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ARAUJO CRUZ. Reflexões Epistemológicas Sobre A Extensão Universitária

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Artigo

Reflexões epistemológicas sobre a extensão universitária:


contribuições ao diálogo de saberes
Reflexiones epistemológicas sobre la extensión universitaria: aportes al diálogo de
saberes

Epistemological reflections on university extension: contributions to the dialogue of


knowledge
Renan Soares de Araújoi Resumo: Este artigo reflete sobre a extensão universitária
Universidade Federal da Paraíba como lugar de construção de conhecimentos, o que se dá por
João Pessoa, PB, Brasil meio do encontro e diálogo entre diferentes saberes.
rsdahc@hotmail.com Metodologicamente, trata-se de um estudo bibliográfico, do
https://orcid.org/0000-0002-3477-638X tipo descritivo, fundamentando-se na modalidade da revisão
narrativa, a qual baseou-se nas obras de três autores. Nessa
Pedro José Santos Carneiro Cruzii acepção, Freire salienta a extensão como ato dialógico de
Universidade Federal da Paraíba comunicação; Santos propõe a constituição de uma ecologia
João Pessoa, PB, Brasil de saberes e; Fleuri assinala a construção de um
pedrojosecruzpb@yahoo.com.br conhecimento conversitário. Finalmente, evidencia-se
https://orcid.org/0000-0003-0610-3273 pressupostos teórico-metodológicos que exprimem a
relacionalidade do conhecimento, concebendo-o como fruto
Os autores contribuíram igualmente na de um processo dialógico.
elaboração do manuscrito. Palavras-chave: Extensão universitária. Epistemologia.
Diálogo de saberes.
Recebido em: 07/03/2021
Aceito em: 08/06/2021 Resumen: Este artículo reflexiona sobre la extensión
Publicado em: 03/01/2022 universitaria como lugar de construcción de conocimiento,
Linhas Críticas | Periódico científico da Faculdade que ocurre a través del encuentro y diálogo entre distintos
de Educação da Universidade de Brasília, Brasil | saberes. Metodológicamente, se trata de un estudio
ISSN: 1516-4896 | e-ISSN: 1981-0431 | Volume 28, bibliográfico descriptivo, basado en la modalidad de revisión
2022 (jan-dez). narrativa, que se basó en el trabajo de tres autores. En este
http://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas sentido, Freire enfatiza la extensión como un acto dialógico
Referência completa (APA): Araújo, R. S. de, & Cruz, de comunicación; Santos propone la constitución de una
P. J. S. C. (2022). Reflexões epistemológicas sobre ecología de saberes y; Fleuri señala la construcción del
a extensão universitária: contribuições ao diálogo conocimiento conversitario. Finalmente, se evidencian
de saberes. Linhas Críticas, 28, e36816. supuestos teórico-metodológicos que expresan la
https://doi.org/10.26512/lc28202236816
relacionalidad del conocimiento, concibiéndolo como
Link alternativo: resultado de un proceso dialógico.
https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/ Palabras clave: Extensión universitaria. Epistemología.
article/view/36816 Diálogo de saberes.
Licença Creative Commons CC BY 4.0. Abstract: This article reflects on the university extension as a
place of knowledge construction, which occurs through the
encounter and dialogue between different knowledge.
Methodologically, this is a descriptive bibliographic study,
grounding on the narrative review modality, which was based
on the works of three authors. In this sense, Freire
emphasizes extension as a dialogical act of communication;
Santos proposes the constitution of an ecology of knowledge
and; Fleuri points out the construction of conversational
knowledge. Finally, theoretical-methodological assumptions
are evidenced that express the relationality of knowledge,
conceiving it as the result of a dialogical process.
Keywords: University extension. Epistemology. Dialogue of
knowledge.

i
Mestre em educação pela Universidade Federal da Paraíba (2021).
ii
Doutor em educação pela Universidade Federal da Paraíba (2015). Professor da Universidade Federal da Paraíba.
Introdução

Ao longo do século XX, o conhecimento produzido no âmbito de universidades e de outras


instituições de ensino superior, de formação tecnológica e de pesquisa, foi se desenvolvendo,
hegemonicamente, de forma relativamente autônoma e descontextualizada em relação às
necessidades da grande maioria da população. Segundo Santos (2008), no cerne desse processo
de produção de conhecimento, havia um abismo que distinguia o conhecimento científico de
outros tipos de conhecimento.

Assim, historicamente, na medida em que se aperfeiçoou em demasia a produção de


conhecimento científico de modo tecnicista, socialmente neutro e voltado apenas ao
pesquisador e seus interesses, reputando-se esse como o único modelo de conhecimento
socialmente válido, a instituição universitária legitimou um significativo afastamento das
demandas concretas, advindas dos desafios da promoção da vida com qualidade e com
dignidade em diferentes contextos.

A ideia de “torre de marfim”, pensada por Teixeira (1964), é reforçada ao longo dos anos na
história da instituição acadêmica, atribuindo-lhe um viés elitista, pouco atrelado à visão de
instituição socialmente referenciada, conforme é previsto nos estatutos das várias instituições
e, desde 1988, na própria Constituição Federal (Brasil, 1988).

Além disso, essa visão de universidade, vem colaborando de maneira ativa com a
desqualificação e extinção de diversos tipos de conhecimentos, considerados como não-
científicos. O que favoreceu, sobretudo, a marginalização de grupos socioculturais que
dispunham exclusivamente destes conhecimentos “marginais”. Consequentemente, esse
processo de exclusão e de “injustiça social”, em sua essência, também acarretou a imposição de
uma situação de “injustiça cognitiva”, a qual auxiliou, de certa maneira, no fomento e na
justificação do “epistemicídio” de diferentes formas de saberes (Santos, 2007; 2008).

