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A Entrevista Com Crianças Nos Processos de Trabalho Do

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A ENTREVISTA COM CRIANÇAS NOS PROCESSOS DE

TRABALHO DO (A) ASSISTENTE SOCIAL

Autores: SANDRA ELOIZA PAULINO


Instituição: FACULDADE PAULISTA DE SERVIÇO SOCIAL

RESUMO:

Este trabalho tem como objetivo trazer luz à discussão


sobre a entrevista com crianças nos processos de
trabalho do (a) Assistente Social, destacando a
importância de sua especificidade, dada a própria
diferença no desenvolvimento destes sujeitos. Trata-se
da reflexão e busca de diretrizes norteadoras para o uso
deste instrumento, no sentido de compreendê-lo dentro
do processo de construção da instrumentalidade do
Serviço Social. Os assuntos pertinentes à infância se
apresentam à profissão, desde sua gênese, requerendo,
portanto, um olhar “sensível” e crítico sobre suas
demandas, que enseja a articulação das dimensões
teórico-metodológica, técnico-operativa e ético-política.

PALAVRAS-CHAVE: entrevista, crianças, Serviço Social, instrumentos.

ABSTRACT:

This work aims to bring light to the discussion about the


interview with children in the work processes of (the)
Social worker, highlighting the importance of its
specificity, given the difference in the development of
these subjects. It is the reflection and search for guiding
guidelines for the use of this instrument, in order to
understand it within the process of construction of the
instrumentality of Social Service. The issues pertaining to
childhood present themselves to the profession, since its
genesis, requiring therefore a look "sensitive" and critical
about their demands, which leads to the articulation of the
theoretical and methodological dimensions, technical and
ethical-political operative.

KEYWORDS: interview, children, Social Services, instruments.


1. INTRODUÇÃO

A entrevista é um dos instrumentos mais recorrentes no trabalho cotidiano do


(a) Assistente Social. Visto que o exercício profissional é constituído de uma
totalidade, a qual é formada pelas dimensões teórico-metodológica, ético-política e
técnico-operativa, faz-se de fundamental importância nossa reflexão acerca deste
instrumento, de modo a contribuir para a compreensão de que, para sua execução, há
que se ter domínio de um conjunto de saberes que são indissociáveis.

Comumente vimos a abordagem da entrevista por autores (as) do Serviço


1
Social preocupados (as) com uma construção mais sólida deste importante
instrumento, ao mesmo tempo em que expressam, também, grande preocupação com
os riscos do “metodologismo”. Abordar a temática da entrevista é contribuir para
reflexões deste processo, sua ressignificação no cotidiano profissional, visto que a
realidade está em constante transformação e, sua apropriação na perspectiva da
ultrapassagem da mera técnica, para a construção de um conjunto de conhecimentos
(teóricos-metodológicos-éticos e técnicos) que possam atribuir qualidade ao fazer
profissional.

Sendo assim, neste trabalho pretendemos explorar a complexa temática da


entrevista, “acrescentando” um componente significativo, qual seja, a entrevista
desenvolvida junto a crianças2.

Pouco se fala, nas produções de Serviço Social, sobre a abordagem com este
grupo específico de sujeitos. Em nossa compreensão há que se ter um olhar
diferenciado para tal segmento, pois, para entendermos estes em sua totalidade e
como sujeitos de direitos, algumas especificidades advindas de questões fisiológicas,
psíquicas e sociais, devem ser consideradas, o que nos remete a pensar em
intervenções próprias para esta condição de “ser em desenvolvimento”, respeitando,
inclusive, o que preconiza o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), o qual destaca
que:

Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais


inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata
esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Diz ainda o referido Estatuto, em seu artigo 4º.:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público


assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.(o grifo é nosso)
Destaca, em parágrafo único, que: “A garantia de prioridade compreende”:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância


pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a


proteção à infância e à juventude. (o grifo é nosso)

A criança tem, portanto, direitos estabelecidos por lei, para ser compreendida
como ser em desenvolvimento e, em se tratando das diretrizes necessárias para a
garantia de seu atendimento, o ECA sinaliza que:

Art. 86. A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente


far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não
governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

Art. 87. São linhas de ação da política de atendimento:

