ARAUJO CRUZ. Reflexões Epistemológicas Sobre A Extensão Universitária
ARAUJO CRUZ. Reflexões Epistemológicas Sobre A Extensão Universitária
ARAUJO CRUZ. Reflexões Epistemológicas Sobre A Extensão Universitária
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Mestre em educação pela Universidade Federal da Paraíba (2021).
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Doutor em educação pela Universidade Federal da Paraíba (2015). Professor da Universidade Federal da Paraíba.
Introdução
A ideia de “torre de marfim”, pensada por Teixeira (1964), é reforçada ao longo dos anos na
história da instituição acadêmica, atribuindo-lhe um viés elitista, pouco atrelado à visão de
instituição socialmente referenciada, conforme é previsto nos estatutos das várias instituições
e, desde 1988, na própria Constituição Federal (Brasil, 1988).
Além disso, essa visão de universidade, vem colaborando de maneira ativa com a
desqualificação e extinção de diversos tipos de conhecimentos, considerados como não-
científicos. O que favoreceu, sobretudo, a marginalização de grupos socioculturais que
dispunham exclusivamente destes conhecimentos “marginais”. Consequentemente, esse
processo de exclusão e de “injustiça social”, em sua essência, também acarretou a imposição de
uma situação de “injustiça cognitiva”, a qual auxiliou, de certa maneira, no fomento e na
justificação do “epistemicídio” de diferentes formas de saberes (Santos, 2007; 2008).
Como delineado por Cruz e Vasconcelos (2017), as ações da instituição universitária, têm sido
preeminentemente delimitadas por uma conduta de distanciamento dos setores sociais
subalternizados. Com eventuais ressalvas, constata-se que, as políticas universitárias de ensino,
pesquisa e extensão, em sua grande maioria, não apresentam pretensão e nem direcionamento
para corresponder aos interesses e às necessidades dos setores populares e de seus
protagonistas.
Junto com tais modelos de ação extensionista, consolidou-se, por muito, também, a concepção
da atividade de extensão como de uma “via de mão única”. À vista disso, incorre-se na
contemplação de uma relação unívoca entre a universidade e a sociedade – da instituição que
vai até as pessoas consideradas “desfavorecidas” e “leigas”, com a pretensão de “transmitir” o
conhecimento científico e disseminar a cultura erudita. Contemplando a instituição
universitária como detentora dos únicos conhecimentos válidos para o desenvolvimento social,
e que, em decorrência disso, sobrepuja-se como a redentora dos saberes qualificados para a
resolução de todos os problemas da sociedade, exprimindo um posicionamento político elitista,
ao reclamar tal exclusividade (Cruz & Vasconcelos, 2017; Melo Neto, 2002).
Essa concepção, parte de um movimento que se desenrola de dentro da universidade para fora,
em um sentido de mão única, implicando em uma invasão cultural, que, na verdade,
desempenha um papel de dominação e domesticação, como bem ressaltaram Freire (2015),
Gurgel (1986) e Melo Neto (2002).
Em que pese essas perspectivas hegemônicas, assinala-se que, é necessário reconhecer, que o
entendimento da atividade extensionista pode ir muito além das percepções assistencialista,
mercantilista e elitista que se forjaram ao longo da história. Conforme destacado por Fleuri (2019,
p. 45): “Embora toda política predominante imponha uma perspectiva conservadora e
domesticadora de extensão universitária, esta é considerada um espaço contraditório, onde se
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pode gestar um novo projeto de universidade articulado com o processo de transformação
social”.
A esse respeito, Freire (2015) indica que, a relação que se estabelece por meio do trabalho
extensionista, não pode ser reduzida à lógica de um “estar adiante”, ou, a um “estar sobre”, ou a
um “estar para”. Segundo ele, esse processo deve ser concretizado em um ponto de vista de
“estar com”, de maneira que, todos os envolvidos na ação, sejam sujeitos ativos da mudança
resultante.
Dentro dessa perspectiva, notabilizam-se uma gama diversa de experiências de extensão, que
têm nas contribuições de Paulo Freire e na concepção latino-americana de educação popular,
os fundamentos orientadores de suas práticas. Muitas dessas iniciativas extensionistas, têm se
vinculado conceitualmente à proposta designada de “extensão popular”, que não se caracteriza
como uma mera “identidade”, mas que se coloca como uma abordagem crítica perante os
modelos dominantes de extensão, na qualidade de movimento contra-hegemônico (Cruz &
Vasconcelos, 2017; Silva et al., 2020).
