Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul
Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul
Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul
Porto Alegre
2012
ii
Banca Examinadora
AGRADECIMENTOS
Agradeço com toda a sinceridade a todos aqueles que de alguma forma me ajudaram a
vencer todas as dificuldades e contribuíram para a concretização deste trabalho, em especial...
Ao professor Luiz Fernando Cybis, pela orientação, confiança, oportunidade, apoio e
ensinamentos fundamentais transmitidos.
Ao IPH, pela oportunidade de aperfeiçoamento.
Ao CNPq, por conceder-me bolsa de mestrado.
À FEPAM, pela disponibilização dos processos administrativos para consulta e pela
concessão de diversos dados técnicos, e principalmente aos funcionários do Setor de
Protocolo e do Serviço da Região do Guaíba, pela grande prestatividade e colaboração.
Aos produtores rurais e aos funcionários do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Santa Rosa, pela ótima receptividade e boa vontade em conceder-me importantes informações
à pesquisa.
Às empresas produtoras de óleo degomado e de biodiesel de soja visitadas e seus
funcionários, pelo excelente atendimento e pela cooperação no fornecimento de dados
essenciais à execução deste trabalho.
Ao doutorando e colega, Rafael Zortea, pela fundamental participação, contribuição e
apoio no desenvolvimento deste trabalho e, igualmente, pela amizade e bons momentos de
convívio.
Aos colegas da FMMA de Gravataí, especialmente ao pessoal do setor de
Fiscalização, pelo grande apoio e compreensão pelos atrasos e ausências inevitáveis durante a
realização deste trabalho.
A todos os meus amigos, pela amizade sincera e constante, pelo apoio nas horas
difíceis e pelos incontáveis bons momentos, com muitos churras, comemorações, viagens,
futebol e, principalmente, muitas risadas. Em especial, aos meus amigos de infância que
cresceram junto comigo (aprontando nos “prédios”) e até hoje torcem por mim.
À minha namorada, Gabriela, não só por ter sido uma pessoa essencial na realização
deste curso, me dando força nos momentos de desânimo, me fazendo companhia nas noites
em claro e tornando tudo mais fácil de ser resolvido com seus pensamentos positivos, mas
também pelo amor, carinho, amizade e muitos momentos felizes que tem me proporcionado.
Aos meus pais, Ingo e Leni, pelo amor incondicional e por toda a dedicação,
confiança, carinho, educação e ensinamentos de vida que me desenvolveram como pessoa e
sustentam a minha caminhada em todos os sentidos. Também ao meu irmão, Yuri, pela
amizade, apoio e presença permanente.
v
RESUMO
ABSTRACT
Water is an essential element for sustaining life on the planet that, due to several
factors, is increasingly being consumed around the world. Even in countries with abundant
water resources, such as Brazil, may be noted that there is a growth in problems related to the
scarcity. Thus, the assessment of water use in the life cycle of products and services becomes
an important management tool, mainly when related to products derived from agricultural
crops, such as biodiesel. However, among the existing techniques that allows performing this
type of analysis, the water use or is neglected for lack of a consistent methodological
framework, as in studies of the Life Cycle Analysis (LCA), or has not been addressed widely
in Brazil, as in the case of the Water Footprint. In this context, this study had as main
objective evaluate the water use in the life cycle of soybean biodiesel produced in Rio Grande
do Sul, through the application of the Water Footprint and the construction of a specific
inventory for water resources that can subsequently be used in LCA studies. For this purpose,
were collected data related to quantitative and qualitative characteristics of water flows that
compose each phase of the supply chain investigated, including the simulation of soil water
balance performed for soybean cultivation. Based on this information, could be identified,
considering the scope of this work, that the value of total Water Footprint of production one
liter of soybean biodiesel was 19785,4 liters, consisting of 7,8 liters of Blue Water, 8089,6
liters of Green Water and 11688 liters of Grey Water. With respect to the inventory of LCA,
the results obtained for the same functional unit indicated that in the life cycle studied there is
the consumptive use of 7,8 liters and the degradative use of 240 liters, of which 94% return
with quality still useful for several uses, such as irrigation of non-food crops. In general, the
results of both methods indicated that the stage where occurs the most intensive water use is
the agricultural phase and that the main way to decrease the water availability was through the
degradation of its quality. Finally, it was also identified that the main differences and
limitations of the tools employed in this study are related to accounting the consumption of
rainwater and to the form of the water pollution quantification.
vii
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 1
2 OBJETIVOS......................................................................................................................... 4
3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ........................................................................................... 5
3.1 ÁGUA ............................................................................................................................... 5
3.1.1 A Situação dos Recursos Hídricos ........................................................................... 5
3.1.2 Usos Múltiplos da Água ........................................................................................ 10
3.1.3 Gestão dos Recursos Hídricos ............................................................................... 15
3.1.4 Ciclo Hidrológico .................................................................................................. 18
3.1.5 Água e a Demanda Energética ............................................................................... 24
3.2 MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DO USO DA ÁGUA ................................................... 26
3.2.1 Pegada Hídrica ....................................................................................................... 27
3.2.1.1 Características Gerais ............................................................................... 27
3.2.1.2 Metodologia da Pegada Hídrica ............................................................... 31
3.2.1.3 Pegada Hídrica e Bioenergia .................................................................... 38
3.2.2 Análise do Ciclo de Vida (ACV) .......................................................................... 42
3.2.2.1 Características Gerais ............................................................................... 42
3.2.2.2 Metodologia da ACV ................................................................................. 44
3.2.2.3 ACV e o Uso da Água ................................................................................ 48
3.3 BIODIESEL .................................................................................................................... 55
3.3.1 Introdução .............................................................................................................. 55
3.3.2 A Situação do Biodiesel......................................................................................... 56
3.3.3 Cadeia Produtiva do Biodiesel............................................................................... 58
3.3.4 Matéria-Prima do Biodiesel ................................................................................... 62
3.3.4.1 Soja ............................................................................................................ 64
4 ESTUDO DE CASO .......................................................................................................... 68
4.1 DEFINIÇÕES GERAIS .................................................................................................. 68
4.1.1 Objetivos ................................................................................................................ 68
4.1.2 Unidade funcional e fluxo de referência ................................................................ 69
4.1.3 Sistema de produto e delimitação das fronteiras ................................................... 69
4.1.3.1 Subsistema da fase agrícola ...................................................................... 71
4.1.3.2 Subsistema da fase de produção do óleo degomado ................................. 75
4.1.3.3 Subsistema da fase de fabricação do biodiesel ......................................... 77
viii
LISTA DE TABELAS
Tabela 3.1 – Disponibilidade de recursos hídricos renováveis, por região geográfica ........... 8
Tabela 3.2 – Quadro geral da extração de recursos hídricos renováveis no mundo, por região
geográfica, com dados de 2000, em unidades de km³ por ano ......................... 13
Tabela 3.3 – Características gerais das unidades produtoras de biodiesel localizadas no Rio
Grande do Sul ................................................................................................... 61
Tabela 3.4 – Características gerais das principais culturas oleaginosas com potencial de uso
na produção de biodiesel dentro do território brasileiro ................................... 63
Tabela 4.1 – Produtos e substâncias utilizadas na fase de cultivo da soja, por etapa, com
indicação da fonte de pesquisa e/ou da justificativa ......................................... 73
Tabela 4.2 – Características gerais do ciclo de vida dos insumos envolvidos no subsistema
da fase agrícola ................................................................................................. 74
Tabela 4.3 – Características gerais do ciclo de vida dos insumos envolvidos no subsistema
da fase de produção do óleo degomado ............................................................ 76
Tabela 4.4 – Características gerais do ciclo de vida dos insumos envolvidos no subsistema
da fase de fabricação do biodiesel .................................................................... 79
Tabela 4.5 – Definição dos tipos de uso da água considerados no uso degradativo ............. 89
Tabela 4.6 – Relação de funcionalidade entre as categorias de classificação e os tipos de uso
da água considerados no uso degradativo ......................................................... 90
Tabela 4.7 – Fontes dos dados utilizados no ciclo de vida dos insumos envolvidos na fase
agrícola, relacionados aos fluxos de materiais e de água, com os valores dos
coeficientes de retorno (CR) utilizados............................................................. 93
Tabela 4.8 – Valores quantitativos dos fluxos de água, para a produção unitária dos insumos
envolvidos no subsistema da fase agrícola, separados pelos principais
processos produtivos ......................................................................................... 96
Tabela 4.9 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, na produção dos
insumos da cadeia produtiva do calcário dolomítico ........................................ 96
Tabela 4.10 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
cadeia produtiva da ureia, com valores específicos para os principais processos
produtivos ......................................................................................................... 97
Tabela 4.11 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
cadeia produtiva do SSP, com valores específicos para os principais processos
produtivos ......................................................................................................... 97
x
Tabela 4.12 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
cadeia produtiva do KCl, com valores específicos para os principais processos
produtivos ......................................................................................................... 97
Tabela 4.13 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
cadeia produtiva do óleo diesel ......................................................................... 98
Tabela 4.14 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos nas
cadeias produtivas dos defensivos agrícolas ..................................................... 98
Tabela 4.15 – Valores volumétricos resultantes da simulação do balanço hídrico do solo, para
o cultivo de um hectare de soja, em Santa Rosa – RS, no período de 15 de
novembro a 25 de março, com dados climáticos de 2000 a 2011................... 100
Tabela 4.16 – Concentração dos parâmetros qualitativos do fluxo de saída de água da etapa
de cultivo da soja ............................................................................................ 102
Tabela 4.17 – Consumo de óleo diesel, por operação, no cultivo da soja ............................. 103
Tabela 4.18 – Resultados dos fluxos de massa do subsistema da fase agrícola .................... 104
Tabela 4.19 – Fontes dos dados utilizados no ciclo de vida dos insumos envolvidos na fase de
produção do óleo degomado, relacionados aos fluxos de materiais e de água,
com os valores dos coeficientes de retorno (CR) utilizados ........................... 105
Tabela 4.20 – Valores quantitativos dos fluxos de água, para a produção unitária dos insumos
envolvidos no subsistema da fase de produção do óleo degomado, separados
pelos principais processos produtivos ............................................................. 106
Tabela 4.21 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
cadeia produtiva do hexano, com valores específicos para os principais
processos produtivos ....................................................................................... 106
Tabela 4.22 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
cadeia produtiva da energia elétrica e na produção dos insumos da cadeia
produtiva da lenha (biomassa) ........................................................................ 106
Tabela 4.23 – Valores quantitativos dos fluxos de água, por processo industrial, na etapa de
produção do óleo degomado ........................................................................... 108
Tabela 4.24 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
etapa de produção do óleo degomado ............................................................. 109
Tabela 4.25 – Resultados dos fluxos de massa do subsistema da fase de produção do óleo
degomado ........................................................................................................ 109
Tabela 4.26 – Fontes dos dados utilizados no ciclo de vida dos insumos envolvidos na fase de
fabricação do biodiesel, relacionados aos fluxos de materiais e de água, com os
valores dos coeficientes de retorno (CR) utilizados ....................................... 110
xi
Tabela 4.27 – Valores quantitativos dos fluxos de água, para a produção unitária dos insumos
envolvidos no subsistema da fase de fabricação do biodiesel, separados pelos
principais processos produtivos ...................................................................... 111
Tabela 4.28 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
cadeia produtiva do metanol ........................................................................... 112
Tabela 4.29 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
cadeia produtiva do metilato de sódio, com valores específicos para os
principais processos produtivos ...................................................................... 112
Tabela 4.30 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
cadeia produtiva do hidróxido de sódio, com valores específicos para os
principais processos produtivos. ..................................................................... 112
Tabela 4.31 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
cadeia produtiva do ácido clorídrico, com valores específicos para os principais
processos produtivos ....................................................................................... 113
Tabela 4.32 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
cadeia produtiva do ácido fosfórico, com valores específicos para os principais
processos produtivos ....................................................................................... 113
Tabela 4.33 – Valores quantitativos dos fluxos de água, por processo industrial, na etapa de
fabricação do biodiesel ................................................................................... 115
Tabela 4.34 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
etapa de fabricação do biodiesel ..................................................................... 115
Tabela 4.35 – Resultados dos fluxos de massa do subsistema da fase de fabricação do
biodiesel .......................................................................................................... 116
Tabela 4.36 – Dados e resultados relacionados aos procedimentos de alocação .................. 117
Tabela 4.37 – Inventário final dos fluxos de materiais, para cada subsistema do ciclo de vida
do biodiesel de soja, com e sem a aplicação dos fatores de alocação ............. 117
Tabela 4.38 – Resultados finais da Pegada Hídrica, para o subsistema da fase agrícola ...... 120
Tabela 4.39 – Resultados finais da Pegada Hídrica, para os subsistemas das fases de produção
do óleo degomado e de fabricação do biodiesel ............................................. 122
Tabela 4.40 – Análise de contribuição das etapas do ciclo de vida do biodiesel de soja, por
componente da Pegada Hídrica ....................................................................... 126
Tabela 4.41 – Análise das regiões com uso mais intensivo da água, envolvidas no ciclo de
vida do biodiesel de soja, conforme valor total da Pegada Hídrica e dos
componentes Verde, Azul e Cinza .................................................................. 127
Tabela 4.42 – Resultados finais do ICV, para o subsistema da fase agrícola ........................ 132
xii
Tabela 4.43 – Resultados finais do ICV, para os subsistemas das fases de produção do óleo
degomado e de fabricação do biodiesel .......................................................... 133
Tabela 4.44 – Análise de contribuição das etapas do ciclo de vida do biodiesel de soja, de
acordo com a forma de uso da água considerada no ICV ............................... 137
Tabela A.1 – Limites de concentração dos parâmetros de qualidade da água, por tipo de uso
da água, incluindo as referências das fontes dos dados .................................. 163
Tabela A.2 – Limites de concentração dos parâmetros de qualidade da água, por categoria de
classificação do uso degradativo ..................................................................... 165
Tabela B.1 – Valores médios decendiais das variáveis climáticas utilizadas na simulação do
balanço hídrico do sistema solo-planta-atmosfera, para o cultivo da soja, em
Santa Rosa - RS .............................................................................................. 167
Tabela C.1 – Consumo de óleo diesel, nas etapas de transporte dos materiais, considerando o
sistema de produto definido para este estudo e a produção de 1 litro de
biodiesel de soja .............................................................................................. 168
xiii
LISTA DE FIGURAS
Figura 3.21 – Produção de soja no Rio Grande do Sul, por município, na média de 2004 a
2006................................................................................................................... 66
Figura 4.1 – Fluxograma da cadeia produtiva do biodiesel de soja, com indicação da
fronteira do sistema de produto considerado no presente estudo ..................... 70
Figura 4.2 – Fluxograma das etapas incluídas no subsistema da fase agrícola ..................... 72
Figura 4.3 – Fluxograma do processo industrial de fabricação do óleo degomado .............. 76
Figura 4.4 – Fluxograma das etapas incluídas no subsistema da fase de produção do óleo
degomado .......................................................................................................... 77
Figura 4.5 – Fluxograma do processo industrial de fabricação do biodiesel ........................ 78
Figura 4.6 – Fluxograma das etapas incluídas no subsistema da fase de fabricação do
biodiesel ............................................................................................................ 80
Figura 4.7 – Fluxograma simplificado do uso da água, no processo industrial de fabricação
do óleo degomado ........................................................................................... 107
Figura 4.8 – Fluxograma simplificado do uso da água, no processo industrial de fabricação
do biodiesel ..................................................................................................... 114
Figura 4.9 – Composição da Pegada Hídrica total e dos componentes Água Verde, Azul e
Cinza, do subsistema da fase agrícola............................................................. 121
Figura 4.10 – Composição da Pegada Hídrica total e dos componentes Água Azul e Cinza, do
subsistema da fase de produção do óleo degomado........................................ 123
Figura 4.11 – Composição da Pegada Hídrica total e dos componentes Água Azul e Cinza, do
subsistema da fase de fabricação do biodiesel ................................................ 124
Figura 4.12 – Contribuição da Água Verde, Azul e Cinza, para o valor total da Pegada
Hídrica do biodiesel de soja ............................................................................ 125
Figura 4.13 – Contribuição dos três subsistemas analisados, para os componentes Água
Verde, Azul e Cinza, e para o valor total da Pegada Hídrica.......................... 126
Figura 4.14 – Composição do uso consuntivo e degradativo da água, no ICV do subsistema
da fase agrícola ............................................................................................... 132
Figura 4.15 – Composição do uso consuntivo e degradativo da água, no ICV do subsistema
da fase de produção do óleo degomado .......................................................... 134
Figura 4.16 – Composição do uso consuntivo e degradativo da água, no ICV do subsistema
da fase de fabricação do biodiesel .................................................................. 135
Figura 4.17 – Contribuição das formas de uso da água do ICV gerado neste estudo,
considerando as categorias de classificação do uso degradativo .................... 136
Figura 4.18 – Contribuição dos três subsistemas analisados, para o uso consuntivo e
degradativo da água ........................................................................................ 136
xv
NPK Nitrogênio-Fósforo-Potássio
WTA Withdrawal-to-availability
xvii
LISTA DE SÍMBOLOS
Kc Coeficiente de cultura
γ Constante psicrométrica
ea Pressão de vapor
p Fração da água existente no solo que pode ser utilizada pela planta, sem
haver um gasto energético excessivo
d Dia de plantio
fc Fim da colheita
1 INTRODUÇÃO
Os principais problemas ambientais que podem ser gerados por estes cenários de
crescimento da demanda por água e energias renováveis são os impactos aos recursos hídricos
e os danos decorrentes do esgotamento dos mesmos, causados pelo alto consumo de água que
ocorre na produção dos biocombustíveis. No caso do biodiesel, isso ocorre, sobretudo, porque
sua principal matéria-prima é o óleo proveniente das culturas oleaginosas, como a soja, as
quais, dependendo das condições climáticas locais, da produtividade requerida e do sistema
de produção, necessitam de grandes quantidades de água e insumos para se sustentarem.
Portanto, isso inclui, muitas vezes, a utilização da irrigação e da aplicação intensiva de
fertilizantes para se obter um desenvolvimento satisfatório, o que pode resultar na diminuição
da disponibilidade e da qualidade dos recursos hídricos.
Por esse motivo, pela perspectiva da conservação dos recursos hídricos, fica clara a
necessidade de se desenvolver e aplicar técnicas de gestão ambiental, que sejam capazes de
avaliar a sustentabilidade do biodiesel e da implementação de estratégias e políticas de
incentivo à produção do mesmo; ou ainda, que possam ser utilizadas para o fornecimento de
informações importantes de suporte a futuras decisões de gestão e que possibilitem aos
usuários a obtenção de um melhor entendimento de suas relações com as bacias hidrográficas.
Dentro deste contexto, as metodologias da Pegada Hídrica e da Análise do Ciclo de Vida
(ACV) podem ser muito úteis tanto para entidades públicas como para empresas particulares e
consumidores, uma vez que, de modo geral, possibilitam avaliar e comparar o uso da água
durante toda a “vida” de qualquer produto ou serviço, ou seja, desde a obtenção da matéria-
prima até sua destinação final.
Com relação à Pegada Hídrica, esta é uma metodologia que foi desenvolvida para ser
aplicada especificamente na questão da utilização dos recursos hídricos, a qual fornece um
indicador volumétrico do consumo direto e indireto da água de qualquer produto ou grupo de
consumidores, produzindo resultados discriminados, conforme a fonte e as condições locais.
Entretanto, apesar de ser amplamente aceita e empregada por diversos países e empresas
multinacionais, no Brasil o potencial desta técnica ainda é pouco explorado.
No caso da ACV, apesar de ser uma ferramenta de gestão ambiental consolidada e
capacitada para avaliar e mensurar os principais aspectos e impactos ambientais de produtos e
serviços, tradicionalmente não tem abordado o uso da água e as consequências de seu
esgotamento de forma suficientemente detalhada e abrangente. Por esse motivo, atualmente
estão sendo realizados diversos estudos específicos desta técnica, focados em desenvolver
métodos mais apropriados tanto para a fase de obtenção e organização dos dados como para a
de avaliação de impactos ambientais.
3
2 OBJETIVOS
3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Para que haja um correto entendimento do que foi desenvolvido neste trabalho, antes
de tudo é necessário esclarecer algumas questões e revisar conceitos importantes, que estão
diretamente relacionados com o tema abordado. Dessa forma, o presente capítulo foi
organizado de modo a apresentar aspectos relevantes sobre a água, os métodos de avaliação
do uso da mesma e o biodiesel.
No primeiro item, foi realizada uma contextualização dos recursos hídricos,
abrangendo a situação de disponibilidade, utilização e gestão dos mesmos, além de abordar
conceitos e características do ciclo hidrológico. Depois disso, foi feita uma revisão do estado
da arte das metodologias de Análise do Ciclo de Vida (ACV) e de Pegada Hídrica, com
enfoque na aplicação para a avaliação do uso da água em cadeias produtivas. Por fim, também
foram apresentadas informações sobre a produção de biodiesel, incluindo as principais
matérias-primas, o processo de fabricação e a situação atual.
3.1 ÁGUA
frequentes e com maior gravidade. A partir de algumas estimativas, verifica-se que os padrões
atuais de uso dos recursos hídricos se tornaram insustentáveis, pois em torno de 5 a 25% do
consumo de água no mundo excede a capacidade de renovação dos corpos hídricos. Em
regiões mais específicas, como o Norte da África e o Oriente Médio, mais de um terço de toda
a água são utilizadas de forma insustentável (WHO, 2005). O mapa da Figura 3.1 mostra a
situação geral dos recursos hídricos renováveis, relacionados com a proporção em que são
extraídos para atender à demanda mundial, destacando as regiões mais críticas.
Esse aumento nos padrões de utilização da água é influenciado por diversos fatores,
sendo que os principais são: crescimento demográfico; desenvolvimento econômico;
mudanças sociais; políticas, leis e sistema financeiro; e mudanças climáticas. Estes, por sua
vez, direcionam a demanda hídrica pelos setores usuários, que incluem, entre outros, a
agricultura, a energia e a indústria, além da própria necessidade dos ecossistemas (WWAP,
2009).
Assim, pode-se dizer que um dos maiores fatores que contribui para o aumento do
consumo de água é o crescimento da população, através da maior demanda por alimentos,
energia, bens e serviços industrializados e a competição por terras e recursos naturais. Em
paralelo, está o crescimento econômico e o aumento nos padrões de vida da população,
principalmente em países em desenvolvimento, uma vez que, com maior rendimento, as
pessoas consomem mais e exigem produtos e serviços com maior sofisticação, os quais
utilizam mais água no processo de fabricação (GALLOPÍN e RIJSBERMAN, 2000).
7
brasileira, o que resulta numa média de 533.096 m³/ano/hab. Enquanto isso, a região
hidrográfica Atlântico Nordeste Oriental possui média inferior a 1.200 m³/ano/hab., sendo
que, em algumas unidades hidrográficas, são registrados valores menores que 500 m³/ano/hab.