Como delineado por Cruz e Vasconcelos (2017), as ações da instituição universitária, têm sido
preeminentemente delimitadas por uma conduta de distanciamento dos setores sociais
subalternizados. Com eventuais ressalvas, constata-se que, as políticas universitárias de ensino,
pesquisa e extensão, em sua grande maioria, não apresentam pretensão e nem direcionamento
para corresponder aos interesses e às necessidades dos setores populares e de seus
protagonistas.

Hegemonicamente, as práticas de extensão, mesmo aquelas realizadas nos setores populares


da sociedade, têm sido caracterizadas a partir de uma concepção de relacionamento vertical,
sem espaço para o diálogo − por isso, consideradas como antidialógicas −, em que os sujeitos
não têm o direito de dizer a sua palavra, estando apenas com o encargo de escutar e obedecer,
como criticamente já alertava Freire (2015).

Ao longo de muitas décadas, diferentes formas de atuação pautaram as ações de extensão. As


práticas assistencialistas, vinculam-se a uma ideia da universidade como uma instituição

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“redentora”, que precisa ofertar à população uma quantia avultada de ações e serviços que
auxiliem na resolubilidade parcial de determinadas problemáticas sociais, as quais são de
incumbência e responsabilidade da esfera do Estado. Nessas iniciativas, não se trabalha na ótica
da problematização de tais situações, o que inviabiliza a compreensão ampliada, por parte dos
grupos assistidos, sobre os fatores estruturais que estão imbricados no fenômeno da
desigualdade social (Cruz & Vasconcelos, 2017).

Por esse prisma, promove-se e sustenta-se um relacionamento de dependência entre a


população assistida e as instituições promotoras, de modo que, a promoção e/ou fortalecimento
da autonomia dos sujeitos e grupos, em momento algum, é levada em consideração. Fato esse
que poderia resultar no processo de sensibilização, mobilização, organização, reivindicação e
luta dessa população pela efetivação de seus direitos e, pela garantia de acesso permanente a
esses serviços, enquanto parte das políticas públicas (Cruz & Vasconcelos, 2017; Silva et al., 2020).

No enfoque mercantilista, a atividade extensionista está direcionada à comercialização de


determinados produtos e ao fornecimento de um conjunto de serviços da instituição
universitária para o setor privado, o que também ocorre por meio da estruturação de “parcerias”.
Nessa acepção, as atribuições da universidade e o seu papel social, ficam subservientes à lógica
capitalista, preocupando-se em ser rentável na formação de mão-de-obra “qualificada” e, na
criação e comercialização de serviços e tecnologias que contribuam para fortalecer ainda mais
a já descomunal concentração de renda. Por conseguinte, o trabalho extensionista não está
voltado para promover o justo desenvolvimento humano e social, mas à serviço daqueles
setores e grupos sociais que “podem” pagar (Cruz & Vasconcelos, 2017).

Junto com tais modelos de ação extensionista, consolidou-se, por muito, também, a concepção
da atividade de extensão como de uma “via de mão única”. À vista disso, incorre-se na
contemplação de uma relação unívoca entre a universidade e a sociedade – da instituição que
vai até as pessoas consideradas “desfavorecidas” e “leigas”, com a pretensão de “transmitir” o
conhecimento científico e disseminar a cultura erudita. Contemplando a instituição
universitária como detentora dos únicos conhecimentos válidos para o desenvolvimento social,
e que, em decorrência disso, sobrepuja-se como a redentora dos saberes qualificados para a
resolução de todos os problemas da sociedade, exprimindo um posicionamento político elitista,
ao reclamar tal exclusividade (Cruz & Vasconcelos, 2017; Melo Neto, 2002).

Essa concepção, parte de um movimento que se desenrola de dentro da universidade para fora,
em um sentido de mão única, implicando em uma invasão cultural, que, na verdade,
desempenha um papel de dominação e domesticação, como bem ressaltaram Freire (2015),
Gurgel (1986) e Melo Neto (2002).

Em que pese essas perspectivas hegemônicas, assinala-se que, é necessário reconhecer, que o
entendimento da atividade extensionista pode ir muito além das percepções assistencialista,
mercantilista e elitista que se forjaram ao longo da história. Conforme destacado por Fleuri (2019,
p. 45): “Embora toda política predominante imponha uma perspectiva conservadora e
domesticadora de extensão universitária, esta é considerada um espaço contraditório, onde se
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pode gestar um novo projeto de universidade articulado com o processo de transformação
social”.

Na visão de Santos (2008), a dimensão da extensão pode possibilitar à universidade um papel


mais ativo no desenvolvimento de iniciativas que viabilizem a construção da coesão social, no
arraigamento da democracia, bem como no enfrentamento das situações geradoras de
exclusão social. Para esse autor, as ações de extensão precisam ter como prioridade a
construção de experiências que visem apoiar os trabalhos que já vêm sendo desenvolvidos, com
a ótica de fortalecer os processos de enfrentamento dos problemas relativos à exclusão e
discriminação social, permitindo que as pessoas e os grupos afetados tenham voz na condução
das intervenções.

A esse respeito, Freire (2015) indica que, a relação que se estabelece por meio do trabalho
extensionista, não pode ser reduzida à lógica de um “estar adiante”, ou, a um “estar sobre”, ou a
um “estar para”. Segundo ele, esse processo deve ser concretizado em um ponto de vista de
“estar com”, de maneira que, todos os envolvidos na ação, sejam sujeitos ativos da mudança
resultante.

Dentro dessa perspectiva, notabilizam-se uma gama diversa de experiências de extensão, que
têm nas contribuições de Paulo Freire e na concepção latino-americana de educação popular,
os fundamentos orientadores de suas práticas. Muitas dessas iniciativas extensionistas, têm se
vinculado conceitualmente à proposta designada de “extensão popular”, que não se caracteriza
como uma mera “identidade”, mas que se coloca como uma abordagem crítica perante os
modelos dominantes de extensão, na qualidade de movimento contra-hegemônico (Cruz &
Vasconcelos, 2017; Silva et al., 2020).