Para Melo Neto (2014), o conceito de extensão popular baseia-se na compreensão da atividade
extensionista como um “trabalho social útil”, que, inserido na dinâmica dos processos de
educação popular, busca se desenvolver de forma articulada com as dimensões do ensino e da
pesquisa, tendo os seus fundamentos teórico-metodológicos alinhados com a promoção do
diálogo e o fortalecimento da autonomia dos sujeitos individuais e coletivos (em um ponto de
vista de cidadania crítica), com sua intencionalidade direcionada para a consecução de um
horizonte emancipatório.
A escolha desses três autores, se deu em razão de suas contribuições significativas para a
constituição de experiências em que, a problematização da realidade, a promoção da
participação, o diálogo horizontalizado e a valorização dos saberes populares, configuram-se
Com a ascensão cada vez mais notória de pensamentos e práticas conservadoras, elitistas e
reacionárias no contexto universitário, explicitar tais contribuições, com ênfase para os seus
pressupostos teórico-metodológicos e as suas intencionalidades ético-políticas, constitui-se
como um movimento importante no processo de resistência e enfrentamento desse cenário,
em uma ótica crítico-propositiva, sobretudo como forma de provocar e evidenciar caminhos
dialógicos no pensar e fazer da ação social universitária, incluindo o trabalho coletivo em suas
etapas de organização, planejamento, execução e avaliação.
Em virtude do exposto, este artigo tem como objetivo apresentar os pressupostos da construção
do conhecimento pela extensão orientada na perspectiva da educação popular.
Considerações metodológicas
Este artigo resulta de uma pesquisa original teórica, desenvolvida por ocasião dos estudos do
primeiro autor, em sua trajetória no curso de mestrado acadêmico em educação, do programa
de pós-graduação em educação, da Universidade Federal da Paraíba, vinculado à linha de
pesquisa de educação popular.
Segundo Rother (2007), a revisão narrativa é utilizada quando se busca responder questões
amplas, com o objetivo de descrever e/ou discutir um determinado conteúdo, com ênfase para
a sua abordagem teórico-conceitual. Essa perspectiva de estudo, pode basear-se na análise de
artigos, livros e capítulos de livros, sendo esse processo de seleção do material, orientado a partir
das necessidades do pesquisador, o que lhe dá uma maior flexibilidade na escolha e na análise
da literatura.
Em decorrência disso, o critério de escolha das obras a serem analisadas e utilizadas como base
para a construção do texto em questão, deu-se de forma intencional, recorrendo a leitura de
trabalhos de referência dos autores na abordagem do tema em foco. Assim, as publicações
selecionadas para a construção teórico-conceitual do presente trabalho, foram as seguintes:
Freire (2001; 2011; 2013; 2015), Santos (2004; 2007; 2008; 2018), Santos et al. (2016) e Fleuri (2019).
Para tanto, realizou-se a leitura analítica de cada publicação, com ênfase para aspectos que
envolviam a compreensão dos autores sobre o “conhecimento” e o seu processo de construção.
De tal modo, buscou-se apreender a forma como esses autores compreendiam a dimensão do
“diálogo de saberes”, especialmente, a partir da análise das categorias: “comunicação” (em
Freire), “ecologia de saberes” (em Santos) e “conversidade” (em Fleuri). O que foi seguido pela
ordenação das informações obtidas (em um quadro), destacando, para cada autor, suas
reflexões e considerações mais significativas, no que tange à construção do conhecimento na e
pela extensão, em uma perspectiva dialógica e crítica.
No seio do debate sobre a extensão, uma importante contribuição está na obra de Paulo Freire,
a qual se deu a partir da publicação do livro intitulado “Extensão ou comunicação?”, lançado no
ano de 1969, quando Freire estava exilado no Chile, em decorrência da perseguição política que
ocorreu no Brasil, por ocasião da implementação do regime militar ditatorial. Nesse livro, ao
analisar criticamente o campo associativo relacionado ao termo “extensão”, Freire (2015)
sublinha a presença de compreensões como: “transmissão”, que indica a existência de um
sujeito ativo, que realiza o ato de se estender; de um conteúdo, o qual é eleito por aquele que se
estende, e, assim, reflexo de sua própria cultura; de um “objeto passivo”, que será o recipiente
do conteúdo a ser transmitido.