Outro cenário crítico também é observado na bacia do Alto Tietê (região hidrográfica Paraná)
e nos rios que deságuam na Baía de Guanabara (região Atlântico Sudeste) onde, devido à
densidade populacional, a média chega a valores menores que 500 m³/hab./ano. A Figura 3.3
mostra a situação destas regiões hidrográficas, em termos de vazão média anual por habitante.
com situação mais crítica estão localizadas próximas da Região Metropolitana de Porto
Alegre, onde ocorrem grande consumo e degradação da qualidade pelo abastecimento urbano
e industrial, e na Região Sudoeste do Estado, devido, principalmente, à irrigação (ANA,
2007).
Figura 3.4 – Situação dos principais rios do Rio Grande do Sul, através da relação entre
demanda e disponibilidade de água.
(Fonte: adaptado de ANA, 2007).
Diante deste quadro geral, percebe-se claramente que a situação dos recursos hídricos
é delicada e até preocupante em quase todas as regiões do mundo, principalmente se
considerarmos as necessidades futuras. O último relatório da ONU indica que, atualmente, o
gerenciamento da água ao redor do mundo é inadequado, assim como a eficiência no uso da
água e a implementação de medidas ambientais de redução da poluição são insuficientes.
Com isso, é previsto que, em 2030, 47% da população mundial viverá em áreas com alto
estresse hídrico e mais de 67% (5 bilhões de pessoas) ainda podem estar sem saneamento
adequado (WWAP, 2009).
O “uso da água” é um termo geral que descreve qualquer ação através da qual a água
proporciona um serviço ou exerce uma função. Existem diferentes tipos de uso, os quais são
classificados, na maioria dos estudos, nas seguintes categorias: uso direto no curso d’água ou
fora do curso d’água; uso consuntivo ou não consuntivo; e uso degradativo (KOHLI et al.,
2010).
11
O uso direto no curso d’água (“in-stream”) refere-se ao uso in situ da água, o qual,
geralmente, é realizado diretamente sobre os recursos hídricos superficiais. Portanto, nesse
tipo de uso não há extração da água, como, por exemplo, a navegação, a geração de energia
hidrelétrica, a diluição de efluentes, a manutenção de ecossistemas, entre outros. Já o uso fora
do curso d’água (“off-stream”), ocorre quando a água é removida de sua fonte para um uso
específico, podendo ser proveniente de águas superficiais (ex.: rios, lagos, etc.), águas
subterrâneas renováveis (ex.: aquífero) e não renováveis (ex.: reservas fósseis), além de águas
reutilizadas (ex.: efluentes tratados e água de drenagem agrícola) e outras fontes não
convencionais, como a água dessalinizada (WOMACH, 2005).
Os usos não consuntivos são aqueles que não implicam no consumo da água, ou seja,
depois de usada, a água retorna totalmente ao sistema e fica disponível para outros usos. Entre
os diversos usos não consuntivos podemos citar, como exemplo, a navegação, a recreação e
lazer, a aquicultura e, em alguns casos, a produção de energia hidrelétrica. Os usos
consuntivos, por sua vez, resultam em uma redução substancial (consumo) na quantidade de
água que retorna ao sistema após a extração, sendo que os principais exemplos deste tipo de
uso são o abastecimento público e doméstico, os usos industriais, a irrigação e as atividades
rurais (dessedentação de animais). Por fim, o uso degradativo da água representa a poluição
hídrica, que envolve a alteração da qualidade natural dos corpos hídricos, ocasionado pelo
descarte excessivo de substâncias, como por exemplo, o lançamento de efluentes de uma
indústria ou a lixiviação de um aterro sanitário (BERGER e FINKBEINER, 2010; KOHLI et
al., 2010).
Entre estes diferentes tipos de uso da água, os usos consuntivos e degradativos, nos
setores agrícola, industrial e doméstico (urbano), são os que exercem maior pressão sobre os
sistemas naturais. Por esse motivo, a maioria dos estudos realizam estimativas e avaliações do
uso da água considerando apenas os dados dos usos classificados nestas categorias (BERGER
e FINKBEINER, 2010).
De modo geral, um parâmetro utilizado tradicionalmente como indicador dos impactos
do uso da água pela população é a quantidade total de água extraída, por pessoa, em um país.
Estes valores podem variar de 20 m³/ano em Uganda, a mais de 5.000 m³/ano no
Turcomenistão, sendo que a média mundial é de 600 m³/ano. O mapa da Figura 3.5 mostra a
situação mundial da extração anual de água, por pessoa, em cada país. A partir dessa
ilustração, nota-se claramente que o volume extraído nas regiões áridas e semiáridas são
maiores que nas regiões tropicais. Além disso, também se pode perceber que os países
desenvolvidos utilizam muito mais água que os países em desenvolvimento e
subdesenvolvidos. A justificativa para essa diferença está na grande necessidade de irrigação
12
para a produção agrícola nas localidades com clima seco e na maior demanda de água
necessária para a fabricação de produtos mais sofisticados (WWAP, 2009).
Figura 3.5 – Extração anual de água por habitante, em cada país, com dados de 2000.
(Fonte: WWAP, 2009).
para este uso está relacionado, principalmente, à alta taxa de urbanização e ao percentual de
cobertura do abastecimento, que atinge 94,7%. Dessa forma, o uso urbano está associado a
problemas de excessiva demanda em regiões metropolitanas, como a do rio Tietê, em São
Paulo, e a do lago Guaíba, em Porto Alegre, bem como à alta degradação da qualidade dos
cursos d’água, ocasionada pela grande quantidade de carga orgânica lançada nos mesmos
(ANA, 2011; LANNA, 1997a).
Tabela 3.2 – Quadro geral da extração de recursos hídricos renováveis no mundo, por região
geográfica, com dados de 2000, em unidades de km³ por ano.
Setores Usuários
Caribe 9 69 1 8 3 23
Oceania 18 73 3 12 5 19
Figura 3.6 – Contribuição dos principais setores usuários de água, em percentagem, relativo à
extração e ao consumo no Brasil.
(Fonte: adaptado de ANA, 2011).
Figura 3.7 – Vazão de água extraída para a irrigação, por unidade hidrográfica de área.
(Fonte: ANA, 2007).
metas previstas; (f) prioridades para outorga de direitos de uso; (g) diretrizes e critérios para a
cobrança pelo uso dos recursos hídricos; (h) propostas para a criação de áreas sujeitas a
restrição de uso (BRASIL, 1997).
Em nível nacional, o conjunto de diretrizes, metas e programas relacionados à gestão
das águas foi determinado no Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), construído em
2006. Este plano envolve um conjunto estratégico de ações e relações interinstitucionais,
instrumentos da Política, informações e ferramentas de apoio à decisão, que devem ser
implementadas pela União para a gestão dos recursos hídricos do país. Os principais objetivos
deste plano são assegurar: (a) a melhoria das disponibilidades hídricas, superficiais e
subterrâneas, em qualidade e quantidade; (b) a redução dos conflitos reais e potenciais de uso
da água, bem como dos eventos hidrológicos críticos; e (c) a percepção da conservação da
água como valor socioambiental relevante (BRASIL, 2006).
Quanto ao enquadramento dos corpos d’água em classes, este é um instrumento que
objetiva estabelecer o nível de qualidade a ser alcançado e/ou mantido ao longo do tempo, de
maneira adequada para atender as necessidades definidas pela sociedade. Além disso, também
pretende diminuir os custos de combate à poluição e assegurar a saúde humana e o equilíbrio
ecológico (LEEUWESTEIN e MONTEIRO, 2001). Os padrões de qualidade da água,
estabelecidos para as diferentes formas de uso, são determinados pela Resolução CONAMA
nº 357/2005 (CONAMA, 2005).
A cobrança pelo uso da água é baseada no princípio usuário-pagador/poluidor-
pagador, com o objetivo de reconhecer o valor econômico dos recursos hídricos e incentivar a
racionalização do uso da água, captando, ao mesmo tempo, recursos financeiros para a
realização das intervenções necessárias. Dessa forma, qualquer usuário que utilize a água ou
prejudique sua qualidade deve pagar pelo uso de um bem que é público ou indenizar a
sociedade pela degradação da mesma (FERREIRA et al., 2008).
A outorga dos direitos do uso da água é um instrumento jurídico, pelo qual o Poder
Público, titular do domínio sobre os recursos hídricos, atribui ao interessado, por meio de uma
autorização administrativa, a possibilidade de usá-los privativamente. Com isso, pretende
assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício de acesso
à mesma (BRASIL, 1997; LANNA et al., 1997b).
O modelo de gestão dos recursos hídricos implementado no Brasil estipula, como
forma de alocação dos direitos de uso da água, a outorga por meio de controle ao usuário
(restrições de extração ou lançamento de efluentes) e de controle por objetivos (vazões
mínimas residuais e enquadramento dos corpos hídricos). Dessa forma, para cada caso devem
ser definidos critérios de outorga, com base na vazão de referência, que deve permanecer no
18
curso d’água para atender aos requisitos dos ecossistemas, e na priorização de demandas
determinadas nos Planos de Recursos Hídricos, os quais devem conter análises de alternativas
de crescimento demográfico e de evolução das atividades produtivas da bacia. Estas
avaliações de aumento na demanda por água, por sua vez, devem ser realizadas com dados
cadastrais de usuários ou, na ausência destes, a partir de censos setoriais, utilizando
estimativas de consumos específicos, como por exemplo, por habitante, por unidade de
produto fabricado, por hectare irrigado, etc. (LANNA et al., 1997b).
Com relação à outorga qualitativa, ou seja, destinada à diluição de efluentes líquidos,
verifica-se, através da Resolução n.º 16/2001, do CNRH, que a abordagem deve ser efetuada
com a reserva de uma vazão para a diluição dos poluentes emitidos, de modo que o corpo
hídrico mantenha sua qualidade dentro dos limites de concentração da classe em que estiver
enquadrado (CNRH, 2001).
a) Precipitação:
É a água proveniente do vapor da atmosfera, que é depositada na superfície terrestre
sob diferentes formas, como chuva, granizo, orvalho, neblina, neve ou geada. É a principal
maneira pela qual a água armazenada na atmosfera retorna para a superfície terrestre, sendo
responsável pela recarga da água subterrânea e pelo escoamento superficial. Além disso, a
19
Figura 3.8 – Ilustração dos processos hidrológicos que compõem o ciclo da água.
(Fonte: USGS, 2011).
b) Infiltração:
É o fenômeno de penetração da água nas camadas de solo próximas à superfície do
terreno, fazendo com que se mova para baixo, através dos vazios do solo. O desenvolvimento
deste processo depende da quantidade de água disponível, das características do solo
(densidade, porosidade, estrutura, etc.), do estado da superfície e das quantidades de água e ar
já presentes no solo. É possível distinguir duas zonas no processo de infiltração: a zona de
aeração, ou não saturada, e a zona saturada. A primeira é a zona mais superficial, em que a
20
água ainda pode ser evaporada, ser absorvida pelas raízes das plantas, ou se deslocar
verticalmente para camadas mais profundas. Quanto à zona saturada, esta é onde ocorre a
circulação da água, constituindo o lençol subterrâneo ou formando os aquíferos. Estes corpos
hídricos são muito importantes do ponto de vista dos recursos hídricos, uma vez que refletem
a produção de água na bacia hidrográfica durante os períodos de seca e formam importantes
reservatórios que podem ser bombeados e utilizados, principalmente, em regiões áridas e
semiáridas (TUCCI, 2004).
c) Escoamento superficial:
É o fluxo de água, gerado pelo excesso de precipitação, que escoa pela superfície do
solo. Este fluxo ocorre quando a capacidade de infiltração do solo é superada tanto pela sua
redução gradual como pela elevada intensidade da precipitação.
Assim, os fatores que influenciam neste processo são: características da precipitação,
como a intensidade; os atributos do solo, principalmente a permeabilidade; e as formas de
manejo do solo. O escoamento superficial é um dos componentes do ciclo hidrológico mais
importante para o gerenciamento de uma bacia hidrográfica, pois constitui a maior fonte de
recursos hídricos renováveis na maioria das regiões do planeta. Estima-se que em torno de
75% do uso global da água é derivada do escoamento superficial, sendo que um terço do total
disponível encontra-se na América Latina (PRUSKI et al., 2006).
d) Evaporação e Transpiração:
A evaporação é o processo pelo qual a água se transforma do estado líquido para o
gasoso, retornando da superfície do solo e dos corpos d’água (oceanos, lagos, rios, etc.) para a
atmosfera. A transpiração é o processo de evaporação devido à ação fisiológica dos seres
vivos, sobretudo dos vegetais, por meio dos estômatos localizados em suas folhas. A
ocorrência destes dois processos simultaneamente é denominada evapotranspiração (ALLEN
et al., 1998).
A evapotranspiração das plantas é a principal causa do alto consumo de água pela
agricultura, podendo variar entre diferentes culturas e condições climáticas, como
temperatura, umidade relativa do ar, velocidade do vento, quantidade de luz, entre outros
(ALLEN et al., 1998). Por esse motivo, a estimativa de variáveis relacionadas à
evapotranspiração dos cultivos agrícolas é de grande importância para avaliar tanto o
potencial de adaptação e rendimento da planta às condições ambientais da região de plantio
como os impactos aos recursos hídricos, principalmente em regiões com pouca
disponibilidade de água. Neste contexto, se destacam a (MATZENAUER et al., 2003):
21
( . )
( ) ( )
( . )
( )
Figura 3.10 – Ilustração dos principais fluxos de entrada e saída de água que compõem o
balanço hídrico do sistema solo-planta-atmosfera em um cultivo agrícola.
(Fonte: adaptado de USDA, 1993).
Dessa forma, o balanço hídrico diário para a zona radicular da cultura pode ser
representado pela Equação 3.3, onde e é a umidade volumétrica do solo no fim do dia
i e do dia anterior (i – 1), em mm; é a precipitação total no dia i, em mm; é o volume
de água da ascensão capilar no dia i, em mm; é o volume de água da irrigação, em mm, que
efetivamente atinge o solo e a cultura no dia i, ou seja, descontando as perdas que ocorrem no
sistema de irrigação; é a evapotranspiração real da cultura, ocorrida no dia i, em mm;
é a drenagem profunda, no dia i, em mm; e é o escoamento superficial, ocorrido no
dia i, em mm (USDA, 1993).
(3.3)
A partir dessa equação, nota-se que, se for possível conhecer o volume de água
armazenada no solo e os demais volumes de entrada e saída do sistema, poderá ser encontrado
o valor da evapotranspiração real da cultura, o qual, dependendo da disponibilidade de água,
24
poderá ser menor ou igual à evapotranspiração máxima calculada pela Equação 3.1. Para a
estimativa destes parâmetros, existem, atualmente, diversos modelos de simulação do balanço
hídrico, incluídos em programas computacionais, que vem apresentando resultados
satisfatórios. De forma geral, estes modelos possuem uma interface simples e são facilmente
executados, a partir da inserção de dados essenciais relacionados à caracterização hidráulica
do solo, da cultura e do clima (JOBIM e LOUZADA, 2009; LOUZADA, 2004; SOUZA e
GOMES, 2008).
Um dos programas mais conhecidos e utilizados no mundo é o CROPWAT, o qual é
baseado nas diretrizes estabelecidas pela FAO, descritas na publicação de Allen et al. (1998).
Neste modelo, a equação do balanço hídrico expressa a água disponível em um volume de
solo, determinado por uma área horizontal quadrada e pela altura ajustada à profundidade das
raízes do cultivo. Além disso, a água disponível para as plantas está relacionada à capacidade
de armazenamento do solo (CAD) e à sensibilidade da cultura ao déficit hídrico. Esta última
característica é expressa pela fração “p”, de depleção sem estresse, ou seja, é a fração da água
existente no solo que pode ser utilizada pela planta, sem haver um gasto energético excessivo.
Atualmente, água e energia são recursos que estão fortemente interligados. A água
desempenha um importante papel no desenvolvimento e uso dos recursos energéticos, sendo
necessária para a extração, refino, processamento, transporte e resfriamento, além de ter uso
direto, como no caso das hidrelétricas. Neste mesmo sentido, a energia também é fundamental
para o aproveitamento dos recursos hídricos, sendo utilizada no bombeamento, tratamento,
transporte e condicionamento final da água (USDE, 2006).
Além disso, a demanda energética e os recursos hídricos são afetados praticamente
pelos mesmos motivos: crescimento demográfico e desenvolvimento econômico, social e
tecnológico, incluindo as mudanças nos padrões de consumo. Neste contexto, o consumo de
energia fóssil também é o principal impulsionador das mudanças climáticas, as quais podem
interferir no ciclo hidrológico e ameaçar a sustentabilidade dos recursos hídricos (PATE et al.,
2007).
Em todo o mundo, nota-se uma forte tendência na procura por fontes alternativas de
energia. Um dos motivos desta mudança é o aumento na demanda global, onde se estima que,
se forem mantidas as políticas atuais, haverá um crescimento em torno de 55% até 2030,
sendo que os países em desenvolvimento serão responsáveis por 74% deste aumento
(WWAP, 2009). Somado a isso, a instabilidade e o aumento no preço da energia,
25
principalmente derivada do petróleo, faz com que muitos países estimulem a procura por
novas fontes, a fim de diminuir a dependência da importação. Outro fator importante, é a
implementação de políticas de incentivo à substituição das fontes tradicionais por energias
renováveis, devido aos recentes comprometimentos, principalmente dos países desenvolvidos,
em reduzir as emissões dos gases de efeito estufa, que contribuem com as mudanças
climáticas (GERBENS-LEENES et al., 2009a).
Esta inovação nos recursos energéticos é composta e dividida na seguinte maneira:
tecnologias da primeira geração (energia hidrelétrica e combustão de biomassa); da segunda
geração (aquecimento solar e energia eólica); e da terceira geração (energia solar concentrada,
energia dos oceanos, sistemas geotérmicos e sistemas integrados de bioenergia). Estima-se
que, até 2030, a participação destas novas fontes aumentará em 60% (USDE, 2006).
Dentre estas novas tecnologias, a bioenergia merece maior atenção, quando o assunto
é a relação entre recursos hídricos e energéticos. Isso porque esta energia é derivada de
matéria-prima biológica, como culturas de grãos, de açucareiras, de oleaginosas, de amido e
de celulose (gramíneas e árvores), as quais necessitam de grandes quantidades de água para se
desenvolverem. Entre os diferentes tipos de bioenergia, os biocombustíveis líquidos (etanol e
biodiesel), embora representem uma pequena porcentagem de todos os produtos
bioenergéticos, são de grande importância, devido à capacidade de substituir os combustíveis
fósseis (NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES, 2008).
Em termos globais, aproximadamente 10% do suprimento total de energia provêm da
biomassa, porém a maior parte (80%) é fornecida por fontes tradicionais, como madeira,
estrume e resíduos de cultivos agrícolas. Da bioenergia “moderna”, dois terços são produzidos
a partir de materiais vegetais frescos e resíduos orgânicos, que são utilizados para a produção
de eletricidade e calor. Dessa forma, apenas 5% da biomassa destinada à produção de energia
é utilizada para produzir biocombustível líquido, os quais representam atualmente menos de
2,7% da matriz energética mundial para transporte (REN21, 2011).
No entanto, nota-se claramente que a produção destes combustíveis está crescendo em
ritmo acelerado. A produção de etanol, a partir da cana-de-açúcar, milho, beterraba sacarina,
trigo e sorgo, triplicou entre 2000 e 2009, atingindo 86 bilhões de litros em 2010. O Brasil,
usando a cana-de-açúcar (54% do total cultivado), e os Estados Unidos, utilizando na maior
parte o milho, são os maiores produtores, representando 88% do suprimento global. Quanto à
produção de biodiesel, derivado de gordura animal ou do óleo de culturas como canola,
girassol, soja, palma ou pinhão manso, esta chegou a 19 bilhões de litros em 2010, com um
crescimento médio de 38%, nos últimos 5 anos. A União Europeia, com 53% do total, é o
26
centro da produção de biodiesel, destinando em torno de 47% do óleo vegetal produzido para
este setor (REN21, 2011).
Este cenário de expansão na produção de biocombustíveis, dependendo das políticas
locais e das condições agroclimáticas, pode causar grandes impactos quantitativos e
qualitativos sobre os recursos hídricos. Tais impactos seriam provocados, em sua maior parte,
pelo aumento na aplicação de fertilizantes e pela retirada excessiva de água destinada à
irrigação, os quais são necessários para melhorar a produtividade das culturas que servem de
matéria-prima. Dessa forma, essa situação pode resultar no crescimento da eutrofização dos
corpos hídricos e da competição com outros usos, além de diversos danos ao meio ambiente e
à saúde humana ocasionados pela falta de água. Além disso, a acidificação e a erosão do solo,
a perda de biodiversidade pela alteração no uso da terra e a alta toxicidade dos pesticidas
também são fatores que podem influenciar na qualidade e disponibilidade hídrica
(DOMINGUEZ-FAUS et al., 2009).
Diante deste cenário, em muitos países, como a Índia, China e Estados Unidos, os
impactos resultantes podem ser significativos, caso não haja um controle efetivo e não sejam
realizadas avaliações criteriosas na implementação de planos e políticas nacionais
(FRAITURE et al., 2008). No Brasil, apesar de ser muito pequena a quantidade de água usada
na irrigação de culturas para a produção de biocombustíveis, existem algumas localidades,
como a região sul do estado do Rio do Grande do Sul, em que a agricultura irrigada já é muito
praticada para a produção de comida (ver Figura 3.7), provocando situações preocupantes de
disponibilidade de água (ANA, 2011).
Nos últimos anos, diante do crescimento dos desafios relacionados à utilização dos
recursos hídricos em nível local, regional e global, há uma necessidade cada vez maior de se
avaliar este aspecto, de forma mais consistente, pelas instituições públicas e privadas e
também de se conscientizar os próprios consumidores. Por esse motivo, atualmente estão
sendo desenvolvidas diversas metodologias e ferramentas que podem ser utilizadas em
estudos de avaliação do uso da água, tais como (MORRISON et al., 2010):
Global Water Tool, da organização World Business Council for Sustainable
Development (WBCSD): é uma plataforma online, que faz o cruzamento de
informações sobre o uso coletivo da água, a descarga de efluentes e as instalações
industriais com dados das bacias hidrográficas e/ou dos países, como meio de
auxiliar na avaliação de riscos relacionados ao uso da água.
27
gestão dos recursos hídricos, a qual requer informações explícitas de tempo e espaço, com
valores volumétricos reais. Dessa forma, a alteração proposta não seria apropriada por esta
perspectiva, pois as informações fornecidas pelos resultados consistentes da Pegada Hídrica
original desapareceriam, se transformados em discutíveis índices de impacto agregado, sendo
isso apropriado apenas para estudos de ACV. Por fim, estes pesquisadores argumentam que,
para evitar confusões de objetivos e significados, deve ser mantido o termo “Pegada Hídrica”
somente para os valores volumétricos, que são úteis tanto para a gestão dos recursos hídricos
como para a fase de inventário da ACV, e, assim, deixar para nomear os resultados
ponderados somente como “índices do uso da água” na ACV (HOEKSTRA et al., 2011).
Portanto, ainda cabe salientar que, no decorrer deste trabalho, o termo “Pegada Hídrica” será
sempre relacionado à metodologia desenvolvida pela WFN.
