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Sonetos Maranhenses

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í TAVOLA DO BOM HUMOR

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SONETOS

MARANHENSES
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1923
IMPRENSA OPPICrAL
S. Luiz—Maranhão
Ao MARANHÃO, NOSSA TERRA,
PELA MEMÓRIA DE ANTÔNIO
LOBO, SEU FILHO ILLUSTRE.

HOMENAGEM
DA
TAVOLA DO BOM HV~MOR
AO LEITOR
Sfhhem, agora, em segunda edição, os SONETOS MARA-
NHENSES, como preito de desinteressada homenagem ao cen-
tenário da adhesão do nosso Estado, em 28 de julho de 1823,
á independência política do Brazil.
A primeira edição fizemo-la, o anno passado, para fes-
tejar o centenário do grande feito do Ypiranga em 1822.
O Leitor bem compreenderá o nosso intuito, não enxer-
gando nisto uma exploração commercial, mas tam somente o
desejo de servirmos a nossa terra na sua memorável data.
Mais. Nesta edição, augmentada de mais outros trabalhos,
o Leitor encontrará algumas substituições de sonetos, pois que
assim o entenderam os seus auetores, saindo, este volumje, por
isso mesmjo, expurgado de incorreições que se deram a quando
de seu apparecimento. i -
Resta-nos, todavia, agradecermos á imprensa do paiz
a maneira carinhosa pela qual se houvera externado, a respeito
deste livro, ao ser publicado; e, aqui, nestas linhas, lhe fica a
homenagem de nossa gratidão, assim como a Ss. Excs. Dr. Go-
dofredo Vianna, Presidente do Estado, Dr. Raul Machado e
Commandante Magalhães de Almeida, Deputado Federal, e á
Câmara Municipal de S. Luiz pelos inestimáveis auxilios que
nos prestaram para este modesto empreendimento.
Maranhão, julho, 1923.
CYPRIANO MARQUES DA SILVA
EDER SANTOS
JOSÉ AUGUSTO VIEIRA DOS REIS
ARNALDO DE JESUS FERREIRA
CHRYSOSTOMO DE SOUZA \
JOAQUIM DE SOUZA MARTINS
JOSÉ DE RIBAMAR TEIXEIRA LEITE
Antes dos versos
Reunindo neste livro cento e sessenta sonetos de aucto-
rcs maranhenses a partir de Odorico Mendes, por ser o mais
velho, nascido em 1799, intuito outro nos não moveu senão o
de concorrermos, embora modestamente, á comm,emoração do
Centenário da emancipação política do Brazil, para o que o
Maranhão, em parte, cooperou, adherindo, em 1823, a 28 de
julho, como uma das mais brilhantes unidades da Federação
Brazileira.
Publicação de tal jaez já se não acolhe como novidade
no grande mercado litterario braziliense. Antes desta, vae para
notar a dos SONETOS BRAZILEIROS, compilada escrupulo-
samente pelo illustre escriptor Sr. Dr. Laudelino Freire. Antes,
porém, desse notável emprehendimento do Sr. Dr. Laudelino
Freire, já em nossa terra houvera apparecido, por volta de
1Í5G2, o PARNASO MARANHENSE enfeixando, num só volume,
trabalhos poéticos de notabilissimos conterrâneos.
O que, todavia, não pudemos conseguir duma assenta-
da, tal a prestesa deste trabalho por nos não havermos de
maiores vagares, fora a bibliographia exacta de todos os au-
ctores para aqui congregados, visto que a de muitos ainda se
não aclarara. Acontece o mesmo quanto ás suas photographias,
custando-nos demasiado encontra-las, sendo que outros não
nas deixaram. Deste modo reportamo-nos apenas a colligir
as suas producções, reunindo-as neste volume que muito mais
vale pelas harmonias extranhas, que desborda, do que pelo es-
forço nelle consumido por os que o organizaram.
Entrementes, não se completou, pois para tanto ainda
lhe faltam producções desce gênero de poetas distinctos como
VI

Dias Carneiro, Celso Magalhães, Gentil Braga, João Affonso do


Nascimento, Pedro Ayres, Alfredo Galvão, Miguel Marques,
Troiano Galvão, Flavio Belleza, Lima Barata, Euclydes Arantes,
Ovidio da Gama Lobo, Francisco José S a i b a s da Cot*a Goetz
de Carvalho, Dona Maria Firmina dos Reis, Alvares Pereira,
Oscar Galvão, e outros dos quaes encontramos somente poe-
sias longas, incompatíveis com a nossa publicação. Si tal o
praticaram, pelo menos nada a respeito colhemos nas excava-
cões que fizemos. E si, entretanto, alguém possue ou tenha co-
nhecimento de alguns sonetos de aquelles maranhenses, seria
o obséquio indicar-no-los, p a r a que possamos emendar a mão,
ainda em tempo, si este livro, por ventura, chegar á segunda
edição.
Deixamos, também, de enfeixar aqui sonetos de alguns
moços e de alguns velhos. Mas se fossemos a publicar todo e
qualquer que se nos deparasse, este livro tomaria proporções
assustadoras de chamiços p a r a fogueira. Pois que de garava-
tos e bagaceiras, estamos fartos !
Ha, comíudo, muita farfalhada e frioleira, tanto do pas-
sado como do presente ! Leve-se-nos em conta, por isso, dado
o objectivo deste livro. A ver, que nos temos plenamente ex-
plicado. Não ostentamos fins pecuniários, ou, melhor, não te-
mos intuitos de ganhar dinheiro. Não somos mercenários, nem
commerciantes.
Torna-se-nos mister algo dizermos sobre que venha a
ser a Tavola do Bom Humor. E' umia sociedade littero-humo-
ristica, fundada em 1920, onde se congregam agermanados
vários rapazes que se dão ao trato das lettras pátrias, culti-
vando-as sem azumbalhar méritos que os não possuem. O seu
ideal é trabalhar sem que pareçam vaidosos por similhante
feito. O "Diário de S. Luiz", de 27-1-1922, pela pena brilhante
do jornalista prof. Nascimento Moraes, ajuizara sobre a Ta-
vola da seguinte m a n e i r a : "A Tavola do Bom Humor é, de
facto, um exemplo p a r a a m,ocidade estudiosa de nossa terra.
E' um exemplo pela sua emancipação moral e intellectual, é
um exemplo pela administração e ainda é um exemplo pelos
resultados que colhem os que a incorporam, com denodo, va-
lentia e notável dedicação. Os da Tavola fazem prodígios num
VII

meio como o que vivemos, sem estimulo, sem gosto litterario,


empolgado por uma criminosa apathia que aborrece".
Mais, porém, do que dissera o illustre plumitivo, não
precisarmos de allegar. E isto constitue já para nós uma vai-
dade o sermos julgados talqualmiente o somos, conscios da
nossa pouca valia. Dahi só em nós palpita o desejo de sermos
úteis á nossa terra e á nossa gente, nalguma cousa de que nos
possa resultar o encomio de uns e o espedrejamiento de ou-
tros, esses que, sem capacidade de trabalho, sem1 algo produ-
zirem, investem não raro contra todos os que perseveram com
fé e coragem, trabalhando, porque, na phrase de Antônio Lobo,
a coragem tudo vence e a fé tudo premlia.
Eis o motivo deste trabalho como diminuta contribuição
do nosso grande esforço ás gloriosas festas da independência
do Brazil.
Acharri-se, portanto, reunidos aqui, cento e sessenta
aedos maranhenses, alguns completamente desconhecidos, mas
todos vibrando em coro a mesma harpa altisona num só con-
certo knprevisto e maravilhoso.
Para consegui-lo, dispendemos uma grande somma de
energias. Que nos julguem, pois, por tamanho arrojo.

S. Luiz — agosto — 1922.

(Da 1." edição).

G õ)
184.0—1922
LUIZ NAPOLEÃO

Medroso ante a miserrima Veneza,


Depois que em Solferino triutnphaste,
A Itália, que accendeste, abandonaste;
Infâmia eterna, pérfida baixesa !

A leu carro a Sardenha atada e presa,


Com todo o continente a malquistaste,
Áustria illudiste, Roma atrahiçoaste,
E tens a Europa toda na incerteza.

Mentes ao Papa, mentes á Inglaterra


Que já nos paroxismos da amizade,
As queixas guarda e se apparelha á guerra.

Despresas, Bonaparte, a humanidade,


Volves do Inferno, Luiz Onze, á terra.
Oh ! poço de falácia e de maldade !

Odorico Mendes.
SONETOS MARANHENSES*

A' ESPOSA

Se )á na eterna gloria a que voaste,


A lembrança do mundo se consente,
Acceita, alma piedosa, a dor pungente
De tudo quanto aqui idolatraste:

O esposo, a filha, os filhos que deixaste,


Em maguas e saudade permanente,
Vivem na terra vida descontente
Dês que as corporeas vestes tu largaste.

Ao seio de Deus, tornas radiante


De virtude e bondade, qual sahiste
lmmaculada de nascer no instante.

A nós queixosos neste valle triste


Volte-te como foste sempre amante,
Porque entre nós só amargura existe.

Sotero dos Reis.


SONETOS MARANHENSES

SONETO

Baixei veloz, que ao humido elemento


A voz do nauta experto afoito entrega,
Demora o curso teu, perto navega
Da terra onde me fica o pensamento !

Emquanto vaes cortando o salso argento,


D'esta praia feliz não se desprega
(Meus olhos, não, que amargo pranto os rega).
Minh'alma, sim, e o amor que é meu tormento.

Baixei, que vaes fugindo despiedado


Sem temor dos contrastes da procella,
Volta ao menos, qual vaes tam apressado.

Encontre-a eu gentil, mimosa e bella !


E o pranto que ora verto amargurado,
Posso eu então verter nos lábios d'ella !

Gonçalves Dias.
SONETOS MARANHENSES

AMO-TE

Eu, que dobrei qual verde branda vara


Dos desertos ao vento, e da verdade
Do amor e d'esta doce liberdade j
Sacrifiquei descrente á terra amara.

Amo-te ! — Se soubesses a saudade


Que dos risos se t e m . . . Oh ! doce e cara,
Volve os teus verdes olhos com piedade,
Como a virgem dos céus, consola e ampara !

Vem, como o anjo, que se vê descido


Sobre o túmulo alvar, nevi-luzentes
Meigas azas abrir ! Vem ! que é perdido

O veneno da flor ! — Hoje, innocentes


Perfumes solta o lyrio anoitecido
A's auras dos jardins frescas e olentes !

Joaquim de Souzandrade.
SONETOS MARANHENSES

A LEI E O DIREITO
(BLANCO GUARTIN)

"Sou vossa filha, entretanto o mundo


Clama não ser igual nosso destino
Pois procedeis de um tronco que é divino
E que eu procedo do paul imnnmdo".

Assim falou a lei. Meditabundo


Lhe respondeu o padre peregrino:
— O que se diz não é um desatino
Tal juizo contem razão no fundo..,

Descendo da verdade esclarecida,


Vivo junto de Deus no assento ethereo,
Goso a luz immortal, eterna vida;

Mas um dia liguei-me com mysterio


A' justiça dos homens fementida..
E o fructo tu és deste adultério !

Joaquim Serra.
SONETOS MARANHENSES

A ESBELTA

A Esbelta, o alvo dos suspiros nossos,


E' fada vaporosa, é flor das flores;
Em vez de corte, vestem-na vapores,
E' leve a rapariga, só tem ossos.

Os caniços do lago são mais grossos


Que as canellas gentis dos meus amores;
Tem nas lindas bochechas menos cores
Que a secca múmia quando sahe dos fossos.
>:,:*

m Ah ! ditoso mancebo, em ti prometto


Que se hoje, noivo, tremulo desmaias,
Beijando a anagua que te envolve o espeto,

Talvez quando marido, morto caias


Vendo surgir o pallido esqueleto
Da espessa nuvem de umas oito saias.

Antônio Joaquim Franco de Sá


SONETOS MARANHENSES

SONETO

Volvem-se as horas no correr dos dias,


Muda-se a luz em tenebroso manto !
Torna-se o goso, o perennal encanto,
Mudos phantasmas e visões sombrias.

Calam-se os rios nas banaes folias,


E após instantes lhes suecede o pranto !
Gcla-se o fogo de um sentir mais santo
Entre as paredes, do sepulchro, frias.

Dos lindos traços da belleza ingente


Torna-se o quadro tam mjmoso em breve,
Sem mais contornos de expressão luzente !

E o peito amigo que por elle teve


O fogo, a chamma de um amor ardente,
Fica gelado ao gottejar mais,leve.

M. A. Pinto de Sampaio.
10 SONETOS MARANHENSES

FLOR E AMOR

Como a flor arrastada na corrente,


Vae nas ondas sozinha navegando,
Ha de parar, bem vês, forçosamente,
Onde as águas a levam desfolhando.

Se uma pulchra donzella acaso a achando


No collo virginal guarda-a innocente;
A florzinha ao calor de um seio arfando,
Morre, deixando o seu perfume olente.

Assim, quizera eu ter igual destino:


Vagar, soffrendo as maguas deste amor
Que me tem sido atroz e assaz tigrino.

Morresse eu muito embora em louco ardor


Mas, deixasse em teu collo peregrino,
A impressão do meu beijo, oh ! linda flor !

Commendador Antônio A. Rodrigues.


SONETOS MARANHENSES 11

A MORTE DO REDEMPTOR

Quando Jesus no ultimo lamento


As campas abalou e a pedra e o monte,
Adão, cheio de susto e sonolento,
Do sepulchro surgiu — ergueu a fronte.

Lançando os olhos turvos no horizonte,


Ao ver tamanho assombro poz-se attento;
D'esse prodigio quiz saber a fonte,
Quem era que na cruz via sangrento.

Logo que soube o caso lastimoso,


Maldizendo o infeliz a negra sorte,
Afflicto cobre o rosto, pesaroso.

E voltando-se á timida consorte,


Assim diz soluçando, em ar queixoso:
Por ti eu dei ao meu senhor a morte !

Antônio Marques Rodrigues.


12 SONETOS MARANHENSES

NO MAR
(NUM DIA DE ANNOS)

Vôa, suspiro meu, transpõe os mares,


Chega de Lísia á plaga afortunada,
De Natercia gentil chega á morada,
Interprete vai ser dos meus pezares.

Quando nas niveas faces tu pousares,


3e:ja primeiro a bocca nacarada,
Dize depois, quam triste, amargurada
A vida passo entregue a mil azares.

Ah ! não escondas quanto no peito


Lavra com força atroz melancholia,
Da saudade cruel pungente effeito !

Dize, que beijos mil Josimo envia,


E o protesto de amor outrora feito,
Lhe renova em louvor d'este almo dia.

Eduardo de. Freitas.


SONETOS MARANHENSES 13

SONETO

MÍÍIo bater monótono dos remos


A cruel separação trouxe a lembrança,
Pareceu-me fugir toda a esperança,
O fado já cumprir que todos temos; ,

E como assim não ser, quando nós vemos,


Dos miseros humanos que a balança ^
Repleta 4 sófdor, e sem lembrança, /c*$—
Os infindos pezares que soffremos !

Deus, oh ! Deus, permitti que eu breve veja


Aos mortaes que mais presa nesta vida
E que a rever minh'alma tanto almeja.

E quando remorder-me lá do fundo,


Das saudades o dente com agudeza-
Receba ella somente o ai profundo..

Caetano de Brito de Souza Gayoso.


14 SONETOS MARANHENSES

SONETO

Quam bello o sol resurge no Oriente !


Quam risonha se mostra a natureza !
E esse monstro, a cruel, negra tristeza,
Me aperta o coração, me enluta a mente.

Voi um dia, outro vem alegremente,


Ostentando aos mortaes nova belleza,
Só eu, ente infeliz, de angustias presa,
Chorando passo a vida amargamente.

E que vale chorar ? os meus lamentos


Não movem; compaixão ! que desventura,
Findarão só com a vida os meus tormentos !

Oh ! mofina existência, oh ! sorte dura !


Vem, oh ! morte, acabar meus soffrimentos,
Vem mostrar-me o caminho da ventura !

Antônio Manoel Carvalho Oliveira.


SONETOS MARANHENSES 15

O MEU SONHO

Vi-a cm sonhos purpurina e bella,


Qual no vergel a rubicunda rosa,
Vi-a no rosto e no trajar mimosa,
Dos céus julgando-a fulgurante estrella !

Amor ardente senti logo ao ve-la !


Com alma presa, de ambição vaidosa
Vaguei incerto, como a mariposa,
Louco aos encantos dà gentil donzella...

Sc acaso um riso divinal, fagueiro,


Leve corria pelos lábios seus,
Nelle ideiava o meu porvir inteiro.

Mas, ah ! . . . que acordo sem querer, meu Deus,


Foi-se com o sonho meu fiel luzeiro..
Fanou-se a esp'rança dos amores m e u s . . .

Raymundo Valentiniano 'Moraes Rego.


16 SONETOS MARANHENSES

SONETO

Se é triste na prisão negra horrorosa,


Viver-se sempre a sós e abandonado;
E quebrando a solidão, descompassado
Erguer-se b suspirar de ave saudosa;

Se é triste na mudez da noite unibrosa


Do rijo bronze ouvir-se o som pesado,
Garpindo a infausta sorte do finado,
De quem breve existência foi ditosa;

Se é triste o turvo m a r e céus nublosos


De tempestade ver-se entre os horrores,
Bramidos e clarões soltando irosos;

Mais triste é ver teus olhos seductores


Baixarem-se, negando-me impiedosos
Um suave volver, volver de amores. ,

Raymuftdo Alexandre Valle de Carvalho.


SONETOS MARANHENSES 17

PÉRFIDA

Pérfida, que por outro me deixaste


Pois que os teus juramentos esqueceste;
E os votos de ser minha que fizeste
Tam depressa, mudando, quebrantaste.

Estou certo que a mim, tu nunca amaste,


Pura mentira foi quando disseste;
Fácil no prometter, tu prometteste,
E, fácil no faltar, tu me faltaste !

E' próprio da mulher ser inconstante,


Por tanta ingratidão mal não te quero,
E nem é isso coisa que me espante.

Despresa o meu amor puro e constante,


Vai, segue os passos do teu novo amante,
O íempo ha de vingar-me assim espero !

Severiano Antônio d'Azevedo.


18 SONETOS MARANHENSES

SONETO

Aparta-te de mim, doce lembrança,


Não venhas revoltar-me a phantasia,
Deixa meu coração como algum dia
Repousar em pacifica bonança;

Se até agora phantastica esperança


Com falsas illusões me enlouquecia,
Hoje olhando a razão, que eu já não via,
Hei de todo perdido a confiança.

