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Carta

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Carta de denúncia e repúdio ao Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas

(CONAD) pela regulamentação do acolhimento de adolescentes em comunidades


terapêuticas
22/07/2020
Nos últimos anos vemos a apropriação das funções do Estado por grupos de interesse
religiosos cujos compromissos se afastam de diretrizes definidas com base na ciência e
nos interesses coletivos
Escrito por: SINPSI SP
 
Segue a Carta da RENILA e demais signatários (261 adesões) que repudiam e
denunciam a proposta de regulamentação feita pelo CONAD para internação de
adolescentes em comunidades terapêuticas. Solicitamos que encaminhem a Carta às
entidades que, através de vocês, nos apoiaram. A denúncia será encaminhada à
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF), Defensoria Pública da União,
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente (CONANDA), Conselho
Nacional de Saúde (CNS), Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Câmara
Federal, e outras instâncias, inclusive internacionais, para as devidas providências.
Nenhum passo atrás, manicômios nunca mais!
 
Os Núcleos Estaduais que compõem a Rede Nacional Internúcleos da Luta
Antimanicomial – RENILA e demais signatários deste documento, nos juntamos às
entidades que já se pronunciaram e tornamos público nosso repúdio e denúncia à
regulamentação do acolhimento de adolescentes em comunidades terapêuticas, aprovada
pelo Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD), no dia 06 de julho de 2020,
pelas razões abaixo:
 
(1)  Desde julho de 2019, com a publicação do Decreto Presidencial no 9.926/2019, que
alterou a composição do CONAD excluindo a participação da sociedade civil organizada e
tornando-se exclusivamente governamental, o CONAD perdeu sua legitimidade, tornando-
se uma mera extensão do Estado e braço de suas sucessivas políticas violadoras de
direitos humanos;
 
(2)  Não reconhecemos a competência do CONAD para regulamentar nenhuma política
para adolescentes, em especial, sem qualquer interlocução com a entidade já
estabelecida para tal, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(CONANDA), criado em 1991, cujas competências, além de zelar pela aplicação da
Política Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, é de elaborar as normas
dessa política e fiscalizar as ações de execução, em consonância com o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA).
 
(3)  Nas Conferências Nacionais de Saúde e de Saúde Mental, destacando a 16a (8a + 8)
Conferência Nacional de Saúde (CNS), as propostas aprovadas reafirmam o Sistema
Único de Saúde (SUS) público, 100% estatal, sob a gestão direta do Estado, exigem a
ampliação dos serviços substitutivos que compõem a Rede de Atenção Psicossocial
(RAPS), assegurando a Política de Redução de Danos, garantindo, fortalecendo e
ampliando a Política de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas que prioriza o tratamento e
o financiamento em dispositivos públicos, de meio aberto, de base comunitária e no
território. Também uma Moção foi aprovada na 16a CNS, “repudiando e solicitando a
revogação da Portaria no 3.588/2017, do Ministério da Saúde, e o Decreto no 9.761/2019,
do Ministério da Cidadania, por apresentarem mudanças significativas na Rede de
Atenção Psicossocial (RAPS) no sentido do enfraquecimento dos serviços substitutivos ao
hospital psiquiátrico, bem como de toda a rede territorial. Consideram-se graves tais
alterações, pois orientam o cuidado em saúde mental na contramão de uma luta de mais
de trinta anos por uma construção coletiva da política de saúde mental promovido por
usuários, familiares, movimentos sociais e várias entidades. É um retrocesso a retomada
de uma lógica manicomial e restritiva à liberdade (a saber, hospitais psiquiátricos,
financiamento de comunidades terapêuticas e internações compulsórias de usuários de
drogas)”.
 
(4)  O ECA deixa claro, em especial no Artigo 18, que “a criança e o adolescente têm o
direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou
degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto,
pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes
públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de
cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los”.
 
(5)  É imprescindível fazer referência ao Relatório de Inspeção Nacional em comunidades
terapêuticas, produzido em parceria entre o Conselho Federal de Psicologia, o Ministério
Público Federal, através da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, e o Mecanismo
Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, cujas conclusões são devastadoras no
sentido de apresentar a fotografia de maus tratos, torturas, controles e comportamentos
com uso de instrumentos sórdidos e mesmo de domesticação de sujeitos, em geral com
trajetória de risco e uso de drogas, os quais são amplamente adotados nas comunidades
terapêuticas, mesmo com crianças e adolescentes, e que reeditam os antigos depósitos
humanos instaurados sob a forma de manicômios. As comunidades terapêuticas são
instrumentos de conversão, são exercícios de evangelização forçada, cuja tônica é a
segregação social e a destituição dos sujeitos de sua condição de cidadania de direitos.
 
(6)  Nos últimos anos temos assistido à apropriação das funções do Estado por grupos de
interesse religiosos cujos compromissos se afastam de diretrizes definidas com base na
ciência e nos interesses coletivos. Suas estratégias de poder ultrapassam em muito o
campo que lhe é próprio, qual seja, o de condução das relações religiosas, de
organização de cultos e projetos evangelizadores. Imiscuem-se no campo da cultura, da
política e, enfim, da definição das políticas públicas. Não é nenhuma surpresa
constatarmos que, após se apropriarem dos meios de comunicação, das televisões, das
rádios, das salas de cinema, tenham criado suas bancadas de parlamentares sedentos de
impor uma agenda de costumes e um exercício de poder que afastam o Estado de sua
condição laica, projetando políticas públicas desamparadas do cuidado com o múltiplo,
com a ciência, enfim com a defesa da coletividade. Assim como difundem informações,
notícias, sem qualquer amparo científico, sem pesquisa e sem que o Estado considere a
essencialidade de sua missão de agir pelo interesse coletivo, inserem as comunidades
terapêuticas no rol de serviços de atendimento a jovens em trajetória de risco.
 
Diante do exposto, repudiamos e denunciamos esse retrocesso manicomial, cuja
sustentação e interesse têm raízes na destruição da própria essência do SUS, no
desconhecimento de sua trajetória, na negação perversa da Reforma Psiquiátrica e da
Luta Antimanicomial e num exercício de poder descabido, distorcendo a própria natureza
laica do Estado ao adotar instâncias de evangelização como projeto terapêutico.
 
Repudiamos e denunciamos essas instituições cuja essência é servir de depósitos ao “lixo
social” que se acumula nas grandes cidades e que ao receberem adolescentes como
objetos a serem convertidos e não tratados, violam os princípios e fundamentos do ECA e
dos movimentos sociais que sustentam a defesa incondicional das crianças e dos
adolescentes de serem inseridos no mundo social como sujeitos de direitos e cidadania.
 
É sabível que ao longo dos anos a sociedade vem arranjando formas de encarcerar os
corpos quanto mais vulneráveis estes se apresentam. Sabemos que o confinamento e a
exclusão servem à lógica da moralidade vigente e não ao tratamento digno das pessoas
em situações de fragilidade psíquica.
 
Confinar adolescentes nessas comunidades terapêuticas é uma afronta à sociedade e
uma distorção absurda do dever do estado de cuidar e proteger de suas crianças e
adolescentes, garantindo que cresçam em condições dignas e propícias ao seu
desenvolvimento, perto da família, com direito à escola, à segurança e ao cuidado em
uma rede inclusiva, pública, que respeite suas diferenças e aposte em suas
potencialidades.
 
Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar. Vamos dar reviravolta nessa história de
internar!
14 de julho de 2020
 
Assinam o documento:

CFP e CRP’s

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