Após a definição do conceito, pode-se dizer que a Pegada Hídrica tem por objetivo
permitir que os consumidores tenham um melhor entendimento de suas relações com as
bacias hidrográficas, prover informações às decisões de gestão e aumentar a conscientização
sobre os desafios da água no mundo. Dessa forma, essa metodologia foi desenvolvida como
uma ferramenta de contabilidade, que pode permitir a legisladores, planejadores e gestores
realizar o mapeamento e a quantificação do uso diversificado da água em um sistema
complexo (agrícola, urbano, industrial) e, assim, auxiliar no entendimento da relação do uso
da água com a sua disponibilidade e de como a água está sendo alocada entre os usuários,
para que suas decisões estejam mais bem fundamentadas. Como ferramenta analítica, a
Pegada Hídrica fornece conhecimento para ajudar as pessoas a entender o quê pode ser feito e
não para mostrar como fazer (MORRISON et al., 2010).
De forma resumida, a Pegada Hídrica é, então, dividida em três componentes diferentes
– Água Azul, Água Verde e Água Cinza – sendo que todos são expressos em unidades
volumétricas de água. Conforme Hoekstra et al., (2011), estes são definidos da seguinte
maneira:
Água Azul: é o volume de água doce, proveniente dos corpos hídricos superficiais e
subterrâneos, que é efetivamente consumido (uso consuntivo), ou seja, não retorna
ao sistema e, portanto, fica indisponível para uso na região em que foi extraído.
Dessa forma, este componente se refere a qualquer tipo de consumo (ex.:
evaporação, incorporação no produto final, etc.) que ocorrer com o uso da água de
rios, lagos, aquíferos, entre outros.
Água Verde: é o volume de água consumida proveniente do processo de
precipitação (chuva, neve, orvalho, etc.), após esta se infiltrar e ficar armazenada no
solo. Portanto, esta se refere basicamente ao consumo pela vegetação, incluindo os
30
cultivos agrícolas e florestais, uma vez que esta é a única forma de utilização desta
fonte de água.
Água Cinza: é um indicador da poluição hídrica, sendo medido pelo volume teórico
de água necessária para diluir os poluentes emitidos aos corpos hídricos, de modo
que estes permaneçam com um padrão de qualidade (concentração) previamente
estabelecido. Dessa forma, este componente é uma maneira de estimar a diminuição
da assimilação dos poluentes que um determinado corpo hídrico possui.
Para facilitar o entendimento da diferença entre estes componentes, será descrito, como
exemplo, o balanço hídrico de uma bacia hidrográfica, relacionado com a Pegada Hídrica de
um produto agrícola (Figura 3.11). De forma geral, após ser precipitada, uma parcela da água
que atinge o solo pode se infiltrar ou escoar, para formar os corpos hídricos e outra parte pode
ficar armazenada no mesmo. Depois disso, a água que permaneceu no solo pode ser
consumida pelo cultivo agrícola (evapotranspiração e incorporação), sendo contabilizada
como Água Verde, ou ser evapotranspirada pela vegetação nativa. Quanto à outra parte, esta
pode ser extraída artificialmente do corpo hídrico para a irrigação ou escoar e evaporar para
fora da bacia. Do volume total extraído, uma fração pode retornar, sem ser utilizada pelo
cultivo, e outra pode ser consumida de diferentes maneiras (Água Azul), incluindo a
evaporação nos canais de transporte, no armazenamento e na aplicação da irrigação, e a
evapotranspiração e incorporação no próprio cultivo. Além disso, as parcelas que escoam,
infiltram e retornam do que foi precipitado e extraído dos corpos hídricos carregam poluentes
originados pela aplicação de insumos no cultivo agrícola (fertilizantes, pesticidas, etc.), que
degradam a qualidade da água, constituindo a Água Cinza (HOEKSTRA et al., 2011).
Figura 3.11 – Esquematização dos componentes da Pegada Hídrica (Água Verde, Azul e
Cinza), relacionados ao balanço hídrico de uma bacia hidrográfica.
(Fonte: adaptado de HOEKSTRA et al., 2011).
31
Para que as escolhas feitas durante o estudo da Pegada Hídrica sejam o mais
transparente possível, deve-se começar com uma definição clara dos objetivos e escopo. Isso
porque, a Pegada Hídrica pode ser empregada para vários propósitos e em contextos
diferentes, como por exemplo, o governo de um país pode estar interessado em conhecer sua
dependência de recursos hídricos estrangeiros, ou o órgão gestor de uma região hidrográfica
pode estar interessado em saber se a Pegada Hídrica total das atividades humanas, dentro da
32
(3.4)
A Água Verde, conforme definido anteriormente, acaba sendo relevante apenas para
produtos e processos que envolvem alguma atividade agrícola ou florestal. Portanto, o cálculo
deste componente é realizado, basicamente, através do somatório do volume de água da
precipitação natural, que é evapotranspirada diariamente pela cultura (ETverde, m³ ou L),
durante todo o período de cultivo (do primeiro dia de plantio, d=1, ao fim da colheita, fc), e o
volume que fica incorporada na mesma (VIverde, m³ ou L) (Equação 3.5) (CHAPAGAIN e
HOEKSTRA, 2004).
∑ ( . )
33
( . )
Assim como na Água Verde, o consumo de água pela incorporação no produto (VIazul),
geralmente, representa um valor que não é significativo com relação à Água Azul total, por
esse motivo, a maioria dos estudos relacionados à este tema não inclui este elemento
(HOEKSTRA et al., 2011). Quanto ao componente ETazul, este considera o consumo tanto da
água de irrigação na agricultura (ETAagric., m³ ou L) como da água utilizada em processos
industriais (ETAind, m³ ou L) (Equação 3.7). Na fase agrícola, para simplificar a coleta de
dados, a maioria dos trabalhos de Pegada Hídrica consideram apenas o consumo diário da
água aplicada na irrigação, pela evapotranspiração da cultura (ETirrig, m³ ou L), durante todo o
período de cultivo (do primeiro dia de plantio, d=1, ao fim de colheita, fc) (CHAPAGAIN e
HOEKSTRA, 2007; CHAPAGAIN e HOEKSTRA, 2011; CHAPAGAIN e ORR, 2009;
ELENA e ESTHER, 2010; GERBENS-LEENES et al., 2009a, 2009b). Entretanto, nesse
cálculo também pode ser contabilizada a evaporação diária, que ocorre no sistema de
irrigação, incluindo o armazenamento (Earm, m³ ou L), o transporte (Etransp, m³ ou L) e a
aplicação (Eaplic, m³ ou L) da água (MISHRA e YEH, 2011), conforme Equação 3.8.
( . )
34
∑( ) ( . )
Ainda dentro da Água Azul da fase agrícola, os parâmetros Earm, Etransp e Eaplic podem
ser estimados com a obtenção da fração de perda destes sistemas, os quais dependem das
condições climáticas e da tecnologia empregada (MISHRA e YEH, 2011). Com relação ao
ETirrig, este pode ser determinado, de acordo com a Equação 3.9, pelo menor valor entre a
irrigação efetiva aplicada (Ief, m³ ou L) e o volume de irrigação exigido pelo cultivo para um
crescimento ótimo (Ic, m³ ou L). Nesse cálculo, o componente Ief é definido pela fração (fef,
adimensional) do volume total extraído (Itot, m³ ou L) que efetivamente atinge o solo e fica
disponível para as plantas (Equação 3.10), enquanto que o Ic pode ser determinado através da
mesma simulação do balanço hídrico do sistema solo-planta-atmosfera, mencionado para o
cálculo da Água Verde (HOEKSTRA et al., 2011).
( ) ( . )
( . )
outras vantagens, o acesso rápido às informações climáticas de estações espalhadas por todo o
mundo, que podem ser muito úteis, caso não haja informações mais específicas e precisas
(FAO, 2011).
Na fase industrial, a evaporação da Água Azul (ETAind) é obtida pelo somatório do
consumo de água, que ocorre em todos os processos de fabricação (Eproc, m³ ou L),
abrangendo, desde a entrada da matéria-prima (Início), até a saída do produto final (Fim). Este
consumo, por sua vez, pode ser calculado pela diferença do volume de água que entra (Vent, m³
ou L) e sai (Vsai, m³ ou L) de cada processo, como mostra a Equação 3.11 (HOEKSTRA et al.,
2011).
∑ ∑( ) ( . )
Além da quantificação da Água Azul, também podem ser feitas distinções entre as
diferentes fontes de água, caso seja relevante para o estudo. Até o momento, a classificação
que tem se mostrado com maior utilidade é a divisão entre água superficial, água subterrânea
renovável e água subterrânea fóssil (não renovável), as quais podem ser denominadas de
Água Azul Claro, Água Azul Escuro e Água Preta. No entanto, devido à falta de
disponibilidade de dados, esta classificação quase nunca é feita nos trabalhos de Pegada
Hídrica (ALDAYA e HOEKSTRA, 2010; HOEKSTRA et al., 2011; KAMPMAN, 2007).
Com relação à Água Cinza, deve ser observado que, conforme definição apresentada
anteriormente, o resultado deste componente tem por objetivo apenas indicar a gravidade da
poluição dos corpos hídricos em unidade volumétrica, portanto não mostra o volume real de
água poluída. Por esse motivo, quando, por exemplo, o valor da Água Cinza excede a vazão
do corpo hídrico existente, isso apenas significa que a poluição esta maior que a capacidade
de assimilação do mesmo. Por outro lado, se o valor resultante é maior que zero, mas menor
que o fluxo de água existente, isso quer dizer que há um consumo da capacidade de
assimilação, porém ainda existe água suficiente para diluir a poluição para uma concentração
abaixo da que foi previamente estabelecida pela legislação vigente para o corpo hídrico em
questão (HOEKSTRA et al., 2011).
Do mesmo modo que a Água Azul, a AC é determinada pelos valores encontrados na
fase industrial (ACind) e na fase agrícola (ACagric) de uma certa cadeia produtiva (Equação
3.12). Na fase industrial, geralmente a poluição hídrica é caracterizada por ser de fonte
pontual, ou seja, ocorre em um local específico onde há o lançamento do efluente. Assim, o
36
valor da ACind pode ser estimado de acordo com a Equação 3.13, onde Vefl (m³ ou L) e Vafl (m³
ou L) são os volumes do efluente produzido e da água extraída (afluente); cefl (g/m³ ou mg/L) e
cafl (g/m³ ou mg/L) são as concentrações do poluente presente no efluente e no afluente; cmax
(g/m³ ou mg/L) é a concentração máxima permitida para o poluente no corpo hídrico receptor
pelo padrão de qualidade do ambiente aquático existente; e cnat (g/m³ ou mg/L) é a
concentração natural do poluente no corpo hídrico receptor, ou seja, quando não há
interferência antrópica no mesmo (ALDAYA e HOEKSTRA, 2010; CHAPAGAIN e
HOEKSTRA, 2011; GERBENS-LEENES e HOEKSTRA, 2009).
( . )
( . )
( . )
37
Figura 3.13 – Esquematização geral dos dados necessários ao cálculo da Pegada Hídrica de
biocombustíveis.
(Fonte: adaptado de MEEKEREN, 2008).
Produtividade biológica total (ton./ha): a relação deste fator com o teor de “água
virtual” no biocombustível também é complexa, pois a produtividade do cultivo vai
depender muito do sistema de produção utilizado pelo agricultor, além das
condições climáticas e das características do cultivo. Geralmente, quanto maior for
a produtividade da cultura, menor será a Pegada Hídrica do produto final. Na
prática, o que ocorre, normalmente, é que para alcançar maiores rendimentos na
safra, torna-se necessário suprir o cultivo com mais água, por meio da aplicação ou
aumento da irrigação, o que acaba elevando o teor de Água Azul no produto.
Entretanto, dependendo do nível de crescimento da produtividade alcançado, o
valor da Pegada Hídrica total pode diminuir consideravelmente (LIENDEN, 2009).
Energia contida na biomassa (GJ/ton.): quanto maior o rendimento energético da
biomassa cultivada, menor será a necessidade de produção da cultura e,
consequentemente, menor é a “água virtual” contida no biocombustível. A
quantidade de energia na matéria-prima cultivada depende da composição de seus
elementos, como o teor de carboidratos, gorduras, lignina, minerais, ácidos
orgânicos e proteínas (MEEKEREN, 2008).
Água consumida na fase industrial (m³/GJ): os dois elementos que influenciam a
Pegada Hídrica desta fase é a Água Azul e a Cinza, os quais dependem do consumo
41
biodiesel), de chegar a 5,83% do consumo de gasolina e diesel, for alcançada. Neste mesmo
sentido, Dominguez-Faus et al. (2009) mostraram o grande consumo de água que deverá
ocorrer, para que se possa atingir as metas estabelecidas para 2015 pelas políticas de incentivo
ao uso de biocombustíveis nos Estados Unidos e os impactos em alguns aquíferos locais.
Diversos estudos de avaliação do uso da água também foram realizados com o objetivo
de fornecer informações úteis de apoio à elaboração de políticas nacionais e regionais. Na
publicação de Chiu et al. (2009), foi demonstrado que, conforme o local de cultivo do milho,
há uma ampla variação na quantidade de água usada para a irrigação voltada à produção de
etanol dentro dos EUA. Os resultados obtidos chegaram a uma faixa de variabilidade de 5 a
2138 litros de água usada por litro de etanol produzido, ressaltando a necessidade de se
considerar as especificidades regionais tanto em estudos de Pegada Hídrica como no
desenvolvimento de planos nacionais de incentivo à produção de biocombustíveis, para que se
possa atingir boa eficiência e minimizar os impactos do consumo excessivo.
Além disso, alguns trabalhos também quantificaram a Pegada Hídrica dos diferentes
tipos de bioenergia, a partir de uma grande variedade de culturas e com a utilização de dados
característicos dos principais países produtores. Entre outros resultados, obteve-se que, no
geral, o biodiesel tem a maior Pegada Hídrica, com média global de 394 m³/GJ para a soja e
de 409 m³/GJ para a colza, seguido pelo etanol, que variou de 59 m³/GJ para a beterraba a 211
m³/GJ para o trigo, e por último a bioeletricidade (queima de cultivos agrícolas), com média
de 50 m³/GJ (GERBENS-LEENES et al., 2009a). Também foi estimado que, se a utilização
dos biocombustíveis atingir 10% do combustível total usado para o transporte, em todo o
mundo, o consumo de água pode chegar a 9% do total usado para a produção de alimentos e
algodão, aumentando significativamente a competição pelos recursos hídricos (GERBENS-
LEENES e HOEKSTRA, 2010).
Com isso, a ACV é uma ferramenta de análise de sistemas, que foi projetada
especificamente para avaliar a sustentabilidade ambiental de produtos, processos e atividades.
Dessa forma, permite aferir todos os elementos que podem interagir com o meio ambiente
(aspectos ambientais) e as modificações que ocorrem como consequência destes (impactos
ambientais), através da identificação, quantificação e avaliação dos fluxos relacionados aos
recursos consumidos em todas as fases do ciclo de vida do objeto em estudo, assim como
todas as emissões e resíduos liberados no meio ambiente (BRENTRUP et al., 2001).
Em outras palavras, a ACV consiste basicamente em uma técnica que, através da
quantificação das entradas e saídas de um sistema associado a um produto ou serviço
particular, realiza a avaliação dos impactos ambientais relacionados a estas entradas e saídas,
fazendo a interpretação dos resultados alcançados, de acordo com os objetivos estipulados
para o estudo (ABNT, 2009a). A Figura 3.14 apresenta, de forma simplificada, as fases
integrantes do ciclo de vida de um determinado produto.
para a ACV são: identificação de oportunidades (pontos críticos) para melhorar os aspectos
ambientais de produtos e processos em vários pontos de seu ciclo de vida, também conhecida
como produção eco-eficiente; tomada de decisões políticas, permitindo o desenvolvimento de
uma visão mais racional e holística acerca dos impactos ambientais das atividades realizadas;
e decisões de compra e venda baseadas em questões ambientais, fornecendo indicadores
pertinentes de desempenho ambiental e informações essenciais para programas de rotulagem
ecológica, seleção de fornecedores, marketing de produtos, entre outros (ABNT, 2009a;
MORRISON et al., 2010; RIBEIRO, 2003).
Apesar de sua grande aplicabilidade, a ACV é uma ferramenta que apresenta diversas
limitações em sua metodologia. Segundo a norma NBR ISO 14040 (ABNT, 2009a), as
principais limitações são: as escolhas e suposições feitas na ACV podem ser subjetivas; os
modelos utilizados na análise de inventário ou para avaliação de impactos são limitados pelas
suas suposições; a exatidão da ACV pode ser limitada, em razão da qualidade e abrangência
dos dados e a disponibilidade dos mesmos; e a falta de dimensões temporais e espaciais dos
dados do ICV introduz incertezas nos resultados da análise.
estudo e o público-alvo, enquanto que o escopo deve identificar e definir o objeto de análise, e
limitá-lo para a inclusão dos pontos mais importantes e significativos (FERRÃO, 2009).
Quanto ao escopo, de acordo com Chehebe (1997), este restringe a ACV em três
dimensões: extensão, largura e profundidade. A extensão determina o tamanho do estudo
(início e fim), a largura determina o número de subsistemas que devem ser incluídos no
mesmo e a profundidade representa o nível de detalhamento.
A norma NBR ISO 14040 (ABNT, 2009a) estabelece que, na definição do escopo,
devam ser considerados e claramente descritos os seguintes itens:
O sistema de produto e sua função, onde são determinados os processos unitários
que devem ser incluídos na análise e para qual propósito servirá.
A unidade funcional, que é a unidade de medida da função realizada pelo sistema, a
qual fornece uma referência, por onde todas as entradas e saídas estejam
relacionadas, de modo que se possa garantir a comparabilidade dos resultados.
Os procedimentos de alocação, que podem ser aplicados quando ocorre, em uma
unidade de processo, a geração de um ou mais subprodutos, ou existe reciclagem,
ou reuso de um certo material, com o objetivo de distribuir os aspectos ambientais
de forma proporcional a cada um destes produtos gerados. Os métodos mais
empregados se baseiam na massa ou no valor econômico.
Tipo de impacto e metodologia de avaliação, onde são definidas as categorias de
impactos consideradas e de que modo serão avaliadas.
46
b) Análise de Inventário:
A fase do ICV é a etapa que envolve, basicamente, a coleta de dados e os
procedimentos de cálculo, que devem ser executados para quantificar as entradas e saídas
(matéria, energia, resíduos, etc.) relevantes do sistema de produto, provendo uma perspectiva
ampla e sistemática do ambiente e dos recursos envolvidos (ABNT, 2009b). Cabe, ainda,
destacar que esta fase é altamente dependente das fronteiras do sistema e das unidades
funcionais definidas na etapa anterior. Além disso, esse processo é iterativo com outras fases
da ACV, ou seja, conforme os dados vão sendo coletados, mais conhecimento sobre o sistema
é adquirido e, assim, pode ser necessário haver adaptações em outras etapas.
De acordo com a NBR ISO 14044 (ABNT, 2009b), o ICV deve incluir os seguintes
procedimentos:
Preparação para coleta de dados, que inclui a construção de fluxogramas e a
descrição dos processos unitários; a listagem das categorias de dados associadas; a
determinação das unidades de medida, dos métodos de coleta e dos cálculos
utilizados, entre outros.
Coleta de dados, que é a parte onde são obtidos os valores das entradas e saídas
consideradas, sendo que estes dados podem ser coletados de diversas maneiras,
como, por exemplo, através de revisão bibliográfica, da aplicação de questionários,
do uso de modelos matemáticos ou de medições em campo.
Procedimentos de cálculo, onde são feitos cálculos para adequar os dados brutos
coletados aos processos unitários e à unidade funcional, além de verificar sua
validade, através de balanços de massa e energia, e análise comparativa.
Refinamento das fronteiras do sistema, onde são feitas análises de sensibilidade,
para incluir apenas os aspectos mais significativos.
caracterização dos dados. Depois disso, opcionalmente, podem ainda serem consideradas a
normalização, o agrupamento e a ponderação dos resultados. Estes elementos são brevemente
descritos abaixo:
Seleção das categorias de impactos: é o primeiro passo da avaliação de impactos,
pois estas categorias são responsáveis pela ligação entre os impactos potenciais de
cada fluxo e os efeitos destes nas áreas relevantes. As categorias que têm sido mais
utilizadas são: potencial de depleção dos recursos abióticos, potencial de
aquecimento global, potencial de depleção do ozônio estratosférico, eutrofização,
ecotoxicidade, potencial de formação de oxidantes fotoquímicos, potencial de
acidificação, toxicidade humana, efeitos respiratórios, radiação ionizante e uso do
solo (CHEHEBE, 1997; ISO, 2003).
Classificação: procedimento que classifica e agrupa os dados obtidos no ICV, nas
categorias de impactos selecionadas e identificadas.
Caracterização: esta etapa consiste na quantificação da classificação; ou seja, se
determina, numericamente, qual é a contribuição das entradas e saídas de cada
categoria para um determinado impacto potencial. Para isso, os resultados do ICV
são convertidos em unidades comuns, através de fatores de equivalência, e
posteriormente agregados em cada categoria de impacto.
Normalização: tem por objetivo prover uma melhor avaliação da magnitude dos
resultados da caracterização, calculando a representatividade dos valores
encontrados em relação a um valor de referência, como a carga total de um país,
padrões legais de emissão, etc.
Agrupamento: é a reordenação da apresentação das categorias de impacto, de
acordo com as características do estudo.
Ponderação: nesta etapa os indicadores de cada categoria de impacto são
multiplicados por fatores e agregados para formar um escore final, sendo que isto é
feito de forma subjetiva.
mostra a Figura 3.16. Este esquema geral, em cadeia de causa e efeito, é resultado de uma
extensiva análise, realizada pela UNEP/SETAC Life Cycle Initiative, dos métodos já
desenvolvidos para a avaliação das principais questões relacionadas ao uso da água
(QUANTIS, 2010). A seguir será realizada uma breve descrição do que já foi feito, até o
momento, com relação às etapas de ICV e AICV.
dados Ecoinvent, da empresa Swiss Centre for Life Cycle Inventories, e o software SimaPro,
da empresa PRé Consultants, também incluem alguns fluxos adicionais, baseados na
finalidade do uso, da seguinte forma: uso em turbinas para geração de energia elétrica
(Ecoinvent) e para refrigeração, processos industriais, dessedentação e uso em turbinas
(SimaPro). Com relação aos fluxos de saída, também nota-se que não há padronização, pois
no SimaPro existe apenas um fluxo para o descarte de efluentes; no GaBi há um para
efluentes e outro para o descarte de água do rio; e no Ecoinvent não existe referência à saída
de água. Dessa forma, fica evidente que, não somente a terminologia e a categorização nos
bancos de dados são inconsistentes, mas também faltam diversos parâmetros importantes para
avaliar os impactos do uso da água, como a localização geográfica e a disponibilidade hídrica
do local, tipos de uso, fluxos de saída adequados, parâmetros de qualidade, entre outros
(BERGER e FINKBEINER, 2010).
