos homens que trabalham contra o próprio sucesso
ou a favor dele.
Assim dirigiu-se Arkad a sua classe no sétimo dia.
— Não faz muito tempo, fui procurado por um jovem que desejava fazer
um empréstimo. Quando perguntei o motivo, ele se queixou de que seus
ganhos eram insu cientes para pagar suas despesas. Eu então lhe expliquei
que, sendo esse o caso, ele seria um mau cliente para um prestamista, uma
vez que não tinha nenhuma capacidade de ganho extra para pagar o
empréstimo.
— “O que você necessita, meu jovem, é ganhar mais dinheiro”, eu disse a
ele — continuou Arkad. — “O que você faz para aumentar sua capacidade de
ganho?”, perguntei.
“Tudo o que posso”, respondeu ele. “Num período de duas luas, fui seis
vezes falar com meu mestre para pedir aumento, mas não tive êxito. Não dá
para fazer isso com uma frequência maior.”
Tamanha ingenuidade nos fez rir, mas o rapaz tinha uma qualidade
indispensável para quem quer aumentar seus ganhos, pois, dentro de si,
tinha o forte desejo de ganhar mais. Era um desejo legítimo e louvável…
E prosseguiu Arkad:
— Antes das realizações, deve existir o desejo. Seus desejos devem ser
fortes e de nidos. Desejos vagos não passam de vagos anseios. Para um
homem, o desejo de ser rico tem pouca valia, mas o desejo de ter cinco
moedas de ouro é algo tangível, que ele pode se esforçar por realizar. Tendo
como base seu desejo de cinco moedas de ouro com a rme intenção de
realizá-lo, uma vez atingido o objetivo, ele pode igualmente obter dez
moedas, vinte moedas e depois mil moedas e, oh, ele torna-se rico! Quando
aprende a realizar seu pequeno desejo bem de nido, ele disciplina a si
mesmo para realizar um desejo maior. É por meio desse processo que a
riqueza é acumulada, começando com pequenas quantias e depois passando
para quantias maiores, à medida que o homem aprende e torna-se mais
hábil.
— Os desejos devem ser simples e bem de nidos — ele continuou. —
Um homem com desejos demais, confusos ou além de sua capacidade de
realização não atingirá os objetivos a que se propõe…
À medida que um homem se aperfeiçoa em seu ofício, aumenta também
sua capacidade de ganhar dinheiro. Na época em que eu era um humilde
escriba, entalhando a argila por algumas moedas de cobre diárias, percebi
que outros trabalhadores faziam mais do que eu e ganhavam mais. Decidi
que não seria superado por ninguém. Logo descobri a razão do sucesso
deles. Passei a interessar-me mais pelo trabalho, concentrei-me nas tarefas,
fui mais persistente em meus esforços e, em breve, poucos homens
conseguiam entalhar mais placas por dia do que eu. Não demorou até que
minha maior capacidade fosse recompensada sem que eu tivesse a
necessidade de ir falar tantas vezes com meu patrão para pedir aumento…
Quanto mais sabedoria adquirimos, mais dinheiro ganhamos. O homem
que busca aprimorar-se no que faz é bem recompensado. Se for um artesão,
pode procurar saber quais métodos e ferramentas usam seus colegas mais
exímios. Se trabalha com a lei ou na arte da cura, pode consultar seus pares e
com eles trocar informações. Sendo mercador, pode estar sempre à procura
de produtos de qualidade que sejam oferecidos por melhores preços…
Os negócios humanos mudam e prosperam graças a homens de visão
que buscam aprimorar-se a m de melhor servir aos patrões dos quais
dependem. Portanto, recomendo a todos os homens que estejam sempre em
busca do progresso, e que não permaneçam parados, para que não quem
para trás…
Há diversas atitudes que ajudam a preencher a vida de um homem com
experiências enriquecedoras. Eis o que deve fazer um homem que respeita a
si mesmo:
Pagar suas dívidas com a maior presteza possível e não comprar algo
que não possa pagar.
Cuidar de sua família, para que ela o estime e o respeite.
Fazer um testamento para que, ao ser chamado pelos deuses, seus
bens sejam repartidos de maneira justa e honrada.
Ter compaixão pelos menos afortunados, ajudando-os na medida do
possível.
Amparar aqueles que estima.
O desejo de ter boa sorte é universal. Era tão forte no coração dos homens,
há cerca de quatro mil anos, na antiga Babilônia, como é hoje. Todos nós
temos a esperança de que a caprichosa deusa da boa sorte nos sorria. Existe
alguma forma de atrair não só sua atenção, mas também seus préstimos
generosos?
Existe alguma maneira de atrair a boa sorte?
Era precisamente isso o que os homens da antiga Babilônia queriam
saber. E decidiram descobri-lo. Eram inteligentes e grandes pensadores, e
por isso sua cidade tornou-se a mais rica e poderosa de seu tempo.
Naquele passado distante, não havia escolas ou universidades. Contudo,
existia um centro de aprendizado que era muito prático. Em meio às
construções repletas de torres da Babilônia, uma delas equiparava-se em
importância ao Palácio do Rei, aos Jardins Suspensos e aos templos dos
deuses. Você não encontrará muitas referências a essa edi cação nos livros
de história, talvez nem uma sequer; no entanto, ela teve imensa in uência no
desenvolvimento do pensamento da época.
Essa edi cação era o Templo do Saber, onde professores voluntários
transmitiam a sabedoria do passado e onde, em assembleias abertas, se
discutiam temas de interesse popular. Entre suas paredes, todos os homens
eram iguais. O escravo mais humilde podia questionar com impunidade as
opiniões de um príncipe da casa real.
Um dos muitos frequentadores do Templo do Saber era um sábio
chamado Arkad, que diziam ser o homem mais rico da Babilônia. Arkad
tinha um salão especial, onde quase todas as noites reunia-se um grande
número de homens — uns velhos, outros bem jovens, mas a maioria de
meia-idade —, que discutiam e debatiam temas interessantes. Vamos tentar
imaginar que ouvimos o que diziam, para ver se sabiam como atrair a
sorte…
O sol havia acabado de se pôr, como uma grande bola vermelha de fogo,
brilhando através da névoa de poeira do deserto, quando Arkad acomodou-
se em sua plataforma habitual. Já havia uns oitenta homens a sua espera,
acomodados sobre seus tapetinhos que se espalhavam pelo chão. Mais
homens ainda chegavam.
— O que discutiremos esta noite? — perguntou Arkad.
Depois de uma breve hesitação, um tecelão alto dirigiu-se a ele,
levantando-se, como era o costume.
— Há um assunto que gostaria de ouvir sendo discutido, mas hesito em
apresentá-lo, pois tenho medo de que lhes pareça ridículo, Arkad e meus
bons amigos.
Arkad e os demais insistiram para que prosseguisse, e ele o fez:
— Hoje, tive sorte, pois encontrei uma bolsa com moedas de ouro.
Gostaria muito de continuar a ter sorte. Sentindo que todos têm este mesmo
desejo, sugiro um debate sobre como atrair a boa sorte, e, quem sabe,
encontremos formas de fazê-la chegar até nós.
— Este é, de fato, um tema muito interessante, que merece discussão —
comentou Arkad. — Para alguns homens, a boa sorte é algo fortuito, como
um acidente que pode acontecer sem objetivo ou razão. Outros acreditam
que a causadora de toda a boa fortuna é Ishtar,2 nossa deusa mais generosa,
sempre disposta a recompensar com abundância quem lhe agrada. Então,
meus amigos, o que dizem? Vamos tentar descobrir se há algum meio de
convencer a boa sorte a visitar cada um de nós?
— Sim! Sim! Queremos ter muita sorte! — responderam alguns de um
grupo de ouvintes atentos, cada vez mais numeroso.
Então, Arkad continuou:
— Para dar início a nossa discussão, vamos, a princípio, ouvir aqueles de
nós que tiveram experiências como a do tecelão, encontrando ou recebendo,
sem esforço próprio, tesouros ou joias valiosas.
Seguiu-se uma pausa durante a qual todos olharam ao redor, esperando
que alguém respondesse, mas ninguém o fez.
— E então… alguém? — perguntou Arkad. — Portanto, podemos
concluir que esse tipo de sorte deve ser realmente raro. Quem pode dar uma
sugestão de como devemos prosseguir nossa busca?
— Eu o farei — disse um jovem bem-vestido, levantando-se. — Quando
um homem fala de sorte, não é natural que pensemos nas mesas de jogos?
Não é lá que muitos homens buscam os favores da deusa, na esperança de
receber suas bênçãos nas apostas?
Quando ele voltou a sentar-se, ouviu-se um protesto.
— Não pare, continue sua história! Diga se foi favorecido pela deusa nas
mesas de jogos. Será que ela fez os dados caírem com o lado vermelho para
cima, fazendo sua bolsa encher-se à custa da mesa? Ou ela deixou que
caíssem com os lados azuis para cima, de modo que o homem das apostas
recolhesse as moedas de prata que você trabalhou tanto para obter?
O jovem juntou-se às risadas bem-humoradas e, então, respondeu:
— Não me importo de admitir que, aparentemente, a deusa nem
percebeu que eu estava ali. Mas e vocês? Algum de vocês já a encontrou em
tais locais, pronta para rolar os dados a seu favor? Todos nós queremos ouvir
e aprender.
— Um bom começo — interrompeu Arkad. — Nós nos reunimos aqui
para analisar todos os lados de cada questão. Ignorar a mesa de jogos seria
desconsiderar um instinto comum à maioria dos homens, que é a tentação
de arriscar-se com uma pequena quantia de prata na esperança de ganhar
muito ouro.
— Isso me faz lembrar das corridas, como as de ontem — disse outro
ouvinte. — Se a deusa frequenta as mesas de jogos, com certeza, ela não
ignora as corridas, em que as carruagens douradas e os cavalos ofegantes
oferecem muito mais emoção. Diga-nos com franqueza, Arkad, foi ela quem
lhe sussurrou ontem para apostar naqueles cavalos cinzentos de Nínive? Eu
estava logo atrás de você, e não acreditei no que ouvi quando apostou neles.