Ele ressalta, ainda, que, essa expressão, exprime a ideia de “entrega” de um algo, que é doado
por uma outra pessoa − que se encontra aquém, do outro lado do muro, o que justifica a
denominação de atividades “extramuros”. Consequentemente, evidencia-se uma noção de
“superioridade” (daqueles que entregam o conteúdo) e “inferioridade” (daqueles que recebem
passivamente o conteúdo) (Freire, 2015). No entanto, Freire (2015) delineia que, o que ocorre, em
realidade, é uma “invasão cultural”, já que o conteúdo que está sendo “transmitido” de um
sujeito ao outro, é o reflexo da visão de mundo daquele que se estende, superpondo-se ao saber
daquele que deve receber passivamente, desfazendo-se de seus saberes anteriores.
Para Gurgel (1986), ao estudar o processo de desenvolvimento da extensão, até a década de 1980,
no Brasil, e analisar a variabilidade das atividades extensionistas, ele apontou que essas, em sua
maioria, eram mais próximas de práticas condizentes com uma ideia de “domesticação”, e não
de “comunicação”, como proposto por Paulo Freire. Diante disso, salienta-se que, comumente,
Na interpretação de Freire (2015), a ação extensionista tem que estar de acordo com a realidade
objetiva, e ter o seu benefício resultante, direcionado para atender às necessidades dos reais
sujeitos que trabalham em torno de sua própria sobrevivência e realização humana. Além do
mais, ele acrescenta que, a prática extensionista apresenta um papel pedagógico, e, assim como
em todo processo educativo, se o que se pretende é chegar ao ser humano em sua concretude
e historicidade – e não ao ser abstrato −, faz-se necessário estabelecer uma relação horizontal de
comunicação.
Para Freire (2015), educar não é persuadir as pessoas, mas, sim, apoiar o processo de busca
permanente que homens e mulheres, em comunhão uns com os outros, fazem na direção de
seu “ser mais”. A esse respeito, Freire (2015) indica que, o papel do extensionista, deve ser o de
quem atua junto “com” as pessoas, problematizando com eles, a sua realidade objetiva; para
que, captando-a de forma crítica e em sua totalidade, possam atuar criticamente sobre ela para
a transformar.
Segundo o próprio Freire (2015), a educação deve ser compreendida como um ato humanizador,
que se efetiva por meio da ação consciente na transformação do mundo à sua volta. Com isso
posto, é relevante destacar que:
[…] qualquer que seja a situação em que alguns homens proíbam aos outros que sejam
sujeitos de sua busca, se instaura como situação violenta. Não importa os meios usados para
esta proibição. Fazê-los objetos é aliená-los de suas decisões, que são transferidas a outro ou
a outros. Este movimento de busca, porém, só se justifica na medida em que se dirige ao ser
mais, à humanização dos homens. E esta, como afirmamos […], é sua vocação histórica,
contraditada pela desumanização que, não sendo vocação, é viabilidade, constatável na
história. E, enquanto viabilidade, deve aparecer aos homens como desafio e não como freio ao
ato de buscar. (Freire, 2013, p. 104)
Conforme Freire (2015), um dos pontos fundamentais de um trabalho de extensão que não vise
invadir culturalmente os outros, é, antes de tudo, a busca pela compreensão dos homens e das
mulheres em sua relação “com” e “no” mundo. Para tanto, faz-se imprescindível a apreensão
crítica dos condicionamentos históricos e culturais à que esses estão submetidos.
Assim, na crítica proferida por Freire (2015) às práticas autoritárias e antidialógicas de extensão,
sobressai-se a noção de equívoco gnosiológico desta perspectiva, pois, na concepção de Freire,
o conhecimento não é algo que possa ser “transferido”. Para ele, o conhecimento humano se
constitui por meio da relação humano-mundo, em todas as suas fases e níveis. Em referência a
isso, o próprio Freire (2015) posiciona-se contrário à ideia de que, o ato de conhecer, possa se dar
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a partir de uma ação na qual um sujeito transformado em “objeto” de outro, recebe
passivamente um conjunto de conteúdos.
