Dicotomia Ou Tricotomia Compreendendo A Natureza Humana5
Dicotomia Ou Tricotomia Compreendendo A Natureza Humana5
Dicotomia Ou Tricotomia Compreendendo A Natureza Humana5
por
INTRODUÇÃO
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Todas as citações bíblicas deste estudo foram extraídas da Bíblia Almeida Corrigida e Revisada
(1994), traduzida por João Ferreira de Almeida, e publicada pela Sociedade Bíblica Trinitariana
do Brasil.
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aspecto material, o corpo; e um componente imaterial, a alma ou espírito. O
dicotomismo foi comum desde os tempos mais remotos do pensamento cristão. Após
2
ERICKSON, Millard J. Introdução à Teologia Sistemática. Editora Vida Nova, 1ª edição, 1997, pgs.
228-29.
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Alguns poucos cristãos enxergam bases para a tricotomia em 1Coríntios 2.14-3.4 e 14.14. Porém,
tais passagens raramente são empregadas pelos próprios tricotomistas, devido à sua patente
fragilidade para apoiar a constituição tríplice do ser humano. Isso explica por que tais passagens
não são analisadas neste estudo.
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BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Editora Cultura Cristã, 3ª edição, 2007, pg. 177.
5
ibid., pg. 177.
2
QUAL CONCEPÇÃO ENCONTRA APOIO BÍBLICO?
Um exame mais cuidadoso dos dados bíblicos leva a crer que a concepção
dicotômica é a que mais se aproxima daquilo que as Escrituras ensinam acerca
Fazendo uma leitura objetiva, direta dos versículos usados para fundamentar
a tricotomia, fica difícil extrair deles qualquer lição sobre antropologia. Isso só
seria possível se partíssemos do pressuposto extrabíblico, pessoal de que
1Tessalonicenses 5.23 e Hebreus 4.12 estão falando desse assunto. Em outras
palavras, em vez de deixar esses textos falarem por si mesmos, naturalmente,
precisaríamos forçá-los a dizer que o homem tem dois elementos imateriais em
sua composição. E por quê? Porque o contexto em que alma e espírito aparecem,
nessas duas passagens, impede-nos de extrair quaisquer pistas sobre a natureza
do homem. O simples fato de essas duas palavras serem citadas num texto, juntas
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Ao usar o termo “dicotomia”, não está sendo defendida nenhuma espécie de “dualismo”,
segundo o qual apenas a alma seria boa, superior, ao passo que o corpo físico seria mau,
indesejável e inferior. Tal idéia contraria a Bíblia, pois esta ensina que o homem é uma
unidadecomposta-divisível, formado de corpo e alma, e que esses dois elementos são igualmente
bons, visto que foram criados por Deus. Emprega-se, neste estudo, a designação “dicotomia”
apenas para dizer que o homem compõe-se de duas partes.
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ou não, de forma alguma pode nos levar à conclusão de que esse texto esteja
tratando de antropologia.
Não podemos nos esquecer que alma e espírito são palavras polissêmicas, ou
seja, possuem diversos significados, motivo pelo qual o contexto em que elas
aparecem é fundamental para sabermos se estamos ou não perante uma passagem
que nos ensina algo sobre a natureza humana. Para comprovar isso, observem,
nos três grupos de passagens abaixo, como que esses dois vocábulos,
dependendo do contexto, têm seu conteúdo semântico modificado:
Todas as almas (heb. nephesh), pois, que procederam dos lombos de Jacó,
foram setenta almas; José, porém, estava no Egito (Êx 1.5).
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Será que Moisés, no primeiro versículo acima, usou nephesh para referir-se à
parte imaterial e indestrutível de nossa constituição, que continua consciente
após a morte do corpo? É evidente que não, pois o contexto em que esse vocábulo
hebraico aparece não dá margem alguma para essa conclusão. Em Êxodo 1.5,
nephesh significa “pessoas”. Já no contexto de 1Samuel 30.12, ruach tem o sentido
de “forças”, “vigor”, e não de um espírito imaterial que teria saído e, depois,
retornado ao corpo daquele homem que recebera alimento. Ou seja, nesses dois
versículos o contexto não nos fornece qualquer informação sobre nossa natureza.