Para Melo Neto (2014), o conceito de extensão popular baseia-se na compreensão da atividade
extensionista como um “trabalho social útil”, que, inserido na dinâmica dos processos de
educação popular, busca se desenvolver de forma articulada com as dimensões do ensino e da
pesquisa, tendo os seus fundamentos teórico-metodológicos alinhados com a promoção do
diálogo e o fortalecimento da autonomia dos sujeitos individuais e coletivos (em um ponto de
vista de cidadania crítica), com sua intencionalidade direcionada para a consecução de um
horizonte emancipatório.

Nesse sentido, o presente artigo pretende contextualizar a compreensão de Paulo Freire, de


Boaventura de Sousa Santos e de Reinaldo Matias Fleuri sobre o papel da extensão popular e as
possibilidades para que o conhecimento originário do encontro e diálogo entre os distintos
atores (com diferentes saberes e culturas), seja efetuado com o protagonismo de todos os
envolvidos, em uma perspectiva de construção compartilhada.

A escolha desses três autores, se deu em razão de suas contribuições significativas para a
constituição de experiências em que, a problematização da realidade, a promoção da
participação, o diálogo horizontalizado e a valorização dos saberes populares, configuram-se

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como eixo central do processo de construção de um conhecimento crítico e socialmente
implicado.

Com a ascensão cada vez mais notória de pensamentos e práticas conservadoras, elitistas e
reacionárias no contexto universitário, explicitar tais contribuições, com ênfase para os seus
pressupostos teórico-metodológicos e as suas intencionalidades ético-políticas, constitui-se
como um movimento importante no processo de resistência e enfrentamento desse cenário,
em uma ótica crítico-propositiva, sobretudo como forma de provocar e evidenciar caminhos
dialógicos no pensar e fazer da ação social universitária, incluindo o trabalho coletivo em suas
etapas de organização, planejamento, execução e avaliação.

Em virtude do exposto, este artigo tem como objetivo apresentar os pressupostos da construção
do conhecimento pela extensão orientada na perspectiva da educação popular.

Considerações metodológicas

Este artigo resulta de uma pesquisa original teórica, desenvolvida por ocasião dos estudos do
primeiro autor, em sua trajetória no curso de mestrado acadêmico em educação, do programa
de pós-graduação em educação, da Universidade Federal da Paraíba, vinculado à linha de
pesquisa de educação popular.

Metodologicamente, este estudo efetuou-se a partir de uma abordagem qualitativa (Minayo,


2010), que se deu por meio da realização de uma pesquisa bibliográfica, do tipo descritiva (Gil,
2002), fundamentando-se na modalidade da revisão narrativa (Rother, 2007).

Os estudos bibliográficos do tipo descritivo, apresentam como sua pretensão basilar, a


perspectiva de descrever as características de um determinado objeto/fenômeno, ou, a
demarcação de possíveis relações entre elementos e variáveis. Podendo essas, também,
propiciar a constituição de um novo olhar sobre o fenômeno em evidência (Gil, 2002).

Segundo Rother (2007), a revisão narrativa é utilizada quando se busca responder questões
amplas, com o objetivo de descrever e/ou discutir um determinado conteúdo, com ênfase para
a sua abordagem teórico-conceitual. Essa perspectiva de estudo, pode basear-se na análise de
artigos, livros e capítulos de livros, sendo esse processo de seleção do material, orientado a partir
das necessidades do pesquisador, o que lhe dá uma maior flexibilidade na escolha e na análise
da literatura.

Em decorrência disso, o critério de escolha das obras a serem analisadas e utilizadas como base
para a construção do texto em questão, deu-se de forma intencional, recorrendo a leitura de
trabalhos de referência dos autores na abordagem do tema em foco. Assim, as publicações
selecionadas para a construção teórico-conceitual do presente trabalho, foram as seguintes:
Freire (2001; 2011; 2013; 2015), Santos (2004; 2007; 2008; 2018), Santos et al. (2016) e Fleuri (2019).

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Todavia, como forma de subsidiar o conteúdo para a estruturação do texto, também foram
consultadas outras publicações.

Para tanto, realizou-se a leitura analítica de cada publicação, com ênfase para aspectos que
envolviam a compreensão dos autores sobre o “conhecimento” e o seu processo de construção.
De tal modo, buscou-se apreender a forma como esses autores compreendiam a dimensão do
“diálogo de saberes”, especialmente, a partir da análise das categorias: “comunicação” (em
Freire), “ecologia de saberes” (em Santos) e “conversidade” (em Fleuri). O que foi seguido pela
ordenação das informações obtidas (em um quadro), destacando, para cada autor, suas
reflexões e considerações mais significativas, no que tange à construção do conhecimento na e
pela extensão, em uma perspectiva dialógica e crítica.

Buscando evidenciar, de forma mais sistematizada, as contribuições dos autores para a


construção compartilhada do conhecimento nas práticas de extensão popular, optou-se por
estruturar o manuscrito em tópicos.

Da “invasão cultural” à compreensão da extensão como ato dialógico de


comunicação

No seio do debate sobre a extensão, uma importante contribuição está na obra de Paulo Freire,
a qual se deu a partir da publicação do livro intitulado “Extensão ou comunicação?”, lançado no
ano de 1969, quando Freire estava exilado no Chile, em decorrência da perseguição política que
ocorreu no Brasil, por ocasião da implementação do regime militar ditatorial. Nesse livro, ao
analisar criticamente o campo associativo relacionado ao termo “extensão”, Freire (2015)
sublinha a presença de compreensões como: “transmissão”, que indica a existência de um
sujeito ativo, que realiza o ato de se estender; de um conteúdo, o qual é eleito por aquele que se
estende, e, assim, reflexo de sua própria cultura; de um “objeto passivo”, que será o recipiente
do conteúdo a ser transmitido.