I. políticas sociais básicas;

II. políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para


aqueles que deles necessitem;

III. serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às


vítimas de negligência, maus tratos, exploração, abuso, crueldade e
opressão;

IV. serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e


adolescentes desaparecidos;

V. proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e


do adolescente;

VI. políticas e programas destinados a prevenir ou abreviar o período de


afastamento do convívio familiar e a garantir o efetivo exercício do direito à
convivência familiar de crianças e adolescentes; (incluído pela Lei no. 12.010,
de 2009)

VII. campanhas de estímulo ao acolhimento sob forma de guarda de crianças


e adolescentes afastados do convívio familiar e à adoção, especificamente
inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades
específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos. (incluído
pela Lei no. 12.010, de 2009)

Como podemos observar, diferentes são os espaços sócio-ocupacionais que o


(a) Assistente Social irá se deparar, em seus processos de trabalho, com crianças nas
mais variadas situações, que requeiram a utilização da entrevista enquanto
instrumento mediador e de aproximação da realidade destes, com vistas à garantia
dos direitos previstos por lei.
Para tanto, reforçamos a perspectiva de que a abordagem do Serviço Social
com crianças requer um conjunto de conhecimentos e habilidades diferenciados, de
modo a responder de maneira eficiente, efetiva e eficaz às suas particularidades.

Neste sentido, a construção deste trabalho será pautada em três eixos


reflexivos fundamentais, quais sejam, a entrevista enquanto um conjunto de
conhecimentos e habilidades necessários à intervenção profissional; o processo
histórico da construção da infância que demarca a diferença e as necessidades
específicas deste ciclo de vida; e, a relação do Serviço Social com crianças nos
processos de trabalho que resulta na construção de uma abordagem diferenciada e
específica.

É importante destacar que estes eixos se relacionam num movimento


complementar e que apenas os destacamos como elementos “únicos” para
didaticamente construir sua relação, como veremos a diante.

2. A NOÇÃO DE INFÂNCIA E A ESPECIFICIDADE DA ENTREVISTA COM


CRIANÇAS EM SERVIÇO SOCIAL

Julgamos necessário, primeiramente, buscar o significado da noção da


infância, num processo sociohistórico, para que possamos, a partir disto, entender o
importante lugar que foi construído (através de muita luta e resistência de movimentos
sociais) o diferencial entre crianças e adultos, não só em termos fisiológicos, psíquicos
e sociais, como também, em relação a direitos específicos.

Segundo Ariès (1986) até o fim da Idade Média não havia noção de infância, ou
seja, esta percepção de diferença entre adulto e criança não existia, tal como vimos
nos dias atuais. A criança era entendida como um adulto em “miniatura”, portanto,
compartilhava dos mesmos espaços, assim como, também tinha as mesmas
responsabilidades destes. Desta forma, as crianças eram expostas a condições
semelhantes aos adultos, o que, pela própria condição de desenvolvimento físico,
cognitivo e psíquico, provocava riscos e vulnerabilidades, resultando em períodos
marcados por altos índices de mortalidade infantil. Foi em meados do século XVII, a
partir do olhar da Igreja e da intervenção pública, que a infância passou a ser vista em
sua especificidade, logo, a ter um olhar e posição diferenciada na sociedade.

Desde então muitas transformações ocorreram; podemos perceber


retrocessos, com o retorno das crianças ao mundo do trabalho decorrente da
industrialização, assim como novos avanços com a proibição deste tipo de atividade,
resultante de resistências e lutas sociais, mais particularmente com a chegada do
século XX.
Cabe sinalizar que no Brasil este processo não foi muito diferente (foi apenas
mais tardio). No século XIX, mesmo diante da expansão do capitalismo, ainda havia
a “sobrevivência” da economia agrícola, a qual recorria à mão de obra escrava e
infantil, como fonte de exploração de trabalho. Com base no modelo capitalista
europeu o discurso de que a criança poderia ser o futuro produtivo de uma nação
(em decorrência da condição de seu preparo para o mundo do trabalho), o Brasil se
apropria desta visão de mundo e, no início do século XX a criança torna-se um foco
de atenção da sociedade brasileira, o que requer cuidados e atenção, seja da
família, seja do Estado. Para Rizzini (2011, p. 14)
O interesse pela infância, nitidamente mais aguçado e de natureza diversa
daquela observada nos séculos anteriores, deve ser entendido como
reflexo dos contornos das novas ideias. A criança deixa de ocupar uma
posição secundária e mesmo desimportante na família e na sociedade e
passa a ser percebida como valioso patrimônio de uma nação; como „chave
para o futuro‟, um ser em formação – „dúctil e moldável‟ – que tanto pode
ser transformado em „homem de bem‟ (elemento útil para o progresso da
nação) ou num „degenerado‟ (um vicioso inútil a pesar nos cofres públicos).