Com o intuito de resolver esta questão, alguns estudos recentes propuseram diferentes
abordagens na tentativa de modelar o ICV para o uso da água. No trabalho de Milà i Canals et
al. (2009), foi proposto um método de avaliação dos impactos do uso da água através da
ACV, que, na fase de inventário, considera tanto a fonte de água como o tipo de uso,
utilizando como escala a área de uma bacia hidrográfica. Assim, primeiro é feita uma
classificação da água por sua fonte, em quatro tipos: umidade do solo originada pela água da
chuva (“água verde”), fluxo superficial (lago/rio), água subterrânea de aquífero (renovável) e
água subterrânea fóssil. Depois disso, a água proveniente destas fontes é diferenciada em uso
evaporativo (água que fica indisponível para outros usos na área estudada) e não evaporativo
(água que retorna e fica disponível). Além disso, também propõe considerar dados sobre a
mudança no uso do solo, para possibilitar a posterior avaliação dos efeitos desta alteração na
disponibilidade hídrica.
Alguns autores (HOEKSTRA et al., 2009; JESWANI e AZAPAGIC, 2011;
RIDOUTT e PFISTER, 2010) relatam que o método da Pegada Hídrica, desenvolvido e
utilizado pela WFN, também possui potencial para ser adaptado e usado como modelo de
inventário da ACV para o uso da água. Isso porque, segundo os mesmos, este método
considera todas as informações relevantes relacionadas ao uso dos recursos hídricos pelo
objeto em estudo e faz uma adequada classificação das mesmas, além de fornecer dados
explicitados, temporal e espacialmente. Como relatado anteriormente, a Pegada Hídrica
diferencia o uso da água em três tipos: Água Azul, que é o consumo (uso consuntivo) da água
proveniente dos recursos hídricos superficiais (lago/rio) e subterrâneos (aquífero/reserva
fóssil); Água Verde, que é o consumo da umidade do solo originada pela precipitação; e Água
Cinza, que é um indicador da perda de água ocasionada pela degradação de sua qualidade
52
hídricos para os atuais usos humanos; (ii) a quantidade suficiente de recursos hídricos para a
manutenção dos ecossistemas existentes; e (iii) a sustentabilidade dos recursos hídricos para
as futuras gerações e para os futuros usos das gerações atuais. Com relação aos impactos de
nível intermediário (“midpoint level”), responsáveis pela ligação entre os impactos diretos do
uso da água e os consequentes danos finais, os métodos desenvolvidos, até o momento,
fornecem fatores de caracterização para as três áreas, com base, principalmente, nas condições
locais de disponibilidade hídrica (BAYART et al., 2010; BERGER e FINKBEINER, 2010).
Dentro deste contexto, podemos mencionar novamente o trabalho de Milà i Canals et
al. (2009), o qual fornece duas categorias de impactos intermediários: (i) impactos no
ecossistema aquático, que utiliza um indicador da escassez de água, definido como a razão
entre a taxa de extração de água da bacia hidrográfica e a quantidade de água disponível para
uso humano na mesma região, considerando neste cálculo a quantia estimada necessária para
a manutenção do ecossistema; e (ii) depleção dos recursos hídricos, onde são consideradas as
taxas de extração e regeneração do recurso e sua reserva atual para as águas subterrâneas
(aquífero e fóssil).
Outro importante fator de caracterização desenvolvido foi o de Pfister et al. (2009),
denominado Índice de Estresse Hídrico (“Water Stress Index” – WSI). Neste método, foi feita
uma expansão da razão entre o volume de água retirada e o disponível no local (conhecida
como “withdrawal-to-availability” – WTA), para que seja possível incluir os efeitos da
variabilidade sazonal. Dessa forma, a aplicação deste índice aos dados volumétricos coletados
resulta em um inventário ponderado do uso da água, expresso em m³ equivalentes, o qual
pode ser mapeado em qualquer escala e, assim, fornecer um meio simples e consistente de
avaliar os impactos potenciais do uso da água. A partir destas considerações, este estudo
fornece índices diferenciados por países, como, por exemplo, 0,0659 m³ equivalentes por m³
consumido no Brasil, 0,499 para os Estados Unidos, 1,0 para o Kuwait, e assim por diante.
Para o cálculo dos impactos no nível de dano final ou “endpoint level”, já existem
diversos trabalhos, que desenvolveram diferentes métodos e abordagens, com o objetivo de
avaliar os efeitos da falta de água sobre a saúde e bem-estar humano e sobre os ecossistemas e
recursos hídricos. Neste contexto, existem metodologias que abordam as três categorias de
forma mais geral, como a de Pfister et al. (2009), e outras que são mais específicas para uma
região particular ou para um determinado tipo de água ou dano, como, por exemplo, os
métodos de Motoshita et al. (2008, 2011), que avaliam os danos à saúde humana provocados
pela desnutrição, relacionada à escassez de água na agricultura, e pelas infecções e doenças,
relativas à escassez de água doméstica; ou ainda, o de Zelm et al. (2011), que avalia o
54
desaparecimento de espécies de plantas, por causa da extração de água subterrânea nos Países
Baixos.
Um dos estudos que apresentou uma estrutura diferenciada de avaliação de impactos à
saúde humana, ocasionados pela diminuição da disponibilidade de água, foi o de Boulay et al.
(2011b). No método elaborado neste estudo, são contabilizados, além da água consumida, o
volume de água degradada, que perde sua funcionalidade para o uso doméstico, o cultivo
agrícola e a pesca. Além disso, também considera, com base no produto interno bruto dos
países, a capacidade de adaptação dos mesmos em compensar a poluição hídrica, através do
tratamento da água ou da importação de alimentos. Dessa forma, depois de quantificar, na
fase de inventário, o volume de água perdida para cada tipo de uso, é verificado se há
possibilidade de compensação ou não. Em caso negativo, são avaliados os efeitos sobre a
saúde humana, na unidade de dias de vida perdidos (“disability-adjusted life years” – DALY),
ocasionados por doenças, geradas pelo uso doméstico de água imprópria para consumo, e por
má nutrição, gerada pela diminuição da produção de alimentos (cultivos agrícolas e pesca),
resultante da menor disponibilidade de água própria para estes usos. Na situação contrária,
estas consequências diretas são evitadas, porém o sistema deve ser expandido, para que sejam
incluídos os impactos gerados em decorrência da adaptação necessária, como, por exemplo, a
produção e o emprego dos produtos para tratamento da água.
No entanto, mesmo com os recentes avanços promovidos pelos diversos estudos
publicados, ainda existem alguns aspectos que estão em discussão, ou que são deficientes, e
que precisam ser resolvidos em futuras pesquisas. Nota-se, por exemplo, que a maioria dos
trabalhos tem seu foco voltado somente ao uso consuntivo da “Água Azul”, enquanto que o
uso direto no curso d’água (“in-stream”) e o uso degradativo (“Água Cinza”) são pouco
representados no desenvolvimento metodológico. Além disso, a inclusão da “Água Verde”,
que é especialmente importante quando se envolve o cultivo agrícola, ainda é objeto de
discordância na comunidade científica. Neste debate, os pesquisadores que são contra a
inclusão deste tipo de fonte de água argumentam que esta só é aproveitada pelas plantas e, por
esse motivo, o seu consumo não contribui para a escassez hídrica. Já o grupo que é favorável,
sustenta que a água da chuva deve ser considerada, pois contribui para a manutenção de
ecossistemas e para a renovação das águas superficiais e subterrâneas, além de que sua
estimativa é importante para a compreensão geral dos impactos do uso da água e para permitir
a comparação entre diferentes produtos. Entretanto, nenhum dos estudos que inclui o uso da
“Água Verde” fornece um modelo de caracterização para avaliar os efeitos negativos de seu
consumo (BERGER e FINKBEINER, 2010; MILÀ I CANALS et al., 2009; MISHRA e
YEH, 2011; PFISTER e HELLWEG, 2009; RIDOUTT e PFISTER, 2010).
55
3.3 BIODIESEL
3.3.1 Introdução
“Biocombustível derivado de biomassa renovável para uso em motores a combustão interna com
ignição por compressão ou, conforme regulamento, para geração de outro tipo de energia, que possa
substituir parcial ou totalmente combustíveis de origem fóssil.” (BRASIL, 2005)
volume de biodiesel na mistura, como por exemplo, o B2, B5, B20 e B100, que possuem uma
concentração de 2, 5, 20 e 100%, respectivamente (KNOTHE et al., 2005).
A utilização do biodiesel como combustível apresenta algumas características que
representam vantagens sobre os combustíveis derivados do petróleo, principalmente
relacionadas ao meio ambiente, tais como: é virtualmente livre de enxofre e de compostos
aromáticos; possui alto número de cetano; alto teor médio de oxigênio; maior ponto de fulgor,
o qual aumenta a segurança no armazenamento e transporte; menor emissão de partículas,
hidrocarbonetos, monóxido de carbono e dióxido de carbono (cerca de 78% menor); caráter
não tóxico e biodegradável, além de ser proveniente de fontes renováveis e amplamente
diversificadas (FERRARI et al., 2005; GERPEN, 2005).
Nos últimos anos, nota-se que há uma significativa expansão da utilização de energias
renováveis em todo o mundo, incluindo o crescimento da indústria do biodiesel. Esta
tendência está sendo provocada por diversos fatores econômicos e ambientais. Entre os
motivos econômicos, está a tentativa de diminuição, principalmente por parte dos países em
desenvolvimento, da grande dependência externa do petróleo, além da instabilidade do seu
preço e do alerta provocado pelas estimativas de esgotamento das reservas fósseis. Quanto aos
fatores ambientais, estes estão relacionados, principalmente, ao aquecimento global e à
subsequente assinatura do Protocolo de Quioto, onde a maioria dos países desenvolvidos se
comprometeram a diminuir consideravelmente as emissões de gases de efeito estufa
(SCHUCHARDT et al., 2001).
A taxa média de crescimento da produção global de biodiesel, nos últimos 5 anos
(2005 a 2010), foi de 38%, chegando a aproximadamente 19 bilhões de litros em 2010. Até o
momento, a maior parte da produção e do consumo está concentrada na União Europeia, com
destaque para a Alemanha, que é o país que lidera o ranking mundial de produção (REN21,
2011). Segundo o Conselho Europeu de Biodiesel (EBB, 2011), este biocombustível começou
a ser produzido em escala industrial em 1992 e, atualmente, são fabricadas em torno de 9
bilhões de litros por ano na Europa.
Com relação ao Brasil, a implantação do Programa Nacional de Produção e Uso do
Biodiesel (PNPB) foi regulamentada após a aprovação da Lei Federal 11.097, de 2005. Este
programa surgiu com o objetivo principal de implementar, de forma sustentável tanto técnica
como economicamente, a produção e uso do biodiesel, com enfoque na inclusão social e no
desenvolvimento regional, através da geração de emprego e renda (BRASIL, 2011a).
57
Figura 3.17 – Evolução anual da capacidade de produção nominal autorizada pela ANP, da
demanda obrigatória e da produção total de biodiesel.
(Fonte: ANP, 2012b).
animal (produção de ração) ou à alimentação humana, por meio da retirada da proteína de soja
(PAULA e FAVARET FILHO, 1998).
O setor das indústrias de processamento de grãos possui uma importante
representatividade na cadeia produtiva do biodiesel, através da Associação Brasileira das
Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE). Segundo dados desta associação (ABIOVE, 2011), o
Rio Grande do Sul está em terceiro lugar no ranking brasileiro da capacidade de
processamento de óleos vegetais, representando 17,2% do total. As principais empresas de
processamento de óleo de soja, situadas neste Estado, são as estrangeiras Bunge, em Passo
Fundo e Marau; Archer Daniels Midland Company, em Três Passos; Louis Dreyfus, em Cruz
Alta; e as nacionais Granol, em Cachoeira do Sul; Camera, em Santa Rosa; Oleoplan, em
Veranópolis; e Olfar, em Erechim.
A próxima etapa, depois da obtenção do óleo vegetal, é a própria produção industrial
do biodiesel nas usinas. Nesta fase, o principal processo envolvido é a transesterificação, onde
é, basicamente, realizada a reação do óleo vegetal com álcool (metanol ou etanol) na presença
de um catalisador, formando uma fase pesada, constituída por glicerina bruta, excesso de
álcool, água e impurezas; e uma fase leve, formada por uma mistura de ésteres etílicos ou
metílicos, água e impurezas. Após separação destas fases, a parte pesada é submetida ao
processo de evaporação para a recuperação do álcool, restando a glicerina bruta como
subproduto, a qual ainda pode ser purificada através da destilação a vácuo, para posterior
comercialização. Quanto à fase leve, os ésteres são lavados, centrifugados e desumidificados
para retirar as impurezas, resultando no biodiesel purificado (KNOTHE et al., 2005;
PARENTE, 2003).
Com relação à matéria-prima para este processo, o álcool possui grande importância,
uma vez que constitui de 10 a 20%, em massa, do material que participa da reação. Portanto,
as cadeias produtivas do metanol, de origem petroquímica, ou do etanol, proveniente do
cultivo de cana-de-açúcar, também devem ser consideradas dentro da cadeia produtiva do
biodiesel (KNOTHE et al., 2005; MEDRANO, 2007).
A escolha da rota tecnológica, entre a etílica e a metílica, definirá fortemente alguns
aspectos do processo de produção industrial, pois o consumo de álcool, as condições de
reação e de separação final serão diferentes, em função das propriedades e características de
cada álcool. Na maioria dos países, incluindo o Brasil, a rota que está sendo amplamente
utilizada é a metílica (ANP, 2012a). Entre as vantagens do emprego do metanol, está o menor
consumo de álcool (45%), tempo de reação e complexidade da reação, resultando em custos
mais baixos de operação (PARENTE, 2003). Entretanto, o etanol também possui algumas
vantagens, principalmente do ponto de vista ambiental, pois é obtido de fonte renovável e é
61
muito menos tóxico. Além disso, especialmente no Brasil, pode ser mais viável
economicamente, uma vez que é produzido em larga escala, com a tecnologia necessária já
desenvolvida e um mercado consolidado (KHALIL, 2006).
Em 2011, do volume total de biodiesel produzido no Brasil, o Rio Grande do Sul foi o
estado que mais produziu, com cerca de 862 milhões de litros (32%), seguido por Goiás e
Mato Grosso, com 19 e 18%, respectivamente. Até o momento, como mostra a Tabela 3.3,
existem sete usinas autorizadas pela ANP, em operação, que compõem a produção de
biodiesel no Rio Grande do Sul (ANP, 2012a,b).
Tabela 3.3 – Características gerais das unidades produtoras de biodiesel localizadas no Rio
Grande do Sul.
Capacidade
Produção Total Rota
Empresa Localidade Autorizada pela Matéria-Prima
em 2011 (m³/ano) Tecnológica
ANP (m³/ano)
Brasil Metílica ou
Rosário do Sul 131.400 67.606 Óleo de soja
Ecodiesel Etílica
Óleo de soja e
BSBIOS Passo Fundo 162.060 125.118 Metílica
de canola
Cachoeira do
Granol 340.665 205.509 Óleo de soja Metílica
Sul
Óleo de soja e
Oleoplan Veranópolis 383.250 237.756 Metílica
gordura animal
Canoas – RS, a qual possui exclusividade para realizar a mistura do biodiesel com o diesel.
Até o momento, a PETROBRAS tem adquirido a maior parte do biodiesel produzido no Rio
Grande do Sul, através dos leilões realizados pela ANP (GOLLO et al., 2010).
Com relação aos consumidores finais, estes são representados, principalmente, por
transportadoras rodoviárias, que usam ônibus e caminhões e por proprietários particulares de
veículos utilitários a diesel, como caminhonetes e vans. Ainda cabe destacar que as principais
indústrias de caminhões e ônibus estabelecidas no país estão em pleno desenvolvimento de
seus motores para adaptá-los ao biodiesel, estando em estágio avançado para o uso do B20.
Inclusive já existem testes, até para o B100, como no caso da Mercedes Bens e da Scania
(GOLLO et al., 2010).
Figura 3.19 mostra as principais oleaginosas consideradas, até o momento, com potencial de
produção mais promissor nas diferentes regiões brasileiras.
Tabela 3.4 – Características gerais das principais culturas oleaginosas com potencial de uso na
produção de biodiesel dentro do território brasileiro.
Produtividade Conteúdo de Meses de Regiões Rendimento de
Espécie
(ton./ha) Óleo (%) Colheita Produtoras Óleo (ton./ha)
Dendê
15 - 25 26 12 BA, PA 3,0 - 6,0
(Palma)
Canola
1-2 40 - 48 03 PR, SC, RS 0,5 - 0,9
(Colza)
Figura 3.19 – Mapa de distribuição, por estado brasileiro, das principais oleaginosas com
potencial de utilização na produção de biodiesel.
(Fonte: SEBRAE, 2007).
64
3.3.4.1 Soja
A soja (Glycine max) é uma planta herbácea, pertencente à família das leguminosas,
que tem por característica ser muito rica em substâncias proteicas e graxas. O óleo contido na
soja, com proporção média de 18%, é rico em ácidos graxos insaturados, contendo em maior
proporção o ácido linoleico (MACIEL et al., 2005).
A produção do grão de soja tem diversas finalidades, pois dá origem a produtos e
subprodutos muito usados pela agroindústria, indústria química e de alimentos. O farelo (ou a
torta), obtido na fase de esmagamento, é o principal produto, sendo muito utilizado na
confecção de ração para alimentação animal. Na alimentação humana, a proteína de soja é a
base de muitos produtos de padaria, massas, cereais, bebidas, etc., além de ser muito usada na
65
Figura 3.21 – Produção de soja no Rio Grande do Sul, por município, na média de 2004 a
2006.
(Fonte: RIO GRANDE DO SUL, 2008b).
das mesmas e o abortamento das vagens, resultando, por fim, na redução do rendimento dos
grãos. Estima-se que, para uma produtividade considerável, a necessidade total de água para a
cultura da soja varia entre 450 a 800 mm/ciclo, dependendo das condições climáticas, do
manejo da cultura e da duração do ciclo (EMBRAPA, 2008).
Diversos estudos já determinaram que a deficiência hídrica, dentre os componentes
limitantes ao desenvolvimento das culturas de soja no Rio Grande do Sul, é o principal fator
responsável pela diminuição da produtividade (CUNHA et al., 2001; CUNHA e
BERGAMASCHI, 1992; MATZENAUER et al., 2002). Estima-se que 93% das perdas nas
safras de soja ocorram em razão das estiagens (BERLATO e FONTANA, 2003). Também foi
constatado que a probabilidade da precipitação pluvial alcançar as necessidades hídricas
ótimas da cultura é muito baixa, especialmente nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro,
inclusive no norte do Estado, onde se concentra a produção de soja (ÁVILA et al., 1996).
68
4 ESTUDO DE CASO
4.1.1 Objetivos
técnicas. Além disso, também possui o intuito de fornecer um modelo de inventário do uso da
água, considerando que a abordagem deste aspecto, em métodos que avaliam o ciclo de vida
de produtos e serviços, é relativamente nova, principalmente no Brasil. Dessa forma, a
principal razão para o desenvolvimento deste trabalho é a necessidade, cada vez maior, de se
conhecer e incluir de forma consistente a questão do consumo e da poluição hídrica dentro de
estudos de avaliação ambiental de produtos e serviços.
Neste estudo, ao invés de utilizar como unidade funcional a energia fornecida pelo
produto, como ocorre na maioria dos trabalhos sobre combustíveis, considerou-se mais
prático e representativo adotar a produção de 1 litro de biodiesel de soja, que é equivalente a
0,875 kg, segundo a densidade média estabelecida pela Resolução ANP n.º 14/2012 (ANP,
2012c). Ainda cabe ressaltar que esta escolha foi baseada no fato de que a unidade básica de
comercialização do biodiesel, através dos leilões realizados pela ANP, é volumétrica.
A partir das informações coletadas na revisão bibliográfica, foi possível verificar que o
ciclo de vida do biodiesel de soja é composto, basicamente, por cinco etapas principais, que
são: o cultivo da soja, a extração e degomagem do óleo, a fabricação do biodiesel, a mistura e
distribuição do produto final e a revenda aos consumidores. No entanto, como o foco do
estudo é apenas o uso da água, que ocorre através do consumo e da poluição hídrica, foi
decidido por aplicar as metodologias mencionadas através de uma abordagem conhecida
como “do berço ao portão” (em inglês, “cradle to gate”), ou seja, do início da cadeia
produtiva até a saída do produto final pelo portão da fábrica. Dessa forma, foram incluídas
apenas as etapas do ciclo de vida referentes ao cultivo e produção das matérias-primas e
insumos e à fabricação do produto principal, não sendo consideradas as etapas de distribuição
e uso final. O fluxograma da Figura 4.1 apresenta a delimitação geral do sistema de produto.
Dentro das condições gerais de execução deste estudo (disponibilidade de tempo,
equipamentos, custos, etc.) e com a finalidade de representar, da forma mais próxima
possível, a situação real do ciclo de vida do biodiesel de soja, foi adotado como modelo do
sistema de produto a cadeia produtiva de uma empresa instalada nos municípios de Santa
Rosa e Ijuí – RS, cujo nome não será identificado. Esta empresa, além de estar consolidada há
40 anos no mercado de óleos vegetais refinados, encontra-se em ampla expansão na produção
de biodiesel, possuindo, atualmente, uma das maiores usinas do Brasil e, recentemente,
70
Cultivo da soja
Grãos
de soja
Extração e
Fronteira
degomagem do
do sistema
óleo de soja
Óleo
degomado
Fabricação do
biodiesel
Biodiesel
100%
Mistura com o
diesel comum e
distribuição
Biodiesel
5%
Revenda e
consumo final
Figura 4.1 – Fluxograma da cadeia produtiva do biodiesel de soja, com indicação da fronteira
do sistema de produto considerado no presente estudo.
Dessa forma, a fronteira geográfica deste estudo foi definida conforme a localização
da produção dos materiais que participam do ciclo de vida do biodiesel produzido por essa
empresa, como será mostrado mais adiante. Com relação à fronteira tecnológica, esta foi
delimitada, quando especificado, pelas tecnologias ou sistema produtivo empregado pelos
produtores rurais e empresas envolvidas; nos casos contrários, foram consideradas as
tecnologias mais difundidas e utilizadas no Brasil ou no mundo. Por fim, com relação à
fronteira temporal, apesar de não haver restrição inicial quanto ao período dos dados,
procurou-se por informações que representassem a atualidade, da forma mais próxima
possível.
Com o intuito de apresentar de forma mais clara as características de cada fase do
ciclo de vida em estudo, o sistema de produto foi dividido em três subsistemas: fase agrícola,
fase de produção do óleo degomado e fase de fabricação do biodiesel.
71
obtidas na literatura especializada, de acordo com a Tabela 4.1, mostrada mais abaixo. Assim,
por exemplo, na seleção dos defensivos agrícolas, foram considerados aqueles mais citados
pelos produtores rurais, levando em conta o tipo, a função e as recomendações técnicas
descritas na publicação Indicações Técnicas para Cultura da Soja no Rio Grande do Sul e em
Santa Catarina 2009/2010 (REUNIÃO DE PESQUISA DE SOJA DA REGIÃO SUL, 2009).
Quanto aos fertilizantes, as substâncias foram escolhidas com base na quantidade produzida e
no mercado brasileiro. Ainda neste aspecto, deve ser observado que, apesar das indicações
técnicas não recomendarem a aplicação do nitrogênio devido à capacidade da soja em fixá-lo
naturalmente, este nutriente foi incluído no estudo, pois se considerou que esta prática
representa melhor a realidade do local, uma vez que todos os agricultores relataram o uso do
fertilizante composto NPK com a presença do nitrogênio, resultando em uma proporção
média de 2:20:20.
