259-Texto Do Artigo-998-1-10-20181006
259-Texto Do Artigo-998-1-10-20181006
259-Texto Do Artigo-998-1-10-20181006
“ZONAS DE SACRIFÍCIO”
Ricardo Alexandre da Silva
Laura Machado de Mello Bueno
RESUMO
A urbanização implementada no processo capitalista brasileiro de industrialização com
baixos salários, segregação socioespacial e pouca regulação urbanística, configurou áreas que
concentram problemas sociais e ambientais. A moradia dos mais pobres, sem saneamento
ambiental e desflorestadas, associa-se a áreas degradadas e contaminadas, um processo
promovido pelo poder público, direta ou indiretamente. A expressão “zonas de sacrifício” é
adequada para descrever localidades escolhidas para receber atividades de grande poluição,
contaminação, incômodo ou periculosidade, cujos impactos negativos são sentidos pelos
moradores próximos. O conceito surgiu nos EUA nos anos 1980, quando os movimentos
sociais fizeram inúmeras denúncias relacionando a segregação racial e a localização de
empreendimentos de alto impacto ambiental, como aterros sanitários ou estações de
tratamento de esgotos. (ACSELRAD, 2004) O estudo da qualidade e do conforto urbanos nas
cidades brasileiras depara-se com esse fenômeno, que coloca em cheque o processo de
projeto do ambiente construído e do planejamento urbano e regional. Em nosso caso, foram
ampliadas as tipologias de degradação ocorridas na região sudoeste da Região
Metropolitana de Campinas, com foco na sub–bacia do ribeirão Piçarrão em Campinas,
detectando-se as áreas que historicamente também foram sacrificadas para produzir e apoiar
a atividade urbana em geral, usadas para remoção de solos, bota-fora, lixões, cavas
resultantes de exploração de jazidas de produtos para construção civil, além dos terrenos
contaminados por resíduos urbanos e industriais. O planejamento territorial é insuficiente
para enfrentar o problema, que não urbano ou ambiental, mas de caráter mais amplo.
INTRODUÇÃO
Esse texto procura apresentar a tese de que a implantação do processo capitalista brasileiro
de industrialização com baixos salários, segregação socioespacial e pouca regulação
urbanística (conforme afirmam, Francisco de Oliveira, Ermínia Maricato e Flávio Villaça,
entre outros) apoiou-se em territórios que concentram problemas sociais e ambientais. Não
se trata apenas da moradia dos pobres, sem saneamento ambiental e desflorestamento. As
atividades fundamentais feitas no processo produtivo, também fazem parte deste cenário. E
nesse sentido, podem ser consideradas “zonas de sacrifício”. Essa expressão, consagrada pela
ação dos movimentos sociais e na literatura sobre justiça ambiental, descreve áreas com
atividades econômicas que geram problemas ambientais próximas a assentamentos
humanos, com moradores pobres e com pouca capacidade de pressão política de resistência
à proximidade de atividades poluidoras. A discussão baseia-se no estudo da região sudoeste
de Campinas, na Região Metropolitana de Campinas (RMC), SP, importante pólo econômico,
com base industrial e de serviços ligados à alta tecnologia e pesquisa, que apresenta áreas de
1
1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para o estudo das mudanças climáticas e as formas de ocupação urbana em Campinas
selecionou-se dois locais contrastantes, quanto a tipos urbanísticos, morfologia e padrões
socioespaciais, para avaliar o comportamento climático destes locais e elaborar cenários
futuros. Na região sudoeste, em trecho da sub-bacia do ribeirão Piçarrão2, com grande
concentração de assentamentos irregulares, habitação precária e carência de serviços e
equipamentos públicos e sociais, e um trecho da sub-bacia do ribeirão Anhumas, na área
consolidada de Campinas. Nas atividades de campo iniciadas em fevereiro de 2011 na área
sudoeste, verificou-se forte presença de áreas com intensa degradação ambiental e
paisagística: atividades econômicas com baixo grau de organização e controle, locais com
despejo de resíduos diferenciados, atividades de exploração de materiais básicos para
construção civil e sobretudo, obras públicas e privadas de grande porte, notadamente do
setor habitacional, dentro do Programa Federal Minha Casa Minha Vida (MCMV). Essa
descoberta proporcionou diversas inquietações sobre quais seriam as origens deste quadro,
os efeitos sobre a população urbana próxima, já com condições precárias de vida, e como
tratar esse quadro em cenários futuros. Assim, revisou-se uma literatura sobre esse
problema, destacando-se as áreas contaminadas por atividades econômicas em áreas rurais e
1Iniciada em setembro de 2011, com duração de dois anos, em processo colaborativo com as equipes do Rio de
Janeiro e Campinas, SP.
