ARTIGO - A Umbanda de Pai Fabrício No Brasil Com 24 Páginas
ARTIGO - A Umbanda de Pai Fabrício No Brasil Com 24 Páginas
ARTIGO - A Umbanda de Pai Fabrício No Brasil Com 24 Páginas
Rio de Janeiro
2021
2022
RESUMO
Quem são, de onde vêm, o que querem e para onde vão. Estes são alguns dos questionamentos
levantados por esse trabalho dissertativo que se propõe a trazer à luz, sob a perspectiva de
análise da história comparada como a ritualística da umbanda africanista com traços da nação
Omolokô, praticada pelo escravizado Fabrício, no século XIX chegou até o século XXI diante
de tantas lutas contra a intolerância religiosa e o racismo. Essa vertente religiosa já foi
identificada em várias regiões do Brasil, mais precisamente nos estados de Espirito Santo,
Minas Gerais e Rio de Janeiro e completou 108 anos em 2022, mas para chegar tão longe fora
preciso muitas adaptações e sincretismos religiosos, principalmente com o catolicismo e o
espiritismo de Kardec, além de um suposto acordo de cavalheiros entre Custódio de Souza
Caravana, precursor desta umbanda no Brasil e o Tata Tancredo da Silva Pinto, considerado o
precursor do Omolokô no país. Deste modo, algumas hipóteses também serão levantadas como
a origem do culto Omolokô no Rio de Janeiro e seus precursores; a comparação da ritualística
original e a praticada pelas casas de Pai Fabrício no século XXI e suas adaptações até os dias
atuais, feitas pelos novos dirigentes que já estão em sua terceira geração.
Disponibilidade
dinestela@gmail.com
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Resumo 1
Abstract 2
1INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................... 6
A chegada do africano fabricio ao brasil ............................................................................................................. 8
A fazenda do Secretário ............................................................................................................................. 11
A origem da família caravana no Brasil de 1800 ....................................................................................... 14
AS ORIGENS DO OMOLOKÔ NO BRASIL .................................................................................................. 15
A UMBANDA DE PAI FABRÍCIO ................................................................................................................... 19
Conclusão ............................................................................................................................................. 22
Referências ............................................................................................................................................. 24
Obras Citadas ............................................................................................................................................. 25
6
1 INTRODUÇÃO
No Brasil foram codificadas no último século, vários tipos de umbanda com as mais
variadas ritualísticas, no entanto, neste trabalho de pesquisa com base numa perspectiva
comparada, iremos nos ater em como a ritualística da umbanda africanista com traços da nação
Omolokô, praticada pelo escravizado Fabrício, no século XIX no Norte Fluminense do Rio de
Janeiro chegou até o século XXI diante de tanta intolerância religiosa e racismo. Essa vertente
religiosa já foi identificada em várias regiões do Brasil, mais precisamente nos estados do
Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro e completou 108 anos em 2022, mas para chegar
tão longe e fugir das perseguições policiais e religiosas, fora preciso muitas adaptações e
sincretismos religiosos, principalmente com o catolicismo e o espiritismo de Kardec, além de
um suposto acordo de cavalheiros entre Custódio de Souza Caravana, e o Tata Tancredo da
Silva Pinto, considerado o precursor de Omolokô no país, para que ambas as vertentes religiosas
conseguissem burlar a intolerância religiosa.
Deste modo, algumas hipóteses também serão levantadas como: a verdadeira origem do
culto Omolokô no Brasil e seus precursores; a ritualística original e a praticada pelas casas de
Pai Fabrício e suas adaptações até os dias atuais, feitas pelos novos dirigentes que já estão em
sua terceira geração.
A prática religiosa com traços da Nação Omolokô, começou a ser identificada nas
práticas do escravizado Fabrício em uma fazenda do Rio de Janeiro nos anos de 1830 e também
há informações de ter sido disseminada pela escrava Maria Batayọ e seu filho Dawe de Oxóssi,
babalorixá, filho natural de Batayọ que viveu por cerca de 100 anos. Ele fez a iniciação
espiritual (fazer o santo) em Custódio Caravana batizado com Oxóssi Arranca Toco, babalorixá
que viveu 72 anos. (ACCIOLI, 2019).