Ainda dentro do subsistema da fase agrícola, também foram considerados os processos
de produção dos insumos envolvidos, incluindo o consumo de combustível no transporte
destes até as plantações. No entanto, cabe salientar que não foi contabilizada a produção de
bens de capital, como máquinas, equipamentos e infraestrutura, nem o trabalho humano,
devido ao elevado grau de incerteza relacionado a esses aspectos. Com isso, os processos
envolvidos ficaram delimitados, de acordo com a Tabela 4.2.
Diante destas definições, o subsistema da fase agrícola é apresentado na Figura 4.2.
Produção de
Fertilizante TR
Potássico
Produção de
CULTIVO DA SOJA Óleo Diesel
Preparo do solo
Produção de TR Semeadura
Calcário
Trato da cultura Produção de
Colheita dos grãos TR Sementes de
Soja
TR – etapa de transporte
Grãos de soja
Tabela 4.1 – Produtos e substâncias utilizadas na fase de cultivo da soja, por etapa, com
indicação da fonte de pesquisa e/ou da justificativa.
Etapa Insumo Produto Justificativa/Fonte
Entrevistas + Indicações
Corretivo do solo Calcário dolomítico
técnicas*
Preparo do
solo
Herbicida Roundup Original Entrevistas + Indicações
(dessecação) (i.a. glifosato) técnicas*
Geneticamente modificadas
Sementes Entrevistas
(Roundup Ready)
Fertilizante
NPK 2:20:20 Entrevistas
(composto)
Combustível (trator,
Todas as
plantadeira, Óleo diesel Entrevistas
etapas
colheitadeira, etc.)
*Fonte: REUNIÃO DE PESQUISA DE SOJA DA REGIÃO SUL, 2009.
74
Tabela 4.2 – Características gerais do ciclo de vida dos insumos envolvidos no subsistema da
fase agrícola.
Tecnologia de Tipo de
Insumos Fonte Localização
produção transporte
Extração,
Calcário Caçapava do Sul –
Diversas trituração e Rodoviário
dolomítico RS(a)
peneiramento
Cultivo de soja
Sementes Diversas geneticamente RS Rodoviário
modificada
Mistura dos
Fertilizante Rio Grande –
Diversas componentes Rodoviário
composto NPK RS(b)
Ureia, SSP e KCl
A partir da amônia
Ureia Diversas e do dióxido de Rússia(c) Marítimo
carbono
Reação do ácido
SSP Vale Fertilizantes(d) sulfúrico com a Cubatão - SP Rodoviário
rocha fosfática
Mineração e
KCl Diversas beneficiamento da Rússia(e) Marítimo
silvinita
Standak Top,
Guaratinguetá -
Opera, Talcord Basf Não disponível Rodoviário
SP
250 e Pivot
Depois da fase agrícola, os grãos de soja produzidos são transportados por meio
rodoviário até a unidade industrial responsável pela extração e degomagem do óleo, que fica
localizada no município de Santa Rosa – RS. Nesta fase, segundo informações coletadas em
visita à empresa, a transformação dos grãos de soja em óleo degomado é realizada por uma
série de processos, como mostra o fluxograma da Figura 4.3, mais abaixo. Os primeiros
procedimentos realizados são o recebimento, a pré-limpeza, a secagem e o armazenamento
dos grãos de soja. Depois disso, os mesmos passam por um processo de preparação, onde são
quebrados, descascados, cozidos, laminados e expandidos (formação de uma massa porosa).
Então, na próxima etapa, ocorre o processo de extração, através do uso de um solvente
orgânico, resultando na formação do farelo e do óleo, ambos contaminados pelo solvente. A
partir da extração, o farelo é encaminhado aos processos de dessolventização (recuperação do
solvente) e tostagem, para que possa ser posteriormente armazenado e comercializado.
Quanto ao óleo bruto, este é primeiramente submetido ao processo de destilação para a
separação do solvente. Logo após, é realizada a degomagem, onde se adiciona água, sob
agitação constante, ao óleo previamente aquecido, para que ocorra a remoção de substâncias
coloidais, proteínas e fosfatídeos, que formam a chamada “goma”, da qual ainda pode ser
obtido o produto comercial conhecido como lecitina de soja.
Além dos processos principais, também foram incluídos os de segundo plano, como a
geração de vapor nas caldeiras e o sistema de refrigeração. Outro processo que merece
destaque é o de reutilização de efluentes líquidos, chamado de “efluente zero”, o qual consiste
basicamente em um sistema evaporador, para onde são encaminhados todos os efluentes
gerados, transformando-os em vapor de baixa pressão, que é aproveitado no processo
principal.
Diante disso, os principais insumos utilizados neste subsistema são: energia elétrica;
biomassa, utilizada como combustível para a geração de vapor nas caldeiras (cascas dos grãos
de soja e lenha); água e o hexano, como solvente orgânico. Da mesma forma que no
subsistema da fase agrícola, a produção destes insumos e o combustível consumido no
transporte também foram considerados, sendo excluídos, apenas, os bens de capital e o
trabalho humano. A Tabela 4.3 apresenta as características relacionadas à fonte e o transporte
destes materiais, segundo informações repassadas pela empresa considerada neste estudo.
76
Grãos de soja
Recebimento
Pré-limpeza
Secagem
Armazenagem
Grãos descascados
Pré-aquecimento
Laminação
Expansão
Resfriamento
Tostagem Secagem
Concentração Goma Degomagem Água
Estocagem
Lecitina de Soja Óleo degomado
Secagem
Estocagem Estocagem
Tabela 4.3 – Características gerais do ciclo de vida dos insumos envolvidos no subsistema da
fase de produção do óleo degomado.
Tecnologia de Tipo de
Insumo Fonte Localização
produção transporte
Produção dos
Grãos de Soja
TR
TR
Produção de
Biomassa
Produção de PRODUÇÃO DO ÓLEO DEGOMADO
Energia Extração e degomagem
Elétrica do óleo bruto
TR
Produção do
Hexano
TR – etapa de transporte
Figura 4.4 – Fluxograma das etapas incluídas no subsistema da fase de produção do óleo
degomado.
Nesta fase do ciclo de vida avaliado, o óleo degomado de soja é encaminhado, através
de transporte rodoviário, para outra unidade industrial da mesma empresa, localizada no
município de Ijuí – RS, onde é transformado em biodiesel. De acordo com informações
coletadas em visita ao local, o processo de fabricação consiste, basicamente, em três etapas
principais: o pré-tratamento do óleo degomado, a transesterificação e a purificação do
biodiesel e da glicerina.
De acordo com o fluxograma mostrado na Figura 4.5, na etapa inicial de pré-
tratamento do óleo degomado, são realizados os processos de neutralização e desacidificação,
visando eliminar os ácidos graxos livres e outras impurezas, que diminuem o rendimento da
reação de transesterificação. Na neutralização, ocorre a adição de ácido fosfórico e hidróxido
de sódio (solução aquosa) ao óleo previamente aquecido, para que ocorra a separação do
material conhecido como “borra” (mistura de sabões, ácidos graxos e outras substâncias).
Depois disso, na desacidificação, o óleo neutro resultante é submetido ao processo de
destilação, com o emprego de vácuo e vapor d’água, para que seja eliminado o restante de
78
ácidos graxos que ainda permanecem no mesmo. Ainda cabe salientar que os ácidos graxos
produzidos nesta etapa também podem ser purificados e posteriormente comercializados.
Óleo degomado
Ácido fosfórico
Água
Óleo neutro
Purificação
Ácidos graxos Desacidificação
Estocagem
Óleo tratado
Metanol
Metilato de sódio
Transesterificação (catalizador)
mais especificamente na destilação, também é feita a recuperação do metanol que não reagiu
na reação de transesterificação, objetivando sua reutilização no processo.
Ainda cabe relatar que, assim como na fase de extração do óleo degomado, neste
subsistema também foram considerados os processos de segundo plano, como a geração de
vapor nas caldeiras e o sistema de refrigeração, além do sistema “efluente zero”, que elimina
o lançamento de efluentes líquidos aos corpos hídricos, conforme descrito anteriormente.
Desse modo, foi identificado que os principais insumos envolvidos neste subsistema
são: biomassa para as caldeiras (lenha), energia elétrica, metanol, metilato de sódio, hidróxido
de sódio, ácido fosfórico, ácido clorídrico e água. A produção destes materiais e o
combustível consumido para o transporte até a usina também foram incluídos neste estudo,
ficando de fora, apenas, os bens de capital e o trabalho humano. De acordo com informações
da mesma empresa, as características da produção dos insumos foram identificadas conforme
mostra a Tabela 4.4.
Tabela 4.4 – Características gerais do ciclo de vida dos insumos envolvidos no subsistema da
fase de fabricação do biodiesel.
Tecnologia de Tipo de
Insumos Fonte Localização
produção transporte
Produção do
Óleo
Degomado
Produção do
Produção do
Metilato de
Metanol
Sódio
TR
TR TR
Produção de
Hidróxido de TR
Sódio Produção de
TR
Biomassa
Produção de FABRICAÇÃO DO BIODIESEL
Ácido TR Neutralização do óleo degomado
Clorídrico Reação de transesterificação Produção de
Energia
Produção de Elétrica
TR
Ácido Fosfórico
Ácidos Graxos Biodiesel Glicerina Bruta
TR – etapa de transporte
planta industrial, como combustível para as caldeiras, enquanto que a lecitina e o farelo são
comercializados para outros segmentos industriais. Contudo, em uma avaliação preliminar,
utilizando os critérios estabelecidos anteriormente, foi verificado que a lecitina e a casca
contribuem com menos de 1% para a alocação deste subsistema e, por esse motivo, não foram
consideradas neste estudo.
Quanto ao subsistema da fase de fabricação do biodiesel, os subprodutos produzidos
são a glicerina bruta (80% de pureza) e o ácido graxo bruto de soja, sendo que ambos são
comercializados como matéria-prima para outros setores industriais. No entanto, o ácido
graxo não foi contabilizado, pois apresentou contribuição de alocação menor que 1% na
avaliação preliminar.
Além disso, ainda cabe observar que, dentro da cadeia produtiva de cada insumo,
também foram feitas alocações das cargas ambientais. No entanto, estes procedimentos foram
realizados pela própria fonte dos dados.
(4.1)
( )
( . )
Com relação à estimativa da Água Verde no cultivo da soja (AVsoja, L), esta foi
realizada através da simulação do consumo de água pela cultura, utilizando o software
CROPWAT v.8.0, desenvolvido pela FAO. Empregou-se esta metodologia pois, além de estar
amplamente difundida no mundo todo, é a mais empregada em estudos de Pegada Hídrica,
como, por exemplo, em Chapagain et al. (2006), Chapagain e Orr (2009), Gerbens-Leenes et
al. (2009a), Gerbens-Leenes e Hoekstra (2009), entre outros.
Entre as opções de simulação “crop water requirements” e “irrigation schedule”,
oferecidas pelo software, selecionou-se a segunda alternativa, uma vez que, conforme
Hoekstra et al. (2011), além de possibilitar a inclusão de cenários de irrigação, é a mais
precisa, pois calcula a ETr da cultura, através do balanço hídrico diário do solo para a zona
83
radicular. Dessa forma, foi necessário inserir os seguintes dados referentes às condições
ambientais da região das plantações e às características do cultivo da soja:
Dados climáticos diários, necessários para a determinação da
evapotranspiração de referência (ET0) pela fórmula de Penman-Monteith:
temperatura média e diurna, umidade relativa do ar, velocidade do vento e
duração relativa da radiação solar.
Precipitação total diária.
Dados da cultura da soja: data de plantio, coeficientes de cultivo (Kc), duração
dos estágios de desenvolvimento, profundidade efetiva das raízes e fração
crítica de depleção (p).
Dados do solo: tipo (classificação), capacidade de água disponível (CAD) e
taxa de infiltração máxima.
Após executar a simulação, os volumes diários de evapotranspiração real da soja
(ETrsoja, mm/dia), fornecidos pelo software, foram somados, abrangendo desde o primeiro dia
de plantio (d=1) até o último dia da colheita (fim), e transformados para a unidade de litros
por hectare (multiplicação pelo fator 10000), obtendo-se, assim, o volume de uso da Água
Verde por hectare de cultivo da soja (UAVsoja, L/ha) (Equação 4.3). Por fim, a AVsoja foi obtida
relacionando o resultado da UAVsoja com a produtividade da região (Prodsoja, kg/ha) e a
quantidade necessária de grãos de soja para a fabricação do biodiesel (Qsoja, kg), como mostra
a Equação 4.4.
∑ ( . )
( . )
cada processo interno da empresa estudada. Depois disso, este valor foi relacionado à
produtividade diária da mesma (Prodemp, kg/dia) e à quantidade do produto utilizada no ciclo
de vida estudado (Qprod, kg), obtendo-se, assim, a Água Azul de cada etapa (AAetapa, L). A
Equação 4.5 resume estas operações.
∑( )
( . )
Nas etapas de produção de insumos, a fonte dos dados coletados forneceu os volumes
de entrada de água (Vent, L/unidade do produto) e de saída de efluente (Vsai, L/unidade do
produto) por unidade produzida. Dessa forma, conforme Equação 4.6, depois de fazer a
subtração dos volumes, foi preciso somente multiplicar pela quantidade do insumo (Qinsumo,
unidade do produto) utilizada no ciclo de vida.
( ) ( . )
∑ ( . )
∑( ) ( . )
( . )
Após a realização destes cálculos, o valor da AAsoja foi obtido relacionando o resultado
da UAAsoja com a produtividade do cultivo da soja considerada (Prodsoja, kg/ha) e a quantidade
de grãos de soja necessários à fabricação do biodiesel (Qsoja, kg), como mostra a Equação
4.10.
( . )
Dentro dos procedimentos relacionados à simulação do cenário de irrigação, ainda deve ser
observado que a diferenciação do uso de Água Azul e de Água Verde foi realizado assumindo,
primeiramente, que todo o volume da água de irrigação aplicada de forma efetiva é consumido pela
cultura, o que acaba determinando o valor de ETirrig. A partir disso, foi considerado como
consumo de Água Verde (água da chuva) todo o volume que faltou para atingir a necessidade
ótima do cultivo.
De acordo com Hoekstra et al. (2011), o cálculo da Água Cinza foi realizado através
de dois modos diferentes: poluição difusa e poluição pontual. Na poluição difusa, foi
contabilizada apenas a etapa de cultivo da soja, uma vez que para o cultivo de biomassa com
fins energéticos não foi considerada o uso de fertilizantes e pesticidas.
A fórmula empregada para o cálculo do volume total de Água Cinza usada no cultivo
da soja (UACsoja, L/ha), mostrada na Equação 4.11, é igual a de todas as publicações
consultadas que calcularam este componente da Pegada Hídrica, dentre as quais estão a de
Chapagain et al. (2006), Aldaya e Hoekstra (2010), Gerbens-Leenes e Hoekstra (2012) e
Ercin et al. (2012), onde: CPx (mg/ha) é a carga do poluente x aplicada no processo ou etapa;
fp (adimensional) é a fração de perda do poluente x, por lixiviação e/ou escoamento
86
( . )
Depois disso, para a obtenção do valor final da Água Cinza do cultivo da soja (ACsoja,
L), o resultado de UACsoja foi relacionado com a produtividade da região (Prodsoja, kg/ha) e a
quantidade de soja utilizada no ciclo de vida (Qsoja, kg), conforme Equação 4.12.
( . )
Com relação à Água Cinza das outras etapas (ACetapa, L), esta foi calculada pelo
método da poluição pontual, conforme Hoekstra et al. (2011). A Equação 4.13 mostra a
fórmula empregada, já incluindo a relação com a quantidade do produto ou insumo utilizada
no ciclo de vida (Qprod, unidade do produto), onde: Vefl e Vafl (L/unidade do produto) são os
volumes de efluente e de afluente (entrada de água) por unidade produzida; cefl e cafl (mg/L)
são as concentrações da substância no efluente e no afluente; cmax e cnat (mg/L) possuem a
mesma definição descrita anteriormente.
( ) ( )
( . )
Ainda cabe salientar que estes procedimentos foram aplicados separadamente a todas
as principais substâncias descartadas, em termos de quantidade ou relevância ambiental, nas
etapas que compõem o ciclo de vida do biodiesel. No cultivo da soja, por exemplo, foram
quantificados os valores da Água Cinza para o nitrogênio, o fósforo e os pesticidas. A partir
disso, o resultado final da Água Cinza, de cada etapa, foi definido pela substância que
apresentou o maior valor final, partindo do princípio que o volume de água necessária para
diluir o poluente crítico também servirá para os outros poluentes, conforme procedimento
adotado por Chapagain et al. (2006) e Ercin et al. (2012).
87
De acordo com os objetivos deste estudo, o inventário construído teve como enfoque
apenas os fluxos elementares relacionados ao uso da água. No entanto, conforme visto na
revisão bibliográfica, até o momento não há nenhum tipo de norma ou padronização que
determine, de maneira consistente, as informações sobre o uso da água que devem constar no
ICV. Diante disso, utilizou-se, como referência, as recomendações e a estrutura proposta na
publicação de Bayart et al. (2010) e o modelo desenvolvido no estudo de Boulay et al.
(2011a). Estas pesquisas expressam resultados recentemente alcançados pelo grupo de
trabalho da UNEP-SETAC Life Cycle Initiative, engajados no projeto intitulado “Avaliação
do uso e da depleção dos recursos hídricos dentro da estrutura de trabalho da ACV”
(tradução livre).
A partir das informações destes estudos, foi determinado que o ICV do biodiesel
gerado neste trabalho será dividido em duas formas de uso da água: o uso consuntivo e o uso
degradativo. A seguir serão descritos os procedimentos adotados para a quantificação de cada
tipo de uso da água.
Tabela 4.5 – Definição dos tipos de uso da água considerados no uso degradativo.
Tipos de uso da água Definição
Atividade agrícola que requer água de boa qualidade para a irrigação (ex.:
Agricultura I
cultivos que geralmente são consumidos de forma crua).
Tabela 4.6 – Relação de funcionalidade entre as categorias de classificação e os tipos de uso da água considerados no uso degradativo.
Categoria 1 2a 2b 2c 2d 3 4 5 AC
Água da
Fonte S ou G S ou G S ou G S ou G S ou G S ou G S ou G S ou G
Chuva
Doméstico I √ X X X X X X X √
Doméstico II √ √ √ X X X X X √
Doméstico III √ √ √ √ √ √ √ X √
Agricultura I √ √ X √ X X X X √
Agricultura II √ √ √ √ √ √ X X √
Pesca √ X X X √ X X X √
Indústria √ √ √ X X X X X √
Refrigeração √ √ √ √ √ √ √ X √
Recreação √ √ X √ X X X X √
Transporte √ √ √ √ √ √ √ √ √
Hidrelétrica √ √ √ √ √ √ √ √ √
Legenda: √ - funcional, X - não funcional; S – superficial, G - subterrânea.
Fonte: adaptado de BOULAY et al. (2011a).
91
As principais fontes dos dados secundários foram dois bancos de dados de ACV: o
software GaBi v.4.4 (PE INTERNATIONAL, 2011) e a base de dados Ecoinvent v.2.2
(ECOINVENT CENTRE, 2010). A partir dos inventários disponibilizados por estes
programas, foi possível extrair dados referentes ao volume de entrada de água, separados pela
origem (superficial e subterrânea), e a massa de substâncias emitidas aos recursos hídricos.
Quanto ao volume de efluente, esta informação está disponível apenas no software
GaBi. Dessa forma, quando os dados foram fornecidos pelo Ecoinvent, o volume de efluente
foi determinado multiplicando-se o volume de água extraída por um coeficiente de “retorno”
(CR) característico da atividade industrial avaliada, o qual é definido como a fração do
volume total de água que não é consumida no processo e acaba sendo descartada como
efluente.
A partir disso, a qualidade do efluente foi caracterizada através da divisão entre a
massa das substâncias descartadas e o volume de efluente, obtendo-se as concentrações em
miligramas por litro. Ainda cabe ressaltar que este procedimento de obtenção dos dados
secundários foi baseado nas recomendações de Boulay et al. (2011a), que foram descritas para
os casos em que há baixa disponibilidade de informações sobre as diferentes formas de uso da
água.
produtivo, enquanto que, na situação real, cada etapa tem suas características particulares de
quantidade e qualidade.
Como o local em que o uso da água ocorre é importante para a questão dos recursos
hídricos, procurou-se diminuir estas simplificações, separando e detalhando os inventários
consolidados fornecidos pelos bancos de dados, de acordo com os fluxos de materiais
existentes. No entanto, devido ao grande número de processos envolvidos, este procedimento
foi adotado apenas para os fluxos que representavam mais de 1% da massa total de entrada.
Quanto aos demais fluxos, incluindo a produção de energia e o combustível consumido, estes
foram agrupados em um único fluxo e local, uma vez que apresentam menor significância
com relação ao uso da água e pela produção ocorrer de forma muito distribuída em termos de
localização (ex.: energia elétrica).
Estes aspectos, apesar de estarem relacionados apenas aos insumos, devem ser
observados, principalmente, se os resultados obtidos com este trabalho forem utilizados
posteriormente para estudos de avaliação de impactos ou de sustentabilidade, visto que
tendem a concentrar o consumo e a poluição hídrica em um número menor de regiões. Outras
limitações e suposições de menor importância serão discriminadas ao longo da apresentação
dos resultados finais.
O primeiro procedimento adotado foi o de coletar, junto aos bancos de dados de ACV,
informações sobre o ciclo de vida dos insumos envolvidos neste subsistema, incluindo o
volume de água extraída, o volume de efluente gerado e as emissões de poluentes para a água.
Depois disso, a concentração dos poluentes na água extraída foi determinada com dados
referentes à qualidade dos corpos hídricos existentes na região de produção de cada material,
utilizando as fontes mostradas na Tabela 4.7.
93
Tabela 4.7 – Fontes dos dados utilizados no ciclo de vida dos insumos envolvidos na fase
agrícola, relacionados aos fluxos de materiais e de água, com os valores dos coeficientes de
retorno (CR) utilizados.
Fonte dos fluxos de
Fonte da qualidade da
Processos internos de materiais, volume de
Insumos CR(a) água extraída / Local
produção água extraída, volume e
de referência
qualidade do efluente
Calcário Boulay et al. (2011a) /
Insumos GaBi v.4.4(b) -
dolomítico Brasil
Boulay et al. (2011a) /
Ureia e amônia 0,7
Rússia
Ureia Ecoinvent v.2.2(c)
Boulay et al. (2011a) /
Outros insumos 0,8
Europa
CETESB (2012) /
SSP e ácido sulfúrico 0,75
Cubatão - SP
Extração e beneficiamento CETESB (2006) /
Superfosfato 0,62
de rocha fosfática Aquífero São Paulo
simples Ecoinvent v.2.2(c)
(SSP) Boulay et al. (2011a) /
Enxofre 0,8
Europa
Boulay et al. (2011a) /
Outros insumos 0,8
Brasil
Extração e beneficiamento Boulay et al. (2011a) /
Cloreto de 0,62
do KCl Rússia
potássio Ecoinvent v.2.2(c)
(KCl) Boulay et al. (2011a) /
Insumos 0,8
Europa
CETESB (2012) /
São José dos Campos -
Roundup Original(d)
SP e CETESB (2006) /
Aquífero Taubaté.