2 Piçarrão remete à ocorrência de jazidas de piçarra, uma rocha alterada usada na preparação de leitos de
estradas.
2
3 Aspectos históricos da estruturação de Campinas no início do século XX não são tratados neste texto.
3
4 http://www.sanasa.com.br/document/relatorioanual/relatorioanual_11.pdf disponível 24 maio de 2012
5 ver nota 4
6 http://www.sanasa.com.br disponível em 24 de maio de 2012. Não há dados sobre tratamento de esgotos no
site.
Segundo o IBGE/2010, Campinas apresenta 348268 domicílios particulares permanentes, sendo somente 5253 em
área rural. http://www.seade.gov.br/produtos disponível em 24 de maio de 2012
5
Torres (2000) afirma que, indivíduos e grupos sociais apresentam diferentes capacidades de
se proteger, conforme suas condições socioeconômicas e culturais.
Assim, ao estudar os espaços metropolitanos, torna-se fundamental verificar a localização
tanto de áreas ou atividades que trazem risco, quanto aos agrupamentos sociais mais
vulneráveis. A partir de Cunha et al. (2006) pode-se caracterizar a vulnerabilidade de
indivíduos, famílias ou grupos sociais pelas suas condições de fragilidade e desemparo em
relação a mudanças de condições ocorridas em seu entorno, situação ampliada pela ausência
de estruturas e políticas públicas, gerando insegurança, desmotivação e paralisia. Segundo
esses autores:
7 BECK (1997) caracteriza sociedade contemporânea como de risco. Localidades com comprometimento das
águas, ar ou solos, presença de instalações industriais perigosas – petroquímicas, de armamentos, por exemplo,
espalhadas nos diversos continentes, geram uma multiplicidade de opiniões, percepções e sentimentos, inclusive
o medo e a ameaça.
7
A expressão zona de sacrifício tem sua origem nos Estados Unidos, através da ação do
movimento de Justiça Ambiental que relacionou a concentração espacial de males ambientais
do desenvolvimento e desigualdades sociais e raciais naquele país. Em 1987, um estudo
patrocinado pela Comissão de Justiça Racial da United Church of Christ, indicou que todos os
depósitos de lixo tóxico do território americano, estavam localizados em áreas habitadas pela
comunidade negra (VIÉGAS, 2006). A expressão é utilizada pelos movimentos de justiça
ambiental como forma de designar as localidades com superposição de empreendimentos e
instalações responsáveis por danos e riscos ambientais e áreas de moradia de populações de
baixa renda. O valor da terra é mais baixo, assim como o acesso dos moradores (com
fragilidade organizacional e na representação política) aos processos decisórios, o que
determina as escolhas das localizações voltadas para usos perigosos e destinação dos rejeitos
urbanos e industriais. Essas áreas degradadas, contaminadas e com ausência de requisitos
Em 2001 foi criada a Rede Brasileira de Justiça Ambiental, que define injustiça ambiental
como um mecanismo pelo qual as sociedades desiguais do ponto de vista econômico e social
destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa
renda, aos grupos raciais discriminados, aos povos étnicos, aos bairros operários, às
populações marginalizadas e vulneráveis (ACSELRAD et al., 2009).
A ação política dos grupos sociais depende de sua capacidade de organização e dos
mecanismos propostos pelo Estado democrático para garantir o controle social da política
pública. Assim, Swyngedouw e Cook (2009, p. 13) afirmam que “A justiça ambiental é ao
mesmo tempo um conceito normativo e um movimento social (ou melhor, um agrupamento
de movimentos sociais)”.