Você sabe tão bem quanto nós que nenhum animal em toda a Assíria pode
derrotar nossos amados baios em uma corrida justa… Acaso a deusa disse
em seu ouvido para apostar nos cinzentos, sabendo que, na última volta, o
cavalo preto que corria por dentro tropeçaria e atrapalharia nossos baios,
fazendo os cinzentos vencerem a corrida e conquistarem uma vitória não
merecida?
Arkad deu um sorriso indulgente ante o gracejo.
— Por qual motivo acharíamos que a boa deusa se interessaria tanto
pelas apostas de alguém em uma corrida de cavalos? — ele disse. — Eu a vejo
como uma deusa repleta de amor e dignidade, cujo prazer é ajudar os
necessitados e recompensar quem merece. Eu não a procuro nas mesas de
jogo ou nas corridas, onde os homens perdem mais ouro do que ganham,
mas em lugares onde os feitos dos homens são mais úteis e mais merecedores
de recompensa…
No cultivo do solo, no comércio honesto, em todas as ocupações
humanas, há oportunidades de lucros decorrentes do esforço e das
transações realizadas. Talvez nem sempre o homem receba uma recompensa,
pois, às vezes, suas decisões podem ser falhas, ou o tempo e os ventos podem
frustrar seus esforços. Se for persistente, porém, em geral, pode esperar
lucros. Isso ocorre porque as chances de lucro estão sempre a seu favor…
Mas, quando um homem joga, a situação se inverte, pois as chances de
lucro estão sempre contra ele e a favor do dono da mesa. O jogo está
calculado de tal forma que sempre bene ciará o proprietário. É seu ramo de
negócios, com o qual ele deseja ter um lucro generoso com base nas apostas
feitas. Poucos jogadores percebem como são certos os lucros do dono do
jogo e como são incertas as suas próprias chances de ganhar…
Analisemos, por exemplo, as apostas feitas nos dados. Cada vez que o
dado é lançado, apostamos em qual lado cairá para cima. Se for o lado
vermelho, o dono da mesa nos paga quatro vezes nossa aposta. Contudo, se
qualquer outro dos cinco lados cair para cima, perdemos o que apostamos.
Assim, os números mostram que, para cada lançamento, temos cinco
chances de perder, mas, como o lado vermelho paga quatro para um, temos
quatro chances de ganhar. Em uma noite de jogo, o mestre pode esperar ter
como lucro um quinto de todas as moedas apostadas. Seria realista esperar
ganhar mais do que ocasionalmente, quando sabemos que as chances estão
calculadas para que o jogador perca um quinto de tudo o que aposta?
— No entanto, de vez em quando, há apostadores que ganham grandes
quantias — comentou um dos ouvintes.
— De fato, isso ocorre — continuou Arkad. — Admitindo isso, minha
questão é: o dinheiro obtido dessa forma traz um valor permanente àqueles
que têm tal sorte? Tenho entre meus conhecidos muitos dos homens mais
bem-sucedidos da Babilônia, mas não consigo citar um sequer cujo êxito
tenha tido início desse modo. Vocês que estão reunidos aqui esta noite
conhecem muitos outros cidadãos importantes. Seria interessante saber
quantos tiveram nas mesas de jogo o início de sua fortuna. Cada um de
vocês poderia falar sobre aqueles que conhecem. O que acham?
Depois de um silêncio prolongado, alguém ergueu a mão e arriscou:
— Sua pergunta inclui os donos das mesas de jogos?
— Se não conseguir se lembrar de mais ninguém… — Arkad respondeu.
— Como nenhum de vocês conhece alguém assim, falemos da história de
cada um aqui. Há neste recinto algum ganhador recorrente que hesitaria em
recomendar tal fonte de renda?
O desa o foi respondido por uma série de resmungos vindos do fundo
da sala, que se espalharam em meio ao riso geral.
— Parece que não estamos procurando a deusa da boa sorte nos lugares
frequentados por ela — continuou Arkad. — Assim, exploremos outras
possibilidades. Não encontramos a deusa ao acharmos carteiras perdidas,
tampouco rondando as mesas de jogos. Quanto às corridas, confesso que
perdi nelas mais moedas do que ganhei.
— Agora, analisemos nossos ofícios e negócios — ele prosseguiu. —
Acaso não é natural que, ao fazermos um bom negócio, não achemos que
tivemos sorte, mas que apenas obtivemos uma recompensa por nossos
esforços? Inclino-me a pensar que talvez estejamos ignorando as dádivas da
deusa. Quem sabe ela, de fato, nos ajuda, e não reconhecemos sua
generosidade. Quem pode prosseguir com nossa discussão?
Um mercador já idoso levantou-se, alisando sua elegante túnica branca.
— Com vossa permissão, honorável Arkad e meus amigos, faço uma
sugestão. Como você disse, Arkad, atribuímos nossos êxitos nos negócios a
nosso próprio empenho e a nossa capacidade. Então, por que não
analisarmos os sucessos que quase tivemos, mas que nos escaparam, e que
teriam sido muito lucrativos? Se houvessem ocorrido de fato, teriam sido
exemplos de boa sorte. Não podemos considerá-los como justas
recompensas por não terem se concretizado. Com certeza, muitos aqui têm
experiências semelhantes para contar.
— Eis uma sábia re exão! — aprovou Arkad. — Quem, entre vocês, teve
a boa sorte a seu alcance, mas deixou que escapasse?
Muitas mãos se ergueram, incluindo a do mercador. Arkad fez-lhe sinal
para que falasse.
— Como foi você quem sugeriu esta discussão, gostaríamos que fosse o
primeiro a falar — disse Arkad.
— Com muito prazer, contarei um episódio que mostra como a sorte
pode chegar muito perto de um homem apenas para que este a deixe escapar,
proporcionando-lhe uma grande perda e um arrependimento futuro — disse
o mercador.
— Muitos anos atrás, quando eu era jovem, recém-casado e já começava
a ganhar bem, meu pai foi me visitar, um dia, e insistiu muito para que eu
participasse de um investimento — prosseguiu o mercador. — O lho de um
grande amigo seu avistara um trecho de terra árida não muito distante das
muralhas externas de nossa cidade. Estava muito acima do nível do canal,
onde a água não conseguiria chegar…
O lho do amigo de meu pai planejou adquirir essa terra, construir três
grandes rodas-d’água, que poderiam ser operadas por bois, e, assim, elevar
até o solo fértil as águas que nutrem a vida. Depois disso, ele pretendia
dividir a terra em lotes pequenos e vendê-los aos moradores da cidade para o
cultivo de hortas…
O rapaz não tinha ouro su ciente para concretizar o empreendimento.
Assim como eu, era apenas um jovem que ganhava bem. O pai dele, como o
meu, era um homem com uma grande família e poucos recursos. O jovem
decidiu, portanto, formar um grupo de homens interessados em participar
do empreendimento junto a ele. O grupo seria formado por doze homens
que ganhassem bem, e cada um concordaria em investir, no
empreendimento, um décimo de seus ganhos, até que a terra estivesse pronta
para venda. Eles, então, repartiriam os lucros de forma justa e proporcional a
seu investimento…
“Você ainda é jovem, meu lho”, disse meu pai. “É meu desejo profundo
que comece a construir para si um patrimônio valioso, e que conquiste o
respeito dos homens. Desejo que tire proveito do conhecimento gerado pelos
erros tolos de seu pai.”
“Este é meu desejo ardente, pai”, eu respondi.
“Escute, então, meu conselho. Faça o que eu deveria ter feito na sua
idade. De tudo o que ganha, guarde um décimo para colocar em bons
investimentos. Com a décima parte de seus ganhos, e o que essa quantia
também renderá, antes de chegar à minha idade terá acumulado um
patrimônio valioso.”
“Suas palavras são sábias, meu pai. Tenho um grande desejo por
riquezas. Existem, porém, muitos usos para meus ganhos. Por isso, hesito em
fazer o que me aconselha. Sou jovem e tenho bastante tempo.”
“Eu também pensava assim na sua idade. Mas, veja, passaram-se muitos
anos e ainda não consegui começar.”
“Vivemos em uma época diferente, meu pai. Não cometerei os mesmos
erros que você cometeu.”
“A oportunidade está diante de você, meu lho. Esta é uma chance que
pode levá-lo à riqueza. Eu lhe peço: não demore. Vá amanhã mesmo falar
com o lho de meu amigo e negocie com ele para investir, no projeto, dez
por cento de seus ganhos. Vá logo cedo. A oportunidade não espera por
ninguém. Hoje está aqui; em seguida, desaparece. Não espere!”
— Apesar do conselho de meu pai, eu hesitei — prosseguiu o mercador.
— Haviam chegado outros mercadores vindos do leste trazendo túnicas tão
belas e ricas que minha querida mulher e eu decidimos comprar uma para
cada um de nós. Se eu aceitasse investir um décimo de meus ganhos naquele
projeto, teríamos de privar-nos desse prazer e de outros. Adiei a decisão até
que foi tarde demais, e depois me arrependi muito. O empreendimento
revelou-se muito mais lucrativo do que qualquer previsão. E é este meu
relato, mostrando como permiti que a boa sorte escapasse.
— Em sua história, vemos como a boa sorte está à espera de quem
aproveita as oportunidades — comentou um homem trigueiro do deserto. —
A construção de um patrimônio sempre começa em algum lugar. O começo
pode se dar com algumas moedas de ouro ou de prata que um homem
guarda a partir de seus ganhos e aplica em um primeiro investimento. Eu
mesmo sou dono de muitos rebanhos. Comecei quando era apenas um
garoto e comprei um bezerro com uma moeda de prata. Esse gesto foi de
grande importância para mim e marcou o início de minha riqueza…
Dar o primeiro passo na construção de um patrimônio é a melhor sorte
que pode acontecer a um homem. Esse primeiro passo é importante porque
faz com que um homem que ganha dinheiro com seu próprio trabalho passe
a ser alguém que recebe dividendos a partir de seu ouro. Alguns homens,
por sorte, dão tal passo quando são jovens e, desse modo, têm mais sucesso
nanceiro do que aqueles que o fazem mais tarde, ou do que homens
desafortunados, como o pai desse mercador, que nunca o fazem…
Se nosso amigo mercador tivesse dado o primeiro passo ainda jovem,
quando a oportunidade veio até ele, hoje, ele seria abençoado com muito
mais coisas boas. Se a boa sorte de nosso amigo tecelão o zer dar tal passo
neste momento, será de fato o início de uma boa sorte muito maior!
