Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Untitled

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 30

Table of Contents

Introduçã o

Vida de Kierkegaard

Obras de Kierkegaard

Sobre o pensamento filosó fico de Kierkegaard

As Esferas da Existência

A Esfera Estética

A Esfera É tica

A Esfera Religiosa

Angú stia e Desespero

Conclusã o

Apreciaçã o

Referência Bibliográ fica


Rodriguez Suarez

Søren Aabye Kierkegaard


- Filósofo da Existência -
 
 
- Um breve estudo sobre a vida e pensamento de Kierkegaard -

 
- 2016 -
ÍNDICE
Introduçã o
Vida de Kierkegaard
Obras de Kierkegaard
Sobre o pensamento filosó fico de Kierkegaard
As Esferas da Existência
A Esfera Estética
A Esfera É tica
A Esfera Religiosa
Angú stia e Desespero
Conclusã o
Apreciaçã o
Referência Bibliográ fica

 
 

“A função da oração não é influenciar Deus, mas


especialmente
mudar a natureza daquele que ora.”
(Kierkegaard)

Introdução
 

Kierkegaard é considerado um marco inicial para quem quer


estudar a filosofia existencialista. Sua figura exó tica, misteriosa e
enigmá tica, pelo jeito peculiar de pensar e escrever surge para o
estudioso da filosofia como uma fonte quase que inesgotá vel de
pesquisa e de meditaçã o. Para se compreender a visã o
kierkegaardiana, existencial e antropoló gica, é necessá rio e
obrigató rio retornar à sua filosofia, pois este pensador dinamarquês
muito contribuiu com seu pensamento a essa á rea de conhecimento.

O interesse por este filó sofo e a crescente influência de suas obras


foi aumentando à medida que as mesmas eram traduzidas para
outros idiomas assim como o alemã o, o francês, o italiano, o inglês
entre outros. Se compararmos o espaço insignificante que
Kierkegaard ocupava nos tratados e manuais de filosofia com as
numerosas pá ginas que hoje lhe consagram os estudiosos e
escritores, veremos entã o a sua grande importâ ncia atualmente.
Ao estudarmos Kierkegaard percebemos que suas ideias nã o se
desvinculam da sua existência e, ainda possuem um sabor de
atualidade, tornando-se a expressã o de sua essência, daí a
importâ ncia do conhecimento, ao menos por alto, dos fatos de sua
vida. Ele foi profundamente marcado por angú stias pessoais e
familiares à s quais se somou à crise provocada pelo rompimento de
seu noivado com Regine Olsen . Desenvolveu um pensamento
indissociá vel de sua vida pessoal e de seus sentimentos trá gicos.
Nã o podemos negar também que os grandes temas de sua época
parecem ser os grandes temas de nossa época.

Vida de Kierkegaard
 

Søren Aabye Kierkegaard nasceu no dia 05 de maio de 1813 em


Copenhague. Seus pais procediam das planícies da Juntlâ ndia
ocidental. Seu pai, Michael Pedersen Kierkegaard, havia nascido
numa família pobre e sendo camponês recorria a suas desolaçõ es
causadas pelas terríveis condiçõ es de trabalho vividas na
adolescência. Certo dia, conversando com Kierkegaard, confessa que
quando novo, nã o suportando a angú stia e a melancolia, revoltado
com a difícil situaçã o a qual vivia, blasfemou contra Deus,
amaldiçoando-o.
Nos doces anos que o pai de Kierkegaard passou em Copenhague na
casa de um tio, ele se empenhou e abriu um comércio. O êxito de
seus negó cios foi tã o grande que se tornou um dos principais
comerciantes. Quando reuniu uma fortuna grandiosa, se retirou dos
negó cios para dedicar-se a meditaçã o e educar seus filhos. Sua
primeira esposa morreu sem deixar-lhe filhos, quando veio a casar-
se pela segunda vez com sua criada, Ana Sørendater Lund, a qual lhe
deu sete filhos, sendo assim, Kierkegaard o ú ltimo.

Kierkegaard, em seus escritos, saturados de citaçã o da sua vida,


nunca falou de sua mã e, sendo que muito a amou e sentiu a dor de
sua morte. Ao contrá rio, inú meras foram as vezes, que nas
motivaçõ es da vida, pois se a falar da figura atormentada e
melancó lica de seu pai, ao qual sofreu uma influência forte e durá vel
tanto na sua vida moral quanto espiritual.

Em seu ensaio autobiográ fico incompleto, Kierkegaard assinala três


acontecimentos importantes de sua vida: sua formaçã o nas mã os de
seu pai; seu calamitoso amor por Regine Olsen; seu choque com a
imprensa e sua aberta luta contra a igreja dinamarquesa.