INEA (2011) / Belford
Certero(e)
Roxo - RJ
CETESB (2012) / Franco
Defensivos (f) da Rocha – SP e
Spider 840 WG Ecoinvent v.2.2(c) 0,7
agrícolas CETESB (2006) /
Aquífero São Paulo
Standak Top(g)
CETESB (2012) /
Opera(h)
Guaratinguetá – SP e
CETESB (2006) /
Talcord 250(i)
Aquífero Taubaté
Pivot(j)
A partir destas informações, a fim de esclarecer a relação entre a origem dos dados e
as características da produção destes materiais definidas para o sistema de produto estudado,
algumas observações devem ser feitas:
Calcário dolomítico: não foram encontrados dados referentes à produção
brasileira, por esse motivo utilizou-se a base de dados da Europa (“limestone,
flour 2mm, RER). No entanto, a sequência do processo produtivo, além de ser
simples, é praticamente igual ao empregado no Brasil, ou seja, extração com
explosivos, britagem e moagem. Outro aspecto importante, é que não foi
encontrado uso da água no processo de produção do calcário; portanto, apenas
foram considerados os insumos do ciclo de vida deste produto, que são compostos
basicamente por eletricidade e combustível.
Ureia: conforme identificado anteriormente, grande parte da ureia consumida no
Brasil como fertilizante é importada da Rússia. Dessa forma, utilizou-se a base de
dados da Europa (“urea, as N, at regional storehouse, RER), que considera os
principais processos empregados no mundo, que são a reação entre a amônia e o
dióxido de carbono para a produção da ureia e a reforma catalítica do gás natural
para a produção da amônia. Os outros insumos são energia elétrica, combustível,
níquel e solventes diversificados.
SSP: na falta de dados consistentes sobre o uso da água na cadeia produtiva
brasileira de SSP, empregou-se a base de dados da Europa (“single
superphosphate, as P2O5, at regional storehouse, RER”). Neste inventário, são
consideradas tecnologias similares às condições brasileiras, onde o SSP é
produzido através da acidificação da rocha fosfática. Este último insumo, por sua
vez, é extraído e beneficiado através da rota seca. Quanto ao ácido sulfúrico, este
é produzido através da oxidação do enxofre proveniente das refinarias de petróleo,
que, no caso do Brasil, é importado. De forma geral, os outros insumos dessa
cadeia produtiva são eletricidade, combustível, soda cáustica e outras substâncias
químicas diversificadas.
KCl: foi utilizada a base de dados da Europa (“potassium chloride, as K2O, at
regional storehouse, RER”), pois grande parte do KCl consumido no Brasil é
importado, principalmente, da Rússia. Neste inventário, são contabilizadas as três
técnicas mais utilizadas no mundo para a concentração do sal após a extração, que
são a flotação, a separação eletrostática e a solução em água quente. Os insumos
empregados nestes processos são energia elétrica, combustível e compostos
inorgânicos variados.
95
Tabela 4.8 – Valores quantitativos dos fluxos de água, para a produção unitária dos insumos
envolvidos no subsistema da fase agrícola, separados pelos principais processos produtivos.
Calcário Ureia SSP
(1 kg) (1 kg N) (1 kg P2O5)
SSP e
Ureia e Outros Rocha Outros
Insumos ácido Enxofre
amônia insumos fosfática insumos
sulfúrico
Entradas
Água da chuva (l)
Água superficial (l) 0,034 1,353 18,7 85,4 1,687 62,22
Água subterrânea (l) 0,012 0,748 3,8 2,37
Saídas
Efluente (l) 0,036 0,947 15,56 64,05 2,356 1,35 51,67
Defensivos agrícolas
(1 kg produto)
Roundup Spider Standak Talcord
Opera Certero Pivot
Original 840 WG Top 250
Entradas
Água da chuva (l)
Água superficial (l) 294,79 523,93 351,9 98,6 332,5 170,61 86,5
Água subterrânea (l) 8,07 6,22 6,45 1,39 4,03 2,17 0,96
Saídas
Efluente (l) 212 371,11 250,84 70 235,57 120,95 61,22
KCl
(1 kg K2O) Sementes Óleo diesel
(1 kg) (1 kg)
Extração KCl Insumos
Entradas
Água da chuva (l) 1649
Água superficial (l) 16,5 6,39 1,22
Água subterrânea (l) 0,18
Saídas
Efluente (l) 10,2 5,26 51,4 1,13
Tabela 4.9 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, na produção dos
insumos da cadeia produtiva do calcário dolomítico.
Parâmetros Insumos
(mg/l) Água Superficial Água Subterrânea Efluente
Fósforo 0,05 0,05 0,297
Cloreto 300 125 832,3
Sólidos Suspensos Totais 12,5 - 119
Nitrato 15 15 18,7
Sulfato 250 250 328
Manganês 0,1 0,1 0,121
97
Tabela 4.10 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
cadeia produtiva da ureia, com valores específicos para os principais processos produtivos.
Ureia e amônia Outros insumos
Parâmetros
(mg/l) Água
Água Superficial Efluente Água Superficial Efluente
Subterrânea
Amônia 0,55 384,4 0,55 0,075 0,112
Fósforo 0,05 - 0,05 0,05 7,6
DBO 2,5 - 2,5 2,5 220,6
Ferro 2,5 - 2,5 2,5 14,03
Cromo 0,025 - 0,075 0,025 0,084
Sulfato 250 - 250 250 267
Tabela 4.11 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
cadeia produtiva do SSP, com valores específicos para os principais processos produtivos.
SSP e ácido
Parâmetros Rocha fosfática Enxofre Outros insumos
sulfúrico
(mg/l)
AS Efluente AG Efluente AS Efluente AS AG Efluente
DBO 7 - 0,56 107 2,5 0,17 2,5 2,5 66,1
Fósforo 0,079 22,5 0,017 14,4 0,05 0,026 0,05 0,05 5,3
Amônia 0,3 - 0,07 - 0,075 0,2075 0,075 0,025 0,3
Cádmio 0,0007 0,068 0,0001 - 0,0165 0,015 0,0165 0 0,001
Chumbo 0,008 0,297 0,0002 - 0,055 0,02 0,055 0 0,011
Sulfato 9,67 10,52 10,9 475,4 250 - 250 250 225,8
Legenda: AS – água superficial; AG – água subterrânea.
Tabela 4.12 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
cadeia produtiva do KCl, com valores específicos para os principais processos produtivos.
Extração do KCl Insumos
Parâmetros
(mg/l) Água
Água Superficial Efluente Água Superficial Efluente
Subterrânea
DBO 2,5 - 2,5 2,5 53,9
Cloreto 125 12316 300 125 12446
Sódio 100 7194 205 100 9510
Enxofre 2,5 12,22 2,5 2,5 -
Sulfato 250 - 250 250 1282
Fósforo 0,05 - 0,05 0,05 0,74
98
Tabela 4.13 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
cadeia produtiva do óleo diesel.
Parâmetros Óleo diesel
(mg/l) Água Superficial Efluente
Sólidos Suspensos Totais 12,5 361
Cloreto 300 5472
Benzeno 0,055 0,386
Arsênico 0,055 0,121
Cádmio 0,0165 0,062
HPA* 0,0038 0,017
* Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos
Tabela 4.14 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos nas
cadeias produtivas dos defensivos agrícolas.
Parâmetros Roundup Original Spider 840 WG Standak Top Opera
(mg/l) AS AG E AS AG E AS AG E AS AG E
Amônia 0,5 0,01 4,96 0,3 0,03 33,4 0,5 0,01 53,6 0,5 0,01 91,3
DBO 3,25 1,74 54,4 4 2,4 104,4 3 1,74 119,2 3 1,74 149
Fluoreto 0,35 0,21 0,22 0,47 0,18 5,74 0,28 0,21 13 0,28 0,21 6,38
Ferro 0,62 0,07 6,04 0,57 1,5 5,52 4,17 0,07 7 4,17 0,07 5,92
Fósforo 0,037 0,02 18,3 0,041 0,018 1,61 0,034 0,02 11,7 0,034 0,02 7,33
Cloreto 3,76 1,2 2270 1,33 1,2 2214 1,27 1,2 1474 1,27 1,2 2024
possuir alto teor de argila (acima de 60%). A partir disso, a capacidade de água disponível
(CAD) e a taxa de infiltração máxima foram obtidas através de pesquisa na literatura
especializada. Para a CAD, foi adotado o valor de 155 mm/m, baseando-se nos trabalhos de
Genro Junior et al. (2009), Marcolin (2009) e Serafim et al. (2008), os quais determinaram
experimentalmente este parâmetro, para o mesmo tipo de solo, com cultivos variados em
sistema de plantio direto e obtiveram variações de 130 mm/m à 180 mm/m. Quanto à taxa de
infiltração máxima, utilizou-se o valor de 84 mm/dia, que é a média da variação apresentada
em Gomes (1997) para solos argilosos.
Após a inserção de todos os dados no software CROPWAT v.8.0, foi realizada a
simulação do balanço hídrico diário do solo, considerando que o conteúdo de água
inicialmente presente no solo é de 50% da CAD, ou seja, 77,5 mm/m. Os resultados finais,
produzidos para todo o período de cultivo em um hectare de área, são mostrados na Tabela
4.15.
Tabela 4.15 – Valores volumétricos resultantes da simulação do balanço hídrico do solo, para
o cultivo de um hectare de soja, em Santa Rosa – RS, no período de 15 de novembro a 25 de
março, com dados climáticos de 2000 a 2011.
Componente Valor (mm)
Conteúdo inicial de água no solo 77,5
Precipitação total 522
Entrada total de água 599,5
Evapotranspiração da cultura 535,8
Perdas totais
16,7
(percolação profunda e escoamento superficial)
Saída total de água 552,5
Conteúdo final de água no solo 47
de análise do ciclo de vida como outros específicos para a quantificação da poluição causada
pela agricultura.
No caso do nitrogênio, a maior parte dos estudos de ACV tem adotado o valor de 30%
de perda deste nutriente na forma de nitrato, como, por exemplo, a base de dados do
Ecoinvent (NEMECEK e KÄGI, 2007), Sallaberry (2009), Rocha (2011), Emmenegger et al.
(2011), entre outros, os quais se basearam, principalmente, nas estimativas do IPCC (1996).
Outra grande parcela adota o modelo GREET (WANG, 1999), o qual, através de diversas
medidas experimentais, chegou ao valor de 24%. Quanto aos estudos que realizaram
medições diretas, foi encontrada uma grande variação de resultados, que vão de 1,5 a 35,9%
(FERNANDEZ e LIBARDI, 2009; KLADIVKO et al., 2009; RANDALL e VETSCH, 2005;
SANTOS et al., 2009). Estes resultados estão de acordo com o estudo de Powers (2007), o
qual analisou dados de duas décadas de perdas de nutrientes na agricultura e comparou com
outros trabalhos de campo, encontrando uma variabilidade de 10 a 80% para o nitrogênio,
devido, principalmente, à quantidade de precipitação de cada período. No entanto, neste
mesmo estudo, a média resultante foi de 31,6% e, por esse motivo, o autor chega à conclusão
de que fatores em torno deste valor fornecem ótimas estimativas médias para grandes
períodos. Diante disso, neste estudo será adotado o valor de 30% de perdas para o nitrogênio,
seguindo a tendência da maior parte dos trabalhos consultados.
Para as perdas de fósforo, muitos estudos de ACV tem adotado o valor de 2,9%, com
base nas estimativas de Dalgaard et al. (2006). No banco de dados do Ecoinvent, também se
chega a um valor próximo de 3%, seguindo um modelo adaptado às condições suíças
(NEMECEK e KÄGI, 2007). Quanto aos estudos com medições de campo, de forma geral é
encontrada uma variabilidade de 0 a 12%, com média de 3,5%, sendo também muito
dependente do volume de precipitação no período avaliado (BASSO, 2003; POWERS, 2007;
SELIM et al., 2000; SHARPLEY e HOLVORSON, 1994). Dessa forma, neste estudo foi
utilizada a fração de 3,5% de perdas de fósforo, pois é um valor que está próximo dos
resultados encontrados pela maioria dos trabalhos analisados e, ao mesmo tempo, não é muito
diferente dos valores utilizados pela maioria dos estudos da área de ACV.
Com relação aos defensivos agrícolas, somente foram considerados o glifosato e a
permetrina, uma vez que, dos ingredientes ativos incluídos neste estudo, estes são os únicos
que possuem limites padronizados de concentração em normas que regram a qualidade da
água dos corpos hídricos, como por exemplo, na Resolução CONAMA n.º 357/2005 e na
compilação realizada por Boulay et al. (2011a). Em pesquisa à literatura, não foram
encontradas frações de perda para estas substâncias em estudos da área de ACV, entretanto,
em trabalhos mais específicos sobre poluição agrícola, foram encontrados os seguintes valores
102
que serão utilizados neste estudo: 0,07% para o glifosato (SHIPITALO et al., 2008) e 0,11%
para a permetrina (OROS e WERNER, 2005).
Depois de obter estas frações, foi possível calcular a concentração da água que infiltra
e escoa da plantação de soja para os corpos hídricos, utilizando o volume de perda (infiltração
e escoamento), resultante da simulação previamente descrita. Os resultados são mostrados na
Tabela 4.16.
Tabela 4.16 – Concentração dos parâmetros qualitativos do fluxo de saída de água da etapa de
cultivo da soja.
Parâmetro Valores (mg/l)
Fósforo total 4,12
Nitrato 8,08
Glifosato 0,0035
Permetrina 0,0002
plantio direto, levando em conta o intervalo de três anos para a próxima aplicação e o cultivo
de duas culturas por ano. Com relação à aplicação de fósforo e potássio, foi selecionada a
quantidade referente a um rendimento de 2.000 kg/ha, para um solo com teor médio destes
nutrientes, considerando que uma nova adubação só é necessária depois de dois cultivos.
Depois disso, a quantidade de nitrogênio aplicada foi calculada através da proporção do
composto NPK (2:20:20), utilizada pelos produtores rurais, os quais também indicaram a
quantidade de sementes utilizadas por hectare de plantação. Dessa forma, os valores utilizados
por hectare foram: 600 kg de calcário, 4,5 kg de nitrogênio, 45 kg de fósforo e potássio, 50 kg
de sementes, 2,33 kg de Roundup Original, 0,036 kg de Spider 840 WG, 0,12 kg de Standak
Top, 1,06 kg de Opera, 0,033 kg de Certero, 0,102 kg de Talcord 250 e 1,04 kg de Pivot.
Quanto ao consumo de óleo diesel, foram utilizados os valores encontrados no estudo
de Mello et al. (2005), onde foi estimado o consumo que ocorre em cada operação de uma
plantação de soja. A Tabela 4.17 mostra estas quantidades por etapa de cultivo, com a unidade
convertida de litros para quilograma, de acordo com a densidade média de 0,84 kg/l
(PETROBRAS, 2011).
Como a maior parte dos dados são fornecidos por área de cultivo, também foi preciso
relacioná-los à quantidade de hectares utilizados para produzir 1 kg de grãos de soja. Isto foi
realizado utilizando a produtividade da região, já anteriormente definida como 1707 kg/ha, o
que resultou na área de 0,000586 hectares.
Além disso, o consumo de óleo diesel também foi contabilizado nas operações de
transporte dos insumos e produtos até a região de cultivo da soja. Para tanto, utilizou-se como
padrão de consumo o valor de 0,01024 kg/ton.km para o transporte rodoviário e de 0,0025
kg/ton.km para o transporte marítimo, com base nos dados do Ecoinvent v. . (“operation,
lorry 20-28t, fleet average” e “operation, transoceanic freight ship”), onde é considerado o
104
anteriormente e, portanto, não serão mostrados nesta seção. A Tabela 4.19 mostra a fonte dos
dados e os coeficientes de retorno utilizados.
Tabela 4.19 – Fontes dos dados utilizados no ciclo de vida dos insumos envolvidos na fase de
produção do óleo degomado, relacionados aos fluxos de materiais e de água, com os valores
dos coeficientes de retorno (CR) utilizados.
Fonte dos fluxos de
Fonte da qualidade da
Processos internos materiais, volume de
Insumos CR(a) água extraída / Local de
de produção água extraída, volume e
referência
qualidade do efluente
Com relação às características das fontes dos dados, algumas observações foram
realizadas:
Hexano: não foram encontrados dados sobre a produção brasileira; por esse
motivo, utilizou-se a base de dados da Europa (“hexane, at plant, RER”). No
entanto, a base do processo produtivo é a mesma, ou seja, processamento da
nafta, obtida no refino do petróleo, por separação molecular.
Lenha: na estimativa do fluxo de água da chuva, utilizou-se dados específicos
para as condições do estado do Rio Grande do Sul, que é a região de produção
definida neste estudo. Para o restante dos fluxos, foi utilizada uma base de
dados genérica da Europa (“logs, mixed, at forest, RER”), que considera apenas
as atividades básicas realizadas no cultivo florestal, como o corte, a
manutenção, entre outros.
Energia elétrica: os dados fornecidos pela base de dados “electricity, medium
voltage, production BR, at grid” são específicos para a geração e distribuição
de energia nas condições brasileiras.
Diante disso, os resultados relacionados aos volumes de entrada e saída de água da
produção de insumos são mostrados na Tabela 4.20 e as concentrações das emissões de
106
poluentes são mostradas nas Tabelas 4.21 e 4.22. Ainda cabe salientar que a estimativa do
consumo de água da chuva na produção de lenha foi realizada conforme descrito na seção
“4.1.5.1 Água Verde”, utilizando a produtividade de 35 m³/ha.ano (BRACELPA, 2009) e a
evapotranspiração de 1125 mm/ano (RIO GRANDE DO SUL, 2010).
Tabela 4.20 – Valores quantitativos dos fluxos de água, para a produção unitária dos insumos
envolvidos no subsistema da fase de produção do óleo degomado, separados pelos principais
processos produtivos.
Hexano (1 kg) Lenha Energia elétrica
Hexano Insumos (1 m³) (1 kWh)
Entradas
Água da chuva (l) 321428
Água superficial (l) 25,9 14,58 19,36 1,14
Água subterrânea (l) 0,35 0,47
Saídas
Efluente (l) 20,7 11,95 15,87 0,93
Tabela 4.21 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
cadeia produtiva do hexano, com valores específicos para os principais processos produtivos.
Hexano Insumos
Parâmetros
(mg/l) Água
Água Superficial Efluente Água Superficial Efluente
Subterrânea
DBO 1,6 941,06 2,5 2,5 1113
Benzeno 0 - 0,05 0 0,27
Fósforo 0,014 - 0,05 0,05 3,33
Bário - - 0,35 0,35 1,78
Ferro 0,45 - 2,5 2,5 7,56
Sódio 104 - 205 100 1238
Tabela 4.22 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
cadeia produtiva da energia elétrica e na produção dos insumos da cadeia produtiva da lenha
(biomassa).
Energia elétrica Lenha (insumos)
Parâmetros
(mg/l) Água
Água Superficial Efluente Água Superficial Efluente
Subterrânea
DBO 2,5 57,33 2,5 2,5 248,3
Fósforo 0,05 9,8 0,05 0,05 2,83
Cloreto 300 360,7 300 125 593
Lavagem
(pisos e equip.)
Degomagem
FONTE DA ÁGUA ETE
Empresa com recirc. (Empresa sem recirc.)
Outros
(subterrânea) Caldeiras
Empresa sem recirc. processos
Evaporador
(superficial) (Empresa com recirc.)
Torres de
resfriamento
Legenda: Água
Vapor
Efluente
Perda de água
O volume de entrada e saída de água de todo o processo produtivo foi obtido através
do somatório dos fluxos dos processos unitários. Estes dados foram fornecidos em vazão
diária e, por esse motivo, tiveram que ser relacionados com a produção diária das empresas,
como mostra a Tabela 4.23.
Tabela 4.23 – Valores quantitativos dos fluxos de água, por processo industrial, na etapa de
produção do óleo degomado.
Empresa com recirculação Empresa sem recirculação
(produtividade 214,67 ton/dia) (produtividade 400 ton/dia)
Vazão diária Resultado final Vazão diária Resultado final
(m³/dia) (l/kg) (m³/dia) (l/kg)
Entradas
Caldeiras 192 0,89 624 1,56
Água de processo 45 0,21 264 0,66
Torres de resfriamento 384 1,79 480 1,20
Lavagens 2 0,009 0,6 0,0015
Entrada total 623 2,9 1368,6 3,4
Saídas
Caldeira - - 20 0,05
Água de processo - - 50 0,125
Lavagens - - 0,6 0,0015
Efluente total zero zero 70,6 0,176
Com relação à qualidade dos fluxos de água, estes foram determinados de diferentes
maneiras. Para a água utilizada pela Empresa sem recirculação, a qualidade foi obtida com
dados do monitoramento, realizado nos últimos cinco anos pela FEPAM (FEPAM, 2012b), do
rio Jacuí, que é o corpo hídrico de onde a água é captada. Quanto ao efluente desta mesma
empresa, os dados de concentração das substâncias presentes foram obtidos através dos
relatórios semestrais, que constavam no mesmo processo de licenciamento consultado
(FEPAM, 2011). Para a água extraída pela Empresa com recirculação, foram utilizados os
dados apresentados em COAMB (2005). Os resultados finais destas consultas, mostrando os
principais parâmetros qualitativos, estão na Tabela 4.24, mais abaixo.
Os fluxos de materiais, envolvidos nesta fase do ciclo de vida, também foram
determinados com base na mesma fonte de dados; entretanto, foi considerado apenas um valor
para cada fluxo, formado pela média das duas empresas. Entre estes dados, também estão
incluídas os valores das quantidades de subprodutos produzidos (cascas, farelo e lecitina de
soja), que foram utilizados na estimativa da alocação das cargas ambientais. Quanto ao
consumo de diesel para o transporte dos insumos, foram adotadas as mesmas suposições
109
Tabela 4.24 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
etapa de produção do óleo degomado.
Parâmetros Empresa sem recirc. Empresa com recirc.
(mg/l) Água Superficial Efluente Água Subterrânea
DBO 1,3 58,3 1,05
Óleos e graxas - 5,5 -
Fósforo 0,23 1,6 0,067
Sólidos Suspensos Totais 88 38,7 11,6
Dureza (CaCO3) - 45 59,6
Nitrogênio total 0,73 7,33 1,15
Tabela 4.25 – Resultados dos fluxos de massa do subsistema da fase de produção do óleo
degomado.
Materiais Unidade Quantidade
Entradas
Grãos de soja kg 5,00E+00
Energia elétrica kWh 4,31E-01
Biomassa (lenha) m³ 8,60E-04
Hexano kg 1,44E-02
Óleo diesel kg 9,68E-03
Saídas
Óleo degomado kg 1,00E+00
Farelo kg 3,87E+00
Cascas kg 1,10E-01
Lecitina de soja kg 1,74E-02
A Tabela 4.26 mostra, de forma resumida, a origem dos dados da cadeia produtiva de
cada insumo, os coeficientes de retorno utilizados quando a fonte não disponibiliza o volume
de efluentes gerados e a fonte utilizada para determinar a qualidade da água extraída.