Alguns historiadores afirmam que o Omolokô é um culto originário da Nação Angola 1 e
tem uma ritualística muito peculiar. Segundo a versão de um dos precursores do Omolokô no
Brasil, o Tatá Inkice Tancredo da Silva Pinto, descrita no livro de Ornato José da Silva em
1923: “Culto Omolokô - Os Filhos de Terreiro; uma das versões para a morfologia da palavra
que nos leva a crer que Omo signifique: filho e Oko: fazenda ou zona rural, tem origem na
prática do culto realizado dentro das florestas, de forma escondida, por conta da repressão
policial ainda na época da escravidão.
1
Tata N'Kisi David de Xangô - Apostila do Centro Espírita Irmãos do Arco-íris.
7
Não iremos nos aprofundar neste contexto que não é o objetivo central deste artigo, no
entanto, será de suma importância citar algumas características desta ritualística para
entendermos as origens africanistas da Umbanda de Pai Fabrício e como ela teve de se mascarar
perante a sociedade para fugir da repressão policial orquestrada pelo racismo estrutural que
perpetrou por vários séculos até os dias atuais (XXI).
Os relatos e registros históricos da convivência do escravizado Fabrício e da escrava,
Maria Batayọ ainda na década de 1860, na fazenda brasileira, hoje conhecida como Fazenda do
Secretário em Vassouras, nos levam a crer, que este possa ter sido o início da prática dos
ensinamentos do culto Omolokô no Rio de Janeiro, passadas para o filho do administrador da
fazenda, Custódio de Souza Caravana, inclusive com a incorporação do próprio escravizado
neste. O escravizado Fabricio depois de falecido, chegou a ser reconhecido como visitante de
pessoas adoecidas como cita o próprio Tatá Inkice Tancredo da Silva Pinto em uma publicação
do Jornal O Dia, de maio de 1968, citada pela Dr.ª Nilma Teixeira em sua Tese de Doutorado -
Das casas de dar fortuna ao Omolokô:
Todas as vezes que qualquer pessoa ficava muito doente em quaisquer fazendas e os
médicos já os consideravam incuráveis, apareciam pretos velhos (já falecidos) e nestas
aparições, nas horas sagradas da noite, iam à cabeceira de doentes que, ao amanhecer,
estavam plenamente curados. Estas aparições começaram com Pai Manoel da Luz,
Pai Tomás, João D'Angola, Pai Fabrício e Pai João da Costa. (ACCIOLLI, 2017)
Com este trecho, a Dr.ª Nilma Teixeira, acredita que o depoimento de Tancredo, que
destaca a aparição de Pai Fabrício entre os pretos velhos da época, pode sugerir que a prática
do culto Omolokô já existisse e fosse praticada por Pai Fabrício e que já tivesse contato com as
experiências religiosas dos africanos-centrais e seus descendentes vindos de Vassouras, Rio de
Janeiro, assim como a existência da negra Maria de Batayọ e Custódio de Souza
Caravana. Segundo a nota do jornal, mesmo que Tata Tancredo não conhecesse Custódio, já
tinha conhecimento das aparições do preto velho Fabrício e suas histórias de cura.
8
a ser a pessoa que iria levar os seus rituais de cura deste escravizado e sua religiosidade pelos
próximos séculos, e transformar no que conhecemos no século XXI como a Umbanda
Africanista de Pai Fabricio no Brasil. O nome desse menino era Custódio de Souza Caravana.