Diante desta perspectiva foram desenvolvidas as primeiras Políticas Sociais


destinadas à infância, cabendo a Estado investir o que fosse necessário para a
garantia da construção de um país “mais desenvolvido”. Surgem, então, as
instituições de cunho socioassistencial, em sua maioria, mantidas por ordens
religiosas, para prestar o acompanhamento necessário às crianças, seja nos
aspectos relacionados ao processo educacional (destinados prioritariamente a
crianças oriundas das famílias das classes dominantes) seja nos aspectos corretivos
(crianças pobres e abandonadas – desvalidas, que eram remetidas aos chamados
“reformatórios”) com a incumbência de reeducar as crianças para o convívio em
sociedade.

Nosso intuito com este breve resgate é de expressar as diferentes visões


acerca da infância (de adultos em miniatura a seres em fase de desenvolvimento e
“futuro” de uma nação) e, não necessariamente, destacar as políticas sociais que
foram desenvolvidas para este segmento ao longo da história. Entretanto, é
importante sinalizar que, embora este não seja o foco principal de nossa discussão,
o Serviço Social esteve envolvido, desde os primórdios da profissão, no
desenvolvimento de tais políticas (mesmo que em princípio como “executor das
políticas terminais”).

Desta forma, percebemos diferentes etapas do Serviço Social junto às


questões relativas à infância. Num primeiro momento, com uma atuação pautada na
ótica caritativa e, posteriormente, no viés da repressão e da punição, algo próprio da
gênese do Serviço Social no Brasil. Ainda neste “caminho” atuou sobre forte
influência funcionalista, buscando o “tratamento” da infância (principalmente dos
carentes) de modo ao ajuste social e resolução dos conflitos (gerados pela luta de
classes e não pelo indivíduo).

Foi após o movimento de reconceituação que o Serviço Social ressignificou


sua prática profissional, passando a se envolver com as questões da infância através
dos movimentos sociais, na perspectiva de garantia de direitos.

A década de 80 pode ser considerada como um período importante para os


avanços nas discussões e na criação de um marco legal sobre as questões
relacionadas à infância. Foi neste período (1988) que tivemos a Constituição Federal
que prevê, em seu artigo 227, o reconhecimento da criança como prioridade
absoluta e com direito à proteção integral, sendo dever da família, do Estado e da
sociedade assegurar tais direitos, por meio da execução de políticas públicas.

Em 1990 dá-se a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente e


reforça-se a diferença primordial entre crianças, adolescentes e adultos (como já
mencionado anteriormente, são consideradas crianças pessoas até 12 anos
incompletos e adolescentes pessoas entre 12 e 18 anos). Esta aparentemente
“simples divisão” em faixas etárias expressa diferenças condizentes com as etapas
de desenvolvimento humano.

Para Piaget (1970) o ser humano tem diferentes estágios de desenvolvimento


e estes interferem na forma com que o sujeito se relaciona com o mundo, organiza
seus conhecimentos e assimila a realidade. Estes estágios são complementares e se
inter-relacionam, sendo, de certa forma, evolutivos (um conhecimento agrega ao
outro e, assim, o ser humano vai adquirindo, ao longo de seu desenvolvimento
cognitivo, novas e diferentes habilidades). O autor destaca a existência de 04
estágios, sendo: a) Sensório-motor que contempla de 0 a 2 anos de idade; b) Pré-
operacional que vai dos 2 aos 6 anos aproximadamente; c) Operações concretas
que vai dos 7 aos 11 anos; e, d) Operações formais que vai dos 12 anos em diante.
Cabe sinalizar que tais estágios não são estáticos e cristalizados e que cada ser
humano pode atingir diferentes níveis em diferentes estágios de vida. Eles são bases
para a compreensão das diferenças inerentes ao processo de desenvolvimento
humano.