Já me não compadece o duro Fado


Que adore, que idolatre a Jonia bella,
Nem consente que eu seja afortunado.

Por influxo fatal de opaca estrella,


Seus mimps divinaes, seu terno agrado,
Outro gosa, ai de mim, nos braços d'ella !

José Pereira da Silva.


SONETOS MARANHENSES 19

NÃO

Quando valsas, Nenem, teu pé mimoso


Pisa com tanta graça sobre as salas,
Que todo atrapalhado eu fico em talas,
Em face d'esse pé tam, buliçoso !

O timbre de tua voz tam; mavioso


Ciujsa tal impressão quando me falas,
Que me parece ouvir lindas escalas
De um estudo apurado e caprichoso !

Esse terno volver dos olhos teus


Revelando fiel tudo que sentes,
Encandeia-me a vista e fere os meus.

M a s . . . todos esses dotes excellentes v


Não compensam o pezar (oh ! Santo Deus !)
De ver, quando sorris, que não tens dentes !

Etíclydes Faria.
20 SONETOS MARANHENSES

TRANSEAT

Tu és dona de mim, tu me pertences,


E neste delicioso captiveiro,
Não queres crer que, injusto e bandoleiro,
Possa eu noutra pensar, ou noutro penses.

Doce cuidado meu, não te convences


De que tudo na terra é passageiro,
Friyolo, fértil, rápido, ligeiro...
E a pertinácia do erro teu não vences !,

Um bello dia—has de tu ver !—desaba


Esta velha affeição, funda e comprida,
Que toda gente nos inveja e g a b a . . .

Choras ? para que lagrimas, querida ?


Naturalmente o amor também se acaba,
Como tudo se acaba nesta v i d a . . .

Arthur Azevedo.
SONETOS MARANHENSES 21

ULTIMO BEM

Vôa, minh^alma, ás santas regiões,


A este corpo cançado dá descanço,
Que no mar d'esta vida os vagalhões
Só procuram afastal-o do remanso.

Flor ainda em botão, tombei no abysmo,


0 tufão arrojou-me na torrente,
Com frouxo gargalhar e com cinismo,
Da hastil desprendeu-me eternamente.

Reviver minhas peflas, quem podéra ?


Da planta, pelo inverno, arrebatadas,
Nejm o frescor da eterna primavera !

Deixa que vá á sombra do cypreste


A' frescura gosar das madrugadas,
A flor que do tufão não protegeste !

Maria Azedo Mattos.


22 ' - SONETOS MARANHENSES

SONETO

Na selva: que suavissima frescura


A' sombra d'estas selvas magestosas !
Pelas palmeiras altas, vigorosas,
Enrosca-se a baunilha verde-escura.

A' beira do riacho que murmura,


Passam soprando as brisas sonorosas,
E as saracuras timidas, medrosas,
Vão fugindo a cantar pela espessura.

Ha nos bosques um mundo de poesias !


Quantas scenas de amor ! quantos carinhos
A' sombra desta densa ramaria !

São poetas também, os passarinhos...


Elles cantam com muita melodia,
E poemas de amor são os seus ninhos !

José Pereira Leite.


SONETOS MARANHENSES 23

or
fo,
\ ' AO INFORTÚNIO
I

O presente, o porvir que serve ao triste


R.ecordar o que foi, que importa agora,
Se o destino lhe afasta a linda aurora
Da esperança, que n'elle não existe ?

A esperança pr'a quem já não resiste


O mal que avulta o peito, d'hora em hora,
E' chimera não já fascinadôra,
Gênio da dor que ao moribundo assiste !

Não podes rezistir da sorte o damno,


Por te faltar talvez um bom amigo
E o destino te impor tam soberano ?

Quem quer que sejas, une-te commigo !


Se bem não abriga a dôr um sêr humano,
Na campa encontrarás perenne abrigo !

Joaquim Antônio Pinto Lisboa.


24 . SONETOS MARANHENSES

TERRA AMADA

E's, minha terra, a Deusa dos palmjares,


em cujo seio riquezas ha tamanhas,
guardadas nas torrentes, nas montanhas;
és mais, sorvendo as brisas de dois mares,

firme na paz, altiva nas campanhas,


a quem a lyra eterna, em seus cantares,
relembra, diffundindo pelos ares,
de teus filhos heróes altas façanhas.

Por ti, fitando as luzes do Cruzeiro,


minha terra de ceu de infindo anil,
nas mãos suspendo o lábaro altaneiro,

e do cimo elevado do alcantil


assisto o povo illustre brazileiro
vir commigo dizer: Viva o Brazil.

Francisco Castro.
SONETOS MARANHENSES 25

O AMOR MODERNO

Dizem que o Amor, senhora,


Anda de olhos vendados;
Lenda dos tempos passados
Ou fantasia de outr'ora.

De olhos bem, acordados


Eu vejo muitos agora,
Que andam de hora em hora,
Conquistando os descuidados.

E um que eu conheci,
Tam gamenho e tam catita
Risonho a mais não poder,

Volúvel qual colibri,


Era uma cara bonita,
De uma faceira mulher.

Raymundo Vieira Nina.


26 SONETOS MARANHENSES

MANHÃ DO NORTE

Manhã do norte ! Quanto és linda e bella


irisada de luz ! Qjuanta alegria
com teu sol fulgurante que irradia
de sublime bellesa tantas tela !

Não tens das nevoas a sombria umbella


que o sol occulta, e esta algidez doentia
que o coração e a alma nos esfria
com esta temperatura que enregela.

Oh ! Quanto a natureza n'esta plaga


é diversa da nossa ! E quanto esmaga
a quem n'outra viveu e a não esquece !

O teu sol que illumina bemfasejo


a tudo affaga com seu ardente beijo
e a nossa vida com sua luz aquece !

Barbosa de Godois.
SONETOS MARANHENSES 27

SONETO

Calcula, minha amiga, que tortura !


Amo-te muito, muito, e, todavia
Preferira morrer, a ver-te um dia
Merecer o labéo de esposa impura.

Que te não mova nunca esta agonia;


Que te não enterneça esta loucura,
Que eu muito soffra porque és casta e pura
Que, si o não foras., quanto eu soffreria !.

Ai !.quanto eu soffreria, si alegrasses


Com teus beijos de amor meus lábios tristes,
Com teus beijos de amor as minhas faces !

Persiste na moral em que persistes !


Ai ! quanto eu soffreria se pecasses...
Mas, quanto soffro mais porque resistes !

Aluizio Azevedo.
SONETOS MARANHENSES

NA TASCA

Dentro, na esconsa mesa, onde fervia


Fulvo enxame de moscas sussuranles,
Num raio escasso e tremulo do dia,
Espanejando as azas faiscantes,

Vi-o: — bebedo estava, e inebriantes


E capitosos vinhos mais bebia,
E em tédio, como os fartos ruminantes,
A larga bocca estúpido m o v i a . . .

E eu pensativo, eu pallido, eu descrente,


Approximei-me do ebrio com tristeza,
Se.m elle o quasi presentir siquer;

E vi: — seu dedo, aos 'poucos lentamente,


No vinho esparso, que ensopava a mesa,
Ia traçando um nome de m u l h e r . . .

Raymundo Corrêa.
SONETOS MARANHENSES* 29

EMBRIAGUEZ DE SANGUE

Oh ! quando as tuas mãos, brancas, electrisadas,


Dcspenham-te em anéis, em turbidas torrentes,
D J teu cabello escuro as trancas refulgentes,
Da lisa anca aos pés mollemente espalhadas;

Quando os dedos «febris estalam-te frementes,


0 cinto do corpete, as fitas enlaçadas,
E deixando cahir-te as roupas perfumadas,
Desvendam-íc a nudez das formas eloqüentes,

Um hálito de fogo o peito me despede;


No secco, árido lábio, a falia se me impede;
Profunda embriaguez os meus sentidos toma;

E emquanlo sobre mim o teu ornar agudo


Vibra como um punhal, — eu, immovel e mudo,
Respiro do teu sangue o caloroso aroma.

Theophilo Dias.
30 SONETOS MARANHENSES

SER MAI

Ser mãi é desdobrar fibra por fibra


O coração ! Ser mãi é ter no alheio
Lábio, qvie suga, o pedestal do seio,
Onde a vida, onde o amor cantando vibra.

Ser mãi é ser um anjo que se libra


Sobre um! berço dormido ! E' ser anceio,
E' ser temeridade, é ser receio,
E : ser força que os males equilibra !

Todo bem, que a mãi gcsa é bem do filho,


Espelho que se mira afortunada,
Luz que lhe põe nos olhos novo brilho !

Ser mãi é andar chorando num sorriso !


Ser mãi é ter um mundo e não ter nada !
Ser mãi é padecer num paraíso .'

Coelho Netto.
SONETOS MARANHENSES 31

VÁCUO

Não sei se pode haver padecimento


Mais profundo, mais intimo e que tanto
Nos ponha nalma a dor que gera o pranto,
Do que um longo e tristonho isolamento.

Não ter um bem siquer no pensamento,


Nem calor de um lar, nem o encanto
De um amor de mulher suave e santo
E' viver sem nenhum contentamento.

Bem sei que é bom soffrer, e me parece


Que esta vida sem, dor nada seria
E que é por isso até que se padece.

Mas esta solidão continua e fria


Chega a ser tam cruel, que a não merece
Meu coração que a dor mereceria.

Adelino Fontoura.
32 SONETOS MARANHENSES

CARMES

Para galgar a estrada tortuosa


Que vem do berço ao fim, da vida breve,
Eu sinto que me falta a côr de neve
Da rosea tua face setinosa.

0 destino inclemente, por nodosa


Áspera linha a vida me descreve;
Mas tu só, branco amor, tu podes, leve
Tornar-me a falsa culpa deleitosa.

Depois de tanto soffrimento duro,


E dos vaes-vens de um pélago de abrolhos
Pela falhada luz do rosto escuro,

Dos bons e maus, eu, lastimado ser,


VoJve-me tu, divina, os pios olhos,
E acompanha-me neste atroz viver.

Hemeterio dos Santos.


SONETOS MARANHENSES 33

QUEDA DE UM COLOSSO

(ALLUSIVO AO FALLECIMENTO DE CARLOS GOMES).

Como nas maltas o carvalho annoso


Rola por terra ao vendaval que veio,
Como nas rochas bate forte, em cheio,
O-lenho nobre, soberbo e alteroso;

Como das nuvens, o condor vaidoso


Cahe, para sempre, da lagoa em meio;
Como deixa o astro da attracção o seio,
Tombando pelo espaço mysterioso...

Elle baqueou também. E atroadora


Foi sua queda. Como a ventania
Que passa estremecendo, aterradora,

A lembrança desse Deus da harmonia


Repercutindo vai, esmagadora,
Pela Pátria que tanto estremecia.

Augusto Brilto.
34 SONETOS MARANHENSES

OLHA-ME

O l h a - m e . . . Eu quero ver a luz brilhante


Do teu olhar de estrella matutina,
D ando-me á alma a crença purpurina
Como se fosse a Beatriz de Dante.

Erra no teu olhar a luz brilhante


Do olhar de Laura, a musa florentina
De P e t r a r c h a . . . Mas, como és tu divina
Para eu querer amar-te a todo instante !

Como serias má, se me fugisse


A luz do teu olhar eternamente
Quando a buscasse ver e não mais visse.

Porque essa luz me anima e me arrebata


A' bella uncção do mais sublime crente,
Furta á saudade toda a dor que mata.

Pacifico Bessa.
SONETOS MARANHENSES 35

O FERREIRO

Dardeja o sol em cheio na calçada,


espelhando-se em lisa cantaria,
o seu olhar de fogo que irradia
chyspas de luz intensa; avermelhada.

A rua vai ficando socegada


e deserta nessa hora. A burguezia
deita-se á sesta, que o calor do dia
é de rachar e prosta-a fatigada.

Esta mimosa e branca e fina gente


resguardada da calma em transparente
sombrinha vai depressa para casa;

emquanto fica um homem no trabalho,


junto da forja accesa a dar com o malho
varias conformações ao ferro em brasa.

João F. Gromwell.
SONETOS MARANHENSES

SONETO

Eu gostava de Lia — uma creança


Que passava as manhans a colher flores,
Só nutria comsigo uma esperança
Queria ser feliz nos seus amores.

Muitas vezes lhe disse: "Bella Lia


Consentes dar um, beijo nessas faces !"
E a travessa menina, que sorria,
Respondeu-lhe baixinho: — Se me amasses.

Mas, um dia, em que a sós a vi deitada,


Em pleno desalinho, extenuada,
Mostrando um collo nú, que faz desejos,

Senti nas veias burbulhar-me o sangue,


Atirei-me a seus pés, cahi exangue,
Depois de haver-Ihe dado muitos beijos !

Hugo Barradas.
SONETOS MARANHENSES 37

O MAL

No craneo da malvada espessa treva


Incuba o ódio vil contra a virtude;
Um impulso fatal, inato e rude
A' pratica do crime o vota e l e v a . . .

Esta lei — diz a fábula — é coéva


Do? primeiros humanos na attitude
Da mais pura innocencia, a que se allude
Na lenda oriental de Adão e EVa-

Vede como procede a serpe astuta,


Arrastando ao peccado o par ditoso
Oue as venturas edênicas desfructa !

Vede, como, no sangue generoso,


Se ceva a inveja fraticida e bruta,
Como succumbe o justo ao golpe iroso !.

Hygino Cunha.
38 SONETOS MARANHENSES

NENEM

Faz hoje u m mez saudoso


que me apartei de ti,
um mez que estou choroso
sem lar, sem luz aqui.

Um mez que sonho imagens


da nossa intima vida,
que se vão com as aragens
de uma illusão perdida.

E vivo, que é preciso


dissimular com o riso
a dor do coração !

Pois bem ! Minha tristeza


só saiba a natureza
da minha proscripção !

Juvencio Auto Pereira.


SONETOS MARANHENSES 39

MURITURI

Beduinos da vida já transpomos


Os oásis floridos da jornada,
Já não somos aquillo que já fomos,
Do que fomos não resta quasi nada.

Dos jardins da existência os doces pomos


Para nós a colheita está vedada.
Gritam as illusões em revoada
Que ellas são para outros que não somo:..

Assim vamos descendo, vacilantes,


Do montanha da vida a ribanceira,
Cujo cume galgamos por instantes,

A' frente vão seguindo os desenganos,


Emquanto para traz vão na carreira,
Fugindo as esperanças sobre os annos !

José Gregorio dos Reis.


40 SONETOS MARANHENSES

SOUZA ANDRADE

Erguem brumas do mar do ethereo brilhantismo,


Num f austoso Occidente umas exéquias grandes..
Loira tarde no ceu. D'esse crystal dos Andes
Rola um sol a cahir nas vastidões do abysmo.

E na augusta amplidão d'aquella tarde enorme


Surge um vulto de azul de esplendida saphyra:
— E' a bella Guimarães... a Pátria que delira
Na opala sideral do Occaso que alli dorme:

— E' que entra nos Pantheons de cérula turqueza,


O Gênio immorredoiro, esculptural do Gueza,
O Gênio que entre nós chamou-se Souza Andrade -

Como as que elle sonhara eternamente bellas,


Possam novas coroas desfolhar-lhe estrellas,
Por sobre a noite azulea da ampla Eternidade.

Fructuoso Ferreira.
SONETOS MARANHENSES 41

PROTOTYPIA

Um talhe magestoso, perigrino,


Bieve mão, microscópica, rosada,
Uma bôcca de rosa perfumada
Um sorriso ideal, mago, divino;

Um pé mimoso, eburneo e pequenino,


Um olhar — brando raio d'alvorada,
Uma voz ternamente modulada,
Como um canto do céu, ou como um trino;

Um cabello macio, longo, cheio


De suave perfume e noite escura,
A velar meigamente em níveo seio

Dois amores de cândida brancura:


— Tal és tú, puro amor, meu doce enleio,
Meu prazer, minha luz, minha ventura !

Antônio de Souza Rubin.


42 SONETOS MARANHENSES

O BEIJO DO MAR

Lá, nas bandas que o sol morrendo doura,


;Nfi^m ultimo lampejo fulvo e quente,
Envolvidos na aureola refulgente
Da longa e basta cabelleira loura,

Lá parece que o mar, num beijo ardente,


Sorvendo vai o sol, voluptuoso,
Como quem quer saborear um goso,
Saborea-lo demoradamente.

Tudo é assim na vida: elles se amam,


Ambos se querem, flor, ambos se chamam,
Todos os dias lá se vão beijar,

E elles se beijam, assim, ha um tempo infindo !


E nós,. . e n ó s . . . Como o teu rosto é lindo !
Ah ! se fosses o sol e eu fosse o mar !

Carlos Moraes Rego.


SONETOS MARANHENSES 43

IMAGEM DO DESERTO

A branca Corça um dia


Passou junto ao Deserto;
E o meigo olhar volvia,
Prenhe de doce affecto.

— Volta ! diz-lhe o Deserto,


E longo olhar envia,
Fitando o andar incerto
Da Corça fugidia.

Imagem do Deserto,
Meu peito por instante,
A' esperança aberto,

Dt novo se fechou
E a branca Corça errante
Aí ! nunca mais voltou !

Felippe Duarte.
44 SONETOS MARANHENSES

O PASSADO

Tanta saudade do passado, agora,


Que o tempo já desfez a mocidade !
Do dia que tombeu na eternidade
Nada aproveita recordar, Senhora !

Não queiras-atear, a extrema hora,


- Que se apagaram — chammas de amizade !
Evola-se de nós toda a vaidade,
A vida em meio esteja-nos embora.

E pensa bem: quanta loucura existe


Nessa lembrança vaga que consiste
Na pouca reflexão desta chimera !

Não lembres essas coisas abstractas,


Por mais gentis que fossem, por mais gratas,
Que nada valem, hoje. Considera !

Napoleão Lobão.
SONETOS MARANHENSES 45

A CONCHA

Por quantos mares, sim, e por quantos invernos,


e quem o saberá, ó concha nacarada,
a enchente, a vasante, a onda attribulada
te hão rolado atravéz de abysmos seus eternos ?

Longe do salso mar, sob estes céus mais ternos,


fizeste um leito aqui desta areia dourada !
Mas teu descanço é vão ! . . . Longa e desesperada,
em ti perpassa a vós dos líquidos avernos !

MimYalma assim tornou-se uma prisão sonora !


E como dentro em ti palpita e geme e chora
esse eterno rumor, essa canção do mar,

Tal no meu coração, onde ella sempre existe,


surda, lenta, offegante e sempre e sempre triste,
longinqua, a sua vóz escuto a murmurar !

Catullo da Paixão Cearense.