Agora, leiam o terceiro e último grupo de textos—que podem ser usados somente
para defender a dicotomia—e percebam como que o ambiente em que alma e
espírito são empregados traz-nos lições acerca de antropologia:
E o pó volte à terra, como o era, e o espírito [heb. ruach] volte a Deus, que o
deu (Ec 12.7).
E não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma [gr.
psyche]; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e
o corpo (Mt 10.28).
E o seu espírito [gr. pneuma] voltou, e ela logo se levantou; e Jesus mandou
que lhe dessem de comer (Lc 8.55).
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asseverar que o homem tem uma alma ou espírito em sua composição, que sai do
corpo por ocasião da morte. Diferentemente de 1Tessalonicenses 5.23, Hebreus
4.12, Êxodo 1.5 e 1Samuel 30.12, os textos desse terceiro grupo são, portanto,
normativos quando investigamos a natureza humana, pois eles trazem nítidas
lições sobre esse tema.
Enfim, o que está sendo ressaltado com esses três grupos de passagens é que,
alterando-se o contexto, alma e espírito adquirem significados totalmente
diferentes. E, como vimos, somente os versículos do terceiro grupo (Gn 35.18; 1Rs
17.21, 22; Ec 12.7; Mt 10.28; Lc 8.55; Hb 12.23; Ap 6.9) contêm ensinamentos sobre
nossa constituição. Com relação a 1Tessalonicenses 5.23 e Hebreus 4.12, o
ambiente em que “alma” e “espírito” aparecem, nesses textos, impossibilita-nos
de legislar sobre antropologia. A simples citação desses dois termos, sem levarse
em conta o contexto, não prova absolutamente nada. Para mim, a tricotomia só
teria fundamento bíblico se existisse alguma passagem que dissesse algo do tipo:
“E aconteceu que, saindo-se-lhe a alma e o espírito (porque morreu)...”; “E o seu
espírito e a sua alma voltaram, e ela logo se levantou...”. Como tal passagem não
existe, a tricotomia revela-se insatisfatória para explicar a natureza humana.
Alma Espírito
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Outros textos ainda poderiam ser incluídos nessa tabela, porém resolvi omiti-los por julgá-los
ambíguos: neles, alma e espírito podem ou não estar falando sobre a porção imaterial e
indestrutível de nosso ser. Diante dessa ambigüidade interpretativa, optei por alistar nessa tabela
somente os textos que trazem, claramente, alma e espírito no seu sentido antropológico. 8 A Bíblia
também diz que o espírito tem intelecto (1Co 2.11), a despeito de os tricotomistas alegarem que
essa faculdade seja exclusiva da alma.
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É imaterial e imortal (Gn 35.18; 1Rs É imaterial e imortal (Sl 146.4; Ec 12.7; Lc
17.21, 22; Mt 10.28; At 2.27, 31; 20.10; Ap 8.55; At 7.59; Hb 12.23; Tg 2.26).
6.9-11; 20.4).
Relaciona-se com Deus (Ap 6.9-11; Relaciona-se com Deus (At 7.59; Hb
20.4). 12.23).
Usando ainda essa tabela, vejam como a igualdade entre espírito e alma salta
aos olhos quando fazemos uma comparação entre dois textos: 1Reis 17.21, 22 e
Lucas 8.55. Se realizarmos uma rápida leitura desses dois relatos de ressurreições,
de imediato já notamos que eles são quase que idênticos, a não ser por uma única
diferença: enquanto 1Reis 17 traz a palavra “alma”, Lucas 8 traz a palavra
“espírito”. Como veremos, essa diferença é muito significativa, pois comprova
que espírito e alma, quando em contextos que tratam de antropologia,
identificamse tanto pelo que são quanto pelo que fazem:
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1. Em 1Reis 17.21, 22, quando a “alma-nephesh” sai do corpo, a pessoa morre.