— Obrigado! Eu gosto de falar também — um desconhecido estrangeiro
levantou-se. — Eu sou sírio. Não falo sua língua muito bem. Quero chamar
este amigo, o mercador, de um nome. Talvez vocês não achem educado esse
nome. Mas quero chamar ele assim. Mas, uma pena, eu não sei a palavra de
vocês para isso. Se eu disser em sírio, vocês não vão entender. Portanto, por
favor, algum cavalheiro gentil pode dizer o nome certo para chamar um
homem que deixa para depois fazer coisas que podem ser boas para ele?
— Procrastinador — ergueu-se uma voz.
— É ele! — gritou o sírio movendo as mãos agitado. — Ele não aceita a
oportunidade quando ela aparece. Ele espera. Ele diz que tem muito trabalho
agora. Falar com você depois. A oportunidade, ela não vai esperar por um
homem tão lento. Ela acha que, se um homem deseja sorte, ele vai andar
depressa. Qualquer homem que não ande depressa quando a oportunidade
aparece é um grande procrastinador, como nosso amigo mercador.
O mercador levantou-se, fez uma reverência bem-humorada, em
resposta aos risos, e disse:
— Minha admiração a você, estrangeiro em nossa cidade, que não hesita
em dizer a verdade.
— Agora, vamos ouvir mais uma história. Quem teria outra experiência
para nos contar? — perguntou Arkad.
— Eu tenho — respondeu um homem de meia-idade vestindo uma
túnica vermelha. — Sou comprador de animais; em especial, camelos e
cavalos. Às vezes, também compro ovelhas e cabras. A história que contarei
vai mostrar como a oportunidade surgiu, uma noite, quando eu menos
esperava. Talvez por isso eu a tenha deixado escapar. Vocês julgarão…
Voltando para a cidade certa noite, depois de uma viagem decepcionante
de dez dias em busca de camelos, quei furioso ao encontrar os portões da
cidade fechados e trancados. Enquanto meus escravos preparavam nossa
tenda para a noite, que, pelo visto, passaríamos com pouca comida e sem
água, fui abordado por um fazendeiro já idoso, que, como nós, viu-se
também trancado do lado de fora da cidade…
“Honrado senhor”, ele dirigiu-se a mim. “Por sua aparência, creio que é
um comprador de gado. Se assim for, eu gostaria de vender-lhe o melhor
rebanho de ovelhas que já se viu. Infelizmente, minha querida esposa está
muito doente por conta da malária, e preciso voltar para casa às pressas. Se
comprar minhas ovelhas, eu e meus escravos poderemos montar nossos
camelos e retornar sem demora.”
— Estava tão escuro — ele continuou — que eu não conseguia ver o
rebanho, mas, pelos balidos, sabia que devia ser grande. Acabara de passar
dez dias inúteis buscando camelos sem nenhum sucesso, e agradava-me a
oportunidade de fazer aquele negócio. O criador de ovelhas estava a ito e
pediu um preço bastante razoável. Aceitei sabendo que, de manhã, meus
escravos poderiam entrar pelos portões da cidade com o rebanho, vendê-lo e
obter um bom lucro.
— Fechado o negócio — ele prosseguiu —, mandei que meus escravos
trouxessem tochas para podermos contar o rebanho, que teria novecentas
ovelhas, segundo o criador. Não vou aborrecê-los, meus amigos,
descrevendo nossas di culdades para tentar contar tantos animais sedentos,
cansados e agitados. Era uma tarefa impossível. Assim, disse secamente ao
criador que aguardaria o dia clarear para contá-las e pagar-lhe…
“Por favor, honrado senhor, pague-me esta noite apenas dois terços do
preço para que eu possa partir. Deixarei meu escravo mais inteligente e
treinado para ajudar na contagem de manhã. Ele é de con ança, e você pode
pagar a ele o restante…”, disse o homem.
— Mas eu fui teimoso e recusei-me a lhe pagar durante a noite. Na
manhã seguinte, enquanto eu ainda dormia, os portões da cidade se abriram
e quatro compradores saíram em busca de rebanhos. Estavam com pressa e
dispostos a pagar altos preços, porque a cidade estava sob ameaça de cerco, e
a comida não era abundante. Pagaram ao criador quase o triplo do valor que
ele me pedira pelo rebanho. Foi assim que deixei escapar uma rara
oportunidade de boa sorte — ele concluiu.
— É uma história muito incomum — comentou Arkad. — O que
podemos aprender com ela?
— Que devemos pagar de imediato quando estamos convictos de que
temos um bom negócio — sugeriu um venerável fabricante de selas. — Se o
negócio é bom, temos de nos proteger não só contra os outros homens, mas
também contra nossas próprias fraquezas. Nós, mortais, somos volúveis. E
eu diria que, infelizmente, somos mais propensos a mudar de ideia quando
estamos certos do que quando estamos errados. Quando estamos errados,
somos muito teimosos. Quando estamos certos, tendemos a hesitar e perder
a oportunidade. Minha primeira impressão é sempre a melhor. Mas sempre
tive di culdade para obrigar-me a seguir adiante com um bom negócio já
fechado. Por isso, para me proteger de minha própria fraqueza, faço um
depósito na hora. Isso me poupa de futuros arrependimentos por não
aproveitar a boa sorte.
— Obrigado! Gostaria falar de novo… — O sírio estava em pé
novamente. — Essas histórias muito parecidas. Cada vez a oportunidade
escapa pela mesma causa. Cada vez ela aparece para procrastinador, com
plano bom. Cada vez eles hesitam, não dizem “agora, melhor hora, faço
depressa”. Como os homens têm sucesso assim?
— Suas palavras são sábias, meu amigo — respondeu o comprador de
animais. — A procrastinação afastou a boa sorte nos dois casos. E não é algo
raro de acontecer. O impulso de deixar tudo para depois está em todos os
homens. Todos nós desejamos riquezas; no entanto, quantas vezes a
oportunidade apresenta-se diante de nós e o espírito da procrastinação
retarda nossa decisão? Ao ceder a ela, nós nos tornamos nossos piores
inimigos…
Quando era jovem, eu não o chamava por esse longo nome que nosso
amigo sírio aprecia. No começo, achava que era por falta de discernimento
que eu perdia muitos negócios lucrativos. Depois, passei a atribuir isso a
minha teimosia. Por m, reconheci o que de fato era: o hábito de adiar uma
decisão no momento em que se fazia necessária uma ação imediata e
decisiva. Abominei descobrir a verdadeira natureza desse hábito. Com a
revolta de um asno selvagem que foi atrelado a uma carroça, rompi as
amarras que me prendiam a esse inimigo de meu sucesso — ele assim
nalizou.
— Obrigado! Eu gosto fazer pergunta do senhor mercador — disse o
sírio. — Você usa roupas boas, não são iguais de homem pobre. Você fala
como homem de sucesso. Conte para nós: você escuta agora quando
procrastinação sussurra em seu ouvido?
— Assim como nosso amigo comprador, também precisei reconhecer e
vencer a procrastinação — respondeu o mercador. — Para mim, ela
demonstrou ser uma inimiga, sempre à espera para frustrar minhas
realizações. A história que contei é apenas uma, entre muitas situações
semelhantes, que eu poderia contar para mostrar como ela me fez perder
oportunidades. Uma vez que seja compreendida, não é difícil vencê-la.
Nenhum homem permite, de livre vontade, que um ladrão roube seus
depósitos de grãos, assim como não permite que um inimigo lhe tire sua
clientela e que com seus lucros. Uma vez que reconheci que eram esses os
atos que meu inimigo cometia, com determinação, eu o derrotei. Assim,
todo homem deve dominar o hábito da procrastinação antes de desejar sua
parte dos ricos tesouros da Babilônia — ele fez uma pausa e, então, disse: —
O que acha, Arkad? Por ser o homem mais rico da Babilônia, muita gente
a rma que é o mais sortudo. Você concorda comigo que nenhum homem
pode atingir o sucesso pleno até ter eliminado por completo o hábito de
procrastinar?
— É como você diz — concordou Arkad. — Durante minha longa vida,
testemunhei várias gerações trilhando os caminhos do trabalho, da ciência e
do saber que levam ao sucesso. As oportunidades chegaram para todos esses
homens. Alguns aproveitaram as suas e seguiram em frente até conseguir
satisfazer aos seus maiores desejos, mas a maioria hesitou, perdeu forças e
cou para trás.
Arkad voltou-se para o tecelão:
— Você sugeriu o debate sobre a boa sorte. Diga o que pensa agora sobre
o assunto.
— Agora, vejo a sorte de outra forma. Antes, pensava nela como algo
desejável que poderia acontecer a um homem sem um esforço da parte dele.
Agora, percebo que não é possível atrair esse tipo de coisa. Em nossa
discussão, aprendi que, para atrair a boa sorte, precisamos aproveitar as
oportunidades. Assim, no futuro, tentarei tirar o melhor proveito de tais
oportunidades quando surgirem.
— Você entendeu bem as verdades ditas em nossa discussão —
respondeu Arkad. — A boa sorte, como vemos, decorre da oportunidade,
mas é raro que surja de outro modo. Nosso amigo mercador teria
encontrado uma grande sorte se houvesse aproveitado a oportunidade que a
boa deusa lhe apresentou. Nosso amigo comprador, do mesmo modo, teria
desfrutado de boa sorte caso tivesse fechado a compra do rebanho,
vendendo-o com um bom lucro…
Esta nossa discussão teve como objetivo nos levar a descobrir como
atrair a boa sorte. Penso que descobrimos o que fazer. As duas histórias
mostraram como a boa sorte decorre da oportunidade. Esta é uma verdade
que muitas histórias semelhantes de boa sorte, ganha ou perdida, não podem
alterar. A verdade é: a boa sorte pode ser atraída quando as oportunidades são
aproveitadas…
Aqueles que estão prontos para aproveitar ao máximo as oportunidades
atraem a atenção da boa deusa. Ela está sempre pronta para ajudar quem lhe
agrada. E quem mais lhe agrada são os homens com iniciativa.