46 SONETOS MARANHENSES

O ETERNO MYSTERIO

Congênita illusão do pensamento,


Preconceito fatal da humanidade,
Suppor que descobriu toda a verdade
Desse eterno Mysterio, a seu contento !

Ninguém... sábio nenhum, neste advento,


E desde a mais remota antigüidade,
Nos poude revelar a Eternidade,
Bem tal qual ella é, com fundamento...

Contudo, um Ser existe, omnisciente,


Fundador do Universo, um mappa mudo,
Que vive em toda parte, omnipotente,

Eterno educador, mas não caduco...


Si pretendes, leitor, saber de tudo,
Procura um manicômio, estás maluco.

Raymundo Pacifico da Silva Campos.


SONETOS MARANHENSES 47

SONETO

Talvez tu me não ames. Eu receio


Que o teu amor por mim seja chimera;
F, num ardente e louco devaneio,
Quero mal a quem tanto bem quizera.

Vamos: arranca-me o fatal enleio


Dize a verdade. E' o que minh'alma espera,
Até por triste desengano anceio,
Mas. . não, que tal certeza dilacera.

Cala, cala esse lábio malfasejo !


E assim a vida passo consumido,
Sem saber afinal o que desejo;

Pois não sei qual será mais duro fado


Si a duvida do amor correspondido
Ou a certeza do amor desenganado.

A. Reis Carvalho.
48 SONETOS MARANHENSES

SONETO

Concentro o meu viver em sempre amar-te,


E' meu prazer perenne estar te vendo,
Sem sentir, sem saber e não querendo,
Em meu pensar estás por toda parte.

Tua lembrança tam doce me alimenta,


Tuas palavras me servem de conforto,
Tu és o calmo, o desejado porto
Que minh'alma procura na tormenta.

Ah ! que feliz eu fora se algum dia,


Essa gentil miragem esvanecida,
Qual tu és, qual te sonha a phantasia.

Oh ! que feliz ! Minh'alma embevecida,


Toda tremula de amor, louca faria
Da minha e de tua vida uma só vida.

Domingos Perdigão.
SONETOS MARANHENSES 49

A PECCADORA

Ajoelhada a vi junto á tristonha nave


Da velha cathedral orando sobre a cruz.
Era inda moça e bella, os seios semi-nús
Tremiam sobre o crepe em morbidez suave.

Diante d'essa mulher não ha hoje quem crave


Um olhar puro e bom. Bellezà extincta á luz
Do sentimento, alli; ás plantas de Jesus,
De um poema de amor talvez guardasse a chave.

A prece t e r m i n o u . . . e a loira peccadora,


Tremula, palpitante e triste, levantou-se
E do confissionario aos pés ajoelhou-se..

Aquelle collo nú tornava-a t e n t a d o r a . . .


E eu vi o confessor, tam meigo e tam curvado,
Falar como Jesus e olhar como o peccado !

Dunshee de Abranches.
50 SONETOS MARANHENSES

MASCARADOS

Comparo o carnaval d'estes três dias


E o carnaval que passa no anno todo:
O primeiro possue mais phantasias,
Tendo o segundo muito mais engodo.

Um passa pela scena como um doudo,


Vem e esvae-se de súbito em folias.
O outro é este em que estou, de almas de lodo,
De reticências e susprezas frias —

Um todos sabem que nasceu de Momo.


O outro ? De quem nasceu ? Não sei. Nem como,
Nem quando começou, nem quando pára !

Não sei. Mas quem acaso os tenho olhado


Conclue que o verdadeiro mascarado
E' o que passa sem mascara na c a r a . . .

/. Xavier de Carvalho.
SONETOS MARANHENSES 51

CREDO

Na
Cruz,
Luz,
Já,

A
Luz,
Jus
Da

Dôr,
Flor,
Que

Tem
Quem
Crê.

Totó Rodrigues.
§2 SONETOS MARANHENSES

MARMÓREA

Nunca pensei que tanto amor ardente,


Amor que tu me deste e alimentaste,
Arrancasses assim tam friamente
Com o frio desdém com que o arrancaste.

Por me punir de consagrar-t'o, baste


Toda essa onda de martyrio algente
Que me desce dos olhos tristemente,
Lagrimas como tu nunca choraste !

Nada abrandou teu peito endurecido,


Nada viste e escutaste — olhar e ouvido
Cerrados os tiveste ao meu tormento.

Tudo esqueceste, ó pérfida Senhora,


Tudo lançaste da tua alma fora
— Um punhado de cinzas solto ao vento !..

João de Deus do Rego.


SONETOS MARANHENSES 53

ADEUS

De longe vindos, juntos a alterosa


Montanha azul que o nosso olhar enchia,
Numa alegria forte e corajosa,
Juntos subimos ao romper do dia.

Nem sempre a relva cândida e macia


Os nossos passos recebeu, sedosa;
Ah ! quanto espinho lá em baixo havia !
Quanta subida, íngreme, escabrosa !

Mas chegamos cmfim. Olha: a explanada


Ampla, ideal, que vínhamos buscando
Aos nossos pés se estende illimiíada.

Adeus, porém, que vamos, mal chegando,


Duas a seguir em vez da mesma estrada
E os nossos lenços se agitar chorando.

Arthur Lemos.
54 SONETOS MARANHENSES

A' DISTANCIA

A invernia cessou. Que amenidade,


Nesta manhan de sol pelos caminhos !
Tudo é vida, é fulgor, é alacridade
-—Do perfume da flor á voz dos ninhos !

Todos os ramos, todos, na verdade,


Pendem floridos ! Risos e carinhos,
Excitados da luz á claridade,
Trocam, a cantar, os lindos passarinhos !

Sinto, entretanto, em toda esta magia


Da natureza em franca primavera,
A desatar-se em tantas maravilhas,

O contraste da amarga nostalgia,


Que o triste coração me dilacera:
—E' a ausência de vós, queridas Filhas !..

Achilles Lisboa.
SONETOS MARANHENSES 55

AMOR E ÓDIO

De ti nunca pensei que me esquecesse,


Nem mesmo quando longe me encontrava;
Longe — talvez até me parecesse
Que a ti te amava mais do que te amava !

De que por ti o meu desdém crescesse


Como crescia o amor eu não pensava !
— Bloco de neve ao sol breve desfez-se,
— Sonho fugiu-me apenas acordava ! . . .

Mas hoje que te vejo encantadora,


Como nunca te vi que me encantasse,
Nem me parece que te amei outrora !

Que tudo ao tempo emfim se transformasse


Acreditei; mas não pensei, senhora,
Que assim como te amei eu te odiasse.

Heraclyto Mattos.
5G SONETOS MARANHENSES

AO POR DO SOL

Quando o sol do horizonte se encaminha


E o crepúsculo a terra vai deixando,
O occaso em brasa vai illuminando
O vasto mar do qual já se avisinha.

Quando a brumosa noite rompe o espaço


E a solidão do oceano se levanta,
Tristeza infinda a terra desencanta
E a estreita em grande e fraternal abraço.

Quando fito esse quadro de belleza


Fala-me a dôr, a dôr indefinida
Porque me pesa idêntica tristeza.

Nelle se antolha toda a minha vida:


Como o sol — a esperança me despresa,
E' como a treva — esta illusão perdida !

Raul da Cunha Machado.


SONETOS MARANHENSES 57

SONETO

Jamais has de saber quanta afflicção


Minh'alma, por te amar, tem supportado,
E com que culto ardente e acrysolado
Atirei a teus pés meu coração.

Se este affecto sincero que te hei dado


Não merece uma igual compensação,
Ao menos um olhar de compaixão
Servirá de conforto ao desgraçado.

Longe, longe d'aqui, serenamente,


Eu morrerei feliz e bem contente
De abençoar a mão que me expulsou,

Pois este amor é como as delicadas


Plantas que, quanto mais são machucadas,
Mais perfumam a mão que as machucou !

Joaquim Belmont.
58 SONETOS MARANHENSES

POEMA ETERNO

De olhar no ethereo azul profundamente frio,


De olhos celestiaes, Eva engendrava um crime:
— O amor, o eterno amor ! — palavra que se exprime
No sorriso, no olhar. . E o ceu, então sombrio,

Na doce f^oz de um anjo o anathema bravio


Fez-lhe, acerbo, vibrar: achava o amor um crime !
No entanto, era creação mais pura e mais sublime
Do que todo o Universo ! . . . E o goso fugidio,

F o i - s e . . . foi-se p'ra além, por ignoradas sendas


Em cujo termo veem-se as trágicas legendas:
--"Perca toda a esperança o que tentar transpor"—

Eva, não chores, não ! Cala, cala teu pranto,


Murmura a estrophe ideal do teu poema santo...
Se o mundo Alguém nos deu, tu deste mais—o amor!

Aluisio Porto.
SONETOS MARANHENSES 59

IMPURA

Triste encontrei num misero vallado,


Linda rosa envolvida em negra lama,
Desprendendo os perfumes que derrama
A casta flor de um timido noivado.

Rosa viva de amor, tiveste o fado


Dos que morrem sem fé, perdendo a fama,
E a quem voraz o túmulo reclama,
Na eterna podridão do teu reinado.

Tudo na terra é mobil, é contrario,


De nada serve o asperrimo denodo,
Morre a belleza, e o mundo é sempre vario !

Diviso, oh ! rosa ! em teu suplício todo,


A imagem da mulher que, em seu fadario,
Morreu perdida a chafurdar no lodo.

Ignacio Raposo.
60 SONETOS MARANHENSES

IMMUTAVEL

De certo extranharás que nos meus versos,


Nestas quadras de amor que vou rimando,
Nunca o teu nome passa perfumando
Os meus pobres vocábulos dispersos.

E quedarás, talvez, triste, pensando


— Os negros olhos em pezar immersos —
Que os meus affectos de hoje são diversos
D'esses que outrora eu te contei cantando.

E no entanto este amor velado, embora,


E' o mesmo ainda que elle foi outrora,
Da mesma forma inda o meu estro anima.

Que eu occulte o teu nome nada prova,


Pois que estás toda inteira em cada trova,
E vives palpitando em cada r i m a . . .

Antônio Lobo.
SONETOS MARANHENSES 61

PIRAMYDES

Symbolo do viver, oh ! velho mytho,


De um templo morto num sorrir d'Esphinge,
Tradição de um passado que te cinge
Da pompa perennal de antigo rytho.

Quanto mais eu te vejo, mais te fito


Mais procuro saber o que tu finge,
Essa aurora divina de que tinge
Os soberbos colossos do infinito;

Vai o Nilo correndo em vaga turva,


E riem no deserto, altos e sós,
Num rir de monstro para azulea curva,

Sei ulchros que tu, mytho, assim gravaste


Na terra onde dormitam Pharaós,
Desde Thebas, a rica, até Bubaste.

Gonçalves Medeiros.
C2 SONETOS MARANHENSES

REFLEXÕES

Se Deus, que é justo, deu iguaes segredos


A5 rosa, ao lyrio cândido, ás boninas;
A' toda flor, quer nasça nos rochedos,
Quer nasça fresca e bella nas campinas..

Se Deus, que é sábio, deu iguaes segredos


A's grandes, tanto como as pequeninas
Folhas das plantas, desde os arvoredos
Até as parasitas mais franzinas..

Então, porque é que só a sensitiva


Tem essa força de sentir tam viva,
Que nem podemos lhe tocar siquer ?

Deus, que a pérola fez dentro da ostra,


Na humilde sensitiva é que Deus mostra
A virgindade exacta da Mulher !

Theodoro Ribeiro Júnior.


SONETOS MARANHENSES 63

O ADEUS

Parto ! Esquecerei o passado altivo


E direi sempre ao facho luminoso
Que me conserve largo tempo vivo
Para em teus braços repousar ditoso.

Escuta a lyra de meu largo peito,


Limpa-me os olhos tristes, lacrimosos,
Ouve os cantos do casto amor perfeito,
Cantos, dolentes, tristes, ardorosos !

Beija-me ! Põe de lado esse pudor,


Lucro sentir a mornidão do amor,
Ergue do seio a virginal grinalda !

Que embaciar teu claro corpo eu quero,


Aqui, Amor, jamais voltar espero,
Adeus ! 0 destino nos separa, Alda !

Alfredo Ceunpello de Carvalho.


64 SONETOS MARANHENSES

SI NON E' VERO

Outra (hontem disseste) os versos meus inspira,


Os versos meus merece ! advinhes, entretanto,
Que por ti, só por ti, affecto puro e santo
Minh'alma nutre e, em vão, por teu amor suspira !

Se decanto uma hoje, outra amanhan decanto !


E' certo. . Mas que importa essa enganosa lyra
A's mais empreste os dons, a graça que transpira
Só do rostinho teu gentil, que adoro tanto ?...

Não vês que és tu, mulher candidamente bella,


A virgem sem rival, a casta diva, aquella
Sacrosanta visão que me acalenta em sonho ?..

São teus ! Teus são somente estes humildes versos,


Na tua inspiração sublime assim immersos
E todo, genuflero, ora aos teus pés deponho !

Manoel dos Reis Carvalho.


SONETOS MARANHENSES 65

NOIVA

E's noiva d'outro ! Todo o meu tormento


Nesta phrase fatal, louca, se encerra !
Nem ha maior martyrio, em pensamento,
Que o meu, que da ventura me desterra !

Eu que sonhava, misero avarento,


Doce vida de amor, gosar na terra,
Vejo tudo, fugir, num só momento,
Ante essa phrase lugubre que aterra !

Que nunca te arrependas, eu desejo,


E esse noivo feliz, colha-te o beijo
Do? lábios puros, que beijar sonhei.

Vai, sê ditosa, borboleta e r r a n t e . .


— Elle não te será como eu, constante,
Nem saberá te amar como eu te amei !

Altino Rego.
66 SONETOS MARANHENSES

DIAS DE SOMBRA

Em manhans nebulosas, vão fugidos


Meus dias de esperança e mocidade;
E nas brumas da noite da saudade
Eu os vejo, tristonhos, envolvidos.

Pormos, orphãos de amor e de amizade,


Como correm, silentes, foragidos,
Morrendo desherdados, sem gemidos
Sem protestos na dor d'essa orphandade.

Alarmando, não pedem piedade,


Nem bradam, rancorosos, raivecidos,
Contra a angustia, a tristeza que os invade.

Pobres filhos de affectos desmedidos,


Tombados no verdor da prima-idade
No latente soffrer despercebidos.

Anna de Oliveira Santos.


SONETOS MARANHENSES 67

ESTHER

Era um rochedo colossal ingente,


Um muro de granito ante as paixões,
A rigidez de um velho impenitente,
Uma alma morta para as sensações,

A loira Esther. 0 peito seu algente,


Não sentiria a lava dos vulcões.
Despresava do amor as illusões
E tinha a tudo olhar indifferente.

Passados annos de despreso ao mundo,


Do amor vencida, na renhida luta,
Encontrei-a num pelago profundo:

Era uma sala de prazer impuro,


Onde entre bellas, loucas prostitutas,
Bebia o sonho do passado puro !

Raymundo Nascimento Moraes.


68 SONETOS MARANHENSES

SEMPRE

A procura do bem que para mim se adianta,


eu venho já de longe e quanto mais percorro
a estrada principal mais adiante corro
e mais corre de mim o bem que assim me encanta.

Aos rigores do tempo, a miúdo, me supplanta


o desanimo, paro e, quando creio que morro,
sem um conforto emfim, um único soccorro,
a voz da seducção segreda-me — Levanta !

E saccudindo o pó da estrada e dos caminhos,


sigo á frente outra vez bem como um resignado,
que ha muito acostumou-se ás urzes e aos espinhos.

E os dias vão passando e eu por tudo a passar,


chego tam perto, á voz, do bem ambicionado,
crendo-o ter alcançado, eis-me de novo a andar !

Manoel George Gromwell.


SONETOS MARANHENSES 69

UM PASSADO

Ruina de um templo. Pedras espalhadas,


Montões de pedras e mármores fendidos,
Velhas columnas gothicas, doiradas,
Ao chão cahidas, capiteis partidos.

Rui nas de um templo. Imagens derrocadas.


Altares sem piedade demolidos,
Crença de outrora, crenças sepultadas,
Na eterna dor dos grandes opprimidos !

Somente resta a velha torre erguida,


Vendo a seus pés a dor indefinida,
E, em cima, nuvens pelo azul suspensas.

Também minh'alma assiste a derrocada


De um passado que amei e, abandonada,
Olha os destroços das antigas crenças !

Miguel Gerson Tavares.


70 SONETOS MARANHENSES

SAINT BARTHELEMY

Paris dormia. A noite suave e amena


De aljofares o azul do ceu fulgia.
Como enorme serpente se estendia
Sobre a Cidade-Luz, tranquillo, o Sena.

Eis que accorda em delírio. A paz serena


Em dobres se transmuda e, á revelia,
O povo corre amedrontado... E' d i a . . .
E o cutello do algoz corta sem pena.

Vinte e quatro de agosto. Os campanários


Plangem incessantes, turvos, funerários,
Ao grito de vingança da m u l h e r . . .

Catharina feroz, o meu destino


Vibra cruento no meu peito o sino
Até no amargo instante em que eu morrer.

Bidico de Rodrigues.
SONETOS MARANHENSES 71

SEMI DUPLEX

Eu que pensava estar por fim liberto


Do triste amor por ti tam despresado,
Volto de novo o olhar ao teu chamado
— Como perdido em lugubre deserto.

E vou de cardo em cardo. E quazi perto


De velho sonho meu, que é meu peccado,
Vejo que de soffrer bate cançado
Meu pobre coração em chaga aberto.

E vou de soffrimento em soffrimento..


Tu sempre os meus pedidos recusando
E eu revendo o meu sacro juramento !

Não sei no fim de conta quem mais cança,


— Se o coração que vive te buscando,
Se o coração que morre de esperança...

Francisco Serra.
SONETOS MARANHENSES

SONETO

DLíem que a vida é uma canção dolente,


Um suspirar em vão de magoa em magoa,
E que da dor pela escarpada fragoa
Rola, batida da borrasca ingente...

Não sei; não sei: se os olhos rasos d'agoa


Tive no mundo ingrato, impenitente,
Essa ventura por que espera a gente
Dentro em minh'alma, venturosa, trago-a.

Tu me aclaraste as trevas do caminho,


Onde eu seguia timido, sosinho,
Levando a cruz de minha grande pena.

Bateu-me em cheio a luz dos teus olhares:


Anda minh'alma nesses rijos mares
Qual barca de Noé, calma e s e r e n a . . .