Para investigar as origens dessa umbanda africanista com traços da nação Omolokô
praticada pelo africano Fabricio será necessário conhecer um pouco mais das origens do próprio
africano. Fabricio, nome dado em batismo pela Igreja Católica ao africano que pode ter vindo
do Congo, Angola, Moçambique, Nigéria ou ainda outros países na Costa do Continente
Africano, um dos primeiros a serem capturados pelos colonizadores, principalmente pela
facilidade de acesso a essas terras. Encontramos vários registros de Fabrício no Arquivo
Nacional advindos de todos estes países citados. No entanto, por conta da prática do Omolokô
citado por tata Tancredo da Silva Pinto como uma cultura de Angola – Congo e Moçambique,
acreditamos que o africano possa ter vindo também destas regiões. Os indícios históricos como
roupas, penteados, língua (bantu), cicatrizes na pele (sem relatos), rituais religiosos, são
elementos que poderiam ajudar a descobrir sua origem africana.
Naquela época existiam várias categorias de escravizados, os de ganho: que trabalhavam
nas ruas e vendiam suas habilidades ou produtos para seus donos, os que trabalhavam na
colheita, os que trabalhavam na casa grande e os que trabalhavam como os curandeiros da
fazenda e faziam o papel do médico, já que os donos não contratavam estes especialistas com
tanta facilidade para cuidar dos enfermos da fazenda. Fabrício, ao que tudo indica, exercecia
esse papel. Ele trabalhava com ervas consideradas hoje como medicinais e também conhecia
as técnicas de sangria segundo relatos passados pela família Caravana (Neto de Custódio).
Não temos a informação de que estivesse registrado na (Fisicatura Mor), uma espécie
de ordem dos curandeiros e sangradores da época, onde eles prestavam provas de que sabiam
lidar com estas técnicas. Este era um órgão responsável por regulamentar, normatizar e
fiscalizar tudo ligado à saúde pública. Existia uma hierarquia de prestígio em que os médicos
oficiais estavam no topo da pirâmide, seguidos dos curandeiros e parteiras que exerciam uma
medicina alternativa e auxiliar. Claro que esta medicina era muito confrontada porque estava
muito ligada a uma religiosidade africana baseada na ancestralidade, muito através das
incorporações. Essa realidade em uma época banhada pelo catolicismo era tradada como
demonização e muito perseguida.
O que se descreve em relação ao Kalundu na época fazia referência às práticas mágicas
ou mediúnicas, cultos com presença de danças, música, batuque de tambores e atabaques. Para
a colônia, era feitiçaria e tratada como crime, tanto pelo código civil das organizações Filipinas,
10
como pelo tribunal eclesiástico. Então adivinhações e adoração aos ancestrais africanos eram
considerados adoração aos demônios pela igreja católica, também criminalizados pela justiça
da época com severas punições que incluíam penas de morte através da forca e fogueia, além
de outras práticas de tortura. As práticas de feitiçaria, por exemplo, eram punidas com pena de
morte. Sempre houve um grande temor sobre os conhecimentos dos africanos, tanto quanto as
ervas, quanto aos conhecimentos espirituais ou mágicos. (ANCINE, 2011).
Mesmo diante da fragilidade das informações contidas no Arquivo Nacional sobre a
origem dos escravizados que chegaram no Brasil no século XIX, foi possível encontrar muitos
registros com o nome de Fabrício que chegaram de vários países da África. Era comum a prática
de se batizar com nomes portugueses todos os que pisavam em terras brasileiras, no entanto,
muitos já chegavam no Brasil com novos nomes de batismo católico.
Esses registros datam do século XIX no caso dos documentos encontrados no Arquivo
Nacional, já as fotos e vídeos já são mais recentes, datam do século XX quando os herdeiros de
Custódio Caravana deram continuidade ao seu trabalho. Nesta época começou a ficar mais
comum os registros como fotos e vídeos, mesmo que em preto e branco, no entanto, muito
onerosos para a sociedade da época. A maioria das documentações disponíveis até o momento
são relativas às fotos, vídeos e documentos liberados pela família, como certidões, inventários,
artigos publicados sobre a família e a fazenda na época em jornais de grande circulação.