A iniciativa é o que os levará a alcançar o êxito que desejam — concluiu
Arkad.
HOMENS COM
INICIATIVA SÃO
FAVORECIDOS
PELA DEUSA DA
BOA SORTE.
AS CINCO LEIS DO OURO
— Se pudessem escolher entre uma bolsa cheia de ouro e uma placa de argila na
qual estivessem gravadas palavras de sabedoria, com qual cariam?
À luz bruxuleante do fogo alimentado com arbustos secos do deserto, as faces
queimadas de sol dos ouvintes encheram-se de interesse.
— O ouro, o ouro — gritaram em coro os vinte e sete homens que ali estavam.
O velho Kalabab deu um sorriso indulgente.
— Prestem atenção — ele prosseguiu, erguendo a mão. — Ouçam os cães
selvagens ao longe, em meio à noite. Eles uivam e se lamentam porque têm fome.
Se os alimentarmos, o que farão? Eles vão brigar e se exibir. Então, vão brigar e se
exibir um pouco mais, sem nunca pensarem no dia seguinte…
É exatamente assim com os lhos dos homens. Dê-lhes uma escolha entre o
ouro e a sabedoria, e o que fazem? Ignoram a sabedoria e gastam o ouro. No dia
seguinte, lamentam-se porque não têm mais ouro…
O ouro está reservado àqueles que conhecem suas leis e agem de acordo com
elas.
Kalabab ajeitou a túnica branca ao redor das pernas magras, pois soprava um
vento frio.
— Vocês me serviram elmente durante nossa longa viagem, cuidaram bem de
meus camelos, avançaram sem queixas pelas areias quentes do deserto,
enfrentaram bravamente os ladrões que queriam roubar minha mercadoria. Em
retribuição, vou lhes contar esta noite a história das cinco leis do ouro, e tenho
certeza de que vocês nunca ouviram nada igual antes.
— Escutem com grande atenção minhas palavras — ele prosseguiu —, pois, se
entenderem seu signi cado e levarem-nas a sério, terão muito ouro nos dias
futuros.
Ele fez uma pausa para que os homens re etissem. Acima deles, estrelas
brilhantes refulgiam nos céus límpidos da Babilônia. Por trás do grupo, erguiam-se
tendas desbotadas, presas rmemente por estacas como precaução contra as
possíveis tempestades do deserto. Junto às tendas se viam fardos de mercadorias
cuidadosamente empilhados e cobertos com peles de animais. Ali perto, os
camelos repousavam deitados na areia, alguns ruminando satisfeitos, outros
roncando e produzindo uma rústica dissonância.
— Você já nos contou muitas histórias boas, Kalabab — disse o chefe dos
carregadores. — Contamos com sua sabedoria para nos guiar amanhã, quando
terminará o serviço que prestamos a você.
— Até agora, só lhes contei minhas aventuras em terras estranhas e distantes,
mas nesta noite vou falar sobre a sabedoria de Arkad, um homem muito rico e
sábio.
— Já ouvimos muita coisa sobre ele — reconheceu o chefe dos carregadores —,
pois foi o homem mais rico que já viveu na Babilônia.
— Ele foi o homem mais rico porque era mais sábio no uso do ouro do que
qualquer homem antes dele já fora. Esta noite, vou lhes falar sobre sua grande
sabedoria, assim como me foi contado por Nomasir, seu lho, muitos anos atrás,
em Nínive, quando eu era ainda um rapazinho. Meu patrão e eu havíamos cado
até tarde da noite no palácio de Nomasir. Eu ajudara a carregar grandes fardos de
nos tapetes, que Nomasir examinaria até encontrar as cores que mais lhe
agradassem. Finalmente, ele se deu por satisfeito e pediu que nos sentássemos para
tomar com ele um vinho raro e perfumado, que aqueceu meu estômago, pouco
acostumado com tal bebida…
Kalabab fez uma pausa e prosseguiu:
— Ele nos contou, então, uma história sobre a grande sabedoria de Arkad, seu
pai, que é a mesma que vou lhes contar agora…
Como sabem, na Babilônia, é costume entre as famílias ricas que os lhos
vivam com os pais na expectativa de herdar seu patrimônio. Arkad não aprovava
esse costume. Portanto, quando Nomasir chegou à idade adulta, Arkad mandou
chamar o rapaz e assim lhe falou: “Filho, desejo que seja o herdeiro de meu
patrimônio. Antes, porém, deve provar que é capaz de administrá-lo com
sabedoria. Portanto, quero que saia pelo mundo e demonstre sua capacidade de
adquirir ouro e de fazer-se respeitado entre os homens. Para que tenha um bom
começo, vou lhe dar duas coisas que não tive quando era um jovem pobre e
comecei a construir minha fortuna…”.
“Primeiro, tome esta bolsa de ouro. Se lhe destinar um uso sábio, será a base de
seu futuro sucesso.”
“Segundo, dou-lhe esta placa de argila na qual estão gravadas as cinco leis do
ouro. Se você as colocar em prática ao longo da vida, elas lhe trarão competência e
segurança.”
“Daqui a dez anos, volte aqui, à casa de seu pai, e preste contas de sua situação.
Se demonstrar que merece, então, será o herdeiro de meu patrimônio. Caso
contrário, deixarei tudo para os sacerdotes, que intercederão junto aos deuses por
minha alma.”
Assim, Nomasir seguiu seu caminho, levando a bolsa de ouro, a placa de argila
cuidadosamente envolta em seda, seu escravo e os cavalos que eles montavam…
Passados dez anos, Nomasir voltou à casa paterna, como combinado, e o pai
ofereceu um grande banquete em sua honra, convidando muitos amigos e
parentes. Terminada a refeição, o pai e a mãe sentaram-se no grande salão, em
assentos parecidos com tronos, e Nomasir postou-se diante deles para prestar
contas de sua situação, como prometera ao pai…
Era noite, e pairava no recinto a fumaça das lâmpadas a óleo, que forneciam
escassa iluminação. Escravos com coletes e túnicas brancas abanavam, num ritmo
constante, o ar úmido com longas frondes de palmeiras. A cena tinha uma
dignidade majestosa. A esposa de Nomasir e seus dois lhos pequenos, com os
amigos e demais membros da família, sentavam-se sobre tapetes atrás dele,
ouvindo com atenção.
“Meu pai, curvo-me diante de sua sabedoria”, começou Nomasir, respeitoso.
“Dez anos atrás, quando eu estava a um passo de me tornar adulto, você me
incentivou a partir e tornar-me um homem entre os homens, em vez de
permanecer um vassalo de sua fortuna.”
“Você foi generoso ao partilhar comigo seu ouro e sua sabedoria. Quanto ao
ouro, oh! Devo admitir que o modo como lidei com ele foi desastroso. Ele fugiu de
minhas mãos inábeis como a lebre selvagem foge do jovem que a capturou assim
que encontra uma chance.”
O pai sorriu de forma indulgente.
“Prossiga, meu lho. Cada detalhe de sua história me interessa.”
“Decidi ir para Nínive, pois a cidade estava crescendo e eu tinha esperanças de
encontrar oportunidades lá. Juntei-me a uma caravana e nela z muitos amigos,
incluindo dois homens muito falantes, donos de um belíssimo cavalo branco, veloz
como o vento…
Durante a viagem, con denciaram-me que em Nínive havia um homem rico
que tinha um cavalo muito veloz que nunca havia sido derrotado. O proprietário
acreditava que nenhum cavalo vivo poderia correr mais rápido que o seu. Sendo
assim, ele apostaria qualquer quantia, por mais elevada que fosse, pois seu cavalo
ganharia de qualquer outro em toda a Babilônia. A rmavam meus amigos, porém,
que tal cavalo, em comparação com o deles, não passava de um asno desajeitado,
fácil de derrotar…
Eles ofereceram, como um grande favor, a chance de que me juntasse a eles em
uma aposta. O plano me deixou muito entusiasmado.
Nosso cavalo sofreu uma grande derrota, e perdi a maior parte de meu ouro.
— O pai de Nomasir deu uma longa gargalhada. — Mais tarde, descobri que
aquele era um golpe aplicado por tais homens, que constantemente viajavam com
as caravanas procurando vítimas. O homem de Nínive era cúmplice e repartia com
eles as apostas que ganhava. Esse golpe astuto foi minha primeira lição sobre a
necessidade de ter cautela.
Em breve, eu teria mais uma lição, igualmente amarga. Na caravana, havia
outro rapaz com quem z amizade. Seus pais eram ricos e, assim como eu, ele
viajava para Nínive com o objetivo de estabelecer-se e ganhar a vida. Pouco depois
de nossa chegada, ele me falou de um comerciante que havia morrido, e cuja loja,
com valiosa mercadoria e boa clientela, poderia ser comprada por um preço
modesto. Dizendo que seríamos sócios meio a meio, ele me convenceu a comprar
todo o estoque da loja com meu ouro. Usaríamos o ouro dele para tocar a loja, mas
antes ele precisaria voltar à Babilônia para buscá-lo.
Ele cava adiando sua viagem para a Babilônia, e, nesse meio-tempo, mostrou
ser incompetente como comprador e irresponsável nos gastos, até que, por m, me
livrei dele. A loja havia decaído a tal ponto, porém, que só restavam produtos
impossíveis de vender, e eu não tinha mais ouro para comprar mais mercadoria.
Vendi o que sobrou para um israelita por uma quantia irrisória.
Digo-lhe, pai, que os dias que se seguiram foram amargos. Procurei trabalho e
não encontrei, pois não tinha ofício nem pro ssão que me permitissem ganhar
dinheiro. Vendi meus cavalos e meu escravo. Vendi as roupas extras para ter
comida e um lugar para dormir, e, no entanto, a cada dia, a miséria total se
aproximava mais.
Naquele momento difícil, pensei na con ança que tinha em mim, meu pai.
Você me lançou no mundo para que eu me tornasse um homem, e eu estava
determinado a consegui-lo…”
A mãe do rapaz escondeu o rosto e chorou baixinho.