Ggdofredo Vianna.
SONETOS MARANHENSES 73

DESILLUSAO

Se ella soubesse quanto eu soffro quando


Não posso ouvir-lhe a voz, ve-la, fita-la,
Beijar-lhe a pequenina mão que exhala
Um perfume suave, doce e brando;

Se ella soubesse a dor que me apunhala,


Que vai meu coração apunhalando,
— Ave, na immensidade, azas ruflando,
Sem um ninho siquer para abriga-la;

Se ella por ventura advinhasse


Tudo o que sinto e se em mim pensasse
Um só momento, como penso em si,

Não me julgava tam feliz a g o r a . . .


Mas ah ! morreram as illusões de outr'ora,
E eu também, com as illusões, morri.

Antônio Moraes Rego.


74 SONETOS MARANHENSES

A' ALMA HUMANA

Quiz conhecer-te e fui ousado, temerário,


De perto analysar o sentimento alheio:
— Tinhas rutilações divinas de sacrario
Que guarda nossa fé no impenetrável seio.

Eis aqui tumultua o pensamento vário,


Rebrame o ódio alli, fulgura além o anseio
De justiça e de amor — o centro originário
De onde a grandeza humana equanime proveio.

Lembras, em teu furor, o glauco mar bravio,


Espadanando espuma ás rochas, iracundo,
No recontro brutal dos ventos e das vagas...

E em tua mansidão és como um ceu de estio,


Ceu azul e tranquillo, insondavel, profundo,
De que ninguém conhece as infinitas plagas.

Luso Torres.
SONETOS MARANHENSES 75

O MAR

Encapella-se o mar, uivando. A vaga


Multiplica-se e avança. Agora, é uma
Que a praia branca, estrepitosa, alaga,
No arremesso fatal babando espuma.

Outra exsurge, fremindo, e uma outra esmaga,


Célere corre, e brama, e salta e esfuma
Em névoa iriada o dorso de uma fraga,
E, ao brusco embate, ansiando, se avoluma.

E a tremer, a rugir, outras se elevam,


Recuam, também, súbito, abaladas
Da própria força estranha que em si levam,

Cavam profundos barathros medonhos


E, num supremo estuar, resuscitadas,
Sobem mais alto como os nossos sonhos.

Francisco Lisboa Filho.


76 SONETOS MARANHENSES

A RESPOSTA DA CAVEIRA

Ao frio som das doze badaladas


Lentas da Meia Noite, um craneo frio
Tomei. e as minhas mãos eram geladas
Como esse craneo pallido e sombrio.

— Irmão (falei) já ouço o estranho pio


Das corujas da Morte, ensangüentadas,
Attcnde-me, por Deus ! — Um arrepio
Me assalta e eu tenho as palpebras m o l h a d a s . . .

Fala ! dize-me si a Alma é verdadeira,


Si a Ventura se esconde noutra estrella,
Entre pantheras e chacaes, embora ! . . .

— Grave e solemne, a fúnebre caveira


Os alvos dentes entreabriu... e pela
Voz dos Finados respondeu-me: "Chora.

Antônio da Costa Gomes.


SONETOS MARANHENSES 77

ILLUSÕES

As primeiras que eu tive — todas ellas


Cantavam-me a sorrir: estas, franzinas,
Mas bemditas e sans; outras — aquellas,
Tam divinas de amor, que eram divinas !

As segundas que eu tive — ah, por quere-las,


Nem sei que eu fora para as assassinas !
— Todas sorriram, que as chamei de bellas !
— Todas choraram, que as chamei mofinas !

Entre tantas que tenho (oh, meu tormento !


A qual eu seja mais christão captivo,
Não m'o define o martyr p e n s a m e n t o . . .

E nessa culpa —todo o meu peccado !


Pois que, no mundo, só por ellas, vivo,
Eternamente, pelo mundo, errado !

João Rodrigues.
78 SONETOS MARANHENSES

OLHOS VERDES

l i n h a o mar para mim, sempre, um novo attractivo,


Quanta vez eu lhe disse as minhas alegrias,
Sentindo-o, forte e bello, estremecer, caplivo
Dos meus sonhos, num brando exhalar de harmonias !

Hoje o meu velho amigo, hoje o mar, como vivo,


Só me traz o pavor e cruéis agonias.
Já não posso fita-lo, ai ! não posso, que avivo
Estas penas sem fim ! estas maguas sombrias !

Porque o verde do mar lembra o verde de uns olhos


Que me foram na vida a suprema ventura
E porque vivo agora a gemer e a chorar.

Olhos cheios de luz, olhos cheios de escolhos,


Cheios d'uma divina expressão de ternura,
E cruéis.... e fataes como as águas do M a r . . .

•t/

Alfredo de Assis.
SONETOS MARANHENSES 79

ULTIMO ARRANCO

Este soneto que aos teus pés, cahido,


Tremulamente trago e deposito:
E' de minh'alma o derradeiro grito,
E' de meu peito o ultimo gemido !

Ha nelle o soluçar, triste e doido,


Do profundo soffrer em que me agito,
Toda a cruel descrença de um precito
E o pobre coração que foi trahido.

Has de lê-lo talvez, indifferente,


E depois, pelo tédio consumida,
Has de rasga-lo convulsivamente.

Faze o que te approuver, faze querida,


Que este soneto, pallido e tremente,
E' teu, não me pertence... é minha vida !

Agostinho Reis.
80 SONETOS MARANHENSES

MÃI

Doce effluvio de amor que minh'alma enobrece,


Frouxa luz vesperal que em meus olhos adeja !
Sinto bem quanto vale a expressão d'esta prece
Com que pedes a Deus que meus passos proteja.

Traga eu nalma o rancor que a existência enlutece,


Traga em mão o punhal que nas trevas lampeja,
Sempre encontro em teu lábio o sorrir que florece
E em teus olhos a luz que me anima á peleja.

Leve, sem compaixão, ao teu seio querido,


O desgosto fatal que tua alma depura
D'onde sangra inexau"ío o pranto dolorido;

í.evc embora, inconsciente, a ferir-te a desgraça


Que provoco, sempre és, na maior amargura,
< Mái ! a mesma mulher que me beija e me abraça !

Nascimento Moraes.
SONETOS MARANHENSES 81

DE PARTIDA

Vejo que nem a compaixão te inspiro,


Pois que partias sem dizer-me adeus,
E tu bem sabes que por ti deliro,
E que és a causa dos pesares m e u s . . .

Isa. eu vivo dos olhares t e u s . . .


E por gosa-los, com ardor suspiro,
São para mim a vastidão dos céus
A quem da sorte, do futuro, inquiro.

E tu partias, garrula, contente,


Sem um olhar siquer de despedida
A quem te quer deveras, loucamente...

Ah ! se eu pudesse ao menos esquecer-te,


Para não ter attribulada a vida,
Para não ter a magua de perder-te ! . . .

Leoncio Rodrigues.
82 SONETOS MARANHENSES

SCEPTICA

Amor ! . . . Quando me ouviste o breve termo


Logo sorriste e que sorriso o teu ?
— Toda a desesperança de um enfermo
— Toda a philosophia de um atheu !

Ah ! se eu soubesse o coração tam ermo,


Que tens, nunca falara assim do meu;
A's minhas phantasias dera termo,
E outros soubessem teu pensar, não eu !

Amor ! Cousa de outrora, que descobres


Nos alfarrábios em que lês as lendas
Dos cavalheiros e das damas n o b r e s . . .

— Romance antigo, na moderna senda


íDizes e dóe a tua idéa hosrenda)
Vive nos sonhos das donzellas pobres.

B. de Vasconcellos.
SONETOS MARANHENSES 83

RESSURREIÇÃO

E's feliz ainda. O mesmo rosto lindo,


Inda te vejo ao mesmo olhar celeste,
O lábio aberto que eu beijei sorrindo
E' o mesmo lábio que o sorriso veste.

Tudo que outrora abandonei partindo


Encontro em t i . . . Ah ! tudo que tiveste,
Como que em ti se demorou dormindo,
E agora accorda porque assim quizeste !

Em mim também alguma cousa outrora


Dormiu no abandono em que a deixaste,
Dormiu e accorda por te ver agora.

E' o meu louco amor que te votei, querida,


0 meu primeiro amor que tu mataste,
E que hoje ao ver-te recupera a v i d a . . .

Walter William Broadbent.


84 SONETOS MARANHENSES

VIVER E' LUTAR

(APÓS A LEITURA DE UM LIVRO DE BOUROET)

Por trás do ser de que consciência temos,


Outro se nos occulta, que, com esse,
Vive em luta tenaz. O que queremos
Não querem sempre os dois, como parece.

Quanta vez ama um, com ardor e extremos,


O que com extremo ardor o outro aborrece,
Quanta vez o que nós appetecemos,
Numa ânsia que impossíveis não conhece,

Já não mais serve apenas conquistado,


E a mesma cousa que prazer causara
Já nos causa tormento amargurado...

Só para lutas, homem, foste feito:


Qual se a de peito a peito não bastara,
Ha lutas feras dentro em cada peito.

Clodomir Cardoso.
SONETOS MARANHENSES 85

SONETO

Tarde morna e serena. O sol agonisante


Amortalhando vai a fulva cabelleira,
E lança sobre a terra a chispa derradeira
Do seu olhar de rei altivo e arrogante.

Divaga pelo ar, incerto e vagamente,


Um que, mixto de luz e t r e v a . . . Morre o dia,
Os ninhos não têm voz, lethal melancolia
Penetra os corações mysteriosamente.

Desdobra a tarde o manto e, triste e merencoria,


Estende-o sobre a terra e, célere fugindo,
Se occulta lá no azul, entre cerulas t e l a s . . .

E eis aqui, afinal, lusindo em turbilhão de gloria


Aponta lá no céo, Sahara, immenso e infindo,
A caravana enorme e errante das Estrellas !

Marianna Luz.
86 SONETOS MARANHENSES

DOR SUPREMA

Depois de eu ter trilhado o mundo inteiro,


Exposto á neve, ao sol, á chuva, ao vento,
E, como um triste e louco aventureiro,
Passado tantas noites ao r e l e n t o . . .

Depois de eu me tornar um caminheiro


Do Calvário da magua e do tormento,
E de ter sido o naufrago primeiro
Do Mar-Vermelho do padecimento:

Parei ! Voltei meus olhos ao passado


E meditei depois no soffrimento,
Nas grandes dores de um desventurado,

E á conclusão cheguei, bem convencido,


De que não pode haver maior tormento
Como o de amar sem ser correspondido.

Américo César.
SONETOS MARANHENSES 87

O MEU AMIGO

Tenho commigo, poeta, um passarinho


que alguém me deu quando se foi embora,
anda solto o galante animalzinho
a cantar pela casa a toda hora.

Quando amanhece, o trefego bichinho


ganha o denso arvoredo lá de fora,
e no galho mais alto abre o biquinho
e derrama no espaço a voz sonora.

Sobre a terra se a noite desenrola


fino véo prateado ou negro manto,
vai cantar o maroto na gaiola.

Meu lindo amor, meu dedicado amigo,


c só elle que canta quando canto
e quando choro vem chorar commigo.

Laura Rosa.
88 SONETOS MARANHENSES

SEIOS
o s SEIOS
NUS
RAYMUNDO CORREIA

Nesses marmóreos seios setinosos


Rijos como o bronze e alvos como o lyrio,
Cheios d'amor a estremecer de gosos
Atiro-me sedento de delirio.

Nesses nevados fructos amorosos,


Tam mornos como a triste luz de um cyrio,
Meus lábios bebem, loucos, sequiosos,
O tormento sublime d'um m a r t y r i o . . .

Se cobrem dos seus seios nacarados,


Veludos e pelucias ou brocados
O biquinho de amor, que me seduz..

Minh'alma se crucita de desvelos,


Porque eu a todo instante quero vê-los,
Nús, ambos nus, para eu beija-los nús.

Viriato Correia.
SONETOS MARANHENSES 89

BEM CASADOS

Nas elegantes e íngremes collinas,


Corriam duas cândidas crianças
De mãos dadas, ao vento as longas trancas
Louras. Eram duas bellas montesinas...
*

Iam guardando o lépido rebanho,


— A innocencia e o amor, a sós, brincando —
E cresceram, cresceram, se adorando,
Um ao outro. Houve um casamento extranho

Na aldeia. Eram os montesinos rindo,


Como as flores nos prados se entreabrindo
Que esposavam-se então. Rejubilados

Tiveram assim a mesma sepultura,


Onde um arbusto nasceu da pedra dura,
Brotando, emfim, as flores — bem casados —

Hermilio Pereira.
90 SONETOS MARANHENSES

—T^

CARRO DE BOI

Velho carro de boi, pesado, aos solavancos,


Em busca do sertão, sem ter uma pousada,
De calháo em calháo, por cima dos barrancos
Vagaroso Ia v a i . . . cantando pela e s t r a d a . . .

Velho, vai se quebrando aos últimos arrancos.


Não ha sol, nem fadiga e nem mesmo invernada,
Que lhe detenha o andar — Lento caminha aos trancos
Pouco a pouco vencendo a penosa jornada.

Ha vinte annos atraz, viveu num piquizeiro.


Cortaram-no sem dó. Sem paz e sem repouso
Hoje vive de andar pelo sertão inteiro...

Lento e triste a rolar naquellas soledades..


Sempre, porém, cantando e cantando saudoso,
Como quem canta só para matar saudades ! . . .

Vieira da Silva.
SONETOS MARANHENSES 91

VESPERAL

A' tarde quando o Sol pelas campinas


esconde os raios seus esplendorosos,
e os rouxinóes as azas pequeninas
batem buscando os prados perfumnsos:

Quando, de novo, as nuvens purpurinas


fogem, deixando os astros luminosos,
e a cotovia do amor entre as boninas
chora os dias felizes e ditosos,

Minh'alma voa e perde-se na bruma


do ceu, vendo morrer uma por uma
as esperanças d'esse amor de longe !

E lá na terra onde ella mora, vede:


esta minh'alma vai morrer de sede
num gargalhar satânico de monge !.

Luiz Nascimento.
92 SONETOS MARANHENSES

NADA

Vens da estrada sombria da amargura,


Da Via-Negra, dolorosa estrada,
Para onde vaes não sabes e a tortura
Tens no conjuncto, e a escuridão do nada !

E's nada, mas não* temas, desventura


E' também muitas vezes coroada
Trazer-se a fronte, quando está banhada
A alma de sangue na cruel agrura.

Mendigo avante pelo mundo infindo


Caminha sempre, sempre vai seguindo
Embora apedrejado vás morrendo,

Sem armas, sem brazões e sem escudo !


Talvez que fosses nada sendo tudo
E talvez sejas tudo nada sendo.

Caetano Souza.
SONETOS MARANHENSES 93

O DIAMANTE

Passo... Flammeja o sol. Súbito diante


De mim, em plena rua, a irradiar,
— Sol minúsculo — um ponto fulgurante
Exsurge e attrahe-me vivamente o olhar.

Vendo-o, de longe, exclamo: "Eis um diamante" !


Mas quão forte é o meu pasnio ao deparar
Um fragmento de vidro que, offuscante,
Refulge ao vivo resplendor solar !

Muita gente assim vive e, annos, illude.


Vendo-a, logo, suppomos-lhe virtude,
Gênio e força; de longe é o Grão-Mogol.

Mas. se um dia de perto a contemplamos,


Um pedaço de vidro — eis o que achamos,
Num mudo assombro, refulgindo ao sol !

Corrêa de Araújo.
94 SONETOS MARANHENSES

O MAR

Ouve ! O mar, escarpando as rochas, na agonia


do sol, parece ter na voz o humano accento
de dôr ! Resa, talvez. Vai recolher-se. O dia
se ajoelha e a tarde, em sonho, abraça o firmamento

Como nós, pôde ser que a tristeza e a alegria


o mar sinta também; precisa, em, movimento,
trazer um coração.. Quem sabe o que irradia,
no seu intimo, em doce e azul recolhimento !

Escuta ! uma onde vem beijar-te os pés. Não ha de


calma os seios rasgar sobre os basaltos. Quérulas
as ondas todas são. Ouve-lhe a voz. Piedade !

O mar leva-me a crer que tem paixões mortaes,


em que rolam, brilhando, as lagrimas das pérolas
e palpita, fervendo, o sangue dos c o r a e s . . .

Maranhão Sobrinho.
SONETOS MARANHENSES 95

TRINTA ANNOS

Trinta annos ! principia a retirada


Dos prazeres, dos risos e dos c a n t o s . . .
E as brancas esperanças e os encantos
E os sonhos todos vão-se em debandada.

E' o fim da p r i m a v e r a . . . A chusma alada


Cantando, já procura outros recantos
De onde não possa ouvir a voz dos prantos,
Perto da v i d a . . . longe da i n v e r n a d a . . .

Partem,... fogem. e, com os olhos rasos de água,


Vendo partir tam cedo o immenso bando
Has de sentir cortar-te immensa m a g u a . . .

K a carne moça c a febre dos desejos


Queimando a carne e os lábios teus queimando
Numa anciã louca, hysterica de beijos !. .

Fabiano Vieira.
96 SONETOS MARANHENSES

O MAR

O' velho, ó verde mar, como eu te amo quando


Te fito o dorso nú e te vejo br avio,
Sem uma aza siquer sobre ti adejando,
Sem branquejar em ti a vela de um navio.

E' que te comprehendo o iracundo e sombrio


Desejo de reinar, a anciã regia do mando
Sobre o mundo, e só tú, sobre o mundo vasio
A liquida esmeralda emonda espadanando.

E mais te amo ainda, ó mar, quando aplacada


A ira, sobre a praia a espuma rendilhada
Tu deixas, e o sol vem depois para a enxugar.

Porque essa espuma, assim, pelo sói ressequida,


Não é talvez, senão, a lagrima sentida
Do teu sonho desfeito, ó velho, ó triste mar ! . . .

Domingos Barbosa.
SONETOS MARANHENSES 97
* •

CHfcOMO

Possues uma bonita ventarola


De branca e fina gase transparente,
D'onde um perfume oriental se evola
Cercando em nuvens de volúpia a gente.

Quando se preme a delicada mola,


Fechando, ella assemelha uma serpente
Que patenteia, assim, que desenrola,
Um quadro vivo, tropical, r i d e n t e . . .

F/ debuchado em japonez estylo:


Em cima, vê-se um bando de gaivotas
E o ceu forrado de um azul tranqaillo.

Lm baixo, um bergantim no mar revolto,


Ligeiro singra, demandando as Rotas,
Com todo o panno do velame solto !

Octavio Galvão.
98 SONETOS MARANHENSES

RESIGNADO

Um dia vem a ave descuidada


E, mal que toca o fructo cor de rosa,
Cede o alçapão á carga preciosa,
E ei-la num momento escravisada.

Pula, estrebucha, grita a desgraçada,


Contra a parede investe furiosa,
Por entre as finas grades mette, anciosa,
O pézinho, a cabeça ensangüentada.

