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Território e Lugar - Espaços Da Complexidade Leitura OT4

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TERRITÓRIO E LUGAR - ESPAÇOS DA COMPLEXIDADE

Renata Pekelman1

Alexandre André dos Santos2


1 Médica de família e comunidade, mestre em Educação pela Universidade do Rio Grande do Sul.
2 Geógrafo, doutorando em Planejamento e Integração Econômica e Territorial, pela Universidade de Leon

Resumo

O artigo pretende trabalhar com conceitos de território e lugar, a complexidade intrínseca a esses
conceitos, assim como sua importância no debate sobre a saúde na escola da comunidade, para a
proposição de metodologias de elaboração de Mapas Falantes. Apresentamos o Mapa Falante, como
estratégia de ação da comunidade escolar, a partir da realidade local do cotidiano da escola.

Palavras-chave:

território, lugar, complexidade, Mapa Falante, saúde na escola.

Objetivo:

Identificar o uso do mapa no território específico, a partir do conhecimento local, e realizar leitura e
diagnóstico de seu território.

Introdução

A discussão de saúde na escola parte de uma visão complexa de saúde onde as múltiplas dimensões,
a não linearidade, o dinamismo, o contexto, se apresentam como características essenciais, gerando
feixes de explicação que se intercruzam e ofertam distintas possibilidades de ação possível.

O reconhecimento do espaço como categoria essencial da compreensão da saúde e dos problemas


de saúde visa essencialmente discutir isso a partir de um lócus, abstraindo sobre um concreto,
constituído pelo nosso cotidiano. Trata-se de uma constante busca para trabalhar com a
compreensão da realidade, permitindo espaços para a reflexão, abstração, planejamento e ação.

Dessa forma se pretende trabalhar com a multidimensionalidade da saúde vista a partir de uma dada
realidade em um território, no cotidiano escolar, seja no seu interior e/ou no seu entorno.

O lugar e o território – Espaços de saúde

A contribuição dos estudos espaciais no campo da saúde vem recuperando sua importância e a
literatura científica vem resgatando a importância do estudo do espaço para a análise das
necessidades e das desigualdades sociais na saúde.

A partir do entendimento oferecido por Milton Santos do espaço enquanto objeto de estudo da
geografia, e de sua importância, no conjunto do estudo das ciências sociais, categorias de análise do
espaço emergem como fundamentais, e dentro delas o lugar oferece grande potência quando da
discussão da integralidade.

A conceituação de lugar de Santos (1986, p. 211), exprime a importância do mesmo como porção do
espaço que assegura a unidade do contínuo e do descontínuo, possibilitando sua evolução e
assegurando uma estrutura concreta inconfundível, e sua configuração como resultado de ações
multilaterais que se realizam em tempos desiguais nos diversos pontos da superfície terrestre.
Milton Santos vai além ao ressaltar a importância dos lugares, definindo-os como os que absorvem,
com diferentes velocidades, a partir de suas interpretações, os “as ordens” emitidas dos centros de
poder. Incorpora uma dimensão de determinação contra-hegemônica ao espaço, apresentando-o
como elemento de resistência ao processo de globalização, ao afirmar que são esses espaços, os
lugares, os rincões, os sertões, os guetos dos homens lentos, que “teimam” em não se adaptar à nova
ordem, que “teimam” em oferecer resistência ao modelo hegemônico, que se constituem na melhor
alternativa ao desenho global apresentado pelo capitalismo (Santos, 2004, p. 325).

Segundo Santos, a recusa pelo desconhecimento, o escape do totalitarismo da racionalidade


hegemônica, aventura vedada aos ricos e às classes médias (Santos, 2004, p. 325), gera massa fértil
ao alternativo, ao inovador. Ao discutir importantes aspectos do lugar, Pinheiro (2001, p. 65) inscreve
o lugar como sinônimo do cotidiano, onde “se expressam não somente as experiências de vida, na
perspectiva individual que o termo possa conter, mas contextos de relações distintas que envolvem
pessoas, como coletividades e instituições, em espaços e tempos determinados”. E afirma que
“estudar os atores, seus discursos e práticas no cotidiano das instituições é fundamental, pois
possibilita a localização de elementos objetivos e subjetivos, por meio dos quais atores sociais
constroem suas percepções referentes à vida social, que inclui a vida institucional” (Pinheiro, 2001, p.
66).