Ele ressalta, ainda, que, essa expressão, exprime a ideia de “entrega” de um algo, que é doado
por uma outra pessoa − que se encontra aquém, do outro lado do muro, o que justifica a
denominação de atividades “extramuros”. Consequentemente, evidencia-se uma noção de
“superioridade” (daqueles que entregam o conteúdo) e “inferioridade” (daqueles que recebem
passivamente o conteúdo) (Freire, 2015). No entanto, Freire (2015) delineia que, o que ocorre, em
realidade, é uma “invasão cultural”, já que o conteúdo que está sendo “transmitido” de um
sujeito ao outro, é o reflexo da visão de mundo daquele que se estende, superpondo-se ao saber
daquele que deve receber passivamente, desfazendo-se de seus saberes anteriores.

Para Gurgel (1986), ao estudar o processo de desenvolvimento da extensão, até a década de 1980,
no Brasil, e analisar a variabilidade das atividades extensionistas, ele apontou que essas, em sua
maioria, eram mais próximas de práticas condizentes com uma ideia de “domesticação”, e não
de “comunicação”, como proposto por Paulo Freire. Diante disso, salienta-se que, comumente,

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o trabalho extensionista partia de uma certa percepção de superioridade, em que se negava a
condição de sujeito de transformação da realidade às pessoas e grupos das classes
subalternizadas, convertendo-as ao estado de objeto e reduzindo-as à situação de quase “coisa”
(Freire, 2015).

Na interpretação de Freire (2015), a ação extensionista tem que estar de acordo com a realidade
objetiva, e ter o seu benefício resultante, direcionado para atender às necessidades dos reais
sujeitos que trabalham em torno de sua própria sobrevivência e realização humana. Além do
mais, ele acrescenta que, a prática extensionista apresenta um papel pedagógico, e, assim como
em todo processo educativo, se o que se pretende é chegar ao ser humano em sua concretude
e historicidade – e não ao ser abstrato −, faz-se necessário estabelecer uma relação horizontal de
comunicação.

Para Freire (2015), educar não é persuadir as pessoas, mas, sim, apoiar o processo de busca
permanente que homens e mulheres, em comunhão uns com os outros, fazem na direção de
seu “ser mais”. A esse respeito, Freire (2015) indica que, o papel do extensionista, deve ser o de
quem atua junto “com” as pessoas, problematizando com eles, a sua realidade objetiva; para
que, captando-a de forma crítica e em sua totalidade, possam atuar criticamente sobre ela para
a transformar.

Segundo o próprio Freire (2015), a educação deve ser compreendida como um ato humanizador,
que se efetiva por meio da ação consciente na transformação do mundo à sua volta. Com isso
posto, é relevante destacar que:

[…] qualquer que seja a situação em que alguns homens proíbam aos outros que sejam
sujeitos de sua busca, se instaura como situação violenta. Não importa os meios usados para
esta proibição. Fazê-los objetos é aliená-los de suas decisões, que são transferidas a outro ou
a outros. Este movimento de busca, porém, só se justifica na medida em que se dirige ao ser
mais, à humanização dos homens. E esta, como afirmamos […], é sua vocação histórica,
contraditada pela desumanização que, não sendo vocação, é viabilidade, constatável na
história. E, enquanto viabilidade, deve aparecer aos homens como desafio e não como freio ao
ato de buscar. (Freire, 2013, p. 104)

Conforme Freire (2015), um dos pontos fundamentais de um trabalho de extensão que não vise
invadir culturalmente os outros, é, antes de tudo, a busca pela compreensão dos homens e das
mulheres em sua relação “com” e “no” mundo. Para tanto, faz-se imprescindível a apreensão
crítica dos condicionamentos históricos e culturais à que esses estão submetidos.

Assim, na crítica proferida por Freire (2015) às práticas autoritárias e antidialógicas de extensão,
sobressai-se a noção de equívoco gnosiológico desta perspectiva, pois, na concepção de Freire,
o conhecimento não é algo que possa ser “transferido”. Para ele, o conhecimento humano se
constitui por meio da relação humano-mundo, em todas as suas fases e níveis. Em referência a
isso, o próprio Freire (2015) posiciona-se contrário à ideia de que, o ato de conhecer, possa se dar
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a partir de uma ação na qual um sujeito transformado em “objeto” de outro, recebe
passivamente um conjunto de conteúdos.

Para Freire (2015), o ato de conhecer, só é possível a partir da ação de sujeitos, e não de meros
objetos, haja vista que, “a mera captação dos objetos como das coisas, é um puro dar-se conta
deles e não ainda conhecê-los” (Freire, 2015, p. 28). De tal modo, o conhecimento verdadeiro
exige uma atitude de curiosidade do sujeito em relação ao mundo, o que demanda um processo
contínuo de busca, e a ação transformadora sobre a realidade, seguida pela reflexão sobre essa
ação, implicando em uma postura ativa do sujeito na invenção e reinvenção do seu mundo
(Freire, 2015).

Como salientado por Freire (2013), a realidade social, em sua concretude, é produto da ação do
ser humano. Ela não existe por obra do acaso e não se transformará por acaso. Nessa
perspectiva, ao compreender que, são os seres humanos que produzem essa realidade, e, se
essa realidade, em um movimento reverso, volta-se sobre os mesmos e os condiciona, buscar a
transformação da realidade opressora, é tão somente um que fazer histórico dos homens e das
mulheres. Dessa maneira, Freire (2015) indica que:

[…] o homem, que não pode ser compreendido fora de suas relações com o mundo, de vez que
é um ‘ser-em-situação’, é também um ser do trabalho e da transformação do mundo. O
homem é um ser da ‘práxis’; da ação e da reflexão. (Freire, 2015, p. 28)

Na compreensão de Freire (2011), o compromisso não pode ser um ato unilateral, em que, aquele
que se diz comprometido, é o único sujeito ativo e, o outro, a quem se diz comprometido, se
torna apenas a incidência de seu compromisso. Destarte, o verdadeiro compromisso está na
solidariedade radical para com os homens e mulheres que, na realidade objetiva, encontram-se
em um estado de “coisificação”, sem condições de desenvolver plenamente suas
potencialidades na direção de seu “ser mais”. Desse modo, é primordial que, qualquer que seja
o profissional em atuação, que esse não se julgue como dono da verdade e proprietário do saber
que terá de ser transmitido aos sujeitos dos setores subalternizados, presumindo que esses são
ignorantes e incapazes, com a presunçosa ideia de que é o salvador deles.