Mas lá um dia, affeita á escravidão,


Resignada ás suas tristes dores,
Ei-la cantando humilde no alçapão.

Assim me debati ao teu despreso...


Eis-me, afinal, affeito aos teus rigores
Cantando como o passarinho p r e s o . . .

Lemos Vianna.
SONETOS MARANHENSES 99

SAMARITANA

Piedosa e gentil Samaritana:


Vpnho, de longe, tremulo, bater
A' vossa humilde e plácida cabana,
Pedindo allivio para o meu viver !

Sou perseguido pela sede insana


Do amor que anima e que nos faz soffrer
Tenho sede demais, Samaritana,
Tenho sede demais: quero beber !

Fugis, então, ao mísero que implora


0 saciar da sede que o consome,
0 saciar da sede que o devora ?

Peccaes, assim, Samaritana ! Vede:


— Filhos, dae de comer a quem tem fome
Filhos, dae de beber a quem tem s e d e . . .

Vespasiano Ramos.
100 SONETOS MARANHENSES

LENDO-TE

"As roseiras aqui já estão f l o r i n d o . . . "


Mandas d i z e r . . . "As hispidas e pretas
Rochas da estrada já«se estão cobrindo
De musgo v e r d e . . . Ha muitas borboletas.

E eu me fico a pensar que agora é o lindo


Mez das rosas, esplendidas e inquietas
Azas. tempo em que a serra anda sorrindo
E em que todos os pássaros são poetas.

Vejo tudo: a água canta entre os cafeeiros.


Vejo o crespo crysanthemo e a assucena
Estrellando a verdura dos canteiros.

Penso, então, que em tudo isso os olhos pousas.


E começo a c h o r a r . . . olha: tem pena,
Não me escrevas f aliando nessas cousas ! . . .

Humberto de Campos.
SONETOS MARANHENSES 101

YOLANDA

O ceu era brumoso. Ao longe, no horizonte


Numa facha de luz, surgia a madrugada,
A treva, pelo sol luzente, azorragada,
Dos mysterios mostrava a tenebrosa fonte,

Morria, lá no azul, a estrella da alvorada;


Banhavam-se de riso o ceu, o mar e o monte;
E o sol, hóstia doirada, a flammejar a fronte,
Traçava pelo espaço, a rota costumada.

Do mar do pensamento"; em; que abysmei minh'alma


Vieste-me á lembrança, sorridente e calma,
Banhando-me na luz dos grandes olhos teus !

Eu bem tmizera, então, partir da vida os laços,


E, estreitado ao teu corpo em tepidos abraços,
Deixar comtigo a vida, e ir comtigo aos céus..

Nereu Bittencourt.
102 SONETOS MARANHENSES

PELO AZUL

Tu que de ramo em ramo saltitavas,


Alheio inteiramente ao que fazias;
Agora, um fructo sapido comias,
Agora, alegre, um roseiral beijavas;

E depois, como um transfuga, tomavas


A direcção d'um lago, onde bebias;
Gorgeiavas contente, azas batias,
Quando nesse crystal tu te banhavas;

Iniquieto, travesso, sempre estavas


E, cantando melódico, saudoso,
Tam meigo e puro, o puro céo fitavas.

D'este azul nunca mais voltaste a ver-me.


Porque vieste, oh ! pássaro sem pouso,
D,e magua, o livre coração encher-me ?

Blandina Santos.
SONETOS MARANHENSES 108

PARA ALGUÉM

Porque has de assim de novo relembrar


Um tempo para sempre terminado ?
Recordar-me não deves o passado
Que só me deu desgostos e pezar.

Qual será a dilecta por te amar


— Sendo inconstante sempre o teu amor ?
De jardim em jardim, de flor em flor,
Oh ! borboleta onde irás pousar ?

Ser distincto e volúvel, não é crivei,


E' pena que assim sejas, pois de facto
Tens alma nobre, o coração sensível.

Olha: não sejas máu, que mal te fazes.


E' tempo de cessar de ser ingrato;
Ou sejas verdadeiro ou não te cases.

Aura Matos.
K)4 SONETOS MARANHENSES

PRECE DA NOITE

Olhos fito no vago, em procura da Morte,


As minhas illusões deixaram-me deserto
O coração. No entanto, o passado, tam perto !
Ah ! como tarda em vir a futura consorte !

Olhos que outrora amei—frios mares do Norte,


Trancas de vinho velho—oiro de poente incerto.
Meu amor, teu olhar, todo em, brumas aberto,
Para as bodas finaes será meu passaporte...

Vem visitar-me, á noite, a alma de Hamlet. Sou médio.


Debalde, então, em mim, a anciã do além recresce,
Lothus boiando á flor do Nilo do meu tédio !

A vida é para mim uma eterna galé,


E presa no meu corpo a minh'alma parece
Um poeta ebrio, a sonhar dentro de um "cabaret".

Antônio Lopes.
SONETOS MARANHENSES 105

INFELICIDADES

Eu ando mesmo agora, aos pontapés da sorte,


SOÍIH dinheiro e com fome, as botas rotas, fuscas,
A percorrer o quarto em mil baldadas b u s c a s . . .
Tenho o Frio na cama e 11a gaveta a Mjorte !

Nós três a conversar ! que conversas patuscas !


Rebola-se a gaveta e a Morte, em almo porte,
Salta, esbarra-se a mim nuns encontros de forte,
A dar-me bofetões e barrigadas bruscas !

Vem o Frio, da cama ! A perseguir-me os dois


Percorrem a água furtada e atiram-me á janella,
Espalham pelo chão o meu prato de arroz !

E eu fico, sem jantar, fico em jejum, em malhas.


Tropeço numa mesa e parto uma canella !
E o Frio e a Morte, atoa, riem-se. Canalhas ! . . .

Agostinho Rodrigues d'Assumpção.


106 SONETOS MARANHENSES

LUAR DE AMOR

Vendo-a, do theatro célere saindo,


Sigo de perto o carro triumphal,
Vejo-o parar á porta. Ei-la subindo !
A-.j quarto em frente ao seu, subo afinal !

Em meio á alcôva, o traje vai despindo,


E a creada o toma, mas de um geito tal,
Que eu sonho, ante o vestido claro e lindo,
At- fôrmas do seu corpo esculptural !

Que vestido ! E o seu corpo, que antevejo


Como a nuvem do ceu occulta aos soes,
EUe o vem occultar ao meu desejo !

E ella ! Astro de amor sem arrebóes !


E' uma lua pallida de pejo
Dentre a nuvem revolta dos lençóes !

Carlos Reis.
SONETOS MARANHENSES 107

DESPEDIDA DO TROVADOR

lnda uma vez o violão gemendo


Canta e suspira nos bordões das dores,
E a prima canta límpida tremendo,
Chorando maguas e lembrando amores !

Gemes e choras como os peccadores,


Choras e gemes, como que querendo,
Lembrar passados e rever primores,
Puras chimeras dulcidas revendo !

E á morna luz do lampeão da rua,


Teu canto triste, languido se alteia
E vai da Terra aos paramos da Lua.

E vem-me ao peito mórbido chorando,


Qual musica fatal de uma sereia,
Nos fundos escarcéos do mar cantando !

Leslie Tavares.
108 SONETOS MARANHENSES

RETROSPECTIVO

Volto-me para traz a olhar a vida,


Sozinho, na jornada pelo mundo,
Como na concha azul de soes provida,
Caminha, ao léo, um astro vagabundo.

Vezes, no meu olhar calmo e profundo,


Vem pairar a visão, meiga e sentida,
De um Sonho que durou só um segundo,
De uma Esperança que tombou, perdida.

Moço... mas, da primeira mecidade,


Em que o Porvir se vê, roseo e doirado,
Vrcam-me nalma as flores da saudade..

Volto-me para frente, e, de olhos calmos,


Fartos de ver a ruina do Passado,
Vejo perto de mim os Sete Palmos !

Apolinario de Carvalho.
SONETOS MARANHENSES 109

MANHANS

Surge risonha a luz da madrugada


Banhando as flores e banhando as franças,
O ceu se enche de fulgidas nuanças,
Corre cantando a brisa embalsamada.

Modula terna a alegre passarada,


Tinem os guisos das garrulas crianças,
Bailam mais longe as ovelhinhas mansas,
Passa ligeira a rude cavalgada.

Essas manhans bonitas e tocantes


São para ti, de purpuras brilhantes,
São para ti, angélicas serenas:

E para mim pojadas de pavores,


Manhans que deixam tenebrosas dores,
Manhans que deixam tenebrosas penas.

Melchiades dos Santos.


110 SONETOS MARANHENSES

DENTRO DA NOITE

Alto, pyramidal, sonambulo, funereo,


Escabujando a sombra, a gemer e a rilhar,
Um cypreste espectral tenta, embalde, accordar
Da profunda mudez o velho Cemitério.

Do Lazareto ao pé — monge negro a resar


Outro cypreste irmão, tendo o ceu por psalterio,
Deixa cahir na noite — infindo eremiterio —
Um rosário perlado — essências a r o l a r . . .

Andam maguas em bando ao meio os vegetaes.


E o stygma do Nada enche de agouro e ais
Da caligem da Noite o negrume de pez.

A mesma dor immensa em tudo a dor espalma: —


— A morte da Matéria é a morte dupla da alma...
O Lázaro que cahe morre a segunda vez.

Eydher Pestana.
SONETOS MARANHENSES 111

VULCÃO DE AMOR

Pela raiz da serra dos teus seios


Meus rubros lábios, trêmulos, subiram;
A razão, foi devido aos teus meneios,
Aos teus encantos que me seduziram.

Palpitantes de amor estavam cheios


Não pude resistir, meus olhos viram,
Atravez, meu amor, dos teus enleios,
Uns mysterios quaesquer que nos uniram !

Fui culpado, bem sei, fui o culpado,


E não me eximo dessa culpa minha,
Pois sinto orgulho de já ter peccado..

Entretanto, se alguém sentir receios,


Ao ver, da moça, a mais formosa linha,
Nunca lhe toque nos vulcões do seio !

Estevam Gomes de Castro Pinto.


112 SONETOS MARANHENSES

SONETO

Muito embora te não seguindo o vulto,


Nem diga o nome teu, que a luz encerra,
Esta paixão, tam louca que me aterra,
Assume as lindas proporções de um culto.

Por vê-la, assim ,como quem vê da serra


O infinito estrellado, quanto exulto !
Ella é, embora grite o mundo estulto,
Sentimento do ceu e não da terra.

Vem dispersar, portanto, o vasto bando


Das tristezas do meu viver de monge,
Que a tua imagem me alegra, dissipando

Nuvens sombrias do futuro incerto,


Pois se procuro amar-te só de longe,
Suspira o coração por te ver perto !

Adalberto Silva.
SONETOS MARANHENSES 113

PAU D'ARCO

Contemplo-te a sentir, velho pau d'arco amigo,


Uma grande tristeza e uma grande saudade
Dos dias que passei aqui na mtocidade,
A' tua sombra, a rir, e a conversar comtigo.
*"«**•

Tinhas a mesma linha e a mesma magestade


Que ostentas inda agora e a sombra a que me abrigo.
Eu era inda tam novo e tú já tam antigo,
Talvez que o mais antigo tronco desta herdade.

E hoje volto, afinal, de neve na cabeça


Depois de muito andar, sem lume a que me aqueça,
Andrajoso a esmolar de pousada em p o u s a d a . . .

E és o mesmo de outrora, altivo e reflorido,


Como um punhada de oiro a esmo sacudido
No immenso panno verde-mate da chapada.

Arlindo Martins.
114 SONETOS MARANHENSES

VENUS

Ei-la que surge emfim do mar resplandecente


de busios, de coraes, de pérolas brilhantes,
a coma desnastrada, os seios nús, frem,entes,
o olhar em fogo a rir nos olhos fulgurantes.

Treme-lhe o corpo, assim, como se de repente,


sentisse percorrer-lhe as carnes deslumbrantes,
uma grande volúpia, uma volúpia ardente,
num surdo palpitar de sonhos estonteantes.

. . .E ella parte a cantar, e na praia deserta,


fica o suave calor das suas trancas soltas,
e o perfume subtil que su'alma desperta.

K jamais poude o mar, nem ao mjenos de leve,


apertar contra o peito, entre as águas revoltas,
esse mármore vivo, esse corpo de neve !

Leonete Oliveira Lima Rocha.


SONETOS MARANHENSES 115

SEIOS

Esses teus seios mornos, tentadores,


Residência do amor, da seducção,
São dois fortes, dois rijos beija-flores
Apontando com os bicos a amplidão !

São niveos, provocantes, seductores,


Como o iman cruel da p e r d i ç ã o . . .
Entre as rendas são tam fascinadores,
Que me trazem submerso de paixão !

No deserto do amor e dos desejos,


Se eu me visse morrendo de cançaços
Em procura do oásis dos teus beijos,

Ficaria tranquillo e sem receios,


Se encontrasse por leito esses teus braços,
Se dormisse aquecido por teus seios !

Benú da Cunha.
116 SONETOS MARANHENSES

SER HOMEM

Ser homem, não é somente ter figura


Humana, nem faliar por toda parte;
Nem ter de um soberano a compostura,
Nem inventar p'ra viver, requintes d'arte !

Ser homem, não é fingir-se, quando a parte,


Guarda no peito a hypocrisia impura,
Nem dizer-se defensor de um estandarte
Só de humano tendo a pallida estructura.

Ser homem, não é cantar o vituperio


Da balôfa grandeza que escalavra
A honra e o brilho que a verdade encerra;

Ser homem, é ter bom senso e ter critério.


E' ser leal, simcero, é ter palavra,
E' andar de fronte erguida sobre a terra.

Augusto Almeida.
SONETOS MARANHENSES 117

O RELÓGIO E O CORAÇÃO

Um antigo relógio, uma vez, sonolento,


Ao repassar do tempo, e a estancar a carreira,
Diz: "Como é bom assim parar por um momento,
E dormir ao depois d'esta hora derradeira !"

E emudeceu, emf im, de cuidados i s e n t o . . .


Mas o anseio do som doma-o de tal maneira,
Que um dia, a trabalhar recomeçando lento,
Ouviu-se-lhe sonora a pêndula ligeira.

Um velho coração, que a sós presenciara,


Exausto de bater tantos annos a fio,
Quiz folgar um instante, e repentino pára.

Que tem, que a descançar demora descuidado ?


Olha-o attento: está rijo, e triste, e mudo, e frio.
— Se não despertou ainda, é que é feliz p a r a d o . .

Carlos Nascimento.
118 SONETOS MARANHENSES

MAR TEMPESTUOSO

Ergue-se a tempestade. O velho mar, gemendo,


Contempla com furor a sombra do Infinito.
De praia em praia bate. As vagas vão morrendo
De encontro a penedia enorme de granito.

üetraz da serrania, o sol vai-se escondendo..


Que tarde tormentosa ! O furacão maldito,
Perpassa pelo azul, e o velho mar gemendo,
Agita-se chorando austero como um, mytho !

Oh ! velho mar gigante ! Oh ! velho mar infindo !


Das portas do Infinito, a noite vem sahindo !
Guiada pelo vento, assim, tam f u r i b u n d o . . .

A dor, que te persegue é grande como o mundo !


Em ti, é grande a dor, oh ! mar que soffres tanto,
O Infinito a povoar das bagas do teu pranto !

Clodoaldo Cardoso.
SONETOS MARANHENSES 119

GONÇALVES DIAS

Mestre ! dorme nas ondas alterosas,


Nesse oceano de vagas rouquejantes,
Tendo por manto — os astros rutilantes,
Tendo por leito — as pedras preciosas.

Fita do mar as ondas rumorosas


Ante as dilatadas rochas cruciantes,
Onde se esbatem fortes, fecundantes,
Num turbilhão, as ondas tenebrosas !

Dóminaste com o verso o mundo inteiro;


Teu estro divinal foi o primeiro
Dentre todos os reis das harmonias.

Dorme, Poeta, á luz do sol fulgente,


Que teu renome não nos sahe da mente,
Oh ! grande mestre ! Oh ! Rei das melodias !

Mariano Chagas.
120 SONETOS MARANHENSES

-f
DENTRO DA SELVA

Foi no tempo feliz da vaquejada:


Floria o campo. O coqueiral abria
Os leques verdes, pela madrugada,
Quando o Vento do Norte o sacodia.

A alma simples da Selva perfumada


De flores novas o sertão enchia,
Diligente, o vaqueiro, na chapada,
A' procura do gado proseguia...

Accorda a vida toda da vivenda.


O Sol banha de luz as flores todas
Das arvores da porta da Fazenda..

Sahimos pelo campo, agora em festa,


Para assistir dos pássaros as bodas
No verde coração d'esta Floresta !

Carvalho Guimarães.
SONETOS MARANHENSES 121

OLHOS

Ha dentro do seu olhar não sei que estranha aurora


De luz, de um eterno brilho amortecido e vago,
Que até me faz lembrar o sol no poente, a hora
Que fica a reflectir no espelho azul de um lago.

Não sei que estranha dor nesses dois cyrios mora


Tornando-lhe o seu branco espirito presago,
Longe de ter, talvez, um só momento embora,
Um carinho de Mãi e um paternal affago.

Brilha nelles agora uma saudade morta,


Que lhe fere sem dó toda a sua grande alma
E o triste coração em desespero corta.

Maldicto o pranto atroz que dos seus olhos corre,


E lhe traz o pezar a funda magua incalma
Do gemido final de um pássaro que morre.

João Franco de Sá.


122 SONETOS MARANHENSES

POR TEUS OLHOS

Arremesso-me louco ás lindas verdes águas


Que me fascinam. Sobre o mar extenso, pando,
Undivago, procuro ás minhas negras maguas
Extrema-uncção, e mudo e frio, vai passando

Ror de vagas, emquanto em vulcânicas fnaguas


Irdomaveis, se inflamma o peito meu, arfando
Doiradas illusões... olvidar quero e trago-as
A" lembrança, a crescer voraz de quando em quando.

Ardentes corações que amaes, se é grande o vosso


Martyrio, atroz é minha agrura e é quasi infmda
Esta cega paixão que suffocar não posso.

Lethèas ondas sulcando eu vivo entre os abrolhos,


Indo minh'alma illusa e apaixonada ainda,
Affogar-se no mar de uns verdes claros olhos...

Abdegar Brasil Corrêa.


SONETOS MARANHENSES 123

CORAÇÃO DESLEAL

Se a dura sorte me apontasse um dia


Outro destino, a mim, outra ventura,
E me arrancasse d'esta vida escura,
Outra seria então minha alegria.