No estágio sensório-motor a criança passa a coordenar seus movimentos,


desenvolve a diferenciação progressiva entre ela e o mundo exterior, entende
algumas palavras, começa a falar de maneira imitativa.
No estágio pré-operacional dá-se o aparecimento da linguagem e da
comunicação com outros sujeitos; a criança tem fantasias, as quais são
“transformadas” em realidade pelos seus desejos; desenvolve a coordenação motora
fina, entre outros.

No estágio das operações concretas a criança adquire uma nova capacidade


mental, passa a ter noção de tempo, busca maior autonomia pessoal, reconhece
outros pontos de vista, compreende o processo de cooperação; começa a pensar
antes de agir; desenvolve a formulação de conceitos de sentimentos morais e
grupais.

Por fim, o estágio das operações formais sinaliza o pensamento formal e


abstrato; a criança tem capacidade de abstração e generalização; deseja ter seu
próprio grupo, distanciando-se do adulto; desenvolve um vocabulário próprio e
procura vestimentas que as identificam com “seus pares”.

Como podemos observar, estas diferenças que são próprias do


desenvolvimento humano, inevitavelmente se manifestam nos processos de trabalho
do (a) Assistente Social, pois, são inerentes ao sujeito. Se o “trato” com a infância é
algo que percorre nossa trajetória enquanto profissão, discutir os instrumentos
técnico-operativos, mais especificamente, a entrevista com crianças, é uma questão
relevante não só para esta produção, como também, em nosso ponto de vista, para
o próprio Serviço Social.

Desta forma, tendo por base todos os aspectos relacionados à infância, os


diferentes estágios de desenvolvimento da criança e os direitos conquistados para a
atenção diferenciada, elaboraremos o percurso da entrevista em Serviço Social com
estes sujeitos. Partimos do princípio de que, para desenvolvermos um bom processo
de entrevista com crianças, temos, antes de tudo, que estar atentos (as) para:

A noção do tempo: diferentemente do adulto a criança tende a ter menos


tempo de foco sobre determinados assuntos (quanto menor a criança, menor será
seu tempo de concentração). Desta forma, é indicado que seja estabelecido com a
criança um tempo reduzido de entrevista (de 20 a 30 minutos seria um tempo
razoável, podendo, entretanto, alterar em acordo com a idade da criança);

O ambiente: embora parte das instituições apresentem parcos espaços


adequados para crianças, é importante que possamos organizá-los para melhor
recebimento deste segmento, seja com a fixação de cartazes coloridos na parede,
seja com a disponibilidade de materiais como lápis de cor, canetinhas e folhas sem
pauta para que estas possam se sentir melhor acolhidas.

O tom de voz: para termos maior atenção da criança é importante que


mantenhamos uma entonação não muito baixa (que não provoque sonolência ou
facilite a perda de foco) nem muito alta (que possa indicar sinal de “bronca” ou de
“braveza”). O tom de voz deve ser forte, ao mesmo tempo, cuidadoso e convidativo
para que a criança possa se sentir segura e, assim, confiar no (na) profissional,
estabelecendo um vínculo.

O reconhecimento que a criança tem do serviço: é importante buscar


identificar, no início da entrevista, o que a criança sabe sobre o serviço; quem falou
sobre isto com ela; o que ela pensa que acontecerá no encontro com o profissional;
que “imagem” (ou representação social) ela tem do (a) Assistente Social. O
reconhecimento deste “imaginário” da criança permite a desconstrução de ideias
equivocadas, facilitando o vínculo.

A transmissão de informações corretas e precisas sobre o serviço: após


a manifestação da criança é importante que seja esclarecido (tenha esta dúvida ou
não) sobre qual a finalidade da entrevista; como ela ocorrerá; qual será sua
duração; durante quanto tempo; e, quais são os possíveis instrumentos a serem
agregados a este processo.

O nível de desenvolvimento cognitivo da criança: para identificar o que,


de fato, a criança consegue apreender no processo de entrevista e, a partir disto,
buscar outros elementos facilitadores/mediadores desta apreensão.