Søren Kierkegaard reconheceu mais tarde ter herdado as três


disposiçõ es bá sicas de seu pai: a imaginaçã o, a dialética e a
melancolia religiosa.

Em sua adolescência, iniciou-se em um cristianismo duro e sombrio


dentro da teologia luterana, e educado dentro das concepçõ es do
cristianismo luterano em que se acentuava a condiçã o pecaminosa
da natureza humana intrinsecamente corrompida, Kierkegaard
sentiu todo o peso desses ensinamentos e refletiu-os na sua maneira
de viver, pensar e escrever. Como afirmar Heinemann, “Sob a
pressã o de uma educaçã o luterana sombria e estritamente ortodoxa,
nã o pô de gozar sua infâ ncia”. (Heinemann, Fritz, p. 34).

No ano de 1830, Søren se inscreveu na Universidade de


Copenhague, escolhendo os estudos de teologia, para satisfazer a
vontade de seu pai de abri-lhe a carreira pastoral. Dez anos durou
sua vida de estudos e nã o tinha ainda definido sua vocaçã o
eclesiá stica e nã o é de se estranhar que se aplicou aos estudos
teoló gicos de uma maneira irregular e distraída. Dedicou-se mais a
literatura e a estética sobre a influência de seu grande amigo e poeta
o professor Poul Martin Møller. Estudou com entusiasmo Platã o e os
româ nticos, assim como as ú ltimas obras de filosofia em que o
racionalismo e Hegel eram dominantes.

Neste decênio estudantil se desenvolve também sua vida social


mundana. Com esta vida mundana e alegre as coisas nã o andavam
bem. Os exames eram constantemente atrasados. Seu pai
entristecia-se com os excessos que entravam em contraste com a
austera vida da família. Isso levou com que Kierkegaard rompesse
sua comunicaçã o com seu pai em 1837. Passou entã o a receber do
pai uma renda anual que lhe permitiu instalar-se em uma casa
independente, ajudando-se assim com as aulas de latim no Liceu, na
espera de promoçã o. É esse o tempo em que ficou mais deprimido e
irritado, abandonando assim, as prá ticas religiosas parecendo ter
perdido sua profunda fé cristã .

A reconciliaçã o só veio meses antes da morte de seu pai, que


ocorreu em 08 de agosto de 1838, a qual virou uma fase aguda de
suas crises. As desgraças caídas sobre a família (a morte da mã e, a
dos cinco irmã os em poucos anos e a do pai) colocou em sua cabeça
que uma divina maldiçã o pesava sobre a família e que a condena a
desaparecer da terra por culpa de seu pai. Seu pai, pouco antes de
morrer, havia lhe confessado que quando jovem, ainda guardador de
carneiros nas charnecas da Juntlâ ndia, sofrendo grandes males,
cheio de fome e de frio se ergueu sobre uma colina e blasfemou
contra Deus, amaldiçoando-o. Essa confissã o passou-lhe um
sentimento de culpabilidade de seu genitor, produzindo-lhe um
traumatismo moral.

Em consequência do elo, Søren recobrou a calma e se entregou a


uma conversã o mais plena à vida religiosa e à meditaçã o dos temas
cristã os. Como homenagem pó stuma a seu pai, surpreende a todos
com sua carreira eclesiá stica e em 1840 se licencia em teologia,
pregando pela primeira vez numa igreja de sua comunidade. Em
1841 recebe o grau de mestre em filosofia com uma tese sobre o
conceito da ironia.

Um dado importante de sua vida foi em 1837, quando conheceu a


jovem Regine Olsen, filha do Conselheiro de Estado Terkel Olsen.
Esta jovem tinha apenas quinze anos. Os dois vieram a se noivar em
1840, mas, a consciência de seu defeito físico, de considerar-se velho
frente a ela, de seu cará ter melancó lico e solitá rio, era, segundo ele,
obstá culo insuportá vel para a uniã o e a uma vida familiar com a
jovem amada, a qual tampouco poderia compreender o segredo de
sua vida interior, tã o cautelosamente guardado. Rompeu de forma
definitiva em 1841 com o seu relacionamento.