A FAZENDA DO SECRETÁRIO
A fazenda para onde o escravizado Fabrício era cativo foi construída em meados do
século XIX (1830) por Laureano Corrêa e Castro, o Barão de Campo Belo. O título de Barão
lhe foi agraciado em 1854 pelo Imperador Dom Pedro II. Ela despontava no final do século
XIX, com a cafeicultura, na Freguesia de São Sebastião dos Ferreiros e se destacou no cenário
da região por seu avanço em relação a outras localidades pela ousadia em acreditar na utilização
de outros sistemas de trabalho em substituição à escravidão.
12
ACORDO DE CAVALHEIROS
Segundo relatos da família Caravana, havia um “acordo de cavalheiros” entre o
Caravana (1867-1939) viveu 72 anos e o Tata Tancredo, este teria nascido 37 anos depois de
Caravana (1904-1979) e viveu 75 anos: O acordo na época teria se dado da seguinte forma
como relatam os membros da família Caravana:
16
Por se tratar na época de uma sociedade elitista, não tinha como propagar os rituais
africanos livremente, devido a influência da recém abolição, já que muitos Barões do
Café, ainda estavam revoltosos. Então, preferiu Custódio de Souza Caravana (avô) de
Fabricius Custódio de Souza Caravana, criar a linha de Pai Fabrício, misturando os
aprendizados adquiridos na senzala da Fazenda do Secretário com Pai Fabrício e
Maria de Batayọ, pois há relatos de que o Omolokô teria sido instituído no Rio de
Janeiro também por ela, uma escrava nascida na África em 1797, quando de sua
iniciação no Omolokô por Dawe, unindo a prática do kardecismo com suas teorias,
estudos e práticas, que estavam sendo aceitas pela sociedade na época, como também,
associando alguma parte do catolicismo no sincretismo religioso da época. Dessa
forma, ele não foi elevado ao grau de um dos criadores do Omolokô, mas já existia
desde sua época, preferindo criar um segmento próprio, de acordo com suas teorias e
aprendizados. Sendo divulgado entre seus seguidores e consulentes. Lembrando que
Custódio de Souza Caravana, estava no meio político, tinha então que se preocupar
em manter sua imagem e respeito, para não ser atacado pelos intolerantes e
perseguidores da fé advinda da África. (entrevista concedida pelo neto de Custódio de
Souza Caravana e atual zelador da Cabana de Pai Fabrício em Queimados concedida
em 19/02/2019).
SIMILITUDES E DIFERENÇAS
do rio Zambeze, que lhes fornecia alimentação no período das cheias. Ele explica que no culto
Omolokô as divindades possuem nomes em língua Yorùbá, Fon-Ewe ou Congo-Angola.
Tata Tancredo afirmava que: “a Umbanda africana é um
patrimônio da raça negra” Para ele, a Umbanda é um culto de origem
africana e esse viés africanista da Umbanda pode ser visto em uma
de suas afirmações: “Terreiro de Umbanda que não usar tambores e
outros instrumentos rituais, que não cantar pontos em linguagem
africana, que não oferecer sacrifício de preceito e nem preparar
comida de santo, pode ser tudo, menos Terreiro de Umbanda.” Tata
Tancredo.
FIGURA 4: TATA TANCREDO
Na Umbanda Omolokô há iniciação para Orixá, Vodun 2 ou
Bacuro 3, com recolhimento do iniciando à camarinha 4 por um período não inferior a três dias,
tem casos de até 21 dias de recolhimento. Além da chamada divindade tutelar, que é assentado
primeiro, o membro de um Terreiro de Umbanda Omolokô é iniciado para mais duas outras
divindades, que farão parte do “enredo” espiritual do adepto. Muito destes preceitos são
5
realizados também pela umbanda de Pai Fabrício no Brasil.