Tabela 4.26 – Fontes dos dados utilizados no ciclo de vida dos insumos envolvidos na fase de
fabricação do biodiesel, relacionados aos fluxos de materiais e de água, com os valores dos
coeficientes de retorno (CR) utilizados.
Fonte dos fluxos de
Fonte da qualidade da
Processos internos materiais, volume de
Insumos CR(a) água extraída / Local
de produção água extraída, volume e
de referência
qualidade do efluente
Boulay et al. (2011a) /
Metanol - Ecoinvent v.2.2(b) 0,71
Chile
CETESB (2012) /
Metilato de sódio 0,7
Pirapozinho – SP
Metilato de sódio Ecoinvent v.2.2(b)
Boulay et al. (2011a) /
Insumos 0,8
Brasil
CETESB (2012) /
Hidróxido de sódio 0,74
Hidróxido de Cubatão – SP
GaBi Software v.4(c)
sódio Boulay et al. (2011a) /
Insumos 0,8
Brasil
CETESB (2012) /
Ácido clorídrico 0,74
(c)
Cubatão – SP
Ácido clorídrico GaBi Software v.4
Boulay et al. (2011a) /
Insumos 0,8
Brasil
CETESB (2006) /
Ácido fosfórico 0,74
Aquífero São Paulo
Ácido fosfórico Ecoinvent v.2.2(b)
Boulay et al. (2011a) /
Insumos 0,8
Brasil
(a) Fonte: SILVA, 2011; (b) Fonte: ECOINVENT CENTRE, 2010; (c) Fonte: PE INTERNATIONAL, 2011.
Após a seleção desta base de dados, alguns aspectos devem ser destacados, de modo a
relacionar as características do ciclo de vida estudado com as fontes dos dados:
Metanol: utilizou-se o inventário com dados globais (“methanol, at plant,
GLO”), pois foi identificado que este produto é importado do Chile, o qual é
um dos maiores produtores mundiais.
Metilato de sódio: não foram encontradas informações específicas do Brasil e,
por esse motivo, foi selecionada a base de dados global (“sodium methoxide, at
plant, GLO”), que considera o processo mais utilizado no mundo, realizado a
partir da reação entre o metanol e o sódio metálico.
Hidróxido de sódio: na falta de dados específicos do Brasil, utilizou-se a base
de dados “sodium hydroxide, from chlorine-alkali electrolysis, diaphragm,
111
Tabela 4.27 – Valores quantitativos dos fluxos de água, para a produção unitária dos insumos
envolvidos no subsistema da fase de fabricação do biodiesel, separados pelos principais
processos produtivos.
Metilato de sódio Hidróxido de sódio
Metanol (1 kg) (1 kg)
(1 kg) Metilato de Hidróxido de
Insumos Insumos
sódio sódio
Entradas
Água da chuva (l)
Água superficial (l) 11,59 144,8 123,3 135,1 51,6
Água subterrânea (l) 0,5 5,8 1,7
Saídas
Efluente (l) 8,58 101,4 103,3 100 42,7
Ácido clorídrico Ácido fosfórico
(1 kg) (1 kg)
Ácido clorídrico Insumos Ácido fosfórico Insumos
Entradas
Água da chuva (l)
Água superficial (l) 68 52,7 126,5
Água subterrânea (l) 1,8 28,4 7,2
Saídas
Efluente (l) 50,3 43,8 21 107
112
Tabela 4.28 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
cadeia produtiva do metanol.
Parâmetros Metanol
(mg/l) Água Superficial Água Subterrânea Efluente
DBO 12,5 2,5 27,4
Ferro 2,5 2,5 4,46
Fósforo 0,05 0,05 1,74
Cromo 0,075 0 0,025
Arsênico 0,055 0,005 0,009
Benzeno 0,055 0 0,004
Tabela 4.29 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
cadeia produtiva do metilato de sódio, com valores específicos para os principais processos
produtivos.
Metilato de sódio Insumos
Parâmetros
(mg/l) Água Água Água
Efluente Efluente
Superficial Superficial Subterrânea
DBO 6 342,6 2,5 2,5 17,9
Boro 0,37 5,4 1,75 0,25 0,16
Bromato - 1,02 0,055 0,005 -
Fósforo 0,062 - 0,05 0,05 4,42
Ferro 2,84 - 2,5 2,5 20,8
Sódio 3,84 183,4 100 205 30,7
Tabela 4.30 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
cadeia produtiva do hidróxido de sódio, com valores específicos para os principais processos
produtivos.
Hidróxido de sódio Insumos
Parâmetros
(mg/l) Água Água Água
Efluente Efluente
Superficial Superficial Subterrânea
DBO 7 - 2,5 2,5 11,9
Fósforo 0,079 - 0,05 0,05 3,52
Ferro 0,315 - 2,5 2,5 15,7
Bromato - 1,27 0,055 0,005 -
Cromo 0,001 - 0,05 0 0,02
Cloreto 187,7 69,4 300 125 153
113
Tabela 4.31 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
cadeia produtiva do ácido clorídrico, com valores específicos para os principais processos
produtivos.
Ácido clorídrico Insumos
Parâmetros
(mg/l) Água Água Água
Efluente Efluente
Superficial Superficial Subterrânea
DBO 7 - 2,5 2,5 10,7
Fósforo 0,079 - 0,05 0,05 2,54
Ferro 0,315 - 2,5 2,5 15,7
Bromato - 1,27 0,055 0,005 -
Cromo 0,001 - 0,05 0 0,02
Cloreto 187,7 69,4 300 125 152,9
Tabela 4.32 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
cadeia produtiva do ácido fosfórico, com valores específicos para os principais processos
produtivos.
Ácido fosfórico Insumos
Parâmetros
(mg/l) Água Água Água
Efluente Efluente
Subterrânea Superficial Subterrânea
DBO - - 2,5 2,5 24,1
Sulfato 10 6,35 250 250 2794
Fluoreto 0,47 66,5 0,5 0,5 8,97
Cromo 0,002 - 0,055 0 0,317
Arsênico 0,002 - 0,055 0,005 0,177
Fósforo 0,035 0,057 0,05 0,05 0,89
Lavagem do óleo
Lavagem neutralizado
(pisos e equip.)
Purificação do
biodiesel ETE
FONTE DA ÁGUA
Empresa com recirc. (Empresa sem recirc.)
(subterrânea) Caldeiras Outros processos
Empresa sem recirc. Evaporador
(superficial) (Empresa com recirc.)
Torres de
resfriamento
Legenda: Água
Vapor
Efluente
Perda de água
Através da obtenção dos volumes de entrada e saída de água de cada fluxo, foi
possível determinar o total de água extraída e de efluente gerado no processo produtivo. Estes
dados foram fornecidos em vazão diária e, por esse motivo, tiveram que ser relacionados com
a quantidade de biodiesel produzido por dia pelas empresas, como mostra a Tabela 4.33, mais
abaixo.
As características qualitativas destes fluxos de água foram determinadas com
diferentes fontes de dados. Na Empresa sem recirculação, devido ao fato de que as atividades
de fabricação do óleo degomado e do biodiesel estão localizadas na mesma planta industrial, o
fluxo da água captada e do efluente gerado é o mesmo para ambos os processos e, portanto,
115
somente há distinção dos dados que se referem aos valores de volume. Dessa forma, a
qualidade da água na fabricação do biodiesel foi determinada com os mesmos dados
utilizados na fase anterior. Com relação à água utilizada pela Empresa com recirculação, sua
qualidade foi obtida com as informações fornecidas pela própria empresa nos processos
administrativos consultados (FEPAM, 2010). Os resultados finais dos principais parâmetros
qualitativos dos fluxos de água são mostrados na Tabela 4.34.
Tabela 4.33 – Valores quantitativos dos fluxos de água, por processo industrial, na etapa de
fabricação do biodiesel.
Empresa com recirculação Empresa sem recirculação
(produtividade 650 ton./dia) (produtividade 821,3 ton./dia)
Vazão diária Resultado final Vazão diária Resultado final
(m³/dia) (l/kg) (m³/dia) (l/kg)
Entradas
Caldeiras 64,8 0,01 192 0,234
Água de processo 65 0,1 141,57 0,172
Torres de resfriamento 117 0,18 192 0,234
Lavagens 0,48 0,00074 0,6 0,0015
Entrada total 247,28 0,38 526,17 0,64
Saídas
Caldeira - - 20 0,024
Água de processo - - 75,83 0,092
Lavagens - - 0,6 0,0015
Efluente total zero zero 96,43 0,118
Tabela 4.34 – Concentração dos parâmetros qualitativos dos fluxos de água, envolvidos na
etapa de fabricação do biodiesel.
Parâmetros Empresa sem recirc. Empresa com recirc.
(mg/l) Água Superficial Efluente Água Subterrânea
DBO 1,3 58,3 -
Óleos e graxas - 5,5 -
Fósforo 0,23 1,6 0,015
Sólidos Suspensos Totais 88 38,7 13,4
Dureza (CaCO3) - 45 38,4
Nitrogênio total 0,73 7,33 1,72
suposições realizadas na fase agrícola para estimar o consumo de óleo diesel nas operações de
transporte destes materiais, levando em conta as respectivas distâncias dos locais de produção,
como é mostrado em detalhes no APÊNDICE C. Os valores resultantes para estes fluxos,
relacionados à produção de 1 litro de biodiesel, são mostrados na Tabela 4.35.
subproduto do biodiesel. Diante disso, a Tabela 4.36 mostra os dados utilizados, a fonte de
obtenção dos mesmos e os valores finais dos fatores de alocação empregados.
A partir destes resultados, pode-se concluir que 96,7% dos valores de cada fluxo do
ciclo de vida analisado são destinados, exclusivamente, para a produção do biodiesel e, antes
disso, 52% dos fluxos dos dois primeiros subsistemas são exclusivos para a fabricação do
óleo degomado. Com isso, estas proporções foram aplicadas aos fluxos de cada subsistema,
para que seja efetuada a devida alocação.
Após a realização destes procedimentos, foi possível estabelecer o inventário final dos
materiais, que será utilizado como referência para a posterior estimativa da Pegada Hídrica e
do ICV do uso da água. A Tabela 4.37 mostra os resultados finais, com e sem a aplicação dos
fatores de alocação, para cada subsistema.
Tabela 4.37 – Inventário final dos fluxos de materiais, para cada subsistema do ciclo de vida
do biodiesel de soja, com e sem a aplicação dos fatores de alocação. (continua)
Materiais Unidade Resultados sem alocação Resultados com alocação
Subsistema da Fase Agrícola
Entradas
Calcário Dolomítico kg 1,73E+00 8,70E-01
Nitrogênio kg 1,30E-02 6,54E-03
Fósforo (P2O5) kg 1,30E-01 6,54E-02
Potássio (K2O) kg 1,30E-01 6,54E-02
Semente kg 1,45E-01 7,29E-02
Óleo Diesel kg 1,60E-01 8,06E-02
Roundup Original kg 6,72E-03 3,38E-03
Spider 840 WG kg 1,04E-04 5,23E-05
Standak Top kg 3,47E-04 1,74E-04
Opera kg 3,07E-03 1,54E-03
118
(continuação)
Certero kg 9,53E-05 4,79E-05
Talcord 250 kg 2,95E-04 1,48E-04
Pivot kg 3,01E-03 1,51E-03
Saídas
Grãos de soja kg 4,94E+00 2,48E+00
Subsistema da Fase de Produção do Óleo Degomado
Entradas
Grãos de soja kg 4,94E+00 2,48E+00
Energia elétrica kWh 4,26E-01 2,14E-01
Biomassa (lenha) m³ 8,50E-04 4,27E-04
Hexano kg 1,42E-02 7,14E-03
Óleo diesel kg 9,56E-03 4,81E-03
Saídas
Óleo degomado kg 9,88E-01 9,55E-01
Farelo kg 3,82E+00 -
Cascas kg 1,08E-01 -
Lecitina de soja kg 1,72E-02 -
Subsistema da Fase de Fabricação do Biodiesel
Entradas
Óleo degomado kg 9,88E-01 9,55E-01
Energia elétrica kWh 4,10E-02 3,96E-02
Biomassa (lenha) m³ 1,53E-04 1,48E-04
Metanol kg 1,40E-01 1,35E-01
Metilato de sódio kg 3,43E-03 3,32E-03
Hidróxido de sódio kg 2,03E-03 1,96E-03
Ácido fosfórico kg 2,21E-03 2,14E-03
Ácido clorídrico kg 3,06E-03 2,96E-03
Óleo diesel kg 6,76E-03 6,54E-03
Saídas
Biodiesel L 1,00E+00 1,00E+00
Glicerina loira (80%) kg 1,48E-01 -
Ácidos graxos kg 2,86E-02 -
Tabela 4.38 – Resultados finais da Pegada Hídrica, para o subsistema da fase agrícola.
Figura 4.9 – Composição da Pegada Hídrica total e dos componentes Água Verde, Azul e
Cinza, do subsistema da fase agrícola.
Tabela 4.39 – Resultados finais da Pegada Hídrica, para os subsistemas das fases de produção
do óleo degomado e de fabricação do biodiesel.
Água Azul Água Cinza
Processo Água
Material
produtivo Verde (l) Parâmetro
AS (l) AG (l) Valor (l)
crítico
Cultivo 1,8E+02 - - - -
Biomassa
Insumos - 2,0E-03 2,7E-04 7,4E-01 DBO
Energia
- - 5,3E-02 - 2,3E+01 Fósforo
elétrica(a)
Óleo diesel(a) - - 1,0E-03 - 8,3E-01 Benzeno
Por outro lado, a produção de insumos do cultivo de biomassa e a produção de óleo diesel
obtiveram representatividade menor que 1% em todos os componentes.
Figura 4.10 – Composição da Pegada Hídrica total e dos componentes Água Azul e Cinza, do
subsistema da fase de produção do óleo degomado.
De forma específica para a Água Cinza, também nota-se que nesta fase a emissão de
matéria orgânica, representada pelo parâmetro da DBO, é o tipo de poluição que mais
contribui para o resultado final deste componente (80,3%), incluindo o efluente do processo
produtivo do óleo degomado.
Na comparação entre as duas diferentes empresas consideradas, obteve-se o total de
240,2 litros para a Empresa sem recirculação e 238,1 litros para a Empresa com recirculação.
Essa pequena diferença de 2,1 litros, menor que 1% do valor total, derivou da diferença de
10% (0,3 litros) na Água Azul e 1,8% (1,8 litros) na Água Cinza. Portanto, em termos de
representatividade, pode-se dizer que a recirculação de efluentes resultou em uma diferença
pouco significativa, levando em conta todos os processos do subsistema. No entanto, se for
considerado apenas o processo de produção do óleo degomado e não forem contabilizadas as
diferenças pela eficiência do uso da água (assumindo o consumo médio de 3 litros para as
duas empresas), pode-se concluir que o volume de 1,8 litros da Água Cinza representa uma
adição de 60% no valor da Pegada Hídrica do processo, mostrando a importância do
reaproveitamento do efluente.
Com relação à fase de fabricação do biodiesel, a soma dos valores apresentados na
Tabela 4.39 resulta em 47,6 litros de Água Verde, 1,4 litros de Água Azul e 90,3 litros de
Água Cinza, totalizando a Pegada Hídrica de 139,3 litros. Assim como na produção do óleo
degomado, neste subsistema as etapas de produção dos insumos contribuíram com quase todo
o valor da Pegada Hídrica, atingindo um percentual de 98,7%. Conforme mostra os gráficos
124
da Figura 4.11, entre os diferentes materiais, o uso da água ocorre com maior intensidade na
produção do metanol e do metilato de sódio tanto pelo consumo de Água Azul como pela
Água Cinza, além da produção de biomassa pelo valor total da Água Verde. Quanto ao
processo de fabricação do biodiesel, este somente obteve grande representatividade na Água
Azul, abrangendo 32% do volume consumido. Particularmente para o componente Água
Cinza, a contribuição para o resultado final ficou dividida entre o parâmetro da DBO (43,4%)
e as emissões de fósforo (41,3%).
Figura 4.11 – Composição da Pegada Hídrica total e dos componentes Água Azul e Cinza, do
subsistema da fase de fabricação do biodiesel.
(CHAPAGAIN et al., 2006; DABROWSKI et al., 2009; FRAITURE et al., 2004; YANG et
al., 2006), esta comparação entre os diferentes componentes não é recomendada, uma vez que
possuem significados e objetivos diferentes. Por exemplo, enquanto a Água Azul significa o
consumo real (físico) de certo volume de água e, portanto, possui consequências diretas sobre
a disponibilidade hídrica, a Água Cinza é apenas um indicador da poluição causada, o qual
depende da escolha de alguns parâmetros específicos da região em estudo (ex.: concentração
máxima permitida).
Água Verde
40,89%
Água Cinza
59,07%
Água Azul
0,04%
Figura 4.12 – Contribuição da Água Verde, Azul e Cinza, para o valor total da Pegada Hídrica
do biodiesel de soja.
100%
80%
60%
Biodiesel
Óleo degomado
40%
Agrícola
20%
0%
Água Verde Água Azul Água Cinza Pegada
Hídrica
Figura 4.13 – Contribuição dos três subsistemas analisados, para os componentes Água
Verde, Azul e Cinza, e para o valor total da Pegada Hídrica.
Tabela 4.40 – Análise de contribuição das etapas do ciclo de vida do biodiesel de soja, por
componente da Pegada Hídrica.
Água Verde Água Azul Água Cinza
Etapa % Etapa % Etapa %
Cultivo da soja 96,2 Óleo degomado 37,6 Cultivo da soja 85,5
Biomassa 2,3 Fert. fosfatado 30,4 Fert. fosfatado 9,7
Pesticidas 5,5
Metilato de sódio 3
Hidróxido de sódio 1,2
Ácido clorídrico 1,1
Outros 3
usos mais intensivos da água foram delimitados de acordo com as regiões em que são
realizados, procurando utilizar, como unidade territorial, a bacia hidrográfica, conforme
disponibilidade de dados. Dessa forma, os resultados produzidos são mostrados na Tabela
4.41, onde nota-se que grande parte do uso da água fica concentrado na Região Hidrográfica
do Uruguai, que é o local no qual são realizados os processos de cultivo da soja e de produção
do óleo degomado e do biodiesel. Entretanto, também não pode passar despercebido o volume
de consumo e poluição que ocorre nas outras regiões, principalmente na Região Hidrográfica
do Atlântico Sudeste.
Tabela 4.41 – Análise das regiões com uso mais intensivo da água, envolvidas no ciclo de
vida do biodiesel de soja, conforme valor total da Pegada Hídrica e dos componentes Verde,
Azul e Cinza.
Pegada
Água Verde Água Azul Água Cinza
Hídrica
Região Subregião
Valor (l) % Valor (l) % Valor (l) % Valor (l) %
Bacia dos rios Turvo-
7,78E+03 96 2,90E+00 37 9,99E+03 85 1,78E+04 90
Santa Rosa-Santo Cristo
R. H. do
Bacia do rio Ijuí - - 4,60E-01 6 2,00E+00 0 2,46E+00 0
Uruguai
- 3,05E+02 4 - - 1,50E+02 2 4,55E+02 2
diversas estimativas mostradas ao longo do mesmo. Portanto, para o posterior uso destes
resultados tais aspectos devem ser considerados.
Entre os diversos estudos de Pegada Hídrica desenvolvidos nos últimos anos, existe
uma grande variabilidade nos métodos de coleta de dados e nas diversas suposições que
devem ser realizadas para que seja possível executá-los. Por esse motivo, muitas vezes a
realização de comparações mais específicas de resultados ficam prejudicadas. Mesmo assim,
diante do que foi apresentado, algumas observações importantes ainda podem ser feitas. Nota-
se, por exemplo, que a principal diferença deste estudo para a grande maioria dos trabalhos de
Pegada Hídrica, que envolvem a quantificação do uso da água no ciclo de vida de produtos, é
a inclusão, através de uma abordagem adaptada da metodologia ACV, das etapas de produção
dos insumos, os quais geralmente são negligenciados, como por exemplo, em Chapagain et al.
(2006), Aldaya e Hoekstra (2010), Mekonnen e Hoekstra (2010), Gerbens-Leenes et al.
(2009a), entre outros. Conforme mostrado anteriormente, o uso da água pela fabricação dos
insumos pode contribuir significativamente para o valor final da Pegada Hídrica e, portanto,
devem ser contabilizados para que o resultado não seja subestimado.
Outra questão importante é relacionada especificamente à determinação da Água
Cinza no cultivo da soja. No presente estudo, este componente foi determinado pela emissão
de fósforo, uma vez que este resultou em um valor muito maior (9996 litros) que as outras
substâncias (196 litros para o nitrogênio, 13 litros para o glifosato e 2,5 litros para a
permetrina). Este resultado acabou fazendo com que a Água Cinza apresentasse uma
contribuição maior que os outros dois componentes (Água Verde e Azul), contrariando os
resultados encontrados na maioria dos estudos de Pegada Hídrica (ex.: CHAPAGAIN et al.,
2006; CHAPAGAIN e HOEKSTRA, 2011; GERBENS-LEENES e HOEKSTRA, 2009;
MEKONNEN e HOEKSTRA, 2010). Nestes trabalhos, a estimativa da Água Cinza da fase
agrícola foi realizada somente com a emissão de nitrogênio, muitas vezes sem justificar o
motivo da escolha, resultando em uma baixa contribuição no valor total da Pegada Hídrica,
com cerca de 2 a 12%.
Os poucos estudos que realizaram uma avaliação mais detalhada da Água Cinza
apresentaram resultados com um padrão diferente dos demais. No estudo de Ercin et al.
(2012) foram contabilizadas todas as substâncias emitidas, resultando em uma contribuição
mais expressiva da Água Cinza (em torno de 50% da Pegada Hídrica total), porém a emissão
de fósforo foi considerada nula, através da justificativa de que há forte adsorção entre este
elemento e o solo. Na publicação de Dabrowski et al. (2009), com base em frações de perda
retiradas da literatura especializada, foram contabilizadas as emissões de fósforo para
diferentes cultivos, o que resultou em valores de Água Cinza sempre maiores para este
129
elemento e também maiores que a Água Verde e Azul, concordando com o que foi obtido no
presente trabalho. Dessa forma, os resultados apresentados neste estudo reforçam a ideia de
que a contabilização somente do nitrogênio na estimativa da Água Cinza pode acabar
subestimando o valor final da Pegada Hídrica.
Devido às frequentes situações de baixa disponibilidade de água da chuva,
enfrentadas por diversas regiões produtoras de soja do Rio Grande do Sul, em muitos anos
ocorrem diminuições drásticas na produtividade deste cultivo. Por esse motivo, estão sendo
incentivados, com cada vez mais força, a implantação de sistemas de irrigação. Diante deste
contexto, como um ponto adicional deste estudo, também foi realizada a estimativa da Pegada
Hídrica, incluindo a aplicação da irrigação no cultivo da soja. Neste procedimento, além de
serem consideradas as mesmas condições e suposições feitas anteriormente, foi assumido que
o rendimento potencial da soja, sem sofrer nenhum estresse hídrico, é de 3500 kg/ha, que é o
valor aproximado obtido por Martorano (2007). Além disso, foi considerado que a eficiência
da água extraída para a irrigação é de 62,2%, conforme dados de Christofidis (1999) para a
região sul do Brasil, e que do volume total de água perdida há evaporação (uso consuntivo) de
10%, de acordo com Mishra e Yeh (2011). Por fim, também deve ser observado que não foi
considerado o consumo a mais de energia elétrica para o bombeamento da água nem qualquer
outro insumo adicional.