Sobre seu amor por Regine, escreve kierkegaard:


“Vó s, soberana do meu coraçã o, guardada na
profundeza secreta do meu peito, na plenitude do
meu pensamento, ali [...] divindade desconhecida! Ó ,
posso eu realmente acreditar nas palavras dos
poetas, que quando se vê pela primeira vez o objeto
do seu amor, imagina já tê-la visto há muito tempo,
que todo o amor assim como todo o conhecimento é
lembrança, que o amor tem também as suas
profecias dentro do indivíduo” (KIERKEGGARD,
1841, DIÁ RIO).
Kierkegaard manteve polêmicos debates com a igreja oficial da
Dinamarca e a intensidade desses debates de cará ter religioso
minou a saú de de Kierkegaard que veio a falecer aos quarenta e dois
anos de idade no dia 11 de novembro de 1855. Sobre sua relaçã o
com a igreja, escreve Giordani:
“A polêmica com a igreja oficial da Dinamarca é
outro episó dio importante marcante da vida e da
mentalidade de Søren. Nesse ataque atravessou
todas as barreiras nã o poupando nem os ministros,
nem suas famílias. Acusou os luteranos de haverem
subordinado as coisas sagradas aos interesses
seculares integrando completamente sua vida
religiosa dentro da ordem burguesa. Acusou o
Cristianismo oficial de eximir os homens da
necessidade de uma vida ascética e das boas obras”
(GIORDANI, Má rio Curtis; 1997,p. 35).

Obras de Kierkegaard
 

A produçã o literá ria de Kierkegaard, uma das mais notadas de todas


as literaturas, constitui uma grande “selva” de escritos de todos os
gêneros: tratados filosó ficos, outros teoló gicos, discursos edificantes
ou religiosos, ensaios polêmicos, autobiográ ficos, artigos, notas e
reflexõ es do Diário e extratos diversos. Eis as obras de Kierkegaard
em ordem cronoló gica para que possamos apreciar sua
contribuiçã o, seja na filosofia ou na teologia:

- O conceito de ironia constantemente referido a Só crates (1840);

- É preciso duvidar de tudo (1842-1843);

- Ou um, ou outro: um fragmento de vida (1843) em algumas


traduçõ es traz o título como Diá rio de um Sedutor;

- Temor e Tremor (1843);

- A repetiçã o (1843);

- Quatro Discursos edificantes (1843);

- Dois Discursos Edificantes (1844);


- Três Discursos Edificantes (1844);

- O Conceito de Angú stia (1844);

- Migalhas filosó ficas (1844);

- Está dios no caminho da vida (1845);

- Culpado? Nã o culpado? (1845);

- Pó s-escrito final nã o-científico à s migalhas filosó ficas (1846);

- As Obras do Amor (1847);

- Ponto de vista explicativo da minha obra como escritor


(1848), porém publicado postumamente em 1859;

- O Desespero Humano - Doença até a morte (1849);

- Os lírios do campo e as aves do céu (1849);

- Escola do Cristianismo (1850);

- Estética do Matrimô nio (1850).

Sobre o pensamento filosófico de Kierkegaard


 

Cabe, pois aqui, elucidarmos um pouco das fontes do pensamento de


Kierkegaard, indicando brevemente as fontes em que ele buscou
inspiraçã o e material para suas digressõ es. Sã o elas: O Cristianismo
luterano, os filó sofos alemã es e, sobretudo a sua pró pria vida.

O Cristianismo em que Kierkegaard foi educado era um Cristianismo


sombrio e amargo no qual acentuava as dores da cruz e omitiam as
doçuras do presépio. Este Cristianismo é que influenciou seu
pensamento, mais fortemente modelou sua sensibilidade e
contribuiu, portanto, de uma maneira decisiva para a criaçã o de seu
existencialismo.

A filosofia alemã é também fonte importante do pensamento


Kierkegaardiano. Aprofundou-se nos estudos dos filó sofos alemã es e
tomou conhecimento de tudo o que fora escrito pró e contra Hegel,
antes mesmo de iniciar o estudo direto do pró prio texto hegeliano.
Dos opositores de Hegel que estudou, Schelling e Tredelenburg
foram os que mais influenciaram na sua formaçã o.
“Do primeiro, Kierkegaard ouviu as preleçõ es em
Berlim no inverno de 1841 e 1842. Do segundo,
conheceu apenas as obras, confessando, entretanto,
que nã o havia aprendido tanto de nenhum filó sofo
como de Tredelenburg. Este fomentou a veia inata
do realismo e empirismo de Kierkegaard”
(GIORDANI, Má rio Curtis; 1997, p. 37).
Analisemos agora a mais importante e decisiva fonte do pensamento
de Kierkegaard que é a sua pró pria existência: “Porque no fundo,
nã o há ao que parece, mais que uma fonte que é a realidade
existencial de Søren Aabye Kierkegaard, sua personalidade
concreta...” Com efeito, o pensamento Kierkegaardiano formou-se
“menos por assimilaçã o de elementos estranhos que por um
aprofundamento contínuo de sua pró pria personalidade, por uma
consciência cada vez mais ampla e exigente das condiçõ es, nã o da
existência em geral, mas de seu pró prio existir.” Para Kierkegaard o
grande problema era encontrar uma verdade, “porém uma verdade
para mim, encontrar a ideia pela qual quero viver e morrer.” Daí o
conceito de que “a verdade é a vida mesma de quem a expressa: é a
vida em ato.” Vá rias vezes Kierkegaard declarou que toda sua obra
era nada mais que a expressã o de sua pró pria vida. Mergulhou
contínua, persistente e profundamente na pró pria personalidade
fazendo de toda sua vida uma verdadeira autocópia.