No ritual da umbanda africanista de Pai Fabrício, mesmo depois das adaptações de
Custódio de Souza Caravana, ainda é possível encontrar muitos traços da nação Omolokô
trazidos ao Brasil pelo africano curandeiro Fabrício, seja através das cantigas em Bantu, nas
comidas de santo, as cantigas que exaltam as qualidades dos Orixás e no passe 6 com a chegada
dos pretos velhos e caboclos, principalmente. A Umbanda de Pai Fabrício também saúda o povo
2
Voduns, "Vodum" pode designar tanto a religião quanto os espíritos centrais nessa religião. Fonte: disponível
em: https://www.dicionarioinformal.com.br/vodum/
3
Bacuro: substantivo masculino [Folclore] Filho ou protetor no culto dos negros bantos. Em antigos cultos bantos
brasileiros, “bacuro” era o nome de uma classe de espíritos da natureza que jamais encarnaram. Também pode-se
escrever “baculo”. Fonte: https://caminhosdoaxe.com.br/encyclopedia/bacuro/
4
Carmarinha: os dicionários apresentam essa palavra como um substantivo feminino que significa: pequeno
quarto de dormir. Já nos rituais de umbanda, é conhecido como um rito que como todos os outros é a
“concretização” do mito por meio da linguagem simbólica. Já o símbolo ocupa lugar privilegiado, pois é a própria
expressão da vivência religiosa na camarinha. Ele ordena a expressão, constitui o visível do enredo ligado à
linguagem fundante mitológica. Fonte:
https://periodicos.ufpb.br/index.php/religare/article/download/15808/9052/#:~:text=A%20camarinha%20%C3
%A9%20um%20rito,ligado%20%C3%A0%20linguagem%20fundante%20mitol%C3%B3gica.
5
Essa definição foi escrita em 2012 e revisada em 2017, por Mário Alves da Silva Filho. Sacerdote afro-
religioso, dirigente do Templo Espiritual Pantera Negra e do Ilé Ifá Ajàgùnmàlè Olóòtọ́ Aiyé . Especialista e
Mestre em Ciências da Religião, pela PUC/SP; especialista em História da África e do Negro do Brasil, pela
UCAM; especialista em Políticas Públicas de Segurança Pública, pela PUC/SP; Bacharel e Mestre em Ciências
Policiais de Segurança e Ordem Pública, pela APMBB. Endereço eletrônico: ezezide@gmail.com.
6
Rezas feitas pelos santos incorporados nas pessoas que estão procurando algum tipo de cura ou orientação
espiritual. Geralmente é feito com ervas através de banhos, chás e orações que utilizam as energias das plantas
através da aromatização.
18
da mata como índios e caboclos e o povo de rua que são os exus, assim como no Omolokô
citado por Tata Tancredo da Silva Pinto.
19
querido por todos. Fato que revela um pouco à miúde, o sistema adotado entre o administrador
da fazenda e seus “escravos”. Numa fazenda comum de escravos, não há concessão ou condição
para que os mesmos sirvam seus donos, mas neste caso, fica claro o poder de negociação entre
o negro e o administrador, revelando de forma velada, o sistema diferenciado praticado na
fazenda que difere do sistema escravocrata da época.
Mesmo tendo essa grande quantidade de escravos, há indícios históricos de que essa
fazenda não tratava seus cativos como era de costume, ela se identificava mais como um
quilombo disfarçado, onde os donos da fazenda, liberavam pedaços da terra para os
escravizados cultivassem o seu próprio sustento e as sobras das mercadorias eram compradas
pelos próprios administradores da fazenda e com esse dinheiro, compravam suas alforrias e até
de outros familiares e amigos que haviam sido vendidos para outras fazendas da região.
Esta prática de alguns fazendeiros é relatada inclusive no livro “Mocambos e
Quilombos” de Flávio Gomes: “Em Vassouras, em 1854, preocupados com as insurreições
escravas, recomendavam que fosse permitido aos cativos, possuírem roças para que se ligassem
“ao solo pelo amor da propriedade”. (Gomes, 2015, p. 31).