“Então, me lembrei da placa que você me deu, na qual havia gravado as cinco
leis do ouro. Assim, li com a maior atenção suas sábias palavras e percebi que, se
tivesse, primeiro, buscado a sabedoria, não teria perdido meu ouro. Aprendi, de
cor, cada uma das leis e decidi que, quando uma vez mais a deusa da boa fortuna
sorrisse para mim, eu seria guiado pela sabedoria da idade e não pela
inexperiência da juventude…
Para benefício de todos vocês que aqui estão nesta noite, vou ler as sábias
palavras de meu pai gravadas na placa de argila que ele me deu dez anos atrás.
Nomasir parou de falar e fez sinal a um escravo que estava no fundo do salão. O
escravo trouxe, uma de cada vez, três pesadas sacolas de couro. Nomasir pegou
uma delas e colocou-a no chão diante do pai. Dirigindo-se a ele uma vez mais, ele
disse:
“Você me deu uma sacola de ouro, ouro da Babilônia. No lugar dela, entrego-
lhe uma sacola de ouro de Nínive, de igual peso. Todos concordarão que é uma
troca justa.
Você me deu também uma placa de argila com inscrições de grande sabedoria.
Veja, em troca, entrego-lhe duas sacolas de ouro.”
Então, ele tomou do escravo as duas outras sacolas e também as repousou
diante do pai.
“Faço isso para provar-lhe, meu pai, que dou muito mais valor à sua sabedoria
que a seu ouro. Contudo, quem pode calcular, em sacolas de ouro, o valor da
sabedoria? Sem sabedoria, o ouro rapidamente é perdido por quem o tem. Com
sabedoria, porém, o ouro pode ser obtido por quem não o tem, como posso
comprovar com estas três sacolas…
Para mim, meu pai, é uma grande satisfação estar aqui diante de você e dizer
que, graças a sua sabedoria, fui capaz de tornar-me rico e respeitado pelos
homens.”
O pai pousou a mão sobre a cabeça de Nomasir com grande afeto.
“Você aprendeu bem as lições”, ele disse. “Considero-me realmente afortunado
por ter um lho a quem posso con ar minhas riquezas.”
— Para o homem que tem ouro, mas não tem experiência em lidar com ele,
muitas formas de uso podem parecer lucrativas. Na maior parte das vezes, o risco
de perda é grande, e, se analisados por homens sábios, alguns investimentos
demonstram pouca possibilidade de lucro. Portanto, o dono do ouro que, apesar
de ser inexperiente, con a em seu próprio julgamento e investe em negócios ou
empreendimentos com os quais não tem familiaridade, muitas vezes, descobre que
seu julgamento é imperfeito e paga com seu tesouro por sua inexperiência. Sábio,
de fato, é aquele que investe seus tesouros segundo os conselhos de homens
experientes no trato do ouro.
— Não se esqueçam dos homens ricos de Nínive, que nunca correm o risco de
perder seu capital ou de aplicá-lo em investimentos que não trazem lucros —
Kalabab prosseguiu.
Assim termina minha história das cinco leis do ouro. Ao contá-la a vocês,
contei os segredos de meu próprio sucesso…
E, no entanto, eles não são segredos, mas verdades que todo homem deve
primeiro aprender e depois seguir, caso deseje apartar-se da multidão que, como
os cães selvagens, preocupa-se dia após dia com o que irá comer.
Amanhã entraremos na Babilônia. Olhem! Vejam o fogo que arde eterno sobre
o templo de Bel! Já podemos ver a cidade dourada. Amanhã, cada um de vocês
terá ouro, o ouro que tão bem receberam por seus éis serviços.
Daqui a dez anos, que dirão vocês a respeito desse ouro?
Se algum de vocês, seguindo o exemplo de Nomasir e guiado pela sabedoria de
Arkad, usar parte desse ouro para dar início a seu patrimônio, daqui a dez anos,
será muito rico e respeitado entre os homens, como o lho de Arkad, e isso é algo
certo.
Nossas ações sábias nos acompanham ao longo da vida para nos servir e nos
auxiliar. Da mesma forma, os atos insensatos nos perseguem para atormentar-nos.
Infelizmente, eles não podem ser esquecidos. Entre os primeiros tormentos que
nos seguem estão as lembranças das coisas que deveríamos ter feito e das
oportunidades que surgiram que não aproveitamos.
Os tesouros da Babilônia são ricos, tão ricos que nenhum homem consegue
estimar seu valor em moedas de ouro. A cada ano, tornam-se mais valiosos. Como
os tesouros de todos os países, são uma recompensa, uma rica recompensa à
espera dos homens que estiverem decididos a obter sua justa parte.
A força de seu desejo tem um poder mágico. Direcionem esse poder por meio
de seu conhecimento das cinco leis do ouro e conquistarão sua parte dos tesouros
da Babilônia.
O PRESTAMISTA DE OURO DA
BABILÔNIA
É MELHOR UM
POUCO DE CAUTELA
DO QUE UM GRANDE
ARREPENDIMENTO.
AS MURALHAS DA BABILÔNIA
NÃO PODEMOS
NOS PERMITIR VIVER
SEM CONTAR COM
UMA PROTEÇÃO
ADEQUADA.
O MERCADOR DE CAMELOS DA
BABILÔNIA
Quanto mais faminto alguém ca, com mais clareza sua mente trabalha — e
mais sensível se torna aos aromas da comida.
Tarkad, lho de Azure, com certeza, sentiu isso. Fazia dois dias que não
comia nada, exceto dois gos pequeninos roubados por cima do muro de um
jardim. Foi tudo o que conseguiu pegar antes de aparecer uma mulher
furiosa, que correu atrás dele pela rua. Os gritos agudos da perseguidora
ainda lhe soavam nos ouvidos enquanto ele percorria o mercado, e ajudavam
a controlar seus dedos inquietos, tentados a apanhar alguma fruta das cestas
das vendedoras.
Ele nunca antes havia reparado quanto alimento era trazido aos
mercados da Babilônia e como era bom o cheiro de tudo ali. Saindo do
mercado, foi até a hospedaria e cou andando de um lado para outro na
frente da taverna. Talvez encontrasse algum conhecido para lhe emprestar
uma moeda de cobre, que garantiria um sorriso do antipático dono da
hospedaria acompanhado de uma refeição generosa. Sem dinheiro, sabia
perfeitamente que não seria nem um pouco bem-vindo.
Distraído como estava, viu-se de repente cara a cara com a gura alta e
magra do homem que mais desejava evitar, Dabasir, o mercador de camelos.
De todas as pessoas que lhe haviam emprestado pequenas quantias, era
Dabasir quem mais o deixava envergonhado por não cumprir a promessa de
pagar prontamente os empréstimos.
A expressão de Dabasir iluminou-se ao vê-lo.
— Ah, aí está Tarkad, justo quem andei procurando para que pudesse me
devolver as duas moedas de cobre que lhe emprestei faz uma lua… e também
a moeda de prata que lhe emprestei antes disso. Que bom que nos
encontramos. Posso fazer bom uso das moedas hoje. Que me diz, garoto? O
que tem a me dizer?
Tarkad gaguejou, e sua face cou vermelha. Não tinha nada no estômago
vazio que lhe desse forças para discutir com o franco e direto Dabasir.
— Sinto muito, muito mesmo — balbuciou constrangido. — Mas hoje
não tenho nem moedas de cobre nem de prata para lhe pagar.
— Então, encontre-as! — insistiu Dabasir. — Com certeza, pode
conseguir algumas moedas de cobre e uma moeda de prata para retribuir a
generosidade de um velho amigo de seu pai, que ajudou você quando
precisou, não é?
— Não posso pagar a você por causa da má sorte que me persegue.
— Má sorte? Está lançando aos deuses a culpa por sua própria fraqueza!?
A má sorte persegue todo homem que pensa mais em tomar dinheiro
emprestado do que em pagar o empréstimo. Venha comigo, garoto, enquanto
almoço. Estou com fome e quero lhe contar uma história.
Tarkad hesitou diante da franqueza brutal de Dabasir, mas, pelo menos,
estava ali o convite para entrar pela cobiçada porta da taverna.
Dabasir levou-o até um canto do salão, onde os dois sentaram-se sobre
pequenos tapetes.
Quando Kauskor, o proprietário, apareceu sorrindo, Dabasir dirigiu-se a
ele com sua familiaridade habitual.
— Seu lagarto gordo do deserto, traga-me um pernil de cabrito, bem
passado e com muito caldo, e pão e muitos vegetais, porque estou faminto e
quero muita comida. Não se esqueça de meu amigo aqui. Traga-lhe uma
caneca de água. Que seja fresca, porque o dia está quente.
Tarkad sentiu o coração afundar no peito. Teria de car ali sentado,
bebendo água, enquanto assistiria àquele homem devorar um pernil de
cabrito inteiro? Ele não disse nada. Não conseguiu pensar em algo que
pudesse dizer.
Dabasir, pelo contrário, não sabia o que era silêncio. Sorrindo e
acenando cordialmente para os outros fregueses, todos conhecidos seus, ele
prosseguiu:
— Um viajante recém-chegado de Urfa me contou que há um homem
rico que tem uma pedra cortada tão na que dá para enxergar através dela.
Ele a coloca na janela de casa para que a chuva não entre. Essa pedra é
amarela, contou o viajante, que teve permissão para olhar através dela, e ele
disse que o mundo do lado de fora parecia estranho olhando por ali, muito
diferente do que é na realidade. O que você acha, Tarkad? Você diria que um
homem pode ver o mundo de uma cor diferente do que de fato é?
— Eu diria que sim — respondeu o jovem, muito mais interessado no
gordo pernil de cabrito colocado diante de Dabasir do que na história.
— Bem, eu sei que é verdade porque eu mesmo já enxerguei o mundo de
cor diferente do que ele de fato é, e vou lhe contar a história de como voltei a
enxergá-lo de novo com as cores corretas.
— Dabasir vai contar uma história — sussurrou um freguês próximo
para seu vizinho, puxando seu tapete mais para perto.
Outros fregueses trouxeram sua comida e se juntaram, formando um
semicírculo. Mastigavam de forma ruidosa junto ao ouvido de Tarkad e
roçavam nele seus ossos cheios de carne. Só ele não tinha nada o que comer.