Para Freire (2015), o ato de conhecer, só é possível a partir da ação de sujeitos, e não de meros
objetos, haja vista que, “a mera captação dos objetos como das coisas, é um puro dar-se conta
deles e não ainda conhecê-los” (Freire, 2015, p. 28). De tal modo, o conhecimento verdadeiro
exige uma atitude de curiosidade do sujeito em relação ao mundo, o que demanda um processo
contínuo de busca, e a ação transformadora sobre a realidade, seguida pela reflexão sobre essa
ação, implicando em uma postura ativa do sujeito na invenção e reinvenção do seu mundo
(Freire, 2015).
Como salientado por Freire (2013), a realidade social, em sua concretude, é produto da ação do
ser humano. Ela não existe por obra do acaso e não se transformará por acaso. Nessa
perspectiva, ao compreender que, são os seres humanos que produzem essa realidade, e, se
essa realidade, em um movimento reverso, volta-se sobre os mesmos e os condiciona, buscar a
transformação da realidade opressora, é tão somente um que fazer histórico dos homens e das
mulheres. Dessa maneira, Freire (2015) indica que:
[…] o homem, que não pode ser compreendido fora de suas relações com o mundo, de vez que
é um ‘ser-em-situação’, é também um ser do trabalho e da transformação do mundo. O
homem é um ser da ‘práxis’; da ação e da reflexão. (Freire, 2015, p. 28)
Na compreensão de Freire (2011), o compromisso não pode ser um ato unilateral, em que, aquele
que se diz comprometido, é o único sujeito ativo e, o outro, a quem se diz comprometido, se
torna apenas a incidência de seu compromisso. Destarte, o verdadeiro compromisso está na
solidariedade radical para com os homens e mulheres que, na realidade objetiva, encontram-se
em um estado de “coisificação”, sem condições de desenvolver plenamente suas
potencialidades na direção de seu “ser mais”. Desse modo, é primordial que, qualquer que seja
o profissional em atuação, que esse não se julgue como dono da verdade e proprietário do saber
que terá de ser transmitido aos sujeitos dos setores subalternizados, presumindo que esses são
ignorantes e incapazes, com a presunçosa ideia de que é o salvador deles.
As experiências sociais espalhadas por diversos lugares do mundo são muito amplas e variadas.
No entanto, a ciência tradicional tem se mostrado incapaz de compreender as suas relevâncias,
de maneira que, essas diversificadas experiências, têm sido, em grande monta, desperdiçadas,
o que acarreta a alimentação do ideário de que, não há alternativas viáveis ao quadro em que a
humanidade se encontra na atualidade (Santos, 2004).
Na leitura de Santos (2004), a ciência social hegemônica não dispõe de mecanismos para que
seja possível combater esse desperdício da experiência, pois foi essa mesma ciência que deu
sustentação para a invisibilização e descrédito dessas experiências. Devido a isso, faz-se
necessário que se recorra não somente a uma outra ciência social, mas, sim, esforçar-se na
elaboração de um outro tipo de racionalidade científica.
Não obstante, o que tem sido caracterizado como não existente, decorre, justamente, pelo
resultado da produção de sua não existência, por parte da racionalidade dominante. Essa
inexistência, tem operado por meio da indução da noção de alternativa não viável, designada a
qualquer concepção que seja diferente da hegemônica, desqualificando-a ao ponto que essa se
torna invisível, ou, até mesmo, descartável (Santos, 2004). Na análise de Santos (2004), a única
forma de superação desse reducionismo e dessa racionalidade, seria a partir do que ele tem
denominado de “sociologia das ausências”.
A sociologia das ausências tem em seu objetivo a pretensão de dar visibilidade ao que tem sido
invisibilizado, fazendo com que, as “ausências”, se transformem em “presenças”. No cerne dessa
proposta está a necessidade da superação da “monocultura do saber” – que estabelece os
critérios de verdade, a partir da lógica da ciência moderna. Assim, qualquer outro tipo de
conhecimento que não se enquadre dentro dos parâmetros científicos hegemônicos, traduz-se,
instantaneamente, em ilegítimo e, consequentemente, inexistente (Santos, 2004).