Na concepção de Freire (2015), a relação gnosiológica se dá, exatamente, a partir da conexão


comunicativa que envolve os sujeitos cognoscentes e o objeto cognoscível. Dessa forma, ele
indica que, todo conhecimento é relacional, construído por sujeitos que, mediatizados pelo
mundo, se comunicam e, assim, problematizam e refletem a realidade concreta. Ademais,
acentua-se o expresso por Freire (2001), ao indicar que, “você só trabalha realmente em favor
das classes populares se você trabalha com elas, discutindo com respeito seus sonhos, seus
desejos, suas frustrações, seus medos, suas alegrias” (Freire, 2001, p. 42).

Portanto, faz-se imprescindível se esforçar para a superação da concepção da extensão como


via de mão única, entendendo a iminência de sua compreensão como “ato dialógico de
comunicação”, pois como indicado por ele:

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[…] ser dialógico, para o humanismo verdadeiro, não é dizer-se descomprometidamente
dialógico; é vivenciar o diálogo. Ser dialógico é não invadir, é não manipular […]. Ser dialógico
é empenhar-se na transformação constante da realidade. […] O diálogo é o encontro amoroso
dos homens que, mediatizados pelo mundo, o “pronunciam”, isto é, o transformam, e,
transformando-o, o humanizam para a humanização de todos. (Freire, 2015, p. 39)

Extensão universitária, a ideia de monocultura do conhecimento e a emergência


de uma ecologia de saberes

As experiências sociais espalhadas por diversos lugares do mundo são muito amplas e variadas.
No entanto, a ciência tradicional tem se mostrado incapaz de compreender as suas relevâncias,
de maneira que, essas diversificadas experiências, têm sido, em grande monta, desperdiçadas,
o que acarreta a alimentação do ideário de que, não há alternativas viáveis ao quadro em que a
humanidade se encontra na atualidade (Santos, 2004).

Na leitura de Santos (2004), a ciência social hegemônica não dispõe de mecanismos para que
seja possível combater esse desperdício da experiência, pois foi essa mesma ciência que deu
sustentação para a invisibilização e descrédito dessas experiências. Devido a isso, faz-se
necessário que se recorra não somente a uma outra ciência social, mas, sim, esforçar-se na
elaboração de um outro tipo de racionalidade científica.

Não obstante, o que tem sido caracterizado como não existente, decorre, justamente, pelo
resultado da produção de sua não existência, por parte da racionalidade dominante. Essa
inexistência, tem operado por meio da indução da noção de alternativa não viável, designada a
qualquer concepção que seja diferente da hegemônica, desqualificando-a ao ponto que essa se
torna invisível, ou, até mesmo, descartável (Santos, 2004). Na análise de Santos (2004), a única
forma de superação desse reducionismo e dessa racionalidade, seria a partir do que ele tem
denominado de “sociologia das ausências”.

A sociologia das ausências tem em seu objetivo a pretensão de dar visibilidade ao que tem sido
invisibilizado, fazendo com que, as “ausências”, se transformem em “presenças”. No cerne dessa
proposta está a necessidade da superação da “monocultura do saber” – que estabelece os
critérios de verdade, a partir da lógica da ciência moderna. Assim, qualquer outro tipo de
conhecimento que não se enquadre dentro dos parâmetros científicos hegemônicos, traduz-se,
instantaneamente, em ilegítimo e, consequentemente, inexistente (Santos, 2004).

Como delineado por Santos (2004), a sociologia das ausências almeja sobrepujar a monocultura
do conhecimento e alicerçar as bases para que se estabeleça uma “ecologia de saberes”.
Segundo ele, essa perspectiva:

Araújo, R. S. de, & Cruz, P. J. S. C. (2022). Reflexões epistemológicas sobre a extensão


universitária: contribuições ao diálogo de saberes. Linhas Críticas, 28, e36816. 9-17
https://doi.org/10.26512/lc28202236816
[…] permite não só superar a monocultura do saber científico, como a ideia de que os saberes
não científicos são alternativos ao saber científico. A ideia de alternativa pressupõe a ideia de
normalidade, e esta, a ideia de norma pelo que, sem mais especificações, a designação de algo
como alternativo tem uma conotação latente de subalternidade. (Santos, 2004, pp. 790-791)

Na interpretação de Santos (2007), o pensamento moderno hegemônico no ocidente, é um


pensamento abissal, o qual estabelece uma distinção radical entre os que estão “do lado de cá”
e os que estão “do lado de lá”. De modo que, tudo que está em sua exterioridade, torna-se
inexistente em todas as suas formas e expressões, permanecendo excluído até mesmo daquilo
que é considerado como distinto, como o “outro”. Nesse sentido, o pensamento abissal se funda
na impossibilidade da copresença de outras formas de pensamento de cunho não-ocidental.

Para Santos (2007), no âmbito epistemológico, é a ciência quem detém o monopólio universal
do que pode ser considerado como verdadeiro ou falso, em detrimento dos modelos de
conhecimento filosófico ou teológico, por exemplo. Contudo, tal tensão entre essas formas de
conhecimento, reside apenas “do lado de cá”, pois as outras formas de conhecimento −
indígenas, camponeses, plebeus, populares, leigos −, que estão “do lado de lá” da linha abissal,
não se enquadram nessas modalidades de conhecimento (considerados “aceitáveis”), por seu
processo de construção não obedecer aos critérios da ciência, ou, até mesmo, do sistema
racional da filosofia e da teologia.

Assim, considera-se que, “do lado de lá”, não há conhecimento verdadeiro; mas, somente
crenças infundadas, idolatria, magia e achismos, que, no máximo, poderão ser considerados
como objeto de investigação científica, caso algum pesquisador se interesse em tentar
compreender suas formas de operação e estruturação (Santos, 2007).