Dabasir não lhe ofereceu nada, sequer o convidou a pegar um pedaço do pão
duro que havia caído no chão.
— Vou contar a história de como me tornei, na juventude, um mercador
de camelos — começou Dabasir, fazendo uma pausa para arrancar, numa
mordida, um belo naco do pernil de cabrito. — Alguém aqui sabia que eu já
fui um escravo na Síria?
Um murmúrio de surpresa percorreu a audiência, para satisfação de
Dabasir.
— Quando eu era jovem — ele prosseguiu, depois de mais um ataque
violento ao pernil de cabrito —, aprendi o ofício de meu pai, a confecção de
selas. Trabalhei com ele em sua o cina e consegui arrumar uma esposa.
Sendo jovem e inexperiente, eu ganhava pouco, apenas o su ciente para
sustentar de forma modesta a mim e a minha esposa. Eu ansiava por coisas
boas que estavam além de minhas possibilidades. Logo descobri que os
vendedores con avam em mim e permitiam que eu lhes pagasse depois, se
não pudesse pagar no ato…
Por ser jovem e inexperiente, eu não sabia que quem gasta mais do que
ganha está plantando os ventos de uma complacência inútil, e com certeza
colhe tempestades de problemas e humilhações. Assim, satis z aos meus
desejos de roupas nas e comprei, para minha boa esposa e para nossa casa,
objetos de luxo muito além de nossas posses…
Eu pagava como podia, e durante algum período tudo correu bem. Mas,
com o passar do tempo, descobri que não conseguiria usar meus ganhos para
viver e ao mesmo tempo pagar as dívidas. Os credores começaram a me
perseguir para que eu quitasse minhas dívidas extravagantes, e minha vida
virou um inferno. Peguei dinheiro emprestado dos amigos, mas também não
conseguia devolver a eles o dinheiro emprestado. As coisas foram de mal a
pior. Minha esposa voltou para a casa do pai dela, e eu decidi ir embora da
Babilônia e procurar outra cidade onde um jovem pudesse ter melhores
oportunidades.
— Durante dois anos — ele continuou —, levei uma vida instável e
fracassada, trabalhando para mercadores em caravanas. Então, me juntei a
um grupo de ladrões que percorriam o deserto em busca de caravanas
desarmadas. Tudo isso era indigno do lho de meu pai, mas eu estava
enxergando o mundo através de uma pedra colorida, e não percebia o grau
de degradação em que havia caído…
Tivemos sucesso em nossa primeira viagem, roubando uma valiosa carga
de ouro, sedas e mercadorias caras. Levamos os frutos de nosso saque para
Ginir3 e gastamos tudo.
— Na segunda vez — ele prosseguiu —, não tivemos tanta sorte. Logo
depois do roubo, fomos atacados pelos lanceiros de um chefe nativo a quem
as caravanas pagavam por proteção. Nossos dois líderes foram mortos, e o
restante de nós foi levado para Damasco, onde tiraram nossas roupas e nos
venderam como escravos…
Fui comprado por duas moedas de prata por um sírio que era um chefe
de mercadores do deserto. Com a cabeça raspada e usando apenas uma
tanga, eu não era muito diferente dos demais escravos. Sendo um jovem
irresponsável, achava que aquela seria apenas uma aventura, até que meu
dono me levou diante de suas quatro esposas e disse a elas que poderiam me
usar como eunuco…
Foi aí que percebi a situação desesperadora em que me encontrava.
Aqueles homens do deserto eram guerreiros ferozes. Eu estava à mercê de
sua vontade, sem armas nem meios de escapar…
Fiquei ali, assustado, enquanto as quatro mulheres me examinavam com
o olhar. Perguntava-me se poderia esperar piedade da parte delas. Sira, a
primeira esposa, era mais velha que as outras. Sua expressão permaneceu
impassível enquanto ela me olhava. Desviei meu olhar, pois não encontrara
nela consolo algum. A esposa seguinte era uma beldade arrogante que me
olhava com indiferença, como se eu não passasse de uma minhoca na terra.
As duas mais jovens riam como se tudo fosse apenas uma brincadeira
divertida…
Parecia-me que eu cara ali uma eternidade, à espera da sentença.
Supostamente, cada uma das mulheres esperava que uma das outras
decidisse. Por m, Sira disse, com uma voz fria:
“Temos eunucos su cientes, mas temos poucos cuidadores de camelos, e
são todos uns inúteis. Hoje mesmo gostaria de visitar minha mãe, que está
doente com malária, e não há nenhum escravo em quem eu con e para
conduzir meu camelo. Pergunte a esse escravo se ele é capaz de fazer isso!”
Meu mestre, então, me perguntou:
“O que você sabe sobre camelos?”
Tentando controlar o nervosismo, respondi:
“Posso fazer com que se ajoelhem, colocar cargas neles, conduzi-los em
longas viagens sem que se cansem. Se for preciso, posso reparar seus arreios.”
“O escravo parece saber o que diz”, observou meu mestre. “Se assim
deseja, senhora Sira, que com este homem para cuidar de seus camelos.”
Então, fui entregue a Sira, e naquele dia conduzi seu camelo em uma
longa jornada até a casa de sua mãe enferma. Aproveitei a oportunidade para
agradecer sua intercessão e também para dizer-lhe que eu não havia nascido
escravo, e que era lho de um homem livre, um honrado fabricante de selas
da Babilônia. Também lhe contei minha história. Seus comentários foram
desconcertantes, e mais tarde pensei muito sobre o que ela disse.
“Como pode considerar-se um homem livre quando sua fraqueza o
trouxe a esta situação? Se um homem tem dentro de si a alma de um escravo,
não irá ele tornar-se escravo, ainda que tenha nascido livre, da mesma forma
como a água escorre para o ponto mais baixo do terreno? Se tiver dentro de
si a alma de um homem livre, não irá ele tornar-se respeitado e honrado em
sua própria cidade, sem importarem seus infortúnios?”, foi o que ela disse.
Por mais um ano, continuei na condição de escravo e vivi entre escravos,
mas não conseguia me tornar um deles. Certo dia, Sira me perguntou:
“Nas horas livres, quando os demais escravos podem se reunir e
desfrutar da companhia uns dos outros, por que você ca sozinho em sua
tenda?”
“Tenho pensado no que você me disse”, respondi. “Eu me pergunto se
tenho a alma de um escravo. Não consigo me juntar a eles; então, co
sozinho.”
“Eu também co sozinha”, con denciou-me ela. “Meu dote era grande, e
meu senhor casou-se comigo por causa dele. Mas ele não me deseja. O que
toda mulher anseia é ser desejada. Por causa disso, e por ser estéril e não ter
lhos, devo continuar sozinha. Se eu fosse um homem, preferiria morrer a
ser escrava dessa forma, mas as convenções de nossa tribo tornam as
mulheres escravas.”
“O que você acha de mim, agora?” perguntei-lhe de repente. “Tenho a
alma de um homem livre ou tenho a alma de um escravo?”
“Você tem o desejo de pagar, de forma justa, as dívidas que contraiu na
Babilônia?”, ela perguntou em vez de responder a minha pergunta.
“Sim, tenho, mas não sei como poderia fazer isso.”
“Se está conformado em deixar que os anos passem, e se não faz esforços
para pagar, então, tem apenas a alma pequena de um escravo. Para ser um
homem livre é necessário ter respeito por si próprio, e homem nenhum pode
respeitar-se se não pagar suas dívidas.”
“Mas o que eu posso fazer se sou um escravo na Síria?”
“Continue sendo um escravo na Síria, já que é fraco.”
“Não sou fraco!”, respondi com veemência.
“Então, prove.”
“Como?”
“Acaso seu grande rei não enfrenta os inimigos de todas as maneiras
possíveis e com toda a sua força? Suas dívidas são seus inimigos. Elas o
zeram fugir da Babilônia. Como você não se preocupou com suas dívidas,
elas se tornaram grandes demais para você. Se você tivesse lutado contra elas
como um homem, poderia ter vencido e seria alguém honrado em sua
cidade. Mas não teve forças para combatê-las; por isso, perdeu seu orgulho e,
agora, é um escravo aqui na Síria.”
Pensei muito nessas acusações tão pesadas, e formulei várias frases
defensivas para provar que não tinha o coração de um escravo, mas me calei,
não consegui responder nada. Três dias depois, a criada de Sira levou-me à
presença de sua senhora.
“Minha mãe está de novo muito doente”, disse ela. “Sele os dois melhores
camelos de meu marido. Carregue-os com odres de água e alforjes para uma
longa viagem. A criada vai lhe dar a comida na tenda da cozinha.”
Carreguei os camelos, intrigado com a quantidade de provisões que a
criada fornecera, pois a mãe de Sira vivia a menos de um dia de viagem. A
criada montava o camelo de trás e eu seguia na frente, conduzindo o camelo
de minha senhora.
Chegamos à casa da mãe de Sira assim que escureceu. Ela dispensou a
criada e me disse:
“Dabasir, você tem a alma de um homem livre ou a alma de um
escravo?”
“Tenho a alma de um homem livre!”, a rmei.
“Agora é sua chance de prová-lo. Seu mestre está completamente bêbado,
e os homens dele perderam os sentidos. Então, pegue estes camelos e fuja.
Nesta sacola há trajes de seu senhor, para que você se disfarce. Direi que você
roubou os camelos e fugiu enquanto eu visitava minha mãe doente.”
“Você tem a alma de uma rainha”, eu lhe disse. “Gostaria muito de dar-
lhe a felicidade.”
“Não é a ‘felicidade’ o que uma esposa fugitiva encontraria em terras
distantes, entre desconhecidos. Tome seu rumo, e que os deuses do deserto o
protejam, pois o caminho é longo, e nele você não encontrará alimento nem
água.”
Não foi preciso que ela insistisse mais; agradeci-lhe efusivamente e parti
no meio da noite. Eu não conhecia aquelas terras estranhas, e tinha apenas
uma vaga ideia da direção em que se encontrava a Babilônia. Apesar disso,
lancei-me através do deserto, rumo às colinas. Montava um dos camelos e
puxava o outro. Viajei durante toda a noite e todo o dia seguinte, ciente do
destino terrível que aguardava os escravos que roubavam a propriedade de
seus mestres e tentavam fugir.