Se o coração de quem meus passos guia,


Comprehendesse a dor d'esfa amargura,
Talvez sentisse a mesma desventura,
Que as vezes sinto em transes de agonia.

Se essa visão querida, que meus olhos


Viram, tivesse o coração humano,
Um coração que conhecesse amor,

Certo, não me teria entre os abrolhos !


Nem jamais eu soffrera um desengano
Aqui, no exilio, a que me trouxe a dor !.

Clemente Guedes.
124 SONETOS MARANHENSES

A SENSITIVA

Vendo-a florir num valle ou junto á verde margem


de um rio, sob um ceu lurido-azul, de opala,
quem não se abysma, quedo e mudo, em contempla-la
no doce e terno afflar da nitida folhagem ?

0 ar, mesmo de leve, a mais tepida aragem


perturba-lhe o sentir, o que ao pudor iguala;
e se, airoso, um insecto atreve-se a toca-la
refrae-se meiga e casta ao longo da ramagem!.

Dir-se-á, talvez, do Olympo, erma, transfigurada


em vegetal sombrio, outrora condemnada,
uma nympha gentil "que os deuses confundia ! . . .

Tem no triste recato a cor dos sonhos idos,


de um amor que se esvae em óffegos doridos,
no latente pungir de supplice agonia !

Estolano Polary.
SONETOS MARANHENSES 125

A FORMIGA

Num continuo vai-vem, a Formiga trabalha


E é capaz de mudar, numa noite, um celeiro,
Tudo quanto Ella encontra é para o formigueiro:
0 grão de oiro, a semente, o fragmento de palha.

Não ha morro ou calhau, alta ou espessa muralha


Que resista. . E a vencer longo desfiladeiro,
Faz o assalto ao pomar, á horta, ao plantio inteiro,
Destruindo todo o bem que o homem, pasciente, espalha.

E quedo-me a pensar: tam misera é a Formiga,


— Pequenino animal egoista e previdente —
Que a amarga insensatez do homem forte castiga !..

Todo o esforço, Ella emprega em prol da própria raça:


Energia que vai alem de muita gente
Que, inútil, a dormir, a vida inteira passa !..

Ulpiano Brandão.
126 SONETOS MARANHENSES

DE VOLTA

Minha mãi ! minha mãi ! Pobre velhinha,


Eis-me afinal ao teu amor volvido;
Venho bater-te ao ninho de andorinha,
Cançado de soffrer porque hei soffrido !

Pois em minhalma a noite se avisinha


E trago o corpo em chagas retranzido. .
Se partir de esperanças, sem gemido,
Volto trazendo maguas que eu não tinha.

Tam velhinho que chego em tenra idade,


Os cabellos tam brancos de amargura,
De tantos soffrimentos e maldade.

Ai ! minha mãi, que triste mocidade,


O teu filho nasceu da Desventura,
Cavalleiro do Amor e da Saudade !

Chrysoslomo De Souza.
SONETOS MARANHENSES 127

CACHOEIRA DE OIRO

(LENDA DO ITAPECURU')

0' rio ! Porque outrora — e eu de inquirir não canso-


Porque desde á nascente, até teu turvo estuário,
Em todo o curso estreito, eras um rio manso,
E cs agora tam bravo ás portas do Rosário ?

E responde-me o rio: — " E ' que um velho usurario,


Julgando que isso desse á sua alma um descanso,
Lançou dentro de mim o oiro que é o meu calvário
Em forma de cachoeira. E' por isso que avanço,

Hoje, todo em cachoes, rasgo em chagas o peito,


Tentando esse impeciího arrancar do meu leito.
Quero ser pobre e livre, e ainda, por milhares

De soes batalharei, bavando como um touro.


Hei de arrastar ao mar o collossal thesouro
De D. João José Fernando de Linhares !" .

Clarindo Santiago.
128 SONETOS MARANHENSES

VAIDADES DAS VAIDADES

Sete palmos, á enxada abertos no chão d u r o . . .


A bocca de uma cova, hedionda, escancarada.
Eis o palácio real, o leito frio e escuro,
—Ponto final da vida e symbolo do Nada.

Nesta paz tumular, o puro é igual ao impuro,


O misero plebeu ao testa coroada.
A cova tanto abriga o sábio como o obscuro,
C.ihidos no fragor d'esta eterna Cruzada.

Também has de descer á paz que ha sob as lousas.


Aqui, só se houve o piar de ave triste e agoureira
E perpassa, subtil, a alma errante das cousas.

D e p o i s . . . que restará das vaidades, querida?


Uma carcassa i m m u n d a . . . ossos... uma caveira,
Num sorriso mordaz a escarnecer da Vida !

Hemeterio Leitão.
SONETOS MARANHENSES 129

LICÇAO DE AMOR

"Queres saber amar ? E' fácil. Eu te ensino.


Chega-te mais um pouco. Assim. Reclina a face,
Deixa desabrochar no lábio teu divino
Um sorriso de amor, como de alguém que amasse".

"Dá-me agora esta m ã o . . . (um rápido e fugace


Estremecer, notei no peito alabastrino
Da menina gentil; pedi que não brincasse
E ella ficou vermelha, o rosto p u r p u r i n o . . . )

"...Vamos, dize-me agora: aprendeste, q u e r i d a ? "


E ella falou, falou bella e ruborecida
Do uma grande paixão, do seu sincero a m o r . . .

Quando, tempo depois, mulher, mestra no beijo,


Uniu seu rosto ao meu, arfando de desejo,
Deu-me licções então, amim, seu professor...

Lectacio Jansen.
130 SONETOS MARANHENSES

O VELLUDO

Teve mais de cem donos. Percorria


Dia e noite as vielas da cidade,
S'.ím ter um pouso de hospitalidade,
Morto de-fome, um olhar de quem pedia.

O transeunte que passando o via


Tinha, ás vezes, momentos de piedade:
Acolhia-o num gesto de bondade
Ma? enxotava-o sempre no outro dia.

E o Velludo vagou sempre soffrendo,


Té que um doce entardecer de outono
Fui encontra-lo inchado, apodrecendo,

Na dileteria vala do abandono,


A bocca em, rictus, como escarnecendo
A ingratidão do derradeiro dono !

Fran Teixeira.
SONETOS MARANHENSES 131

A ENCHENTE

Entre regougos e ais, ribombos e rugidos,


A água vinha em cachão, de pedra em pedra, atroando,
Como infrene tropel de corceis incontidos,
Planuras marginaes invadindo, a l a g a n d o . . .

Tudo o rio carrega e, enorme e formidando,


Iíompendo a cerração e os planos impedidos
Roças, habitações em seu curso arrastando,
Deixa o rio, onde passa, um mundo de gemidos !.

E a água sempre a crescer ! E a noite que não finda !


E este ceu tam escuro e este clamor horrendo !
Ai! de ti, camponez, ou boiadeira linda !

Ouves ? E' o alto estridor de um repiquete de água


Subindo o valle e a serra em fragor estupendo,
Entre ululos de dor e rugidos de m a g u a s . . .

Affonso Cunha.
132 SONETOS MARANHENSES

DISCOBOLO

Lembra Anfnous, perante os meus olhos de artista,


na graça e robustez da plástica espartana,
se, ao sol, que adusta a gleba e os pincaros conquista,
pisa o fulgido pó do estádio que se aplana.

Vai, de um lado1—e outro lado, ao término da pista,


a ovação que de um coro unisono espadana.
Lança o disco p r i m e i r o . . . e ei-lo, trepido, á vista,
fulge, dentro da luz como uma oblata humana.

Arremessa outro disco... e mais outro... e outros muitos,


numa hercúlea impulsão de braços de granito,
sobem, no ar descrevendo intérminos circuitos.

E a alma sonha, a seguir de áureos discos os rastros,


um Titan, que atirasse á mudez do infinito
os discos de crystal polychromo dos astros.

Nunes Pereira.
SONETOS MARANHENSES 133

PALAVRAS DE UM EBRIO

Porque ando a sonhar em cousas doloridas,


Requintados de dor, carcomidas de tédio,
Penso, ás vezes, no vinho encontrar o remédio
Que ha de cicatrizar minhas negras feridas.

E bebo, e esqueço o horror das maguas homicidas.


E preso á bacchanal por um potente assedio,
0 vinho é para mim o meu próprio epicedio,
Despertando emoções de ha muito adormecidas.

Gloria á bebida ideal que affoga o soffrimento !


—Si o império da dôr é a perpetua verdade,
0 vinho é o deus eterno e bom do esquecimento,

Bemdicta seja, pois, a taça mysteriosa,


Onde bebi do amor a estranha suavidade,
Pelos lábios sensuaes de uma mulher formosa.

Antônio Martins Palhano.


134 SONETOS MARANHENSES

A VIDA

Immerso, ás vezes, num scismar dolente,


Medito nas paixões da humanidade:
Ora, é um sonho de amor feliz e crente,
Ora, é uma doce e trágica saudade.

Adoro immenso a piedade ardente,


Amo demais a fulgida Bondade;
Uma virtude me deslumbra a mente,
Quando feita em segredo—, a Caridade.

A fortuna é uma coisa bem illusoria;


Njps meus vagares, socegado e mudo,
Penso na sua pompa transitória,

A vida está assim synthetisada:


No desejo eloqüente de ser tudo,
Na agonia espantosa de ser nada !

José Sá Valle.
SONETOS MARANHENSES 135

DESVENTURA

Destróe, faze cessar esta agonia,


Toda esta magua immensa e dolorosa !
Dá, siquer, um momento de alegria
A' minha vida lugubre e penosa !

Tem compaixão d'esta alma lacrimosa,


Feita de dor e melancholia...
Alma que trilha a estrada tenebrosa
Da Angustia, soluçando noite e dia !

Para que eu me tornasse de repente


Feliz e de alma triste me fugisse
P'ra sempre a magua immensa que proclamo;

P'ra que eu fosse feliz eternamente,


Bastava que eu dos lábios seus ouvisse
Ella dizer-me, tremula: "Eu te a m o " !

Heraclyto Vespasiano.
136 SONETOS MARANHENSES

AUSENTES

Faze-me, sempre, uma carlinha, breve,


Pequena embora, ficarei contente.
E nella dize o que tua alma sente,
Alma de pomba, alvissima de neve.

Quem ama, pura e nobremente, deve


Falar ao seu amor, continuamente.
Não tenhas medo do clamor da gente;
Escreve, sempre, uma cartinha, escreve.

Manda dizer os sonhos que tiveste,


Em que um papel eu desempenhe, afora,
Todas as cousas que por mim fizeste.

Fala do amor e dos arroubos seus—


Mas, se é verdade que a tua alma chora,
Ah ! não m'o digas, por amor de Deus !

Oliveira Roma.
SONETOS MARANHENSES 137

SUPPLICA

Já que me destes, na manhan da vida,


Toda esta mágua que o meu ser devora;
Já que deixastes, quase sem guarida,
Alguém que vos amou, minha Senhora;

Já que deixastes, misera e esquecida,


Esta minh'alma que padece e chora,
Offertando a amargura endolorida
Que lhe acompanha bem de perto agora;

Hoje, que eu vivo, solitário e triste,


A odiar tudo que no mundo existe,
Sentindo o mal que aos poucos me devora,

Peço-vos: apagai os maus resabios


Que de certo ficaram em vossos lábios
Diiquelles beijos que eu vos dei outrora.

João Teixeira.
138 SONETOS MARANHENSES

SERENATA DE BEIJOS

A tarde finda. O sol, na floresta, agonisa;


O paul scintillante espera a alba lunar;
Sob o negro da coma esse profundo olhar,
Voluptuoso a fulgir me encanta e magnetisa.

O meu sonho feliz transforma e divinisa


O corpo teu: é lyra e canto singular
Sobre ella vão cantando os meus lábios, a errar,
E a minha sede, o instinto ultriz, se tantalisa.

Premindo a estreita flor d© alvo busto suave


—Que aroma capitoso em o teu colo de ave—
Vou supplicar um beijo á tua bocca ardente..

E dos beijos vai soando a doida litania,


Emquanto do luar a luz suave e fria
Estende sobre nós seu manto indifferente !

Raymundo Lopes.
SONETOS MARANHENSES 139

OLHOS MYSTERIOSOS

Quantas vezes minh'alma os teus olhos procura


Como um barco procura entre a morte a procella—•
Mornos seios de praia, outras, azas de vela
Ou riso de pharol, na immensidade escura !

Entretanto, o meu sonho a fugir se ennovela,


Se os vejo por milagre, em transes de loucura,
Eis que em torno de mim tudo se transfigura,
E eu não pude entender, ainda, os olhos delia !.

Se Archimedes luctou por desnudar problemas,


Que tinha eu de fazer para entender as almas
Dos seus olhos que são duas nocturnas gemas ? !

--Negros cyrios em noite eterna hão de esconde-las,


E eu tinha de morrer sem glorias e sem palma,
Como um sapo infeliz interrogando estrellas...

Silveira de Menezes.
110 SONETOS MARANHENSES

HYPOCRISIA

Mentindo, ás vezes, nossos próprios lábios


Faliam daquillo que jamais sentimos,
Quanta amargura, transes e resabios
Não se occultam no peito quando rimos !

Esta verdade, aliás, confirmam sábios:


E' a verdade cruel que descobrimos
Em nós mesmos, se vezes insistimos,
Em revolver os velhos alfarrábios !

Mentem os n o i v o s . . . doutos, á sciencia


Buscam illudir a própria consciência,
Na embriaguez perenne da matéria.

Atro viver de tanta falsidade,


Covardemente em fuga da verdede,
Mentimos sempre, sempre por miséria !.

Victoriano Almeida.
SONETOS MARANHENSES 141

LONGE

Parti, nem sei mais como. . Era uma tarde, á hora


Em que o sol dardejava o fogaréu morrente
Pelo occaso tristonho... E eu lembro, ternamente,
A praia, os palmeiraes, como si os visse a g o r a . . .

o convéz, quando o barco aos lances da corrente


$
Mais a mais se afastava em fúria de ir embora,
Eu vi que atráz de nós seguia, barra afora,
Muito branca, uma luz piscando l e n t a m e n t e . . .

Ev» o pharol ! o adeus, a terra idolatrada !


0 "sê feliz !", talvez, que a minha pobre amada
Estivesse a dizer vibrando de emoção.. ..

'* E quando a noite veiu e o pharol se sumiu,


r
Quando o immenso do céu de estrellas se cobriu:
Vi que tinha deixado em terra o coração !

Hilton Fortuna.
142 SONETOS MARANHENSES

ASPIRAÇÃO DO SACRIFÍCIO

Os almos sonhos que nós dois sonhamos


Pelos rudes caminhos d'esta vida,
Sorrisos são da Terra Promettida
Que, ha muito, em, desespero, procuramos.

#•
Nesta esperança ardente assim nós vamos,
Como uma sombra á outra sombra unida,
Incontentados, loucos, sem guarida,
Antevendo o triumpho que almejamos.

Um dia, quando, na ventura immersos,


Volveres ao passado o teu olhar,
Com orgulho verás meus tristes versos,

Por milagre da tua summa gloria,


Mudar-se em peflas para o teu altar,
Minha Nossa Senhora da Victoria.

Alcide Costa.
SONETOS MARANHENSES 143

A' MINHA MÃI

Um dia em meio as ténebras da vida,


Como um, sol que nasceu para aquecer,
0 Amor — visão da Terra Promettida
Subitamente illuminou-te o ser.

E, no explendor de uma arvore florida,


Atiraste-me á angustia de viver;
— Eu te bemdigo pela dor soffrida,
Pela dor que inda tenho de soffrer !

Tu conheces, também, a dor que medra


Nos corações de pedra e não de p e d r a . . .
Nos m a u s . . . nos b o n s . . . extraordinária dor !

E no Valle de Lagrimas que trilho,


Soffres, ainda, ao ver soffrer teu filho,
Personificação do teu Amor !

João Castello Branco de Almeida.


144 SONETOS MARANHENSES

PRIMAVERA

Palpitam bosques, estremecem ninhos


Cheios de luz, de aroma e de harmonias.
Ha mysterios e sons pelos caminhos
E iudo canta e vibra de alegria...

E dos ventos, os doces borborinhos


Passam saudosos pela matta fria.
Arrulham na floresta os passarinhos
Saudando o sol que doira a ramaria.

Corre um frêmito de azas multicores


A* claridade rutila da esphera
E a natureza toda abre-se em flores.

Este aroma, este ar — esta esmeralda


E m que a luz palpita — é a Primavera
Que a sua verde túnica desfralda.

Jayme do Egypto.
SONETOS MARANHENSES 145

SAUDADES

Na crystalisação das folhas orvalhadas,


Ao rutilo clarão de raios purpurinos,
Eu me sinto contente ao som de agrestes hymnos
Que o passarêdo entoa á sombra das ramadas.

A natureza exulta em fôrmas trabalhadas;


Desde a singela flor aos risos crystalinos;
Desde o sorriso á dor aos gostos saccarinos
Do loiro mél da abelha ás frutas sazonadas !

Em fofos ninhos sobre os ramos enlaçados,


Descançam mollemente as pombas feiticeiras !
E andam por toda a parte os beijos n a m o r a d o s . . .

E quando o sol declina em busca deVutras plagas,


Deixa no peito meu, saudades verdaoeiras,
Como ondas em fragor batendo sobre as fragas !

Elpidio Santos.
146 SONETOS MARANHENSES
i

VENCEDOR

Venho da luta, assim como um cruzado,


A minha alma, de júbilos transborda,
Como quem, num exilio, se recorda,
De uma scena feliz do seu passado. .

Vibro, qual se vivesse acorrentado


E quebrasse os grilhões, tangendo a corda
Da liberdade. Vibro, porque accorda
No meu ser outro ser predestinado...

Devidos, creio a mim, honras e preitos !


Levanto, aos céus, de pompas revestido,
O estandarte sagrado dos Eleitos...

E olhai: essa conquista que eu proclamo,


Alto, bem alto, ao mundo, é ter vencido
Os lindos olhos da mulher que eu amo !

Ribamar Pinheiro.
SONETOS MARANHENSES 147

ESCARNEO DA SORTE

Pesei,—quando bem calmo estava o pensamento-


o opulento, o feliz, o pobre e o desgraçado,
notando que dos quatro o que era mais pesado
a todos offuscava o seu deslumbramento.

Após ter o opulento astuto examinado,


veio o pobre. Outra vez fiz o meu julgamento.
Notei que em caridade e muito sentimento
o pobre ás vezes passa o rico potentado.

Chega a vez do feliz. Vejo que sorridente


a vida lhe desliza alegre e mansamente,
sem o fausto do rico e a pequenez do pobre.

Finalmente, fugindo á sua negra sorte,


no desgraçado encontro o cadáver de um forte
escondendo em seu peito o coração mais nobre.