Por esse ângulo, Santos (2008) revela que, esse processo de distinção e exclusão, apresenta uma
situação de iniquidade dupla, expressa por meio de uma injustiça de caráter “social” e
“cognitivo”. E, de acordo com ele, para que se possa alcançar a “justiça social”, é imprescindível
que também se busque a “justiça cognitiva” – pois, no campo da resistência política, a resistência
epistemológica mostra-se como possibilidade estratégica. O que exige a estruturação de uma
forma de pensamento pós-abissal, que possa gestar alternativas a esse quadro (Santos, 2007).

A esse respeito, Santos (2007) delineia que, o reconhecimento da conservação de qualquer


característica da forma de pensamento abissal, é um indicativo indubitável da
imprescindibilidade de esforçar-se para ir além dele. Segundo o referido autor, sem o
reconhecimento disso, qualquer pensamento – até mesmo aqueles que se consideram “críticos”
−, continuará sendo um pensamento derivativo, que replica as linhas abissais.
Consubstanciando com esse entendimento, o autor reforça que:

[…] o pensamento pós-abissal é um pensamento não-derivativo, pois envolve uma ruptura


radical com as formas de pensamento e ação da modernidade ocidental. […] pensar em termos
não-derivativos significa pensar a partir da perspectiva do outro lado da linha, precisamente

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porque ele é o domínio do impensável no Ocidente moderno. […] O pensamento pós-abissal
pode ser sintetizado como um aprender com o Sul usando uma epistemologia do Sul. Ele
confronta a monocultura da ciência moderna com uma ecologia de saberes. (Santos, 2007, p.
85)

A concepção da “ecologia de saberes”, é fundada no reconhecimento da ciência como um dos


vários tipos heterogêneos de conhecimentos existentes, compreendendo a ideia de que, o
conhecimento é “interconhecimento”, que se constitui por meio de interações sustentáveis e
ativas entre eles, não incidindo sobre a autonomia de nenhum desses (Santos, 2007). O que
exprime a convicção de que todos os saberes − incluindo a própria ciência − são incompletos
(Santos et al., 2016).

A ecologia de saberes, parte do reconhecimento e da compreensão de que todo conhecimento


é incompleto. Assim, visa ampliar a percepção mútua dessa noção de incompletude, abrindo
espaços que permitam a escuta e o diálogo com outros saberes (Meneses & Bidaseca, 2018), isto
é, a partir da ecologia de saberes, não se pretende substituir algo que funciona “de cima para
baixo”, por algo que funciona ao seu revés. Mas, sim, a constituição de uma relação não
hierarquizada entre os distintos saberes (Santos et al., 2016).

Como delineado por Santos (2018), a diversidade epistemológica oportunizada pela ecologia de
saberes, busca “o reconhecimento da copresença de diferentes saberes e a necessidade de
estudar as afinidades, divergências, complementariedades e contradições entre eles para
maximizar a efetividade das lutas de resistência contra a opressão” (Santos, 2018, p. 36, tradução
nossa).

A ecologia de saberes funciona como uma “contra-epistemologia”, que busca atribuir


“consistência epistemológica ao pensamento pluralista e propositivo” (Santos, 2007, p. 87). Por
esse prisma, ao creditar os conhecimentos não-científicos, não se pretende descreditar o
conhecimento científico, mas sim compreender os seus limites e, a partir disso, buscar trabalhar
a pluralidade interna da própria ciência. Assim, há uma diferenciação entre “a ciência como
conhecimento monopolista e a ciência como parte de uma ecologia de saberes” (Santos, 2007,
p. 87).

Para Santos (2008), essa proposta não é algo que possa ser decretado por lei, de cima para baixo.
Pois, na acepção da ecologia de saberes, esforça-se para a efetuação de um movimento inverso
ao da extensão (compreendida como uma via de mão única), indo de fora para dentro da
instituição universitária, com a intenção de estabelecer canais institucionais de diálogo
permanente, que viabilizem e estimulem o exercício crítico da construção coletiva. Na
compreensão de Silva et al. (2016, p. 114):

A ecologia de saberes desponta como potente para produzir conhecimento a partir da


problematização e da inclusão daqueles que vivenciam o mundo real em que, de fato, os

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fenômenos ocorrem. É uma concepção que propõe a integração de saberes técnicos,
científicos e populares.

Diante disso, a concepção de ecologia de saberes visa instaurar processos de reorientação


solidária na interação entre universidade e sociedade, pressupondo uma revolução
epistemológica no âmago da própria instituição universitária (Santos, 2008). Como salientado
por Santos (2008, p. 70):

A ecologia de saberes são conjuntos de práticas que promovem uma nova convivência ativa
de saberes no pressuposto que todos eles, incluindo o saber científico, se podem enriquecer
nesse diálogo. Implica uma vasta gama de ações de valorização, tanto do conhecimento
científico, como de outros conhecimentos práticos, considerados úteis, cuja partilha por
pesquisadores, estudantes e grupos de cidadãos serve de base à criação de comunidades
epistémicas mais amplas que convertem a universidade num espaço público de
interconhecimento onde os cidadãos e os grupos sociais podem intervir sem ser
exclusivamente na posição de aprendizes.

A transição do conhecimento universitário para o conhecimento pluriversitário e a


emergência do paradigma conversitário

Para Santos (2008), o caráter colonial da universidade é algo que ainda precisa ser superado.
Conforme o autor, historicamente, as universidades tiveram importante participação no
processo de exclusão social e inferiorização de sujeitos e grupos socioculturais distintos, por
questões de natureza étnica e racial. Inclusive, na elaboração de teorias que justificassem tal
inferioridade, a qual, aliás, se expandiu para os conhecimentos produzidos por esses grupos,
estabelecendo uma posição de prioridade epistemológica para a ciência.