O uso das palavras por parte da criança: sabemos que a maior parte das
crianças ainda está adquirindo um vocabulário próprio; portanto, o uso das palavras
de seu conhecimento facilitará a comunicação entre o (a) Assistente Social e a
criança envolvida no processo de entrevista. Assim, devemos perguntar para a
criança o significado de algumas palavras utilizadas por ela para termos o
reconhecimento de seu repertório;

O uso de outros elementos como mediadores: no processo de entrevista


com crianças é interessante intercalarmos as falas com referências a temas comuns
do universo destas, como por exemplo, desenhos animados. Conversar com a
criança sobre o comportamento de determinado herói ou vilão dos desenhos nos
permite reconhecer como esta compreende algumas normas sociais, bem como,
identificar se algumas ações (violências, por exemplo) ocorrem em seu cotidiano.
Podemos recorrer a jogos, uso de computadores e outros elementos mediadores,
para o estabelecimento de aproximações sucessivas a história de vida da criança,
pois, durante as brincadeiras é possível abordar temas e questões importantes para
o processo de entrevista.

As expressões faciais/corporais: as comunicações entre os sujeitos se


efetivam de modo verbal (discurso/linguagem) e analógico (não verbal, gestual,
corporal, facial, etc.). Portanto, ao nos relacionarmos com as crianças elas
rapidamente apreendem aquilo que estamos comunicando, tanto pela questão
verbal quanto corporal/facial. O mesmo acontece com elas, ou seja, é importante
prestarmos muita atenção para as reações faciais e corporais manifestas, pois,
podem trazer ricos elementos ao processo da entrevista, bem como, sinalizar
cansaço e “limite” para a continuidade da entrevista;

Utilização de linguagem técnica: a comunicação entre o (a) Assistente


Social e a criança deve ocorrer sempre no nível real de desenvolvimento desta,
portanto, a utilização de termos técnicos ou de linguagem incompatível com o
desenvolvimento cognitivo da criança dificulta o estabelecimento de vínculo. Se for
necessário o uso de termos técnicos caberá ao (à) profissional elaborar estratégias
facilitadoras, explicar os motivos de seu uso e perguntar à criança o que ela está
conseguindo entender/acompanhar.

Outra questão que queremos enfatizar diz respeito à pergunta. Saber perguntar
é uma “arte”. Engana-se quem pensa que quanto maior o número de perguntas num
processo de entrevista, maior a quantidade de informações. Pelo contrário, o processo
de entrevista não pode ser resumido somente a perguntas e respostas. Ele exige um
domínio do conhecimento, por parte do (a) Assistente Social, que requer a observação
do sujeito, uma escuta aberta e sem pré-conceitos e a elaboração de perguntas que
possam responder aos objetivos da entrevista. Uma pergunta bem construída permite
a elaboração de respostas mais completas. Em se tratando de crianças, as perguntas
devem ser simples e mais diretivas possíveis, de modo a facilitar a compreensão e a
elaboração de respostas.

BENJAMIN (2011), em sua obra “A entrevista da Ajuda” sinaliza para algumas


questões importantes que devemos ter neste processo, quais sejam: a) consciência de
que estamos fazendo perguntas; b) avaliar as perguntas que estamos prestes a fazer;
c) perceber os tipos de perguntas que frequentemente fazemos e, cuidadosamente
entender se estas são necessárias ou não; e, d) analisar se a pergunta que estamos
prestes a fazer será útil para o entrevistado. Na interação com crianças estes cuidados
são fundamentais e, em nosso entendimento, devemos, ainda, buscar elaborar poucas
perguntas e no nível de entendimento real da criança, com o uso de palavras de seu
repertório.

Outro fato importante diz respeito ao cuidado com o uso da palavra “por
que”, principalmente no processo de entrevista com crianças. A palavra “por que”,
segundo BENJAMIN (idem, p. 109) “(...) quando usada pelo entrevistador, comunica
que o entrevistado agiu „errado‟ ou comportou-se „mal‟”. Isto pode ocorrer mesmo
quando a intenção do profissional não seja esta. Complementa o autor dizendo que “O
efeito sobre o entrevistado será visivelmente negativo, porque é muito provável que
tenha sido educado em um ambiente que o „por que‟ implicava culpa ou condenação”.