Mais recentemente a urbanização trouxe à tona outro aspecto do passivo ambiental, as áreas
ociosas no espaço urbano e periurbano, porém, com solos contaminados. Em 2002 foi
divulgada a primeira lista de áreas contaminadas no Estado pela CETESB, com 255 locais.
Em 2004 foram divulgados 724 locais. Os últimos dados divulgados (dezembro de 2011)
somam 4131 áreas8. O cadastro foi realizado com suporte técnico e financeiro da GTZ
(entidade alemã de cooperação internacional), após a ocorrência de explosões e
contaminações de trabalhadores em empreendimentos imobiliários em áreas industriais
desativadas. Desde então a CETESB tem procedimentos constantes de identificação de casos,
avaliação de risco e contaminação, projetos de remediação e recuperação.
Uma área contaminada, segundo a CETESB (2011) pode ser definida como um local ou
terreno onde há comprovadamente a poluição ou contaminação causada pela introdução de
quaisquer substâncias, ou resíduos que nela tenham sido depositados, acumulados,
armazenados, enterrados ou infiltrados de forma planejada, acidental ou mesmo natural. Os
poluentes ou contaminantes podem concentrar-se no solo, nos sedimentos, nas rochas, nos
materiais utilizados para aterros, nas águas subterrâneas ou nas zonas não saturadas e
saturadas, além de poder concentrar-se nas paredes, pisos e estruturas de construções
existentes. Desta forma, grande número de substâncias potencialmente perigosas pode estar
presente em um local, embora geralmente as concentrações sejam baixas.
8 A quantidade de postos de gasolina (3217), geralmente localizados no espaço intra-urbano, demonstra a
fragilidade do controle sobre o comportamento deste setor, sobre as formas de transporte e acondionamento. As
atividades comerciais somam 179, industriais 577, resíduos 121, acidentes, causas desconhecidas e agricultura 37
casos. http://www.cetesb.sp.gov.br/userfiles/file/areas-contaminadas/2011/texto-explicativo.pdf. Acessado
em 10 de novembro de 2012.
10
bota-foras são áreas de pequeno e grande porte, privadas ou públicas, que vão sendo
designadas oficial ou oficiosamente para a recepção dos Resíduos de Construção e
Demolição (RCD) e outros resíduos sólidos inertes. A oferta dessas áreas por agentes
privados se faz em função principalmente do interesse de aterra-las e, com isso,
conquistar uma valorização no momento da sua comercialização.
Segundo ANGULO (2005) a solução comum para a deposição desses resíduos, são os aterros
privados, grande parte clandestinos. E apesar da aparência inerte, o levantamento
bibliográfico internacional demonstra que componentes orgânicos como plásticos, tintas,
óleos e madeiras, bem como amianto e algumas substâncias inorgânicas podem contaminar
aterros ou colocar em risco a saúde.
11
9 Ao assumir, o prefeito Hélio de Oliveira Santos, compôs sua base de apoio, com a participação dos Democratas,
partido ao qual foi confiada a SEPLAMA, tendo o secretário – Márcio Barbado, indicado com apoio da
HABICAMP, SECOVI, AREA e CREA, para ser o “Secretário” do Plano. Em 2005 foi feito o Congresso da Cidade
que instituiu um processo participativo dirigido pela SEPLAMA (ZAPAROLI, 2010, p. 95-96).
10 Diversos estudos foram contratados ou elaborados pela Prefeitura para planos locais e operações urbanas. Está
em andamento uma operação na região norte de ampliação dos centros de pesquisa e industrias de alta tecnologia
e grandes empreendimentos imobiliários horizontais fechados e verticais. A Operação urbana ligada ao
Aeroporto ainda não foi aprovada. Apenas o Plano Local para a Macrozona 5 foi aprovado (setembro de 2012).
12
Mas a espacialização das áreas contaminadas do Cadastro da CETESB, esta apresenta uma
distribuição diferente das áreas de irregularidade fundiária e urbanística, sobretudo aos
loteamentos e ocupações. Como mostra a Tabela 3, mesmo desprezando-se os postos, as
áreas contaminadas concentram-se na MZ 4 (20 casos), a Campinas consolidada, onde se
iniciou a industrialização, secundada de longe, pelas MZ 5 e 9, com 3 áreas cada.