Existência e Subjetividade
 

É por oposiçã o à Hegel que Kierkegaard construiu as grandes


categorias de sua filosofia estando entre elas, em primeiro lugar, a
noçã o de categoria de existência. Por meio dela quis estabelecer
uma contraposiçã o radical entre o seu pensamento e o sistema
abstrato e idealista de Hegel. A existência é o que separa o que é
estranho da ideia absoluta; é o que contrapõ e ao conhecimento
verdadeiro da realidade aos sistemas panteístas, que volatizam,
consomem, vaporizam o conceito de existência. Estes só levam em
conta a existência abstrata e ideal. Porém a existência se refere
sempre a realidade concreta do homem existente.

A categoria da existência se refere sempre a realidade concreta,


existência vivente, mas exatamente, ao indivíduo humano. Existir é
ser indivíduo; o abstrato nã o existe.
“El existente es el hombre viviente, que dirige su
atenció n sobre el hecho de que existe, que no se
encierra em la especulació n abstrata, sino que vive
sus problemas existenciales. Porque ser individuo
es elegir existência apasionarse; la existencia es el
momento de la decisió n y la pasió n. El dominio ético
y religioso es el dominio proprio de la existencia; el
cristianismo es determinació n existencial.”
(URDANOS, Teofilo, 1975, p. 442.)
O desespero e a angú stia também caracterizam a existência, pois
existir significa sofrer necessariamente desespero e angú stia. O
desespero resulta do fracasso e a angú stia vem ligada à
possibilidade e à liberdade.

A categoria da subjetividade está ligada por Kierkegaard à


existência, pois a existência nã o é algo abstrato, porém o devir
concreto do homem, o sujeito existente. A existência é, portanto o
fato de existir.
“El momiento del hombre existente, porque la
existencia humana incluye el pensamiento.”
((URDANOS, Teofilo, 1975, p. 443.)
Pensar e existir foram postos juntos na existência, já que um homem
que existe é um homem que pensa, porém, o pensar do homem
existente é um pensamento subjetivo, uma reflexã o sobre sua
pró pria existência. O pensamento subjetivo se opõ e ao pensamento
puro, ao pensar objetivo, abstrato e idealista. O pensador objetivo é
um contemplador de abstraçã o mediante sua pró pria existência. É
um pensador desinteressado da existência que afasta seu olhar dos
homens concretos e se fixa no homem em si. Desta forma
Kierkegaard recomenda sermos objetivos com os outros e
subjetivos com nó s mesmos.
“Se trata sobre todo de salvar al hombre de la
finitude de lo objetivo, que es uma falsa
subjetividad. La verdadera subjetividad consiste em
ponerse personalmente em relación solo con Dios , en
referirlo todo a El y recordar que también los
sofrimientos vienen de El, que es la subjetividad
cristiana. Dios es la infinidad infinita, repite con
insistencia Kierkegaard , que no tiene nada de
objetivo, porque esto le limitaria y rebajaría al
á mbito de la relatividad. Pero, bajo otro aspecto, lo
subjetivo de Dios es lo subjetivo por excelencia; su
subjetividad es lo que hai de má s objetivo, mientras
que todo lo objetivo del hombre no es má s que una
manera como Søren presenta su interés subjetivo.
Son los matices de lo subjetivo-objetivo que se
presentan también en su teoría de la verdad.”
( (URDANOS, Teofilo, 1975, p. 444-445).

Verdade Subjetiva Existencial


 

A verdade pode dizer-se subjetiva no sentido de que o sujeito, para


pronunciar-se sobre a verdade, sempre se move a partir de uma
perspectiva pessoal de conhecimentos precedentes, de interesses e
tendências atuais. A subjetividade da verdade é bem mais uma
noçã o existencial de relaçã o entre existência e simples essência,
entre relaçã o efetiva e pura possibilidade, e nã o a ideia de uma
produçã o, nem sequer uma normativa que o homem tivera sobre a
verdade.
“Wahl dá -nos alguns esclarecimentos substanciosos
sobre subjetividade e verdade em Kierkegaard:
Aprender a verdade, para Kierkegaard, é apropriar-
se da mesma, é produzi-la e é, ao mesmo tempo, ter
um interesse infinito por ela. O que domina
Kierkegaard, é a ideia de um cuidado infinito de si. A
verdade, para Kierkegaard, é essencialmente Deus
enquanto encarnado, é essencialmente Jesus Cristo
enquanto diz de Si mesmo: Eu sou a verdade . E
quando este Homem-Deus que é Jesus diz: Eu sou a
verdade , ele se apresenta a nó s como um escâ ndalo,
como um paradoxo, e é a tensã o na qual devemos
colocar-nos para compreendermos que o infinito se
encarnou, isto é, se realizou no finito, é esta tensã o
que nos faz atingir a verdade, porque a verdade está
essencialmente na intensidade de nossa relaçã o com
o termo com o qual estamos em relaçã o. O pensador
subjetivo une, diz Kierkegaard, a eternidade e o
tempo, pois que concebe a verdade eterna, mas
concebe-a em um instante do tempo. É entã o ele
mesmo um paradoxo.” (GIORDANI, Má rio Curtis,
1997, p. 40.).