A palavra “por que”, em uma pergunta, é vista como um anátema (uma


reprovação enérgica), o que pode provocar no usuário a necessidade de se defender,
prejudicando o processo de entrevista que poderá ficar “truncado”. Desta forma,
deveremos evitar o uso desta expressão substituindo-a por outras. Exemplo: Por que
você não contou para a sua mãe o que estava acontecendo? – substituir por – O que
aconteceu que você não contou para sua mãe o que estava acontecendo?

Lembremos que, se muitas vezes para o adulto o processo de entrevista pode


parecer “ameaçador”, para a criança isto pode se potencializar. É por este motivo que
reforçamos a necessidade de estarmos atentos para os pontos acima destacados.

Para complementar este material gostaria de introduzir a produção de Lewgoy


e Silveira (2007) que fala sobre “A entrevista nos processos de trabalho do assistente
social” 3. As autoras destacam que a entrevista pressupõe algumas etapas, quais
sejam: a) planejamento: momento de organização, de clareza e precisão; de
estabelecer a finalidade e os objetivos da entrevista, bem como, do uso de
instrumentos complementares de coleta de dados; de delimitar o horário e o espaço
físico em que será realizado o processo de entrevista; b) execução: diz respeito à
coleta de dados; ao estabelecimento do contrato; a síntese que é construída com o
sujeito e a avaliação; e, c) registro: anotações dos dados coletados.

No tocante às técnicas de entrevista sinalizam que “O assistente social utiliza


um conjunto de técnicas que serão selecionadas de acordo com o momento ou a
finalidade da entrevista, mas nenhuma técnica é empregada excluindo as
demais” (idem, p. 239). Para elas, as técnicas no processo de entrevista são:
acolhimento, questionamento, clarificação, reflexão, exploração e aprofundamento,
silêncio sensível, apropriação do conhecimento e síntese integrativa, entre outras que
poderão ser criadas.

Estas etapas e técnicas podem ser apropriadas no processo de entrevistas


com crianças, devendo, entretanto, serem “adaptadas” para responder às
especificidades deste segmento, a partir da utilização de um repertório construído
historicamente pela profissão e adequado pelos conhecimentos do sujeito-profissional,
atribuindo qualidade ao fazer cotidiano, em acordo com a demanda apresentada.

Por fim, destacamos a observação e a escuta como questões centrais no


processo de entrevista com crianças. É por meio de observação que podemos
identificar elementos que não foram manifestos através da linguagem verbal e que tem
significado importante para o reconhecimento da realidade da criança. A escuta,
enquanto um “instrumento complementar” possibilita ressignificar percepções
preliminares e dar novo sentido às expressões apresentadas pela criança.

Apresentamos as diferenças entre adultos e crianças, bem como, sinalizamos o


direito que estas têm a um atendimento que assegure e respeite estas diferenças. Na
mesma sequência destacamos alguns elementos fundamentais no processo de
entrevista com tais sujeitos e procuramos fazer a interface com o Serviço Social, uma
vez que não se trata de uma nova demanda, mas, da necessidade de maiores
reflexões sobre esta, dada a própria conjuntura sociohistórica. Falamos de um
segmento pertencente à “velha questão social” que se manifesta como novos desafios
do cotidiano. A inserção do Serviço Social em outros contextos sócio-ocupacionais
surgidos nas últimas décadas (como é o caso dos CREAS – Centros de Referências
Especializados de Assistência Social, por exemplo) enseja a adoção de instrumentos
técnico-operativos que sejam capazes de articular conhecimentos em acordo com o
projeto ético político profissional, atribuindo, assim, maior qualidade aos serviços
prestados à população.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procuramos neste trabalho apresentar, em linhas gerais, as peculiaridades da


criança, enquanto sujeito em fase de desenvolvimento cognitivo, físico, psíquico e
social, o que enseja da profissão reflexões acerca da prática específica junto a este
segmento.

Se o Serviço Social é uma profissão que tem em sua base de intervenção o


enfrentamento das múltiplas expressões da questão social, a garantia de direitos da
criança faz-se presente neste desafio.