Os lugares, com suas diferentes velocidades, advindas de sua história, imprimem as especificidades
que somente podem ser apreendidas em sua totalidade a partir de um novo modelo de produção de
conhecimento, conforme Santos, B.S. (2003, p. 77)

“no paradigma emergente o conhecimento é total, tem como


horizonte a totalidade universal (...). Mas sendo total, é também
local. (...) a fragmentação pós-moderna não é disciplinar e sim
temática”.

Por fim, Barcellos (200, p. 27) afirma que “os lugares, dentro de uma cidade ou região, são resultado
de uma acumulação de situações históricas, ambientais, sociais que promovem condições
particulares para a produção de doenças”, e acrescentaríamos produção de saúde também.

Por outro lado, temos para o campo da saúde coletiva, o território como conceito fundamental.
Território, para diversos autores da saúde coletiva, é espaço da produção da vida, portanto da saúde.
Vários estudos de saúde pública têm apresentado também como seu objeto central o território,
definido como espaço geográfico, histórico, cultural, social e econômico, sendo coletivamente
construído e constituído.

A partir dessa ampla visão do território, cuja conceituação se aproxima da de lugar, ao considerar sua
dinamicidade, mira-se na análise da situação de saúde e a constituição de um projeto de intervenção.
A leitura da situação de saúde, de levantamento de problemas e projeto de intervenção, deve
percorrer os múltiplos aspectos aqui propostos, tendo o espaço, o território em sua múltipla
complexidade, como elemento que vincula todas as dimensões.

O Mapa Falante

Partindo das considerações sobre territórios e lugares, e sem fechar um conceito único, mas abrindo
as possibilidades de suas proximidades, articulações e complementaridades, trabalhar-se-á na
perspectiva de produzir o mapa falante da saúde, conhecendo e realizando uma leitura e
identificação do território/lugar de uma determinada comunidade, na qual a escola esteja inserida.
A ideia do mapa falante vem do entendimento de território e de lugar como espaço do cotidiano,
vivo, pulsante em constante transformação. O espaço de levar a vida.

O Mapa Falante pode ser potente instrumento para fazer a leitura da realidade a partir de suas
múltiplas dimensões, no ambiente escolar, a partir da decisão política da gestão da escola em se
trabalhar com a questão da saúde sob um novo olhar.

A proposta é promover um projeto de discussão de saúde na escola a partir do território e contribuir


com um projeto de compreensão de saúde como uma dimensão da vida.

O trabalho deve ser estruturado metodologicamente de maneira a estudar essa realidade a partir de
certos aspectos que serão definidos pelo gestor escolar e seus pares.

Os aspectos que podem ser coletivamente identificados como problemas será(ão) o(s) objeto(s) de
estudo. A identificação coletiva do tema de saúde será disparador de um conjunto de
problematizações com o objetivo de interrelacioná-lo à realidade vivida na escola e na comunidade,
buscando elementos que possam caracterizá-lo de maneira pluridimensional e multidisciplinar. Feita
a análise da realidade, o estudo do problema, se parte para uma proposta, um projeto de
intervenção.

Os produtos esperados ao final são: o Mapa Falante e o projeto de intervenção na saúde na escola,
através da perspectiva dos múltiplos olhares para o lugar.

Dessa forma se propõe ousar compreender e interpretar a saúde para além do modelo biológico, da
racionalidade dos números e do critério de verdade da exatidão.

Elementos para o processo de territorialização - a construção do Mapa Falante

A construção do mapa falante ou mapa território-cotidiano envolve um conhecimento do lugar em


múltiplos aspectos e tem por primeiro objetivo (re)-conhecer o território na sua heterogeneidade,
fazendo sínteses e visando uma compreensão reflexiva desse lugar. Como segundo, fazer planos para
intervenção seja para o entendimento, seja para ação em saúde neste espaço/lugar.