Alguns anos depois, o negro faleceu, assim como seus pais, e Caravana com a abolição
da escravatura, a divisão das terras pelos herdeiros, diminuiu o patrimônio adquirido pela
família, passando então a se valer de seus conhecimentos adquiridos com o curandeiro Fabricio
e também pelos conhecimentos passados pelo filho da escrava Maria Batayọ, o Dawe de Oxóssi,
babalorixá, filho natural de Batayọ, que viveu perto de 100 anos. Segundo a oralidade histórica,
há relatos de que ele teria desenvolvido a mediunidade em Custódio Caravana que passou a
trabalhar com o Orixá Oxóssi Arranca Toco:
(...) Quando Sinhazinha morreu, por volta de 1867, Batayọ tinha cerca de setenta anos.
Muito velha para viver na fazenda, veio para a cidade e ocupou sua terra no morro de
São Carlos, fundando a Roça e iniciando sua vida de mãe-de-santo. Batayọ casou-se
no Brasil, teve vários filhos naturais e fez vários filhos-de-santo em sua Roça. Apesar
de ter vindo feita da África, aprendeu com africanos ex-escravos muito sobre os
fundamentos das religiões africanas praticadas aqui no Brasil naquela época,
especialmente o Omolokô, tanto durante o período em que viveu na fazenda quanto
em seu primeiro ano na Roça do morro de São Carlos. Batayọ casou-se no Brasil, teve
vários filhos naturais e fez vários filhos-de-santo em sua Roça. (acervos, 2019).
Com isso, nas décadas de 30/40/50 do século XIX, surge a figura de Tatá Tancredo, que
alguns dizem ter sido orientado também por Custódio de Souza Caravana e por Fugenko, filho
de Maria de Batayọ, que traz ao mundo os conhecimentos sobre o Omolokô, o que lhe confere
o título de Rei do Omolokô, divulgando por diversos estados brasileiros:
21
Inclusive, Tancredo da Silva Pinto, Tatá Tancredo, viveu lá no morro de São Carlos.
Onde segundo relatos, depois que veio do interior, ali ele organizou o Omolokô, pois
foi lá que Maria de Batayọ, viveu até sua morte. Que as terras ali, pertenciam a um
fazendeiro também amigo de Custódio Caravana, que haviam organizado, uma
espécie de confraria para o crescimento do Rio de Janeiro, conforme ele fez na região
de Madureira, cedendo parte de suas terras para o crescimento da cidade e também
para que alguns habitantes pudessem povoar a cidade atreves de lotes doados para
pessoas carentes. (entrevista concedida em 2019 pelo neto de Custódio de Souza
Caravana, Fabrício Custódio de Souza Caravana).
Segundo relatos da família Caravana, mais tarde, depois de feito no santo, Custódio de
Souza Caravana, passou a manifestar o espírito de Fabricio, proporcionando curas pela região,
tendo inclusive ganho o codinome de “seu Grumenta do Alto da Serra”, fazendo as suas
intervenções espirituais desde Vassouras, passando pelos municípios conhecidos atualmente
por Miguel Pereira, Paraíba do Sul, Paty de Alferes, Nova Iguaçu, Queimados, chegando a
Senador Vasconcelos e Madureira.
Nos terreiros de Pai Fabrício, o ponto que rende homenagem a ele conta um pouco de
sua trajetória pelas serras do Sul do Estado do Rio de Janeiro para dar continuidade aos
trabalhos de cura através do auxílio espiritual do curandeiro africano Fabrício como espírito
incorporador: No entanto, ainda não se tem conhecimento de que o espírito de Custódio
Caravana tenha voltado à terra através de incorporação mediúnica, mas sua presença é
constantemente sentida pelo médium e neto, Fabrícius Custódio de Souza Caravana:
Seu Grumenta do alto da Serra
Seu Grumenta da Serra Grande
Seu Grumenta do Alto da Serra
Seu Grumenta da Serra grande
Ora vem me ajudar,
Oh segura seu ponto e a sua Congá...