Francisco Santos.
148 SONETOS MARANHENSES .

FOLHA ARRANCADA

Este álbum que outrora tam bonitas


Possuia dez paginas em branco
Algumas, outras — sete — já escriptas,
A quinta não tem mais, pois nesse arranco,

Tirou-a alguém que uns pobres versos lera,


Escriptos nessa folha, hoje arrancada,
Versos, talvez, que um dia outrem fizera,
Cheio talvez de magua não sondada.

Porque levou a folha ? Na sua vida


Igual magua será também sentida
Como a descripta nessa que arrancou ?

Mas porque, se levou versos tam feios,


Porque de luz e de harmonia cheios,
Não fez outros nas folhas que deixou ?

Luiza Nunes.
SONETOS MARANHENSES 1149

A SUMAUMEIRA

Alta, soberba, musculosa, nesta


várzea moça e virente onde o arvoredo
ama com o vento, e a natureza, em festa,
accorda e canta desde muito cedo;

expondo o tronco enorme, cuja sesta,


amorosa, lhe embala, a susto e a medo,
a trama das lianas da floresta
sussurando convites em segredo;

a viril sumaumeira os verdes braços


estende, e ao som dos ninhos, aos abraços
da hera, e á luz da aurora a despontar,

num gesto indifferente ao vento deixa


levar-lhe os cachos louros da madeixa
como se fossem beijos ao luar ! . . .

Ruben Almeida.
150 SONETOS MARANHENSES

INGRATIDÃO

Fazendo todo o bem, que se puder,


Fazemos grande mal á nossa vida.
E a bondade maior que se tiver
A todos passará despercebida.

Apenas, feito o bem, temos de ver


Nossa mão bemfeitora ser mordida
Pela mesma creatura que o dever
Esquece de beija-la agradecida !

Amigo não terás que te conforte,


Mas inimigo vil e rancoroso,
Perseguindo-te mesmo além da morte !

Por isso esquece a pratica do bem:


Gosa o riso e o amor, e sê ditoso,
Olhando o mundo com fatal desdém.

Orestes Mourão.
SONETOS MARANHENSES 151

SAUDADE

Tarde. Seis horas. Triste toda a terra.


A noite, lentamente, se aproxima.
Tudo chora, soluça e se lastima,
Desde o mar glauco ao pincaro da serra.

Saudade ! que saudade ha lá por c i m a . . .


E paira, e desce e vem — pelo mundo erra.
Saudade — dor que todo poeta enterra,
Sepulta, viva, dentro de uma rima !

E eu sou, longe de ti, um triste monge,


Pregando o Amor, em busca da verdade,
Cheio de contricção, cheio de calma.

E eu me lembro de ti, que estás tam longe !


E te chamo ! 0 ponteiro da Saudade
Marca também seis horas na minh'alma.

Saltes e Silva.
' *52 SONETOS MARANHENSES

PECCADO MORTAL

Vi-te, na igreja, timida, r e s a n d o . . .


Tua voz dulçurosa e terna enchia
O templo de tam límpida harmonia
Como se fossem cherubins cantando.

Resavas... E eu, extatico, te o u v i a . . .


Peccavas, Beatriz ! Era peccando
Que erguias o teu canto suave e brando,
Que, entre o incenso, nos ares, se perdia !

E o teu peccado, peccadora linda,


Era tam grande, foi tamanho ; que ha-de
Nossa Senhora castigar-te ainda !

Pois na igreja, ante o altar da Mãi Celeste,


Só falavas no amor e na piedade,
O que tu, Beatriz, nunca tiveste !

Isaac Ferreira.
SONETOS MARANHENSES 153

VÊNUS

Deusa, a teus pés a flor das minhas crenças, ponho !


Mulher, eu te procuro, eu te amo, eu te desejo !
Para a tua nudez, — a gaze do meu Sonho,
Para a tua volúpia, — o fogo do meu Beijo.

Divina e humana, impura e casta, o olhar tristonho,


Cabellos soltos, corpo nú, como eu te vejo,
Dás-me todo o calor dos versos que componho
E enches-me de alegria a vida que pelejo.

Gloria a ti, que, do Amor, cantaste, aos évos, o hymno,


Que surgiste do mar, branca, leve, radiante,
Para a herança paga do meu sangue latino !

Gloria a ti, que ficaste, á alma dos homens, presa,


Para a celebração rubra da Carne estuante
E a regia orchestração da Forma c da Belleza !

Assis Garrido.
154 SONETOS MARANHENSES

SAUDADE

Velha Monja do Amor, de olhos molhados


Vejo-te sempre, junto a mim, c h o r a n d o . . .
—Braços erguidos para o ceu resando,
No Calvário da Dor crucificados...

Teus olhos são dois astros apagados


No rubro Ceu da minha Dor, boiando.
E"s um resto de Amor se espedaçando
Nos olhares sem luz dos desgraçados.

Saudade ! Evocação de minha Terra !


Quanta incerteza esse teu nome encerra,
Quantas e quantas morrem nos teus braços !,

Minha Mãi, já velhinha, em mim pensando


E eu neste Mar revolto me findando
Sobre um Lençol de espumas e sargaços ! . . .

Villela de Abreu.
SONETOS MARANHENSES 15ó

COTINHA

\ou tentar descreve-la num soneto:


Erecta e varonil, Cotinha é dona
De uns pés tam pequeninos de madona
Que bem podem caber neste quarteto.

Lábios cor de rubi. Cabello preto.


0'hos.. olhos de amor em cuja tona
Todo um mundo de graça se abandona
Num sorriso belíssimo e faceto.

Morena clara. As mãos. . mas que delicia !


Vale todo o seu corpo uma caricia...
E' sua voz um pássaro cantando. .

Ha no seu todo um não sei que de prece.


Quando me fita, adoro-a. E me parece
Uma santa do ceu que está me olhando !

Concita Ferraz.
156 SONETOS MARANHENSES

A TENTADORA

A gase que o teu corpo alabastrino


Cobre, macia, as formas virginaes,
Entrançadas de rendas e oiro fino,
De beijos e de aromas festivaes,

Enamora teu seio pequenino


(onde moram dois pombos sensuaes
d'alvas pennas e bico purpurino !)
Embutidos de pérolas e crystaes...

Entre prantos, á noite, suspirosa


Sonhas um sonho divinal, fagueiro,
E despertas sentida e lacrimosa...

Mas o sonho — que é sempre feiticeiro


Faz-te sorrir de novo, Graciosa,
Apertando no collo o travesseiro !

J. Monlano Pires.
SONETOS MARANHENSES 157

FLORES

Recebi o "bouquet" que me mandaste


esta manhan. Um mixto de belleza
contem a rosea fita que enlaçaste,
unindo os ramos t o d o s . . . Que lindeza !

Symbolisando, estava, a Natureza


o todo de esplendores que formaste:
— Jasmins e Rosas, Brinco de Princeza,
rubras P a p o u l a s . . . tudo que enconfraste.

Entontece-me-o aroma d'estas flores...


E fazem-me sonhar lindos amores:
Sempre-Viva, Saudade e Malmequeres:

Lilaz, Cravina, Amôr-Perf e i t o . . . Creste


Estou que nesta vida penitente,
— Rosas, flores— são todas as mulheres

Souza Bispo.
158 SONETOS MARANHENSES

OLHOS DE SOMBRA

Dize-me tu, mulher dos olhos baços,


Que é da luz desse olhar, triste e sombrio,'
Que vive quase sempre fugidio
Quando te tenho presa nos meus braços ?

Que é da luz desse olhar tam vago e frio


Indeciso, rolando nos espaços ?
Que é da luz desses olhos ? Que é dos traços
De luz de outr'ora, nesse olhar d o e n t i o . . . ?

Dispersaste-a talvez nos lupanares,


Das orgias nos múltiplos lugares,
E'bria, ás vezes, de pleno sensualismo.

Hoje, que tens ? Uns pobres olhos fundos,


Esgotados, opacos, moribundos,
Feitos de exilio e de sonambulismo !

Ahnir Santos.
SONETOS MARANHENSES 159

O MAR

Amo-te assim, oh ! Mar ! . . . amo-te assim revolto,


na enérgica expressão das tuas agonias,
raivando para o ceu, como um demônio solto,
quando a terra se ajoelha e résa Ave-Marias...

Admiro-te assim, convulsionado, envolto


no teu manto real de espumas alvadias.
Oh ! gigantesco heróe ! Oh ! criminoso absolto !
E's tu um borbotar de rubras rebeldias...

Ouço, quando* rebrama a voz dos temporaes,


no teu clamor echoar o grito dolorido
,"que á noite vara o horror sombrio dos hospitaes.

E çomprehendo então essa tua ansiedade,


tu.protestas por nós, vibra no teu bramido
os revoltas fataes e a dor da H u m a n i d a d e . . .

Reis Perdigão.
160 SONETOS MARANHENSES

EXTRANHO SORRISO

. . . E ella morreu ! Os lábios enflorando


Um extranho sorriso me dizia:
— Não permittas morrer a tua Maria..
Quero sempre viver, viver a m a n d o . . .

E a sorrir, a sorrir, e delirando,


Numa lenta e tristíssima agonia,
A illusão derradeira fenecia,
A mais bella illusão de todo o bando.

. . E ella morreu ! Entanto, praserosa,


Ostenta minha face, sem resabios
De amargura a alegria vaporosa !

Mas nossa alma nem sempre se revelia:


O sorriso que mora nos meus lábios
E' o sorriso final dos lábios d'ella ! . . .

Matta Roma.
SONETOS MARANHENSES 161

SAUDADE

Saudade ! A tarde a declinar morosa,


Perpassa a brisa em brandos rumorejos,
E o loiro Phebo, em prece lacrimosa,
Se extorce langue, em lividos arquejos !

Sôa dolente uma canção chorosa,


Morrem no poente os últimos lampejos,
E a passarada em queixa lamentosa,
Solta, nos ramos, trêmulos harpejos ! . . .

Cahe a tristeza como um véo sombrio,


E pelo espaço vaga ternamente,
Uma prece, um suave m u r m ú r i o . . .

... A tarde e x p i r a . . . uma saudade chora.


Plange em minh'alma dolorosamente
— 0 funeral das illusões de outr'ora !

B, Pires.
162 SONETOS MARANHENSES

VELHO

Velho ! — tu me chamaste, gracejando,


Quando te disse ter vinte dois annos !
Estou velhinho, sim, de desenganos...
E de illusões as barbas vou p i n t a n d o . . .

Mas tu também virás na mesma estrada,


E colherás a neve dos caminhos...
E quando longa fôr nossa jornada,
Como estaremos velhos. . tam velhinhos !

Então, querida, trêmulos, juntinhos,


De olhar nublado, riso doce e franco,
Nós viveremos só para os netinhos,

Contando historias, lendas de tyranos:


Eu beijarei o teu cabello b r a n c o . . .
Tu lembrarás os meus vinte e dois annos !

Almeida Júnior.
SONETOS MARANHENSES 163

INTIMO

Já não duvido dos teus o l h o s . . . Leio


nelles, agora, quanto ler queria,
pois de todo banirem de meu seio
a duvida,—que afaga, mas crucia...

Teus olhos negros são prophetas. Creio


no que, ternos, me dizem, cada dia.
E o teu olhar é, para mim, enleio
de brando amor e suave nostalgia.

Podem mentir, bem sei, olhos maguados,


e até, de falso pranto marejados,
os abysmos do peito nos t r a n s p o r . . .

... Mas não mentem teus olhos. . Silenciosas


e occultas foram as lagrimas copiosas
que derramaste pelo nosso a m o r . . .

Dempsthenes Braga.
104 SONETOS MARANHENSES

BRAÇOS

Ha na carne cheirosa e moça dos teus braços


Um frêmito qualquer de sensações prohibidas,
Mil desejos de amor, com surtos e cansnços,
Todo um tumulto, emfim, de ânsias incomprehendidas

Como ha de fazer bem senti-los, quando lassos


Dos esforços sensuaes, das sensuaes investidas,
Pouco a pouco afrouxar a fúria dos abraços
Que dos corpos da união fundiram duas vidas..

Braços, por vos possuir, por vos ter enroscados,


— Lindos grilhões de amor — ao meu rude pescoço,
Nada me impediria os passos tresloucados !

E eu tudo dava, tudo, cm perdulário assomo,


Para, guardando o orgulho intenso de ser moço,
Vossas carnes morder qual se mordesse um pomo !

Antônio Vasconcellos.
SONETOS MARANHENSES 165

ANTE UMA ARVORE

Velha arvore de antanho e que inda hoje verdeja !


— Não sabes quem sou eu, não me conheces mais,
Tu que já me abrigaste á sombra bemfazeja
Sob a qual eu compuz meus loucos madrigaes !

Abandonei-te moço e atirei-me á peleja,


Conscio de conquistar mil Glorias immortaes !
E regresso abatido ! E vês que lacrimeja
0 velho que voltou sem glorias e sem Paz !

Em nada tu mudaste, ó minha Amiga, em nada !


E eu te vejo, afinal, como sempre te ergueste,
Phantasma do Passado, ó Arvore copada !

Sinto inveja de ti, contemplando o meu m a l :


— Ai, não ter eu nascido assim como nasceste,
— Ai, não ser eu um Rei no Reino Vegetal ! . . .

Adelino Ribeiro.
166 SONETOS MARANHENSES

NO BAILE

Noite ideal.. e tu, formosa e sorridente,


alva visão do amor em plena phantasia,
com teu divino olhar de sylphide innocente,
actordaste illusões que n'alma.eu não sentia.

Rias, e o riso teu era a expressão fremente


vibrando em tua bocca o espasmo da alegria;
e, valsando, eu te amava, em extasis de crente,
como um louco a sonhar na dansa que inebria.

Do afan carnavalesco, ao lubrico delirio,


teu niveo colo arfando, olente como o lyrio,
di/fundia em teu ser um goso salutar.

E eu era a borboleta, em saltitante adejo,


libando do teu seio' o calix do desejo
num anceio supremo e louco de te amar.

F. Souza e Silva.
SONETOS MARANHENSES 167

LÁBIOS
7 AND LOVE TO LIVE IN DIMPLE SLEECK
Milton

Os teus lábios ardentes, rubros, voluptuosos,


(Lábios que imploram sempre a musica dos beijos)
São fios de coral feitos para desejeis,
São traços de rubi talhados para gosos.

0 riso purpurino, que em suaves harpejos


Se desprende, subtil, dos teus lábios carnosos,
Parece prometter os beijos mais fogosos
Que se deram jamais dois corações andejos !

Si quedas, muda e triste e pensativa, absorta,


A tua alma travessa p socego desposa
E o pensamento teu para o ceu transporta...

Mas se lasciva vens, saltitante e graciosa,


Mostras alegre, então, já com a tristeza morta,
Um sorriso de amor numa bocca de rosa !

Edison Teixeira.
168 SONETOS MARANHENSES

ANCEIOS

Cruel batalhador, não desanimo


No peleja cruenta que encetei;
Hei de elevar-me do martyrio ao cimo,
Mas, ouve coração — te vencerei.

Eu hoje, com este amor que me redimo,


O ataque mais feroz dominarei:
Se com despreso vieres, eu o disimo,
E ao escarneo jamais recuarei.

Lutarei com a lança do meu verso,


Para invadir-te o coração profundo,
Para domar-te o coração perverso.

Hei de vencer-te, e um dia vencedor,


Eu gritarei bem alto pelo mundo:
Eu sou o mais audaz conquistador !

Emílio de Azevedo.
SONETOS MARANHENSES 169

FINIS

Meu ultimo soneto e ultimo conforto


Das minhas juvenis e pobres illusões,
Sorriso derradeiro, olhares e orações
Perdidas n'alma triste e no meu peito morto.

Piedade ! que o soffrer dos loucos corações


E' mais forte que a dor do enorme mar revolto,
Quando vem soluçando, esphacelar um porto
Suas vagas azues em doudas contrações.

Deixai, pobre soneto, escripto no meu peito


Os desfeitos clarões do meu affecto ardente,
E os ardentes clarões do meu amor desfeito !

Dcixai-me inda viver do meu viver vivido,


E sentir na minh'alma, inexhoravelmente,
Um inferno a crescer e um "Éden já Perdido" !.

Hermelindo Gusmão, Filho.


170 SONETOS MARANHENSES

DENTRO DA VIDA

Da alma parte uma lagrima sentida,


Num psalmo symbolico e profundo.
Vem em busca da Terra Promettida,
E do canto dos olhos, olha o mundo.

Vem da Pureza a lagrima perdida,


— Vê que tudo é miséria neste mundo.
E rola e cai no pântano da vida,
Na agonia final de um moribundo.

Assim eu vim das Terras do meu Sonho,


— Um bandeirante impávido e medonho,
Em busca do Ideal por mim sonhado !

Encontro a cruz na encosta desta Vida,


E tombo como a lagrima perdida,
Na Suprema Ventura derrotado ! . . .

Carlos de Castro Martins.


SONETOS MARANHENSES 171

AMOR PASSAGEIRO

01haste-me. Eu te olhei. Sorri. Sorriste..


Foi-se a minh'alma toda nesse olhar,
E nesse olhar que tu me dirigiste,
0 nosso amor eu vi desabrochar.

Amaste-me. Eu te amei. . Como foi triste


A nossa despedida ! E alem do mar,
Que. atravessando eu vou, sinto que existe
Outro mar em minh'alma a atravessar !

Atravessa-lo-hei ? Não sei. Talvez...


E' o mar das minhas l a g r i m a s . . . Um dia,
Decorrido — quem sabe ! um triste mez,

Encontrarás do amor que nos ligou


Visão transida e pallida, mais fria,
Quiçá, que a sorte que nos separou.

José D. Barbosa.
172 SONETOS MARANHENSES

EMFIM...
" O H LOVE ! BEFORE T H Y GLOWING SHRINE
MY EARLY VOWS WERE PAID."
BYRON

Abro a janella e escuto a voz da noite. Fria,


Qual virgem morta, a lua o véo de luz estende
Sob a campina em flor. Queda-se a r a m a r i a . . .
Junto ao verde palmar o lago azul explende.

Meu doce sonho, vem ! Exsurge ! Lindo, um dia,


Sonhei-te. Exalça, pois o voto, que me prende,
Que me acorrenta á luz, que do olhar te irradia.
Vem ! 0 amor prende tanto; o meu amor comprehende

Vens, emfim ! Ris, emfim ! Os teus lábios murmuram.


Em tua negra trança as brisas já sussurram,
Despertando minh'alma em divinos harpejos !

E as estrellas que, além, scintillam silenciosas,


Vão-me passando ao olhar quaes pétalas de rosas,
Que sobre ti Deus lança entre milhões de beijos !