No entanto, em decorrência do não cumprimento de muitas das promessas da ciência, e,


principalmente, pelos impactos negativos no plano social e ambiental, em consequência de
alguns denominados “progressos” científicos, observa-se um cenário de crescente desconfiança
epistemológica da ciência. Assim, paulatinamente, tem se constatado repercussões e a
instauração de debates públicos que pressionam e viabilizam o confronto entre o conhecimento
científico e os conhecimentos ditos não-científicos. O que tem provocado, em alguns casos, a
constituição de relevantes processos de promoção da cidadania, em uma perspectiva crítica e
ativa (Fleuri, 2019).

Com isso posto, ao longo das últimas décadas, vêm ocorrendo variados acontecimentos que
têm desestabilizado a hegemonia do modelo de “conhecimento universitário”, e assinalado a
emergência de um outro tipo de conhecimento, designado por Santos (2008) como
“pluriversitário”. Por esse ponto de vista, o referido autor salienta que, o “conhecimento

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pluriversitário” se refere a um conhecimento contextualizado, que expressa como princípio
estruturante de sua composição, as suas possíveis aplicabilidades.

Ao considerar que a utilização de determinado conhecimento ocorrerá extramuros da


universidade, a proposição dos problemas a serem resolvidos e, a definição de sua relevância,
será fruto do trabalho partilhado pelos acadêmicos e os seus respectivos utilizadores, incidindo
no necessário encontro e diálogo entre distintos sujeitos e diferentes saberes. O que atribui um
caráter mais heterogêneo ao conhecimento produzido (Santos, 2008). À vista disso, Fleuri (2019,
p. 23) expressa que:

Por ser contextualizado, o conhecimento pluriversitário obriga a uma interação com outros
tipos de saber. Constitui-se, assim, como um conhecimento transdisciplinar, heterogêneo e
requer sistemas de produção mais flexíveis, fluidos e abertos. O que é colocado em questão é
o sujeito do conhecimento, que deixa de ser identificado exclusivamente com uma instituição
(a universidade) e passa a ser identificado com diferentes outros sujeitos sociais.

Na interpretação de Santos (2008), esse modelo de conhecimento tem sido produzido e


efetivado de forma concreta a partir das parcerias estabelecidas entre a universidade e o setor
industrial – evidenciando-se, muitas vezes, um caráter mercantil. Não obstante, nos
denominados países centrais e semiperiféricos, as circunstâncias funcionais nem sempre são
mercantis, mas cooperativas e solidárias, por meio da implementação de trabalhos junto com
comunidades tradicionais, sindicatos, movimentos sociais populares, organizações não
governamentais, dentre outros.

Como enunciado por Fleuri (2019), as instituições universitárias têm passado por um processo
de restruturação em que o modelo pluriversitário vêm sendo implementado com a perspectiva
de corresponder à pluralidade de demandas requeridas por diferentes grupos e setores da
sociedade, como, por exemplo: o Estado, os movimentos sociais e as corporações empresariais.

No entanto, de acordo com a percepção de Fleuri (2019), dentro dessa perspectiva, a articulação
dos movimentos sociais populares com a universidade tem se destacado como locus fecundo,
principalmente pela pressão imposta pelos movimentos sociais populares no campo das
ciências sociais e humanas, ao redimensionarem a sua posição de “objeto” e se assumirem como
sujeitos produtores de conhecimentos, resultantes de sua práxis social.

Nesse sentido, a partir do exposto por Santos (2008), Fleuri (2019) avança com o entendimento
da necessária articulação da universidade com os movimentos sociais de perspectiva contra-
hegemônica, formulando teoricamente uma concepção fundada a partir desse diálogo,
ressaltando a necessidade de avançar para além dessa compreensão − da passagem do
“conhecimento universitário” para o “conhecimento pluriversitário” −, e vislumbrar o horizonte
à frente, que desvela a emergência de um “conhecimento conversitário”.

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Em síntese, pode-se denotar que, a partir do “paradigma conversitário”, evidenciam-se quatro
implicações epistemológicas, sendo elas: a) o processo de complexificação inerente à própria
ciência, incidindo na ressignificação da concepção tradicional de ciência; b) a mudança no
reconhecimento do sujeito produtor de conhecimento; c) a reconfiguração da prática
acadêmica-científica como práxis social; d) a afirmação do caráter relacional na produção de
conhecimentos, compreendendo que os saberes são provenientes dos “entrelugares” (Fleuri,
2019).

Na visão de Fleuri (2019), as limitações da ciência ocidental derivam da exígua cientificidade de


seu paradigma vigente, e não exatamente de sua propriedade científica. Desse modo, a
superação de tal impasse não se dará pela contraposição do conhecimento científico em relação
aos conhecimentos não-científicos. Por esse ângulo, Fleuri (2019, p. 53) refere que:

Para serem suficientemente científicos os saberes precisam explicar racionalmente os


fenômenos considerando todas as suas dimensões – a natural, a subjetiva, a social, a cultural,
e a ecológica – reconhecendo a especificidade lógica de cada uma e buscando compreender
a relação organicamente conflitual entre elas.

Dentro do quadro de crise epistemológica da ciência, ganha cada vez mais força o debate sobre
a complexidade inerente ao conhecimento científico. O que tem decorrido tanto pelo processo
de autocrítica das bases epistemológicas da ciência hegemônica, que se instaurou no âmago
das próprias ciências, como pela crítica ferrenha desenvolvida pelos movimentos sociais
populares, no tocante à característica elitista dos conhecimentos produzidos no âmbito
acadêmico, bem como por muitas vezes tais conhecimentos apresentarem certa “inutilidade”
social (Fleuri, 2019).

Segundo Fleuri (2019), quando os movimentos sociais populares passam a reivindicar a


valorização e o reconhecimento de sua cultura e de seus saberes, reclamando a sua presença e
o seu direito à participação no debate relativo à ciência – que, historicamente, tem sido
circunscrito aos membros dos grupos socioculturais hegemônicos −, emerge o conhecimento
que Fleuri tem delineado como “conversitário”, que é fruto dessa interação crítica entre
movimentos sociais populares e universidade na construção de conhecimentos.