O Indivíduo Humano
 

Todavia, Kierkegaard centralizou sua reflexã o sobre a existência


concreta humana na categoria do indivíduo singular (mais conhecido
como indivíduo ). Kierkegaard anuncia esta ideia do indivíduo como
“sua pró pria categoria”, que resume sua missã o no mundo de
restaurar o respeito pela dignidade do homem individual.

Nas obras estéticas, Kierkegaard utilizava o conceito de indivíduo


para alertar aos homens da dispersã o da vida estética, de sua
imersã o no geral, no viver anô nimo da massa e fazê-lo recobrar sua
categoria de ser pessoal e consciente como indivíduo por cima do
geral. Segundo Kierkegaard, o homem de hoje por covardia ante a
existência, quere fundir-se na massa; sã o incapazes de ser alguém
por si mesmo, confiando ser “algo” por seu nú mero. Kierkegaard
trata de libertar o homem da tirania do povo, das opiniõ es e modos
de pensar da coletividade e fazê-lo tomar consciência de sua
responsabilidade como pessoa singular.
“El proceso de educació n del género humano es un
proceso de individualizació n...; es preciso romper
esse enorme abstracto, que es el pueblo , com el
individuo” (URDANOS, Teofilo, 1975, p. 449.).
Como afirma Urdanos, Kierkegaard é muito insistente na
contraposiçã o da multidã o e do indivíduo.
“La multitud es una abstracció n y no tiene manos...
Cada individuo que huye en busca de refugio a la
multitud, huye así, cobardemente, de ser individuo.”
(URDANOS, Teofilo, 1975, p. 449).
A noçã o do indivíduo se adequa em seu fundamento ontoló gico com
a do sujeito existente. Como já assinala Aristó teles, os singulares sã o
os ú nicos existentes e, o ser é dado nos indivíduos existentes, nã o
nos conceitos. Segundo Kierkegaard, o modo como a filosofia fala da
existência, mostra que nã o creem na imortalidade pessoal.

Kierkegaard define o homem dizendo que o mesmo é uma síntese de


alma e corpo, constituído e sustentada pelo espírito. É claro que nã o
se entende o espírito como parte constitutiva do ser humano
distinta da alma. Se trata de que o homem subordine todo o
psiquismo animal, que há nele, com suas tendências e paixõ es, ao
domínio da parte espiritual, que a carne obedeça ao espírito para
espiritualizar todo o homem pela fé e deixar de ser “corpo de
pecado”. Neste sentido ético-religioso, a realidade inteira, corpó rea-
espiritual, do homem pode sintetizá -la nas expressõ es de que o
homem, o eu individual, é espírito ou síntese do finito e infinito, do
temporal e do eterno.

Assim, pois, o indivíduo alcança sua completa humanidade quando a


alma e o corpo sã o sintetizados pelo espírito; e entã o se dá também
uma síntese do tempo e a eternidade, enquanto o homem toma
consciência da presença do eterno no tempo e relaciona sua pró pria
liberdade com a eternidade. Tal esfera só alcançará o indivíduo
cristã o.
As Esferas da Existência
 

As esferas da existência sã o as determinantes existenciais, os modos


de vida geral, usual que servem como esquemas ou princípios
opostos com os quais se enfrenta o indivíduo concreto em sua
procura de sua plena e pró pria posse.

Elas nã o sã o etapas sucessivas na vida do homem e sim situaçõ es em


que pode se dar a existência. Quando se vive numa dessas esferas,
nã o se pode viver simultaneamente nas outras pois, cada esfera
encarna em forma concreta um modo de vida e há uma hierarquia
ascendente de plenitude existencial que vai da vida estética a vida
ética, até atingir a religiosa. A passagem de uma esfera para a outra
se dá através de saltos e, uma vez realizado o salto ao modo de viver
superior, a esfera da existência inferior nã o desaparece totalmente,
porque há inclinaçõ es e necessidades estéticas e éticas em todo ser
humano, que nã o podem se apagar. Neste sentido, sã o três caminhos
para o homem atingir o ideal de ser perfeito. Sã o três as esferas da
existência: a estética, a ética e a religiosa.