Como delineado por Santos (2004), a sociologia das ausências almeja sobrepujar a monocultura
do conhecimento e alicerçar as bases para que se estabeleça uma “ecologia de saberes”.
Segundo ele, essa perspectiva:
Para Santos (2007), no âmbito epistemológico, é a ciência quem detém o monopólio universal
do que pode ser considerado como verdadeiro ou falso, em detrimento dos modelos de
conhecimento filosófico ou teológico, por exemplo. Contudo, tal tensão entre essas formas de
conhecimento, reside apenas “do lado de cá”, pois as outras formas de conhecimento −
indígenas, camponeses, plebeus, populares, leigos −, que estão “do lado de lá” da linha abissal,
não se enquadram nessas modalidades de conhecimento (considerados “aceitáveis”), por seu
processo de construção não obedecer aos critérios da ciência, ou, até mesmo, do sistema
racional da filosofia e da teologia.
Assim, considera-se que, “do lado de lá”, não há conhecimento verdadeiro; mas, somente
crenças infundadas, idolatria, magia e achismos, que, no máximo, poderão ser considerados
como objeto de investigação científica, caso algum pesquisador se interesse em tentar
compreender suas formas de operação e estruturação (Santos, 2007).
Por esse ângulo, Santos (2008) revela que, esse processo de distinção e exclusão, apresenta uma
situação de iniquidade dupla, expressa por meio de uma injustiça de caráter “social” e
“cognitivo”. E, de acordo com ele, para que se possa alcançar a “justiça social”, é imprescindível
que também se busque a “justiça cognitiva” – pois, no campo da resistência política, a resistência
epistemológica mostra-se como possibilidade estratégica. O que exige a estruturação de uma
forma de pensamento pós-abissal, que possa gestar alternativas a esse quadro (Santos, 2007).
Como delineado por Santos (2018), a diversidade epistemológica oportunizada pela ecologia de
saberes, busca “o reconhecimento da copresença de diferentes saberes e a necessidade de
estudar as afinidades, divergências, complementariedades e contradições entre eles para
maximizar a efetividade das lutas de resistência contra a opressão” (Santos, 2018, p. 36, tradução
nossa).
Para Santos (2008), essa proposta não é algo que possa ser decretado por lei, de cima para baixo.
Pois, na acepção da ecologia de saberes, esforça-se para a efetuação de um movimento inverso
ao da extensão (compreendida como uma via de mão única), indo de fora para dentro da
instituição universitária, com a intenção de estabelecer canais institucionais de diálogo
permanente, que viabilizem e estimulem o exercício crítico da construção coletiva. Na
compreensão de Silva et al. (2016, p. 114):
A ecologia de saberes são conjuntos de práticas que promovem uma nova convivência ativa
de saberes no pressuposto que todos eles, incluindo o saber científico, se podem enriquecer
nesse diálogo. Implica uma vasta gama de ações de valorização, tanto do conhecimento
científico, como de outros conhecimentos práticos, considerados úteis, cuja partilha por
pesquisadores, estudantes e grupos de cidadãos serve de base à criação de comunidades
epistémicas mais amplas que convertem a universidade num espaço público de
interconhecimento onde os cidadãos e os grupos sociais podem intervir sem ser
exclusivamente na posição de aprendizes.
Para Santos (2008), o caráter colonial da universidade é algo que ainda precisa ser superado.
Conforme o autor, historicamente, as universidades tiveram importante participação no
processo de exclusão social e inferiorização de sujeitos e grupos socioculturais distintos, por
questões de natureza étnica e racial. Inclusive, na elaboração de teorias que justificassem tal
inferioridade, a qual, aliás, se expandiu para os conhecimentos produzidos por esses grupos,
estabelecendo uma posição de prioridade epistemológica para a ciência.
Com isso posto, ao longo das últimas décadas, vêm ocorrendo variados acontecimentos que
têm desestabilizado a hegemonia do modelo de “conhecimento universitário”, e assinalado a
emergência de um outro tipo de conhecimento, designado por Santos (2008) como
“pluriversitário”. Por esse ponto de vista, o referido autor salienta que, o “conhecimento
Por ser contextualizado, o conhecimento pluriversitário obriga a uma interação com outros
tipos de saber. Constitui-se, assim, como um conhecimento transdisciplinar, heterogêneo e
requer sistemas de produção mais flexíveis, fluidos e abertos. O que é colocado em questão é
o sujeito do conhecimento, que deixa de ser identificado exclusivamente com uma instituição
(a universidade) e passa a ser identificado com diferentes outros sujeitos sociais.