Vinícius de Berredo.
SONETOS MARANHENSES 173

DUVIDA

Todas as noites, o meu compromisso


Era, sosinho, conversar com ella.
E que prazer então que achava nisso,
No acostumado canto da janella !

Mas, houve um dia, como por feitiço,


Entre nós dois uma tenaz querella
E nunca mais — perdendo o amor o viço —
Pude, sosinho, conversar com e l l a . . .

E quando alguma vez acontecia


Confundir-se com o meu seu terno olhar
Ella corava e, logo em pós, sorria.

E hoje ainda busco me certificar,


Se acaso por desdém é que sorria,
Ou se sorria para não chorar ! . . .

Lucano Reis.
174 SONETOS MARANHENSES

PAGINA INTIMA

Quando me fallas, tremula e medrosa,


Dos ninhos, na canção triste e dolente,
Paira em minhalma, tênue e vaporosa,
Uma restea de luz de um sol poente !.

Teu rosto branco de mulher formosa


De lagrimas scintilla docemente...
Quero beijar-te, vem ! E, suspirosa,
Partes, chorando, pela noite ingente !,

Mas, se accaso, me mostras ao esplendor


Dos lábios teus, esse coral minúsculo,
Aos meus desejos lubricos de amor,

Por meu castigo vejo inda indeciso


Que vem de tua lagrima um crepúsculo,
E uma aurora esplandece em teu sorriso !

J. A. Vieira Dos Reis.


SONETOS MARANHENSES 175

LAR DESERTO

Não sei que grande magua o coração me aperta


Ao voltar, indeciso, ao paterno solar,
Vendo por toda a parte a terra tam deserta
E vendo tam deserta a casa do meu l a r f ! . . .

Pela sala, feliz outrora, hoje coberta


De musgo, erra tristonho o meu saudoso olhar,
E eu descubro atravez de cada porta aberta
De todo o meu passado a lembrança sem p a r . . ,

Aqui, antigamente, minha mãi cosia,


A' luz mortiça e tremula de um candieiro,
A que nos não faltasse o pão de cada dia.,

Ali, minha i r m a n z i n h a . . . acolá, meu i r m ã o . . .


— Um lar feito de amor sincero e verdadeiro,
Para sempre desfeito em brumosa illusão ! . . .

Arnaldo Ferreira.
176 SONETOS MARANHENSES

SONETO

"A caminho ! A caminho". Inda no berço um dia,


incitou-me a Ambição: "Sonhador infecundo,
"do pedestal do Bem dominarás o mundo ! . . . "
E eu entrei na jornada ideal da Phantasia.

Das masmorras da Dor aos templos da Alegria


vi mil farcas senis e muito alcouce immundo;
e, em cada rosto alegre, em cada olhar jocundo,
eu senti perpassar lampejos de Ironia.

A Ironia que ri é sempre a mais pungente.


E eu vi tanta tristeza entre um sorriso santo,
tanto fausto encobrir misérias de indigente,

que voltando, afinal, irresoluto, a esmo,


pude encontrar o Bem que ambicionava tanto,
na Ventura mordaz de me. rir de mim mesmo.

Raymundo d'Oliveira Saldanha.


SONETOS MARANHENSES 177

A PALMEIRA

Ergue-se ao longe, a procera palmeira,


Na fofa matta, em cúpula orchestrada,
Sacudindo a frondosa cabelleira
Que prende a vista ao viajor da estrada !.

Murmulha, em cima, trefega, ligeira;


Farfalha canto, á Tarde deslumbrada;
E dansa, e baila, á brisa passageira;
A fresca rama, ao vento desdobrado !..

— E' bella ! E' bella ! diz quem vai passando:


— Estátua verde, ao sol alevantada !
— Na selva rude, os prados dominando ! . . .

Segue: E lá, na campina alcatifada,


Volta-se, da Palmeira divisando,
A lama crespa em flámmulas cortada.

Antônio Vianna de Souza.


i78 SONETOS MARANHENSES

O RENEGADO

Não achava na vida um só momento


Que tivesse prazer o desgraçado,
Pois para o seu acerrimo tormento,
Havia a Deus e a tudo despresado !

Era um monstro em completo esquecimento,


Escondido nas trevas do peccado,
Sem encontrar no atroz padecimento
Um sorriso siquer o renegado !

Mas, ao chegar ao derradeiro dia,


Ao confessor, chorando, elle pedia
Que o arrancasse dos ríspidos abrolhos.

•E assim morreu feliz e penitente,


Levando a grande placidez do crente,
E a imagem de Deus dentro dos olhos !

Dfirval Vidigal.
SONETOS MARANHENSES 179

MÃOS

Não sei que sinto quando as tuas mãos esguias


Voluptuosamente e com fervor aperto !
Este instante feliz tem para mim, de certo,
A grandeza final de um sonho de alegrias !

Nesta angustia em que vivo, assim neste deserto


De maguas tam cruéis, de dores e agonias,
Apertando contricto as tuas mãos macias
Extingue-se o pesar no meu peito encoberto !

Não é só apertar as tuas mãos de neve,


Quero bem de vagar, também muito de leve,
Beija-las mesmo assim, beija-las mesmo triste !

Concede-me por Deus um momento siquer,


Um momento feliz, oh ! formosa mulher !
Pois que toda ventura em beija-las consiste !

Macieira Netto.
ISO SONETOS MARANHENSES

MARIA

P e n s o ! Debalde.. inspiração não tenho..


Tento escrever, e em sonhos me 'debato.
Quero ir para ortde estais, mas me detenho
Contemplando tam perto o teu retrato !

Minh'alma, então, em goso delirante


S(nha. E, logo, ao meu lado a imagem tua,
Faz esquecer-me a vida por instante,
Faz esquecer-me a dor que ém mim estua.

E procuro offertar-te, emocionado,


Nos versos dum soneto mal rimado,
Poemos de luz, de amor e de alegria.

E ao em vez de verso* vejo, admiratío,


Nas folhas do papel já machucado,
Surgir, brilhando, o nome de Maria ! . . .

Milton Paraíso.
RUTILAÇÕES DE ELMOS

Sob o titulo acima, o "Diário de S. Luiz", edição de 19


de agosto de 1922, publicou, em vibrante editorial, o artigo a
seguir devido á penna do illustre belletrista Nascimento Mo-
raes :
"Esses estudiosos e terriveis rapazes da Tavola do Bom
Humor, preparando habilmente o espirito publico para lan-
çamento do livro que elles insistentemente annunciam, de ha
muito, Sonetos Maranhenses, lançaram, agora, á ultima hora,
um! reclamo, que, vendo-se bem, em tudo não é reclamo^ São
dez mandamentos, assim como sentenças que lhes foram revê»
ladas, não diremos em um monte por não commettermos uma
heresia geographiea que de certo escandalisaria os caboclos
desta ilha do Maranhão, mas talvez em algum outeiro, ou á
beira de uma dessas praias scismativas, que muitas temos, ou
á sombra de uma dessas arvores amigas, em) noite solitária e
triste, que é quando bem se sente que esta terra em que vive-
mos, que é nosso berço, que é nosso apego, que é nossa lem-
brança e nossa saudade, ainda não é nossa, ainda não é para
o nosso espirito, o nosso conforto e a nossa grande aspiração
de sonhadores que desejamos dentro delia viver, como quem
dentro de um sonho se enebria, se embevece, ao fulgurar de
imagens bellas, taes como aquellas que os que tomam ópio
dizem ver na sua encantadora embriaguez.
E' um decálogo moderno, ditado a esses novos apósto-
los pelo mais acrysolado civismo, guia dessas levas de cora-
ções juvenis que procuram a terra promettida da Esperança
e da Gloria.
182

Não nos podemos furtar ao impeto de transcrever para


estas columnas o fulgurante credo, que a esta hora já está es-
palhado por esta cidade e que dentro em breve percorrerá
victoriosamente o Estado, como um, soberbo grito de alarme:
"Todo o maranhense deve ter em memória os seguintes
mandamentos cívicos:
I—Amar a sua terra sobre todas as outras.
II—Amparar e prestigiar a todos os que a enobrecem e
dignificam pela intelligencia, pelo caracter e pelo saber.
III—.Trabalhar pela sua grandeza material e intellectual
de modo a eleva-la sempre entre as outras terras da Federação.
IV—Não engrossar bajulando aos estranhos, nem de-
preciar escorraçando aos irmãos.
V—Auxiliar e proteger as iniciativas que possam re-
sultar em beneficio do conceito maranhense.
VI—Não abandonar a sua gente e a sua terra, á hora pre-
cisa, porque indigno será aquelle que o tentar. O Maranhão é
dos maranhenses...
VII—Cultivar as boas lettras para, pelo estudo e pelo
trabalho que nobilita, honrar no presente o passado glorioso.
,tf. VIII—.Ufanar-se de que o Maranhão se tornou a Athenas
Brazileira, justamente porque deu á Pátria homens de gênio
e do saber, sem contudo sairem do torrão natal.
IX—Não ficar indifferente, braços cruzados, ao seu mo-
vimento litterario que sempre soube ser um dos melhores do
Brazil e que, se hoje se encontra depauperado é por falia de
estimulo sério e de um guia á altura qual houvera sido Antônio
Lobo com o fulgor demosthenico do seu verbo e a grandeza
solar da sua cultura.
X—Comprar os SONETOS MARANHENSES e terá prati-
cado umj acto digno e patriótico, pois não haverá um só filho
desta terra encantadora, que deixe de possui-los á sua estante".
E' da mocidade maranhense de quem: temos tudo a es-
perar. Esses traços de sua emancipação moral, de sua grande-
za civica, muito e muito nos confortam e nos animam, porque
incontestavelmente essa mocidade maranhense que ora se le-
vanta assim, pensando nos destinos da sua gloriosa terra, levan-
tando um templo de admiração e mesmo de gratidão aos nossos
' ' ' ' 183

maiores intellectuaes, rendendo homenagem áquelles que com,o


Antônio Lobo vivem a seu lado, incentivando-a, encorajando-a,
dispondo-a para os combates do livro e da penna, esses que
fizeram no passado a fama do Maranhão e que ainda hoje é a
sua lídima recomm,endação, pois que apesar de todas as ten-
tativas para o seu engrandecimento material, é a única laurea
nobilitante do seu presente e se-lo-á com certesa do seu futuro.
E' da mocidade maranhense que esperamos a nossa res-
tauração política. Caracteres que se impõem, pela altivez, que
se determinam pela robustez de acção, que se levantam pela
iniciativa brilhante, caracteres de moços audazes, que passan-
do por cima de obstáculos ingentes, comfo sejam os que deri-
vam da falta de recursos, ousam metter hombros a um trabalho
relevante, tal seja esse que ora commettem — a publicação de
um livro, nesta terra onde tudo falha, diante desse phantasma
tremendo—a falta de dinheiro; caracteres assim talhados e que
tão cedo já se submettem a uma prova de fogo, são dos que se
fazem dignos do credito daquelles que lhes seguem a esplendida
trajectoriá.
E amanhã, refundidos nesse excellente cadinho, a que
chamamos — a vida pratica, poderão conservar as nossas re-
líquias intellectuaes e concorrer com a sua perseverança, com
a sua invejável capacidade de trabalho, com a sua abnegação
para que sejam'; enfim colimadas as cabaes aspirações justas
e nobres do povo desta terra, aspirações até hoje menospre-
zadas e deprimidas pelos que assaltam, com a escada da medio-
cridade, as posições mais elevadas da política e da adminis-
tração do Estado, de quem dependem infeliz e desgraçada-
mente o nosso valor moral e a riqueza publica.
Estamos sinceramente envaidecidos com esses rapazes
da Tavola do Bom Humor, porque quando nos iniciamos nas
lettras, também fomos perdulários de energia em, proveito de
fingidas idéas, de altaneiros pensamentos que nos arrebataram,
em homenagem, vehementes aos soes da nossa intellectuali-
dade, desinteressados que sempre fomos a girar em torno de
allucinações que eram a febre sacrosanta que nos alimentava
hontem e que até hoje, para nosso conforto, nos alimenta ain-
da, mercê de Deus, e dos nossos mestres".
INpiCE
AUCTORES PAGS.
Odorico Mondes 3
Sotero dos Reis . . . 4
Gonçalves Dias . . . . . 5
Joaquim de Souzandrade 6
Joaquim Serra . . . . . 7
Antônio Franco de Sá . . 8
M. Pinto de Sampaio . . . . r 9
Commendador Antônio A. Rodrigues 10
Antônio Marques Rodrigues . . 11
I-íduardo de Freitas 12
Caetano B. S. Gayoso . . . 13
Antônio M. Carvalho Oliveira 14
Raymundo V. Moraes Rego . . 15
Raymundo A. Carvalho 16
Severiano A. d'Azevedo 17
José Pereira da Silva . 18
Euclydes Faria . 19
Arthur Azevedo 20
Maria Azedo Mattos . . 21
José Pereira Leite 22
180
i | >

Joaquim A. P. Lisboa . . . . . . 23 •
Francisco Castro . . . 2 4
Raymundo V. Nina . 25
Barbosa de Godois . . . . . 20
Aluizio Azevedo . . 27
Raymundo Correia . . . • 28
Theophilo Dias . . . . . . . 29
Coelho Netto .| . . . . . 30
Adelino Fontoura 31
Hemeterio dos Santos 32
Augusto Britto . . . 33
Pacifico Bessa . . . . . 34
João F. Gronrwell . . 35
Hugo Barradas 36
Hygino Cunha 37
Juvencio Auto Pereira . . . . 38
José Gregorio dos Reis . 39
Fructuoso Ferreira . . 40
Antônio S. Rubin . 41
Carlos Moraes Rego 42
Felippe Duarte . . 43
Napoleão Lobão . . . . . . . 44
Catulo Cearense . 45
Raymundo P. S. Campos . . . . 46
A. Reis Carvalho . 47
Domingos Perdigão . 48
Dunshee de Abranches 49
I. Xavier de Carvalho 50
Totó Rodrigues 51
João de Deus do Rego . . . . 52
Arthur Lemos 53
Achylles Lisboa . . . 54
187

Heraclyto Mattos . . . . 55
Raul C. Machado 56
Joaquim Belmont 57
Aluizio Porto . . . . 58
Ignacio Raposo . . . . . . . . . . . . 59
Antônio Lobo . ., 60
Gonçalves Medeiros 61
Theodoro R. Júnior . . . , 62
Alfredo C. Carvalho . . . •. : 63
Manuel Reis Carvalho . . . . . 64
Altino.Rego . . . . . . . . 65
Anna O. Santos .... . 66
Raymundo N. Moraes 67
Manuel G. Gromwell . 68
Miguel G. Tavares . . . . . . 69
Bidico de Rodrigues . . 70
Franciso Serra . . . . . . 71
Godofredo Vianna . . . . . . 72
Antônio Moraes Rego . . . . . . . . . . 73
Luzo Torres . . .* 74
Francisco Lisboa . . 75
Antônio Costa Gomes . . . . . . . . . 76
João Rodrigues 77
Alfredo de Assis . . . . . . . . 78
Agostinho Reis . . . . 79
Nascimento Moraes . . 80
Leoncio Rodrigues . . 81
B. de Vasconcellos . . . . . . . . 82
Walter W. Broadbent . . . . 83
Clodomir Cardoso • • 84
Mariana Luz . . . . . 85
Américo César 86
188

Laura. Rosa 87
Viriato Correia . . . . 88
Hermilio Pereira . . 89
Vieira da Silva . . . . 90
Luiz Nascimento . . 91
Caetano Souza . .. . . . . 92
Correia de Araújo . 93
Maranhão Sobrinho 94
Fabiano Vieira . . . . 95
Domingos Barbosa 96
Octavio Galvão 97
Lemos Vianna . . . . , . 98
Vespasiano Ranlos 99
Humberto de Campos . . . . . . . . 100
•Nereu Bittencourt . 101
Blandina Santos 102
Aura Mattos . . . . 103
Antônio Lopes . . . . . 104
Agostinho R. d'Assumpção . 105
Carlos Reis . . . . 106
Leslie Tavares . 107
Apolinario Carvalho . . . . . . . . . 108
Melchiades dos Santos . . . . . . . . 109
Eydher Pestana 110
Estevam Castro . . . . . . . . . 111
Adalberto Silva 112
Arlindo Martins . . 113
Leonete Oliveira . . . . . . 114
Benú da Cunha . . . . . 115
Augusto Almeida 116
Carlos Nascimento . . 117
Clodoaldo Cardoso . . . . 118
189

Mariano Chagas 119


Carvalho Guimarães 120
João Franco de Sá . 121
Abdegard B. Correia . . 122
Clemente Guedes . . 123
Estolano Polary . . . . . . . . 124
Ulpiano Brandão . . . 123
Chrysostimo De Souza . 12G
Clarindo Santiago . . . . . 127
Hemeterio Leitão . . . . 128
Lectacio Jansen . . . . . . 1 2 9
I ran Teixeira . . . . 130
Affonso Cunha . . 131
Nunes Pereira . . . . . . 132
Antônio ML Palhano . . . . 133
José Sá Valle . 134
Heraclyto Vespasiano . . . 135
Oliveira Roma . . . . 136
João Teixeira . 137
Raymundo Lopes . . . . 138
Silveira de Menezes . . 139
Victoriano Almeida . . . 140
Jlilton Fortuna . . . 141
Alcide Costa \ . 142
João C. Branco Almeida . . . 143
Jayme do Egypto . . . . . 144
Elpidio Santos . . 145
Ribamar Pinheiro . • 146
•Francisco Santos . . . • 147
I.uiza Nunes . • • 148
Ruben Almeida . . • 149
Orestes Mourão . . 150
190

Salles e Silva . . . 151


Isaac Ferreira 152
Assis Garrido . 153
Villela de Abreu 154
Concita Ferraz . . . , 156
J. Montano Pires . . . 156
Souza Bispo . . 157
Almir Santos 158
Reis Perdigão 159
Matta Roma 169
B. Pires. 161
Almeida Júnior 162
Deir.osthenes Braga 163
Antônio Vasconcellos . 164
Adelino Ribeiro . . . 165
F. Souza e Silva 166
Edison Teixeira . . 167
Emilio Azevedo 168
Hermelindo Gusmão Filho 169
Carlos Castro Martins 170
José D. Barbosa . . 171
Vinícius Berredo . 172
Lucano Reis 173
J. A. Vieira Dos Reis 174
Arnaldo Ferreira 175
Raymundo Saldanha 176
Antônio Vianna Souza 177
Durval Vidigal 178
Macieira Netto 179
Milton Paraíso 180
Rutilacões de elmos 181
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