A Esfera Estética
 

A vida estética é a vida de quem se entrega ao hedonismo e ao gozo


dos sentidos. É a vida do româ ntico que nã o admite nenhum jugo,
que dissolve toda a realidade em possibilidade, e obedece só “a los
imperativos cambiantes” do prazer. O estético é pura
espontaneidade, vida de sensaçõ es, sobretudo na linha do prazer
sensual e do erotismo. A vida do estético é toda de dispersã o, um
correr de um gozo a outro; é uma vida dividida em si mesma, porque
a unidade do prazer é uma quimera e ilusã o.

Na esfera estética, o indivíduo nã o tem compromissos nem


finalidades: é o artista despreocupado no qual a fantasia predomina
sobre a razã o e a vontade. Guiado pela fantasia, ele abraça a
realidade exterior, o efêmero, o transitó rio (riquezas, honras e
prazeres); esquiva-se da consciência, nã o se encontra em si mesmo,
nã o faz um propó sito sincero, sendo incapaz, por isso, de dominar-
se. Exemplos típicos desta esfera sã o: Don Juan, Fausto e Assuero (o
judeu errante).

Kierkegaard nã o tenta na figura de Don Juan glorificar a


sensualidade desenfreada. Conhecia e admirava este protó tipo
clá ssico através da criaçã o de Mozart. Em Don Juan viu a expressã o
suprema do ideal estético com toda sua força e debilidade. Os
comentá rios de Søren sã o um modelo de reflexã o filosó fica no
campo da arte e uma combinaçã o de aná lises objetiva e de ampla
interpretaçã o. Comparou a esta figura a sua outra criaçã o de Juan "o
sedutor" , protagonista da novela "Diário de um sedutor" , que seduz
a jovem Cordélia e a abandona depois do triunfo. Este personagem
representa o tipo de sedutor reflexivo e esteta. De igual vem a figura
do Fausto, que seduz com a influência demoníaca de Mefistó feles e a
reflexã o de seu cérebro. Kierkegaard considera Fausto como um
renascimento de Don Juan, uma Segunda fase da dialética estética,
que apareceu depois deste na Idade Média, num momento em que a
reflexã o se empenhou a suplantar a prossecuçã o direta do prazer, e
é o símbolo do homem ocidental, que ficou sem direçã o depois de
ter se rebelado contra a Igreja.

A Esfera Ética
 

A esfera ética é um modo de vida essencialmente novo. Diferente do


homem estético que perseguia as sensaçõ es e só buscava o gozo
nisso, o homem ético é o que põ e a moral como primeiro princípio
de sua conduta e fim ú ltimo de sua atividade e se propõ e acima de
tudo obediência ao “dever”.

Para Kierkegaard, o matrimô nio é a situaçã o mais propícia desta


esfera ética e como a ú nica condiçã o humana dentro da qual as
exigências estéticas podem ser satisfeitas e levadas a suas
plenitudes.

Típico representante desta esfera é o assessor Guilherme, do qual


Kierkegaard fala na segunda parte da obra “Ou um, ou outro” ,
empregado fiel e todo dedicado à esposa e aos filhos.

 
A Esfera Religiosa
A esfera religiosa é aquela em que pela via da introspecçã o, o sujeito
se encontra diante de Deus, optando viver na total sujeiçã o a ele,
independente do prazer estético e, inclusive da vivência ética. O
modelo desta esfera é Abraã o.

Abraã o recebe a ordem divina de sacrificar seu filho. A histó ria a


descreve com patéticas reflexõ es. Desde o ponto de vista ético,
Abraã o se situa diante do absurdo e monstruoso. Existe algum meio
de resolver uma situaçã o tã o dramá tica? A ética condenaria tanto o
mandato divino, declarando impossível e irreal, como a obediência
de Abraã o. Mas, Abraã o, sem embargo, obedece e se submete à
prova divina, abandonando a tentaçã o de considerar seu ato como
uma violaçã o da lei moral e de seus sentimentos paternais.

Angústia e Desespero
 

O salto qualitativo de uma esfera para outra se verifica por um


brusco abalo (comoçã o) vital que sacode o homem em seu pró prio
ser e o arranca subitamente do seu modo de ser anterior (sobre
tudo de sua dispersã o no mundo). O fator emocional desta comoçã o,
deste abalo existencial, os condensou Kierkegaard nas categorias
principais da angústia e desespero . Suas complicadas aná lises sobre
estes dois temas, muitos similares entre si, vã o envoltas dentro de
largas descriçõ es entorno do pecado. Angú stia e desespero
descobrem o pecado, o antecedem, acompanham e seguem, situando
o homem no viver religioso ou em relaçã o a Deus.