Conforme destacado por Fleuri (2019), paulatinamente, os movimentos sociais populares e


outras entidades da sociedade civil têm sido considerados como produtores autônomos de
conhecimentos relevantes – e não mais como meros consumidores do conhecimento
proveniente das pesquisas desenvolvidas pelas universidades −, fomentando, inclusive, o
delineamento de proposições de políticas sociais, em decorrência da problematização e
transformação do cenário social, cultural e ambiental em que convivem. Assim, gradativamente,
têm recusado a posição de subalternidade imposta e reclamado a instauração de uma relação
recíproca, exercendo uma atitude proativa e aberta ao diálogo crítico com diferentes grupos,
instituições e setores sociais, sobretudo com as universidades.

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Ao passo em que a universidade vai sendo incitada em responder à pluralidade de demandas
de diferentes grupos e setores com distintas particularidades culturais, tal como pela
pluriversidade epistêmica da própria ciência, firma-se o desafio epistemológico e prático de
constituição do que Fleuri (2019) denominou de “conversidade”. Como assinalado por ele, o
reconhecimento dos movimentos sociais populares como produtores de conhecimento e
sujeitos de interlocução com o conhecimento científico, é uma assunção que pode viabilizar a
ressignificação na forma de produzir e conceber a ciência, trilhando por caminhos que podem
ser muito mais criativos, consistentes e efetivos.

Ainda, acrescenta-se que, na perspectiva de Fleuri (2019, p. 57):

A explicitação da dimensão teórico-prática do conhecimento, assim como sua vinculação às


relações de poder, torna possível distinguir o caráter dialógico e conversitário da conotação
autoritária que tradicionalmente assumem as práticas científicas e educativas, seja nas
propostas elaboradas pelo Estado, seja nas que são conduzidas por movimentos populares.

Em conformidade com a assertiva de Fleuri (2019), o que se propõe a partir da concepção de


conversidade, é a construção de caminhos e estratégias que possibilitem o fortalecimento e a
potencialização do diálogo e da convivência, fundada em uma epistemologia complexa. Diante
disso, Fleuri (2019, p. 49) descreve que:

Não se trata apenas de construir uma narrativa que consolida sua coesão com base em opções
e visões de mundo constituídas em uma única direção (uni-versidade). Não se trata também
de meramente reconhecer a diversidade de opções e visões de mundo que constituem a
realidade sociocultural do mundo contemporâneo (pluri-versidade). Trata-se de construir e
potencializar os múltiplos dispositivos, as diferentes estratégias, os variados processos, as
várias linguagens e narrativas capazes de suscitar e sustentar a relação de mútua
aprendizagem entre os diferentes sujeitos e entre suas respectivas culturas (con-versidade).

Pelo prisma da conversidade, um dos principais desafios, é o de conceber uma proposta


epistemológica que seja dialógica e crítica, nas dimensões da extensão, do ensino e da pesquisa
(Fleuri, 2019). Para Fleuri (2019), a prática extensionista desenvolvida na perspectiva da
conversidade, tem como seu objetivo potencializar a mediação sociocultural, constituindo-se
como iniciativas de inserção e articulação orgânica entre a instituição universitária com a
realidade social local – indo na direção oposta de atividades que visem prestar serviços de cunho
assistencialista ou mercantilista, bem como de mera “transmissão” de conhecimentos. Assim, é
importante que se procure desenvolver, sincronicamente, experiências de inclusão de
diferentes atores socioculturais no contexto acadêmico, como forma de possibilitar que esses
possam contribuir na construção de ações também no campo do ensino e da pesquisa.

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Considerações finais

Como pôde ser observado neste trabalho, apesar de tradicionalmente as práticas de extensão
se configurarem de maneira vertical e depositária, por meio das contribuições dos autores aqui
trabalhados, observa-se a existência de diferentes possibilidades para a construção de ações
extensionistas horizontalizadas e dialógicas, em que se sobressai a perspectiva da produção de
um conhecimento que seja socialmente referenciado.

Destarte, o presente estudo evidencia fundamentos e pressupostos teórico-metodológicos que


exprimem e reivindicam a natureza relacional do conhecimento, compreendendo-o como fruto
de um processo dialógico de construção compartilhada de saberes, que se dá “com” e “entre”
as pessoas, o qual decorre “no” e “com” o mundo.

Em conclusão, reitera-se a indispensabilidade da concepção da extensão como lugar de


construção compartilhada, concebendo-a como comunicação (como evidenciado por Freire) –,
ou seja, ação comunicativa em que, o diálogo horizontalizado se apresenta como um preceito
essencial do trabalho extensionista −, na perspectiva de reconhecer e valorizar a inserção de
distintos olhares, saberes e vozes, proporcionando a constituição de uma ecologia de saberes
(como sugerido por Santos).

Para tanto, essa relação não pode ser configurada ou efetivada a partir da idealização de uma
via de sentido único, mas por meio da compreensão de um encontro e diálogo permeado por
um processo recíproco de entendimento entre os sujeitos implicados em tal ato. De modo que,
é essencial que esses estejam alinhados por um conjunto de princípios convergentes,
direcionados para um mesmo horizonte partilhado, em um ponto de vista conversitário (como
caracterizou Fleuri), com a finalidade de construir coletivamente novos saberes uteis à
transformação da realidade social, agregando uma característica contra-epistemológica ao
conhecimento produzido compartilhadamente.

Reconhecemos que, a escolha por trabalhar a partir da obra de apenas três autores, com a
definição prévia de categorias, incorre na imposição de limites ao estudo em questão. Por esse
ângulo, salienta-se que, faz-se oportuna a ampliação futura deste estudo, como forma de
englobar o referencial de outros autores e, possivelmente, aprofundar ainda mais o processo
reflexivo e analítico do mesmo, com ênfase nos distanciamentos, discordâncias, aproximações
e complementariedades de tais pressupostos teóricos.

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