Vimos, então, que o processo de entrevista com crianças exige não meramente
o uso de técnicas, mas, também a apreensão e correlação das dimensões teórico-
metodológica (apreensão de teorias que permitam a compreensão da realidade);
técnico-operativo (que incluem o conjunto das ações e procedimentos adotados pelo
profissional, para responder à finalidade de sua ação) somando à entrevista outros
instrumentos para a obtenção de uma intervenção efetiva, eficiente e eficaz; e, ético-
político (que articula os princípios éticos norteadores do fazer profissional, a visão de
mundo e sociedade expressa nas ações do/a Assistente Social, seu compromisso com
uma nova ordem societária e com as diretrizes de seu projeto profissional).

Se o Serviço Social desenvolve sua instrumentalidade a partir das construções


sociohistóricas e, segundo Guerra (2005, p. 201):

(...) a instrumentalidade do Serviço Social não se limita ao desencadeamento


de ações instrumentais, ao exercício de atividades imediatas, uma vez que
porta possibilidades de validação vinculadas ao emergente, para o que
necessita ser informada por teorias que se referenciem nos princípios
ontológicos de constituição do Ser-Social, às quais subjaz um determinado
grau de racionalidade que lhe permite apreender a totalidade dos processos
sociais e atuar sobre eles.

É esperado que sejam pensadas diferentes estratégias e instrumentos


pertinentes aos processos de trabalho do (a) Assistente Social, de modo a superar
práticas imediatistas ou instituídas, na busca constante pela qualificação profissional,
compreendendo que o significado social da ação profissional perpassa por um viés
formativo, investigativo e interventivo.

O intuito das reflexões trazidas aqui foi de demarcar a diferença no


desenvolvimento de um processo de entrevista com crianças e de contribuir com
possíveis caminhos e diretrizes para sua efetivação no cotidiano do trabalho dos (as)
Assistentes Sociais, nos mais variados espaços sócio-ocupacionais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Trad. Dora Flaksman. 2ª.
Edição. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.

BENJAMIN, A. A entrevista de ajuda. 13ª. Ed. São Paulo: Editora WMF Martins
Fontes, 2011.

CARDOSO, M.F. Reflexões sobre instrumentos em Serviço Social: observação


sensível, entrevista, relatório, visitas domiciliares e teorias de base no processo
de intervenção social. São Paulo: LCTE Editora, 2008.

CFESS. Código de Ética Profissional do/a Assistente social – 1993. Rio de


Janeiro: 1993.

CURY, Munir (org.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado:


comentários jurídicos e sociais. 11ª. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.

GUERRA, Y. A instrumentalidade do Serviço Social. 4ª. Ed. São Paulo: Cortez,


2005.
LEWGOY, A.M.B. e SILVEIRA, E.M.C. A entrevista nos processos de trabalho do
assistente social. Porto Alegre: Revista Textos & Contextos, v. 6, nº 2, 2007.

PAULINO, S.E. De “Caso” a Sujeito - Desafios da prática do assistente social no


atendimento sócio-individual: contribuições metodológicas.(Tese de Doutorado).
Programa Pós- graduado de Serviço Social – PUC/SP, São Paulo, 2011.

PIAGET, J. A Construção do real na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1970

RIZZINI, Irene. O Século Perdido: Raízes Históricas das Políticas Públicas para
a Infância no Brasil. 3ª. Ed. São Paulo: Cortez, 2011.

RIZZINI, Irene e PILOTTI, Francisco (org.). A arte de governar crianças: a história


das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. 3ª. Ed.
São Paulo: Cortez, 2011.

SANTOS, C.M. dos, BACKX, S., e GUERRA, Y (org). A dimensão técnico-operativa


no Serviço Social: desafios contemporâneos. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012.

1 Como é o caso de LEWGOY e SILVEIRA (2007) que tratam diretamente da questão da entrevista e
outros autores (as) como GUERRA (2011), SANTOS (2012), SOUZA (2009) que abordam a
instrumentalidade, o instrumental técnico-operativo no Serviço Social e a operacionalizam no cotidiano, o
que perpassa, também, pelos processos de entrevista.

2 Segundo o ECA (2012) em seu artigo 2º. “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até
doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”.

3 Excelente produção do Serviço Social que merece ser lida integralmente (citamos apenas para
registrar que adotamos a mesma estrutura, com alguns ajustes para o processo de trabalho com
crianças, os quais foram apresentados no texto).

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