 
A Angústia
 

Søren Kierkegaard trata do conceito da angú stia sempre tendo ante


os olhos o dogma do pecado original e, sua consequência, o pecado
pessoal. Nem a ética, nem a psicologia, nem tampouco a ló gica e a
metafísica sã o competentes para entender o pecado, nem dar contar
de sua origem ou explicar sua realidade; nada sabem de sua origem
no pecado original, se bem que a ética pode descobrir a realidade do
pecado e ocupar-se em parte dela.

Kierkegaard inicia sua investigaçã o com uma larga exposiçã o sobre


o pecado original. O pecado é hereditá rio da espécie e se introduziu
no mundo pelo primeiro pecado de Adã o e sua queda do estado de
inocência (ignorâ ncia do bem e do mal).

Segundo Kierkegaard, a explicaçã o desta perda da inocência e a


queda no pecado devem ser psicoló gicas, nã o fantasias dadas pelos
teó logos. Aqui Kierkegaard introduz sua filosofia na interpretaçã o
do dogma. Esta explicaçã o se dá através da categoria da angú stia. O
conceito da angú stia, diz Kierkegaard, é diferente da noçã o de medo
e outros similares. O medo nasce mediante o perigo de algo
concreto; porém, a angú stia, do nada.
“La nada engendra la angustia, y por eso se habla de
angustiarse por nada” (URDANOS, Teofilo, 1975, p.
463).
Nã o é uma angú stia por algo exterior, por algo que está fora do
homem, mas sim de tal maneira que o homem seja a fluente da
angú stia.

 
O Desespero
 
“Enquanto a angú stia é típica do homem na sua
relaçã o com o mundo, o desespero é o pró prio do
homem na sua relaçã o consigo mesmo. Para
Kierkegaard, o desespero é a culpa do homem que
nã o sabe se aceitar a si mesmo em sua
profundidade. Por vezes, odiando a existência, o
homem quer ser tã o plenamente ele mesmo a ponto
de transformar-se em horrível deus, ao passo que
outras vezes sai de si mesmo e se dissipa na
distraçã o. Mas tanto em um como em outro caso há
um mal entendimento consigo mesmo. E, tanto
buscando-se como fugindo, ele nã o se possui. E daí o
desespero” (REALE, Geovanni; ANTISERI, Dá rio, p.
247.).
Segundo Kierkegaard, o desespero é uma enfermidade mortal.
Porém, nã o no sentido que leve a morte corporal, pois o desespero é
uma enfermidade de espírito .
“O desespero, escreve Kierkegaard, é o viver a morte
do eu . Assim, todo homem é desesperado exceto
quando, orientando-se em sua pró pria direçã o,
querendo ser ele mesmo, o seu eu emerge, através
de sua pró pria transparência, na potência que o
colocou” (REALE, Geovanni; ANTISERI, Dá rio, p.
247.).
O desespero brota no nã o querer se aceitar como estando nas mã os
de Deus. Mas, negando Deus, o homem aniquila-se a si mesmo
porque separar-se de Deus equivale a arrancar suas pró prias raízes
e afastar-se único poço do qual pode se obter água .

Conclusão
 

Filó sofo contemporâ neo, Søren Kierkegaard é considerado pai do


existencialismo. Nasceu em Copenhague em 1813, no seio de uma
família rica. Ele era menor de sete irmã os todos nascidos do mesmo
pai, tornando-se o filho preferido.

Foi o seu pai que o introduziu em um pensamento claro e fê-lo


encontrar a fé cristã . Estudou humanidades e teologia encontrando-
se com o velho racionalismo, mas também com o romantismo e o
idealismo alemã o e suas influências na teologia. Foi um grande
estudante de Hegel opondo-se a ele mais tarde.

Søren Kierkegaard herdou de seu pai uma melancolia religiosa. Esta


melancolia o levou a romper seu noivado. Depois de romper o seu
noivado, Kierkegaard viajou para Berlim, onde assistiu à
conferências de alguns filó sofos, dentre eles Schelling. Teve também
uma grande influência de Tredelemburg (nã o chegou a conhecê-lo,
mas confessou nunca ter aprendido tanto como aprendeu desse
filó sofo através de seus escritos). Kierkegaard nã o chegou a
conhecer Hegel, mas encontrou na Europa grande influência desse
filó sofo. Seu “sistema” era usado como uma explicaçã o geral para
todas as perguntas imaginá veis. Ele assumiu uma posiçã o
radicalmente oposta e explicou que “as verdades objetivas”, com as
quais se ocupavam a filosofia de Hegel, eram totalmente irrelevantes
para a assistência do homem enquanto indivíduo.