Como enunciado por Fleuri (2019), as instituições universitárias têm passado por um processo
de restruturação em que o modelo pluriversitário vêm sendo implementado com a perspectiva
de corresponder à pluralidade de demandas requeridas por diferentes grupos e setores da
sociedade, como, por exemplo: o Estado, os movimentos sociais e as corporações empresariais.
No entanto, de acordo com a percepção de Fleuri (2019), dentro dessa perspectiva, a articulação
dos movimentos sociais populares com a universidade tem se destacado como locus fecundo,
principalmente pela pressão imposta pelos movimentos sociais populares no campo das
ciências sociais e humanas, ao redimensionarem a sua posição de “objeto” e se assumirem como
sujeitos produtores de conhecimentos, resultantes de sua práxis social.
Nesse sentido, a partir do exposto por Santos (2008), Fleuri (2019) avança com o entendimento
da necessária articulação da universidade com os movimentos sociais de perspectiva contra-
hegemônica, formulando teoricamente uma concepção fundada a partir desse diálogo,
ressaltando a necessidade de avançar para além dessa compreensão − da passagem do
“conhecimento universitário” para o “conhecimento pluriversitário” −, e vislumbrar o horizonte
à frente, que desvela a emergência de um “conhecimento conversitário”.
Dentro do quadro de crise epistemológica da ciência, ganha cada vez mais força o debate sobre
a complexidade inerente ao conhecimento científico. O que tem decorrido tanto pelo processo
de autocrítica das bases epistemológicas da ciência hegemônica, que se instaurou no âmago
das próprias ciências, como pela crítica ferrenha desenvolvida pelos movimentos sociais
populares, no tocante à característica elitista dos conhecimentos produzidos no âmbito
acadêmico, bem como por muitas vezes tais conhecimentos apresentarem certa “inutilidade”
social (Fleuri, 2019).
Não se trata apenas de construir uma narrativa que consolida sua coesão com base em opções
e visões de mundo constituídas em uma única direção (uni-versidade). Não se trata também
de meramente reconhecer a diversidade de opções e visões de mundo que constituem a
realidade sociocultural do mundo contemporâneo (pluri-versidade). Trata-se de construir e
potencializar os múltiplos dispositivos, as diferentes estratégias, os variados processos, as
várias linguagens e narrativas capazes de suscitar e sustentar a relação de mútua
aprendizagem entre os diferentes sujeitos e entre suas respectivas culturas (con-versidade).
Como pôde ser observado neste trabalho, apesar de tradicionalmente as práticas de extensão
se configurarem de maneira vertical e depositária, por meio das contribuições dos autores aqui
trabalhados, observa-se a existência de diferentes possibilidades para a construção de ações
extensionistas horizontalizadas e dialógicas, em que se sobressai a perspectiva da produção de
um conhecimento que seja socialmente referenciado.
Para tanto, essa relação não pode ser configurada ou efetivada a partir da idealização de uma
via de sentido único, mas por meio da compreensão de um encontro e diálogo permeado por
um processo recíproco de entendimento entre os sujeitos implicados em tal ato. De modo que,
é essencial que esses estejam alinhados por um conjunto de princípios convergentes,
direcionados para um mesmo horizonte partilhado, em um ponto de vista conversitário (como
caracterizou Fleuri), com a finalidade de construir coletivamente novos saberes uteis à
transformação da realidade social, agregando uma característica contra-epistemológica ao
conhecimento produzido compartilhadamente.
Reconhecemos que, a escolha por trabalhar a partir da obra de apenas três autores, com a
definição prévia de categorias, incorre na imposição de limites ao estudo em questão. Por esse
ângulo, salienta-se que, faz-se oportuna a ampliação futura deste estudo, como forma de
englobar o referencial de outros autores e, possivelmente, aprofundar ainda mais o processo
reflexivo e analítico do mesmo, com ênfase nos distanciamentos, discordâncias, aproximações
e complementariedades de tais pressupostos teóricos.
Referências