Em Lucas 8.55, quando o “espírito-pneuma” sai do corpo, a pessoa também
morre.
2. Em 1Reis 17.21, 22, quando a “alma-nephesh” volta ao corpo, a pessoa
revive. Em Lucas 8.55, quando o “espírito-pneuma” volta ao corpo, a
pessoa também revive.
3. Em 1Reis 17.21, 22, a “alma-nephesh” não morre junto com o corpo. Ou
seja, ela é imortal. Em Lucas 8.55, o “espírito-pneuma” também não morre
junto com o corpo. Ou seja, ele também é imortal.
4. Em 1Reis 17.21, 22, a “alma-nephesh” é imaterial. Em Lucas 8.55, o
“espírito-pneuma” também é imaterial.
5. Em 1Reis 17.21, 22, a “alma-nephesh” é essencial para vivificar o corpo. Em
Lucas 8.55, o “espirito-pneuma” também é essencial para vivificar o corpo.
6. Em 1Reis 17.21, 22, a “alma-nephesh” é um elemento que faz parte da
constituição humana. Em Lucas 8.55, o “espírito-pneuma” também é um
elemento que faz parte da constituição humana.
Como ficou claro, alma e espírito não apenas são idênticos (são elementos
imateriais e imortais da natureza humana), mas realizam a mesmíssima função
(fazem com que o corpo tenha vida), e isso corrobora, mais ainda, a tese de que o
homem é um ser dicotômico.
Ainda existem dezenas de outros versículos que, apesar de não usarem alma e
espírito no seu sentido antropológico, usam-nos, da mesma forma, como
sinônimos. Por exemplo, vejam algumas passagens nas quais esses dois termos,
em contextos que falam do relacionamento do justo com Deus, são usados
indistintamente:8
Assim como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a
minha alma [heb. nephesh] por ti, ó Deus (Sl 42.1).
8
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. Editora Vida Nova, 1ª edição, 1999, pgs. 389-92.
8
Com minha alma [heb. nephesh] te desejei de noite, e com o meu espírito [heb.
ruach], que está dentro de mim, madrugarei a buscarte... (Is 26.9).
Disse então Maria: A minha alma [gr. psyche] engrandece ao Senhor, e o meu
espírito [gr. pneuma] se alegra em Deus meu Salvador (Lc 1.46).
Como se constata, para os autores bíblicos era indiferente dizer que a “alma”
ou o “espírito” se relacionava com Deus, pois a mentalidade hebraica, tanto dos
dias do Antigo quanto do Novo Testamento, desconhecia qualquer diferença
entre esses dois termos.9 As Escrituras, pois, usam alma e espírito como sinônimos,
seja para falar de antropologia (como nos textos alistados na tabela acima) ou
não, motivo pelo qual não deveríamos contrariar esse uso.
A partir de agora, será levada a efeito uma análise dos principais textos de
apoio da tricotomia: 1Tessalonicenses 5.23 e Hebreus 4.12, visto que até agora só
fizemos alguns breves comentários sobre esses dois versículos.
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Se fizermos uma contagem da ocorrência de alma e espírito em toda a Bíblia, em contextos que
falam de adoração, o resultado mostrar-se-á totalmente desfavorável à idéia tricotomista de que
somente o espírito se relaciona com Deus. Em cerca de oitenta por cento das ocorrências desses
dois vocábulos, é dito que a alma, e não o espírito, relaciona-se com o Criador. Portanto, os
números bíblicos só vêm a corroborar a tese de que as Escrituras tratam esses dois termos como
sinônimos, seja para falar de antropologia ou não.
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antropologia fosse simplesmente o “critério da citação”, então poderíamos pegar
qualquer texto bíblico no qual essas palavras aparecessem e, em seguida, alegar
que esse texto está falando sobre nossa natureza. Entretanto, além de falta de bom
senso, isso seria um erro em nossa exegese. Utilizando tal método interpretativo,
no qual o contexto é desprezado, qualquer pessoa poderia defender ou inventar
a teoria que quisesse, e aí a interpretação bíblica transformar-se-ia num perfeito
“vale-tudo”, onde a criatividade do intérprete seria o único limite.