No m daquela tarde, cheguei a uma região acidentada tão inabitável
quanto o deserto. As pedras a adas feriam os cascos de meus leais camelos, e
logo eles estavam avançando com cuidado, de forma lenta e dolorosa. Não vi
nenhum homem ou animal, e compreendi perfeitamente por que evitavam
aquela terra inóspita.
O que se seguiu foi uma viagem à qual poucos homens sobreviveriam.
Dia após dia, seguimos em frente. A comida e a água se acabaram. O calor
do sol era implacável. Ao nal do nono dia, desci de minha montaria
sentindo-me fraco demais até para voltar a montar, e tive certeza de que
morreria, perdido naquela terra abandonada.
Deitei-me no chão e dormi, e não despertei até o primeiro clarão do dia.
Quando acordei e me sentei, olhei ao meu redor. Havia um frescor no ar
matutino. Meus camelos estavam deitados ali perto. À nossa volta estendia-
se uma vasta extensão coberta de pedras, areia e plantas espinhosas.
Nenhum sinal de água, nem nada que homens ou camelos pudessem comer.
Seria naquela paz silenciosa que encontraria meu m? Tinha a mente
mais lúcida do que jamais tivera. Meu corpo, nesse momento, parecia ter
pouca importância. Meus lábios rachados e ensanguentados, a língua
ressecada e inchada, o estômago vazio já não sofriam a suprema agonia do
dia anterior.
Meu olhar percorreu a distância hostil e, uma vez mais, eu me perguntei:
“Tenho a alma de um escravo ou a alma de um homem livre?”. Então, com
muita clareza, percebi que, se tivesse a alma de um escravo, deveria desistir,
deitar-me no deserto e morrer; seria um nal muito adequado para um
escravo fugitivo.
Mas e se eu tivesse a alma de um homem livre? Com certeza, faria de
tudo para voltar à Babilônia, pagar às pessoas que haviam con ado em mim,
dar felicidade a minha esposa que tanto me amava e proporcionar
tranquilidade e satisfação a meus pais.
“Suas dívidas são seus inimigos. Elas o zeram fugir da Babilônia”,
dissera-me Sira. Era isso mesmo. Por que me recusara a resistir como um
homem? Por que eu havia permitido que minha mulher voltasse para a casa
de seu pai?
Então, aconteceu algo estranho. O mundo inteiro pareceu mudar de cor,
como se antes eu o enxergasse através de uma pedra colorida que tivesse sido
removida de repente. Por m, percebi quais eram os verdadeiros valores da
vida.
Morrer no deserto! Nunca! Com uma nova visão, enxerguei tudo o que
deveria fazer. Primeiro, voltaria para a Babilônia e procuraria cada homem
com quem tivesse uma dívida a pagar. Eu lhes diria que, depois de anos
vagueando à mercê dos infortúnios, havia retornado para pagar minhas
dívidas o mais rápido que os deuses permitissem. Depois, faria uma casa
para minha esposa e me tornaria um cidadão de quem meus pais pudessem
se orgulhar.
Minhas dívidas eram meus inimigos, mas os homens a quem eu devia
eram meus amigos, pois haviam con ado em mim.
Cambaleando, coloquei-me em pé. Que importava a fome? Que
importava a sede? Não passavam de di culdades em meu caminho para a
Babilônia. Dentro de mim brotou a alma de um homem livre que retornava
para vencer seus inimigos e recompensar seus amigos. Eu estava tomado por
uma enorme determinação.
Os olhos vidrados de meus camelos brilharam com a nova energia em
minha voz rouca. Com grande esforço, depois de muitas tentativas, eles
caram em pé. Com dolorosa perseverança, tomaram o rumo norte, onde
algo dentro de mim dizia que encontraríamos a Babilônia.
Achamos água. Chegamos a terras mais férteis, onde havia capim e
frutos. Encontramos o caminho para a Babilônia, porque a alma de um
homem livre encara a vida como uma série de problemas a serem resolvidos,
e os resolve, enquanto a alma de um escravo se lamenta… “Que posso fazer
se sou apenas um escravo?”…
E você, Tarkad? Seu estômago vazio não deixa sua cabeça mais lúcida?
Está pronto para tomar o caminho de volta ao respeito por si mesmo?
Consegue enxergar o mundo com suas cores reais? Tem o desejo de pagar
suas dívidas honestas, por mais numerosas que sejam, e uma vez mais ser
um homem respeitado na Babilônia?
As lágrimas umedeceram os olhos do rapaz. Ele cou de joelhos.
— Você me mostrou o caminho. Sinto que dentro de mim existe a alma
de um homem livre — ele disse.
— Mas o que aconteceu com você depois que voltou? — perguntou um
ouvinte interessado.
— Onde existe determinação, o caminho pode ser encontrado —
respondeu Dabasir. — Eu tinha determinação, de modo que fui em busca de
um caminho. Primeiro, procurei cada homem a quem devia e supliquei que
tivesse paciência até que eu conseguisse ganhar dinheiro para lhe pagar. A
maioria recebeu-me de boa vontade. Alguns me insultaram, mas outros
ofereceram-se para me ajudar; um deles, inclusive, me deu justamente a
ajuda de que eu precisava. Foi Mathon, o prestamista de ouro. Ao saber que
eu havia cuidado de camelos na Síria, ele me enviou até o velho Nebatur, o
mercador de camelos. Ele acabara de ser contratado por nosso bom rei para
adquirir muitas cá las de camelos robustos para a grande expedição. Com
ele, meus conhecimentos sobre camelos tiveram muito bom uso. Aos poucos,
consegui devolver cada moeda de cobre e cada moeda de prata que devia.
Por m, pude erguer a cabeça e sentir que era um homem honrado entre os
demais.
Dabasir voltou-se outra vez para sua comida.
— Kauskor, sua lesma — gritou alto para ser ouvido na cozinha. — Esta
comida está fria. Traga-me mais carne recém-assada. Traga também uma
grande porção para Tarkad, lho de meu velho amigo, que está faminto e vai
comer comigo.
Assim terminou a história de Dabasir, o mercador de camelos da antiga
Babilônia. Ele encontrou seu próprio caminho ao descobrir uma grande
verdade que já era conhecida e utilizada pelos sábios muito antes de seu
tempo.
Essa verdade havia ajudado homens de todas as eras, levando-os ao
sucesso, e continuará a ajudar todos os que compreenderem seu poder
mágico. Para ser utilizada, basta não se esquecer destas palavras:
ONDE EXISTE
DETERMINAÇÃO,
O CAMINHO PODE
SER ENCONTRADO.
AS PLACAS DE ARGILA DA
BABILÔNIA
21 de outubro de 1934
Sinceramente, seu
Alfred H. Shrewsbury,
Departamento de Arqueologia
PLACA NÚMERO 1
Agora, quando a lua se torna cheia, eu, Dabasir, que até pouco tempo
atrás fui escravo na Síria, tendo decidido pagar todas as minhas dívidas e
tornar-me um homem rico e respeitado em minha cidade natal da Babilônia,
gravo nesta placa um registro permanente de minhas nanças, que vai me
guiar e ajudar a realizar meus maiores desejos.
Acatando os sábios conselhos de meu bom amigo Mathon, o prestamista
de ouro, decidi seguir um plano preciso que, de acordo com meu amigo,
permite a qualquer homem honrado pagar suas dívidas e alcançar a riqueza
e o respeito por si mesmo.
Este plano inclui três objetivos, que são minha esperança e meu desejo.
Primeiro, o plano deve permitir minha prosperidade futura. Portanto,
um décimo de tudo o que ganho será separado, sendo meu, para ser
guardado. Mathon fala com sabedoria ao dizer:
“O homem que mantém em sua bolsa tanto o ouro quanto a prata que
não precisa gastar é generoso com sua família e leal a seu rei.
O homem que não tem mais do que alguns cobres em sua bolsa é
indiferente a sua família e a seu rei.
Mas o homem que não tem nada em sua bolsa é cruel com sua família e
desleal a seu rei, pois seu coração é amargo.
Assim, o homem que almeja a realização deve ter moedas que tilintem
em sua bolsa e conter no coração amor por sua família e lealdade a seu rei.”
PLACA NÚMERO 2
Em terceiro lugar, o plano deve permitir que minhas dívidas sejam pagas
com o que ganho.
Portanto, a cada lua cheia, dois décimos de tudo o que ganhei serão
divididos de forma honrada e justa entre aqueles que con aram em mim e
me emprestaram dinheiro. Desse modo, no devido tempo, todas as minhas
dívidas serão quitadas.
Gravo aqui o nome de cada homem a quem devo, e o montante de minha
dívida.
Fahru, o tecelão, 2 moedas de prata, 6 de cobre.
Shijar, o fabricante de colchões, 1 moeda de prata.
Ahmar, meu amigo, 3 moedas de prata, 1 de cobre.
Zankar, meu amigo, 4 moedas de prata, 7 de cobre.
Askamir, meu amigo, 1 moeda de prata, 3 de cobre.
Harinsir, o joalheiro, 6 moedas de prata, 2 de cobre.
Diarbeker, amigo de meu pai, 4 moedas de prata, 1 de cobre.
Alkahad, proprietário da casa, 14 moedas de prata.
Mathon, o prestamista de ouro, 9 moedas de prata.
Birejik, o fazendeiro, 1 moeda de prata, 7 de cobre.
PLACA NÚMERO 3
A esses credores devo, no total, 119 moedas de prata e 141 moedas de
cobre. Por ter tais dívidas, e não conseguir ver um modo de pagá-las, cometi
a tolice de permitir que minha esposa voltasse para a casa de seu pai, deixei
minha cidade natal e fui em busca de fortuna fácil em outro lugar, apenas
para encontrar o desastre e ser vendido, na situação degradante de escravo.
Agora que Mathon me ensinou como é possível pagar minhas dívidas em
pequenas parcelas, com o uso de meus ganhos, percebo como fui tolo ao
fugir das consequências de minhas extravagâncias.