CONCLUSÃO
Mesmo diante do século XXI as religiões de matriz africana ainda precisam mascarar
muitas de suas práticas religiosas, como o abate religioso, as guias, roupas de santo, muitas são
expulsas de seus locais de origem por bandidos que se intitulam “exército de jesus”, pessoas
são agredidas e até mesmo mortas. Os relatos históricos são muitos e revelam o quanto ainda é
possível identificar processos de escravidão e racismo pelo mundo, principalmente no
continente africano.
Estimativas indicam que existam, hoje, 29,8 milhões de pessoas que vivem em regime
de escravidão. A África é o continente que tem a maior concentração de escravos no mundo. A
região do Paquistão e Índia também não fica muito atrás (a Índia, inclusive, é o país que mais
tem escravizados em números brutos: quase 14 milhões de pessoas). Os dados são do Global
Slavery Index, que estima o número de escravizados nas nações.
Mesmo que para muitos, principalmente brancos, reclamar de racismo seja considerado
vitimismo, basta um olhar mais atento para as atitudes das pessoas para identificar o racismo
estrutural em plena função até mesmo dentro das academias, e não somente os discentes sofrem
esta agressão, mas os docentes também. Recentemente um professor negro foi proibido de
participar de uma banca avaliadora com a justificativa estapafúrdia de que ele não estava
23
preparado psicologicamente, vale ressaltar que ele era o mais qualificado para a função. O
processo contra estes profissionais da UFRJ estava em curso até o fechamento deste artigo.
Fanon faz uma análise tão aprofundada da questão do racismo estrutural que nos remete
a repensar como o negro foi uma criação do colonizador para abalizar sua dominação territorial
e psicológica. Até os dias atuais, ainda se apresenta o negro como ser inferior, que deva ser por
tanto, escravizado, colonizado, aculturado e sujeito a todo o tipo de humilhação, assim como a
sua religião, principalmente se essa for de matriz africana. (Santos, 2021).
Voltando à tese do professor Ivanir ao citar dois grandes eventos religiosos: A Marcha
para Jesus” e a “Caminhada Inter-religiosa”, vemos claramente mais um grande exemplo de
racismo estrutural ao verificar o grande aporte financeiro e institucional oferecido à “Marcha
para Jesus”, em detrimento da “Caminhada”, que há 14 anos continua relegada à segundo plano,
como um evento secundário no Rio de Janeiro, mesmo tendo arrebanhado milhões de
caminhantes e destacar uma violência secular contra a humanidade,
A “Marcha”, além de ganhar um aporte financeiro incomparável e institucional, ainda
ganhou um lugar cativo, por força de Lei no calendário oficial de eventos da cidade. Logo, as
adaptações feitas por Custódio de Souza Caravana à sua religião se justificam até os dias de
hoje e revela o quanto a sociedade ainda precisa evoluir nas questões dos direitos humanos.
Ainda destacando do artigo sobre o texto de Frantz Fanon: Pele Negra, Máscaras
Brancas, ibid. (Santos, 2021): Fanon entende que uma outra solução é possível, mas que ela
implica uma reestruturação do mundo. O autor vai levantar a hipótese da existência de um
complexo de inferioridade como algo pré-existente à colonização:
Podemos dizer que, quase em todos os lugares em que os europeus fundaram
colônias do tipo aqui “em questão”, eles eram esperados e até mesmo
inconscientemente desejados pelos nativos. Em todas as partes, lendas os
prefiguravam sob a forma de estrangeiros vindos do mar e destinados a trazer
benefícios. (Fanon, 2008).
Até hoje, em pleno século XXI, me pergunto o que faz o homem se achar melhor do que
o outro partindo do princípio da cor da pele ou de sua cultura. Vale ressaltar aqui a grande
importância do discurso de poder incutido em todas estas práticas, sejam violentas ou políticas
encontradas no cerne da sociedade.
24
REFERÊNCIAS
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