Desse modo, é inegável que 1Tessalonicenses 5.23 menciona as palavras
“espírito”, “alma” e “corpo”, uma ao lado da outra. O que se questiona, porém,
é a afirmação dos tricotomistas de que Paulo, ao dispor essas palavras dessa
forma, tivesse deixado uma lista contendo os nomes das partes de nossa estrutura.
O contexto dessa citação paulina não nos permite tirar essa conclusão.
Em segundo lugar, é sempre útil fazer uma comparação bastante
esclarecedora entre 1Tessalonicenses 5.23 e a seguinte declaração feita por Jesus:
Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua
alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o
primeiro mandamento (Mc 12.30; v. tb. Mt 22.37; Lc 10.27).
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coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas
forças, e de todo o teu espírito, e de toda a tua mente...”.
E é esse mesmíssimo raciocínio que devemos aplicar à passagem de
1Tessalonicenses 5.23 (e, também, ao texto de Hb 4.12):
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corresponde a um elemento de nossa constituição, então os tricotomistas devem
admitir, por questões de coerência, que somos formados de cinco (e não três)
componentes: “alma”, “espírito”, “juntas”, “medulas” e corpo, e não de três.
Em segundo lugar, é significativo que o autor sagrado, ao mencionar os termos
“alma”, “espírito”, “juntas” e “medulas”, pretendeu, a exemplo do que fizeram
Jesus (Mc 12.30) e Paulo (1Ts 5.23), enfatizar a totalidade do ser humano. Essa
interpretação é amparada pelo contexto:
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pode ser considerada uma pessoa. (Uma pedra, uma árvore ou um animal
irracional, por exemplo, não são seres pessoais, pois não possuem essas
qualidades.) Em vista disso, como que fica a posição tricotômica ao ensinar que
tais atributos estão presentes apenas na alma? Ora, se nosso espírito não pensa,
não sente e não tem vontade, então só podemos concluir que ele não é uma
pessoa, mas uma “coisa”, um elemento impessoal. Porém, como que uma “coisa”
pode relacionar-se com Deus ou com quem quer que seja? Como que os
tricotomistas solucionam essa contradição?
Para nós, esse problema—que surge a partir do momento em que os
tricotomistas diferenciam a alma do espírito, contrariando, assim, o uso bíblico
desses dois termos—é intransponível. A menos, é claro, que admitam que as
Escrituras não fazem qualquer distinção entre esses dois vocábulos,
considerando-os sinônimos.
CONCLUSÃO
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para aprendermos acerca de nossa constituição (e vice-versa). Esses dois assuntos
são as duas faces de uma mesma moeda e, portanto, devem ser tratados sempre
em conjunto, uma vez que o conhecimento de um lança luzes sobre o outro.
Ora, saber do vínculo entre esses dois temas reveste-se de grande relevância
para esse debate, visto que a dicotomia, além de ter a seu favor o fato de alma e
espírito serem usados na Bíblia como sinônimos, apóia-se em textos que falam
sobre o destino do homem após a morte. No entanto, a tricotomia busca refúgio
em duas passagens que não têm qualquer lição acerca do que se sucede com a
pessoa no momento da morte, tampouco sobre a condição dela no além. Portanto,
a dicotomia é, sem dúvida, uma concepção muito mais sólida e confiável quando
queremos conhecer nossa constituição, uma vez que os textos que a apóiam falam
sobre o Destino Humano, assunto este que, como vimos, está umbilicalmente
ligado à Natureza Humana.
Foi por causa da quantidade e do poder de convencimento de todas essas
evidências que nos propusemos a defender, neste estudo, a dicotomia,
reputando-a como a posição que está de acordo com aquilo que as Escrituras
ensinam sobre nossa natureza. Deus nos criou com duas partes: corpo e alma (=
espírito).
BIBLIOGRAFIA
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