11
Foram utilizados os dados de domicílios em assentamentos precários não consolidáveis, Tabela 8.3.3.1 do
Plano Municipal de Habitação, disponível em http://2009.campinas.sp.gov.br/bibjuri/planohabitacao-2012.pdf .
A área das ZEIS foi retirada do PD 2006.
13
14
15
A ausência do Estado, seja através da inclusão deste território no mundo formal, e de sua
população à cidade, fortalece as práticas desregradas no campo privado.
É papel da pesquisa esclarecer a associação entre as quatro características socioespaciais que
vem formando as “zonas de sacrifício” em nossas cidades, considerando uma evolução
possível na construção de cenários:
Esses resultados podem informar gestores públicos e grupos sociais, de forma a fortalecer os
processos de participação e concretização do “direito a cidades sustentáveis, entendido como
o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao
transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer” conforme o Estatuto das Cidades.
16
ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília C. A.; BEZERRA, Gustavo N, (orgs.). 2009, O que é
Justiça Ambiental, Rio de Janeiro, Garamond, Rio de Janeiro.
ACSELRAD, Henri. 2010. Ambientalização das lutas sociais - o caso do movimento por justiça
ambiental. ESTUDOS AVANÇADOS 24 (68): 103-19, 2010 disponível em
http://www.scielo.br/pdf/ea/v24n68/10.pdf
ACSELRAD, Henri. (Org.). 2004. Conflito social e meio ambiente no Estado do Rio de Janeiro. Rio
de Janeiro: Relume Dumará, 262 p.
CUNHA. José M. P. da., JAKOB. Alberto A. E., HOGAN. Daniel J., e CARMO. Roberto L.
2006. A vulnerabilidade social no contexto metropolitana: o caso de Campinas. In. CUNHA. José M.
P. da (org.). Novas Metrópoles Paulista: população, vulnerabilidade e segregação.
NEPO/UNICAMP.
LOPES, Manoela G. R. .2012. Risco nas passagens de nível ferroviárias – lições do caso do acidente
de Americana – SP. SPU – USP. São Paulo. Dissertação de Mestrado.
MARQUES NETO, José da C. .2009. Estudo da Gestão Municipal dos Resíduos de Construção e
Demolição na Bacia Hidrográfica do Turvo Grande (UGRHI-15). EE/USPCAR. São Carlos. 629p.
Tese de Doutorado.
PAULELLA, Ernesto D.; SCAPIM, Clair. 1996. Campinas: a gestão dos resíduos sólidos urbanos.
PMC – Secretaria de Serviços Públicos e de Administração. Campinas. 224p.
RAMIRES, Jane Z. dos S. 2008. Áreas Contaminadas e os Riscos Socioambientais em São Paulo.
FFLCH/DGGH – USP. 174p. Dissertação de mestrado.
SEMEGHINI. 1991. Ulysses C. Do café à indústria: uma cidade e seu tempo. Editora da Unicamp,
197p.
17
SWYNGEDOUW Erik e COOK. Ian R. 2009. Cities, social cohesion and the environment. Social
Polis Survey Paper. Disponível em
http://www.sed.manchester.ac.uk/geography/staff/documents/Cities_social_cohesion_an
d_environment.pdf
Sites consultados:
http://www.campinas.sp.gov.br/governo/seplama/plano-diretor-2006/
http://2009.campinas.sp.gov.br/bibjuri/planohabitacao-2012.pdf
http://www.cetesb.sp.gov.br/solo/informacoes-basicas/5-poluicao
http://www.cetesb.sp.gov.br/userfiles/file/areas-contaminadas/2011/texto-
explicativo.pdf
http://www.cetesb.sp.gov.br/userfiles/file/areascontaminadas/2011/municipios.pdf
http://www.sanasa.com.br/document/relatorioanual/relatorioanual_11.pdf
http://www.seade.gov.br/produtos
18