Roteiro para a construção do mapa do território-cotidiano


Roteiro construído por Diercks, M. e Pekelman, R.; Residência Integrada em Saúde, ênfase em Saúde da Família e Comunidade/ GHC; Porto
Alegre/RS (mimeo, 2004)

Algumas características do território a serem levantadas:

Mapa do Território

1. A história da comunidade.

2. A distribuição da população; os tipos de habitação/áreas de risco.

3. Acidentes geográficos.

4. Principais ruas/vias de acesso; tipo de pavimentação.

5. As características geográficas: topografia (região montanhosa, plana,).

6. tipo de solo, vegetação entre outros.

7. Abastecimento de água e esgoto.

8. Coleta de lixo.
9. Instituições.

10. Outros aspectos considerados relevantes pelo grupo de trabalho.

A descrição inicial pode ser auxiliada por fotografias, vídeos o que facilita a apresentação.

Demografia:

Analisar os dados sobre:

1. Número de habitantes e a distribuição por idade e gênero – Pirâmide.

2. populacional (área de atuação e área de abrangência).

3. A natalidade, a mortalidade.

4. As migrações.

5. Outros aspectos relevantes.

Situação socioeconômica:

1. As atividades da comunidade e os recursos locais.

2. As categorias profissionais e as ocupações.

3. Os salários.

4. A organização familiar.

6. A existência de associações, grupos culturais, políticos, religiosos, entre outros.

7. O nível de escolaridade e alfabetização.

8. Outros aspectos relevantes.

Dados epidemiológicos locais de saúde

1. Indicadores de saúde.

2. Mortalidade por causas.

3. Trabalho com territórios de risco e sua epidemiologia na unidade de 4. Saúde.

4. Outros aspectos relevantes.

Dados locais da escola

1. Indicadores escolares.

2. Participação comunitária na escola.

3. Outros aspectos relevantes.

Algumas características sócio-culturais:

1. Relato do universo cultural (por ex: pode ser a descrição de uma casa com sua família e o seu
entorno; ou de uma dificuldade que represente as diferenças culturais.) podem ser usadas
fotografias, relatos prévios, entre outros.

2. Relações de gênero.
3. A relação com a violência (as delimitações de território, tráfico de drogas, violência doméstica).

4. As mudanças culturais (migração, drogas, etc).

5. Educação, participação e saúde.

6. Outros aspectos relevantes.

Recursos de saúde

1. Equipe de saúde.

2. Posto de saúde.

3. Recursos comunitários (agentes de saúde, benzedeiras, chás, recursos religiosos (benzedeiras,


umbanda, igrejas evangélicas, entre outras).

4. Outros.

Recursos de educação

1. Nível de escolaridade do território.

2. Escolas locais e de referência.

3. Existência dos diversos níveis escolares.

Técnica para a elaboração do Mapa

A elaboração do mapa falante auxilia na compreensão e no distanciamento da realidade necessário


para o processo de reflexão e problematização dessa realidade.

O desvelar da realidade pode se dar de diversas formas e por meio de diversas fontes de informação
como exposto anteriormente. Pode-se fotografar, gravar, filmar, pesquisar, criar. Com essas
aproximações da realidade propõe-se a realização de uma maquete do território a ser estudado com
todos os atores sociais envolvidos na análise da saúde desse lugar.

A maquete promove uma construção de saberes e olhares diferentes para a saúde no território, e é
nessa construção que buscamos uma compreensão mais complexa da realidade, permitindo vários
focos de aproximação de olhares e distanciamento reflexivo.

O quê o Mapa está falando? (análise da realidade)

Quais as perguntas problematizadoras da realidade, de nossa prática social que nessa análise nos
indagam? Que descobertas fizemos desse território- cotidiano em que existimos? Que
conhecimentos buscamos e construímos para compreender essa mesma realidade?

Esse é um importante momento da compreensão, entender e analisar os aspectos possíveis da saúde


no território. A problematização nos permite aproximações sucessivas tanto para a compreensão
como para a ação na realidade. É na problematização que buscamos as explicações para
determinados fenômenos, assim como o da produção de saúde na escola.

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