A partir destas definições, foi realizada a simulação no software CROPWAT v.8.0,
selecionando-se a opção que considera os intervalos de irrigação com eficiência máxima, ou
seja, somente é aplicada quando a água disponível no solo chega ao limite de esgotamento
para a cultura. Dessa forma, o valor encontrado para o consumo efetivo da água proveniente
da irrigação foi de 281,7 mm e para o volume total perdido foi de 172,7 mm, dos quais 17,3
mm são consumidos pela evaporação e o restante retorna aos corpos hídricos. Depois disso,
para que se possa obter o resultado da evapotranspiração da água da chuva, o consumo efetivo
da irrigação foi subtraído da necessidade total da cultura (704,4 mm), resultando em 422,7
mm. Com estes resultados, mais a produtividade assumida e a quantidade de soja necessária
para a produção de 1 litro de biodiesel (2,48 kg), foi possível obter os valores finais de 2126
litros para a Água Azul e de 2995 litros para a Água Verde da fase agrícola. Além disso, com
os novos valores de produtividade e, consequentemente, de aplicação de fósforo (60 kg/ha,
segundo indicações da Reunião de Pesquisa de Soja da Região Sul (2009)), o resultado da
Água Cinza também se modifica, diminuindo para 6503 litros e totalizando a Pegada Hídrica
de 11616 litros.
Como pode ser notado, a aplicação da irrigação reduziu consideravelmente o valor
total da Pegada Hídrica (cerca de 8169 litros), o que concorda com os estudos de Mekonnen e
130
Hoekstra (2010) e Ercin et al. (2012). Essa diminuição do valor pode ser explicada,
principalmente, pela maior produtividade alcançada pela soja com o suprimento ótimo de
água em seu desenvolvimento. Além disso, a eficiência da água da irrigação, do modo como
foi simulado, é maior que a água da chuva, uma vez que somente é aplicada quando a cultura
realmente está necessitando de água.
No entanto, também se percebe que ocorre uma mudança significativa na
composição da Pegada Hídrica, pois há um grande aumento da participação da Água Azul,
ficando em torno de 18% do total, e consequente diminuição da Água Verde e Cinza, com
26% e 56%, respectivamente. Portanto, considerando que a competição pelo uso da Água
Azul é maior, este resultado reforça a ideia de que o uso do valor total da Pegada Hídrica não
é recomendado, uma vez que, neste caso, fica claro que, apesar da diminuição, o aumento
considerável da Água Azul obviamente resultaria em impactos mais significativos aos
recursos hídricos.
O ICV voltado ao uso da água, no ciclo de vida do biodiesel de soja, foi produzido
seguindo os procedimentos e considerações especificadas e determinadas no subitem
relacionado às definições gerais deste estudo. Além disso, do mesmo modo como foram
realizados os cálculos da Pegada Hídrica, todos os dados brutos relacionados aos fluxos de
materiais e de água necessários para a consolidação deste inventário foram determinados e
apresentados no subitem 4.2 Inventário de Materiais. Portanto, nesta parte do estudo será
apenas realizado o tratamento destes dados e a apresentação e discussão dos resultados finais.
De forma geral, para cada processo envolvido nos subsistemas, o uso consuntivo foi
determinado pela diferença entre o volume de entrada de água (água superficial e água
subterrânea) e o volume de efluente gerado, utilizando os valores anteriormente mostrados em
tabelas devidamente identificadas. Entretanto, como foi considerado que todos os efluentes
são lançados em corpo hídrico superficial, o volume de água subterrânea extraída sempre foi
totalmente consumida, uma vez que este volume não retorna à fonte original. Quanto ao uso
degradativo, o valor quantitativo foi determinado pelos volumes de efluente gerado e a
classificação da qualidade dos fluxos de água (entrada e saída) foi realizada utilizando os
valores de concentração dos parâmetros mostrados anteriormente, em tabelas específicas para
cada processo.
Diante destes procedimentos, o inventário produzido para a fase agrícola é mostrado
na Tabela 4.42, mais abaixo. Com relação aos resultados relacionados à água da chuva,
131
ressalta-se que os estudos em que a produção deste inventário se baseia, ou seja, o de Bayart
et al. (2010) e o de Boulay et al. (2011a), recomendam a inclusão da precipitação como fonte
de água apenas quando for coletada artificialmente (ex.: cisternas), justificando que esta
interceptação é a única forma de diminuir o volume da contribuição natural aos corpos
hídricos. Dessa forma, não é contabilizada a evapotranspiração das culturas como uso
consuntivo, pois, segundo os mesmos, este consumo aconteceria de qualquer maneira, caso
houvesse a presença de vegetação nativa. Entretanto, estes mesmos estudos não deixam claro
quanto à contabilização do excesso da água da chuva que escoa ou infiltra para os corpos
hídricos com sua qualidade degradada pela solubilização de poluentes derivados dos insumos
agrícolas, como os fertilizantes. De acordo com os princípios do uso degradativo, entende-se
que este volume poluído deve ser contabilizado, pois esta água atingiria os corpos hídricos
com uma qualidade superior e, portanto, com menos restrições de uso, caso houvesse apenas a
vegetação nativa. Diante disso, neste estudo foi decidido por quantificar o volume de água da
chuva degradada pelo cultivo da soja, se diferenciando do que foi apresentado nos estudos
citados anteriormente. Para tanto, utilizou-se, além da carga de poluentes derivados do
cultivo, o valor encontrado na estimativa realizada pelo software CROPWAT v.8.0 para o
volume de água que fica em excesso no balanço hídrico do solo após se esgotar a capacidade
de armazenamento do mesmo, ou seja, a parte que infiltra de forma profunda ou escoa
superficialmente.
A partir da soma destes resultados, pode-se chegar aos valores de 3,3 litros de
consumo efetivo da água e de 256,4 litros que são degradados. Como pode ser visto nos
gráficos da Figura 4.14, o uso consuntivo foi determinado somente pela produção dos
insumos, com destaque para o fertilizante fosfatado. Quanto ao uso degradativo, apesar do
alto valor apresentado, nota-se que sua maior parte é composta pela água da chuva degradada
à categoria S3 (96%), a qual, segundo Tabelas 4.5 e 4.6, ainda pode exercer diversas funções
importantes, como o uso doméstico com tratamento avançado, a irrigação de cultivos não
consumidos de forma crua ou não comestíveis e o uso em sistemas de refrigeração industrial,
fazendo com que o impacto deste resultado seja amenizado, dependendo do tipo de uso da
água que se pretende exercer. O restante do volume, cerca de 10 litros, são degradados de
forma intensa (categoria S5) e, por esse motivo, perdem totalmente sua funcionalidade, com
exceção da navegação e da produção de energia hidrelétrica. Por fim, entre os diferentes
processos envolvidos neste subsistema, a produção de insumos do calcário, a do fertilizante
nitrogenado e seus insumos, a do enxofre para o fertilizante fosfatado e a do óleo diesel, não
apresentaram contribuição maior que 1% em nenhuma das duas formas de uso da água.
132
Com relação aos subsistemas das fases industriais, os inventários finais são
mostrados em conjunto na Tabela 4.43. Dentro deste contexto, deve ser observado que, para a
obtenção dos resultados finais dos processos de fabricação do óleo degomado e do biodiesel,
foram considerados os valores médios de consumo de água e geração de efluente entre as duas
empresas analisadas.
Tabela 4.43 – Resultados finais do ICV, para os subsistemas das fases de produção do óleo
degomado e de fabricação do biodiesel.
Uso consuntivo Uso degradativo
Processo
Material
produtivo AS (l) AG (l) Q E (l) Q
Figura 4.17 – Contribuição das formas de uso da água do ICV gerado neste estudo,
considerando as categorias de classificação do uso degradativo.
100%
80%
60%
Biodiesel
Óleo degomado
40%
Agrícola
20%
0%
Uso consuntivo Uso degradativo
Figura 4.18 – Contribuição dos três subsistemas analisados, para o uso consuntivo e
degradativo da água.
137
Tabela 4.44 – Análise de contribuição das etapas do ciclo de vida do biodiesel de soja, de
acordo com a forma de uso da água considerada no ICV.
Uso degradativo Uso consuntivo
Etapa % Etapa %
Cultivo da soja 93,4 Óleo degomado 37,6
Fert. fosfatado 3,0 Fert. fosfatado 30,4
Sementes 1,4 Fert. potássico 6,4
Metilato de sódio 3
Hidróxido de sódio 1,2
Devido ao fato de que a utilização da ACV para a avaliação do uso da água é muito
recente, existem, até o momento, poucos estudos de caso, ou exemplos de aplicação desta
técnica, que realizaram tal análise no ciclo de vida de produtos (BOULAY et al., 2011b;
EMMENEGGER et al., 2011; JESWANI e AZAPAGIC, 2011; RIDOUTT et al., 2012;
STOESSEL et al., 2012). Por esse motivo, fica difícil de serem realizadas comparações mais
específicas de resultados. Dentre os citados, o mais próximo às condições do presente estudo
foi o de Emmenegger et al. (2011), o qual avaliou o consumo de água no ciclo de vida do
biodiesel, produzido a partir da colza cultivada na Argentina, e comparou com dados de
outros combustíveis, obtidos de fontes secundárias. Neste trabalho, também foram utilizadas
informações fornecidas por bancos de dados, principalmente do Ecoinvent, para a produção
dos insumos e, consequentemente, o volume consumido de água para estes processos teve que
ser estimado com o uso de coeficientes fixos de retorno ou evaporação. Além disso, a
determinação da necessidade de irrigação para o cultivo também foi estimado com o uso do
software CROPWAT. A partir destes procedimentos, o resultado obtido foi o consumo de 24
litros de água por litro de biodiesel de colza cultivada sem irrigação. Outro valor apontado
neste estudo foi o uso consuntivo de 27 litros de água por litro de biodiesel de soja cultivada
nos Estados Unidos. Apesar de apresentar valores maiores que o consumo obtido no presente
trabalho (7,8 litros), provavelmente causado pelas inúmeras variáveis contidas em um sistema
agrícola, o perfil de contribuição dos processos envolvidos foi semelhante, indicando,
principalmente, a produção dos fertilizantes como maior consumidor.
138
Do mesmo modo como foi realizado na Pegada Hídrica, para o ICV do uso da água
também foi produzido o cenário de aplicação da irrigação. Dessa forma, utilizando os mesmos
dados e suposições, foram obtidos os resultados de 2126 litros para o uso consuntivo e de
1009 litros para o uso degradativo. Esse grande aumento no consumo de água já era previsto,
pois, no momento em que se aplica a irrigação, ocorre o consumo da água extraída dos corpos
hídricos (uso consuntivo) pela evapotranspiração da cultura e por perdas no sistema. No
estudo de Emmenegger et al. (2011), descrito anteriormente, o volume de uso consuntivo
aumentou para 1480 litros de água por litro de biodiesel quando considerada uma cultura
irrigada, atingindo uma proporção semelhante à obtida no presente trabalho. Quanto ao uso
degradativo, grande parte deste aumento é proveniente das maiores perdas de água por
infiltração ou escoamento, que ocorrem devido à manutenção da umidade do solo em um
certo limite desejável. Entretanto, apesar do grande volume, a qualidade com que sai do
sistema melhora (S2d), uma vez que, considerando que é assumida uma fração fixa de perdas
das substâncias aplicadas no cultivo, os poluentes acabam lixiviando de uma forma mais
diluída.
Uma das principais diferenças entre os resultados encontrados para a Pegada Hídrica
e o ICV é referente à inclusão da Água Verde. O ponto central das discussões realizadas pela
comunidade científica especializada é focado no significado prático da quantificação deste
elemento. Muitos pesquisadores da área de ACV (BAYART et al., 2010; MILÁ I CANALS
et al., 2009; PFISTER e HELLWEG, 2009), por estarem preocupados exclusivamente com a
avaliação de impactos ambientais, recomendam não contabilizar o consumo de água da chuva
139
pelo cultivo agrícola, uma vez que, caso não existisse a cultura, este consumo ocorreria de
qualquer maneira pela vegetação natural e, portanto, não causa impacto direto sobre a
disponibilidade de água útil para outras finalidades.
No entanto, este tipo de abordagem tende a desvalorizar a água da chuva como
potencial recurso hídrico em diversos aspectos. Uma das principais questões está relacionada
à competição entre diferentes tipos de cultivos e suas finalidades, como a produção de
alimentos e de bioenergia. Isso porque, com a crescente demanda por estes recursos, as áreas
que possuem grandes potenciais de precipitação e, consequentemente, boa produtividade
agrícola se tornarão cada vez mais escassas e, dessa forma, a ocupação destas com cultivos
energéticos poderá diminuir a disponibilidade de água da chuva para culturas alimentícias
(HOEKSTRA et al., 2009). Portanto, dentro do contexto da avaliação de impactos ambientais,
este tipo de consumo pode apresentar grande importância, uma vez que se o mesmo ocorrer
de forma intensa em uma região ou país com pouco potencial de precipitação e baixo poder
econômico de compensação (importação de recursos, desenvolvimento de novas tecnologias,
etc.), poderão ser provocados impactos sobre a saúde humana tanto de forma direta, com a
diminuição da disponibilidade de alimentos, como de maneira indireta, pela necessidade do
emprego da irrigação e a consequente diminuição dos recursos hídricos prontamente
disponíveis (Água Azul).
Por fora da questão específica de impactos ambientais, também nota-se que apenas
com a inclusão da Água Verde é que se pode ter um indicativo consistente da quantidade real
de água que é necessária para sustentar uma certa cadeia produtiva. Como um bom exemplo
deste aspecto, pode ser mencionado o resultado obtido no ICV gerado no presente estudo,
onde apenas os 7,8 litros de uso consuntivo não indicam, de nenhuma forma, que este baixo
consumo de água na produção do biodiesel de soja só é possível se houver a ocupação de
áreas com bom potencial de precipitação.
Além disso, os resultados da Água Verde também proporcionam a possibilidade de
realizar estimativas que relacionam o aumento no consumo de água da chuva, decorrente de
cenários de expansão de mercado, e o potencial de uma determinada região em suportar tal
crescimento na demanda. Este tipo de avaliação pode ser realizada, por exemplo, para o
biodiesel de soja, utilizando o resultado da Água Verde deste estudo para estimar o quanto
será consumido a mais de água, se for instituído o aumento para 10% na mistura com o diesel
comum e depois comparar com os potenciais de precipitação e produtividade da região
estudada e de outras com características semelhantes.
Outra maneira de se utilizar as informações fornecidas pela Água Verde é realizar
comparações de eficiência do uso da água entre duas culturas produzidas para uma mesma
140
finalidade. Assim, em uma determinada região, é possível verificar qual oleaginosa consome
menos água na produção de um litro de biodiesel.
Diante destas questões, sugere-se que em inventários de futuros estudos de ACV
sejam incluídos dados referentes ao consumo de água da chuva, assim como ocorre em
estudos de Pegada Hídrica. Além disso, com o intuito de incluí-los em análises de impactos
ambientais, também devem ser realizadas pesquisas que desenvolvam fatores de
caracterização diferenciados para este tipo de fluxo.
Outra grande diferença entre os resultados obtidos para a Pegada Hídrica e o ICV,
foram os valores de uso da água pela poluição gerada no ciclo de vida, onde o primeiro, com
11688 litros (Água Cinza), obteve um volume muito superior ao segundo, que atingiu 260
litros (Uso degradativo). Isso ocorreu, obviamente, pela diferença do método de
quantificação, pois enquanto o uso degradativo mensura os volumes reais de efluentes
lançados em cada etapa, a Água Cinza expressa um indicativo volumétrico da quantidade de
água necessária para diluir as emissões de poluentes.
De fato, os dois métodos possuem limitações consideráveis. Na Água Cinza, existe
uma grande tendência em superestimar a poluição hídrica, pois não considera o potencial de
autodepuração dos corpos hídricos, que ocorre para alguns parâmetros que não são
permanentes, como por exemplo, o consumo de oxigênio (DBO) pela degradação da matéria
orgânica (BOULAY et al., 2011b). O uso degradativo, por sua vez, tende a subestimar o
volume de água poluída, pois considera as concentrações das substâncias presentes no
efluente apenas para classificar os fluxos nas categorias de qualidade previamente
estabelecidas e, portanto, não contabiliza os valores reais das mesmas, os quais, dependendo
do caso, podem fazer com que um volume muito maior de água perca sua funcionalidade no
momento em que atingem os corpos hídricos.
A partir destas observações, conclui-se que os dois métodos necessitam de
refinamentos para que se tornem mais precisos. Com relação às informações disponibilizadas,
a vantagem da Água Cinza é que esta fornece um perfil de quais poluentes são considerados
críticos no ciclo de vida estudado, auxiliando no planejamento de quais medidas e ações
devem ser adotadas para amenizar os problemas de poluição hídrica. Como exemplo disso,
pode ser mencionado o resultado obtido no presente estudo, o qual indicou que o fósforo,
derivado principalmente do emprego de fertilizante na fase agrícola, tem grande possibilidade
de ser o principal poluente do ciclo de vida do biodiesel de soja. Portanto, na prática, isto
141
Com relação à aplicação dos resultados fornecidos pela Pegada Hídrica e pelo ICV
para as atividades de gestão dos recursos hídricos, pode-se dizer que, sem contar as diferenças
mencionadas anteriormente, ambas as metodologias possuem grande aplicabilidade tanto no
setor público como em empresas privadas. Através dos resultados deste estudo, por exemplo,
foi possível identificar e mapear as etapas e regiões da cadeia produtiva do biodiesel em que
ocorrem os usos mais intensivos da água e de que forma acontecem. A partir disso, as
empresas envolvidas podem conhecer melhor a pressão exercida por suas atividades sobre os
recursos hídricos e, assim, tomar decisões de gestão e agir de forma mais efetiva, com o
142
Além de avaliar o uso da água de forma quantitativa, este trabalho também teve
como objetivo fornecer todos os dados necessários para a realização de um futuro estudo de
avaliação de impactos ambientais. Com isso, primeiramente foi verificado que a Pegada
Hídrica, apesar de ser uma metodologia consolidada, é focada apenas no fornecimento e na
análise de dados quantitativos, uma vez que a maioria dos trabalhos que chegam à etapa de
avaliação de impactos realizam apenas comparações entre a disponibilidade e a demanda de
água (identificação de pontos críticos), sem mensurar os danos finais resultantes dos conflitos
de uso da água identificados (CHAPAGAIN e ORR, 2008; KAMPMAN, 2007; OEL et al.,
2008).
Com relação à ACV, conforme foi previamente identificado na revisão bibliográfica,
apesar do uso da água ter sido recentemente incluído no âmbito desta técnica, já existem
diversas propostas de métodos de avaliação dos impactos (AICV) gerados pela diminuição da
disponibilidade hídrica (BOULAY et al., 2011b; MILÁ I CANALS et al., 2009;
MOTOSHITA et al., 2008, 2011; PFISTER et al., 2009; ZELM et al., 2011). Nestes estudos,
foi identificado que, apesar de serem empregadas fórmulas e procedimentos de cálculo
diferentes, todos se baseiam nos mesmos tipos de dados, que devem ser coletados na fase de
inventário, os quais são: os volumes de água consumida e degradada, a qualidade dos fluxos
de entrada e saída da água (concentração dos principais poluentes), a fonte da água
(superficial ou subterrânea) e a localização da atividade em que ocorre o uso da água.
A partir dessa avaliação, verificou-se que, apesar de alguns estudos indicarem a
possibilidade de utilizar os dados fornecidos pela Pegada Hídrica em posteriores estudos de
AICV (JESWANI e AZAPAGIC, 2011; RIDOUTT e PFISTER, 2010), apenas a Água Azul
teria utilidade nos métodos desenvolvidos até o momento. Isso porque para a Água Verde e
Cinza, ainda não foram criados fatores de caracterização, que permitam a avaliação dos
impactos decorrentes destas formas de uso da água. Por outro lado, também foi verificado que
o ICV do uso da água gerado no presente estudo fornece todas as informações necessárias
para emprego das recentes metodologias de AICV desenvolvidas pela comunidade científica,
uma vez que os resultados produzidos descrevem de forma clara a quantidade de água
consumida (uso consuntivo) e descartada, descrevendo a qualidade com que a mesma é
extraída e depois retorna ao corpo hídrico (uso degradativo) e, também, especificando a
localização (bacia hidrográfica) destes fluxos e a fonte dos recursos hídricos.
144
5 CONCLUSÕES
disponibilidade hídrica provocada pela cadeia produtiva do biodiesel de soja foi a degradação
da qualidade da água.
A estimativa de cenários do emprego da irrigação, para evitar a quebra de safra em
épocas de seca e elevar a produtividade do cultivo da soja, também apresentou resultados
interessantes. O principal ponto a ser destacado é o grande volume de água que deverá ser
extraído e consumido dos corpos hídricos para suprir a demanda da irrigação, indicando a
necessidade de serem elaborados estudos mais detalhados de avaliação da capacidade da
região em suportar este consumo e os seus consequentes impactos, antes de serem
implementadas tais medidas.
Por fim, as principais diferenças e limitações das duas ferramentas foram apontadas,
indicando a necessidade de se aprimorar a quantificação da poluição hídrica e de se incluir na
ACV os aspectos referentes ao consumo de água da chuva pelos cultivos agrícolas. Também
foi possível notar que, em termos práticos, a Pegada Hídrica é mais aplicável como um
indicador para a gestão de recursos hídricos, apesar de ainda necessitar de alguns
refinamentos. Quanto ao ICV produzido neste trabalho, pode-se concluir que este modelo
fornece todos os dados necessários para a realização de futuros estudos de avaliação de
impactos pelo uso da água, a partir das metodologias desenvolvidas até o momento.
146
6 RECOMENDAÇÕES
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163
APÊNDICES
DBO5 mg O2/L 5 5 5 20 5
(FAO93, TAI98) (EEC75) (EEC75) (EEC75) (EEC75)
(continuação)
(c) (c)
Chumbo mg/L 5 5 Ausência 0,01 0,01 0,1 0,1
(WHO06) (WHO06) (FAO93) (WHO08) (WHO08) (WHO08) (WHO08)
Nitrato mg N/L 50 50
(WHO08) (WHO08)
Enxofre mg/L 5
(EPRI03)
Tabela A.2 – Limites de concentração dos parâmetros de qualidade da água, por categoria de classificação do uso degradativo.
(continua)
Categorias
Unidade 1 2a 2b 2c 2d 3 4 5
Parâmetros
SST(a) mg/L 25 25 100 25 40 100 300
DBO5 mg O2/L 5 5 5 5 5 20 20
Óleo e Graxas mg/L 1,4 1,4 1,4 1,4 1,4 1,4 1,4
Fluoreto mg/L 1 1 1 1 1 1 15
Ferro mg/L 5 5 5 5 5 5 10
(continuação)
Nitrato mg N/L 50 50 50
Enxofre mg/L 5 5 5 5 5 5 5
(continuação)
(g)
Punta Arenas – Chile 2800 Marítimo 0,00196
Metanol 0,14
Rio Grande – RS 616 Rodoviário 0,00176