A filosofia de Kierkergaard  é em si uma complexidade de defesa da 


religiã o e precisamente a tentativa para  basear a validade da
religiã o na estrutura da existência humana como tal. Muitos
consideram Kierkergaard mais como um pensador religioso do que
propriamente um filó sofo, sendo assim “inimigo dos filó sofos”. De
fato, o seu pensamento obedece mais a preocupaçõ es teoló gicas do
que a filosó ficas: a sua intençã o primá ria é analisar a situaçã o do
homem diante de Deus à luz da revelaçã o cristã .

A temá tica teoló gica nã o o impediu, contudo, de estabelecer um


discurso filosó fico muitas vezes de altíssimo valor. É o que se vê, por
exemplo, quando ele examina a natureza do indivíduo, os conceitos
de existência, de angú stia, etc. As suas idéias significam passos
importantes no caminho da filosofia.
Podemos entã o perceber que a influência do pensamento
Kierkergaardiano no pensamento contemporâ neo é imensa, quer no
campo teoló gico protestante como no filosó fico. Nã o podemos
esquecer também que Kierkegaard foi um grande crítico da cultura
europeia, dizendo que toda Europa estava a caminho da
“bancarrota” pois viviam destituídos de paixã o e engajamento.

Apreciação
 

Quando se diz que Kierkegaard era mais um pensador religioso do


que um filó sofo, temos de admitir, pois esta afirmaçã o tem um
fundamento bastante só lido já que ele era um homem que temia
muito a Deus. Prova disso é este medo que surgiu em Kierkegaard
quando seu pai lhe confessou que ainda na mocidade havia
blasfemado contra Deus, amaldiçoando-o. Isto faz com que
Kierkegaard coloque todas as desgraças de sua vida (a morte de sua
mã e, de seus irmã os, o medo de seu relacionamento com a sua
amada Regine Olsen, a morte de seu pai, etc.) provenientes deste
amaldiçoamento de seu pai a Deus e que assim a sua família estava
sujeita a desaparecer da face da Terra.
Além deste fato proveniente de seu pai, convém lembrar também
que Kierkegaard foi influenciado por toda uma religiosidade
temerosa do protestantismo luterano.

Estes fatos fazem com que Kierkegaard volte todo seu estudo e
pensamento no â mbito da verdade divina. O homem só é livre
enquanto cumpre a vontade divina e enxerga a verdade que é o
pró prio Deus encarnado em Jesus Cristo que diz: “Eu sou a verdade”.

Mesmo tendo abordado nesta apreciaçã o, torna-se negativo na vida


de Kierkegaard a culpabilidade que ele de certa forma absorveu de
seu pai, deixando assim que ela influenciasse em toda sua vida e em
todo o seu pensamento. Admirado momento de sua vida é quando
ele combate o idealismo de Hegel e o cristianismo sombrio e amargo
do protestantismo, já que este omitia as doçuras do presépio e
exaltava as dores da cruz.

Conclui-se entã o que, Søren Kierkegaard tornou-se um filó sofo de


grande importâ ncia e peso para a filosofia. Nã o é em vã o que ele é
chamado de o genitor da filosofia existencialista.

Verdade que nã o podemos omitir é que, como Kierkegaard, muitos


de nó s achamos também que Jesus Cristo é o modelo perfeito do
homem, e que todos nó s temos de procurar alcançar este modelo de
perfeiçã o.
Referência Bibliográfica
 

ABBAGNANO, Nicola. Histó ria da Filosofia. Traduçã o de Armando da


Silva Carvalho e Antô nio Ramos Rosa. 3ª ed. Lisboa: Editorial
Presença Ltda., 1985. 180.

GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da histó ria da


filosofia. Traduçã o de Joã o Azenha Jú nior. Sã o Paulo: Companhia das
Letras, 1995. 555 p.

GIORDANI, Má rio Curtis. Iniciaçã o ao Existencialismo. Rio de


Janeiro: Editora Vozes Ltda., 1997. 143 p.

HEINEMANN, Fritz, Está viva o muerta la filosofia Existencial?


(traducció n del alemá n por Fernando Vela), Revista del Occidente,
Madrid. p. 34.

MONDIN, Battista. Curso de Filosofia. Os Filó sofos do Ocidente. Vol.


3. Sã o Paulo: Ediçõ es Paulinas, 1997. 296 p.

REALE, Geovanni; ANTISERI, Dá rio. Histó ria da Filosofia. Do


romantismo até nossos dias. Vol. III; Sã o Paulo: Editora Paulus,
1991. 750 p.

URDANOZ, Teofilo. Historia de la Filosofia V: Madrid: Biblioteca de


Autores Cristianos, de la Editorial Cató lica S/A, 1975. 680 p.

Você também pode gostar