Portanto, visitei meus credores e expliquei a eles que não disponho de
recursos para pagar toda a dívida de uma vez, mas que tenho capacidade de
ganhar dinheiro e planejo usar dois décimos de tudo o que ganho para pagar
essas dívidas por igual e de forma honesta. É a quantia de que posso dispor, e
não mais. Portanto, eles serão pacientes, e com o tempo todas as minhas
obrigações serão totalmente cumpridas.
Ahmar, que eu considerava meu melhor amigo, insultou-me de tal modo
que saí humilhado de nosso encontro. Birejik, o fazendeiro, implorou que eu
lhe pagasse antes de todos porque precisava muito de ajuda. Alkahad, o
proprietário da casa, foi bastante desagradável e ameaçou criar problemas
para mim, a menos que eu acertasse tudo com ele de imediato. Todos os
demais aceitaram de bom grado a minha proposta.
Assim, estou mais decidido do que nunca a prosseguir, e convencido de
que é mais fácil pagar as dívidas justas do que evitá-las. Ainda que não possa
atender às necessidades e às demandas de alguns dos credores, tratarei a
todos de forma imparcial.
PLACA NÚMERO 4
É lua cheia novamente. Tenho trabalhado muito, com a mente livre.
Minha boa esposa apoiou-me no propósito de pagar meus credores. Graças a
nossa determinação, durante a lua que passou, ganhei a soma de 19 moedas
de prata ao comprar para Nebatur camelos de bom fôlego e pernas fortes.
Eu dividi esse montante de acordo com o plano. Separei um décimo e o
guardei para mim mesmo; dividi sete décimos com minha boa esposa para
pagar nossas despesas; distribuí dois décimos entre meus credores da forma
mais equitativa que as moedas de cobre permitiram.
Não vi Ahmar, mas deixei a parte dele com sua esposa. Birejik cou tão
feliz que quase beijou a minha mão. Só o velho Alkahad reclamou e disse que
eu deveria pagar mais rápido. Assegurei-lhe que, se eu estivesse bem
alimentado e livre de preocupações, conseguiria pagar tudo logo, mas ainda
não é o caso. Todos os demais me agradeceram e elogiaram meus esforços.
Ao nal de uma lua, minha dívida reduziu-se em quase quatro moedas
de prata, e, além disso, tenho quase duas moedas de prata que ninguém
cobrará de mim. Sinto o coração leve como há muito não sentia.
De novo, a lua está cheia. Trabalhei muito, mas tive pouco êxito, e
consegui comprar poucos camelos. Ganhei apenas onze moedas de prata.
Minha boa esposa e eu seguimos o plano; no entanto, não compramos
roupas novas e estamos comendo praticamente apenas vegetais. Ainda assim,
paguei a nós mesmos um décimo das onze moedas e vivemos com sete
décimos. Fiquei surpreso quando Ahmad elogiou o pagamento, embora
fosse pequeno. Birejik também o elogiou. Alkahad cou furioso; porém,
quando lhe disse que, se não quisesse sua parte, podia devolvê-la a mim, ele
se resignou. Os outros, como nas outras vezes, caram satisfeitos.
Outra vez a lua está cheia e eu estou muito feliz. Encontrei uma excelente
cá la e comprei muitos camelos robustos, e meus ganhos foram de 42
moedas de prata. Nesta lua, minha mulher e eu compramos sandálias e as
roupas de que tanto necessitávamos. Também tivemos carne e aves em
nossas refeições. Pagamos mais de oito moedas de prata a nossos credores.
Nem Alkahad reclamou.
O plano é excelente, pois nos tira das dívidas e nos permite acumular
uma riqueza só nossa, para guardarmos.
Três luas cheias se passaram desde a última vez que z inscrições nesta
argila. A cada lua, guardei um décimo de tudo o que ganhei. A cada lua,
minha boa esposa e eu vivemos com sete décimos, mesmo quando foi difícil.
A cada lua, paguei a meus credores dois décimos de meus ganhos.
Na bolsa, tenho agora 21 moedas de prata, que são minhas. Elas me
permitem andar de cabeça erguida e me dão orgulho quando estou entre
meus amigos.
Minha esposa mantém a casa em ordem e se veste bem. Vivemos felizes
juntos.
O plano tem um valor inestimável. Acaso não transformou o ex-escravo
em um homem honrado?
PLACA NÚMERO 5
A lua está cheia novamente e lembrei-me de que muito tempo se passou
desde a última vez em que z inscrições na argila. Doze luas, na verdade,
vieram e se foram. Mas hoje não deixarei de fazer meu registro, porque foi o
dia em que paguei a última de minhas dívidas. Cheios de gratidão, minha
boa esposa e eu celebramos com um grande banquete a vitória que, graças a
nossa determinação, alcançamos.
Muitas coisas ocorreram durante a visita nal a meus credores, e eu as
recordarei durante muito tempo. Ahmar pediu-me perdão por suas palavras
ásperas, e disse que eu era um dos homens que ele mais desejava ter como
amigo. O velho Alkahad não é tão mau, no m das contas, pois ele disse:
“No passado, você era um pedaço de argila mole, espremido e moldado
por qualquer mão que o tocasse, mas agora é um pedaço de bronze, capaz de
ser a ado e ganhar um gume. Se, em algum momento, precisar de prata ou
ouro, procure-me.”
Ele não é o único que me tem em alta estima. Muitos outros dirigiram-se
a mim com respeito. Minha boa esposa me olha com um brilho nos olhos
que daria con ança a qualquer homem.
E, no entanto, foi o plano que me fez ter sucesso. Ele permitiu que eu
pagasse todas as minhas dívidas e tivesse ouro e prata tilintando em minha
bolsa. Eu o recomendo a quem quiser prosperar. Pois, de fato, se ele permitiu
a um ex-escravo pagar as dívidas e ter ouro na bolsa, pode ajudar qualquer
homem a alcançar a independência. Não deixarei de segui-lo, pois tenho
certeza de que ele me tornará um homem rico.
***
7 de novembro de 1936
Professor Franklin Caldwell
Aos cuidados da Expedição Cientí ca Britânica
Hillah, Mesopotâmia
Sinceramente, seu
Alfred H. Shrewsbury,
Departamento de Arqueologia
O HOMEM MAIS SORTUDO DA
BABILÔNIA
Estaria eu destinado a ser para sempre punido por algo que não sabia o
que era? Que novos sofrimentos e decepções me aguardavam?
Imagine minha surpresa quando, ao entrarmos no pátio da casa de meu
mestre, vi Arad Gula à minha espera. Ele me ajudou a desmontar e abraçou-
me como a um irmão há muito perdido.
Quando fomos embora, eu teria seguido atrás dele como um escravo
deve seguir seu mestre, mas ele não permitiu. Ele passou o braço por meus
ombros e disse:
“Procurei você por toda parte. Quando já havia quase perdido as
esperanças, encontrei Swasti, que me falou sobre o prestamista, e ele me
indicou seu nobre proprietário. Foi uma negociação difícil, e ele me fez pagar
um preço exorbitante, mas você vale a pena. Sua loso a e sua iniciativa têm
sido minha inspiração neste meu novo caminho de sucesso.”
“A loso a de Megiddo, não a minha”, interrompi.
“A loso a de Megiddo e a sua. Graças a vocês dois, estamos indo para
Damasco, e preciso de você para ser meu sócio. Veja, em um instante, você
será um homem livre!”, ele exclamou.
Dizendo isso, ele tirou de sob sua túnica a placa de argila contendo meu
título. Ergueu-a bem alto e atirou-a para que se partisse em uma centena de
pedaços no calçamento da rua. Com alegria, pisoteou os fragmentos até
reduzi-los a poeira.
Lágrimas de gratidão encheram meus olhos. Eu sabia que era o homem
mais sortudo da Babilônia.
Como vê, no momento de maior a ição, o trabalho mostrou ser meu
melhor amigo. A disposição para trabalhar foi o que me permitiu escapar de
terminar como escravo nas muralhas. Também impressionou tanto seu avô
que ele me escolheu como seu sócio…
Neste momento, Hadan Gula perguntou:
— Quer dizer que o trabalho foi a chave secreta de meu avô para as
moedas de ouro?
— Era a única chave que ele tinha quando o conheci — respondeu
Sharru Nada. — Seu avô gostava de trabalhar. Os deuses aprovaram seus
esforços e recompensaram-no de forma generosa.
— Começo a entender — disse Hadan Gula, pensativo. — O trabalho
atraiu os muitos amigos que ele tinha, pois eles admiravam seu empenho e o
sucesso que este lhe proporcionou. O trabalho trouxe o respeito de que ele
tanto gozava em Damasco. O trabalho trouxe todas as coisas que desejo. E eu
achava que o trabalho só servia para os escravos.
— A vida está repleta de prazeres dos quais os homens podem desfrutar
— comentou Sharru Nada. — Cada um tem seu lugar, e me alegra que o
trabalho não seja exclusivo dos escravos. Se assim fosse, eu seria privado de
meu maior prazer. Há muitas coisas das quais gosto, mas nada toma o lugar
do trabalho.
Sharru Nada e Hadan Gula cavalgaram às sombras das imensas muralhas
até chegar aos grandes portões de bronze da Babilônia. Ao se aproximarem,
os guardas do portão aprumaram-se e, respeitosamente, saudaram aquele
cidadão honrado. De cabeça erguida, Sharru Nada conduziu a longa
caravana através dos portões e pelas ruas da cidade.
— Eu sempre desejei ser como meu avô — confessou-lhe Hadan Gula. —
Nunca soube que tipo de homem ele era. Foi você quem me revelou. Agora
que sei, eu o admiro ainda mais, e estou ainda mais decidido a ser como ele.
Acho que nunca poderei pagar a você por me revelar a verdadeira chave para
o sucesso dele. De hoje em diante, usarei essa chave. Começarei de forma
humilde, como ele começou, pois isso é muito mais adequado à minha
verdadeira situação do que joias e roupas nas.
Dizendo isso, Hadan Gula tirou os brincos e os anéis. Então, puxou as
rédeas de seu cavalo, deixou-se atrasar e passou a cavalgar com profundo
respeito atrás do líder da caravana.
UM RESUMO HISTÓRICO DA
BABILÔNIA